UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE TECNOLOGIA CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO Estação Cultural Comunitária do Guarapes: Anteprojeto de um Centro de Cultura com enfoque na comunidade do bairro Guarapes, em Natal, Rio Grande do Norte. NATAL / RN 2021
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE TECNOLOGIA
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
Estação Cultural Comunitária do Guarapes: Anteprojeto de um Centro de Cultura com
enfoque na comunidade do bairro Guarapes, em Natal, Rio Grande do Norte.
NATAL / RN
2021
2
JESSYCA ALENCAR E SILVA
Estação Cultural Comunitária do Guarapes: Anteprojeto de um Centro de Cultura com
enfoque na comunidade do bairro Guarapes, em Natal, Rio Grande do Norte.
Trabalho Final de Graduação apresentado ao
Curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
como requisito para obtenção do grau de
Arquiteta e Urbanista.
Orientador: Profª. Mônica Lima.
NATAL / RN
2021
3
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN – Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco – DARQ - - CT
Silva, Jessyca Alencar e.
Estação cultural comunitária do Guarapes: anteprojeto de um
centro de cultura com enfoque na comunidade do bairro Guarapes,
em Natal, Rio Grande do Norte / Jessyca Alencar e Silva. - 2021.
96f.: il.
Monografia (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Centro de Tecnologia, Departamento de Arquitetura.
Natal, RN, 2021.
Orientadora: Mônica Maria Fernandes de Lima.
1. Centro de cultura - Monografia. 2. Comunidade -
Monografia. 3. Uso comunitário - Monografia. I. Lima, Mônica
Maria Fernandes de. II. Título.
RN/UF/BSE15 CDU 725.8
Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344
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JESSYCA ALENCAR E SILVA
Estação Cultural Comunitária do Guarapes: Anteprojeto de um Centro de Cultura com
enfoque na comunidade do bairro Guarapes, em Natal, Rio Grande do Norte.
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
2. SOB A ÓTICA DOS AUTORES ................................................................................................................................... 17
2.1 A cultura e a sua relevância ................................................................................................... 17
2.2 O centro de cultura .................................................................................................................... 19
2.3 Comunidade e o espaço de uso comunitário ...................................................................... 21
ANÁLISE
3. GUARAPES: DE UM PASSADO ÁUREO PARA UMA REALIDIDA CONFLITUOSA ............................................................. 26
3.1 Um breve histórico .................................................................................................................... 27
3.2 Condição socioeconômica atual ............................................................................................ 29
4.1 Estudo de projetos correlatos ............................................................................................... 36
4.1.1 RedBull Station ................................................................................................................ 47
4.1.2 Centro Comunitário El Rodeo de Mora ..................................................................... 43 4.1.3 Quadro síntese ................................................................................................................. 48
5. CONDICIONANTES DE PROJETO .............................................................................................................................. 51
5.1 Sob a ótica da comunidade ...................................................................................................... 51
5.1.1 Participação de natureza consultiva ....................................................................... 51
5.1.2 Uma perspectiva local ............................................................................................... 52
5.2 Problemas e potencialidades ................................................................................................. 57
5.3 Área de intervenção projetual ............................................................................................... 58
5.3.1 Condicionantes físicas e entorno .............................................................................. 59
5.3.2 Condicionantes legais e ambientais ......................................................................... 63
8. MEMORIAL DESCRITIVO......................................................................................................................................... 80
8.2 Soluções finais ............................................................................................................................ 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................................. 85
projetos de educação fora do ambiente escolar, estabelecendo uma conexão
entre os diversos âmbitos do conhecimento.
Conectando a finalidade destas edificações ao conceito de cultura, Milanesi
(2003) escreve que o principal intuito de um centro cultural deve ser resgatar as
origens da população da cidade em que se insere, havendo duas formas de
promoção deste resgate: a preservação quase museológica e a transformação a
partir da matriz tradicional. Na primeira, as atividades e técnicas desenvolvidas no
centro de cultura persistem ao longo de anos, servindo para que a sociedade não
perca sua memória; na segunda, como sugere o próprio nome, as tradições são
modificadas ao se adaptarem aos meios atuais de produção, mas mantendo a
essência de suas raízes.
Nesta reflexão, os centros de cultura devem preservar a cultura local para
que os usuários passem a assimilá-la, tornando-se imprescindível o cuidado de
não reproduzir exatamente as mesmas atividades já desenvolvidas, mas sim
atividades e dinâmicas afins, na região em que se insere para que não deixe de ser
atrativo.
Ainda conforme o autor, os centros culturais se constituem como espaços
para se fazer cultura viva, por meio de obra de arte, com informação, em um
processo crítico, criativo, provocativo, grupal e dinâmico. Deste modo, os espaços
que promovem cultura permitem a descoberta e o conhecimento a partir do
acesso às atividades relativas aos verbos informar, discutir e criar.
O primeiro verbo, informar, envolveria as atividades relacionadas à
transmissão de informações, como o oferecer o acesso a livros e outros tipos de
registros de conhecimento, como cartazes, filmes e palestras. Devido a isto, nos
centros sempre devem existir ambientes cuja prioridade seja promover a troca de
informação: auditórios, pátios, teatros, arenas, bibliotecas, salas de vídeo e
informática.
O verbo discutir seria um complemento ao verbo informar, abrangendo
atividades capazes de promover a reflexão, como seminários e ciclos de debate.
A promoção da interação entre pessoas, para este fim, pode ocorrer em espaços
como lanchonetes e pátios.
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Como somatório entre os verbos anteriores, o verbo criar se mostra como
principal objetivo de um centro cultural, já que a criação permanente acaba com a
inércia e a rotina de reproduções. Neste caso, o desenvolvimento de atividades
criativas pode ocorrer em espaços como oficinas de arte, ateliers, salas de
múltiplo uso e ambientes onde possam ser realizados trabalhos mais técnicos.
Neves (2013) complementa esta conceituação sobre a finalidade e o
funcionamento do centro cultural frisando que as atividades culturais não devem
apenas ser realizadas para as pessoas, e sim com elas. Para isso, a autora
considera três campos relativos ao trabalho cultural: a criação, tanto de bens
culturais quanto a partir de formação artística e educação estética; a circulação
de bens culturais, evitando que o centro de cultura se torne apenas um espaço
dedicado ao lazer; e a preservação do campo do trabalho cultural.
As questões mais subjetivas acerca da funcionalidade e das atividades
desenvolvidas neste tipo de construção terão de considerar as demandas de uma
comunidade específica, seja uma comunidade artística de dimensão global, ou da
comunidade de uma cidade ou região, conforme Souza (2012). Um exemplo
citado pelo autor são os centros culturais comunitários, que levam em
consideração as demandas locais e servem como suporte às famílias de baixa
renda.
Por fim, retomando uma problemática apontada no tópico anterior, cujo
principal dificultador de incentivo a cultural local é o processo de globalização,
enfatizamos o centro cultural como um espaço que deve construir laços com a
comunidade e os acontecimentos locais, ajudando a fortalecer o regionalismo,
funcionando como um equipamento informacional e proporcionando cultura para
os diferentes grupos sociais, buscando promover a sua integração.
2.3 COMUNIDADE E O ESPAÇO DE USO COMUNITÁRIO
Diante da palavra “comunidade” vislumbramos uma série de significados,
ao mesmo tempo divergentes e semelhantes em certo nível. Podemos, em
primeiro momento, associá-la às relações entre pessoas próximas fisicamente ou
simbolicamente, ou a grupos virtuais em determinados sites de relacionamento,
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ou utilizá-la como sinônimo de favela etc. São sentidos atribuídos
automaticamente e que remetem a sua etimologia, a qual tem origem na palavra
“comum”.
A especialista em comunicação social Cecília Peruzzo (2009) avalia que o
termo “comunitário” vem sendo utilizado de forma desordenada, principalmente
em detrimento da globalização e da aproximação virtual entre pessoas. No
entanto, há peculiaridades possíveis de serem identificadas nas mais diversas
interpretações. De acordo com a autora:
[...] não há como negar é que a palavra “comunidade” evoca sensações de solidariedade, vida em comum, independentemente de época ou de região. Atualmente, seria o lugar ideal onde se almejaria viver, um esconderijo dos perigos da sociedade moderna. Como nos mostra Bauman (2003:7), “‘comunidade’ produz uma sensação boa por causa dos significados que a palavra ‘comunidade’ carrega”: é a segurança em meio à hostilidade. (PERUZZO, 2009, p.140).
Conforme a reflexão acima – em que a palavra permite-se compreender
como de sentido comum, de adesão e mutualidade – no dicionário de língua
portuguesa temos a seguinte descrição para as palavras comunidade e
comunitário: “co-mu-ni-da-de sf 1. Qualidade de comum. 2. Corpo social; a
sociedade. 3. Grupo de pessoas submetidas a uma mesma regra religiosa. 4.
Local por elas habitado. [...]”; “co-um-ni-tá-rio adj. Relativo a comunidade.”
(FERREIRA, 2000, p. 170).
Para Leila de Albuquerque (2009), os conceitos de comunidade e sociedade
costumam estar associados e fazem parte da tradição sociológica weberiana,
apesar de terem sido sistematizados pelo sociólogo Ferdinand Tönnies. Nesta
relação entre os termos, “comunidade” carrega consigo as simbologias positivas
associadas ao conceito de sociedade:
No século XIX, a noção de comunidade é resgatada e, como a sua antítese, passa a simbolizar a imagem de uma boa sociedade, pelo menos para os utópicos ou os resistentes ao modelo de solidariedade instaurado pela modernidade. O conceito de comunidade é empregado, nos séculos XIX e XX, para todas as formas de relacionamento caracterizadas por intimidade, profundeza emocional, engajamento moral e continuidade no tempo. (ALBUQUERQUE, 2009, p.50).
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Tomando, então, comunidade como conceito teórico relacionado a um
otimismo social e à solidariedade, este pode ser compreendido a partir de três
gêneros: o de parentesco, de vizinhança e de amizade (TÖNNIES apud PERUZZO,
2009).
Para a área da arquitetura e urbanismo, o gênero vizinhança, elaborado por
Tönnies, é o mais aproveitável, pois nele é possível identificar a existência de
comunidades na vida urbana. Sendo assim, o espaço urbano vivido pode ser
representado pela comunidade de vizinhança, a qual “[...] caracteriza-se pela vida
em comum entre pessoas próximas, da qual nasce um sentimento mútuo de
confiança, de favores, etc. Dificilmente isso se mantém sem a proximidade física.”
(TÖNNIES apud PERUZZO, 2009, p. 142). Portanto, pode-se dizer que a vida em
comunidade está baseada em relações sociais, constituindo-se como uma
sociedade, “[...] mas nem toda sociedade é uma comunidade” (PARK, BURGESS
apud PERUZZO, 2009, p. 142).
Devemos, assim, ter em mente que o termo comunidade sempre possuirá
como característica intrínseca o sentido de comunitário, o qual também remete à
vida em comunidade, necessitando de um espaço, urbano ou não, de aproximação
das relações entre pessoas. Nesse sentido, o espaço, um dos principais conceitos
de interesse da arquitetura e do urbanismo, mostra-se como um elemento
primordial para vida em comunidade e o desenvolvimento de laços comunitários.
Segundo Débora Machado (2009), o espaço de uso público acarreta
sempre como consequência de existência o uso coletivo. Em contrapartida, um
espaço de uso coletivo nem sempre é público, pode ser privado ou comunitário.
A rua, elemento primordial dos estudos urbanos, é capaz de funcionar
como um espaço comunitário, conforme o comportamento da população que a
usufrui, pois, um espaço originalmente público apenas torna-se comunitário
quando moradores e usuários passam a tratá-lo como de sua responsabilidade,
zelando pela sua preservação (MACHADO, 2009).
Então, o espaço comunitário representa “[...] o lugar comum de convivência,
necessário para a habitação, cultura, serviços, educação e lazer, naquele onde as
pessoas vivem experiências em comuns e percebem o mundo.” (MACHADO, 2009,
p. 23). Além disto, ele é relativo à comunidade, a qual equivale “[...] ao conjunto de
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pessoas com os mesmos interesses e que se organizam respeitando seus
próprios costumes e hábitos [...]” (MACHADO, 2009, p. 23).
Por consequência, um espaço só possui o atributo comunitário ao atender
às necessidades e expectativas de uma comunidade específica, seja de uma
região, do bairro ou do município (MACHADO, 2009). Por isso, em casos onde o
espaço de uso comunitário é viabilizado por uma construção arquitetônica é
incentivado, por profissionais e estudiosos da área, que se utiliza de metodologias
de participação popular na concepção do projeto.
Como mencionado no tópico anterior, um centro de cultura, por exemplo,
pode atender às demandas de uma região específica, o que evidencia a arquitetura
como possibilitador da ampla variedade de espaços que possam sustentar o uso
comunitário, os quais podem oferecer lazer, esporte, cultura ou educação.
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A N Á L I S E
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3. GUARAPES: DE UM PASSADO ÁUREO PARA UMA REALIDADE CONFLITUOSA
O Guarapes é o segundo bairro mais recente da capital potiguar, tendo sido
oficializado como tal em 1993 pela lei 4.328. Fica localizado na região
administrativa oeste da cidade, entre os bairros Felipe Camarão e Planalto, na
fronteira com Macaíba, margeado pela BR-226 e o rio Jundiaí (Figura 02), sendo
na atualidade o bairro menos adensado da capital. Em primeiro momento, suas
divisas eram estabelecidas até os limites vigentes do Planalto, porém, em 1998
este último consolidou-se por lei como sendo único. Apesar de terem se
constituído oficialmente como bairros distintos, ainda é bastante comum que
pessoas confundam ambos.
Figura 02 – Mapa da cidade do Natal, com destaque para o bairro Guarapes, na zona oeste.
Retomando sua história a partir da segunda metade século XIX, o complexo
comercial da localidade do Guarapes foi a maior praça comercial da província do
Rio Grande do Norte, comandada pelo comerciante e político paraibano Fabrício
Gomes Pedroza.
De acordo com Alves (2015), foi a influência política do comerciante que
induziu a captação de investimentos do governo para a localidade do Guarapes,
no intuito de fomentar a atividade comercial por ele chefiada. Com a instalação de
sua casa comercial na margem direita do Rio Jundiaí, na atual BR-226 (que liga
Natal a Macaíba), aos poucos seguiram as construções de demais edifícios para
suporte e apoio comercial.
O posicionamento geográfico estratégico da localidade, próxima dos Rios
Jundiaí e Potengi, possibilitou que se tornasse uma zona de fluxo de mercadorias
distribuídas para as diversas partes do interior da província, permitindo a
comercialização entre interior e litoral.
Câmara Cascudo (1999) descreve o complexo comercial:
Na colina solitária, a curva do rio doce, amplo, igual. Fundou-se “Casa de Guarapes”. Embaixo, margeando o rio, a fila dos armazéns bojudos que tudo guardavam e vendiam. Em cima, os escritórios, almoxarifado, a capela, a escola, o quartel-general da ação. (CASCUDO, 1999. P.28).
A citação do autor mostra que o complexo era composto por uma série de
instalações, das quais, o casarão principal se responsabilizava pelo protagonismo;
a sequência de armazéns às margens do Rio Jundiaí, junto ao ancoradouro,
revelava sua significativa irradiação econômica, que exportava para a Europa
produtos produzidos na província – como algodão – e importava produtos
manufaturados (ALVES, 2015).
Pela articulação e estabilidade do complexo comercial, o casarão é
lembrado pela historiografia tradicional do Rio Grande do Norte, ressaltando a
imponência do edifício e o apogeu econômico associado a ele. No discurso do
presidente Leão Velloso, de 1862, Guarapes aparece como importante entreposto
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comercial que transferiria para Natal a movimentação comercial dispersa no
interior (RODRIGUES, 2006, p. 64):
... por minha parte não vejo que a província tenha outra localidade mais apropriada a ser o centro de suas relações officiaes do que esta [Natal], assim como não vejo que esta cidade tenha de soffrer com o desenvolvimento de Guarapes como ponto comercial, ao contrario d’alli não se pode espera que lhe venha senão elementos de prosperidade. (Relatório do Presidente Leão Velloso de 16 de fevereiro de 1862. p.48-49).
Na teoria, seu funcionamento se deu até 1872, devido à morte do
proprietário, Fabrício Gomes Pedroza. Porém, o complexo de armazéns que
suportavam o casarão, as estradas, o ancoradouro, pontes, casas de
trabalhadores, entre outros, não teriam sido completamente desativados após
essa data. O enfraquecimento do comércio da região teria sido influenciado,
também, pela perda de importância dos rios Jundiaí e Potengi no transporte
comercial, devido ao desenvolvimento de linhas férreas e estradas de rodagem
(ALVES, 2015).
Figura 03 – Ruínas do antigo complexo comercial do Guarapes.
Fonte – https://www.caurn.gov.br/?p=13634.
Hoje em dia também conhecido como “museu velho”, o antigo casarão se
encontra abandonado e em ruínas (Figura 03), apesar de ter sido tombado pelo
Patrimônio Histórico Estadual pela Portaria nº 456/90 em dezembro de 1999; em
2002 as ruínas e seu terreno circundante foram desapropriados para pertencerem
ao governo do Estado, se tornando um bem público (ALVES, 2015).
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Após a queda do entreposto comercial não se encontram muitas
informações oficiais sobre a trajetória e desenvolvimento da localidade Guarapes,
que viria a se tornar oficialmente bairro nos anos de 1990. Todavia, é possível
apontar que o processo de expansão urbana da capital, cuja ocupação e uso do
solo passam a ser fortemente influenciadas por programas habitacionais,
impactou negativamente para o desfalque em serviços e infraestrutura pública na
Zona Norte e Zona Oeste, por não possuírem um solo urbano com valorização
imobiliária, conforme Bezerril, 2016. Os programas habitacionais mencionados
foram os implementados a partir de 1963, quando o Governo do Estado elaboraria
o primeiro Plano Habitacional Popular, e também pela criação do Banco Nacional
de Habitação (BNH), no final dos anos 1960, que acabaram por criar uma política
habitacional segregadora, em que uma parte da cidade recebeu mais
investimentos e se desenvolveu mais do que outra.
3.2 CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA ATUAL
Observando o Guarapes nos dias de hoje pode-se dizer que ele ainda possui
características de área de expansão urbana, apresentando baixos índices de
ocupação na maior parte de seu território.
Em consonância com o censo levantado pelo IBGE (2010), o Guarapes se
apresenta como o bairro com o menor número de domicílios entre 2000 e 2010, e
cerca de 68% de seu território ainda é de cobertura vegetal. Sobre isto, é
importante destacar a restrição de adensamento imposta ao bairro por conter em
seu território a Zona de Preservação Ambiental dos cordões dunares, ou ZPA-4.
No entanto, mesmo com esta particularidade ambiental, seu afastamento
geográfico e a dificuldade de acesso aos centros e principais vias da capital e,
também, a infraestrutura urbana de baixa qualidade, se mostram como fatores
elementares do baixo adensamento (DIÓGENES, 2014).
Além da particularidade ambiental, todo o bairro está contido numa
Mancha de Interesse Social (MIS), cuja predominância de renda é de até 03
salários mínimos (SEMURB, 2017).
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O trajeto histórico mais recente do bairro muito difere do seu passado
como importante entreposto comercial na capitania do Rio Grande do Norte,
tendo sido bastante influenciado por sucessivos reassentamentos de famílias
advindas de periferias da cidade. Como exemplo dos primeiros reassentamentos
promovidos pelo poder público, tem-se a favela do Fio e a do DETRAN, que, “em
1988, foram ali abrigadas por viverem em situação de risco” (SEMURB, 2007),
dando início a expressiva ocupação do território do bairro.
De acordo com Caroline Diógenes (2014), entre 2008 e 2009 foram
entregues pela Secretaria de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos
Estruturantes (SEHARPE) dois conjuntos Habitacionais de Interesse Social (HIS),
os quais faziam parte do projeto Planalto II, desenvolvido a partir das premissas
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e com o intuito de reduzir o
déficit habitacional da capital. Foram eles: o conjunto Santa Clara e o Leningrado,
localizados próximos entre si no extremo leste do bairro (Figura 04).
Em seu trabalho a autora avalia a qualidade destas habitações, sobretudo
por terem sido inseridas em uma região pouco abastecida por equipamentos
públicos e infraestrutura urbana que pudessem amparar as novas famílias que
chegavam:
As famílias foram para os citados conjuntos habitacionais em junho de 2009, evidenciando problemas relativos à inserção urbana, principalmente, quanto ao acesso a transporte público e aos equipamentos de saúde, educação, entre outros. (DIÓGENES, 2014, p. 23)
Somente após a posse das famílias que foram ocorrendo melhoras na
infraestrutura urbana. Entre 2010 e 2012 foi promovido o calçamento em algumas
ruas do Leningrado e seu entorno, e também, foram criadas as primeiras linhas de
ônibus (linha 599 e linha 41) com terminal dentro do bairro. Esse aprimoramento
ocorreu devido reivindicação popular, e foi promovido pela Secretaria Municipal de
Mobilidade Urbana (SEMOB), beneficiando em média 1.500 habitantes. Mas, a
longa espera e atrasos das linhas faz com que muitos moradores prefiram ir a pé
ao terminal do Planalto, onde existem mais opções de linhas de ônibus
(DIÓGENES, 2014).
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Em 2014, outro reassentamento foi realizado ao lado dos conjuntos
habitacionais citados a cima. Conforme a Prefeitura Municipal do Natal, para a
entrega do condomínio vertical Vivendas do Planalto (Figura 04), com 896
unidades habitacionais, a SEHARPE cedeu o benefício financeiro a 448 famílias
cadastradas no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), advindas de
assentamentos existentes no Guarapes e no Planalto: Anatália, Oito de Outubro e
Monte Celeste. O condomínio conta com praça, playground e uma pequena quadra
poliesportiva descoberta.
Em 2018 foram entregues mais de 1792 unidades de apartamento, no
Condomínio Residencial Village de Prata, localizado na extremidade do bairro com
o Planalto e Macaíba. Parte das famílias beneficiadas são inscritas no programa
MCMV, e a outra parte é oriunda de assentamentos e ocupações informais, dentre
eles, a Favela do Fio, do Alemão e o assentamento 8 de março (SEHARPE, 2019).
A localização do condomínio pode ser verificada na Figura 04.
Se não bastasse a distância entre as “ilhas” habitacionais do bairro, a má
distribuição dos equipamentos públicos dificulta o acesso dos moradores da
região do Leningrado e do Village de Prata. Ao todo, tem-se: dois Centros
Municipais de Educação Infantil (CMEI), duas escolas municipais, uma Unidade
Básica de Saúde, uma praça, um minicampo e uma quadra (Figura 04). Destes,
apenas um CMEI está inserido dentro do Leningrado. Embora, o Residencial
Vivendas do Planalto possua praça e campinho próprios, estes não são
suficientes para ofertar lazer a todos os moradores da redondeza.
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Figura 04 – Zoneamento do bairro.
Fonte – Google Maps (2021), modificado pela autora.
Como podemos observar no mapa acima, os equipamentos se concentram
na parte central do bairro; quanto aos equipamentos destinados ao lazer, a praça
pública se encontra atualmente em relativo estado de abandono (Figuras 05 e 06);
já o minicampo possui alguma estrutura, como iluminação interna e cercamento,
além de ser bastante utilizado (Figura 07):
Figura 05 – Praça pública do bairro.
Fonte – Acervo da autora (2021).
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Figura 06 – Mobiliário da praça pública do bairro.
Fonte – Acervo da autora (2021).
Figura 07 – Minicampo do bairro.
Fonte – Acervo da autora (2021).
A quadra foi recentemente aprimorada pelos moradores, com a troca da
tela de cercamento e a constante manutenção do terreno, como se pode ver nas
Figuras 08 e 09.
Figura 08 – Quadra do bairro em 2019.
Fonte – Acervo da autora (2019).
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Figura 09 – Quadra do bairro em 2021.
Fonte – Acervo da autora (2021).
A questão da distância geográfica entre as partes, e o próprio isolamento
do bairro dentro de Natal, foi amenizada devido à criação da linha de ônibus 587,
que conecta o centro do Guarapes ao Village de Prata, e a linha 41B, que sai do
Leningrado com destino final para o Alecrim. Ao todo, o bairro conta com cinco
linhas, das quais três saem do terminal do centro e as outras duas do terminal do
Leningrado (Figura 10).
Figura 10 – Terminais de ônibus dentro do bairro.
Fonte – Google Maps (2021), modificado pela autora.
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Apesar das dificuldades o bairro se vê em constante luta pela reivindicação
de seus direitos, organizadas pelas suas lideranças, que mesmo com
adversidades para estabelecer o diálogo entre partes, se esforçam para manter o
engajamento político.
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4. REFERENCIAIS PROJETUAIS
Pensando no processo de concepção de um centro cultural focado nas
questões do bairro, com intuito de reforçar os laços comunitários e fomentar a
cultura local, este tópico irá tratar sobre os estudos de referência, analisando tanto
um centro de cultura quanto um centro comunitário; pretende-se observar nos
projetos parte do que foi visto no tópico 2, principalmente sobre a funcionalidade
de um centro de cultura, e também de um espaço de uso comunitário.
Para analisar obras já construídas, com uso semelhante ao que será
proposto ao final do trabalho, serão analisados o processo de concepção
arquitetônica de cada uma, assim como seus aspectos funcionais e de conforto
ambiental, as questões estruturais, a relação com o local em que foram
construídas e a estética.
A escolha dos projetos a serem tomados como referência se deu, além do
uso, pela região de implantação do projeto. Por consequência, foram delimitadas
as Américas Latina e Central como área de abrangência de escolha. Logo, para
este estudo serão analisados os seguintes projetos: o centro cultural RedBull
Station (Brasil) e o Centro Comunitário de El Rodeo de Mora (Costa Rica).
No final deste capítulo será apresentado um quadro síntese que agrupará
as características essenciais de cada projeto a serem referenciadas, ou rebatidas,
no processo de síntese, tais como: solução do programa arquitetônico, solução
formal ou partido, solução volumétrica, conceitos empregados e/ou materiais
empregados.
4.1 ESTUDO DE PROJETOS CORRELATOS
Os estudos indiretos tomarão como referência o método de Geoffrey H.
Baker (1998), o qual elaborou um modelo de análise de projeto que foca nos
aspectos formais e volumétricos, mas que também apresenta tópicos que se
debruçam sobre o contexto cultural e uma série de outras características que
avaliam a arquitetura enquanto arte e técnica. Para o autor, a arquitetura está
condicionada a três fatores elementares: às condições do local, aos requisitos
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funcionais e à cultura local, ressaltando que esta última influência nos materiais e
estrutura empregados no projeto. Deste modo, para bem compreender uma obra
arquitetônica é necessário ter estes fatores em mente, e é isto que guiará o
modelo de análise. Este se dá com a identificação de vários elementos ou
conceitos, presentes na obra analisada, que estão sempre amparados por
questões contextuais particulares.
Utilizando sete das categorias do método de Baker que foram estudadas
em sala de aula, na disciplina de Ateliê Integrado de Arquitetura e Urbanismo,
temos a seguinte base analítica:
• Genius loci (contexto): refere-se ao contexto e como a arquitetura pode
vincular cultura e ambiente, se relacionando a sensação de identidade
pertencimento que alguém tem por um lugar; diz respeito ao local de
inserção da edificação. Para Baker, os maiores exemplares da arquitetura
conseguem capturar as qualidades intrínsecas da paisagem e da cultura
do local.
• Iconologia (arte como símbolo): implica no significado simbólico da forma
e o que a faz logicamente expressiva e significante e quais referências
podem ser observadas na expressão formal da arquitetura.
• Identidade (cultura): concerne na arquitetura como forma de comunicação
relevante a integração cultural, tendo em vista que a cultura integra o
indivíduo ao mundo; a arquitetura se integra ao contexto histórico e cultural
de onde está implantada.
• Significado do uso (programa de necessidades): o significado da
arquitetura está no uso, e, por isso, existe para servir às necessidades de
uma cultura. Portanto, é necessário que sua significação tenha origens no
uso.
• Movimento (plástica): expressa a forma arquitetônica, sua configuração
formal e volumétrica.
• Geometria: expressa a forma geométrica do projeto ou edifício.
• Estrutura e materiais: trata-se dos aspectos construtivos e da
compreensão de que estrutura não seria apenas um meio de constituir
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arquitetura, mas também como um meio de expressão arquitetônica.
Como exemplos, tem-se a coluna grega e arco de abóboda romana.
Por questões de facilitação do estudo e compreensão objetiva das
referências a serem correlatadas, as análises prosseguirão com a simplificação
de quatro categorias em duas: “iconologia” e “identidade” em “identidade e
símbolo”; “movimento” e “geometria” em “geometria e plástica”. Teremos, assim,
cinco (5) categorias de análise, que são:
1. Genius loci (contexto);
2. Identidade e símbolo;
3. Significado do uso (programa de necessidades);
4. Geometria e plástica (configuração da forma);
5. Estrutura e materiais;
As análises serão precedidas por uma ficha técnica de apresentação de
cada projeto, informando local, equipe de projeto, a área em m² e o ano em que foi
implantado.
4.1.1 REDBULL STATION
1. GENIUS LOCI (CONTEXTO)
Em meio a um cenário de extrema urbanidade, no centro de São Paulo,
capital, o centro cultural RedBull Station se manifesta como um local vivo e
emissor de cultura. O edifício tomado pelo centro é longevo, de 1926, e tombado
como patrimônio histórico, tendo abrigado uma antiga subestação de energia até
o ano de 2004. Após um longo período de reforma e requalificação, com projeto
de 2011, o RedBull Station passou a funcionar no ano de 2013, atuando como
importante ponto transformador dentro deste cenário urbano e intenso.
FICHA TÉCNICA:
Localização: São Paulo, Brasil;
Equipe de projeto: Triptych arquitetos;
Área: 2.150m²;
Ano do Projeto: 2013;
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Figura 11 – Contexto de implantação urbana do RedBull Station.