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Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização. Antonio de Moura Cavalcanti Neto Mestrando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Escola da Advocacia-Geral da União. Professor convidado da Escola Superior da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. Procurador Federal - AGU. 1. Introdução e delimitação do tema. 2. O regime próprio da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. 3. Estabilização da tutela antecipada: tentativa de sistematização. 3.1. Contexto histórico e legislativo. 3.2. Opções do legislador brasileiro quanto à estabilização da tutela antecipada. 3.3. Casos práticos de aplicação dos arts. 303 e 304 do CPC. A) Autor não adita o pedido e o réu não apresenta o recurso. B) Autor adita o pedido e o réu não apresenta o recurso. C) Autor não adita o pedido e o réu apresenta o recurso. D) Autor adita o pedido e o réu apresenta o recurso. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas. 1. Introdução e delimitação do tema. Em artigo anterior, que versava sobre o Projeto de Código de Processo Civil aprovado na Câmara dos Deputados, traçamos um panorama geral sobre a “tutela antecipada” 1 . No presente texto, entretanto, já com o novo Código de Processo Civil sancionado (Lei nº 13.105/2015), a ideia é focar exclusivamente na tutela antecipada concedida em caráter antecedente (art. 303 do Código de Processo Civil) e na possibilidade de sua estabilização (art. 304 do diploma processual). Mais importante ainda é tentar sistematizar os dois dispositivos legais, que, numa análise prima facie, podem parecer incongruentes. Afinal, o art. 303, § 2º, do Código, prevê expressamente que, não havendo aditamento pelo autor, o processo será extinto sem resolução do mérito. Por outro lado, o art. 304 disciplina que, se o réu não recorrer, haverá extinção do processo, não especificando se com ou sem resolução do mérito. Nesse caso, haverá mais de uma extinção no mesmo processo? Como ficará a tutela antecipada concedida, nas duas situações? Quais condutas do réu podem ser consideradas meios de impugnação suficientes para obstar a estabilização? Enfim, são perguntas de extrema utilidade prática e que não foram esclarecidas pela lei. 1 CAVALCANTI NETO, Antonio de Moura. A possibilidade de concessão de tutela da evidência contra a Fazenda Pública no Projeto de novo Código de Processo Civil: sobre acreditar ou não no acesso à justiça. Revista de Processo n. 238/2014.
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Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização

Apr 07, 2023

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Page 1: Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização

Estabilização da tutela antecipada antecedente: tentativa de sistematização.

Antonio de Moura Cavalcanti Neto

Mestrando em Direito Processual Civil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

(PUC-SP). Professor da Escola da Advocacia-Geral da União. Professor convidado da Escola

Superior da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. Procurador Federal - AGU.

1. Introdução e delimitação do tema. 2. O regime próprio da tutela antecipada

requerida em caráter antecedente. 3. Estabilização da tutela antecipada: tentativa

de sistematização. 3.1. Contexto histórico e legislativo. 3.2. Opções do legislador

brasileiro quanto à estabilização da tutela antecipada. 3.3. Casos práticos de

aplicação dos arts. 303 e 304 do CPC. A) Autor não adita o pedido e o réu não

apresenta o recurso. B) Autor adita o pedido e o réu não apresenta o recurso. C)

Autor não adita o pedido e o réu apresenta o recurso. D) Autor adita o pedido e o

réu apresenta o recurso. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

1. Introdução e delimitação do tema.

Em artigo anterior, que versava sobre o Projeto de Código de Processo Civil aprovado

na Câmara dos Deputados, traçamos um panorama geral sobre a “tutela antecipada”1. No

presente texto, entretanto, já com o novo Código de Processo Civil sancionado (Lei nº

13.105/2015), a ideia é focar exclusivamente na tutela antecipada concedida em caráter

antecedente (art. 303 do Código de Processo Civil) e na possibilidade de sua estabilização

(art. 304 do diploma processual).

Mais importante ainda é tentar sistematizar os dois dispositivos legais, que, numa

análise prima facie, podem parecer incongruentes. Afinal, o art. 303, § 2º, do Código, prevê

expressamente que, não havendo aditamento pelo autor, o processo será extinto sem resolução

do mérito. Por outro lado, o art. 304 disciplina que, se o réu não recorrer, haverá extinção do

processo, não especificando se com ou sem resolução do mérito. Nesse caso, haverá mais de

uma extinção no mesmo processo? Como ficará a tutela antecipada concedida, nas duas

situações? Quais condutas do réu podem ser consideradas meios de impugnação suficientes

para obstar a estabilização? Enfim, são perguntas de extrema utilidade prática e que não foram

esclarecidas pela lei.

1 CAVALCANTI NETO, Antonio de Moura. A possibilidade de concessão de tutela da evidência contra a

Fazenda Pública no Projeto de novo Código de Processo Civil: sobre acreditar ou não no acesso à justiça.

Revista de Processo n. 238/2014.

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A problematização do parágrafo anterior não pode ser respondida sem a devida

contextualização, sem a necessária explanação do que é uma tutela antecipada antecedente. O

art. 303, caput, do CPC traz um benefício para o autor, que, diante de uma urgência

contemporânea ao ajuizamento da ação, pode formular pedido exclusivo de tutela antecipada,

fazendo mera referência ao pedido de tutela final.

Trata-se de benefício que precisa ser expressamente requerido, sendo necessário que o

autor indique que pretende valer-se da possibilidade de concessão de tutela antecipada

autônoma (no Código, é redundância falar em tutela antecipada satisfativa, eis que toda tutela

antecipada tem como marca a satisfatividade, contrariamente à tutela cautelar, que tem

finalidade assecuratória). Essa é a dicção explícita do § 5º do art. 303.

A tutela antecipada antecedente equivale, em linhas gerais, à cautelar preparatória que

existia no Código de Processo Civil anterior (art. 801) e que foi mantida no atual Código (art.

305). Não faria sentido permitir o pedido antecedente de tutela cautelar e vedar tal faculdade

quanto à tutela satisfativa (antecipada), uma vez que ambas fazem parte do gênero “Tutela

Provisória” ( Livro V do CPC) e fundam-se, primordialmente, na urgência.

É importante perceber que o procedimento antecedente não é, necessariamente, uma

das formas de dispensa do processo principal, pois há previsão expressa de aditamento por

parte do autor (art. 303, § 2º). Nesse sentido, o autor deve sempre aditar o pedido, sob pena de

extinção sem resolução do mérito, isso não é uma faculdade, é um ônus imposto pela lei. Não

se deve confundir o art. 303 com o que vem disposto em seguida, no art. 304, que prevê,

preenchido o suporte fático, a estabilização da tutela antecipada e, aí sim, a dispensa do

processo principal para discutir o mérito.

Em bom português, é preciso explicitar que o art. 303 existiria mesmo sem o seu

subsequente, que abriu a possibilidade de estabilização2. Esse dispositivo apenas permite um

pedido antecedente diante de situações de urgência contemporânea ao ajuizamento da ação.

A estabilização pode acontecer mesmo durante o curso do processo, de forma incidental. O

fato do art. 304 vir depois da previsão de tutela antecipada antecedente não obsta que a

estabilidade seja aplicada também às decisões incidentais.

O référé provision, vigente no direito francês, é a maior inspiração para a previsão

legislativa constante no novo Código de Processo Civil brasileiro. Conforme será

demonstrado adiante, há nítida relação entre os institutos, inclusive do ponto de vista da

existência de uma verdadeiro processo sumário não cautelar. Alessando Jommi, em

2 Tal convicção foi reforçada ainda mais a partir de um debate que tivemos com o Professor Alexandre Freitas Câmara, que chamou atenção especial para essa constatação.

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importante estudo sobre a matéria, explicita que o procedura di référé pode ser instaurado

antes da causa ou durante o curso processual3.

Para Fredie Didier Jr., Paula Sarno e Rafael Oliveira, entretanto, somente a tutela

antecipada antecedente tem aptidão para estabilizar-se nos termos do art. 304 do CPC4. Ao

que parece, a opinião dos autores é decorrente exatamente da sequência lógica entre os

dispositivos do CPC (arts. 303 e 304). Observando o instituto da estabilização, no direito

pátrio e também no comparado, não parece haver óbice algum a sua configuração também no

curso do processo, isso porque a decisão continua sendo provisória e faz parte de um juízo

totalmente diverso do mérito. Em outras palavras, é possível afirmar que a instauração de um

juízo de mérito não obsta a estabilização da tutela antecipada, fundado em juízo provisório.

A maior novidade na matéria, na medida que consideramos a tutela antecipada

antecedente como uma extensão daquilo que já ocorria para a tutela cautelar, é a previsão de

estabilização da tutela antecipada. Com isso, o processo principal passa a ser dispensável, em

caso de não apresentação de recurso pelo réu. Quebra-se o mito da necessária ordinarização

do procedimento em homenagem à prática e à efetividade do direito.

Não se exige um processo principal exatamente porque não é o mérito que é

perseguido no pedido de tutela provisória, as partes contentam-se com uma situação fática que

estabiliza-se. Não por acaso, ao traçar um quadro comparativo entre a França e a Itália, José

Carlos Barbosa Moreira afirmou que “em ambos os países, a concessão da tutela de urgência

vai tendendo a assegurar ao interessado, de direito ou ao menos de fato, o gozo definitivo do

benefício pleiteado. Isto é: a solução em princípio simplesmente provisória do litígio adquire

estabilidade equiparável àquela que teria a solução final”5.

Entretanto, a estabilização da tutela antecipada, medida elogiável, não terá muito

sentido no Brasil se o art. 303, que é antecedente, for interpretado de forma a torná-la frágil e

inoperante, criando regramentos inexistentes no texto legal, como a exigência de que tanto o

autor quanto o réu permaneçam inertes diante da concessão da tutela antecipada.

Como é possível perceber, não são poucas as dificuldades a serem enfrentadas. Basta a

inércia do réu para a configuração da estabilização ou é necessário que o autor também fique

em silêncio? Quais medidas o demandado poderá utilizar para obstá-la? Na medida do

possível, é disso que se ocupará o presente ensaio.

3 JOMMI, Alessando. Il référé provision: Ordinamento francese ed evoluzione della tutela sommaria

anticipatoria in italia. Torino: G. Giappichelli Editore, 2005, p. 71. 4 BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; e OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual

Civil. Vol. 2. 10ª ed. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 606. 5 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 99.

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2. O regime próprio da tutela antecipada requerida em caráter antecedente.

A previsão de concessão da tutela antecipada requerida em caráter antecedente consta

no art. 303 do novo Código de Processo Civil, que assim dispõe:

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo: I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua

argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;

II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334;

III - não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.

§ 2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

§ 3º O aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.

§ 4o Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.

§ 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo.

§ 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.

É fundamental advertir que não se tratará, neste Item, da estabilização da tutela

antecipada, mas tão somente da possibilidade de sua concessão em caráter antecedente. Uma

novidade importante no novo Código de Processo Civil, diante da constatação de que o direito

brasileiro não dispensava tal tratamento às tutelas satisfativas, apenas às cautelares.

Rogério Aguiar Munhoz Soares, observando o ordenamento processual anterior,

afirma que “nosso direito positivo não trata satisfatoriamente de tais demandas, exatamente

porque ignora a sumariedade material, e possui um Código de Processo Civil quase que

totalmente voltado ao tratamento de demandas plenárias, relegando as ‘exceções à regra’ ou

ao Livro dos Procedimentos Especiais, ou ao Livro do Processo Cautelar”6. Pois bem, o novo

Código andou muito bem ao prever a possibilidade de concessão da tutela antecipada

requerida em caráter antecedente. Permitiu o que já era possível nas medidas cautelares7.

6 MUNHOZ SOARES, Rogério Aguiar. Tutela Jurisdicional Diferenciada: tutelas de urgência e medidas

liminares em geral. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 174. 7 É importante salientar que o novo CPC não prevê o Processo Cautelar como um processo autônomo. A partir

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Criou-se uma tutela satisfativa autônoma, mas que não prescinde do processo

principal, apenas é anterior à instalação da demanda plenária. Se o leitor parar por aqui, terá

certeza que o autor deste artigo não compreendeu o fenômeno, mas não é bem assim.

Observe-se.

Diz-se que não há dispensa do processo principal (lembre-se que ainda não chegamos

no art. 304, estamos a tratar, portanto, exclusivamente do art. 303) porque o autor tem o ônus

legal de aditar o pedido, que é formulado apenas em relação à tutela antecipada. Na petição

inicial, sendo a urgência contemporânea ao ajuizamento da ação, basta que o requerente faça

referência à lide principal, sem adentrar profundamente nas suas razões. É o caso da urgência

que não permite esperar a formulação de uma petição completa. Diante desse quadro fático,

abre-se a faculdade do autor formular pedido de tutela antecipada antecedente, indicando

expressamente que deseja valer-se desse benefício (art. 303, § 5º, do CPC).

A previsão do art. 303, § 5º, não é que o autor dirá que deseja a estabilização da tutela

antecipada, de forma alguma, ele apenas indica que quer formular seu pedido na forma do

caput do referido dispositivo. No topo do artigo consta a possibilidade de tutela antecipada

antecedente. É nisso que consiste o benefício.

Concedida a tutela antecipada antecedente, é possível que os seus efeitos tornem-se

estáveis (art. 304, § 1º, do CPC). Isso é uma consequência do pedido do autor na forma do art.

303, mas não há necessidade de que ele declare expressamente que deseja ver a sua tutela

estabilizada, eis que essa possibilidade decorre da própria lei. A forma como o autor deve

proceder após a incidência do § 1º do art. 304 é assunto de que trataremos adiante. No

momento, importa consignar que o autor deve aditar a petição inicial, sob pena de extinção

sem resolução do mérito8.

Em sentido diverso, Cassio Scarpinella Bueno ensina que “o aditamento da inicial só

será necessário se o réu não interpuser agravo de instrumento da decisão concessiva da tutela

antecipada. É que, nesta hipótese, tem incidência o caput do art. 304 e a estabilização da

de agora, a tutela cautelar será exercida dentro do Processo de Conhecimento (arts. 305 a 310). Outro ponto marcante do novo Código de Processo Civil é que houve unificação dos requisitos para a concessão da medidas provisórias de urgência. Esse entendimento consta expressamente no Enunciado nº 143 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A redação do art. 301, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada”. 8 No ponto, Paula Sarno, Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria assinalam que o autor pode manifestar a intenção de não dar prosseguimento ao feito já na sua petição inicial. Ob. Cit., p. 606. Entretanto, acreditamos que não é possível extrair tal faculdade a partir da leitura do art. 303, § 2º, sobretudo porque tal dispositivo não faz qualquer referência à estabilização, que o autor ainda não saberá se ocorreu ou não. Assim, intimado do aditamento, deve agir para evitar a extinção do processo sem resolução do mérito.

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tutela antecipada”9. Não parece ser possível que o autor aguarde a manifestação do réu,

simplesmente porque o aditamento e o recurso acontecerão em momentos distintos. Para o

autor, haverá o prazo de 15 dias ou outro prazo maior que o juiz fixar (art. 303, § 1º, I, do

CPC), já para o demandado conta-se normalmente o prazo de recurso, que é o agravo de

instrumento a ser interposto em 15 dias (art. 1.003, § 5º)10. Esperar a conduta do réu sem

aditar o pedido pode resultar em extinção sem resolução do mérito, o que, havendo recurso, é

prejudicial para o requerente, que não terá o prosseguimento do processo.

O aditamento da petição inicial é feito sem a incidência de novas custas e nos mesmos

autos, devendo o autor, já no primeiro momento, indicar o valor da causa, que levará em conta

o pedido de tutela final (art. 303, §§ 3º e 4º, do CPC). Grifamos o último trecho para ressaltar

que a afirmação feita na introdução, de que o art. 303 existiria mesmo sem o 304, parece-nos

ser abrigada expressamente pela lei. Se há referência à tutela final é porque o legislador

pensou em tutela antecipada antecedente e não necessariamente em estabilização. Se houvesse

uma dependência inarredável entre os institutos (tutela antecipada antecedente e estabilização)

não haveria razão para falar em tutela definitiva, uma vez que essa última preconiza

exatamente a satisfatividade imediata da decisão, sem ter necessidade de um processo

principal.

Além do aditamento por parte do autor, o art. 303 prevê que haverá a citação e a

intimação do réu para comparecimento à audiência de conciliação ou de mediação na forma

do art. 303, § 1º, do CPC. A intimação, obviamente, serve também para dar ciência da decisão

concessória da tutela antecipada e a partir daí o demandado poderá apresentar o respectivo

recurso contra a decisão. De acordo com a sua conduta, poderá haver ou não a estabilização.

É possível, ademais, que o juiz, ao apreciar o pedido de tutela antecipada antecedente,

entenda que não há elementos para a concessão da medida, hipótese em que mandará o autor

emendar a petição inicial, sob pena de extinção sem resolução do mérito (art. 303, § 6º, do

CPC).

Se não houver concessão da tutela provisória, é óbvio que não haverá estabilização,

sendo assim, nos próximos itens, haverá um pressuposto: a tutela antecipada foi concedida.

Há uma decisão com resultado positivo para o autor.

Diante disso, será possível estudar todo o instituto da estabilização e as possibilidades

de conduta das partes diante da decisão concessiva.

9 BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 224. 10 O prazo será contado em dobro para a Advocacia Pública, a Defensoria Público e o Ministério Público (arts. 180, 183 e 186, todos do CPC).

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3. Estabilização da tutela antecipada: tentativa de sistematização.

3.1. Contexto histórico e legislativo.

O art. 304 do CPC representa, talvez, a maior novidade da legislação processual

brasileira atual. Não que a doutrina pátria desconhecesse o instituto previsto no direito

estrangeiro ou que não existisse nada no Brasil parecido com isso, mas a técnica monitória

vigorava apenas em alguns procedimentos especiais. A partir de agora, é aberta a todos os

procedimentos 11 , permitindo uma generalização que atende ao princípio da efetividade

jurisdicional.

A opção brasileira tem clara inspiração no direito francês e no direito italiano. A

França, com o référé, é o principal objeto de comparação quando o assunto é a previsão de

processos satisfativos autônomos e abreviados. Os franceses, sobretudo a partir da prática,

perceberam que a sumariedade do procedimento não é geradora de instabilidade, pelo

contrário, muitas vezes a atribuição de estabilidade às decisões provisórias satisfaz

completamente as partes no plano fático. Segundo Roberta Tiscini, a instabilidade dos efeitos

não é consequência necessária da simplificação da forma 12 . Muitas vezes, simplificar o

procedimento pode ser sinônimo de satisfação fática.

Nesse passo, Barbosa Moreira traz o exemplo do empregado demitido de forma

ilegítima que busca, exclusivamente, a sua reintegração. Segundo leciona o processualista, na

França e na Itália essa volta à empresa acontece por meio das ordennances de référé e dos

provvedimenti d’urgenza13. A satisfação fática do autor empregado é plena, pois ele consegue

por meio do référé exatamente o que queria, a vontade do réu em recorrer é mitigada, pois

sabe de antemão que não haverá coisa julgada e que a decisão provisória pode ser revista a

qualquer tempo, o que o faz suportar bem os efeitos dessa manifestação judicial, que se

conservam atemporalmente, sem necessidade de instauração de um juízo de mérito14.

Fredie Didier Jr., Paula Sarno e Rafael Oliveira citam outro exemplo interessante: um

aluno passou no vestibular, mas ainda não concluiu o ensino médio, o que, seguindo

11 Sobre a matéria, Paula Sarno, Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria dizem que: “Ao mesmo tempo em que mantém e amplia a ação monitória, o legislador vai além e generaliza a técnica monitória, introduzindo-a no procedimento comum para todos os direitos prováveis e em perigo que tenham sido objeto de tutela satisfativa provisória antecedente”. Ob. Cit., p. 605. 12 TISCINI, Roberta. I provvedimenti decisori senza accertamento. Torino: G. Giappichelli Editore, 2009, p. 242. 13 José Carlos Barbosa Moreira. Ob. Cit., p. 99. 14 Roberta Tiscini. Ob. Cit, p. 253.

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orientação do Ministério da Educação, impossibilita a sua matrícula no ensino superior.

Diante da urgência, ele formula pedido de tutela antecipada antecedente e obtém decisão

favorável. Para o autor, que queria exatamente o ingresso na Universidade, provavelmente

não há interesse algum em prosseguir com a medida. Para a Instituição de ensino, também

não, pois ela só havia negado a matrícula seguindo orientação do Ministério da Educação15.

Não havendo recurso do réu, os efeitos da decisão tornam-se estáveis.

Na França, por exemplo, o référé tornou-se a medida requerida em 90% dos casos

urgentes. Na Bélgica, é a medida predominante e mais usada diante da urgência16. E isso não

acontece em vão, parte de uma constatação prática de que o procedimento ordinário é lento e

que essa demora tende a punir quem tem razão. É por isso que Daniel Mitidiero, de forma

acertada, pontua que a tutela antecipada é uma forma de distribuir de forma isonômica o ônus

do tempo do processo17.

Na situação aqui tratada, a tutela antecipada passa a gozar de autonomia e tem vocação,

no plano fático, para a definitividade18 . Kazuo Watanabe, em seu clássico Cognição no

processo civil, já noticiava a existência de processos sumários não cautelares, ações que pela

sua natureza eminentemente satisfativa dispensam o ajuizamento de um processo principal

posterior19. O citado autor coloca a cognição sumária como técnica processual da mais alta

relevância para a concepção do processo voltada à efetividade jurisdicional20. E parece ter

total razão.

Edoardo Ricci, em texto que trata da evolução da tutela urgente na Itália, explicita que

“as medidas urgentes antecipatórias passaram a ser disciplinadas por uma regra nova, que é

diferente daquela pertencente à tradição jurídica italiana. De fato, atualmente as medidas

urgentes antecipatórias produzem efeitos mesmo na ausência – atual ou futura – do processo

principal”21.

Na França e na Itália basta a satisfatividade fática, ainda que a resolução da questão

jurídica seja provisória. Em verdade, o fato de ser provisória a decisão serve como incentivo

15 Paula Sarno, Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria. Ob. Cit., p. 605. 16 Com esses dados e amplas referências doutrinárias, recomenda-se a leitura de TESSER, André Luiz Bäuml. Tutela cautelar e antecipação de tutela. São Paulo: RT, 2014, p. 159 a 181. 17 MITIDIERO, Daniel. Antecipação da tutela. São Paulo, RT: 2013, p. 51. 18 Nesse sentido, Roberta Tiscini esclarece que “accade così che la decisione en référé, ancorché provvisoria in

diritto, diventi definitiva in fatto, esplicando illimitatamente nel tempo la sua efficacia, data l’inerzia delle parti

rispetto alla strada – pur sempre practicable – del giudizio a cognizione piena”, Ob. Cit., p. 254. Em igual direção, Alessandro Jommi: “Così l’ordinanza, provvisoria in diritto, potrà diventare definitiva in fatto”. Ob. Cit., p. 72. 19 WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 146 a 148. 20 Kazuo Watanabe. Ob. Cit., p. 151. 21 RICCI, Edoardo F. In Tutelas de urgência e cautelares. Donaldo Armelin (Coordenador). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 384.

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ao réu, que tem abertura para modificá-la sempre que desejar. Não há formação de coisa

julgada com o référé, por exemplo. A preocupação central dos europeus era com a efetividade

jurisdicional, não com a certificação do direito, abandonou-se a busca pela certeza, que

adviria com um juízo de mérito. É por isso que Ricci afirma que “a eficácia da medida

urgente de cunho antecipatório cessa de se manifestar caso seja ulteriormente prolatada

decisão contrária”22. Assim, a estabilidade garante a regulação fática da situação jurídica, de

modo a não ser necessária uma demanda principal.

O référé provision possui três características principais: 1) Decisão dotada de ampla

eficácia executiva; 2) Provisoriedade; e 3) Instrumentalidade em relação ao processo com

cognição plena, o que não quer dizer que a sua eficácia é subordinada a esse último23. De fato,

a provisoriedade é um motor da estabilidade. É por isso que os franceses rejeitam

expressamente a possibilidade de coisa julgada no art. 489 do CPC francês. Como não há

resolução do mérito, estabilizam-se os efeitos e afasta-se a existência de coisa julgada,

deixando claro que a qualquer tempo pode ser revista a medida antecipatória. Se houvesse a

previsão de imutabilidade com essa força teríamos, em verdade, um contrassenso em relação à

estabilização. Ora, se houvesse essa possibilidade, parece evidente que em todas as vezes

teríamos recurso do réu, que jamais iria contentar-se com uma medida precária a regular

definitivamente a sua situação jurídica.

O argumento da existência de fato impeditivo (cognição sumária) para a formação da

coisa julgada vale menos do que a constatação de que a sua previsão seria um desestímulo à

inércia do réu. Sendo assim, tanto na França quanto na Itália, não há coisa julgada nas tutelas

antecipadas autônomas.

Em Portugal, o art. 363 do Código de Processo Civil português, de 2013, prevê que

“se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da

existência do direito acautelado e se a natureza da providência for decretada for adequada a

realizar a composição definitiva, o juiz pode dispensar o requerente do ônus de proposição da

ação principal”. O procedimento denominado de Inversão do Contencioso adota, em alguma

medida apenas, já que os portugueses não utilizam a nossa tutela antecipada, a mesma

dispensabilidade do processo principal, mas prevê expressamente que pode haver a

“composição definitiva do litígio”(art. 376 do CPC português), o que diferencia esse instituto

das opções francesa e italiana.

22 Edoardo Ricci. Ob. Cit., p. 384. 23 Alessandro Jommi. Ob. Cit., p. 71 e 72.

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Segundo afirmam Alessandro Jommi24 e Roberta Tiscini25, na França não há qualquer

impedimento para que a estabilização aconteça também no curso do processo e não apenas

quando a tutela antecipada for requerida em caráter antecedente. Conforme demonstraremos

adiante, isso é possível também no ordenamento brasileiro.

Enfim, esse procedimento abreviado coloca para o réu, que tem o direito menos

provável, o ônus de propor a ação que poderá desfazer a tutela antecipada. Se as partes

atingidas não buscam a cognição plenária, certamente não há porque prolongar o

procedimento sumário.

No Brasil, por meio do Projeto de Lei nº 186/2005, do Instituto Brasileiro de Direito

Processual, buscou-se acrescentar algumas letras ao art. 273 do CPC-1973 no sentido de

prever a estabilização da tutela antecipada. Naquele projeto, havia a previsão de coisa julgada

e, o que é mais interessante, possibilitava-se a estabilização tanto na tutela antecipada

antecedente (art. 273-B), quanto na incidental (art. 273-C). Quanto ao último ponto, essa

interpretação também pode ser extraída do art. 304 do Código de Processo Civil sancionado

em 2015.

Depois de intenso debate no Parlamento, o texto que prevê a estabilização está no art.

304 do Código e precisa ser interpretado sempre no sentido de conceder máxima eficácia ao

instituto, criado com um compromisso de atender à efetividade jurisdicional.

A partir de agora, tentaremos solucionar os problemas lançados inicialmente, a partir

do estudo do direito positivo pátrio.

3.2 Opções do legislador brasileiro quanto à estabilização da tutela antecipada.

O art. 304 do CPC está assim redigido:

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever,

reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput. § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista,

reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º. § 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em

que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida.

§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que

24 Alessandro Jommi. Ob. Cit., p. 89. 25 Roberta Tiscini. Ob. Cit., p. 246 e 247.

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extinguiu o processo, nos termos do § 1o. § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a

estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.

No início do texto afirmou-se que o art. 303 do CPC existiria mesmo sem o art. 304 e

que a tutela antecipada antecedente não se confunde com a estabilização. São dispositivos

independentes, mas que se relacionam intensamente. Imagine que o autor formula um pedido

de tutela antecipada contra um plano de saúde na forma do art. 303 e obtém decisão favorável

para realização urgente de uma cirurgia cardíaca. Nesse caso, ele será intimado para aditar o

pedido (art. 303, § 1º, I, e § 2º, do CPC). O réu, por sua vez, será citado e intimado (art. 303, §

1º, II do CPC).

Se o autor não aditar o pedido o processo será extinto sem resolução do mérito (art.

303, § 2º). Se o réu não recorrer, o processo será extinto (art. 304, § 1º). Em uma leitura

apressada, os artigos citados parecem prever duas extinções distintas: uma pela falta de

aditamento do autor, outra pela falta de recurso do réu. Entretanto, é absolutamente ilógico

permitir duas decisões seguidas extinguindo o feito, seja com ou sem resolução de mérito.

É por isso que, diante da situação de concessão da tutela antecipada antecedente, não

tendo sido interposto recurso pelo réu, o que já importaria na estabilização da decisão

provisória, o juiz deve sempre aguardar o decurso do prazo do autor para aditamento26, sendo

vedado proferir decisão extintiva antes de terem expirado os dois prazos (de aditamento para

o autor e de recurso para o réu). Com isso, assegura-se a obediência a lógica e a economia

processual. Com isso, o juiz decidirá uma única vez aplicando conjunta e harmonicamente os

dois dispositivos legais. É a oportunidade, portanto, de compatibilizar a extinção do processo,

uma só, eis que jamais haveria duas nos mesmos autos.

Há mais a ser dito quanto ao ponto. Se houver aditamento do autor e o réu não recorrer,

o juiz deve sempre intimar o primeiro para dizer se quer ou não prosseguir com o processo,

em atenção ao dever de consulta das partes, previsto no art. 10 do CPC27. Aditar o pedido é

ônus imposto pela lei ao autor28 , não sendo possível extrair dessa conduta a renúncia à

26 Assim como, havendo aditamento anterior, o juiz deve aguardar o decurso do prazo de recurso do réu. 27 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. 28 No mesmo sentido, quanto ao ponto específico, temos a lição valiosa de Dierle Nunes e Érico Andrade: “Considerando que este prazo de ‘aditamento’ poderá ocorrer antes do término do prazo 15 dias para a interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 1.003, § 5º, novo CPC), cujo termo inicial será o da sua citação, que se realizará em conjunto com a intimação do deferimento da liminar (art. 303, §1º, II, novo CPC), este aditamento irá ocorrer de qualquer forma, pois, em tese, não se terá notícia ainda da interposição ou não de agravo de instrumento por parte do réu quanto a liminar”. Disponível em

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estabilização da tutela antecipada. Quando o autor adita o pedido, está desincumbindo-se de

um ônus, não está dizendo que não quer a estabilização. É por isso que o juiz deve consultá-lo

para saber se, mesmo com a estabilização, desejar prosseguir com o processo principal.

O autor pode não querer prosseguir com o processo principal e ficar satisfeito com a

estabilização. Essa é a hipótese mais clara e pacífica. Pode também buscar um juízo de mérito

sobre o seu pedido e com isso não estará abrindo mão da estabilização, sendo assim, o

processo prossegue normalmente e a tutela permanece estável enquanto não seja proferida

uma decisão contrária 29 . Havendo decisão de mérito em sentido contrário, cai a tutela

antecipada até então estável.

O direito comparado é muito importante para entendermos o instituto, e assim será

sempre observado, mas o fato decisivo é realmente o direito positivo brasileiro. Com esse, não

poderemos brigar. Sendo assim, a partir de uma leitura conjunta dos arts. 303 e 304 do CPC

pode-se afirmar com segurança que o suporte fático da estabilização é composto apenas pela

concessão da tutela antecipada e pela inércia do réu. A conduta do autor não entra nesse

suporte e não altera o processo de incidência da lei. O aditamento do autor é fato irrelevante

para a estabilização.

O autor também não precisa declarar que deseja ver a sua tutela antecipada

estabilizada, isso é consequência da concessão da tutela e da inércia do réu. O que ele precisa

manifestar expressamente é o desejo de ver o seu pedido de antecipação seguir o rito do art.

303 (conforme preconiza o art. 303, § 5º, do CPC), isso é tudo que é necessário para que,

preenchido o suporte fático, ocorra a estabilidade dos efeitos da decisão30.

A técnica da monitorização do procedimento só tem sentido se a conduta do réu for o

fator determinante para a estabilização. A conduta do autor, em verdade, surge no art. 303 do

CPC não como pressuposto para a estabilidade, mas como pressuposto do prosseguimento do

processo, ante a tutela antecipada requerida em caráter antecedente. Observe-se que o art. 304,

<https://www.academia.edu/12103602/Érico_Andrade_e_Dierle_Nunes_-_Os_contornos_da_estabilização_da_tutela_provisória_de_urgência_antecipatória_no_novo_CPC_e_o_mistério_da_ausência_de_formação_da_coisa_julgada>, consulta realizada no dia 05.05.2015, às 23:16 horas. 29 É o pensamento de Edoardo Ricci, conforme lição anteriormente transcrita. Ob. Cit., p. 384. 30 Paula Sarno, Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria, Ob. Cit., p. 606, entendem que o pedido do autor na forma do art. 303, § 5º, já traz como consequência lógica a opção pela estabilização. Com isso não há discordância. Entretanto, os autores elencam outros pressupostos, uns negativos, outros positivos. Como pressuposto negativo, por exemplo, citam que o demandante não pode ter manifestado na sua petição inicial a intenção de dar prosseguimento ao processo após a obtenção da tutela antecipada. Nesse ponto, discordamos, até porque entendemos ser possível o prosseguimento do processo principal e a sobrevivência da tutela antecipada. De toda forma, o autor não tem a faculdade de indicar se quer ou não dar prosseguimento ao pedido após a concessão da tutela, ele deve manifestar essa intenção. Não tem faculdade de aditar, deve aditar. É essa leitura feita a partir do art. 303, caput, § 1º, I, § 2º, do CPC, que deixa claro que o autor não saberá antecipadamente se o réu recorreu ou não, eis que são momentos distintos – aditamento e recurso. Assim, para não ver o seu processo extinto sem resolução do mérito, deve aditar.

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§ 1º, é suficientemente claro no sentido de que a inércia do réu é a causa da extinção do

processo, aí sim, com estabilização.

Dierle Nunes e Érico Andrade ensinam exatamente nesse sentido, para os autores “a

estabilização ou não da tutela dependerá tão somente da manifestação recursal, sendo o

adiamento fruto da opção do autor em já buscar a cognição exauriente ou não. Ademais,

entendimento contrário inviabilizaria o uso do instituto de modo análogo ao direito

estrangeiro, onde, muitas vezes, a parte autora almeja somente a decisão satisfativa, sem

interesse em aprofundar a temática; aspecto, que é mais adequado inclusive no que tange à

economia processual”31.

Não se pode confundir o regramento do art. 303, destinado à tutela antecipada

requerida em caráter antecedente e que regulamenta os efeitos da conduta do autor, com o art.

304, normatizador da estabilização. Esse último dispositivo é, portanto, o único critério para a

verificação da sua ocorrência.

Na França, o référé é julgado por um órgão jurisdicional que profere um juízo

provisório, diverso daquele que será provocado no caso da demanda de mérito32. Essa divisão

é extremamente útil e pode ser feita com os olhos voltados para a legislação pátria. Se não é

possível separarmos os juízos do ponto de vista da divisão de competência, como ocorre na

França, ao menos é possível fazer a separação sob a óptica do conteúdo da decisão.

A decisão proferida na tutela requerida na forma do art. 303 funda-se em juízo

provisório, distinto daquele juízo de mérito que poderá ocorrer com o aditamento. É por isso

que sustentamos que quando o autor adita o pedido não está abrindo mão da estabilização da

tutela concedida em caráter antecedente, uma vez que resta preservado o juízo provisório, o

que ele busca é um juízo de mérito, localizado em plano diverso de cognição e de

procedimento. Não há, portanto, necessidade de que o autor também fique inerte para que seja

configurada a estabilização, basta a inércia do réu diante de decisão concessória de tutela

antecipada (art. 304, § 1º, do CPC), antecedente ou incidente. O que o autor pode fazer, em

um momento futuro, é abrir mão da estabilização, mas essa conduta é posterior e não tem

qualquer relação com a configuração do instituto, que prescinde disso no seu suporte fático.

Ainda tendo em vista o Projeto de Lei nº 186/2005, que foi apresentado ao Senado

Federal, a Professora Ada Pellegrini Grinover traz lição perfeitamente aplicável ao presente

ponto ao afirmar que “se a demanda que visa a sentença for intentada ou prosseguir, a

31 Dierle Nunes e Érico Andrade. Conforme artigo extraído do Academia.edu (endereço na nota anterior em que os autores foram citados. Por ser um texto extraído da internet, torna-se difícil indicar a página específica). 32 Alessando Jommi. Ob. Cit., p. 77 a 81.

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extinção do processo sem julgamento do mérito não tem o condão de tornar ineficaz a medida

antecipatória, que prevalece, ressalvada a hipótese de carência da ação, se incompatíveis as

decisões”33.

A separação entre juízo provisório e de mérito ajuda a esclarecer de forma clara que a

tutela antecipada permanece estável ainda que tramite o processo principal, sendo óbvio que

se houver decisão de mérito em sentido contrário, a estabilização cede diante da cognição

exauriente posterior.

Estabelecido que apenas a inércia do réu é capaz de gerar a estabilização, é preciso

analisar quais são os meios de impugnação de que ele pode valer-se para obstar o

preenchimento do suporte fático da estabilização.

O caput do art. 304, acima transcrito, dispõe que “a tutela antecipada, concedida nos

termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o

respectivo recurso”. O respectivo recurso, no caso, é o agravo de instrumento (art. 1.015, I, do

CPC)34. Permitir que o réu impugne a tutela antecipada por qualquer outro meio reduz a

eficácia do instituto e, ademais, vai de encontro à expressa disposição legal, eis que a lei não

contém palavras inúteis e utilizou o termo recurso como previsto no Código de Processo Civil

(art. 994)35.

A apresentação de contestação pelo autor representa erro grosseiro, pois não há o que

contestar. Quando o autor é citado para contestar no Procedimento Comum tem o dever de

atacar os fatos e fundamentos da petição inicial. No caso da tutela antecipada antecedente, ele,

se não se conformar, deve impugnar a decisão provisória. Ademais, nem há pedido final a ser

contraditado, uma vez que o seu prazo para resposta apenas começará a correr na forma do

art. 303, § 1º, II e III, que remetem aos arts. 334 e 335, todos do CPC36.

A contestação dirige-se ao juiz, no caso de tutela antecipada antecedente concedida em

primeiro grau, já o agravo de instrumento seguirá para o tribunal. O juiz, uma vez proferida a

decisão, não pode alterá-la, salvo na hipótese do art. 304, § 2º, do CPC, para extinguir o

33 PELLEGRINI GRINOVER, Ada. Tutela antecipatória em processo sumário. In Tutelas de urgência e

cautelares. Donaldo Armelin (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2010, p. 22. 34 No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno. Ob. Cit., p. 226. 35 Para reforçar o argumento, vale a transcrição da doutrina de Dierle Nunes e Érico Andrade, que assim lecionam: “Numa análise inicial, a tendência dos autores é optar pela primeira opção, alargando a possibilidade da estabilização, a partir das anunciadas vantagens que a estabilização produz para o ambiente jurisdicional e para as partes, na busca de tutela diferenciada, e, ainda, em razão de que o legislador do novo Código adotou, aqui, posição expressa no sentido de optar pelo recurso como o meio para impedir a estabilização, considerando, inclusive, que nas versões anteriores do projeto se utilizada o termo mais abrangente ‘impugnação’ e, agora, no projeto aprovado e que se transformou no novo CPC houve uma tomada de posição quanto ao instrumento processual capaz de impedir a estabilização: o recurso”. Texto extraído do Academia.edu. 36 Os dispositivos citados tratam, respectivamente, da audiência de conciliação ou de mediação e da contestação.

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processo sem resolução de mérito. Admitir o cabimento da contestação como apta a obstar a

estabilização importa, em último caso, em usurpação de competência do tribunal, que é o

órgão competente para julgar o agravo de instrumento37. Se a impugnação deve voltar-se ao

combate da decisão provisória não é a peça de defesa um instrumento hábil para isso, eis que

tem finalidade completamente diversa.

Questão interessante é saber se o pedido de suspensão de liminar, via aberta para a

Fazenda Pública, pode obstar a estabilização. Segundo Leonardo Carneiro da Cunha, “o

pedido de suspensão não detém natureza recursal, porquanto somente se considera recurso

aquele que esteja previsto em lei como tal, integrando um rol taxativo”. Mais adiante, o autor

pernambucano informa que “o pedido de suspensão não terá o condão de reformar, anular,

nem desconstituir a decisão liminar ou antecipatória. Desse modo, o requerimento de

suspensão não contém o efeito substitutivo a que alude o art. 512 do CPC”38. Se não é

recurso, não se encaixa no conceito previsto no caput do art. 304 do CPC, mas esse não é

único argumento.

É importante lembrar que o pedido de suspensão não adentra no exame do mérito da

controvérsia, apenas afirma a existência de risco de grave lesão à ordem social, à saúde, à

segurança e a à economia públicas e, por isso, não infirma, nem confirma a decisão

provisória39. A estabilização da tutela antecipada tem em seu suporte fático a concessão de

uma tutela antecipada e a inércia do réu. O legislador entendeu que só não será caracterizada

essa contumácia se houver recurso daquele que é atingido pela medida antecipatória40.

O pedido de suspensão, por não atacar o mérito da decisão e não buscar a sua reforma,

não tem como impedir a estabilização. E não se desconhece que, por ser uma espécie de

contracautela, deve haver um mínimo de plausibilidade jurídica na tese da Fazenda Pública41,

exigência já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal42 e que consta expressamente na Lei

nº 12.016/2009 43 , mas isso é muito mais uma forma de não deferir a suspensão

37 Fundado nessas mesmas razões, entendemos que o pedido de reconsideração também não impede a estabilização da tutela antecipada (art. 304, caput, do CPC). 38 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 581. 39 RCL 541/GO – STJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 18/12/1998, DJ em 12/04/1999. 40 Em sentido contrário, Paula Sarno, Fredie Didier Jr. e Rafael Alexandria entendem que o réu pode valer-se de outros meios de impugnação (pedido de reconsideração ou de suspensão de segurança, se interpostos dentro do prazo recursal) para obstar a estabilização. Ob. Cit., p. 608. 41 Conforme lição de Leonardo Carneiro da Cunha. Ob. Cit., p. 585. 42 Afirmando exatamente o que consta no texto, observe-se a SS 1.972/RN, Rel. Min. Pres. Carlos Velloso, DJ em 21/05/2001. 43 Art. 15. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso suspender, em decisão fundamentada, a execução da liminar e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a

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aleatoriamente, sem qualquer lastro nos autos, do que uma maneira de tentar afastar do mundo

jurídico a decisão recorrida.

Cabe lembrar que o pedido de suspensão também não obsta o trânsito em julgado da

decisão provisória, que permanece com a sua eficácia suspensa “até o trânsito em julgado da

decisão de mérito na ação principal” (art. 4º, § 9º, da Lei nº 8.437/1992), mas na estabilização

da tutela antecipada pode não haver processo principal.

Assim, se a Fazenda Pública interpuser exclusivamente pedido de suspensão, mesmo

que dentro do prazo recursal para interposição do agravo de instrumento, só terá os efeitos da

suspensão da decisão até o final do prazo do recurso, eis que depois disso o processo será

extinto (art. 304, § 1º, do CPC), não havendo qualquer razão para mantê-la sem eficácia

mesmo diante da estabilização.

A estabilização não se confunde com a coisa julgada, por expressa vedação legal (art.

304, § 6º, do CPC), mas só será afastada se houver ação proposta nos termos do § 2º do art.

304, do CPC. Diante disso, questiona-se: o pedido de suspensão tem a mesma natureza

jurídica da ação prevista nesse dispositivo legal? Se sim, não há dúvida, esse incidente

processual44 impedirá que a decisão provisória torne-se estável. Se não, e é o que extraímos da

doutrina majoritária e da jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, não haverá tal

consequência, mesmo com a interposição do pedido.

Por último, é preciso ter em mente que o regime previsto no art. 304 do CPC é

posterior ao do pedido de suspensão (Leis nsº 12.016/2009 e 8.437/1992) e criou um instituto

novo e específico, que não pode ser obstado por um incidente criado para atacar a tutela

antecipada tradicional, requerida sempre como incidente de um processo principal e que o

tinha como pressuposto. Aqui, a razão histórica que moveu o legislador foi abreviar o

procedimento, invertendo o ônus da iniciativa diante de uma decisão provisória que atesta que

o autor tem o direito mais provável. Nessa esteira, o pedido de suspensão, voltado para evitar

lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 15, caput, da Lei nº

12.016/2009) não tem o condão de impedir a estabilização da tutela antecipada45.

Por fim, deve-se analisar se o ajuizamento de reclamação constitucional obsta a

estabilização da tutela antecipada.

Primeiro, é fundamental fixar qual a natureza jurídica da reclamação. Há dissenso

julgamento na sessão seguinte à sua interposição. § 4º O presidente do tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida. 44 Aqui, mais uma vez, é preciosa a doutrina de Leonardo Carneiro da Cunha. Ob. Cit. p. 581. 45 Em igual direção, temos a doutrina de Dierle Nunes e Érico Andrade. Texto extraído do Academia.edu.

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doutrinário quanto ao ponto. Alguns autores, como Nelson Nery Jr., defendem que trata-se de

um incidente autônomo. Outros entendem que trata-se de verdadeiro recurso. Em último caso,

há os que sustentam ser verdadeira ação, essa parece ser a posição mais acertada46.

Nesse ponto, é imperiosa a transcrição da lição de Fredie Didier Jr. e Leonardo

Carneiro da Cunha, com a qual concordamos inteiramente. Dizem os referidos autores que “a

reclamação não tem natureza de recurso. É que, para que dado mecanismo seja enquadrado na

moldura de recurso, é preciso que esteja previsto em lei como tal”. Em seguida, afirmam que

também não se trata de incidente processual, pois, com isso, “altera-se o curso do

procedimento, podendo haver seu encerramento prematuro, com a extinção do processo, ou

um retardamento, com um desvio de rota: o procedimento se suspende ou se altera em razão

do incidente. A reclamação constitucional não preenche tais pressupostos, não se

enquadrando, portanto, como um incidente processual”. Em arremate, concluem que “a

reclamação constitucional consiste, a bem da verdade, numa ação, ajuizada originariamente

no tribunal superior, com vistas a obter a preservação de sua competência ou a garantir a

autoridade de seus julgados. A reclamação contém, inclusive, os elementos da ação, a saber:

partes, causa de pedir e pedido”47.

Como é possível perceber, não há razão no entendimento do STF que decidiu ser a

reclamação simples exercício do direito de petição previsto no art. 5º, XXXIV, “a”, da

Constituição Federal (ADI nº 2.212-1/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ em 14/11/2003).

Para o que se quer neste artigo, não é necessário maiores delongas. Admitiremos que a

reclamação constitucional é ação. A partir disso, será feita a análise para fins do art. 304 do

CPC.

Como ação que é, a reclamação não importa em reforma ou invalidação da decisão,

apenas na sua cassação ou, sendo o caso de usurpação de competência, na avocação dos autos

para o tribunal48. Durante todo o percurso do texto, defendeu-se uma interpretação restritiva

do termo “respectivo recurso” inscrito no caput do art. 304 do CPC. Ao que parece,

entretanto, a reclamação, apesar de não ser recurso, constitui hipótese excepcional para obstar

a estabilização da tutela antecipada. Isso porque a cassação da decisão (art. 992 do CPC), que

não ocorre no pedido de suspensão de segurança, é suficiente para retirar do mundo jurídico a

tutela provisória.

46 Com importante histórico doutrinário nesse sentido, tem-se: ARRUDA ALVIM, Eduardo; GRANADO, Daniel Willian; e THAMAY, Rennan Faria Kruger. Processo Constitucional. São Paulo: RT, 2014, p. 218 a 221. 47 CUNHA, Leonardo Carneiro da; e DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 3. 11ª ed. Salvador: JusPodivm, 2013, p. 502 a 504. 48 Leonardo Carneiro da Cunha e Fredie Didier Jr.. Ob. Cit., p. 501.

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O art. 988 do CPC traz um rol bastante elucidativo quanto ao cabimento da

reclamação (I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do

tribunal; III - garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle

concentrado de constitucionalidade; IV - garantir a observância de enunciado de súmula

vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de

assunção de competência). Em verdade, nessas hipóteses, ou o juiz de primeiro grau não tinha

competência para decidir quanto ao pedido de tutela antecipada ou desrespeitou uma decisão

judicial proferida nos termos dos incisos II, III e IV, o que importa dizer que não havia sequer

probabilidade do direito alegado (art. 300, caput, do CPC).

É possível imaginar uma tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública em

afronta à decisão do STF na ADC nº 4. Nesse caso, vedar a via da reclamação importa dar

autoridade maior à decisão de primeiro grau do que a própria manifestação da Suprema Corte,

sendo cabível tal remédio com base no inciso II do art. 988 do CPC.

Suponhamos, ainda, que determinado autor formule pedido de tutela antecipada

antecedente contra o Ministro da Justiça para suspender uma Portaria editada por ele.

Segundo preceito do art. 1º, § º, da Lei nº 8.437/1992, “não será cabível, no juízo de primeiro

grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade

sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal”. Ao deferir o

pedido de antecipação de tutela, o juiz está invadindo competência do Superior Tribunal de

Justiça (art. 105, I, “b”, da Constituição Federal), cabendo reclamação na forma do inciso I do

art. 988 do CPC.

Essa reclamação, se ajuizada no prazo recursal, tem aptidão para impedir a incidência

da estabilização, eis que importa em cassação da decisão, no primeiro exemplo, e avocação

dos autos, no segundo.

Tendo em vista a taxatividade e especificidade no cabimento da reclamação, não

haverá prejuízo para a estabilização e a sua máxima eficácia, como, aliás, é preconizado no

presente trabalho, pois o número de casos em que será aberta tal via não representa a regra do

ordenamento jurídico, sobretudo quando esse é observado pelo viés da urgência que autoriza

o deferimento da medida na forma do art. 303 do CPC.

Outro ponto objeto de avaliação é sobre a ação prevista no § 2º do art. 304 (Qualquer

das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela

antecipada estabilizada nos termos do caput). A tese adotada neste estudo é de que a ação

prevista no parágrafo é ampla e não precisa ser necessariamente uma ação voltada para o

aprofundamento da cognição, pode ser até mesmo um pedido de reforma ou invalidação da

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decisão antecipatória.

Com isso, poderia ser objetada essa conclusão a partir da percepção de que, sendo

ampla a via prevista no art. 304, § 2º, do CPC, não teria sentido a estabilidade prevista em

face da inércia do réu. Entretanto, não é bem assim. O fato do réu manejar ação nos termos do

parágrafo segundo não obsta a estabilização, de forma alguma. Se já decorreu o prazo de

recurso, a decisão só será revista, reformada ou invalidada se houver manifestação judicial

expressa em sentido contrário. Entender que qualquer pedido feito após o prazo recursal e na

forma do § 2º já desestabiliza a decisão torna letra morta o caput do mesmo art. 304.

A previsão do art. 304, § 2º, é para permitir que, dentro do prazo de dois anos,

contados da ciência da decisão que extinguiu o processo (art. 304, § 1º, do CPC), as partes

possam propor qualquer ação para ampliar a demanda ou até mesmo, tão somente, para

revisitar a decisão proferida em caráter antecedente. A propositura dessa ação, entretanto, não

tem como consequência automática a cessação da eficácia da tutela provisória concedida.

Para afirmar isso, é preciso admitir a existência de dois juízos distintos no processo:

um provisório, estável, mas impugnável dentro de dois anos; o outro de mérito, com cognição

exauriente, buscando tutela definitiva. É evidente que, havendo juízo de mérito em sentido

contrário, haverá a retirada dos efeitos da decisão provisória.

No référé provision, por exemplo, o demandado tem poderes distintos, em duas vias:

para atacar a decisão provisória e para discutir o mérito49 . Nada impede essa conclusão

naquele ordenamento, como parece não impedir aqui.

Para finalizar o ponto, é preciso esclarecer que, apesar de não haver formação de coisa

julgada, a ação para rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada deve ser ajuizada no

prazo decadencial de 2 (dois) anos, sob pena de extinção desse direito 50 . A partir da

consumação da decadência, os efeitos da decisão provisória são estabilizados de forma

soberana, não sendo cabível outra ação para infirmar a antecipação de tutela.

Por fim, é necessário pontuar que, pela leitura do art. 304, caput e § 1º, fica claro que

basta ao réu oferecer o recurso, pouco importando o seu resultado de mérito. Não há como

interpretar a lei em outro sentido sem ferir completamente a sua literalidade. A interposição

intempestiva do recurso, por óbvio, não obsta a estabilização.

Nesse ponto, é possível fazer uma crítica à lei brasileira, eis que poderia ter admitido a

estabilização mesmo que o réu recorresse, mas o seu recurso fosse desprovido. Não seria

49 Alessandro Jommi. Ob. Cit., p. 250. 50 Conforme indicam Dierle Nunes e Érico Andrade, a melhor solução teria sido aplicar à matéria o prazo prescricional de direito material. Na Itália e na França, antecipada a tutela e extinto o procedimento antecedente, começa-se a contar novamento o prazo prescricional. Texto extraído do Academia.edu.

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necessário que o tribunal adentrasse no mérito, bastava fazer, em segundo grau, uma análise

sobre a decisão provisória concedida à luz dos argumentos do demandado. Ora, não sendo

séria a sua impugnação, seria possível a estabilização da tutela da mesma forma. Os franceses

adotam expressamente essa ideia51, que seria muito importante no Brasil.

Tendo em conta essas premissas firmadas, passar-se-á à efetiva tentativa de

sistematização da estabilização, estudando-se brevemente as hipóteses mais comuns de serem

verificadas na prática.

3.3 Casos práticos de aplicação dos arts. 303 e 304 do CPC.

a) Autor não adita o pedido e o réu não apresenta o recurso.

Esse é caso mais fácil de ser constatada a estabilização. Após o decurso dos dois

prazos previstos (conforme defendemos no subitem 3.2 acima), o juiz, diante da tutela

antecipada antecedente concedida e da inércia do réu, extingue o feito sem resolução do

mérito e a decisão provisória está estabilizada. É importante salientar que essa extinção jamais

será com resolução de mérito, pois não foi formulado pedido nesse sentido, não há cognição

exauriente e não houve participação do demandado no processo. O que há é a extinção sem

mérito, que preserva integralmente os efeitos da tutela provisória. Como já foi dito

anteriormente, são dois juízes nitidamente distintos (provisório e de mérito).

Um exemplo ajudará a esclarecer. O Autor A formula pedido de tutela antecipada

contra o seu plano de saúde para realização imediata de uma cirurgia e indica expressamente

na petição inicial que quer se valer do benefício previsto no caput do art. 303 (atendendo ao §

5º do mesmo dispositivo). Indica o pedido de tutela final, expõe a lide e demonstra o perigo

efetivo de dano. O juiz concede a tutela antecipada requerida em caráter antecedente. O autor

será intimado para aditar o pedido, o réu será citado e intimado. Não havendo recurso do réu,

a decisão torna-se estável. Observando que o demandante não aditou o seu pedido inicial, o

que poderia levar a um prosseguimento do processo principal sem prejuízo da estabilização

da tutela antecipada, o juiz proferirá uma única decisão extinguindo o feito sem resolução

mérito. Haverá, portanto, a estabilização prevista no art. 304.

b) Autor adita o pedido e o réu não apresenta o recurso.

Fiquemos no mesmo exemplo anterior, com uma única alteração: intimado da decisão

51 Alessandro Jommi. Ob. Cit., p. 251.

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antecipatória, o autor, cumprindo o art. 303, § 1º, I, e § 2º, do CPC, adita o seu pedido e

acrescenta diversos outros pedidos (indenização por danos morais, materiais e revisão

contratual, por exemplo). Diante da tutela antecipada concedida e da inércia do réu, haverá

estabilização, mas o juiz percebeu que o autor aditou o seu pedido inicial. Consoante

afirmado, a decisão deve ser prolatada a partir do decurso dos dois prazos previstos

(aditamento para o autor e recurso para o réu). Nesse caso, antes de decidir, atendendo ao

disposto no art. 10 do CPC, o juiz intimará o requerente da medida para manifestar-se sobre o

prosseguimento do feito. Se o autor contentar-se com a estabilização, abrindo mão do

processo principal, a extinção do processo antecedente será idêntica à prevista no subitem A.

Se, por outro lado, o autor manifestar interesse em ver o seu pedido apreciado no

mérito, pois deseja discutir tudo aquilo que foi apontado no aditamento com a posterior

atribuição de coisa julgada, o juiz determinará o prosseguimento do feito e, exclusivamente

quanto à tutela antecipada antecedente, extinguirá o processo sem resolução do mérito, nos

termos do § 1º do art. 304 do CPC.

Essa solução não é esdrúxula e tenta fazer uma sistematização entre dispositivos

aparentemente incongruentes (art. 303, § 2º, e art. 304, § 1º, ambos do CPC). Suponha-se que,

mesmo com o aditamento do autor, houvesse a extinção completa do feito. Mesmo assim, já

no 16º dia, ele poderia propor a ação buscando revisitar a tutela antecipada e inserir todos

aqueles pedidos indicados no aditamento (indenização por danos morais, materiais e revisão

contratual). Haverá, nessa hipótese, ampliação objetiva da demanda inicialmente proposta.

Nesse exemplo, parece claro que jamais seria vedada essa via ao requerente.

Essa posição reforça a ideia aqui defendida de que a instalação do juízo de mérito não

invalida automaticamente o juízo provisório formado, isso porque haveria a constatação

natural de que os parágrafos 1º ao 5º do art. 303 seriam desnecessários. Se a lei prever um

aditamento independentemente da conduta do réu, e diz expressamente que o autor fará uma

confirmação do pedido de tutela final, não há como afastar todas essas previsões tão somente

pela extinção prevista no art. 304, § 1º, do CPC.

A única forma de compatibilizar os dispositivos, sem prejudicar a eficácia da

estabilização, é aceitar que, no caso concreto, o juiz extinguirá apenas a parcela do processo

que disser respeito à tutela antecipada antecedente (juízo provisório)52. Quanto ao processo

principal, esse terá seguimento normalmente. Havendo decisão de mérito contrária à decisão

52 O art. 354, parágrafo único, pode ser aplicado por analogia: “Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento”.

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estabilizada, não há problema, pois os seus efeitos irão cessar. Se a decisão de mérito não for

contrária àquela estabilizada, não há qualquer razão para a sua revisão, reforma ou

invalidação.

Essa providência dispensa o juiz, inclusive, de reiterar a análise da tutela antecipada na

sentença ou de questionar quanto aos seus requisitos.

Entretanto, se há um juízo de mérito instalado, há um óbice formal à extinção do

direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada (art. 304, § 5º, do CPC),

pois a coisa julgada, mesmo que seja posterior aos dois anos, desde que fruto de processo

principal em trâmite anteriormente, sobrepõe-se à estabilização.

Isso não aniquila a estabilização, de forma alguma, ela continua, mas pode ser

infirmada mesmo após os dois anos. É que o juízo de mérito irá preponderar sobre o juízo

provisório, se for com ele incompatível.

c) Autor não adita o pedido e o réu apresenta o recurso.

Ainda tendo em conta o caso hipotético acima discutido. Se o autor beneficiado pela

cirurgia não aditar o pedido e o réu apresentar o respectivo recurso (art. 304, caput, do CPC),

não haverá estabilização da tutela antecipada concedida, pois é suficiente que o demandado

recorra, sem qualquer necessidade de conhecimento ou provimento, o que pode levá-lo a

sempre manejar um recurso, mesmo que manifestamente improcedente, para obstar que se

complete o suporte fático da estabilização.

Nesse caso, o tribunal simplesmente não conhece do recurso. O juiz de primeiro grau,

por sua vez, diante do não aditamento pelo autor, já tendo notícia da insurgência recursal do

demandado, extinguirá o feito sem resolução do mérito (art. 303, § 2º, do CPC). Essa extinção

arrastará a tutela antecipada concedida.

No caso, não haverá estabilização, apenas sobreviveria a tutela antecipada, mas, sem a

manifestação do autor no sentido de aditar o seu pedido inicial, não há porque manter a

decisão provisória, que é extinta junto com o processo antecedente.

d) Autor adita o pedido e o réu apresenta o recurso.

Havendo recurso do réu, nos termos sustentados no subitem 3.2, é certo que não

haverá a estabilização. Se o autor aditou o seu pedido, de outra banda, tem direito ao

prosseguimento do processo com a busca por uma cognação exauriente. O processo, até então

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limitado à tutela antecipada antecedente, continua e a tutela provisória concedida permanece

em vigor, sem a aplicação do regime do art. 304.

Nessa hipótese, o tribunal deverá julgar efetivamente o recurso para, cotejando-o com

os requisitos previstos no Código de Processo Civil para as tutelas de urgência decidir se a

tutela antecipada deve ser mantida, sem os efeitos da estabilização.

Não se deve confundir o art. 304 com a própria tutela antecipada concedida. Esse

dispositivo prevê a estabilização das medidas de urgência satisfativas, diante da concessão

pelo juiz e da inércia do réu. Se o réu recorre e, portanto, não resta preenchido o seu suporte

fático, não há derrubada automática da decisão provisória.

Entendimento nesse sentido geraria absurdos, todos emanados do livre arbítrio do réu,

mesmo não tendo o direito mais provável. No caso do pedido para realização da cirurgia, por

exemplo, se há insurgência recursal do demandado, não haverá a estabilização, mas a tutela

antecipada antecedente continua em vigor, desde que o autor tenha aditado o seu pedido (art.

303, § 2º, do CPC).

Os arts. 303 e 304 do CPC não tratam da mesma figura e não permitem uma

interpretação prejudicial ao autor que tenha o direito mais provável. O art. 303 trata da tutela

antecipada requerida em caráter antecedente. Já o art. 304 versa sobre a estabilização da tutela

antecipada, que pode acontecer ou não, a depender da apresentação de recurso pelo réu. Ou

seja, a tutela satisfativa antecedente é um dos elementos do suporte fático da estabilização,

mas não se confunde com esse instituto.

A prosperar o entendimento de que o recurso do réu, além de obstar a estabilização,

também derruba a tutela antecipada antecedente, teremos a possibilidade de causar graves

riscos ao autor, que terá a sua situação jurídica provisória alterada ou destruída pela simples

ação do demandado. Definitivamente, não parece ser essa a razão inspiradora da lei.

A estabilização é um plus, um instituto que, estando presente, dispensa o ajuizamento

de um processo principal. Como fica claro, busca proteger quem tem o melhor direito, ainda

que de forma provisória. Assim, não ocorrendo, sobrevive a tutela antecipada, que, entretanto,

depende do aditamento do autor para que continue vigente, eis que o nosso ordenamento não

abrigou a previsão de haver pronunciamento provisório não estável sem ajuizamento do

processo principal.

A simples interposição de recurso pelo réu é determinante, exclusivamente, para a não

estabilização, mas não anula automaticamente a tutela provisória, pois, havendo aditamento

pelo autor, o tribunal deverá julgar o recurso apresentado, mantendo a tutela antecipada, se for

o caso.

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Esse posicionamento protege o direito considerado mais provável e permite que os

arts. 303 e 304 sejam aplicados conjunta e harmonicamente, na medida do possível.

4. Conclusão.

O assunto aqui debatido é novo e está muito longe de ser pacífico53. A prática forense

dirá muito sobre o que deve ser feito, o que deu certo e, principalmente, sobre o que precisará

ser ajustado. As redações dos art. 303 e 304 parecem não se comunicar. Entretanto, o Código

de Processo Civil foi sancionado e todo o trabalho do intérprete deve voltar-se para dar a

máxima eficácia possível aos institutos.

Se há uma conclusão essencial neste artigo é a de que a tutela antecipada antecedente é

apenas um elementos do suporte fático da estabilização. Elas não se confundem e a ausência

dessa última não é sinônima de derrubada da primeira. O art. 303 cria um regime que permite

a formulação do pedido de tutela antecipada de forma antecedente. Nisso já inovou bastante,

pois o ordenamento brasileiro só conhecia as cautelares preparatórias, agora dispõe também

de uma antecipação de tutela que pode ser formulada autonomamente.

Foi ainda mais criativo o legislador quando dispôs que, não havendo recurso do réu,

aquela tutela antecipada será estabilizada. Não haverá coisa julgada, é certo, mas não será

necessário um processo principal com as múltiplas facetas que tanto atrasam a entrega efetiva

do bem da vida discutido em juízo. Se as partes recebem uma tutela provisória e ficam

satisfeitas com essa medida, não há porque prolongar o que é desnecessário. Aquilo que foi

concedido basta. Na França, o référé provision, onde nitidamente buscou inspiração o

legislador brasileiro, tem sido a forma de 90% dos pedidos de tutela de urgência, como restou

demonstrado durante o texto.

Lá, também não há coisa julgada e o prazo aplicável para não permitir uma abertura

eterna para revisão da decisão é o de prescrição do direito material. O legislador pátrio,

obviamente, não está obrigado a seguir cegamente qualquer exemplo e entendeu que seria

mais correto fixar um prazo de 2 (dois) anos para a ação que poderá reformar, invalidar ou

53 As reflexões e propostas lançadas no presente trabalho devem muito aos debates profundos que tivemos, em diferentes oportunidades, com os Professores Alexandre Freitas Câmara, Cassio Scarpinella Bueno, Eduardo José da Fonseca Costa, Fredie Didier Jr., Leonard Schmitz, Leonardo Carneiro da Cunha, Nathália Carvalho e Tereza Arruda Alvim. Devem, sobretudo, às intensas interlocuções que tivemos com Guilherme Takeishi, advogado e mestrando em direito na PUC-SP, conhecedor e estudioso do tema das tutelas provisórias. Não é que tenhamos concordado sempre, mas a riqueza dos argumentos trazidos reforçou em mim a convicção na democracia e na pesquisa científica. Também não se quer dizer que os citados Professores concordam com o que foi aqui exposto, de forma alguma, apenas ressaltamos que, a partir das ponderações de cada um deles, foi possível construirmos uma tentativa de sistematização da estabilização da tutela antecipada.

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rever a tutela antecipada (art. 303, § 5º, do CPC). Após esse prazo, os efeitos estáveis não

poderão mais ser atacados. Ocorrendo o que ousamos denominar de estabilidade soberana.

Mais importante do que olhar aprioristicamente para o art. 304, que traz a

estabilização, é observar que o art. 303 já prevê uma tutela antecipada (e por isso, satisfativa),

sendo o dispositivo subsequente um plus, mas sem invalidar aquela decisão provisória. Essa

lembrança é importante para que não se defenda a superação da tutela antecipada pela simples

interposição de recurso pelo réu. Com essa conduta, o demandado apenas impede a

estabilização, mas não derruba a eficácia da tutela antecipada vigente, desde que o autor tenha

aditado o pedido (art. 303, § 2º, do CPC).

É relevante anotar também que se for exigida a dupla inércia das partes para a

estabilização (não aditamento pelo autor e não apresentação de recurso pelo réu) estar-se-á

tornando letra morta o art. 303, § 1º, I, e § 2º, que dispõem que o autor deve aditar o seu

pedido. E a lei não fez isso ao acaso. Pelo contrário. O legislador estava cônscio de que havia

previsto uma tutela antecipada antecedente e que, exatamente por isso, não poderia fechar a

porta ao demandante para que ele continue o processo em busca de uma decisão de mérito que

tem aptidão para a coisa julgada.

Sendo assim, o suporte fático da estabilização é composto, tão somente, pela tutela

antecipada antecedente concedida e pela inércia do réu. Nada mais há, porque nada mais é

necessário. A conduta do autor será determinante para o prosseguimento ou não do processo,

jamais para a estabilização prevista no art. 304 do CPC.

De tudo isso, muito além da tentativa de sistematização feita, que certamente está

sujeita à correções e críticas, é fundamental que o intérprete perceba que aqueles institutos

previstos nos art. 303 e 304 do Código de Processo Civil não são mera invenção do legislador.

Os dispositivos estão ali para cumprir uma função primordial, percebida há muito tempo na

Europa e expressamente prevista na Constituição Federal54, que é a de entregar a prestação

jurisdicional por meio de procedimentos cada vez mais céleres e efetivos. Para atender a essa

necessidade, a simplificação procedimental é um pilar fundamental. É nesse sentido e com

essa inspiração que o art. 304, possibilitando a estabilização, acabou por permitir um

procedimento de tutela antecipada autônoma, que dispensa um longo processo principal para

entregar a parte que tem o direito mais provável exatamente o que ela deseja.

Uma última advertência: é preciso interpretar a estabilização de uma maneira que

assegure a sua máxima eficácia. Não terá sido útil a disposição legislativa se os aplicadores da

54 Art. 5º, LXXVIII: A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

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norma continuarem a perseguir o mito da certeza, que viria apenas com o processo de

conhecimento, com dilação probatória, sentença, recursos, etc. Na estabilização da tutela

antecipada, as partes contentam-se com a satisfação fática. Isso é tudo que é desejado.

Se haverá sucesso, só o tempo dirá. Enquanto esse tempo não chega, o ideal é que o

ônus da espera recaia sobre quem provavelmente não tem o melhor direito.

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