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Apr 06, 2018

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coleção fundamental

ESCRITOS

REVOLUCIONÁRIOS

ERRICO MALATESTA SEGUNDA EDIÇÃO – FEV. 2010

 www.editorahumana.com

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Escritos revolucionários

Esta compilação foi formatada e revisada pola HumanaEditora desde a disponibilizada polo Marxists Internet Archiveem português. Ela não possui direitos autorais. Pode e deve ser

reproduzida no todo ou em parte, além de ser liberada a suadistribuição, preservando o seu conteúdo e o nome de seuautor.

 Autor: Errico MalatestaEdição para a EH: Óscar de Lis

 Adaptação para o A.O.: Óscar de LisData da primeira edição na EH: junho de 2008Data da segunda edição na EH: fevereiro de 2010Licença: copyleft

Editora Humana www.editorahumana.com

[email protected]

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Conteúdo

Um pouco de teoria .....................................................................................8

 A organização I .......................................................................................... 19

 A organização II ......................................................................................... 25

O objetivo dos anarquistas ........................................................................ 34

 A organização das massas operárias contra o governo e os patrões ....... 41

Os anarquistas e o sentimento moral ....................................................... 47

O congresso de Amesterdão ...................................................................... 51

Rumo à anarquia ....................................................................................... 59

Capitalistas e ladrões ................................................................................. 65

Sindicalismo e anarquismo .......................................................................69

 A greve geral .............................................................................................. 79

Em torno do “nosso” anarquismo ........................................................... 84

Mikhail Bakunin ........................................................................................ 91

 Anarquia e organização .............................................................................94

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 A anarquia é a abolição do roubo e da opressão do homem

  polo homem, quer dizer, a abolição da propriedade

individual e do governo; a anarquia é a destruição da

miséria, da superstição e do ódio. Portanto, cada golpe

desferido nas instituições da propriedade individual e do

governo é um passo rumo à anarquia, assim como cada

mentira desvelada, cada parcela de atividade humana

subtraída ao controle da autoridade, cada esforço tendendo a

elevar a consciência popular e a aumentar o espírito de

solidariedade e de iniciativa, assim como a igualar as

condições.

Errico Malatesta, Rumo à anarquia 

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Um pouco de teoria

1892

Sopra um vento de revolta em todos os lugares. A revolta éaqui a expressão duma ideia, lá o resultado dumanecessidade; com mais frequência ela é a consequência

duma mistura de necessidades e de ideias que seengendram e se reforçam umas às outras. Desencadeia-secontra a causa dos males ou ataca-a de modo indireto, éconsciente e instintiva, humana ou brutal, generosa oumuito egoísta, mas de qualquer modo, é a cada dia maior eamplia-se incessantemente.

É a marcha da história. É, portanto, inútil perder tempo a

lamentar quanto aos caminhos que ela escolheu, pois estessão traçados por toda a evolução anterior.

Mas a história é feita polos homens. Tendo em vista que nãoqueremos permanecer simples espectadores indiferentes àtragédia histórica, que queremos participar com todas asnossas forças das escolhas dos eventos que nos parecem

mais favoráveis à nossa causa, é-nos preciso um critério quesirva de guia na apreciação dos fatos que se desenvolvem,sobretudo para podermos escolher o posto que devemosocupar na batalha.

O fim justifica os meios. Denegriu-se muito esta máxima:ela é, entretanto, uma regra universal de conduta. Seria

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melhor dizer: todo fim requer os seus meios; visto que amoral deve ser buscada no objetivo, os meios são fatais.

Uma vez determinado o objetivo que se quer atingir, voluntária ou necessariamente, o grande problema da vidaconsiste em encontrar o meio que, segundo ascircunstâncias, conduzirá de forma mais segura eeconómica ao objetivo fixado. O modo como se resolve oproblema – desde que isso dependa da vontade humana –

determina que um homem ou um partido atinja ou não oseu objetivo, sirva à sua causa ou, sem querer, à do inimigo.Encontrar o bom meio, tal é o segredo dos grandes homense dos grandes partidos que deixaram marcas na história. Oobjetivo dos jesuítas é, para os místicos, a glória de Deus,para os outros a glória da Companhia. Eles esforçam-se,portanto, em embrutecer as massas, aterrorizá-las e

subjugá-las.

O objetivo dos jacobinos e de todos os partidos autoritários– que pensam estar de posse da verdade absoluta – éimporem as suas ideias à massa dos profanos. Eles devem,portanto, esforçar-se na tomada do poder, dominar asmassas e coagir a humanidade a sofrer as torturas das suasconcepções.

Quanto a nós, o problema é diferente: sendo o nossoobjetivo muito distinto, os nossos meios devem sê-lo damesma forma.

Nós não lutamos para tomarmos o lugar dos exploradores,tampouco para o triunfo de uma abstração vazia. Nada

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temos em comum com o patriota italiano que dizia: “Queimporta que todos os italianos morram de fome se a Itália

se torna grande e gloriosa!”; tampouco com o camarada quereconhecia ser-lhe indiferente que se massacrassem trêsquartos da humanidade, desde que a humanidade fosselivre e feliz.

Nós desejamos a liberdade e o bem-estar de todos oshomens, de todos os homens sem exceção. Queremos que

cada ser humano possa desenvolver-se e viver do modomais feliz possível. E acreditamos que esta liberdade e este bem-estar não poderão ser dados nem por um homem, nempor um partido, mas todos deverão descobrir neles mesmosas suas condições e conquistá-las. Consideramos quesomente a mais completa aplicação do princípio dasolidariedade pode destruir a luta, a opressão e a

exploração, e a solidariedade só pode nascer do livreacordo, da harmonização espontânea e desejada dosinteressados.

Segundo o nosso ponto de vista, tudo o que tende a destruira opressão económica e política, tudo o que serve paraelevar o nível moral e intelectual dos homens, para lhes darconsciência dos seus direitos e das suas forças, e parapersuadi-los a fazerem uso deles, tudo o que provoca o ódiocontra o opressor e suscita o amor entre os homens,aproxima-nos do nosso objetivo e é, portanto, um bem,sujeito a um cálculo quantitativo a fim de obter, com umadada força, o máximo de efeito positivo. Ao contrário, o malconsiste no que estiver em contradição com o nosso

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objetivo, tudo o que tender a conservar o Estado atual, tudoo que tender a sacrificar, contra a sua vontade, um homem

ao triunfo de um princípio.

Nós queremos o triunfo da liberdade e do amor. Devemos,todavia, renunciar ao emprego de meios violentos? Deforma alguma! Os nossos meios são aqueles que ascircunstâncias nos permitem e nos impõem.

Evidentemente, não queremos tocar sequer num fio decabelo dalguém, enxugando as lágrimas de todos, sem fazer

 verter nenhuma. Mas é necessário combater no mundo talcomo ele é, sob pena de permanecermos sonhadoresestéreis.

 Virá o dia, estamos intimamente persuadidos, em que serápossível fazer o bem aos homens sem fazer o mal, nem a si

mesmo nem ao próximo; mas hoje é impossível. Mesmo omais puro e o mais dócil dos mártires, aquele que sedeixaria levar ao cadafalso polo triunfo do bem, semresistir, abençoando os seus perseguidores como o Cristo dalenda, mesmo ele faria mal. Além do mal que ele faria a simesmo, mas é assim, faria verter lágrimas amargas a todosaqueles que o amassem.

Trata-se, portanto, sempre, em cada ato, de escolher omenor mal, tentar fazer o mínimo de mal pola maiorquantidade de bem possível.

  A humanidade arrasta-se penosamente sob o peso daopressão política e económica; ela é embrutecida,

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degenerada e morta (nem sempre de forma lenta) polamiséria, pola escravidão, pola ignorância e os seus efeitos.

Esta situação é mantida por poderosas organizaçõesmilitares e policiais, que respondem pola prisão, polocadafalso e polo massacre a toda tentativa de mudança. Nãohá meios pacíficos, legais, para sairmos desta situação. Énatural, porque a lei é feita polos privilegiados paradefender expressamente os seus privilégios. Contra a forçafísica que barra o caminho, não há outra saída para

 vencermos senão a força física, a revolução violenta.

Sem nenhuma dúvida, a revolução produzirá numerosasinfelicidades, muitos sofrimentos; mas, mesmo que elaproduzisse cem vezes mais, seria uma bênção em relação atodas as dores hoje engendradas pola má formação dasociedade.

Sabe-se que numa única batalha morrem mais pessoas doque na mais sangrenta das revoluções; que milhões decrianças morrem anualmente muito cedo por falta decuidados; que milhões de proletários morrem a cada ano,prematuramente, em consequência da miséria. Conhece-sea vida raquítica, sem alegrias e sem esperanças que leva amaioria dos homens. Mesmo os mais ricos e os maispoderosos são menos felizes do que poderiam ser numasociedade igualitária. Este estado de cousas perdura desdetempos imemoriais. Isto duraria, portanto, sem a revoluçãoque combate resolutamente os males nas suas raízes e podecolocar de uma vez por todas a humanidade no caminho doseu bem-estar.

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Boas-vindas, portanto, à revolução: cada dia de atrasoinflige à humanidade mais uma enorme massa de

sofrimentos. Esforcemo-nos e trabalhemos para que elachegue rapidamente e consiga acabar para sempre comtodas as opressões e explorações. É por amor aos homensque somos revolucionários: não é a nossa culpa se a histórianos obriga a esta dolorosa necessidade.

Portanto, para nós anarquistas, ou polo menos (visto que as

palavras são, em definitivo, convencionais) entre osanarquistas que pensam como nós, todo ato de propagandaou de realização, polo discurso ou polos factos, individualou coletivo, é bom se lhe assegura o apoio consciente dasmassas e lhe dá caráter de libertação universal; sem estesaspectos poderia ocorrer uma revolução, mas não a quedesejamos. É principalmente no facto revolucionário que é

preciso utilizar os meios económicos, pois o gasto se dá em vidas humanas.

Conhecemos bem as condições materiais e morais dolorosasem que se encontra o proletariado para nos explicarmos osatos de ódio, de vingança, e até mesmo de ferocidade, quepoderão ocorrer. Compreendemos que haverá oprimidosque – tendo sido sempre tratados polos burgueses com amais ignóbil dureza e tendo sempre visto que tudo épermitido para o mais forte – dirão um dia depois de seterem tornado os mais fortes: “Ajamos também como

  burgueses”. Compreendemos que isso possa ocorrer, nafebre da batalha, em naturezas generosas, mas necessitadasde preparação moral – muito difícil de adquirir nos dias de

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hoje – que podem perder de vista o objetivo a seralcançado, tomem a violência como um fim em si e se

deixem levar por atos selvagens.

Uma cousa é compreender, outra cousa perdoar certosfactos, reivindicá-los, ser solidário com eles. Não podemosaceitar, encorajar e imitar tais atos. Devemos ser resolutos eenérgicos, mas devemos igualmente esforçar-nos em nuncaultrapassar os limites necessários. Devemos fazer como o

cirurgião que corta o que é preciso, evitando sofrimentosinúteis. Numa palavra, devemos ser inspirados e guiadospolo sentimento de amor polos homens, todos os homens.

Parece-nos que este sentimento de amor é o fundo moral, aalma do nosso programa. Somente concebendo a revoluçãocomo a maior alegria humana, como libertação efraternização dos homens – qualquer que tenha sido aclasse ou o partido aos quais eles pertencem – é que o nossoideal poderá realizar-se.

  A rebelião brutal certamente aparecerá e poderá servir,também, para dar o grande empurrão, o último empurrãoque deverá derrubar o sistema atual; mas se ela nãoencontra o contrapeso dos revolucionários que agem por

um ideal, tal revolução devorará-se a si mesma.

O ódio não produz o amor, e com o ódio não se renova omundo. A revolução polo ódio seria um fracasso completoou então engendraria uma nova opressão, que poderiachamar-se até mesmo anarquista, assim como os homensde Estado atuais se dizem liberais, mas nem por isso

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deixaria de ser uma opressão e não deixaria de produzir osefeitos que toda a opressão causa.

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 A organização I

 Agitazione de Ancone, 04/07/1897.

Há anos que muito se discute entre os anarquistas estaquestão. E como frequentemente acontece quando sediscute com ardor à procura da verdade, acredita-se, em

seguida, ter razão. Quando as discussões teóricas sãoapenas tentativas para justificar uma conduta inspirada poroutros motivos, produz-se uma grande confusão de ideias ede palavras.

Lembraremos, de passagem, sobretudo para nos livrarmosdelas, as simples questões de frases empregadas, que, às

 vezes, atingiram o cúmulo do ridículo, como por exemplo:

“Não queremos a organização, mas a harmonização”,“Opomo-nos à associação, mas admitimo-la”, “Nãoqueremos secretário ou caixa, porque é um sinal deautoritarismo, mas encarregamos um camarada para seocupar do correio e outro do dinheiro”; passemos àdiscussão séria.

Se não pudermos concordar, tratemos polo menos de noscompreender.

  Antes de mais nada, distingamos, visto que a questão étripla: a organização em geral, como princípio e condição da

  vida social, hoje e na sociedade futura; a organização das

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forças populares, e, em particular, a das massas operárias,para resistir ao governo e ao capitalismo.

  A necessidade de organização na vida social – direi queorganização e sociedade são quase sinónimos – é cousa tãoevidente que mal se pode acreditar que pudesse ter sidonegada.

Para nos darmos conta disso, é preciso lembrar que ela é afunção específica, característica do movimento anarquista,e como homens e partidos estão sujeitos a se deixaremabsorver pola questão que os interessa mais diretamente,esquecendo tudo o que a ela se relaciona, dando maisimportância à forma que ao conteúdo e, enfim, vendo ascousas somente de um lado, não distinguindo mais a justanoção da realidade.

O movimento anarquista começou como uma reação contrao autoritarismo dominante na sociedade, assim como todosos partidos e organizações operárias, e acentuou-se com osadventos de todas as revoltas contra as tendênciasautoritárias e centralistas. Era natural, em consequência,que inúmeros anarquistas estivessem como hipnotizadospor esta luta contra a autoridade, e que eles combatessem,

para resistirem à influência da educação autoritária, tanto aautoridade quanto a organização, da qual ela é a alma.

Na verdade, esta fixação chegou ao ponto de fazer sustentarcousas realmente incríveis. Combateu todo o tipo decooperação e de acordo porque a associação é a antítese daanarquia. Afirma-se que sem acordos, sem obrigações

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recíprocas, cada um fazendo o que lhe passar pola cabeça,sem mesmo se informar sobre o que fazem os outros, tudo

estaria espontaneamente em harmonia: que a anarquiasignifica que cada um deve bastar-se a si mesmo e fazertudo à vontade, sem troca e sem trabalho em associação.

  Assim, as ferrovias poderiam funcionar muito bem semorganização, como acontecia na Inglaterra (!). O correio nãoseria necessário: alguém de Paris, que quisesse escreveruma carta a Petersburgo... Podia ele próprio levá-la (!!), etc.

Dirá-se que são besteiras, que não vale a pena discuti-las.Sim, mas estas besteiras foram ditas, propagadas: foramforma autêntica das ideias anarquistas. Servem semprecomo armas de combate aos adversários, burgueses ou não,que querem conseguir uma fácil vitória sobre nós. E,também, estas “besteiras” não são sem valor, visto que são a

consequência lógica de certas premissas e que podem servircomo prova experimental da verdade, ou polo menos dessaspremissas.

  Alguns indivíduos, de espírito limitado, mas providos decapacidade lógica poderosa, quando aceitam premissas,extraem delas todas as consequências até que, por fim, e sea lógica assim o quer, chegam, sem se desconcertarem, aosmaiores absurdos, à negação dos factos mais evidentes. Mashá outros indivíduos mais cultos e de espírito mais amploque encontram sempre um meio de chegarem a conclusõesmais ou menos razoáveis, mesmo ao preço da violentaçãoda lógica. Para eles, os erros teóricos têm pouca ounenhuma influência na conduta prática. Mas, em suma,

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desde que não se tenha renunciado a certos erros de base,estamos sempre ameaçados por silogismos exagerados, e

 voltamos sempre ao começo.

O erro fundamental dos anarquistas adversários daorganização é crerem que não há possibilidade deorganização sem autoridade. E uma vez admitida estahipótese, preferem renunciar a toda organização, ao invésde aceitar o mínimo de autoridade.

Ora: que a organização, quer dizer, a associação com umobjetivo determinado e com as formas e os meiosnecessários para atingir este objetivo, é necessária à vidasocial é uma evidência para nós. O homem isolado não podesequer viver como um animal: ele é impotente (salvo emregiões tropicais, e quando a população é muito dispersa) enão pode obter a sua alimentação; ele é incapaz, semexceção, de ter uma vida superior àquela dos animais.Consequentemente, é obrigado a se unir a outros homens,como a evolução anterior das espécies o mostra, e devesuportar a vontade dos outros (escravidão), impor a sua

 vontade aos outros (autoritarismo), ou viver com os outrosem fraternal acordo para o maior bem de todos(associação). Ninguém pode escapar dessa necessidade. Osantiorganizadores mais imoderados suportam não apenas aorganização geral da sociedade em que vivem, comotambém nos seus atos, na sua revolta contra a organização,eles se unem, dividem a tarefa, organizam-se com aquelesque compartilham as suas ideias, utilizando os meios que a

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sociedade coloca à sua disposição; com a condição de queestes sejam factos reais e não vagas aspirações platónicas.

  Anarquia significa sociedade organizada sem autoridade,compreendendo-se autoridade como a faculdade de impor

  vontade. Todavia, também significa o facto inevitável e  benéfico que aquele que compreende melhor e sabe fazeruma cousa, consegue fazer aceitar mais facilmente a suaopinião. Ele serve de guia, quanto a esta cousa, aos menos

capazes que ele.

Segundo a nossa opinião, a autoridade não é necessária àorganização social, mais ainda, longe de ajudá-la, vive comoparasita, incomoda a evolução e favorece uma dada classeque explora e oprime as outras. Enquanto há harmonia deinteresses numa coletividade, enquanto ninguém podefrustrar outras pessoas, não há sinal de autoridade. Elaaparece com a luta intestina, a divisão em vencedores e

 vencidos, os mais fortes a confirmarem a sua vitória.

Temos esta opinião e é por isso que somos anarquistas; casocontrário, afirmando que não pode existir organização semautoridade, seremos autoritários. Mas ainda preferimos aautoridade que incomoda e desola a vida à desorganização

que a torna impossível.

De resto, o que seremos interessa-nos muito pouco. Se é  verdade que o maquinista e o chefe de serviço devemforçosamente ter autoridade, assim como os camaradas quefazem para todos um trabalho determinado, as pessoassempre preferirão suportar a sua autoridade a viajarem de

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pé. Se o correio fosse apenas esta autoridade, todo homemsão de espírito a aceitaria para não ter de levar, ele próprio,

as suas cartas. Se se recusa isto, a anarquia permanecerácomo o sonho dalguns e nunca se realizará.

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 A organização II

 Agitazione de Ancone, 11/07/1897.

Estando admitida a existência duma coletividadeorganizada sem autoridade, isto é, sem coerção – casocontrário, a anarquia não teria sentido – falemos da

organização do partido anarquista.Mesmo nesses casos, a organização parece-nos útil enecessária. No partido, o conjunto dos indivíduos que têmum objetivo em comum e se esforçam para alcançá-lo énatural que se entendam, unam as suas forças,compartilhem o trabalho e tomem todas as medidasadequadas para desempenharem esta tarefa. Permanecer

isolado, a agir ou a querer agir cada um pola sua conta, semse entender com os outros, sem se preparar, sem enfeixar asfracas forças dos isolados, significa condenar-se à fraqueza,desperdiçar a sua energia em pequenos atos ineficazes,perder rapidamente a fé no objetivo e cair na completainação. Mas isto parece de tal forma evidente que, ao invésde fazer a sua demonstração, responderemos aos

argumentos dos adversários da organização.

  Antes de mais, há uma objeção, por assim dizer, formal.“Mas de que partido nos falais? – dizem-nos – nem sequersomos um, não temos um programa”. Este paradoxosignifica que as ideias progridem, evoluem continuamente,e que eles não podem aceitar um programa fixo, talvez

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  válido hoje, mas que estará com certeza ultrapassadoamanhã.

Seria perfeitamente justo se se tratasse de estudantes queprocuram a verdade, sem se preocuparem com as aplicaçõespráticas. Um matemático, um químico, um psicólogo, umsociólogo podem dizer que não há outro programa senão ode procurar a verdade: eles querem conhecer, mas semfazerem qualquer cousa. Mas a anarquia e o socialismo não

são ciências: são proposições, projetos que os anarquistas eos socialistas querem pôr em prática e que, portanto,precisam ser formulados como programas determinados. A ciência e a arte das construções progridem a cada dia. Masum engenheiro, que quer construir ou mesmo demolir, devefazer o seu plano, reunir os seus meios de ação e agir comose a ciência e a arte tivessem parado no ponto em que as

encontrou no início do seu trabalho. Pode acontecer,felizmente, que ele possa utilizar novas aquisições feitasdurante o seu trabalho sem renunciar à parte essencial doseu plano. Pode acontecer do mesmo modo que as novasdescobertas e os novos meios industriais sejam tais que elese veja na obrigação de abandonar tudo e recomeçar dozero. Mas ao recomeçar, precisará fazer um novo plano com

  base no conhecimento e na experiência; não poderáconceber e pôr-se a executar uma construção amorfa, commateriais não produzidos, a pretexto de que amanhã aciência poderia sugerir melhores formas e a indústriafornecer materiais de melhor composição.

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Entendemos por partido anarquista o conjunto daquelesque querem contribuir para realizar a anarquia, e que, em

consequência, precisam fixar um objetivo a alcançar e umcaminho a percorrer. Deixamos de bom grado às suaselucubrações transcendentais os amadores da verdadeabsoluta e de progresso contínuo, que, sem submeterem assuas ideias a prova jamais, acabam por fazerem oudescobrirem nada.

  A outra objeção é que a organização cria chefes, umaautoridade. Se isto é verdade, se é verdade que osanarquistas são incapazes de se reunirem e de acordarementre si sem se submeterem a um autoridade, isto querdizer que ainda são muito pouco anarquistas. Antes depensar em estabelecer a anarquia no mundo, devem pensarem se tornarem capazes de viver como anarquistas. O

remédio não está na organização, mas na consciênciaperfectível dos membros.

Evidentemente, se numa organização se deixa a alguns todoo trabalho e todas as responsabilidades, se nos submetemosao que fazem alguns indivíduos, sem pormos a mão namassa e procurarmos fazer melhor, esses “alguns” acabarão,mesmo que não queiram, substituindo a vontade dacoletividade pola sua. Se numa organização todos osmembros não se interessam em pensar, em querercompreender, em pedir explicações sobre o que nãocompreendem, em exercer sobre tudo e sobre todos as suasfaculdades críticas, deixando a alguns a responsabilidade de

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pensarem por todos, esses “alguns” serão os chefes, ascabeças pensantes e dirigentes.

Todavia, repitamos, o remédio não está na ausência deorganização. Ao contrário, nas pequenas como nas grandessociedades, excetuando a força brutal, a qual não nos diz arespeito no caso em questão, a origem e a justificação daautoridade residem na desorganização social. Quando umacoletividade tem uma necessidade e os seus membros não

estão espontaneamente organizados para satisfazê-la, surgealguém, uma autoridade que satisfaz esta necessidadeservindo-se das forças de todos e dirigindo-as à suamaneira. Se as ruas são pouco seguras e o povo não sabedefender-se, surge uma polícia que, por uns poucos serviçosque presta, faz com que a sustentem e a paguem, impõe-se atirania. Se há necessidade dum produto e a coletividade não

sabe entender-se com os produtores longínquos para queeles enviem esse produto em troca por produtos da região,

  vem de fora o negociante que se aproveita da necessidadeque possuem uns de venderem e outros de comprarem eimpõe os preços que quer a produtores e consumidores.

Como vedes, tudo vem sempre de nós: quanto menosestávamos organizados, mais nos encontrávamos sob adependência de certos indivíduos. E é normal que tivessesido assim.

Precisamos estar relacionados com os camaradas das outraslocalidades, recebermos e darmos notícias, mas nãopodemos correspondermos com todos os camaradas. Seestivermos organizados, encarregaríamos alguns camaradas

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de manterem a correspondência pola nossa conta;trocaríamo-los se eles não nos satisfazerem, e poderíamos

estar informados sem dependermos da boa vontade dalgunspara obterem uma informação.

Se, polo contrário, estivermos desorganizados, haveráalguém que terá os meios e a vontade de corresponder; eleconcentrará nas suas mãos todos os contatos, comunicaráas notícias como bem quiser, a quem quiser. E se tiver

atividade e inteligência suficientes, conseguirá, sem o nossoconhecimento, dar ao movimento a direção que quiser, semque nos reste a nós, a massa do partido, nenhum meio decontrolo, sem que ninguém tenha o direito de se queixar,

  visto que este indivíduo age pola sua conta, sem mandatode ninguém e sem ter que prestar contas a ninguém da suaconduta.

Precisamos dum jornal. Se estamos organizados, podemosreunir os meios para fundá-lo e fazê-lo viver, encarregaralguns camaradas de redigirem-no e controlarem a suadireção. Os redatores do jornal darão-lhe, sem dúvida, demodo mais ou menos claro, a marca da sua personalidade,mas serão sempre pessoas que teremos escolhido e quepoderemos substituir. Se, ao contrário, estamosdesorganizados, alguém que tenha suficiente espírito deempreendimento fará o jornal pola sua própria conta:encontrará entre nós os correspondentes, os distribuidores,os assinantes, e fará com que sirvamos os seus desígnios,sem que saibamos ou queiramos. E nós, como muitas vezesaconteceu, aceitaremos ou apoiaremos este jornal, mesmo

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que não nos agrade, mesmo que tenhamos a opinião de queé nocivo à Causa, porque seremos incapazes de fazer um

que melhor represente as nossas ideias.

Desta forma, a organização, longe de criar a autoridade, é oúnico remédio contra ela e o único meio para que cada umde nós se habitue a tomar parte ativa e consciente notrabalho coletivo, e deixe de ser instrumento passivo nasmãos dos chefes.

Se não fizer nada e houver inação, então, certamente, nãohaverá nem chefe, nem rebanho; nem comandante, nemcomandados, mas, neste caso, a propaganda, o partido, eaté mesmo a discussão sobre a organização cessarão, o que,esperamos, não é o ideal de ninguém...

Contudo, uma organização, supõe a obrigação de coordenar

a sua própria ação e a dos outros, portanto, violar aliberdade, suprimir a iniciativa. Parece-nos que o querealmente suprime a liberdade e torna impossível ainiciativa é o isolamento que produz a impotência. A liberdade não é direito abstrato, mas a possibilidade defazer algo. Isto é verdade para nós como para a sociedadeem geral. É na cooperação dos outros que o homem

encontra o meio de exercer a sua atividade, o seu poder deiniciativa.

Evidentemente, organização significa coordenação de forçascom um objetivo comum, e obrigação de não promoverações contrárias a este objetivo. Mas quando se trata deorganização voluntária, quando aqueles que dela fazem

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parte têm de facto o mesmo objetivo e são partidários dosmesmos meios, a obrigação recíproca que a todos engaja

obtém êxito em proveito de todos. Se alguém renuncia auma de suas ideias pessoais por consideração à união, istosignifica que acha mais vantajoso renunciar a uma ideia,que, por sinal, não poderia realizar sozinho, do que privar-se da cooperação dos outros no que acredita ser de maiorimportância.

Se, em seguida, um indivíduo vê que ninguém, nasorganizações existentes, aceita as suas ideias e os seusmétodos naquilo que têm de essencial, e que em nenhumaorganização pode desenvolver a sua personalidade comodeseja, então estará certo em ficar fora. Mas, se não quiserpermanecer inativo e impotente, deverá procurar outrosindivíduos que pensem como ele, e tornar-se iniciador

duma nova organização.

Uma outra objeção, a última que abordaremos, é que,estando organizados, estamos mais expostos à repressãogovernamental.

Parece-nos, ao contrário, que quanto mais unidosestejamos, mais eficazmente nos podemos defender. Na

realidade, cada vez que a repressão nos surpreendeuenquanto estávamos desorganizados, colocou-nos emdebandada total e aniquilou o nosso trabalho precedente.Quando estávamos organizados, ela fez-nos mais bem doque mal. Assim também no que concerne ao interessepessoal dos indivíduos: por exemplo, nas últimasrepressões, os isolados foram tanto e talvez mais

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gravemente atingidos do que os organizados. É o caso,organizados ou não, dos indivíduos que fazem propaganda

individual. Para aqueles que nada fazem e ocultam as suasconvicções, o perigo é certamente mínimo, mas a utilidadeque oferecem à Causa também o é.

O único resultado, do ponto de vista da repressão, que seobtém por estar desorganizado é autorizar o governo a nosrecusar o direito de associação e tornar possível

monstruosos processos por associação delituosa. O governonão agiria dessa forma em relação às pessoas que afirmamde modo altivo e público, o direito e o facto de estaremassociados e, se ousasse fazê-lo, isto voltaria-se contra ele eno nosso proveito.

De resto, é natural que a organização assuma as formas queas circunstâncias aconselham e impõem. O importante nãoé tanto a organização formal, mas o espírito de organização.Podem acontecer casos, durante o furor da reação, em queseja útil suspender toda correspondência, cessar todas asreuniões: será sempre um mal, mas se a vontade deestarmos organizados subsiste, se o espírito de associaçãopermanece vivo, se o período precedente de atividadecoordenada multiplicou as relações pessoais, produziusólidas amizades e criou um real acordo de ideias deconduta entre os camaradas, então o trabalho dosindivíduos, mesmo isolados, participará do objetivocomum. E encontrará-se rapidamente o meio de nosreunirmos de novo e repararmos os danos sofridos.

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Somos como um exército em guerra e podemos, segundo oterreno e as medidas tomadas polo inimigo, combater em

massa ou em ordem dispersa: o essencial é que nosconsideremos sempre membros do mesmo exército, queobedeçamos todos às mesmas ideias diretrizes e queestejamos sempre prontos a nos reunirmos em colunascompactas quando for necessário e quando se puder fazeralgo.

Tudo o que dissemos dirige-se aos camaradas que são defato adversários do princípio da organização. Àqueles quecombatem a organização, somente porque não querementrar nela, ou não são aceitos, ou não simpatizam com osindivíduos que dela fazem parte, dizemos: façam comaqueles que estão de acordo com vocês outra organização. É

 verdade: gostaríamos de poder estar, todos nós, de acordo,

e de reunir num único feixe poderoso todas as forças doanarquismo. Mas não acreditamos na solidez dasorganizações feitas à força de concessões e de restrições,onde não há entre os membros simpatia e concordânciareal. É melhor estarmos desunidos que mal unidos. Masgostaríamos de que cada um se unisse com os seus amigos eque não houvesse forças isoladas, forças perdidas.

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O objetivo dos anarquistas

 La Questione Sociale, 1899

O que devemos fazer? Tal é o problema que se nosapresenta, a nós e a todos aqueles que querem realizar edefender as suas ideias, em todo o momento na sua vida

militante.Queremos abolir a propriedade individual e a autoridade,isto é, expropriar os proprietários da terra e do capital,derrubar o governo e colocar à disposição de todos ariqueza social, a fim de que todos possam viver ao seumodo, sem outros limites senão aqueles impostos polasnecessidades livre e voluntariamente reconhecidas e

aceitas. Em resumo, realizar o programa socialista-anarquista. E estamos convencidos (a experiênciaquotidiana confirma-o) de que se os proprietários e ogoverno dominam graças à força física, devemosnecessariamente, para os vencermos, recorrer à força física,à revolução violenta. Somos, portanto, inimigos de todas asclasses privilegiadas e de todos os governos, e adversários

de todos aqueles que tendem, mesmo de boa fé, aenfraquecer as energias revolucionárias do povo e asubstituir um governo por outro.

Mas o que devemos fazer para estarmos em condições defazer a nossa revolução, a revolução contra todo privilégio etoda autoridade, e triunfarmos?

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  A melhor tática seria fazermos, sempre e em todos oslugares, propaganda de nossas ideias; desenvolvermos no

proletariado, por todos os meios possíveis, o espírito deassociação e de resistência e suscitarmos cada vez maioresreivindicações; combatermos continuamente todos ospartidos burgueses e todos os partidos autoritários,permanecendo indiferentes às suas querelas; organizarmo-nos com aqueles que estão convencidos ou se convencemdas nossas ideias; adquirirmos os meios materiais

necessários ao combate e, quando formos uma forçasuficiente para vencer, lançarmo-nos sós, pola nossa conta,para efetuarmos por completo o nosso programa, maisexatamente, conquistarmos para cada um a liberdade totalde experimentar, praticar e modificar pouco a pouco omodo de vida social que se acreditava ser o melhor.

Todavia, infelizmente, esta tática não pode ser aplicada demodo rigoroso e é incapaz de alcançar o seu objetivo. A propaganda possui uma eficácia limitada. E, num setorabsolutamente condicionado de forma moral e materialpara aceitar e compreender certo tipo de ideias, as palavrase os escritos são pouco poderosos enquanto umatransformação do meio não conduzir o povo à possibilidade

de apreciar estas novas ideias. A eficácia das organizaçõesoperárias é igualmente limitada polas mesmas razões que seopõem à extensão indefinida da nossa propaganda, e nãosomente por causa da situação económica e moral queenfraquece ou neutraliza por completo os efeitos da tomadade consciência de certos trabalhadores.

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Uma organização vasta e forte, na propaganda e na luta,encontra mil dificuldades: nós mesmos, a falta de meios, e

principalmente a repressão governamental. Mesmosupondo que seja possível chegar, pola propaganda e polaorganização, a fazermos a nossa revolução socialista-anarquista, há todos os dias situações políticas ondedevemos intervir sob pena de perdermos vantagens para anossa propaganda e toda a influência sobre o povo, arriscardestruir o trabalho realizado e tornar mais difícil o futuro.

O problema é, portanto, encontrarmos o modo dedeterminar, na medida do possível, as mudanças desituação necessárias ao progresso da nossa propaganda eaproveitarmos as rivalidades entre os diferentes partidospolíticos, cada vez que a oportunidade se apresentar, semrenunciar a nenhum postulado do nosso programa, para

facilitar e aproximar o triunfo.

Na Itália, por exemplo, a situação é tal que é impossível, amaior ou menor prazo (1899), que haja uma insurreiçãocontra a monarquia. É certo que, por outro lado, o resultadodisso não será o socialismo-anarquismo. Devemos tomarparte da preparação e da realização desta insurreição?

  Alguns camaradas pensam que não temos nenhuminteresse em fazer parte dum movimento que não tocará napropriedade privada e só servirá para mudar de governo,quer dizer, uma república, que não será menos burguesaque a monarquia.

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Deixemos, dizem eles, os burgueses e os aspirantes aopoder “furarem-se mutuamente a pele” e continuemos a

nossa propaganda contra a propriedade e a autoridade.

Entretanto, a consequência da nossa recusa seria, emprimeiro lugar, que, sem nós, a insurreição teria menoschances de triunfar. Assim, a monarquia ganharia, o qual,no momento em que a luta pola vida se torna feroz,obstruiria o caminho à propaganda e a todo progresso.

  Além do mais, ao estarmos ausentes do movimento, nãoteríamos nenhuma influência sobre os acontecimentosulteriores, não poderíamos aproveitar as oportunidades quesempre se apresentariam num período de transição entreum regime e outro, cairíamos no descrédito como partidode ação e não poderíamos, durante muitos anos, fazer algode importante.

Não se trata de deixarmos os burgueses lutarem entre si,porque numa insurreição a força é sempre dada polo povo,e se não dividirmos com os combatentes os perigos e ossucessos tentando transformar o movimento político emrevolução social, o povo servirá apenas de instrumento nasmãos ambiciosas dos aspirantes ao poder.

Em compensação, ao participarmos da insurreição (que nãosomos bastante fortes para nos lançarmos sozinhos) e aoagirmos o máximo possível, ganharemos a simpatia do povoinsurreto e poderemos fazer avançar as cousas o máximopossível.

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Sabemos muito bem, e não cessamos de dizê-lo e dedemonstrá-lo, que república e monarquia são idênticas e

que todos os governos têm tendência a aumentar o seupoder e a oprimir cada vez mais os governados. Mastambém sabemos que quanto mais fraco é um governo,mais forte é a resistência do povo, maiores são a liberdade ea possibilidade de progresso. Contribuindo de modo eficazpara a queda da monarquia, poderíamos opor-nos commaior ou menor eficácia à consolidação duma república,

poderíamos permanecer armados, recusar obedecermos aogoverno, e tentar expropriações e organizações anarquistasda sociedade.

Poderíamos impedir que a revolução se estancasse desde oinício, e que as energias do povo, acordadas polainsurreição, adormecessem novamente. Tudo isso são

cousas que não poderíamos fazer, por razões evidentes depsicologia, para com o povo, de intervirmos depois darevolução e da vitória contra a monarquia sem a nossaparticipação.

Levados por esses motivos, outros camaradas gostariamque parássemos provisoriamente a propaganda anarquista,para nos ocuparmos com o combate contra a monarquia e,após o triunfo da insurreição, recomeçarmos o nossotrabalho específico de anarquistas. Eles não veem que senos confundíssemos com os republicanos faríamos otrabalho da futura república, desorganizando os nossosgrupos, semeando a confusão, sem podermos impedir emseguida o reforço da república.

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Entre estes dous erros, o caminho a seguir parece-nos omais claro. Devemos posicionar-nos com os republicanos,

os social-democratas e todo partido antimonárquico paraderrubar a monarquia. Mas devemos ser, enquantoanarquistas, pola anarquia, sem rompermos as nossasforças nem confundirmo-las com a dos outros, semfazermos compromissos para além da cooperação na açãomilitar.

Somente assim, segundo a nossa opinião, podemos obterdos próximos acontecimentos todas as vantagens dumaaliança com os outros partidos antimonárquicos semrenunciarmos a nada do nosso programa.

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 A organização das massas

operárias contra o governo e ospatrões

 Agitazione d’Ancone, 1897.

Nós já o repetimos: sem organização, livre ou imposta, nãopode existir sociedade; sem organização consciente edesejada, não pode haver nem liberdade nem garantia deos interesses daqueles que vivem em sociedade seremrespeitados. E quem não se organiza, quem não procura acooperação dos outros e não oferece a sua, em condições dereciprocidade e de solidariedade, põe-se necessariamenteem estado de inferioridade e permanece como umaengrenagem inconsciente no mecanismo social que outrosacionam ao seu modo, e para o seu benefício. Os operáriossão explorados e oprimidos porque, estando desorganizadosem tudo o que concerne à proteção dos seus interesses, sãocoagidos pola fome ou pola violência brutal a fazerem o queos dominadores, em proveito dos quais a sociedade atualestá organizada, querem.

Os trabalhadores oferecem-se, eles próprios (enquantosoldado e capital), à força que os subjuga. Nunca poderãoemancipar-se enquanto não tiverem encontrado na união aforça moral, a força económica e a força física que sãonecessárias para abaterem a força organizada dosopressores.

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Houve anarquistas, e ainda há, que, mesmo reconhecendo anecessidade de organização na sociedade futura e a

necessidade de se organizarem agora para a propaganda epara a ação, são hostis a qualquer organização que nãotenha por objetivo direto a anarquia e não siga os métodosanarquistas. E alguns afastaram-se de todas as associaçõesde resistência existentes, consideraram quase uma defecçãotentarem organizar novas associações.

Para esses camaradas, todas as forças, organizadas numobjetivo que não fosse radicalmente revolucionário, seriam,talvez, subtraídas à revolução. Acreditamos, ao contrário, ea experiência já nos mostrou isso muito bem, que o seumétodo condenaria o movimento anarquista a umaperpétua esterilidade.

Para fazer propaganda é preciso estar no meio das pessoas.É nas associações operárias que o trabalhador encontra osseus camaradas e, em princípio, aqueles que estão maisdispostos a compreenderem e a aceitarem as nossas ideias.E mesmo que se quisesse fazer intensa propaganda fora dasassociações, isto não poderia ter efeito sensível sobre amassa operária. Excetuando um pequeno número deindivíduos mais instruídos e capazes de reflexões abstratase de entusiasmos teóricos, o operário não pode chegar deuma só vez à anarquia. Para se tornar anarquista de modosério, e não somente de nome, é preciso que comece a sentira solidariedade que o une aos seus camaradas, é preciso queaprenda a cooperar com os outros na defesa dos interessescomuns e que, lutando contra os patrões e capitalistas que

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são parasitas inúteis é que os trabalhadores poderiamassumir a administração social. Quando compreende isso, o

trabalhador é anarquista, mesmo que não carregue o nome.Por outro lado, favorecer as organizações populares detodos os tipos é a consequência lógica das nossas ideiasfundamentais e, assim, deveria fazer parte integrante donosso programa.

Um partido autoritário, que visa controlar o povo para

impor as suas ideias, tem interesse em que o povopermaneça massa amorfa, incapaz de agir por si mesma e,consequentemente, sempre fácil de dominar. É lógico,portanto, que só deseje um certo nível de organização,segundo a forma que ajude na tomada do poder:organização eleitoral se espera atingir o seu objetivo pola

 via legal; organização militar se conta com a ação violenta.

Nós, anarquistas, não queremos emancipar o povo,queremos que o povo se emancipe. Nós não acreditamos nofacto imposto desde cima, pola força; queremos que o novomodo de vida social saia das entranhas do povo ecorresponda ao grau de desenvolvimento atingido poloshomens e possa progredir à medida que os homensavançam. Desejamos, portanto, que todos os interesses etodas as opiniões encontrem, numa organização consciente,a possibilidade de se colocarem em evidência e deinfluenciarem a vida coletiva, na proporção da suaimportância.

Nós assumimos como objetivo lutar contra a atualorganização social e destruir os obstáculos que se opõem à

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realização duma nova sociedade, onde a liberdade e o bem-estar estarão assegurados a todos. Para perseguir este

objetivo, unimo-nos em partido e procuramos tornar-nos omais numerosos e o mais fortes possível. Mas os outrostambém estão organizados em partido.

Se os trabalhadores permanecessem isolados como tantasunidades indiferentes umas das outras, ligadas a umacadeia comum; se nós mesmos não estivéssemos

organizados com os trabalhadores enquanto trabalhadores,não poderíamos apenas impor-nos. E então não seria otriunfo da anarquia, mas o nosso. E não poderíamos maisdizermo-nos anarquistas, seríamos simples governantes,incapazes de fazer o bem, como todos os governantes.

Fala-se com frequência de revolução e acredita-se por estapalavra resolver todas as dificuldades. Mas o que deve ser, oque pode ser essa revolução à qual aspiramos?

 Abater os poderes constituídos e declarar extinto o direitode propriedade é desejável: um partido pode fazê-lo alémdas suas forças, desde que conte com a simpatia das massase com uma suficiente preparação da opinião pública.

Todavia, e depois? A via social não admite interrupções.Durante a revolução ou a insurreição, como queiram, eimediatamente após, é preciso comer, vestir, viajar,imprimir, tratar dos doentes etc., e estas cousas não sefazem por si mesmas. Hoje o governo e os capitalistasorganizam-nas para delas tirarem proveito; quando elestiverem sido abatidos, será preciso que os próprios

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operários o façam em proveito de todos; senão, verãosurgir, sob um nome ou outro, novos governantes e novos

capitalistas.

E como os operários poderiam prover as necessidadesurgentes se eles não estão agora habituados a se reunirem ea discutirem, juntos, os interesses comuns, e ainda nãoestão prontos, de certo modo, a aceitarem a herança da

 velha sociedade?

Numa cidade onde os cerealistas e os donos de padariastiverem perdido os seus direitos de propriedade e, porconseguinte, o interesse em abastecer o mercado, serápreciso, a partir do dia seguinte, encontrar nas padarias opão necessário à alimentação do público. Quem pensaránisso se os empregados das padarias já não estiveremassociados e prontos a trabalhar sem os patrões, e se,esperando a revolução, eles não tiverem pensado deantemão em calcularem as necessidades da cidade e osmeios de abastecê-la?

Todavia, nós não queremos dizer que para fazer a revoluçãoseja preciso esperar que todos os operários estejamorganizados. Seria impossível, tendo em vista as condições

do proletariado, e felizmente não é necessário. Mas épreciso que polo menos haja núcleos em torno dos quais asmassas possam reagrupar-se rapidamente, tão logo elassejam libertadas do peso que as oprime.

Se é utopia querer fazer a revolução somente quandoestivermos todos prontos e de acordo, é ainda mais utópico

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querer fazê-la sem nada e ninguém. É preciso uma medidaem tudo.

Enquanto esperamos, trabalhemos para que as forçasconscientes e organizadas do proletariado cresçam tantoquanto seja possível. O resto virá por si só.

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Os anarquistas e o sentimento

moral Le Réveil , Genebra, 05/11/1904.

O número daqueles que se dizem anarquistas é tão grande,hoje, e sob o nome de anarquia expõem-se doutrinas tão

divergentes e contraditórias que estaríamos errados se nossurpreendermos quando o público, de forma algumafamiliarizado com as nossas ideias, não podendo distinguirde imediato as grandes diferenças que se escondem sob amesma palavra, permanece indiferente em relação à nossapropaganda e também sente uma certa desconfiança emrelação a nós.

Não podemos, é óbvio, impedir os outros de se atribuírem onome que eles escolhem. Quanto a nós mesmosreiniciarmos a denominação de anarquistas, isto de nadaserviria, pois o público simplesmente acreditaria queteríamos virado a casaca.

Tudo o que podemos e devemos fazer é distinguirmo-nos

sem dubiedade daqueles que têm uma concepção daanarquia diferente da nossa, e extraem desta mesmaconcepção teórica consequências práticas absolutamenteopostas àquelas que extraímos nós. E a distinção deveresultar da exposição clara das nossas ideias, e da repetiçãofranca e incessante da nossa opinião sobre todos os factosque estão em contradição com as nossas ideias e a nossa

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moral, sem considerações por uma pessoa ou por umpartido qualquer. Esta pretensa solidariedade de partido

entre pessoas que não pertenciam ou não teriam podidopertencer ao mesmo partido, foi sem dúvida uma dascausas principais da confusão.

Ora, chegamos a tal ponto que muitos exaltam noscamaradas as mesmas ações que censuram nos burgueses, eparece que o seu único critério do bem ou do mal consiste

em saber se o autor de tal ou qual ato se diz ou nãoanarquista. Um grande número de erros conduziu alguns ase contradizerem abertamente na prática com os princípiosque professam na teoria, e outros a suportarem taiscontradições; assim também, um grande número de causasconduziram ao nosso meio pessoas que no fundo zombamdo socialismo, da anarquia e de tudo o que ultrapassa os

interesses das suas pessoas.

Não posso empreender aqui uma análise metódica ecompleta de todos estes erros, e também me limitarei atratar daqueles que mais me chocaram.

Falemos antes de mais nada da moral. Não é raro encontraranarquistas que negam a moral. Inicialmente é um simples

modo de falarem, para estabelecerem que do ponto de vistateórico eles não admitem moral absoluta, eterna e imutável,e que, na prática, se revoltam contra a moral burguesa, quesanciona a exploração das massas e golpeia todos os atosque lesam ou ameaçam os interesses dos privilegiados. Emseguida, pouco a pouco, como acontece em muitos casos,tomam a figura retórica como expressão exata da verdade.

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Esquecem que, na moral habitual, ao lado das regrasinculcadas polos padres e polos patrões para assegurarem

mais substancial parte, sem as quais toda a coexistênciasocial seria impossível; – eles esquecem que revoltar-secontra toda regra imposta pola força não quer dizer emabsoluto renunciar a toda reserva moral e a todosentimento de obrigação para com os outros; – esquecemque para combater de modo racional certa moral, é precisoopor-lhe, na teoria e na prática, outra moral superior: e

acabam algumas vezes, com ajuda do seu temperamento edas circunstâncias, por se tornarem imorais no sentidoabsoluto da palavra, isto é, homens sem regra de conduta,sem critério para guiar as suas ações, que passivamentecedem ao impulso do momento.

Hoje, privam-se de pão para socorrer um camarada;

amanhã, matarão um homem para ir ao bordel! A moral é aregra de conduta que cada homem considera como boa.Pode-se achar má a moral dominante de tal época, de talpaís ou de tal sociedade, e achamos, com efeito, a moral

  burguesa mais do que má; mas não se poderia conceberuma sociedade sem qualquer moral, nem homemconsciente que não tenha critério algum para julgar o que é

 bom e o que é mau, para si e para os outros.

Quando combatemos a sociedade atual, opomos a moral burguesa individualista, a moral da luta e da solidariedade,e procuramos estabelecer instituições que correspondam ànossa concepção das relações entre os homens. Se fosse de

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outra forma, por que não acharíamos correto que os burgueses explorem o povo?

Outra afirmação nociva, sincera nalguns, mas que paraoutros é apenas desculpa, é que o meio social atual nãopermite que se seja moral, e que, consequentemente, éinútil tentar esforços destinados a permanecerem semsucesso; o melhor a fazer é tirar das circunstâncias atuais omáximo possível para si mesmo sem se preocupar com o

próximo, exceto a mudar de vida quando a organizaçãosocial tiver também mudado. Certamente, todo anarquista,todo socialista compreende as fatalidades económicas quehoje obrigam o homem a lutar contra o homem; e ele vê,como bom observador, a impotência da revolta pessoalcontra a força preponderante do meio social. Mas éigualmente verdade que, sem a revolta do indivíduo,

associando-se a outros indivíduos revoltados para resistirao meio e procurar transformá-lo, este meio nunca mudará.

Somos, todos sem exceção, obrigados a viver mais oumenos em contradição com as nossas ideias; mas somossocialistas e anarquistas precisamente na medida em quesofremos esta contradição e em que procuramos, tantoquanto possível, torná-la menor. No dia em que nosadaptássemos ao meio, não teríamos mais, é óbvio, vontadede transformá-lo, e tornaríamo-nos simples burgueses;

 burgueses sem dinheiro, talvez, mas não menos burguesesnos atos e nas intenções.

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O congresso de Amesterdão

Prefácio do relatório do Congresso Anarquista, Amesterdão.   Les Temps Nouveaux , Paris,05.10.1907.

 A primeira tendência foi representada principalmente polocamarada Monatte, da C.G.T, com um grupo que ele fezquestão de denominar “jovens”, apesar dos protestos dos

 jovens, bem mais numerosos, de tendência oposta.

Monatte, no seu extraordinário relatório, falou-noslongamente do movimento sindicalista francês, dos seusmétodos de luta, dos resultados morais e materiais aosquais já chegou, e concluiu afirmando que o sindicalismo

  basta-se a si mesmo como meio para realizar a revolução

social e realizar a anarquia.Contra esta última afirmação intervi energicamente. Osindicalismo, disse, mesmo ganhando consistência com oadjetivo revolucionário, só pode ser um movimento legal,movimento que luta contra o capitalismo no meioeconómico e político que o Capitalismo e o Estado lheimpõem. Não tem, portanto, saída, e nada poderá obter de

permanente e geral, senão deixando de ser sindicalismo,ligando-se só à melhoria das condições dos assalariados e àconquista dalgumas liberdades, mas não à expropriação dariqueza e à destruição radical da organização estatista.

Reconheço toda a utilidade, até mesmo a necessidade daparticipação ativa dos anarquistas no movimento operário,

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e não preciso insistir para que acreditem em mim, pois fuium dos primeiros a lamentar a atitude de isolamento altivo

tomado polos anarquistas depois da dissolução da antigaInternacional, e a incitar novamente os camaradas na viaque Monatte, esquecendo a história, denomina nova.

Mas isto só é útil sob a condição de permanecermosanarquistas antes de tudo, e não deixemos de considerartodo o resto do ponto de vista da propaganda e da ação

anarquistas. Não peço que os sindicatos adotem umprograma anarquista e que sejam compostos só poranarquistas: – neste caso, eles seriam inúteis, porqueseriam a repetição dos agrupamentos anarquistas, e apenasteriam a qualidade que os torna caros aos anarquistas, ouseja, a de ser um campo de propaganda hoje, e um meioamanhã; a de conduzir a massa à rua e fazê-la assumir o

controlo da posse das riquezas e da organização daprodução para a coletividade.

Desejo sindicatos amplamente abertos a todos ostrabalhadores que comecem a sentir a necessidade de seunirem com os seus camaradas para lutarem contra ospatrões; todavia, também conheço todos os perigos querepresentam, para o futuro, agrupamentos feitos com oobjetivo de defender, na sociedade atual, interessesparticulares, e peço que os anarquistas, que estão nossindicatos, se deem por missão salvaguardar o futuro,lutando contra a tendência natural desses agrupamentos dese tornarem corporações fechadas, em antagonismo comoutros proletários, ainda mais do que com os patrões.

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  A causa do mal-entendido talvez possa ser encontrada nacrença, segundo a minha opinião, errónea ainda que

geralmente aceita, segundo a qual os interesses dosoperários são solidários, e que, consequentemente, bastaque os operários se ponham a defender os seus interesses ea perseguir a melhoria das suas condições para que sejam,naturalmente, levados a defender os interesses de todo oproletariado contra o patronato.

 A verdade é, segundo o meu ponto de vista, bem diferente.Os operários suportam, como todo o mundo, a lei deantagonismo geral, que deriva do regime da propriedadeindividual; eis porque os agrupamentos de interesses,sempre revolucionários no início, enquanto são fracos enecessitam da solidariedade dos outros, se tornamconservadores e exclusivistas quando adquirem força, e,

com a força, a consciência dos seus interesses particulares.  A história do tradeunionismo inglês e americano estão aípara mostrarem a maneira como se produziu essadegenerescência do movimento operário quando se limita àdefesa dos interesses atuais.

É somente com vistas a uma transformação completa dasociedade que o operário pode sentir-se solidário com ooperário, o oprimido solidário com o oprimido; e é papeldos anarquistas manterem ardente, por muito tempo, ofogo do ideal, procurando orientar, tanto quanto possível,todo o movimento para as conquistas do futuro, para arevolução, até, se for preciso em detrimento das pequenas

  vantagens que pode hoje obter qualquer fração da classe

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operária, e que, frequentemente, só são obtidas às expensasdoutros trabalhadores e do público consumidor.

Mas para poder representar esse papel de elementospropulsores nos sindicatos, é preciso que os anarquistas seproíbam ocupar cargos, principalmente os remunerados.Um anarquista funcionário permanente e estipendiado dumsindicato é um homem perdido como anarquista. Não digoque algumas vezes não possa fazer bem; mas é um bem que

fariam no seu lugar, e melhor do que ele, homens de ideiasmenos avançadas, enquanto ele, para conquistar econservar o seu emprego deve sacrificar as suas opiniõespessoais e, com frequência, fazer cousas que não têm outroobjetivo senão o de se fazer perdoar polo pecado original deser anarquista. Por sinal, a questão é clara. O sindicato nãoé anarquista, e o funcionário é nomeado e pago polo

sindicato: se ele trabalha polo anarquismo, põe-se emoposição com aqueles que pagam e, em pouco tempo, perdeo seu cargo ou é causa de dissolução do sindicato; se, aocontrário, ele cumpre a missão para a qual foi nomeado,segundo a vontade da maioria, então, adeus anarquismo.

Fiz observações análogas em relação a esse meio de uniãopróprio do sindicalismo: a greve geral. Devemos aceitar,dizia, e propagar a ideia da greve geral como um meiomuito cómodo de começar a revolução, mas não devemoscriar a ilusão de que a greve geral poderá substituir a lutaarmada contra as forças do Estado. Foi dito, amiúde, que osoperários poderão, pola greve, tornar os burgueses famintose conduzi-los à composição. Eu não poderia imaginar

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absurdo maior do que este. Os operários estariam mortosde fome muito tempo antes de os burgueses, que dispõem

de todos os produtos acumulados, começarem a sofrerseriamente.

O operário, que nada possui, apenas recebendo o seusalário, deverá apoderar-se dos produtos pola força bruta:encontrará os policiais, os soldados e os próprios burgueses,que desejarão impedi-lo; e a questão deverá resolver-se, em

pouco tempo, por tiros de fuzil, bombas, etc. A vitória ficarácom quem souber ser mais forte. Preparemo-nos, portanto,para essa luta necessária, ao invés de limitarmo-nos apregar a greve geral como uma espécie de panaceia quedeverá resolver todas as dificuldades. Por sinal, mesmocomo maneira para começar a revolução, a greve geral sópoderá ser empregada de maneira muito relativa. Os

serviços de alimentação, inclusive os dos transportes dosgéneros alimentícios, não admitem uma interrupçãoprolongada: é preciso, portanto, apoderarmo-nos de modorevolucionário dos meios que tornem o aprovisionamentoseguro, antes de que a greve se tenha convertido, por simesma, em insurreição. Preparar-se para fazer isso nãopode ser o papel do sindicalismo: este poderá apenas

fornecer a massa para poder realizá-lo.

Sobre essas questões assim expostas por Monatte e pormim, travou-se uma discussão muito interessante, aindaque um pouco sufocada pola falta de tempo e polanecessidade enfadonha de tradução em vários idiomas.Concluiu-se propondo várias resoluções, mas não me

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parece que as diferenças de tendência tenham sidosatisfatoriamente definidas; é preciso mesmo muita

perspicácia para descobri-lo, e, com efeito, a maioria doscongressistas não o descobriu em absoluto e votouigualmente as diferentes resoluções.

Isto não impede que duas tendências bem reais se tenhammanifestado, ainda que a diferença exista mais nodesenvolvimento futuro previsto do que nas intenções

atuais das pessoas.

Estou convencido, com efeito, que Monatte e o grupo dos“jovens” são tão sincera e profundamente anarquistasquanto qualquer “experimentado”. Eles lamentariamconnosco as faltas que se produziriam entre os funcionáriossindicalistas; entretanto, atribuiriam-nas a fraquezasindividuais. Eis o erro. Se se tratasse de faltas imputáveis aindivíduos, o mal não seria grande: os fracos desaparecemrapidamente e os traidores são logo reconhecidos ecolocados na impossibilidade de prejudicarem. Mas o quetorna o mal sério é que ele depende das circunstâncias nasquais os funcionários sindicalistas se encontram. Convidoos nossos amigos anarquistas sindicalistas a refletiremsobre isto e a estudarem as posições respetivas do socialistaque se torna deputado, e do anarquista que se tornafuncionário de sindicato: talvez a comparação não sejainútil.

Com isso o Congresso estava praticamente terminado: nãonos restava mais força nem tempo. Felizmente as questões

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que ainda deveriam ser discutidas não tinham grandeimportância.

Havia, é verdade, o antimilitarismo; mas entre anarquistasesta questão não podia dar origem a debate. Limitamo-nos,portanto, a afirmar, numa resolução, o nosso ódio polomilitarismo, não somente como instrumento de guerraentre os povos como também porquanto meio de repressão,reunindo numa única condenação o exército, a polícia, a

magistratura, e qualquer força armada em mãos do Estado.

Foi proposta uma resolução contra o alcoolismo, maspassou-se à ordem do dia. Ninguém certamente teriahesitado em aclamar uma resolução contra o abuso de

  bebidas alcoólicas, ainda que, provavelmente, com aconvicção de que isso para nada servisse; mas a resoluçãoproposta condenava até mesmo o uso moderado, que seconsiderava ainda mais perigoso que o abuso. Pareceu-nosmuito exagerado; em todo o caso, pensamos que este é umargumento que deveria ser discutido principalmente pormédicos... admitindo que eles conheçam alguma cousa doassunto. Enfim, havia a questão do Esperanto, cara aocamarada Chapelier. O Congresso, após uma discussãonecessariamente breve e superficial, recomendou aoscamaradas estudar a questão dum idioma internacional,mas recusou pronunciar-se quanto aos méritos doEsperanto. E eu, que sou um esperantista convicto, devoconvir que o Congresso teve razão: não podia deliberarsobre algo que não conhecia.

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Deixai que eu conclua com as palavras que estavam nas bocas de todos os congressistas, no momento da separação:

o Congresso foi realizado e obteve pleno êxito; mas umCongresso não é absolutamente nada, se não éacompanhado polo esforço de todos os dias, de todos oscamaradas.

 Ao trabalho, todos.

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Rumo à anarquia

1910

É muito frequente acreditar que polo facto de nos dizermosrevolucionários, achamos que o advento da anarquia devaproduzir-se de uma só vez, como consequência imediataduma insurreição que abateria de forma violenta todo o queexiste e o substituiria por instituições verdadeiramente

novas. Para dizer a verdade, não faltam camaradas queassim concebem a revolução.

Este mal-entendido explica porquê entre os nossosadversários muitos creem, de boa fé, que a anarquia é umacousa impossível; e isto também explica porquê certoscamaradas, vendo que a anarquia não pode medrar

repentinamente, tendo em vista as condições morais atuaisda massa, vivem entre um dogmatismo que os põe fora da vida real e um oportunismo que os faz quase esquecer quesão anarquistas e, nesta qualidade, devem combater a favorda anarquia.

Ora, é certo que o triunfo da anarquia não pode ser efeitodum milagre, assim como não pode produzir-se a despeito

de e em contradição com a lei da evolução: que nadaacontece sem causa suficiente, que nada se pode fazer sefaltar a força necessária.

Se quiséssemos substituir um governo por outro, isto é,impormos a nossa vontade aos outros, bastaria, para isto,

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adquirirmos a força material indispensável para abatermosos opressores e colocarmo-nos no seu lugar.

Mas, ao contrário, queremos a Anarquia, isto é, umasociedade fundada sobre o livre e voluntário acordo, na qualninguém possa impor a sua vontade a outrem, onde todospossam fazer como bem entendem e concorrer

  voluntariamente para o bem-estar geral. O seu triunfo sóserá definitivo, universal, quando todos os homens já não

queiram ser comandados nem comandar outras pessoas, etiverem compreendido as vantagens da solidariedade parasaber organizar um sistema social no qual não haverá maismarca de violência e de coação.

Por outro lado, assim como a consciência, a vontade e acapacidade aumentam gradualmente e só podem encontraroportunidade e meios para crescer na transformaçãogradual do meio e na realização das vontades à medida emque elas se formam e se tornam imperiosas; assim tambéma anarquia se instaurará pouco a pouco, para se intensificare se ampliar cada vez mais.

Não se trata, portanto, de chegar à anarquia hoje ouamanhã, ou em dez séculos, mas de caminhar rumo à

anarquia hoje, amanhã e sempre. A anarquia é a abolição doroubo e da opressão do homem polo homem, quer dizer, aabolição da propriedade individual e do governo; aanarquia é a destruição da miséria, da superstição e doódio. Portanto, cada golpe desferido nas instituições dapropriedade individual e do governo é um passo rumo àanarquia, assim como cada mentira desvelada, cada parcela

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de atividade humana subtraída ao controlo da autoridade,cada esforço tendendo a elevar a consciência popular e a

aumentar o espírito de solidariedade e de iniciativa, assimcomo a igualar as condições.

O problema reside no facto de sabermos escolher a via quede facto nos aproxima da realização do nosso ideal, e de nãoconfundirmos os verdadeiros progressos com essasreformas hipócritas, que, a pretexto de melhorias imediatas,

tendem a afastar o povo da luta contra a autoridade e ocapitalismo, a paralisar a sua ação e a deixá-lo esperar quealgo possa ser obtido pola bondade dos patrões e dosgovernantes. O problema consiste em saber empregar oquinhão de forças que possuímos e que adquirimos demodo mais económico e mais útil ao nosso objetivo. Hoje,em todos os países há um governo que pola força brutal

impõe a lei a todos, que nos obriga a nos deixar explorar e amanter, quer isto nos agrade quer não, as instituiçõesexistentes, a impedir que as minorias possam colocar emação as suas ideias e que a organização social, em geral,possa modificar-se segundo as variações da opinião pública.O curso regular, pacífico, da evolução parou pola violência,e é pola violência que será preciso abrir-lhe caminho. É por

isso que queremos a revolução violenta, hoje, e é por issoque a queremos sempre assim, polo tempo que quiseremimpor a alguém, pola força, uma cousa contrária à sua

  vontade. Suprimida a violência governamental, a nossa violência não teria mais razão de ser.

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Não podemos, polo momento, destruir o governo existente;talvez não possamos, amanhã, impedir que sobre as ruínas

do atual governo um outro surja; mas isto não nos impede,hoje, assim como não nos impedirá amanhã, combatermosnão importa que governo, recusando submetermo-nos à leitoda vez que isto nos for possível, e opor a força à força.

Toda vez que a autoridade é enfraquecida, toda vez que umagrande parcela de liberdade é conquistada e não

mendigada, é um progresso rumo à anarquia. Da mesmaforma, também é um progresso toda vez que consideramoso governo como um inimigo com o qual nunca se deve fazertrégua, depois de nos termos convencido que a diminuiçãodos males por ele engendrados só é possível pola reduçãodas suas atribuições e da sua força, não polo aumento donúmero dos governantes ou polo facto de elegê-los polos

próprios governados. E por governo entendemos todohomem ou agrupamento de indivíduos, no Estado, nosConselhos, na municipalidade ou na associação, que tenha odireito de fazer a lei ou de impô-la àqueles a quem ela nãoagrada.

Não podemos, polo momento, abolir a propriedadeindividual, não podemos neste instante dispor dos meios deprodução necessários para trabalhar livremente; talvezainda não possamos quando aconteça um novo movimentoinsurrecional; mas isto não nos impede a partir de hoje,assim como não nos impedirá amanhã, combatermoscontinuamente o capitalismo. Toda vitória, por menor queseja, dos trabalhadores contra o patronato, todo esforço

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contra a exploração, toda parcela de riqueza subtraída aosproprietários e posta à disposição de todos, será um

progresso, um passo rumo à anarquia. Assim, também, seráum progresso todo fato que tenda a aumentar as exigênciasdos operários e a dar mais atividade à luta, cada vez quepudermos encarar o que tivermos ganhado como uma

 vitória sobre o inimigo e não como uma concessão pola qualdeveríamos ficar agradecidos, cada vez que afirmarmos anossa vontade de tomar pola força, aos proprietários, os

direitos que, protegidos polo governo, subtraíram dostrabalhadores.

Uma vez desaparecido da sociedade humana o direito daforça e os meios de produção tenham sido colocados àdisposição daqueles que querem produzir, o resto seráresultado da evolução pacífica.

 A anarquia ainda não estaria realizada ou só o estaria paraaqueles que a desejam, e somente para as cousas em que oconcurso dos não anarquistas não é indispensável. Elaampliará-se, assim, ganhando pouco a pouco os homens eas cousas, até abraçar toda a humanidade e todas asmanifestações da vida.

Uma vez desaparecido o governo, com todas as instituiçõesnocivas que protege, uma vez conquistada a liberdade paratodos assim como o direito aos instrumentos de trabalho,sem o qual a liberdade é uma mentira, só pensamos destruiras cousas à medida em que pudermos substituí-las poroutras. Por exemplo: o serviço de abastecimento é mal feitona sociedade atual, efetua-se de modo anormal, com grande

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desperdício de forças e de material, e somente em vista dosinteresses dos capitalistas; mas, em suma, de qualquer

modo que se opere o consumo, seria absurdo quererdesorganizar este serviço se não estivermos prontos aassegurar a alimentação do povo duma forma mais lógica eequitativa.

Eis o serviço dos correios: temos mil críticas a fazer-lhe,mas, no momento, servimo-nos dele para enviar as nossas

cartas ou para as receber; suportemo-lo, portanto,enquanto não pudermos corrigi-lo.

Eis as escolas, infelizmente muito ruins; entretanto nãodesejaríamos que os nossos filhos permanecessem semaprender a ler e a escrever, esperando que possamosorganizar escolas-modelo suficientes para todos.

  Vemos, portanto, que para instaurar a anarquia não bastater a força material para fazer a revolução, mas é tambémpreciso que os trabalhadores associados, segundo osdiversos ramos de produção, estejam em condições deassegurarem, por si próprios, o funcionamento da vidasocial sem o auxílio dos capitalistas e do governo.

Pode-se também constatar que as ideias anárquicas, longede estarem em contradição com as leis da evoluçãoestabelecidas pola ciência, como o garantem os socialistascientíficos, são concepções que se adaptam perfeitamente aelas: é o sistema experimental, transportado do campo daspesquisas para o das realizações sociais.

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Capitalistas e ladrões

 Il Risveglio anarchico, março de 1911.

 A propósito das tragédias de Houndsditch e Sidney Street 

Numa ruela da City ocorre uma tentativa de assalto a uma  joalharia; os ladrões, surpreendidos pola polícia, fogemabrindo caminho à bala. Mais tarde, dous dos ladrões,

descobertos numa casa de East-End defendem-se mais uma  vez à bala e morrem no tiroteio. No fundo, nada há deextraordinário em tudo isso, na sociedade atual, exceto aenergia excepcional com que os ladrões se defenderam.

Mas esses ladrões eram russos, talvez refugiados russos; e étambém possível que tenham frequentado um clubeanarquista nos dias de reunião pública, quando ele está

aberto a todos.

Sem dúvida, a imprensa capitalista serve-se, mais uma vez,deste caso para atacar os anarquistas. Ao ler os jornais

 burgueses, diria-se que a anarquia, este sonho de justiça ede amor entre os homens, nada mais é senão roubo eassassinato. Com tais mentiras e calúnias, conseguem, com

certeza, afastar de nós muitos daqueles que estariamconnosco se ao menos soubessem o que queremos.

Não é inútil repetir, portanto, qual é nossa atitude deanarquistas em relação à teoria e à prática do roubo. Umdos pontos fundamentais do anarquismo é a abolição domonopólio da terra, das matérias primas e das ferramentas

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de trabalho, e, consequentemente, a abolição da exploraçãodo trabalho alheio exercida polos detentores dos meios de

produção. Toda apropriação do trabalho alheio, tudo o queserve a um homem para viver sem dar à sociedade a suacontribuição à produção é um roubo, do ponto de vistaanarquista e socialista.

Os proprietários, os capitalistas, roubaram do povo, polafraude ou pola violência, a terra e todos os meios de

produção, e como consequência deste roubo inicial podemsubtrair dos trabalhadores, a cada dia, o produto do seutrabalho. E os tais ladrões afortunados tornaram-se fortes,fizeram leis para legitimar a sua situação, e organizaramtodo um sistema de repressão para se defender, tanto dasreivindicações dos trabalhadores quanto daqueles quequerem substituí-los, agindo como eles próprios agiram. E

agora o roubo desses senhores chama-se propriedade,comércio, indústria, etc; o nome de ladrões é reservado,todavia, na linguagem usual, àqueles que gostariam deseguir o exemplo dos capitalistas, mas que, tendo chegadomuito tarde e em circunstâncias desfavoráveis, só podemfazê-lo revoltando-se contra a lei.

Entretanto, a diferença de nomes empregados de ordinárionão basta para apagar a identidade moral e social das duassituações. O capitalista é um ladrão cujo sucesso se deve aoseu mérito ou ao dos seus ascendentes; o ladrão é umaspirante a capitalista que só espera a oportunidade parasê-lo na realidade, para viver, sem trabalhar, do produto doseu roubo, isto é, do trabalho alheio.

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Inimigos dos capitalistas, não podemos ter simpatia pololadrão que visa tornar-se capitalista. Partidários da

expropriação feita polo povo em proveito de todos, nãopodemos, enquanto anarquistas, ter nada em comum comuma operação que consiste unicamente em fazer passar ariqueza das mãos dum proprietário para as doutro.

Obviamente, refiro-me ao ladrão profissional, àquele quenão quer trabalhar e procura os meios para poder viver

como parasita do trabalho alheio. É bem diferente o casodum homem ao qual a sociedade recusa meios de trabalhare que rouba para não morrer de fome e não deixar morrerde fome os seus filhos. Neste caso, o roubo (se é que se podedenominar assim) é uma revolta contra a injustiça social, epode tornar-se o mais imperioso dos deveres.

Mas a imprensa capitalista evita falar desses casos, poisdeveria, ao mesmo tempo, atacar a ordem social que tempor missão defender.

Com certeza, o ladrão profissional é, ele também, uma  vítima do meio social. O exemplo que vem de cima, aeducação recebida, as condições repugnantes nas quais se éamiúde obrigado a trabalhar, explicam facilmente como é

que homens que não são moralmente superiores aos seuscontemporâneos, colocados na alternativa de seremexplorados ou exploradores, preferem ser exploradores eencarregam-se de consegui-lo polos meios de que sãocapazes. Todavia, essas circunstâncias atenuantes podemtambém aplicar-se aos capitalistas, e esta é a melhor provada identidade das duas profissões.

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 As ideias anarquistas não podem, em consequência, levar osindivíduos a se tornarem capitalistas assim como não pode

levá-los a serem ladrões. Ao contrário, dando aosdescontentes uma ideia de vida superior e uma esperançade emancipação coletiva, desviam-nos na medida dopossível, tendo em vista o meio atual, de todas essas açõeslegais ou ilegais que representam apenas adaptação aosistema capitalista e que tendem a perpetuá-lo. Apesar detodo isso, o meio social é tão poderoso e os temperamentos

pessoais tão diferentes que bem pode existir entre osanarquistas alguns que se tornem ladrões, como há os quese tornam comerciantes ou industriais; mas, neste caso, unse outros agem, assim, não por causa, mas a despeito dasideias anarquistas.

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Sindicalismo e anarquismo

Umanità Nova, 06/04/1922.

Convidado e quase forçado, com gentileza, a falar na sessãode encerramento do último congresso da União SindicalItaliana, pronunciei palavras que escandalizaram os“sindicalistas puros”, que desagradaram certos camaradassem dúvida porque as consideram inoportunas, e, o que é

pior, que receberam aplausos mais ou menos interessadosde pessoas estranhas à União Sindical, distantes das minhasideias e do meu pensamento.

Todavia, não faço outra cousa senão repetir opiniões já mil  vezes por mim expressadas, e que me parecem fazer,integralmente, parte do programa anarquista! É, portanto,

útil retomar a questão.Não se deve confundir o “sindicalismo”, que quer para siuma doutrina e um método para resolver a questão social,com a propaganda, a existência e a atividade dos sindicatosoperários. Os sindicatos operários (as ligas de resistências eas outras manifestações do movimento operário) são semqualquer dúvida úteis: são até mesmo uma fase necessária

da ascensão do proletariado. Tendem a dar consistência aostrabalhadores da sua posição real de explorados e escravos;desenvolvem neles o desejo de mudar de situação;habituam-nos à solidariedade e à luta, e pola prática daluta, fazem-nos compreender que os patrões são inimigos eque o governo é o defensor dos patrões. A melhoria que sepode obter por meio das lutas operárias é certamente

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pouca, visto que o princípio de exploração e de opressãoduma classe por outra permanece, visto que estas melhorias

correm o risco de serem sempre ilusórias e de seremsuprimidas imediatamente polo jogo das forças económicasdas classes superiores. Todavia, mesmo sendo incertas eilusórias, essas melhorias servem, entretanto, para impedirque a massa se adapte e se embruteça numa miséria sempreigual, que aniquila o próprio desejo duma vida melhor. A revolução que nós queremos, feita pola massa e

desenvolvida pola sua ação sem imposição de ditadurasnem declaradas nem insidiosas, teria dificuldade para seproduzir e se consolidar sem a presença anterior dumgrande movimento de massa.

De resto, o que quer que disso se possa pensar, omovimento sindical é um facto que se impõe e não necessita

do nosso reconhecimento para existir. É fruto natural, nascondições sociais atuais, da primeira revolta dos operários.Seria absurdo, e até mesmo prejudicial, querer que ostrabalhadores renunciem às tentativas de obter melhoriasimediatas, mesmo pequenas, à espera da total emancipaçãoque deverá ser o produto da transformação social completa,feita pola revolução.

É por isso que nós, anarquistas, preocupados antes de maisnada com a realização do nosso ideal, longe de nosdesinteressarmos polo movimento operário, devemostomar parte ativa nele e procurar fazer com que, ainda queadaptando-se às contingências necessárias das pequenaslutas quotidianas, tenha a atitude mais crítica possível,

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segundo as nossas aspirações, e se torne um meio eficaz deelevação moral e de revolução.

Mas tudo isso não é o “sindicalismo” que quer ser doutrinae prática em si e que sustenta que a organização operária,feita para a resistência e para a luta real por melhoriasatualmente acessíveis, conduz naturalmente, ao se ampliar,à completa transformação das instituições sociais;sindicalismo que seria a condição e a garantia duma

sociedade igualitária e libertária.

  A tendência de cada um a dar grande importância ao quecrê é facto muito compreensível. Alguns indivíduos, tocadospolo antialcoolismo, polo neo-malthusianismo, pola línguainternacional, etc., acabaram vendo na sua propagandaminúscula e fragmentária a panaceia para todos os males dasociedade. Não é surpreendente que aqueles queconsagraram todo o seu entusiasmo, toda a sua atividade aum objetivo tão importante e vasto quanto o movimentooperário, acabem, amiúde, por fazer dele um remédiouniversal e suficiente em si.

E, na realidade, houve, principalmente na França,anarquistas que entraram para o movimento operário com

as melhores intenções, para levarem a nossa mensagem epropagarem os nossos métodos entre as massas, e queforam em seguida absorvidos e transformados, exclamandoque “o socialismo basta a si mesmo” e acabarão em brevepor deixar de serem anarquistas. Isto para não falardaqueles que traíram conscientemente e que abandonaram

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até mesmo o sindicalismo, e, sob o pretexto de “uniãosagrada”, se puseram ao serviço do governo e dos patrões.

Mas se a embriaguez sindicalista é explicável e perdoável,esta é uma razão a mais para estarmos vigilantes e para nãoprivilegiarmos um meio, uma forma de luta potencialmenterevolucionária, pois, deixados em si mesmos, podemtornar-se instrumento de conservação dos privilégios e deadaptação das massas mais evoluídas às instituições sociais

atuais.

O movimento operário, apesar de todos os seus méritos e detoda a sua potencialidade, não pode ser em si ummovimento revolucionário, no sentido da negação das bases

 jurídicas e morais da sociedade atual.

Cada nova organização pode, dentro do espírito dos

fundadores e dos estatutos, ter as aspirações mais elevadase os objetivos mais seguros, mas se quiser exercer a funçãoprópria do sindicato operário, isto é, a defesa atual dosinteresses de seus membros, deve reconhecer, de facto, asinstituições que nega em teoria, adaptar-se àscircunstâncias e tentar obter, pouco a pouco, o máximopossível, fazendo acordos e transigindo com patrões e

governo.

Numa palavra, o sindicato operário é, pola sua natureza,reformista e não revolucionário. O espírito revolucionáriodeve ser-lhe levado, desenvolvido e mantido polo trabalhoconstante dos revolucionários que agem fora e dentro dosindicato, mas ele não pode provir de prática natural e

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normal. Ao contrário, os interesses atuais e imediatos dosoperários associados, que o sindicato tem por missão

defender, estão com muita frequência em contradição comas aspirações ideais e futuras. O sindicato só pode fazeração revolucionária se estiver impregnado do espírito desacrifício à medida que o ideal esteja situado acima dosinteresses, quer dizer, somente na medida em que cesse deser sindicato económico para se tornar grupo políticofundado sobre um ideal, o que é impossível nas grandes

organizações que necessitam, para agir, do consentimentodas massas sempre mais ou menos egoístas, medrosas elentas.

Mas não é o pior.

 A sociedade capitalista é feita de tal maneira que, em geral,os interesses de cada classe, de cada categoria, de cadaindivíduo, estão em contradição com os de todas as outrasclasses, categorias e indivíduos. Na vida prática, observam-se as alianças e as oposições mais curiosas entre classes eindivíduos que, do ponto de vista da justiça social, deveriamser cada vez mais amigos ou cada vez mais inimigos.

  Acontece amiúde que, a despeito da solidariedade

proletária tão proclamada, os interesses duma categoria deoperários sejam opostos àqueles doutros operários e seharmonizem com os duma parte dos patrões.

  Assim, também, acontece que, a despeito da fraternidadeinternacional tão desejada, os interesses atuais dosoperários dum país os liguem aos capitalistas autóctones e

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os façam lutar contra os trabalhadores estrangeiros: porexemplo, as diferentes tomadas de posição das organizações

operárias sobre a questão das tarifas alfandegárias e a  vontade de participação das massas operárias nas guerrasentre os Estados capitalistas.

Não me prolongarei citando numerosos exemplos deoposições de interesses entre as diferentes categorias deprodutores e consumidores, em razão da falta de espaço, e

também porque estou cansado de repetir o que já dissetantas vezes: o antagonismo entre os assalariados e osdesempregados, os homens e as mulheres, os operáriosnacionais e estrangeiros, os trabalhadores do setor públicoe os trabalhadores que utilizam este setor, entre aqueles queconhecem uma profissão e os que querem aprender, etc.

Lembrarei aqui o interesse que os operários das indústriasde luxo têm de que as classes ricas sejam prósperas, assimcomo aqueles das múltiplas categorias de trabalhadores dediferentes localidades que querem que os “negócios”progridam, mesmo às custas das outras localidades e daprodução necessária às massas. E que dizer dostrabalhadores que estão nas indústrias perigosas para asociedade, e dos indivíduos que simplesmente não possuemoutros meios para ganharem a sua vida? Tentai, portanto,em tempo normal, quando não se crê na iminência darevolução, persuadir os operários dos estaleiros ameaçadospola falta de trabalho de não pedirem ao governo aconstrução dum novo cruzador. E tentai resolver, se podeis,por meios sindicais e sem desfavorecer ninguém, o conflito

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dos doqueiros que outro meio não têm para assegurar a sua  vida senão monopolizar o trabalho na sua vantagem, e os

recém-chegados, os “não oficiais”, que exigem o seu direitoao trabalho e à vida!

Todo isso e muitas outras cousas que se poderiam dizermostram que o movimento operário em si, sem o fermentodas ideias revolucionárias, em oposição aos interessespresentes e imediatos dos operários, sem a crítica e o

impulso dos revolucionários, longe de conduzir àtransformação da sociedade em proveito de todos, tende afomentar egoísmos de categorias e a criar uma classe deoperários privilegiados acima da grande massa dosdeserdados.

 Assim se explica o facto segundo o qual em todos os países,todas as organizações operárias, à medida em quecresceram e se reforçaram, se tornaram conservadoras ereacionárias.

  Aqueles que consagraram ao movimento operário os seusesforços honestamente, tendo como objetivo uma sociedadede bem-estar e de justiça para todos, estão condenados aum trabalho de Sísifo, e devem sempre recomeçar do zero.

Não é verdade, como garantem os sindicalistas, que aorganização operária de hoje servirá de quadro à sociedadefutura e facilitará a passagem do regime burguês para oregime igualitário.

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É uma ideia que estava em vigor entre os membros da 1ªInternacional. E, se minha memória não falha, encontra-se

nos escritos de Bakunin que a nova sociedade seriarealizada polo ingresso de todos os trabalhadores nas seçõesda Internacional. Todavia, parece-me que é um erro. Osquadros das organizações operárias atuais correspondem àscondições contemporâneas da vida económica, resultanteda evolução histórica da sociedade e da imposição docapitalismo.

Mas a nova sociedade só pode ser feita destruindo osquadros e criando novos organismos correspondentes àsnovas condições e aos novos objetivos sociais.

Os operários estão hoje agrupados segundo as profissõesque exercem, as indústrias às quais pertencem, segundo ospatrões contra os quais devem lutar ou o comércio ao qualestão ligados. Para que servirão esses agrupamentosquando, após a supressão do patronato e a transformaçãodas relações comerciais, boa parte das profissões e dasindústrias atuais tiverem desaparecido, algumas de formadefinitiva por serem inúteis e perigosas, outras apenasmomentaneamente porque, ainda que úteis no futuro, nãoteriam razão de ser nem possibilidades no período agitadoda crise social? Para que servirão, para citar um exemploentre mil, as organizações dos trabalhadores de mármorede Carrara, quando for necessário que eles partam paracultivarem a terra, para aumentarem a produção dealimentos, deixando para o futuro a construção dosmonumentos e dos palácios de mármore?

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Evidentemente, as organizações operárias, em particularsob a forma cooperativa (que tendem, por outro lado, em

regime capitalista, a minar a resistência operária), podemservir para desenvolver nos trabalhadores capacidadestécnicas e administrativas. Entretanto, no momento darevolução e da reorganização social, devem desaparecer efundir-se em novos agrupamentos populares que ascircunstâncias exigirem. É objetivo dos revolucionáriostentar impedir que neles se desenvolva um espírito

corporativista, que seria obstáculo à satisfação das novasnecessidades da sociedade.

Desta forma, segundo a minha opinião, o movimentooperário é um meio a ser utilizado hoje para elevar e educaras massas, para o inevitável choque revolucionário. Mas éum meio que apresenta inconvenientes e perigos.

Nós, anarquistas, devemos trabalhar para neutralizar essesinconvenientes, evitar esses perigos, e utilizar tanto quantopossível o movimento para os nossos fins. Isto não querdizer que desejaríamos, como já foi dito, submeter omovimento operário ao nosso partido. Estaríamos de certocontentes se todos os operários, todos os homens, fossemanarquistas, o que é tendência ideal de todo propagandista.Mas, neste caso, a anarquia seria uma realidade, e estasdiscussões seriam inúteis.

No estado atual das cousas, queremos que o movimentooperário, aberto a todas as correntes de ideias e tomandoparte em todos os aspectos da vida social, económica e

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moral, viva e se desenvolva sem nenhuma dominação departido, do nosso assim como dos outros.

Para nós, não é muito importante que os trabalhadoresqueiram mais ou menos: o importante é que aqueles quequeiram procurem conquistar com sua força e com a suaação direta, em oposição aos capitalistas e ao governo.

Uma pequena melhoria, arrancada pola força autónoma, vale mais por causa dos seus efeitos morais e, a longo prazo,mesmo os seus efeitos materiais, do que uma grandereforma concedida polo governo ou polos capitalistas comfinalidades enganadoras, ou mesmo por pura e simplesgentileza.

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 A greve geral

Umanità Nova, n.º 132, 07.06.1922

 A “greve geral” é, sem qualquer dúvida, uma arma poderosanas mãos do proletariado; é ou pode ser o modo e a ocasiãode desencadear uma revolução social radical.

Entretanto, pergunto-me se a ideia da greve geral não fez

mais mal do que bem à causa da revolução!Na realidade, creio que no passado o mal levou a melhorsobre o bem, e hoje poderia ser o contrário, ou seja, a grevegeral poderia ser um meio eficaz de transformação social,mas sob a condição de compreendê-la e de utilizá-la dumaforma diferente daquela praticada polos seus antigospartidários.

Nos primeiros momentos do movimento socialista, e emparticular na Itália, durante a 1.ª Internacional, quando alembrança das lutas dos mazzinianos ainda estava bemrecente e uma grande parte dos homens que tinhamcombatido pola “Itália” nas fileiras do exército de Garibaldiainda vivia, desiludida e indignada polo massacre que os

monarquistas e os capitalistas perpetravam contra a“pátria”, estava perfeitamente claro que o regime defendidopolas baionetas só podia ser derrubado se se convencesseuma parte dos soldados para defenderem o povo e paraderrotarem pola luta armada as forças da polícia e ossoldados que tivessem permanecido fiéis à disciplina.

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É por esta razão que se conspirava, quer dizer, que se faziauma propaganda ativa entre os soldados, que se procurava

armar, e que se preparavam planos de ação militar.

  A bem da verdade, os resultados eram pequenos porqueéramos pouco numerosos, porque os objetivos sociais polosquais se queria fazer a revolução eram desconhecidos erejeitados polo conjunto da população; porque, em suma,“os tempos não estavam maduros”.

Mas a vontade de preparar a insurreição existia e topavapouco a pouco o modo de realizá-la; a propagandacomeçava a tocar mais pessoas e a dar os seus frutos; “ostempos amadureciam”, o que em parte era devido à açãodireta dos revolucionários e ainda mais à evoluçãoeconómica que, aguçando o conflito entre os trabalhadorese os patrões, desenvolvia a consciência deste conflito, doqual os revolucionários tiravam partido.

 As esperanças colocadas na revolução social aumentavam, eparecia certo que através das lutas, das perseguições, dastentativas mais ou menos “inconsideradas” e infelizes, dasparadas e das retomadas de atividade febril, se chegarianum tempo bastante breve a desencadear a explosão final e

 vitoriosa que deveria abater o regime político e económicoem vigor e abrir a via a uma evolução mais livre rumo anovas formas de vida em comum, fundada sobre a liberdadede todos, sobre a justiça para todos, sobre a fraternidade e asolidariedade para todos.

* * *

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Mas o marxismo veio frear através dos seus dogmas e doseu fatalismo o ímpeto voluntarista da juventude socialista

(na época os anarquistas também se chamavam socialistas).E infelizmente, com as suas aparências científicas (estava-se em plena embriaguez cientificista), o marxismoludibriou, atraiu e desviou a maioria dos anarquistas.

Os marxistas puseram-se a dizer que “a revolução não sefaz, surge”; diziam que o socialismo viria necessariamente

seguindo “o curso natural e fatal das cousas” e que o fatorpolítico (a força, a violência posta ao serviço dos interesseseconómicos) não tinha nenhuma importância, e o fatoreconómico determinava a vida social por completo. E,assim, a preparação da insurreição foi deixada de lado epraticamente abandonada.

Eu gostaria de observar que se os marxistas desprezavamtoda luta política quando se tratava duma luta que tendia àinsurreição, eles decidiram repentinamente que a políticaera o principal meio, e quase o único, para fazer triunfar osocialismo, tão logo eles entreveram a possibilidade deentrarem para o Parlamento e darem à luta política osentido restritivo da luta eleitoral. E aplicaram-se, assim, aapagar nas massas o entusiasmo pola ação insurrecional.

Foi então, diante deste estado de cousas e deste estado deespírito geral, que a ideia da greve geral foi lançada eacolhida com entusiasmo por aqueles que não tinhamconfiança na ação parlamentar e que viam na greve geraluma via nova e promissora que se abria à ação popular.

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Todavia, por infelicidade, a maioria não via na greve geralum meio para levar as massas à insurreição, isto é, a abater

o poder político pola violência e a tomar posse da terra, dosmeios de produção de toda a riqueza social. Para eles, agreve geral substituía a insurreição; viam nela um meiopara “tornar faminta a burguesia” e fazê-la capitular semcombater.

E como é fatal que o cómico e o grotesco estejam sempre

  juntos, até mesmo nas cousas mais sérias, houve quemempreendesse a busca de ervas e de “pílulas” capazes desustentar indefinidamente o corpo humano sem que sejanecessário alimentar-se; e isso, a fim de assinalá-las aostrabalhadores e coloca-los em condições de esperar, num

 jejum pacífico, que os burgueses viessem apresentar as suasdesculpas e pedir perdão.

Eis porque eu acho que a ideia da greve geral tenha feitomal à revolução. Mas espero e acredito que esta ilusão –fazer capitular a burguesia, tornando-a faminta –desapareceu completamente; e se ela permaneceu, osfascistas se encarregaram de dissipá-la.

  A greve geral de protesto, para apoiar reivindicações de

ordem económica e política compatíveis com o regime,pode ser útil se é feita no momento certo, quando o governoe os patrões acham oportuno ceder de uma só vez, pormedo do pior. Mas não se deve esquecer que é precisocomer todos os dias e que, se a resistência se prolonga,ainda que por poucos dias, é preciso curvar-seignominiosamente sob o jugo dos patrões, ou então

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insurgir-se... Mesmo que o governo ou as forças especiaisda burguesia não tomem a iniciativa da violência. Conclui-

se daí que, se se faz uma greve geral, quer para resolverdefinitivamente o problema que com objetivos transitórios,deve estar-se decidido e preparado a resolver a questão polaforça.

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Em torno do “nosso” anarquismo

 Pensiero e Volontà, 01.04.1924.

Tenho a impressão, ao ler a nossa imprensa na Itália e noexterior ou os escritos que os meus camaradas enviam a

  Pensiero e Volontà, frequentemente não publicados porfalta de espaço ou de organização, que ainda nãoconseguimos fazer com que compreendessem todos os

objetivos que pretendemos atingir.

  Algumas pessoas interpretam ao seu modo o nosso desejode espírito prático e de realização, e creem que queremos“começar um processo de revisão dos valores doanarquismo teórico”. E deduzem, polas suas tendências epreferências, polos seus temores e as suas esperanças, que

queremos renunciar na prática, senão na teoria, às nossasconcepções rigorosamente anarquistas.

 As cousas não vão tão longe. Na realidade, não acreditamos,assim como algumas pessoas nos atribuíram, que haja“antinomia entre a teoria e a prática”. Acreditamos, aocontrário, que, em geral, se não se pode realizar de imediatoa anarquia não é por carência da teoria, mas devido ao facto

de que todos não são anarquistas e de que os anarquistasainda não têm força para conquistarem a sua liberdade efazerem-na respeitar.

Em suma, permanecemos fiéis às ideias que desde o seuinício foram a alma do movimento anarquista, e não temos,para dizer a verdade, nada a lamentar. Não o dizemos por

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orgulho, pois se tivéssemos cometido um erro no passado,seria o nosso dever dizê-lo, e corrigirmo-nos. Dizemo-lo

porque é um facto.

Quem conhecer os escritos de propaganda difundidos aqui eali polos fundadores desta revista, terão dificuldade emencontrar uma única contradição entre o que acabamos dedizer e o que dizíamos há mais de cinquenta anos.

Não se trata, portanto, de qualquer “revisão”, mas dodesenvolvimento das ideias e da sua aplicação às atuaiscontingências. Quando as ideias anarquistas eram novas,maravilhando e surpreendendo, e só se podia fazerpropaganda com vistas a um futuro distante, as tentativasinsurrecionais e os processos provocados de modopropositado serviam para atrair a atenção do público sobrea nossa propaganda; então, aí a crítica da sociedade atual ea explicação do nosso ideal podiam bastar. As questões detática nada mais eram, no fundo, do que questões sobre osmelhores meios de propagar as ideias e preparar osindivíduos e as massas para as transformações desejadas.

Todavia, hoje os tempos são outros, as circunstânciasmudaram, e tudo leva a crer que num momento que poderia

ser iminente, e que com certeza não está longe, nosencontraremos prontos e forçados a aplicar as teorias aosfactos reais, e demonstrar que não somente temos maisrazão do que outros quanto à superioridade do nosso idealde liberdade, como também que as nossas ideias e os nossosmétodos são igualmente os mais práticos para adquirir o

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máximo de liberdade e bem-estar possível no atual estadoda civilização.

  A reação em si, ainda que piorando e evoluindo, deixa opaís em estado de equilíbrio instável, favorável a todas asesperanças assim como a todas as catástrofes. Osanarquistas podem ser chamados dum momento para outroa mostrarem o seu valor e a exercerem peso sobre osacontecimentos, podendo ser, desde o início, senão

preponderantes, polo menos condizentes com o seu númeroe a sua capacidade moral e técnica.

É necessário, portanto, aproveitar este período transitório,que só pode ser uma preparação tranquila, para agrupar, omáximo possível, forças morais e materiais, e estar prontospara todo o que poderá passar. O ponto que não deve serperdido de vista é o seguinte: somos uma minoriarelativamente reduzida, e assim será até o dia em que umamudança nas circunstâncias exteriores – condiçõeseconómicas melhoradas e maior liberdade – colocará asmassas em posição de poder compreender-nos melhor e nospermitirá colocar a nossa conduta em prática.

Mas as condições económicas não melhorarão de modo

sensível e duradouro, assim como a liberdade, enquanto osistema capitalista e a organização estatista que defende osprivilégios permanecerem vigentes. Em consequência, nodia em que, por razões que escapam em grande parte ànossa vontade, mas que existem e poderão produzir efeitos,o equilíbrio se romper e a revolução eclodir, encontraremo-nos, como agora, em minoria reduzida entre as diferentes

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forças em oposição. O que deveremos fazer?Desinteressarmo-nos polo movimento seria um suicídio

moral, para sempre, pois sem o nosso trabalho, sem otrabalho daqueles que querem impulsionar a revolução atéa transformação social de todas as instituições sociais, até aabolição de todos os privilégios e de todas as autoridades, arevolução estancaria sem ter transformado nada do que éessencial, e toparíamo-nos nas mesmas condições queagora. Noutra futura revolução, seríamos ainda uma fraca

minoria e deveríamos desinteressar-nos polo movimento,isto é, renunciarmos à razão de ser da nossa existência, queé combater incessantemente pola diminuição (enquanto asua completa abolição não for obtida) da autoridade e dosprivilégios. Polo menos para nós, que acreditamos que apropaganda e a educação só podem em dada situação tocarum número limitado de indivíduos, e que é preciso mudar

as condições da situação para que nova camada dapopulação possa elevar-se moralmente.

O que fazer, portanto? Provocar, tanto quanto nos sejapossível, o movimento, participando nele com todas asnossas forças, imprimindo-lhe o caráter mais libertário emais igualitário possível; apoiar todas as forças

progressistas; defender o que é melhor quando não sepuder obter o máximo, mas conservar sempre bem claro onosso caráter de anarquistas: não queremos o poder esuportamos com dificuldade que outros o tomem.

Há, entre os anarquistas – não diremos pretensosanarquistas – aqueles que pensam que, visto que as massas

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não são capazes de se organizarem anarquicamente e dedefenderem a revolução com métodos anarquistas, nós

mesmos deveríamos tomar o poder e “impor a anarquiapola força” (a frase, como os nossos leitores sabem, foipronunciada em toda a sua crueza).

Eu não vou repetir que aquele que crê no poder educativoda força brutal e na liberdade estimulada e desenvolvidapolos governos, pode ser tudo o que quiser; poderá até

mesmo ter razão sobre nós, mas não pode, certamente,chamar-se anarquista sem mentir a si mesmo e aos outros.

Observarei uma cousa: se deve haver um governo, ele nãodeverá vir de nós, quer por sermos minoritários quer pornão termos as qualidades necessárias para conquistar econservar o poder, e porque, digamo-lo francamente, entreos camaradas extravagantes que gostariam de conciliar aanarquia com a ditadura “provisória”, não há ninguém – oumuito poucos – capaz de ser legislador, juiz, policial... E emgeral, exterminador! Poderia ocorrer que, entre nós, alguns,– não dos melhores – pactuem, por ignorância ou porrazões menos confessáveis, com o partido triunfante etentem aproveitar-se do governo. Eles nada mais fariamsenão trair a causa que querem defender, como fizeramalguns pretensos anarquistas russos, como fazem os“socialistas” que se aliam aos burgueses para fazerprogredir o socialismo ou os “republicanos” que servem amonarquia para preparar a república.

É preciso, consequentemente, fazer com que durante arevolução as massas se façam com a terra, com os

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instrumentos de trabalho e de toda a riqueza social, exijame tomem toda a liberdade das quais sejam capazes,

organizem a produção como puderem e quiserem, assimcomo a troca e toda a vida social fora de qualquer imposiçãogovernamental. É preciso combater toda a centralizaçãopara dar inteira liberdade às diferentes localidades eimpedir que outros indivíduos se sirvam das massas maisatrasadas – que são sempre as mais importantes emnúmero – para sufocar o impulso das regiões, das comunas

e dos grupos mais avançados – e deveremos em todos oscasos pedir para nós mesmos a mais completa autonomia eos meios para podermos organizar a nossa vida à nossamaneira, tentando arrastar as massas pola força do exemploe da evidência dos resultados obtidos.

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Mikhail Bakunin

(20/05/1814 – 01/07/1876)

 Pensiero e Volontà, 01.07.1926

Hoje é o quinquagésimo aniversário da morte de Bakunin:

os anarquistas do mundo inteiro comemoram, como ascircunstâncias o permitem, o grande revolucionário, aqueleque todos nós consideramos como o nosso pai espiritual.

Eu gostaria de reproduzir aqui algumas das suas páginasmais eficazes e mais características. Seria a melhor e a maisútil homenagem. Mas estas páginas, ardentes de fé e deesperança, seriam certamente confiscadas, tendo em vista

os tempos atuais, e eu teria-as reimpresso em vão.

Os leitores deverão contentar-se, portanto, com minhamagra prosa, tão indigna para evocar tal homem.

Há cinquenta anos morria Bakunin, quase cinquenta anosque eu o vi pola última vez em Lugano, já mortalmente

atacado pola enfermidade e reduzido à sua própria sombra(ele me dizia, meio sério, meio irónico: “Meu caro, assisto àminha dissolução”). Entretanto, o simples facto de pensarnele ainda reconforta o meu coração e o enche deentusiasmo juvenil. Tal foi, antes de mais nada, o grande

 valor de Bakunin: dar fé, dar febre de ação e de sacrifício atodos aqueles que tinham a felicidade de se aproximarem

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dele. Ele próprio tinha o hábito de dizer que é preciso “ter odiabo no corpo”. E ele realmente tinha, no corpo e no

espírito, o Satã rebelde da mitologia, que não conhece deus,que não conhece senhores, e que nunca para na luta contratodo o que entrava o pensamento e a ação.

Eu fui bakuniniano, como todos os camaradas de minhageração, infelizmente já distante no tempo. Hoje, depois delongos anos, não me considero mais como tal. As minhas

ideias desenvolveram-se e evoluíram. Hoje, penso queBakunin foi muito marxista na economia política e nainterpretação histórica. Creio que a sua filosofia se debatia,sem conseguir sair, numa contradição entre a concepçãomecanicista do universo e a fé na eficácia da vontade sobreos destinos do homem e da humanidade. Mas todo issoimporta pouco. As teorias são conceitos incertos e mutáveis.

 A filosofia geralmente faz hipóteses embasadas nas nuvens,e, em substância, tem pouca ou nenhuma influência sobre a

  vida. Eis porque Bakunin permanece sempre, apesar detodas as discordâncias possíveis, o nosso grande exemploinspirador.

 A crítica radical do princípio da autoridade e do Estado queele encarna continua bem viva. Sempre viva é a luta contraas mentiras políticas, a crítica das duas formas polas quaisse oprimem e se exploram as massas: a democracia e aditadura. A reputação desse falso socialismo que eledenominava entorpecedor continua viva, e, de modoconsciente ou não, tende a consolidar a dominação dosprivilegiados embalando os trabalhadores com esperanças

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  vãs. E, principalmente, o ódio intenso contra todo o quedegrada e humilha o homem, o amor ilimitado pola sua

liberdade, toda a liberdade, estão sempre vivos.

Que os camaradas pensem na vida de Bakunin, que estevecheia de lutas ideais e práticas, que foi um exemplo dedevoção à causa da revolução. Que procurem – e todos nóstambém! – seguir os seus passos gloriosos, mesmo delonge, cada um segundo as suas forças e as suas

possibilidades!

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 Anarquia e organização

1927

Um opúsculo francês intitulado: “Plataforma deorganização da União Geral dos Anarquistas (Projeto)”caiu-me nas mãos por acaso. (Sabe-se que hoje os escritosnão fascistas não circulam na Itália.)

É um projeto de organização anárquica, publicado sob onome dum “Grupo de anarquistas russos no estrangeiro” eque parece mais especialmente dirigido aos camaradasrussos. Mas trata de questões que interessam a todos osanarquistas e, além do mais, é evidente que procura aadesão dos camaradas de todos os países, inclusive polofacto de ser escrito em francês. De qualquer forma, é útil

examinar, polos russos assim como por todos, se o projetoem questão está em harmonia com os princípiosanarquistas e se a sua realização serviria realmente à causado anarquismo. Os objetivos dos promotores sãoexcelentes. Eles lamentam que os anarquistas não tenhamtido e não tenham, sobre os eventos da política social,influência proporcional ao valor teórico e prático da sua

doutrina, assim como ao seu número, à sua coragem, ao seuespírito de sacrifício, e pensam que a primeira razão desteinsucesso relativo é a falta duma organização vasta, séria,efetiva. Até aqui, em princípio, estou de acordo. A organização outra cousa não é senão a prática dacooperação e da solidariedade, é a condição natural,necessária, da vida social, é um fato inelutável que se impõe

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a todos, tanto na sociedade humana em geral quanto emtodo grupo de pessoas que tenha um objetivo comum a

alcançar.

O homem não quer e não pode viver isolado, não podesequer tornar-se verdadeiramente homem e satisfazer assuas necessidades materiais e morais senão em sociedade ecom a cooperação dos seus semelhantes. É, portanto, fatalque todos aqueles que não se organizam livremente, quer

por não poderem quer por não sentirem a imperativanecessidade, tenham de suportar a organização estabelecidapor outros indivíduos ordinariamente constituídos emclasses ou grupos dirigentes, com o objetivo de exploraremna sua própria vantagem o trabalho alheio.

 A opressão milenar das massas por um pequeno número deprivilegiados sempre foi a consequência da incapacidade damaioria dos indivíduos para se entender, para se organizarsobre a base da comunidade de interesses e de sentimentoscom outros trabalhadores para produzir, para usufruir epara, eventualmente, defender-se dos exploradores eopressores. O anarquismo vem remediar este estado decousas com seu princípio fundamental de livre organização,criada e mantida pola livre vontade dos associados semnenhuma espécie de autoridade, isto é, sem que nenhumindivíduo tenha o direito de impor aos outros a sua própria

 vontade. É natural, portanto, que os anarquistas procuremaplicar à sua vida privada e à vida do seu partido estemesmo princípio sobre o qual, segundo eles, deveria estarfundamentada toda a sociedade humana.

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Certas polémicas deixariam supor que há anarquistasrefratários a toda organização; mas, na realidade, as

numerosas, muito numerosas discussões que mantemossobre esse assunto, mesmo quando são obscurecidas porquestões de semântica ou envenenadas por questõespessoais, só concernem, no fundo, ao modo e não aoprincípio de organização. Assim é que camaradas, os maisopostos, em palavras, à organização, organizam-se como osoutros e amiúde melhor do que os outros, quando querem

fazer algo com seriedade. A questão, repito, está toda naaplicação.

Eu deveria ver com simpatia a iniciativa destes camaradasrussos, convicto como estou de que uma organização maisgeral, melhor formada, mais constante do que aquelas queforam até aqui realizadas polos anarquistas, mesmo que

não conseguisse eliminar todos os erros, todas asinsuficiências talvez inevitáveis num movimento que, comoo nosso, se antecipa ao tempo e que, por isso, se debatecontra a incompreensão, a indiferença e frequentemente ahostilidade da grande maioria, seria polo menos, com todacerteza, um importante elemento de força e de sucesso, umpoderoso meio de fazermos valer as nossas ideias.

Creio ser necessário e urgente que os anarquistas seorganizem para influírem sobre a marcha que as massasimpõem na sua luta polas melhorias e pola emancipação.Hoje, a maior força de transformação social é o movimentooperário (movimento sindical) e da sua direção depende,em grande parte, o curso que tomarão os eventos e o

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objetivo a que chegará a próxima revolução. Polas suasorganizações, fundadas para a defesa dos seus interesses, os

trabalhadores adquirem a consciência da opressão sob aqual se curvam e do antagonismo que os separa dos seuspatrões, começam a aspirar a uma vida superior, habituam-se à vida coletiva e à solidariedade, e podem conseguirconquistar todas as melhorias compatíveis com o regimecapitalista e estatista. Em seguida, é a revolução ou areação.

Os anarquistas devem reconhecer a utilidade e aimportância do movimento sindical, devem favorecer o seudesenvolvimento e fazer dele uma das alavancas da suaação, esforçando-se em fazer prosseguir a cooperação dosindicalismo e das outras forças do progresso numarevolução do sindicalismo e das outras forças do progresso

numa revolução social que comporte a supressão dasclasses, a liberdade total, a igualdade, a paz e asolidariedade entre todos os seres humanos. Mas seria umailusão funesta acreditarmos, como muitos fazem, que omovimento operário resultará por si mesmo, em virtude desua própria natureza, em tal revolução. Bem ao contrário:em todos os movimentos fundados sobre interesses

materiais e imediatos (e não pode estabelecer-se sobreoutros fundamentos um vasto movimento operário), épreciso o fermento, o empurrão, a obra combinada doshomens de ideias que combatem e se sacrificam com vistasa um futuro ideal. Sem esta alavanca, todo movimentotende fatalmente a se adaptar às circunstâncias, engendra oespírito conservador, o temor polas mudanças naqueles que

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conseguem obter melhores condições. Frequentemente,novas classes privilegiadas são criadas, esforçando-se por

fazer tolerável e por consolidar o estado de cousas quedesejaria abater.

Daí a urgente necessidade de organização propriamenteanarquista que, tanto dentro como fora dos sindicatos, lutapola realização integral do anarquismo e procura esterilizartodos os germes da corrupção e da reação.

Todavia, é evidente que para alcançar o seu objetivo asorganizações anarquistas devem, na sua constituição e noseu funcionamento, estar em harmonia com os princípiosda anarquia. É preciso, portanto, que não estejam em nadaimpregnadas de espírito autoritário, que saibam conciliar alivre ação dos indivíduos com a necessidade e o prazer dacooperação, que sirvam para desenvolver a consciência e acapacidade de iniciativa dos seus membros e que sejam umprocesso educativo no meio em que operam e umapreparação moral e material para o futuro desejado.

O projeto em questão responde a estas exigências? Creioque não. Acho que, ao invés de fazer nascer entre osanarquistas um desejo maior de se organizar, parece feito

para confirmar o preconceito de muitos camaradas quepensam que organizar-se é submeterem-se a chefes,aderirem a um organismo autoritário, centralizador,sufocando toda livre iniciativa. Com efeito, nesses estatutos,são precisamente expressas as proposições que alguns,contra a evidência e apesar dos nossos protestos, se

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obstinam em atribuir a todos os anarquistas qualificados deorganizadores.

***

Examinemos:

Inicialmente, parece-me que é uma ideia falsa (e em todo ocaso irrealizável) reunir todos os anarquistas numa “UniãoGeral”, isto é, assim como o precisa o Projeto, numa únicacoletividade revolucionária ativa.

Nós, anarquistas, podemos considerar-nos todos do mesmopartido se, pola palavra partido, se compreende o conjuntode todos aqueles que estão dum mesmo lado, que possuemas mesmas aspirações gerais e que, duma ou doutramaneira, lutam com o mesmo objetivo e contra adversários

e inimigos comuns. Mas isto não quer dizer que sejapossível – e talvez não seja desejável – reunirmo-nos todosnuma mesma associação determinada.

Os meios e as condições de luta diferem muito, os modospossíveis de ação que dividem a preferência duns e dosoutros são muito numerosos, e muito numerosas também

as diferenças de temperamento e as incompatibilidadespessoas para que uma União Geral, realizada de modosério, não se torne um obstáculo às atividades individuais,talvez mesmo uma causa das mais árduas lutas intestinas,ao invés dum meio para coordenar e totalizar os esforços detodos.

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Como, por exemplo, se poderia organizar, da mesmamaneira e com o mesmo pessoal, uma associação pública

para a propaganda e para a agitação no seio das massas euma sociedade secreta, obrigada polas condições políticasonde opera a esconder do inimigo os seus objetivos, os seusmeios, os seus agentes? Como poderia ser adotada a mesmatática se, dum lado os educacionistas persuadidos de que

  bastam a propaganda e o exemplo dalguns paratransformarem gradualmente os indivíduos e, portanto, a

sociedade, e doutro lado os revolucionários convictos danecessidade de destruirem pola violência um estado decousas que só se sustenta pola violência, e de criarem,contra a violência dos opressores, as condições necessáriaspara o livre exercício da propaganda e para a aplicaçãoprática das conquistas particulares, se eles não se amam enão se estimam, e, entretanto, podem ser igualmente bons e

úteis militantes do anarquismo?

Por outro lado, o autores do Projeto declaram inepta a ideiade criar uma organização que reúna os representantes dasdiversas tendências do anarquismo. Uma tal organização,dizem, “incorporando elementos teóricos e praticamenteheterogêneos, não seria outra cousa senão um aglomerado

mecânico de indivíduos que têm concepções diferentes detodas as questões concernentes ao movimento anarquista;desagregaria-se, com certeza, logo após ser colocada à provados factos e da vida real”.

Muito bem. Mas então, se eles reconhecem a existência dosanarquistas e das outras tendências, deverão deixar-lhes o

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direito de se organizarem, pola sua vez, e trabalharem polaanarquia do modo que acreditarem ser o melhor. Ou eles

têm a intenção de expulsar do anarquismo, excomungartodos aqueles que não aceitam o seu programa? Eles dizemdesejar reagrupar numa única organização todos oselementos sãos do movimento libertário, e, naturalmente,terão tendência a julgar sãos somente aqueles que pensamcomo eles. Mas o que farão com os elementos doentes?

Certamente há, entre aqueles que se dizem anarquistas,como em toda coletividade humana, elementos dediferentes valores e, pior ainda, há quem faça circular emnome do anarquismo ideias que só têm com ele duvidosasafinidades. Mas como evitar isso? A verdade anarquista nãopode e não deve tornar-se monopólio dum indivíduo oudum comité.

Não pode depender das decisões de maiorias reais oufictícias. É necessário somente – e isso seria suficiente –que todos tenham e exerçam o mais amplo direito de livrecrítica, e cada um possa sustentar as suas próprias ideias eescolher os seus próprios companheiros. Os factos julgarão,em última instância, e darão a razão a quem a tiver.

***

  Abandonemos, portanto, a ideia de reunirmos todos osanarquistas numa única organização; consideremos esta“União Geral” que nos propõem os russos com o que elaseria na realidade: a união de certo número de anarquistas,e vejamos se o modo de organização proposto está

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conforme aos princípios e métodos anarquistas, e se podeajudar no triunfo do anarquismo. Mais uma vez, parece-me

que não. Não ponho em dúvida o anarquismo sincerodesses camaradas russos; eles querem realizar ocomunismo anarquista e procuram a maneira de chegar aele o mais rápido possível. Mas não basta desejar umacousa, é preciso ainda empregar os meios oportunos paraobtê-la, assim como para ir a um lugar é preciso tomar ocaminho que a ele conduz, sob pena de chegar a outro lado.

Ora, sendo a organização proposta inteiramente do tipoautoritário, não somente não facilitaria o triunfo docomunismo anarquista, mas ainda falsificaria o espíritoanarquista e teria resultados contrários àqueles que os seusorganizadores esperam.

Com efeito, esta “União Geral” consistiria em tantas

organizações parciais que haveria secretariados para dirigirideologicamente a obra política e técnica, e haveria umComité Executivo da União encarregado de executar asdecisões tomadas pola União, “dirigir a ideologia e aorganização dos grupos em conformidade com a ideologia ecom a linha de tática geral da União”.

Isso é anarquismo? É, na minha opinião, um governo e umaigreja. Faltam-lhe, é verdade, a polícia e as baionetas, assimcomo faltam os fiéis dispostos a aceitar a ideologia ditadade cima, mas isso significa apenas que esse governo seriaum governo impotente e impossível, e que esta igreja seriafonte de cismas e heresias. O espírito, a tendência,

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permanecem autoritários, e o efeito educativo sempre seriaanti-anarquista.

Escutai o que se segue: “O órgão executivo do movimentolibertário geral – a União anarquista – adota o princípio daresponsabilidade coletiva; toda a União será responsávelpola atividade revolucionária e política de cada um dos seusmembros, e cada membro será responsável pola atividaderevolucionária e política da União”. Depois dessa negação

absoluta de qualquer independência individual, de todaliberdade de iniciativa e de ação, os promotores,lembrando-se serem anarquistas, dizem-se federalistas, egritam contra a centralização cujos resultados inevitáveissão, segundo dizem, a subjugação e a mecanização da vidasocial e da vida dos partidos.

Mas se a União é responsável do que faz cada um dos seusmembros, como deixar a cada membro em particular e aosdiferentes grupos a liberdade de aplicarem o programacomum do modo que eles julguem melhor? Como se podeser responsável por um ato se não se possui a faculdade deimpedi-lo? Consequentemente, a União, e por ela o ComitéExecutivo, deveria vigiar a ação de todos os membros emparticular, e prescrever-lhes o que devem ou não fazer, ecomo a condenação do facto consumado não atenua aresponsabilidade formalmente aceita de antemão, ninguémpoderia fazer o que quer que fosse antes de ter obtido aaprovação, a permissão do comité. E, por outro lado, podeum indivíduo aceitar a responsabilidade dos atos duma

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coletividade antes de saber o que fará ela? Como podeimpedi-la de fazer o que ele desaprova?

 Além disso, os autores do Projeto dizem que a União quer edispõe. Mas quando se diz vontade da União, entende-se

 vontade de todos os seus membros? Neste caso, para que aUnião possa agir seria preciso que todos os seus membros,em todas as questões, tenham sempre exatamente a mesmaopinião. Ora, é natural que todos estejam de acordo quanto

aos princípios gerais e fundamentais, sem o que nãoestariam unidos, mas não se pode supor que serespensantes sejam todos e sempre da mesma opinião sobre oque convém fazer em todas as circunstâncias, e sobre aescolha das pessoas a quem confiar a tarefa de executar edirigir.

Na realidade, assim como resulta do próprio texto doProjeto – por vontade da União só se pode entender a

  vontade da maioria, vontade expressada por Congressosque nomeiam e controlam o Comité Executivo e decidemsobre todas as questões importantes –, os Congressosestariam naturalmente compostos por representanteseleitos por maioria em cada grupo aderente, e essesrepresentantes decidiriam o que deveria ser feito, semprepola maioria dos votos. Desta forma, na melhor hipótese, asdecisões seriam tomadas por uma maioria da maioria quepoderia muito bem, particularmente quando as opiniões emoposição fossem mais de duas, não representar mais do queuma minoria.

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Deve-se, com efeito, observar que, nas condições em que vivem e lutam os anarquistas, os seus Congressos são ainda

menos representativos do que os Parlamentos burgueses, eo seu controle sobre os órgãos executivos, se estes possuemum poder autoritário, raramente se manifesta a tempo e demaneira eficaz. Aos Congressos anarquistas, na prática, vaiquem quer e pode, quem tem ou consegue o dinheironecessário e não é impedido por medidas policiais. Há,nesses Congressos, tantos daqueles que só representam eles

mesmos ou um pequeno número de amigos como daquelesque representam, de facto, as opiniões e os desejos dumacoletividade numerosa. Salvo as precauções a seremtomadas contra os traidores e espiões, e também por causadessas mesmas precauções necessárias, é impossível umaséria verificação dos mandatos e do seu valor.

De qualquer modo, estamos em pleno sistema maioritário,em pleno parlamentarismo. Sabe-se que os anarquistas nãoadmitem o governo da maioria (democracia), assim comotambém não admitem o governo dum pequeno número(aristocracia, oligarquia, ditadura de classe ou de partido),nem o dum único (autocracia, monarquia ou ditadurapessoal).

Os anarquistas fizeram mil vezes a crítica do governo ditode maioria, o que, na aplicação prática sempre conduz aodomínio duma pequena minoria. Será preciso que eles arefaçam para o uso dos nossos camaradas russos?

É verdade, os anarquistas reconhecem que, na vida emcomum, é com frequência necessário que a minoria se

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conforme com a opinião da maioria. Quando hánecessidade ou utilidade evidente de fazer uma cousa e,

para fazê-la, é necessário o concurso de todos, a minoriadeve sentir a necessidade de se adaptar à vontade damaioria. Por sinal, em geral, para viver juntos, em paz e sobum regime de igualdade, é necessário que todos estejamanimados de espírito de concórdia, de tolerância, deflexibilidade. Todavia, esta adaptação, de parte dosassociados à outra parte, deve ser recíproca, voluntária,

derivar da consciência da necessidade e da vontade de cadaum em não paralisar a vida social pola sua obstinação. Elanão deve ser imposta como princípio e como regraestatutária. É um ideal que, talvez, na prática da vida socialgeral, será difícil realizar de modo absoluto, mas é certo quetodo agrupamento humano é tanto mais vizinho daanarquia quando a concordância entre a minoria e a

maioria é mais livre, mais espontânea, imposta somentepola natureza das cousas.

  Assim, se os anarquistas negam à maioria o direito degovernar a sociedade humana geral, onde o indivíduo é,todavia, obrigado a aceitar certas restrições, visto que nãopode isolar-se sem renunciar às condições da vida humana,

se querem que tudo se faça polo livre acordo entre todos,como é possível que adotem o governo da maioria nas suasassociações essencialmente livres e voluntárias e quecomecem por declarar que se submetem às decisões damaioria, antes mesmo de saber quais serão?

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Que a anarquia, a livre organização sem domínio da maioriasobre a minoria, e viceversa, seja qualificada, por aqueles

que não são anarquistas, de utopia irrealizável, ou somenterealizável num futuro longínquo, isto compreende-se; mas éinconcebível que aqueles que professam ideias anarquistase desejariam realizar a anarquia, ou, polo menos,aproximarse dela, seriamente, hoje, ao invés de amanhã,reneguem dos princípios fundamentais do anarquismo naprópria organização pola qual eles se propõem combater

polo seu triunfo.

***

Uma organização anarquista deve, na minha opinião, serestabelecida sobre bases diferentes daquelas que nospropõem esses camaradas russos. Plena autonomia, plena

independência e, em consequência, plena responsabilidadedos indivíduos e dos grupos; livre acordo entre aqueles quecreem ser útil unirem-se para cooperar num trabalhocomum, dever moral de manter os engajamentos assumidose de não fazer nada que esteja em contradição com oprograma aceito.

Sobre essas bases, adaptam-se as formas práticas, osinstrumentos aptos a dar vida real à organização: grupos,federações de grupos, federações de federações, reuniões,congressos, comités encarregados da correspondência ou deoutras funções. Mas todo isso deve ser feito livremente, demaneira a não entravar o pensamento e a iniciativa dosindivíduos, e somente para dar mais alcance a resultados

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que seriam impossíveis ou mais ou menos ineficazes seestivessem isolados.

Dessa maneira, os Congressos, numa organizaçãoanarquista, ainda que sofrendo, enquanto corposrepresentativos, de todas as imperfeições que assinalei,estão isentos de todo autoritarismo porque não fazem a lei,não impõem aos outros as suas próprias deliberações.Servem para manterem e ampliar as relações pessoais entre

os camaradas mais ativos, para resumirem e provocarem oestudo de programas sobre formas e meios de ação, paramostrarem a todos a situação das diversas regiões e a açãomais urgente em cada uma delas, para formularem asdiversas opiniões existentes entre os anarquistas e delasfazerem um tipo de estatística. As suas decisões não sãoregras obrigatórias, mas sugestões, conselhos, proposições a

submeter a todos os interessados; de modo que só setornam obrigatórias e executivas para aqueles que asaceitarem, e só até o ponto em que as aceitarem. Os órgãosadministrativos que eles nomeiam – Comissão decorrespondência etc. – não têm nenhum poder de direção,só tomam iniciativas, não possuem nenhuma autoridadepara imporem os seus próprios pontos de vista, que podem

seguramente sustentar e propagar enquanto grupos decamaradas, mas que não podem apresentar como opiniãooficial da organização.

Publicam as resoluções dos Congressos, as opiniões e asproposições que grupos e indivíduos lhes comunicam; sãoúteis a quem quiser servir-se deles para estabelecer relações

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mais fáceis entre os grupos e para a cooperação entreaqueles que estão em concordância em diversas iniciativas,

mas todos livres para se corresponderem com quem bementendam ou se servirem doutros comités nomeados poragrupamentos especiais. Numa organização anarquista,cada membro pode professar todas as opiniões e empregartodas as táticas que não estejam em contradição com osprincípios aceitos e não prejudiquem a atividade dos outros.Em todos os casos, determinada organização dura enquanto

as razões de união forem mais fortes do que as razões dedissolução, e deem lugar a outros agrupamentos maishomogêneos. É certo que a duração, a permanência dumaorganização é condição de sucesso na longa luta quedevemos sustentar e, por outro lado, é natural que todainstituição aspire, por instinto, a durar indefinidamente.

Todavia, a duração duma organização libertária deve ser aconsequência da afinidade espiritual dos seus membros edas possibilidades de adaptação da sua constituição àsmudanças das circunstâncias; quando já não é mais capazde missão útil, é melhor que desapareça. Esses camaradasrussos acharão, talvez, que uma organização, tal comoconcebo, e tal como já foi realizada mais ou menos bem em

diferentes épocas, é de pouca eficácia. Compreendo. Essescamaradas estão obcecados polo sucesso dos bolcheviquesno seu país; eles desejariam, a exemplo destes, reunir osanarquistas num tipo de exército disciplinado que, sob adireção ideológica e prática dalguns chefes, marchasse,compacto, ao assalto dos regimes atuais e que, obtida a

 vitória material, dirigisse a constituição da nova sociedade.

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E talvez seja verdade que, com este sistema, admitindo queos anarquistas se prestem a isso e que os chefes sejam

homens de génio, a nossa força material se tornaria maior.Mas para que resultados? Não aconteceria com oanarquismo o que aconteceu, na Rússia, com o socialismo ecom o comunismo? Esses camaradas estão impacientes como sucesso; nós também, mas não se deve, para viver e

  vencer, renunciar às razões da vida e desnaturar o caráterda eventual vitória. Queremos combater e vencer, mas

como anarquistas e pola anarquia.

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Esta segunda edição foi rematadaem Bertamirães, Ames – Galiza,

em 27 de janeiro de 2010

Editora Humana www.editorahumana.com

cultura é direito, não privilégio 

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Escritos revolucion

Errico Malatesta

A anarquia é a abolição do

opressão do homem polo ho

dizer, a abolição da propriedad

e do governo; a anarquia é a d

miséria, da superstição e do ódi

cada golpe desferido nas inspropriedade individual e do go

passo rumo à anarquia, assim

mentira desvelada, cada

atividade humana subtraída ao

rios

oubo e da

mem, quer

e individual

struição da

o. Portanto,

ituições daerno é um

como cada

arcela de

controle da