Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Fsica
Mestrado Acadmico em Ensino de Fsica
EPISTEMOLOGIAS DO SCULO XX
Alberto Ricardo Prss
Monografia
apresentada
como
requisito para aprovao na disciplina Fundamentos Epistemolgicos
para a Pesquisa em Ensino de Fsica, ministrada pelo Prof. Marco
Antonio Moreira em 2007/2.
Porto Alegre RS Maro 2008
2Epistemologias do Sculo XX Alberto Ricardo Prss Resumo No
presente trabalho, so apresentados textos que resumem diversas
epistemologias desenvolvidas ao longo do sculo XX. Os textos foram
produzidos com base em um livro especfico, mas foram consultadas
leituras complementares. Palavras-chave: epistemologia, filosofia
da cincia, pesquisa em ensino de cincias.
Epistemologies of Century XX Alberto Ricardo Prss Abstract In
the present work, texts are presented that summarize diverse
epistemologies developed to the long one of Century XX. The texts
had been produced on the basis of a book specific, but
complementary readings had been consulted. Key-words: epistemology,
philosophy of science, research on education of sciences.
3SUMRIO 1. Apresentao 2. Introduo 3. A Epistemologia de Popper
4. A Epistemologia de Kuhn 5. A Epistemologia de Lakatos 6. A
Epistemologia de Laudan 7. A Epistemologia de Toulmin 8. A
Epistemologia de Bachelard 9. A Epistemologia de Feyerabend 10. A
Epistemologia de Bunge 11. A Epistemologia de Maturana 12. A
Epistemologia de Mayr 13. Concluso Apndice: Epistemologias do Sculo
XX Quadro Comparativo 4 5 6 14 21 27 34 40 48 53 61 70 78 79
41. APRESENTAO Esta monografia foi elaborada como trabalho de
concluso da disciplina de ps-graduao Fundamentos Epistemolgicos
para a Pesquisa em Ensino de Fsica, ministrada pelo Prof. Marco
Antonio Moreira em 2007/2. Os textos apresentados foram baseados
nas leituras referenciadas, nas leituras consultadas, nas aulas do
Prof. Moreira, nos debates feitos durante o semestre e em
conhecimento anterior. Minha preocupao foi estritamente pessoal.
Procurei produzir textos onde eu pudesse organizar o raciocnio e
compreender a epistemologia do autor analisado. Procurei usar
fontes confiveis, quando as leituras principais apresentaram
lacunas.
52. INTRODUO Segundo a Wikipdia (2008): Epistemologia ou teoria
do conhecimento (do grego [episteme], cincia, conhecimento; logos],
discurso) um ramo da filosofia que trata dos problemas filosficos
relacionados crena e ao conhecimento. A epistemologia estuda a
origem, a estrutura, os mtodos e a validade do conhecimento (da
tambm se designar por filosofia do conhecimento). Ela se relaciona
ainda com a metafsica, a lgica e o empirismo, uma vez que avalia a
consistncia lgica da teoria e sua coeso fatual, sendo assim a
principal dentre as vertentes da filosofia ( considerada a
"corregedoria" da cincia). Podemos ver a importncia da
epistemologia citando o fsico Hermann Bondi no seu livro O Universo
como um todo: Quando uma atividade se desenvolve com a velocidade e
sob a presso com que o trabalho cientfico realizado, difcil muitas
vezes parar e analisar o que se est realmente fazendo. Felizmente
os filsofos da Cincia o fizeram por ns. Entretanto, alguns
cientistas modernos do pouco valor aos estudos epistemolgicos.
Vejamos o caso de Steven Weinberg, ganhador do Prmio Nobel, em seu
livro Sonhos de uma teoria final: A maioria dos fsicos concordaria
que uma falcia lgica partir da observao de que a cincia um processo
social e chegar concluso de que o produto final, nossas teorias
cientficas, moldado por foras histricas e sociais que agem nesse
processo. Essas idias no afetam de forma alguma a cincia ou os
cientistas. O perigo que representa para cincia vem da possvel
influncia sobre aqueles que no participaram do trabalho cientfico,
mas dos quais a cincia depende, especialmente sobre os encarregados
de financiar a cincia e a nova gerao de cientistas em potencial.
muito importante que o cientista, o professor e, por que no, o
cidado comum saiba que a cincia uma construo humana e como tal deve
ser entendida. Por mais popperianos que alguns cientistas sejam,
com certeza se eles conhecerem o verdadeiro pensamento de Popper, a
relao entre cincia e sociedade certamente ser menos tensa. Em relao
ao ensino em geral e , em particular, ao ensino de cincias, inegvel
que no se pode separar o ensino do contedo cientfico e o ensino das
idias que esto ligadas a esse contedo.
63. A EPISTEMOLOGIA DE POPPER
Introduo Karl Raimund Popper (1902-1994) nasceu Viena,
licenciou-se em matemtica e fsica e se doutorou em Filosofia pela
universidade local em 1928. Embora no tenha sido membro da famosa
Escola de Viena, foi simptico com as idias defendidas, mas criticou
muito dos postulados adotados. Ensinou de 1937 a 1945 na
Universidade de Canterbury, na Nova Zelndia e, mais tarde, na
Universidade de Londres. Morreu em 1994. A contribuio mais
significativa de Popper a filosofia da cincia foi sua caracterizao
do mtodo cientifico. Em seu livro A Lgica da Pesquisa Cientfica,
criticou a idia prevalecente de que a Cincia , em essncia,
indutiva. Props um critrio de demarcao que denominou
falseabilidade, para determinar a validade cientifica, e negou o
carter hipottico-dedutivo da Cincia. As teorias cientficas so
hipteses a partir das quais se podem deduzir enunciados comprovveis
mediante a observao; se as observaes experimentais adequadas
revelam como falsos esses enunciados, a hiptese refutada. Se uma
hiptese supera o esforo de demonstrar sua falseabilidade, pode ser
aceita, ao menos em carter provisrio. Nenhuma teoria cientifica,
entretanto, pode ser estabelecida de forma definitiva. No livro A
Sociedade Aberta e seus Inimigos (Popper, 1987), Popper defendeu a
democracia e apresentou problemas as implicaes supostamente
autoritrias das teorias polticas de Plato e Marx. O presente
trabalho foi inspirado na leitura do livro Conjecturas e Refutaes
(Popper, 2006), publicado originalmente em 1963. O Crculo de Viena
Para entender as idias de Popper, precisamos conhecer as idias
neopositivistas do chamado Crculo de Viena (Wikipdia, 2008a). O
Crculo foi um grupo de filsofos e cientistas, organizado
informalmente em Viena volta da figura de Moritz Schlick.
Encontravam-se semanalmente, entre 1922 e finais de 1936, ano em
que Schlick foi assassinado por um estudante universitrio irado.
Muitos membros deixaram a ustria com a ascendncia do partido
nazista, tendo o crculo sido dissolvido em 1936. Membros
proeminentes do Crculo foram Rudolf Carnap, Otto Neurath, Herbert
Feigl, Philipp Frank, Friedrich Waissman, Hans Hahn. Receberam as
visitas ocasionais de Hans Reichenbach, Kurt Gdel, Carl Hempel,
Alfred Tarski, W. V. Quine, e A. J. Ayer (que popularizou a obra
deles em Inglaterra).
7
A filosofia do sculo XX teve vrios marcos fundamentais. Um deles
surgiu nos princpios do sculo em Viena. Durante o sculo XIX, a
filosofia idealista colidiu frontalmente com os interesses
cientficos. A filosofia desligou-se da cincia e das suas
preocupaes. Aos poucos cada uma delas vo se tornando autnomas e no
dependem uma da outra. Os idealistas vo contra as pretenses e os
avanos que desde o sculo XVII produziram diferentes disciplinas
cientficas, guiam a filosofia por caminhos distintos a os dos
cientistas. Esta separao foi temporria, pois um novo movimento
filosfico estava comeando a surgir: nascia o que hoje chamamos de
filosofia da cincia, apoiada nas disciplinas cientficas a crescente
influncia no conhecimento humano. Os fundadores eram pensadores
fascinados pela fora da experincia na comprovao e pelo avano que
este mtodo proporciona as disciplinas cientficas. Junto com a
predileo pelas disciplinas cientficas, houve tambm o auge da lgica
apoiada na matemtica, que converteu esta disciplina filosfica no
mtodo adequado para o conhecimento da realidade e numa nova forma
de verificao. Os nomes que se destacaram foi os de Wittgenstein,
Russel e Whitehead. A verificao das proposies pode ser feita com
mtodos lgicos que vo decidir se podem ser ditas e se tem sentido ou
no. O avano das disciplinas cientficas e o nascimento desta nova
concepo da lgica propiciaram novos ares filosficos. Um grupo de
jovens filsofos, ma maioria deles provenientes de disciplinas
cientificas, estava disposto a colocar ordem no conhecimento
cientifico e a descobrir a verdadeira essncia de seu mtodo. No
incio do sculo XX e durante os poucos perodos de paz, a reflexo
sobre o mtodo cientfico recebeu um impulso decisivo. Na
Universidade de Viena formou-se um grupo de cientistas e filsofos
dispostos a unificar o pensamento cientifico. A idia era consolidar
esta nova forma de pensar. O primeiro inspirador intelectual do
grupo foi o fsico alemo Ernst Mach (1838-1916), que foi professor
de filosofia da cincia de 1895 at 1901 na Universidade de Viena. As
idias de Mach podem ser resumidas a dois princpios: 1. A cincia
fenomenalista: a cincia est dedicada ao estudo dos fenmenos, que so
nicos e reais. S estuda os fenmenos e qualquer pretenso de ir mais
alm da experincia impossvel. 2. A cincia no se move entre parmetros
de verdade e falsidade. Prope que a cincia no pode ir alm dos
fenmenos. A idia central que a cincia seria capaz de conhecer os
fatos, os fenmenos e servir de instrumento eficaz para a consolidao
da espcie humana. Qualquer outra pretenso de estaria fora do
alcance deste saber. Mediante a cincia, o homem completava sua
adaptao a Natureza. Rapidamente os membros do Crculo de Viena
perceberam que as idias de Mach careciam de fora lgica, sendo
sumariamente intuitiva. Foi por causa disso que surgiram os grandes
debates do grupo.
8Em 1922, Moritz Schlick tornou-se professor de filosofia de
cincias indutivas na Universidade de Viena. Um grupo de filsofos e
cientistas, incluindo a Rudolf Carnap, Herbert Feigl, Kurt Gdel,
Hans Hahn, Otto Neurath, e Friedrich Waismann, sugeriram a Schlick
que iniciassem encontros regulares para discutir cincia e
filosofia. Chamaram-se inicialmente a Associao Ernst Mach, mas
ficaram conhecidos como o Crculo de Viena. Sob a coordenao de
Schlick, o grupo iniciou a leitura da obra filosfica Tractatus
logicus-philosophicus, de Wittgenstein, publicada em 1922. A
leitura da obra de Wittgenstein contribuiu para que os membros do
crculo adotassem uma lgica que carecia a obra empirista de Mach. Em
1929, sob a coordenao de Rudolf Carnap (1891-1970), o grupo comeou
a ordenar as propostas e a publicar manifestos (Wikipdia, 2008d).
Os membros do Crculo defendiam que o mtodo cientfico como o nico
caminho para o conhecimento da realidade (Wikipdia, 2008a). aqui
que nasce a defesa das cincias experimentais como as nicas que
podem explicar a realidade. A experincia e as proposies elementares
da cincia so a nica linguagem verdadeira. De todo esse debate,
nasceu a postura conhecida como empirismo lgico. Nesta postura, o
fundamento do conhecimento est na experincia, assim como os demais
empiristas, mas exige que exista uma anlise lgica da linguagem das
proposies que realmente tem sentido. Temos que, qualquer concepo
filosfica que mantenha uma atitude metafsica, no mais do que uma
construo de mitos e teorias filosficas que no tem razo de ser e que
sucumbem ante o avano da cincia. As proposies da metafsica, por
exemplo, no podem ser verdadeiras porque no podem ser verificadas
segundo esses critrios. A filosofia se salva porque se converte
numa atividade dedicada a analise lgica da linguagem. a ferramenta
que possibilita a verdade da cincia, j que a nica disciplina que
capaz de discernir entre proposies com sentido (verdadeiras) e
proposies sem sentido (falsas). A filosofia a atividade que mostra
a realidade, numa viso neopositivista, com o empirismo lgico
atuando como o caminho para alcanar a verdade. Popper no freqentou
as reunies do Crculo (ibid.), mas foi uma figura central na recepo
e na crtica s suas doutrinas. Por algum tempo, alguns membros do
grupo encontraramse regularmente com Ludwig Wittgenstein (a fase
inicial da sua filosofia foi racional-positivista). Conjecturas e
refutaes Em 1934, com o apoio do Crculo de Viena, Popper publicou
sua primeira obra, A Lgica da Pesquisa Cientfica. Nela ele faz uma
anlise do mtodo cientifico. O interesse de Popper estava centrado
em dois problemas: 1. O problema da induo. 2. O problema da
demarcao.
9Para resolver esses dois problemas, ele seguiu caminhos
diferentes dos neopositivistas. Aps estudar o marxismo e as idias
de Einstein, Popper procurou encontrar as chaves do mtodo
cientifico. Com a ajuda de alguns membros do Crculo, concluiu que o
critrio emprico dos neopositivistas no tinha sustentao. Entretanto,
concorda que fundamental distinguir entre cincia e metafsica. o
problema da demarcao. Para Popper, a metafsica possui um conjunto
de enunciados que podem ter sentido, porm no podem submeter-se a
provas experimentais. Com esse raciocnio, torna-se mais realista
que o os integrantes do Crculo. Ele admite um valor a metafsica,
mas como no podem se submeter a provas experimentais, no rene as
garantias necessrias para a Cincia. O critrio de demarcao deve
permitir distinguir entre teorias cientificas e teorias
pseudocientficas. As teorias pseudocientficas so aquelas com alguma
aceitao na Cincia, mas segundo Popper, no renem a mesma capacidade
e critrios da cincia. O problema que as teorias pseudocientficas
aparentam ser cientificas e acabam enganando a sociedade. Nessa
linha de raciocnio, temos que buscar um critrio prprio do mtodo
cientfico que possa dar conta do avano da cincia. Popper props que
o caminho da comprovao emprica dos enunciados cientficos seria o
caminho correto. O problema que nem sempre possvel realizar a
comprovao. Motivo? Popper (Popper, 2006) apresenta trs: 1. No
possvel induzir de uns poucos casos uma lei geral. Toda induo
falsa. No se pode inferir de dados singulares, uma lei universal.
Teramos que comprovar cada um dos casos para saber se nossa induo
verdadeira. 2. Se no podemos induzir, tampouco confivel o sentido
subjetivo cartesiano de certeza. O fato de estarmos certos de algo
no critrio adequado para demonstrar a verdade de alguma teoria. A
certeza no o critrio. 3. Os dados que servem para a comprovao
emprica de uma teoria no so dados puros, esto na verdade carregados
de teoria. Assim sendo, a comprovao nunca pode ser direta, pois
sempre h teoria e no dados puros para se comprovar. Por tanto, no
se pode chegar a verdade de uma teoria cientifica, j que os critrio
utilizados at aquele momento no permitiam isso. Ento, qual critrio
adotar? A verificao direta nunca possvel, porm podemos analisar as
proposies cientificas que compem uma teoria e caso no correspondam
realidade, demonstra-se a sua falsidade. Assim sendo, a verificao
de uma teoria no possvel, mas podemos adotar a falseabilidade como
nico critrio de demarcao. Dessa forma, a cincia se distingue da
pseudocincia, pois admite a possibilidade de falseao de suas
teorias. Na cincia se admite e se deseja a possibilidade de que a
teoria no seja verdadeira; numa pseudocincia, isso no ocorre, pois
as teorias so verdadeiras e no permitem modificaes. Popper
consciente de que o critrio de falseabilidade pobre, pois
precisamos admitir, pelo menos, que os enunciados falseadores sejam
verdadeiros enquanto falseadores. Mas afirma que esse o nico
caminho possvel. Um problema srio nas idias falseacionistas que se
no podemos verificar e o que importa a falseabilidade, todo
conhecimento puramente conjectural. Temos conjecturas que
10ainda no foram falseadas. O mtodo da cincia ser o de tentativa
e erro, ou conjecturas e refutaes. Dessa forma, Popper deu a
resposta ao Crculo de Viena: a falseao o critrio de demarcao. Isso
tudo nos levar a pensar na cincia como uma sociedade aberta, onde
no se afirmam verdades, mas com idias prontas para serem
contestadas e carem por terra. Num primeiro momento o
falseacionismo para explicar o desenvolvimento da cincia, mas sem
poder encontrar um critrio de verdade, a cincia parece perder certa
confiabilidade. Mas Popper no estava preocupado com isso. O que ele
queria era distinguir, demarcar, o que atividade da cincia das
atividades que pretendiam ser cientificas. A racionalidade O
falseacionismo abre caminho para a crtica, ou seja, a possibilidade
de que um tenha razo e outro no. A chave para resolver os impasses
surgidos deve estar na racionalidade. Quando uma teoria derrota a
sua antecessora, ela obrigatoriamente deve ampliar os limites da
anterior. Ela deve ser capaz de resolver um nmero maior de
problemas. Ao assumir uma atitude racionalista, Popper diz que:
"Podemos ento dizer que o racionalismo uma atitude de disposio a
ouvir argumentos crticos e aprender da experincia. fundamentalmente
uma atitude de admitir que eu posso estar errado e vs podereis
estar certos, e, por um esforo, poderemos aproximar-nos da verdade.
(...) Em suma, a atitude racionalista (...) muito semelhante
atitude cientfica, crena de que na busca da verdade precisamos de
cooperao e de que, com a ajuda da argumentao, poderemos a tempo
atingir algo como a objetividade" (Popper, 1987, p. 232, apud Lang,
1996). As limitaes e insuficincias do falsificacionismo A histria
da cincia rica em exemplos que mostram que as primeiras formulaes
de novas teorias, que implicaram novas concepes imperfeitamente
formuladas, no se abandonaram e desenvolveram-se apesar das
aparentes falsificaes, o que traduz uma enorme felicidade para o
desenvolvimento da cincia. Se os cientistas tivessem seguido
estritamente metodologia do falsificacionismo, as teorias que hoje
se consideram em geral como os melhores exemplos de teorias
cientficas, nunca teriam sido desenvolvidas, porque teriam sido
rejeitadas logo sua nascena. Em qualquer exemplo de uma teoria
cientfica clssica, no momento da sua primeira formulao, possvel
encontrar afirmaes observveis que foram geralmente aceites nessa
poca e que eram consideradas incompatveis com a teoria. No entanto,
estas teorias no foram rejeitadas e foram fundamentais para o
desenvolvimento do conhecimento cientfico.
11Mapa conceitual da epistemologia de Popper
Figura 1 Um mapa conceitual sobre a epistemologia de Popper
12
Diagrama V Epistemolgico de Gowin da Epistemologia de Karl
Popper
Concluso Tanto os membros do crculo de Viena como Popper,
pretendiam solucionar o problema de demarcao. Embora Popper tenha
obtido respostas mais eficientes que os neopositivistas, em muitos
casos o resultado acaba sendo idntico. Os neopositivistas desejavam
enterrar as teorias metafsicas, mas Popper aceitava as teorias
metafsicas e as pseudocincias, pois elas inspirariam, em muitos
casos, o avano da cincia, ainda que no fossem teorias cientficas. A
pretenso de Popper era distinguir as teorias cientficas das teorias
pseudocientficas. O critrio de falseao a chave de tudo. Desde o
ponto de vista crtico, a pretenso neopositivista no conseguiu
salvar a derrota do critrio emprico. A cincia cada vez mais
complexa e, como ressaltou Popper, os dados esto sempre carregados
de teoria. No cabe, por tanto, a verificao emprica das teorias j
que elas no esto compostas de dados puros. Para Popper o
crescimento da cincia se d em termos de conjecturas e refutaes. As
conjecturas so postas a prova e submetidas a refutao atravs do
exerccio da crtica da comunidade cientifica.
13Referncias Carnap, R. (1978). La superacin de la metafsica
mediante el anlisis lgico del lenguaje en A.J Ayer, El positivismo
lgico. Madrid: Fondo de cultura econmica. Popper, K. R. (2006).
Conjecturas e Refutaes. Coimbra: Almedina. Silveira, F. L. (1996).
A filosofia da cincia de Karl Popper: o racionalismo crtico Caderno
Catarinense de Ensino de Fsica, Florianpolis, v.13, n.3: p.197-218,
dez. 1996. Acessado em 21 de Fevereiro de 2008, Disponvel em
http://www.if.ufrgs.br/~lang/POPPER.pdf. Wikipdia (2008a). Crculo
de Viena. Acessado em 21 de Fevereiro de 2008, Disponvel em
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=C%C3%ADrculo_de_Viena&oldid=9240453.
Wikipdia (2008b). Moritz Schlick. Acessado em 21 de Fevereiro de
2008, Disponvel em
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Moritz_Schlick&oldid=9214616.
Wikipdia (2008c). Karl Popper. Acessado em 10 de Maro de 2008,
Disponvel em
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Karl_Popper&oldid=9495895.
Wikipdia (2008d). Rudolf Carnap. Acessado em 18 de Janeiro de 2008,
Disponvel em
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Rudolf_Carnap&oldid=9005010.
Obras Consultadas Popper, K. R. (1987). A sociedade aberta e
seus inimigos. (2. tomo) So Paulo: EDUSP. Popper, K. R. (2006). A
lgica da pesquisa cientfica. So Paulo: Pensamento-Cultrix. Massoni,
N. T. (2005). Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao
professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de
Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s
epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard,
Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa
Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias. Porto
Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS.
144. A EPISTEMOLOGIA DE KUHN
Introduo Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) nasceu em Ohio. Iniciou
sua carreira acadmica como fsico terico, graduou-se e doutorou-se
(1949) em Fsica por Harvard, mas devido a circunstncias
profissionais foi levado a se preocupar com a histria da cincia e
as implicaes filosficas. Foi em Harvard, quando teve que preparar
um curso de cincias para no cientistas, que pela primeira vez, ele
utilizou exemplos histricos de progressos cientficos. Dessa
experincia, Kuhn percebeu que a cincia, numa perspectiva histrica,
era muito diferente da apresentada nos livros de Fsica ou mesmo de
filosofia da cincia. (Wikipdia, 2008). A partir da seu interesse se
voltou ao estudo da Histria da Cincia, largando a Fsica e se
dedicando por completo. Permaneceu em Harvard como professor
assistente de Histria da Cincia at 1956, indo ento para Berkeley
para lecionar a mesma disciplina. Permaneceu em Berkeley at 1961.
De 1964 at 1979 ocupou a mesma ctedra em Princeton. Posteriormente
mudou-se para Boston e lecionou no MIT at sua morte em 1996. As
preocupaes de Kuhn estavam relacionadas com questes do tipo (Kuhn,
2006): 1. Como a cincia realiza suas pesquisas? 2. Existe um nico
padro na atividade cientfica? 3. Existe um nico padro na atividade
cientfica que se possa aplicar ao longo da histria? 4. A que se
deve o aparente xito da cincia na obteno de conhecimento? 5. O
conhecimento acumulativo ao longo da histria? Muitos autores
consideram que as idias de Kuhn desencadearam um terremoto na
filosofia da cincia, ao inaugurar um discurso que privilegia os
aspectos histricos e sociolgicos na anlise da prtica cientfica,
desvalorizando aspectos lgico-metodolgicos. bem verdade que
Bachelard, dentre outros, j haviam tocado nas questes histricas da
cincia. Ao analisar a histria da cincia, ele concluiu que o
conhecimento cientfico no cresce de modo cumulativo, mas sim de
forma descontnua, com saltos qualitativos que no podem ser
justificados em funo de critrios de validao do conhecimento
cientfico. A justificao est em fatores externos, nada relacionados
com a racionalidade cientfica.
15Seu primeiro livro foi A Revoluo Copernicana, em 1957, mas foi
em 1962, com a publicao do livro A Estrutura das Revolues
Cientficas que Kuhn se consagrou como intelectual da histria e
filosofia da cincia. Com a grande repercusso do livro A Estrutura,
Kuhn apresentou algumas reformulaes na edio de 1970, procurando
refinar alguns conceitos. Ao longo dos anos 1970 ele escreveu
diversos tratados onde responde as crticas e redefine alguns termos
que haviam ficado confusos. Destacam-se a confuso com os termos
paradigma e incomensurabilidade. O presente trabalho baseado no
livro A Estrutura das Revolues Cientficas, mas foram consultadas
diversas obras que esto referenciadas.
Cincia normal e pr-cincia Os pesquisadores que trabalham dentro
de um paradigma, seja a Mecnica Quntica, a Relatividade, etc.,
praticam que o que Kuhn denomina cincia normal. A cincia normal
articular e desenvolver o paradigma com o intento de explicar e
acomodar o comportamento de alguns aspectos importantes do mundo
real, tal como se revelam atravs dos resultados da experimentao,
sob a ptica de uma determinada teoria e, talvez, tambm sob um
programa de investigao cientfica Lakatosiano. Ao faz-lo,
experimentam inevitavelmente dificuldades e se encontram com
aparentes falseaes. Se as dificuldades no forem superadas, teremos
um estado de crise. A cincia normal leva a tentativa de articular
um paradigma com o propsito de compar-lo o melhor possvel com as
evidencias empricas. Um paradigma sempre ser o suficientemente
impreciso e aberto para permitir isso (algo semelhante a heurstica
positiva de Lakatos). Kuhn descreve a cincia normal como uma
atividade de resolver problemas governados pelas regras de um
paradigma. Os problemas sero tanto de natureza terica como
experimental. A cincia normal deve pressupor que um paradigma
proporciona os meios adequados para resolver os problemas que
surgem. Quando ocorrem fracassos na resoluo de um problema,
considera-se um fracasso do pesquisador e no do paradigma no qual
est inserido. Kuhn reconhece que todos os paradigmas contenham
algumas anomalias, negando as correntes falseacionistas. Um
cientista normal no critica o paradigma no qual trabalha. S dessa
maneira capaz de concentrar seus esforos na detalhada articulao de
ser pesquisador. O que distingue a cincia normal madura da
atividade relativamente desorganizada da prcincia imatura a falta
de acordos da comunidade nos aspectos mais fundamentais da
disciplina que os congrega. Em conseqncia, de acordo com as idias
de Kuhn, a pr-cincia se caracteriza por total desacordo e constante
debate dos aspectos essenciais que concernem a seu objeto de
estudo, de forma que impossvel abordar o trabalho de forma
detalhada. Numa pr-cincia so possveis que existam quase tantas
teorias como investigadores, porque cada um dos tericos se vem
obrigados a construir seu prprio conjunto de princpios, para
justificar seu enfoque. Um aspirante a cientista deve conhecer os
mtodos, as tcnicas e as normas do paradigma resolvendo problemas
normais, efetuando experimentos normais e, finalmente, fazendo
alguma investigao sob a superviso de algum que j um especialista.
No ser capaz de fazer uma relao explcita dos mtodos e das tcnicas
que tenha aprendido, do mesmo modo que um carpinteiro no capaz de
descrever plenamente o que h por traz de suas tcnicas. Por tanto,
boa parte do conhecimento do cientista normal ser tcito.
16Devido ao modo como um cientista adestrado, e preciso que
assim seja para que ele trabalhe de maneira eficaz, um cientista
tpico ser inconsciente da natureza precisa do paradigma no qual
trabalha. Entretanto, quando o seu paradigma for ameaado por um
rival, o pesquisador se ver obrigado a detalhar as leis gerais, os
princpios metodolgicos, metafsicos, etc., que previamente
desconhecia, pois estava envolto em seu trabalho normal. Essa
necessidade bvia, pois ele precisa defender seu paradigma da ameaas
que podem afetar seu futuro profissional. Os paradigmas e a cincia
normal Uma cincia madura est regida por um nico paradigma (ou
matriz disciplinar). Esse paradigma estabelece as normas necessrias
para legitimar o trabalho dentro da cincia que governa ante o grupo
de seus praticantes. Coordena e dirige a atividade de resolver
problemas que produzem os cientistas normais que trabalham nesse
grupo. Nem todas as teorias pertencem ao paradigma. Os cientistas
desenvolvem muitas teorias especulativas, anteriores ao paradigma
ou durante as crises. Essas teorias podem assinalar possveis linhas
de pesquisa, na busca de descobertas. Somente quando os
experimentos e teoria se articulam e se encontram, surge a
descoberta e a teoria se insere no paradigma. Crise Uma vez que uma
nova descoberta assimilada, os cientistas esto em condies de
explicar uma gama maior de fenmenos, ou explicar com maior preciso
alguns j conhecidos. O fracasso das regras existentes o que serve
de preldio a busca do novo. A nova teoria uma resposta direta a
crise e muitas verses costumam aparecer. A crise se resolve quando
surge um paradigma completamente novo que vai conquistando cada vez
mais adeptos no seio da comunidade cientfica, at que finalmente se
abandona o paradigma original, recheado de problemas, aparentemente
irresolveis. Tal tipo de mudana descontnua constitui o que se
denomina uma revoluo. O novo paradigma, cheio de promessas, e ainda
livre de dificuldades (como as refutaes ou falseaes contundentes),
guiar a cincia normal at que ela volte a encontrar srios problemas
e surja uma nova crise, que dar lugar a uma nova revoluo. E assim
sucessivamente. A reposta crise A crise a condio prvia e necessria
para o nascimento de novas teorias. A deciso de rejeitar ou de
aceitar um paradigma e o processo que conduz a essa deciso, envolve
sempre a comparao de paradigmas com a natureza e entre eles. Ao
rejeitar um paradigma sem substituir por outro, estaremos
rejeitando a prpria cincia. Kuhn sustenta que no existe investigao
sem exemplos contrrios. Os enigmas existem somente devido ao fato
que nenhum paradigma resolve completamente todos os problemas. A
proliferao de verses de paradigmas, sintoma de crise, debilita as
regras de resoluo normal de enigmas, de tal modo que permite a
apario de um novo paradigma. tarefa da cincia normal esforar-se por
fazer que a teoria e os dados sejam coerentes; e esta atividade
pode ser vista como uma prova ou busca de confirmao ou falsidade.
Todas as crises comeam com a confuso em um paradigma. A transio de
um paradigma para um novo paradigma pode produzir uma nova tradio
de cincia normal, longe de ser um simples processo de acumulao. uma
espcie de reconstruo, com o surgimento de novos fundamentos.
17As crises debilitam a imagem dos paradigmas e proporcionam
dados adicionais necessrios para a troca de paradigma. A transio
para um novo paradigma o que Kuhn chama de revoluo cientfica.
Revoluo cientfica Considera-se revoluo cientfica a todos os
episdios de desenvolvimento no acumulativo, em que um paradigma
substitudo completamente ou em parte, por outro novo, incompatvel,
ou seja, quando um paradigma existente deixa de funcionar de forma
adequada, na explorao de um aspecto da Natureza. Quando os
paradigmas entram em debate sobre a sua escolha, para Kuhn, sua
funo fundamental circular e sustenta que, seja qual for o status do
argumento circular, s o da persuaso. As razes pelas quais a
assimilao de um novo tipo de fenmeno ou de uma nova teoria
cientfica deve exigir a rejeio de um paradigma mais antigo, no se
derivam da estrutura lgica do conhecimento cientfico, pois poderia
surgir um novo fenmeno sem refletir-se sobre a prtica cientfica
passada. A assimilao de todas as novas teorias significa a destruio
de um paradigma anterior e um conflito posterior entre as escolas
do pensamento cientfico. evidente que o paradigma que descobriu uma
anomalia mais tarde se torne parte da cincia normal. Kuhn assinala
trs tipos de fenmenos sobre os quais se podem desenvolver-se uma
nova teoria: 1. Fenmenos que foram completamente explicados pelos
paradigmas existentes e no proporcionaram um motivo para a construo
de uma nova teoria. 2. Fenmenos cuja natureza indicada por
paradigmas existentes, pem cujos detalhes s podem compreender-se
atravs de uma articulao posterior da teoria. 3. As anomalias que no
so assimiladas nos paradigmas existentes. S esse tipo produz novas
teorias. Sem a aceitao de um paradigma no haveria cincia normal. O
paradigma no poder proporcionar enigmas que no tenham sido
resolvidos. A aceitao de um novo paradigma torna necessria uma
definio de cincia correspondente. Alguns problemas antigos podem
relegar outra cincia ou ser declarados no cientficos. A tradio
cientfica que surge de uma revoluo cientfica, no somente
incompatvel, mas tambm incomparvel com a que existia anteriormente.
Kuhn diz que as teorias cientficas posteriores so melhores que as
anteriores para resolver problemas e que so totalmente distintas.
Incomensurabilidade A prova de um paradigma s tem lugar quando o
fracasso persistente para obter a soluo de um problema, produz uma
crise e da crise surge um candidato a paradigma. Nenhuma teoria
resolve todos os problemas que se apresentam, nem freqente que as
solues alcanadas sejam perfeitas. Na verdade, o imperfeito entre a
teoria e os dados existentes, o que definem muitos dos enigmas que
caracterizam a cincia normal.
18As razes pelas quais os paradigmas postulantes necessariamente
fracassam, ao entrar em contato com os pontos de vista dos demais,
tm a ver com a incomensurabilidade da tradio normal anterior e
posterior a revoluo. Os novos paradigmas nascem dos antigos e
incorporam grande parte do vocabulrio e dos aparatos previamente
utilizados. Quem prope os paradigmas, pratica profisses em mundos
diferentes. Ao faz-lo, os dois grupos de cientistas vm coisas
diferentes quando mira na mesma direo desde o mesmo ponto. Cada
comunidade lingstica pode produzir resultados completos de sua
investigao, que ainda que sejam descritveis em frases compreendidas
da mesma maneira pelos dois grupos, no podem ser explicados pela
outra comunidade em seus prprios termos. Cincia e no cincia A
caracterstica que distingue a cincia da no cincia, segundo Kuhn, a
existncia de um paradigma capaz de apoiar a tradio que constitui a
cincia normal. A mecnica newtoniana, a ptica e o eletromagnetismo,
a mecnica quntica e a teoria da relatividade so amostras tpicas de
paradigmas, e se qualificam como cincias maduras. Grande parte da
sociologia, por exemplo, carece de um constructo de tal poder e
contundncia. muito difcil encontrar uma definio precisa do conceito
de paradigma, mas possvel descrever alguns dos componentes tpicos
que os constituem. Entre eles, se destacam: 1. As leis
explicitamente estabelecidas; 2. Os pressupostos tericos (comparvel
ao ncleo central de Lakatos). 3. Alguns princpios metafsicos
gerais, que guiam o trabalho de seus seguidores. Como exemplo,
temos as equaes de Maxwell, que fazem parte de um paradigma que
constitui a teoria eletromagntica clssica. No paradigma, teremos
tambm as formas de aplicar as leis e os aspectos metodolgicos e
tcnicos que os pesquisadores da rea utilizam. Como progride a
cincia? De uma pr-cincia, se obtm uma cincia normal que entra em
crise e origina uma revoluo. Como produto dessa revoluo, uma nova
cincia normal surge e. com o tempo, uma nova crise e uma nova
revoluo. Concluso Uma comunidade cientfica eficiente para resolver
ou os enigmas que definem seu paradigma. O resultado da resoluo
desses problemas leva ao progresso. Quando a comunidade cientfica
repudia um paradigma anterior, renuncia ao mesmo tempo, a maioria
dos livros e artigos em que se inclui o dito paradigma. As trocas
de paradigmas levam os cientistas a se aproximarem cada vez mais da
verdade. O grande mrito de Kuhn foi perceber que a escolha entre
paradigmas no se fundamenta em aspectos tericos de cientificidade,
mas em fatores histricos, sociolgicos e psicolgicos, ou seja, numa
certa subjetividade e at mesmo numa irracionalidade, que acaba por
ter um papel decisivo na imposio de determinadas teorias em
detrimento de outras. (Marques, s.d.)
19Mapa conceitual de epistemologia de Kuhn
Figura 1 Um mapa da epistemologia de Kuhn
20Referncias Kuhn, T. S. (2006). A Estrutura das Revolues
Cientficas. So Paulo, Editora Perspectiva. Marques, A. (s.d.). As
Revolues Cientficas De Thomas Kuhn (1922-1996). Acessado em 20 de
Fevereiro de 2008, Disponvel em
http://www.leffa.pro.br/textos/textos_complementares/Kuhn.pdf.
Wikipdia (2008). Thomas Kuhn. Acessado em 4 de Maro de 2008,
Disponvel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Kuhn. Maia, I. M.
S. (s.d.). O desenvolvimento da cincia em Thomas Kuhn. Acessado em
4 de Maro de 2008, Disponvel em
http://www.consciencia.org/kuhnisabel.shtml. Thomas Samuel Kuhn
(s.d.). Historia de la filosofa contempornea. Acessado em 20 de
Fevereiro de 2008, Disponvel em
http://www.webdianoia.com/contemporanea/kuhn.htm.
Obras consultadas Massoni, N. T. (2005). Epistemologias do Sculo
XX. Textos de apoio ao professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto
Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve
introduo s epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan,
Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27.
Programa Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias.
Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS.
215. A EPISTEMOLOGIA DE LAKATOS
Introduo Imre Lakatos (1922-1974) nasceu Imre Lipschitz na
Hungria, mas trocou de sobrenome para escapar dos nazistas. Foi
matemtico e filsofo, tendo inicialmente aderido a escola de Popper
(Wikipdia, 2008), o qual chama de Falsacionismo Sofisticado. Ele
reformulou as idias de Popper para resolver o problema da base
emprica e para escapar das falseaes que no resolviam a duas classes
de Falsacionismos: o Dogmtico e o Ingnuo. Em sua teoria, ele
recorre a alguns aspectos das idias de Kuhn, sobretudo a histria da
cincia. Na crtica a Popper, Lakatos mostra que ao longo da histria
da cincia, a falseao no uma ao cotidiana dos cientistas, como ele
afirmava. Para Lakatos a falseao consiste em um enfrentamento entre
duas teorias rivais e a experincia. As teorias rivais se confrontam
com a experincia; uma aceita e a outra refutada. A refutao de uma
teoria depende do xito total da teoria rival. Desta forma, Lakatos
apresenta uma nova unidade de anlise: o Programa de Pesquisa
Cientfica. O presente texto baseado na obra La metodologa de los
programas de investigacin cientfica (Lakatos, 1993).
Falsacionismo Assim como Popper, Lakatos afirma que os
enunciados cientficos no podem ser demonstrados e to pouco possvel
atribuir um grau de certeza. Deste modo, rejeita a lgica indutiva e
em contraposio elaborou o dedutivismo. O falseacionismo afirma que
as leis da cincia no so verificveis nem provveis, porm so
falseveis. possvel determinar sob quais circunstncias empricas
(observao ou experimento) essas leis resultariam falsas e, caso
isso ocorra, devem ser rejeitadas e substitudas por outras. Lakatos
concebe que as teorias no so verdades conclusivas, mas conjuntos de
hipteses que devem ser contrastadas empiricamente e, em caso de
resistirem as contrastaes, so consideradas corroboradas, mas de
maneira provisria. Na epistemologia de Popper, as teorias so
seqenciais e vo se corrigindo. Para Lakatos, o falsacionismo
apresenta trs formas, com um grau crescente de crtica e
complexidade:
22
1. Falsacionismo Dogmtico. Lakatos afirma que Popper iniciou sua
trajetria como falsacionista dogmtico, mas nunca publicou nada
sobre isso. O mtodo do Falsacionismo Dogmtico pode caracteriza-se
como no indutivo, pois sustenta que as teorias podem falsear-se,
porm nunca verificar-se, e empirista porque afirma que h uma base
emprica e irrefutvel para a contrastao. A definio de falseao para o
Falsacionismo Dogmtico afirma que uma teoria ser falseada se for
refutada pelos falseadores potenciais. Em outras palavras, se os
fatos que probe forem observados, ela estar rejeitada e a falseao
coincide com a rejeio. Nessa confrontao entre teoria e experincia,
a Natureza atua como rbitro. A posio dogmtica porque se baseia em
trs pressupostos: a) Pode trazer uma demarcao ntida entre
enunciados tericos por um lado e enunciados observacionais ou
bsicos por outro (distino terico-observacional). b) Os enunciados
observacionais ou bsicos so demonstrados pela experincia
(enunciados bsicos). c) Uma teoria cientfica se tem uma base
emprica entendida como o conjunto dos falseadores potenciais de uma
teoria, verificveis pela experincia (critrio de demarcao). Lakatos
no concorda com esses pressupostos, pois esse critrio de demarcao
exclui muitas teorias interessantes e desenvolvidas da cincia do
sculo XX, porque elas no probem nenhum estado observvel de coisas.
Ele tenta demonstrar que os parmetros do Falsacionismo Dogmtico no
fazem uma reconstruo racional da atividade cientfica. Se aplicarmos
seus critrios, resultaria que as teorias mais importantes da
histria da cincia no seriam outra coisa alm de metafsica irracional
e o progresso cientfico seria meramente ilusrio. 2. Falsacionismo
Metodolgico Ingnuo. Na obra A lgica da investigao cientfica, de
1934, Popper evoluiu at o que Lakatos chama de Falsacionismo
Metodolgico Ingnuo. Abandona-se a crena de que existe uma distino
natural dentre enunciados tericos e a base emprica e agora se
admite que todo enunciado da cincia so tericos, de modo que s uma
deciso metodolgica pode escolher quais so bsicos (distino
terico-observacional). O critrio de demarcao proposto pelo FMI
diferente daquele que propunha o Falsacionismo Dogmtico. Agora uma
teoria cientfica somente se conta com um conjunto de falseadores
potenciais cuja aceitao depende de uma deciso convencional (critrio
de demarcao). Aqui Lakatos tambm apresenta severas crticas. Ele
afirma que existe um grau excessivo de convencionalismos
dependentes a decises metodolgicas. Alm disso, ao confrontarmos com
diversos episdios da histria, mostra-se dbil.
23
3. Falsacionismo Sofisticado. Lakatos continua inquieto. Ele
afirma que embora o Falsacionismo Metodolgico Ingnuo seja um avano
em relao ao Falsacionismo Dogmtico, ambos mantm idias centrais que
no do conta da histria real da cincia. De acordo com a histria da
cincia, ele prope que: a) As confrontaes so um tripleto de
enfrentamento, entre teorias rivais e a experimentao. b) Alguns dos
experimentos mais interessantes resultaram muito mais da conformao
do que da falseao. No jogo cientfico, sempre so mais de duas
teorias rivais competindo na explicao dos fenmenos. Popper dizia
que o progresso da cincia ocorreria pelo abandono das teorias que
tivessem falhado. Para Lakatos, no s as refutaes so importantes,
mas tambm as corroboraes. Lakatos escolhe uma unidade de anlise
mais ampla que permite refletir o desenvolvimento da cincia,
denominado Programa de Pesquisa Cientfica. As teorias no devem ser
examinadas de forma isolada, mas sim integradas numa seqncia de
teorias que com partilham um ncleo firme comum. O Programa de
Pesquisa Cientfica uma sucesso de teorias T1, T2, T3,...,Tn, todas
da mesma famlia, que vo surgindo a partir da anterior, tendo em
comum um conjunto de hipteses fundamentais que formam seu ncleo
firme, que declarado irrefutvel por deciso da comunidade cientfica.
Esse ncleo se mantm protegido por um conjunto de hipteses
auxiliares, o cinturo protetor ao redor do ncleo. Essas condies se
referem a condies iniciais da observao e pode ser modificadas ou
substitudas para ajustar a teoria e os resultados experimentais, e
assim evitar que as hipteses do ncleo sejam refutadas. Cada uma das
teorias que formam a seqncia prpria de um Programa de Pesquisa
Cientfica, formado por um ncleo firme compartilhada e um cinturo
protetor. Qualquer modificao que se faa no cinturo gera uma teoria
secundria. Esse processo continua indefinidamente, at que os
cientistas sigam confiantes no Programa de Pesquisa Cientfica. Cada
Programa de Pesquisa Cientfica tem regras prprias que vo orientar
as transformaes necessrias. A essas regras, Lakatos chama de
heursticas, que podem ser: a) Negativa: probe refutar o ncleo
firme. b) Positiva: apresenta uma dupla funo: - Indica quais
transformaes devem ser feitas no cinturo protetor para resolver as
anomalias, antecip-las e transform-las em exemplos corroboradores.
- Indica como encaminhar a investigao para que conduza ao
descobrimento de novos fenmenos.
24
Mudanas cientficas e regras de aceitao e refutao De acordo com o
Falsacionismo Sofisticado, o desenvolvimento da cincia se manifesta
mediante dois tipos de mudanas: a) A mudana que se produz quando
uma teoria substituda pela sua sucessora dentro de um mesmo
Programa de Pesquisa Cientfica. So mudanas no cinturo protetor e
pode ser progressivo, quando a teoria em seqncia prediz novos
fenmenos, alm conservar todo contedo no refutado pela teoria
predecessora, ou regressivo, se o desenvolvimento terico se limita
a dar explicaes dos novos fenmenos por causalidade ou at por
antecipao de teorias rivais. A idia de mudana progressiva
proporciona um novo critrio de demarcao. Para Lakatos, s cientfico
um Programa de Pesquisa Cientfica que seja progressivo. b) A mudana
que se d quando h uma competio entre Programas de Pesquisas
Cientficas rivais, dando a vitria a um deles. Essa mudana ocorre
quando os cientistas resolvem mudar de Programa de Pesquisa
Cientfica. A troca ocorre quando o novo Programa de Pesquisa
Cientfica progressivo com relao ao anterior. Isso acontece quando o
novo PPC tem mais contedo emprico que o anterior, capaz de prever
novos eventos e uma parte da teoria foi corroborada. O Programa de
Pesquisa Cientfica substitudo acabou sendo falseado, devido a seu
estancamento. A falseao de um Programa de Pesquisa Cientfica no
implica no seu abandono, pois ele poder recuperar-se e alcanar seu
rival. Incomensurabilidade A mudana de Programa de Pesquisa
Cientfica pressupe a comunicao entre cientistas que trabalham em
Programas de Pesquisas Cientficas diferentes. Lakatos no acredita
na incomensurabilidade das teorias cientficas. Os cientistas que
trabalham num programa podem entender a linguagem do programa
rival. Em alguns casos, podem at trabalhar simultaneamente em
programas opostos. Experimentos cruciais Os experimentos cruciais
so aqueles que permitem escolher entre teorias rivais. O tempo um
fator essencial nisso. crucial um experimento que refuta uma teoria
e corrobora outra, porm a disputa no deve ser dada como terminada,
pois o programa derrotado pode recuperar-se mediante um
desenvolvimento criativo da heurstica positiva. Se isso no ocorre
dentro de certo prazo (qual seria?), ento poderemos afirmar que se
tratava de um experimento crucial.
25Mapa conceitual da epistemologia de Lakatos
Figura 1 Um mapa conceitual da epistemologia de Lakatos Concluso
Lakatos desejou melhorar o falsacionismo popperiano e superar as
objees formuladas e ele. Suas idias deram origem a concepo de
Programas de Pesquisa Cientfica, onde as teorias fazem parte de uma
estrutura organizada. Os elementos que constituem um Programa de
Pesquisa Cientfica so o ncleo firme (ou central) e o cinturo
protetor, sendo que o ncleo firme que define o programa. Um
Programa de Pesquisa Cientfica se define como uma estrutura cuja
utilidade guiar, tanto positiva como negativamente, as futuras
pesquisas. Os programas progressistas levam a descoberta de novos
fenmenos enquanto os regressivos, no.
26Uma caracterstica importante das idias de Lakatos que ele
apresenta uma concepo histrica do conhecimento onde a cincia
concebida como um processo de acumulao e desenvolvimento, que
inclui o aproveitamento dos resultados obtidos previamente.
Referncias Lakatos, I. (1993). La metodologa de los programas de
investigacin cientfica. Madrid: Alianza Editorial. WikiPdia (2008).
Imre Lakatos. Acessado em 25 de Fevereiro de 2008, Disponvel em
http://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Imre_Lakatos&oldid=15021913.
276. A EPISTEMOLOGIA DE LAUDAN
Introduo Larry Laudan nasceu em 1941 no Texas. Graduou-se em
Fsica pela Universidade do Kansas e obteve doutorado em Filosofia
pela Universidade de Princeton. Foi professor de vrias
universidades americanas (Cornell, Pittsburgh, Hawaii, etc.) e
inglesas (Londres e Cambridge), estando atualmente na Universidade
Nacional do Mxico (UNAM). Laudan se ops ao neopositivismo, criticou
o falsacionismo de Popper e aperfeioou algumas teses de Kuhn. Ele
aderiu ao modelo reticular, sendo o qual a epistemologia,
metodologia e axiologia interatuam. Desde 1986 tem aceitado o
naturalismo normativo, onde perdem importncia as diferenas entre
cincia e no cincia. Inicialmente Laudan foi um dos mais fiis
seguidores de Lakatos. Entretanto, posteriormente ele mesmo props
um modelo de evoluo da cincia. No seu modelo, Laudan conserva a
matriz e algumas idias de Lakatos, tendo sido questionado quanto
originalidade de suas idias, mas apresenta algumas modificaes
interessantes. O presente trabalho inspirado no livro El progreso y
sus problemas: Hacia una teora del crecimiento cientfico (Laudan,
1986).
Tradies de pesquisa Laudan fala das tradies de pesquisa, no
lugar dos programas de pesquisa, de Lakatos. Uma tradio de pesquisa
um conjunto de pressupostos gerais sobre as entidades e processos
numa rea de estudo e sobre os mtodos ou tcnicas apropriadas para
realizar investigaes e construir teorias nessa mesma rea. Laudan
concebe as tradies de investigao, assim como Lakatos, como um
conjunto de teorias em evoluo que no podem ser analisadas fora de
seu contexto histrico. Uma tradio de investigao possui duas
caractersticas essenciais: uma metodolgica e outra ontolgica. Ambas
so interdependentes e capazes de influenciar-se uma da outra. A
funo metodolgica consiste em um grupo de regras do que permitido
fazer e o que no em cada rea. O desenvolvimento da tradio
radicalmente dirigido por essa funo, que determina a atividade de
investigao cientfica. A atividade cientfica essencialmente uma
atividade dirigida a resoluo de problemas, de tal forma que a funo
metodolgica deve estabelecer regras de legitimidade para propor
perguntas ou problemas e formas de respond-las ou resolv-los. Esses
procedimentos, tal qual Kuhn afirmava, constituem o contedo do
treinamento que se deve dar aos futuros pesquisadores da rea.
28Alm das regras metodolgicas, as tradies de pesquisa possuem
uma funo ontolgica, que se refere, essencialmente, aos objetos de
estudo da tradio. Da mesma forma que existem mtodos legtimos e
ilegtimos de estudo, h objetos e fenmenos legtimos e ilegtimos de
estudo. Dessa forma, a tradio determina seus limites, seu alcance
de aplicabilidade e seus critrios de relevncia cientfica. De acordo
com Laudan, as tradies de investigao so delineamentos gerais de
investigao e pesquisa que no devem ser, necessariamente,
explicativos, preditivos ou verificveis, em contraposio as teorias
que os constituem, que so. As tradies de pesquisa so vagamente
normativas, ao contrrio dos programas de pesquisa de Lakatos. As
trs funes importantes de uma tradio de investigao so, conforme
Laudan: a) a de determinar os limites de aplicao das teorias que
constituem uma disciplina; b) a de prover heursticas negativas e
positivas (assim como em Lakatos), isto , proporcionar idias
iniciais que permitam a formulao de teorias explicativas,
preditivas e verificveis, tudo isso com o objetivo de incrementar a
capacidade da tradio de pesquisa para resoluo de problemas; c) a de
justificar racionalmente a existncia de teorias cientficas. Uma das
caractersticas que Laudan conserva da metodologia de Lakatos o
carter evolutivo e histrico das tradies de investigao. Elas so
formuladas em um ambiente intelectual determinado, crescem e
incrementam seu alcance de aplicabilidade, e se degradam e acabam
por desaparecer para dar lugar a novas tradies. Entretanto, as
mudanas ou transformaes que a histria opera nas tradies de
investigao so percebidos de maneira distinta que nos programas de
investigao. Para Laudan, o ncleo firme tambm modificvel, atravs do
tempo, pela experincia necessariamente emprica. A tal ponto, que a
tradio pode terminar seus dias com caractersticas totalmente
distintas daquelas que tinha quando surgiu, circunstncia impensvel
na viso de Lakatos. Laudan ameniza suas crticas a Lakatos, mas
mantm as noes de progressividade e degenerao como critrios de
progresso cientfico. As diferenas para Lakatos no so muito
evidentes nesse ponto, mas o prprio Laudan esclarece que a
principal diferena entre os dois que Lakatos considera apenas
incrementos no contedo emprico, no levando em conta o contedo
conceitual de um programa. Na verdade, essa uma firmao que talvez
seja injusta com Lakatos. O Progresso e seus Problemas Laudan
seguiu as idias de Lakatos at a morte do mesmo em 1974. Em 1977 ao
publicar o livro O Progresso e seus problemas, a importncia da
analise histrica na epistemologia da cincia j estava consolidada,
sobretudo pelas mos de Kuhn e Lakatos. Nessa obra, Laudan no aceita
os enunciados da lgica e se ope a cincia como algo racional. A
cincia, para Laudan, complexa e diacrnica, pois est submetida a
mudanas ao logo do tempo. Ele insiste em explicar a racionalidade
cientfica a partir do progresso cientfico. Por progresso cientfico
ele entende a resoluo de problemas, conceituais e empricos. O
destaque dado a Histria da Cincia para a Epistemologia e para a
Metodologia da Cincia evidente.
29A funo dos problemas empricos A cincia , em essncia, uma
atividade de resoluo de problemas, o que Laudan afirma (Laudan,
1986). Ele explica que problemas empricos so diferentes de dados
empricos. S interessam os problemas empricos, ou seja, aqueles
dados que interessam a cincia e aos cientistas. A natureza dos
problemas cientficos Laudan no define o que um problema cientfico,
ele apenas relativiza o conceito, referindo-se as teorias que os
resolvem: Se os problemas so o ponto central do pensamento
cientfico, as teorias so seu resultado final (...) Se os problemas
constituem as perguntas da cincia, as teorias constituem as
respostas. A funo de uma teoria resolver a ambigidade, reduzir a
irregularidade a uniformidade, mostrar que o que acontece de modo
inteligvel previsvel. a esse complexo de funes a que me refiro
quando falo de teorias como solues de problemas. (ibid.) Ele
apresenta duas teses: 1. O essencial para uma teoria se responde
adequadamente a perguntas interessantes. 2. Para evoluir, uma
teoria mais importante perguntar se contesta a questes relevantes
do que se verdadeira ou se est corroborada. Problemas empricos Um
problema emprico s ser bem definido quando for resolvido por uma
teoria. Por que cham-lo de problema emprico? Pela sua procedncia.
Porque apesar de estar carregado de teoria, afirmamos que se refere
ao mundo fsico. Porm, isso no realmente importante, pois nos
interessam em quanto problema, e no o quanto possa refletir um
estado de coisas reais. Muitas vezes existem problemas aparentes,
que na realidade no existem Laudan cita as serpentes do mar, a
gerao espontnea, o efeito curativo das sangrias, etc. Ele diz:
Ainda que insistamos que as teorias so elaboradas somente para
explicar fatos, isto , enunciados verdadeiros sobre o mundo,
seremos incapazes de explicar a maior parte da atividade terica que
se produziu na cincia. (ibid.). Outros dados empricos haviam sido
ignorados para a cincia durante algum tempo e s quando chegou a ser
um problema emprico para uma teoria, passou a ter importncia
cientfica. Tipos de problemas empricos So trs os tipos de problemas
empricos: 1. Problemas no-resolvidos (potenciais): so problemas que
explicam fenmenos, mas ainda no foram resolvidos. 2. Problemas
resolvidos (efetivos): so problemas reais que foram perfeitamente
resolvidos pela teoria em questo.
303. Problemas anmalos: so problemas reais que no foram
resolvidos pela teoria em questo, mas foram resolvidos por uma
teoria rival. Laudan afirma que a transformao de problemas empricos
anmalos e no-resolvidos em problemas resolvidos uma das mais
importantes caractersticas do progresso cientfico. A natureza dos
problemas resolvidos So aqueles que guardam relao com as teorias
que os resolveu, ainda que as vezes de forma aproximada. O carter
aproximado da soluo de problemas inerente a cincia. difcil que uma
teoria prediga com exatido um resultado experimental. Laudan
considera irrelevante a questo da verdade ou falsidade para resoluo
de um problema. Segundo ele no precisamos considerar o tema da
verdade e da falsidade para determinar se uma teoria resolve ou no
um problema emprico concreto. A importncia dos problemas anmalos
Como vimos, um problema anmalo um problema que no pode ser
resolvido na teoria que se est analisando, porm foi resolvido por
uma teoria rival. Trata-se de uma questo relevante, tanto sob o
ponto de vista terico quanto formal, especialmente no momento de
comparar teorias e verificar a evoluo das mesmas. Alguns cientistas
e filsofos defendem que se devem abandonar teorias que possuam
anomalias. Para Laudan, a apario de uma anomalia gera dvidas sobre
a teoria que apresenta tal anomalia, porm no deve ser inevitvel seu
abandono. As anomalias no tm necessariamente que ser inconsistentes
com as teorias das quais so anmalas. Os problemas conceituais e sua
natureza Laudan afirma que os historiadores e filsofos da cincia no
haviam tratado muito bem os problemas conceituais, levados por uma
epistemologia empirista da cincia. Ele defende a importncia dos
aspectos conceituais e de coerncia. Se os problemas empricos so
perguntas de primeira ordem sobre as entidades fundamentais de
algum domnio, os problemas conceituais so perguntas de uma ordem
superior sobre a consistncia das estruturas conceituais (por
exemplo, teorias) que tenham sido elaboradas para responder a
perguntas de primeira ordem. (ibid.) Os problemas conceituais podem
ser de dois tipos: 1. Problemas conceituais internos: so aqueles
que surgem, por exemplo, quando uma teoria se torna inconsistente,
autocontraditria. Tambm quando existe alguma ambigidade ou
circularidade na teoria. 2. Problemas conceituais externos: so
aqueles que acontecem entre teorias, por exemplo, quando uma mostra
inconsistncia perante a outra, ou a aceitao de uma torna a pequena
a possibilidade
31de aceitao da outra. Ocorre tambm quando uma teoria que
deveria reforar a outra meramente compatvel.
32Mapa conceitual da epistemologia de Laudan
Figura 1 Um mapa conceitual da epistemologia de Laudan
33Concluso O problema, emprico ou conceitual, resolvido a
unidade bsica do progresso cientfico e o objetivo da cincia ampliar
a esfera de problemas empricos resolvidos, ao mesmo tempo em que
deve ocorrer uma reduo ao mnimo dos problemas anmalos e
conceituais. A evoluo poder ser medida com base na contabilidade
dos problemas. Referncias Laudan, L. (1986). El progreso y sus
problemas: Hacia una teora del crecimiento cientfico. Madrid:
Encuentro Ediciones. Obras Consultadas Massoni, N. T. (2005).
Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao professor de fsica,
v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS.
Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s epistemologias de Popper,
Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna.
Texto de apoio no. 27. Programa Internacional de Doctorado em
Enseanza de las Ciencias. Porto Alegre: Instituto de Fsica da
UFRGS.
347. A EPISTEMOLOGIA DE TOULMIN
Introduo Stephen Edelston Toulmin nasceu em 1922 na Inglaterra.
Recebeu seu doutorado em Filosofia em 1948. Iniciou sua carreira de
professor em 1949, tendo passado por diversas universidades,
incluindo Oxford, Melbourne, Leeds, Ny York, Columbia, Stanford,
Hebrew University, Michigan, California, dentre outras. Toulmin
publicou extensivamente muitos livros. No presente trabalho, o foco
ser no seu livro La comprensin humana I: El uso colectivo y la
evolucin de los conceptos, de 1977 (publicado em ingls em 1972) .
Como filsofo, foi inicialmente influenciado pelo austraco Ludwig
Wittgenstein, situando-se dentro do grupo, como Popper, Kuhn,
Lakatos, Feyerabend, entre outros, que criticam a concepo
positivista sobre a natureza da cincia. Ao evidenciar as limitaes
do positivismo, as idias de Toulmin apresentam um grande potencial
em diversas reas, sobretudo no ensino de cincias, pois apresenta a
evoluo do conhecimento como melhor descrito pela ao perene do
esprito crtico. No seu livro La comprensin humana Toulmin volta ao
tema sobre a distino entre teoria e observao,mas apresenta uma
anlise epistemolgica muito interessante. Ele prope um modelo
evolucionista para os conceitos, anlogo ao que Darwin props para a
evoluo das espcies. A cincia parte da cultura humana e como tal est
em permanente transformao: perguntas e problemas so formulados,
explicaes so produzidas, ferramentas conceituais so elaboradas,
etc. Para entender o carter evolutivo da cincia, preciso entender a
racionalidade ligada a flexibilidade intelectual e a disposio a
mudanas. Para Toulmin, aprender cincia se apropriar do acervo
cultural, compartilhar significados e, ao mesmo tempo, assumir
posturas crticas e vontade de mudar. Conceitos e mudana conceitual
Toulmin tenta aplicar uma zoologia evolucionista na cincia, com o
reconhecimento de uma dupla pluralidade: a que se d entre uma srie
de disciplinas intelectuais mais ou menos separadas (as espcies
orgnicas) e, dentro de cada uma delas, a que produz a existncia de
agregados ou populaes de conceitos e teorias individuais (os
organismos) logicamente independentes
35
Para Toulmin (Ariza e Harres, 2002) a mudana conceitual ocorre
de forma gradualista, em contraposio as idias agregacionistas dos
absolutistas e radicais dos revolucionrios (mudanas a margem do
racionalismo). As mudanas ocorrem de forma gradual, onde qualquer
transformao, lenta ou rpida, sempre est submetida a seleo crtica da
comunidade. Para compreender como algum constri seus conceitos,
necessrio entender como se forma a populao conceitual de onde esse
algum faz parte. Quando algum nasce, sua liberdade de ao,
pensamento e linguagem se v limitada pela herana lingstica e
conceitual que prov a sua cultura. Aparentemente isso limita a
liberdade de pensamento original, porm uma vez construdo pelo
sujeito, forma-se uma plataforma atravs do qual se pode
potencializar o pensamento criativo. A populao conceitual que
conforma o acervo cultural da humanidade no esttica, mas se
encontra em constante evoluo e tem um nico padro de
desenvolvimento, diz Toulmin (Toulmin, 1977). Existe no ser humano
uma tendncia natural a criatividade que o leva a produzir inovaes
freqentes dos conceitos, os quais uma vez constitudos, entram em
uma disputa com os estabelecidos e aceitos pela sociedade. Nessa
disputa, algumas inovaes conceituais sero aceitas e se incorporaro
a populao conceitual, outras sero rejeitadas e por conseqncia
ignorada. O que determina a aceitao ou a rejeio das inovaes
conceituais? Toulmin escabele como mecanismo chave a seleo crtica,
processo que se d nos meios intelectuais locais (em funo das
exigncias para resoluo de problemas tericos ou prticos de uma
populao conceitual) e nos foros de competncia intelectual
institucionalizados. O modelo evolucionista de Toulmin supe um
mecanismo dual de inovao e seleo, graas ao contnuo surgimento de
novidades intelectuais. Existe uma contnua seleo crtica pelo meio
ecolgico disciplinar, por meio de seu aparato metodolgico, de forma
que umas poucas dessas novidades conseguem uma posio firme na
disciplina e se mantm na gerao seguinte. Evidentemente, a variao e
perpetuao seletivas, ou seja, a troca e a continuidade conceitual
quando entendidas por esse mecanismo, s podem acontecer dentro de
um nicho ou foro de competncia, onde as variantes conceituais podem
obter sucesso e demonstrar suas vantagens adaptativas. Disciplinas
e empresas racionais O elemento fundamental de uma disciplina
coletiva o reconhecimento de um objetivo ou ideal sobre o qual
existe suficiente acordo e em termos do qual possvel identificar os
principais problemas comuns. Quando este objetivo comum de carter
explicativo, a disciplina cientfica. (Toulmin, 1977) As idias de
Toulmin estabelecem os critrios de compacidade bem restritos,
fazendo com que muitas reas de conhecimento tenham dificuldades
para poderem ser consideradas disciplinas compactas. Na atualidade,
satisfazem substancialmente estas condies, as cincias fsicas e
biolgicas, as tcnicas mais maduras e os sistemas judiciais mais
organizados. (Toulmin, 1977)
36Uma disciplina compacta aquela que possui as seguintes
caractersticas conectadas entre si: 1, Suas atividades devem estar
organizadas em torno de, e dirigidas para um conjunto especfico e
realista de ideais coletivos acordados. 2. Estes ideais coletivos
impem determinadas exigncias a todas as pessoas que se dedicam ao
acompanhamento profissional das atividades envolvidas. 3. As
discusses resultantes oferecem ocasies disciplinares para a
elaborao de razes no contexto dos argumentos justificativos, cuja
funo mostrar em que medida as inovaes nos procedimentos esto altura
dessas exigncias coletivas. 4. Para tal fim desenvolvem-se os foros
profissionais, nos quais so utilizados procedimentos reconhecidos
para elaborar razes, para justificar a aceitao coletiva dos novos
procedimentos. 5. Os mesmos ideais coletivos determinam os critrios
de adequao pelos quais so julgados os argumentos que apiam essas
inovaes. Existe uma gradao entre os diversos tipos de conhecimento,
desde o mais elevado, uma disciplina compacta at as mais ordinrias
empresas humanas.
Figura 1 Empresas Humanas Evoluo da cincia Toulmin apresenta na
sua teoria evolutiva da cincia, a idia de que ainda que nossos
pensamentos sejam individuais e pessoais, nossa herana lingstica e
conceitual, por meio da qual se expressam, domnio pblico (Toulmin,
1977, 1999; apud Henao e Stipcich, 2008). Na anlise da construo e
evoluo da cincia, Toulmin se afasta das idias subjetivistas e
relativistas. Ele explica que o contedo de uma cincia compreende um
repertrio de procedimentos estabelecidos e uma srie de variantes
conceituais cujo processo evolutivo est ligado a um consenso geral
a cerca dos critrios de seleo das variantes e dos ideais
explicativos que iluminam os mesmos (Toulmin, 1977, 1999; apud
Henao e Stipcich, 2008). Toulmin critica as idias de Kuhn sobre a
ausncia de vocabulrio comum entre paradigmas rivais. Para ele, se
segussemos a explicao de Kuhn das revolues cientficas, ao faltar de
um vocabulrio comum no poderiam comunicar-se mutuamente suas
discrepncias nem
37formular temas tericos comuns para a discusso e a investigao.
Assim, cada cientista pertencente a um paradigma incomensurvel,
veria o mundo desde o seu prprio esquema. Porm segundo Toulmin, no
existem exemplos de mudanas completas na viso cientfica do mundo,
isto , uma revoluo cientfica, no sentido kunheano, no pressupe uma
completa descontinuidade racional. Um exemplo foi a mudana da Fsica
Newtoniana para Fsica Einsteiniana, aonde o que vimos foram mudanas
conceituais que levaram muito tempo de intensos debates, e os
cientistas no precisaram se converter ao novo paradigma de modo
irracional, mas foram convencidos por argumentos.
38Mapa conceitual da epistemologia de Toulmin
Figura 2 Um mapa conceitual da epistemologia de Toulmin Concluso
Toulmin certamente foi um dos epistemlogos da cincia que mais se
esforou para abolir os estigmas do formalismo, sem cair num
subjetivismo. A idia de populao conceitual possui aplicaes
interessantes no ensino de cincias (Ariza & Harres, 2002 e
Henao & Stipcich, 2008), onde ele afirma que preciso entender a
populao de onde o sujeito faz parte.
39Referncias Ariza, R. P., Harres, J. B. S. (2002). A
epistemologia evolucionista de Stephen Toulmin e o ensino de
cincias. Cad. Bras. Ens. Fs., v. 19, n. especial: p.70-83, jun.
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Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa
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Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Tuon, Al. H. (1978).
Disciplinaridad versus ssistematismo en Toulmin. El Basilisco,
nmero 1, marzo-abril 1978. Acessado em 12 de Fevereiro de 2008,
Disponvel em http://www.fgbueno.es/bas/pdf/bas10113.pdf.
408. A EPISTEMOLOGIA DE BACHELARD
Introduo Gastn Bachelard nasceu em Bar-sur-Aube no seio de uma
modesta famlia, o seu pai era sapateiro. Aps a concluso dos estudos
secundrios trabalha nos correios de Remiremont at 1906 e mais tarde
em Paris entre 1907 e 1913. Embora trabalhasse cerca de 60 horas
por semana em Paris, prosseguiu seus estudos e licenciou-se em
matemtica em 1912. Pretendeu ser engenheiro de telegrafia. Quando
comeou Primeira Guerra Mundial foi alistado no exrcito. Depois da
desmobilizao, foi nomeado professor de fsica e qumica em
Bar-sur-Aube (Wikipdia, 2008). Aos 35 anos comeou seus os estudar e
a lecionar filosofia. Seus primeiros textos foram publicados em
1928 (Ensaios sobre o conhecimento aproximado e Estudo sobre a
evoluo de um problema de Fsica: a propagao trmica dos slidos).
Obteve rpida projeo e foi convidado, em 1930, a lecionar na
Faculdade de Dijon. Mais tarde, em 1940, foi para a Sorbonne, onde
lecionou muito disputados pelos alunos devido ao esprito livre,
original e profundo deste filsofo que, antes de tudo, sempre foi um
professor. Obteve inmeros prmios ao longo de sua carreira.
Bachelard morreu em 1962. interessante citar que (Fontes, 2008)
Bachelard comeou a estudar Filosofia por ter se decepcionado com as
idias que tinha sobre a Fsica, sobretudo aps a publicao da Teoria
da Relatividade. Bachelard foi um homem de muitas paixes. Alm de
filsofo, foi epistemlogo, cientista e poeta. A idia central da sua
epistemologia que no futuro o conhecimento se basear na negao do
conhecimento atual. Para compreendermos o projeto epistemolgico de
Bachelard, fundamental que situemos seu pensamento dentro do
contexto em que se constroem as cincias hoje em dia. Porque toda a
sua obra est marcada por uma reflexo sobre as filosofias implcitas
nas prticas efetivas dos cientistas. O presente trabalho baseado no
livro A filosofia do no (Bachelard, 1974). Perfil epistemolgico O
perfil epistemolgico um conjunto de atributos que cada sujeito
possui em relao a certo conceito e em relao a certo estgio de sua
cultura. claro, ento, que os perfis variam entre os indivduos para
o mesmo conceito, havendo uma progresso histrica. A idia de
perfil
41epistemolgico visa evitar que chamemos um indivduo de realista
ou racionalista. O que ocorre cada pessoa tem uma dose de cada um
dos tipos de pensamentos sobre um certo conceito. No livro A
Filosofia do No (Bachelard, 1974), temos uma figura que ilustra o
perfil epistemolgico de Bachelard em relao ao conceito de
massa:
Figura 1 - Perfil epistemolgico da noo pessoal (de Bachelard) de
massa (Bachelard, 1974) Bachelard sugere coletar os perfis
epistemolgicos e formar lbuns. Uma anlise desses lbuns poderia nos
dar uma outra informao importante, o chamado espectro
epistemolgico, que determinaria a forma como as diversas filosofias
reagem a um conhecimento objetivo particular. Obstculos
epistemolgicos A noo de obstculo epistemolgico foi descrita
inicialmente por Bachelard, na obra A Formao do Esprito Cientifico,
publicada em 1938. Ele afirma que o cientista deve empenhar-se em
superar os obstculos epistemolgicos para o progresso da cincia. Os
obstculos epistemolgicos so responsveis pela inrcia e at mesmo
estagnao do pensamento, sendo inerentes ao trabalho do cientista.
Em Arriassecq e Greca (2006) temos: Bachelard afirma que s se
constri o novo conhecimento cientfico a partir de um conhecimento
anterior, que geralmente errneo e atua como um obstculo
epistemolgico para o progresso cientfico. Os obstculos tm sua
origem em conhecimentos subjetivos e se referem a aspectos
intuitivos, experincias iniciais, conhecimentos gerais, incluindo
at interesses e opinies afetivas. O conhecimento comum um obstculo
para o conhecimento cientfico no sentido que o primeiro tem uma
base emprica e o segundo se baseia num mundo abstrato.
42Bachelard considerava que a cincia progredia atravs da superao
de obstculos epistemolgicos. Nesse sentido, deve-se ir contra o
conhecimento anterior, destruindo conhecimento mal adquirido ou
superando aquilo que obstaculiza o progresso. Alguns dos obstculos
que a cincia dever superar so, por exemplo, a opinio e a observao
bsica, que devem substituir-se pelo exerccio da razo experimental.
Segundo Bachelard, a cincia no pode produzir verdade. O Primeiro
Obstculo a Experincia Primeira. Nas palavras de Bachelard
(Bachelard, 1974): (...) Na formao do esprito cientfico, o primeiro
obstculo a experincia primeira, a experincia colocada antes e acima
da crtica, que , necessariamente, elemento integrante do esprito
cientfico. J que a crtica no pde intervir de modo explcito, a
experincia primeira no constitui uma base segura. (...) Eis,
portanto, a tese filosfica a se sustentar: o esprito cientfico deve
formarse contra a Natureza, contra o que , em ns e fora de ns, o
impulso e a informao da Natureza, contra o arrebatamento natural,
contra o fato colorido e corriqueiro. Obstculos pedaggicos Na
educao em cincia, Bachelard prope a existncia de fatores que
dificultam o aprendizado. So os obstculos pedaggicos. Os obstculos
pedaggicos so conhecimentos que se encontram relativamente
estabilizados no plano intelectual e que podem dificultar a evoluo
da aprendizagem do saber cientfico. Os primeiros obstculos" so
aqueles provocados pelas primeiras experincias, quando estas so
realizadas ainda sem maiores reflexes e sem qualquer crtica. Alguns
exemplos de obstculos pedaggicos so: 1. Conhecimento subjetivo,
cotidiano. 2. A imposio utilitarista. 3. Conhecimento prvio e
concepes alternativas. 4. No compreender por que o aluno no
compreende. Se particularizarmos o conceito de obstculo
epistemolgico, teremos a idia de noo obstculo e obstculos verbais,
destacando-se: 1. Conhecimento popular, senso comum 2. A
experimentao como explorao pitoresca 3. As metforas imediatas (sem
reflexo) 4. A generalizao tambm imobiliza a razo 5. O uso de termos
cotidianos impregnados de imagens subjetivas (Ex.: imagem virtual)
6. O perigo da erudio: retrica excessiva
43A superao dos obstculos deve ocorrer pelo movimento dialtico
entre professor e aluno visando substituio de noes do cotidiano
pelo conhecimento cientfico. Isso tem como implicao: O professor
deve ter slido conhecimento cientfico. Nas palavras de Bachelard:
Ter acesso cincia rejuvenescer espiritualmente, aceitar uma mudana
brusca que ir contradizer o passado. (Bachelard, 1974) Pensamento
cientfico Vrias vezes, nos diferentes trabalhos consagrados ao
esprito cientfico, ns tentamos chamar a ateno dos filsofos para o
carter decididamente especfico do pensamento e do trabalho da
cincia moderna. Pareceu-nos cada vez mais evidente, no decorrer dos
nossos estudos, que o esprito cientfico contemporneo no podia ser
colocado em continuidade com o simples bom senso. (Bachelard, 1972,
p.27, apud Wikipdia, 2008) Um esquema baseado em Bachelard proposto
por Constana Marcondes Cesar (Cesar, 1989; apud Simes, 1999) para
descrever o pensamento cientfico: 1. O conhecimento cientfico rompe
e at mesmo se ope ao conhecimento comum, pois a tcnica nos dias
atuais procura determinar aspectos do real que no so dados
imediatos, mas resultados construdos pelo cientista. H uma
descontinuidade absoluta entre o realismo sensvel e o racionalismo
cientifico do pesquisador. A hiptese cientfica apresenta uma evoluo
dialtica, ou seja, no linear, com rupturas. Em conseqncia, h um
corte inevitvel entre o saber comum e o saber cientfico. 2. O
conhecimento cientfico superao de obstculos epistemolgicos, que
esto incrustados tanto no senso comum quanto na experincia
cientfica. Se a opinio pensa mal, ao ser um conhecimento no
questionado, h obstculos que abrangem a histria da cincia e da
educao. 3. O conhecimento cientfico retificao de erros. Retificar
regularizar, normalizar os enganos, desvios e fantasias infundadas.
As idias cientficas no so resumo da experincia, mas programa de ao,
refinamento, preciso e esclarecimento do material emprico. Seguir a
constituio da cincia compreend-la como um saber aproximativo. A
histria das retificaes cientficas a prpria histria dos sistemas
cientficos. 4. O conhecimento cientfico um corracionalismo.
Bachelard substitui o cogito cartesiano por um cogitamos: a verdade
cientfica estabelecida pelo trabalho cooperativo e pela
intersubjetividade cientfica. 5. O conhecimento cientfico um
materialismo racional, crtico do materialismo ingnuo, que
privilegia os dados imediatos da conscincia perceptiva, e do
racionalismo puro, que privilegia o cogito em detrimento da
experincia. Bachelard combina as contribuies dos dois plos do
conhecimento, sujeito e objeto, afirmando que a realidade, qual o
cientista tem acesso, um objeto construdo pela conscincia racional,
a partir dos dados da experincia. 6. O conhecimento cientfico um
surracionalismo, afirmao da atividade criadora da razo em face da
atividade repetidora da memria. A busca cientfica orienta-se em
44direo ao futuro (criao e novidade) e no ao passado (memria e
repetio). O conhecimento surracional rtmico, uma expanso
conquistadora de novas dimenses do real e um retorno estratgico aos
postos avanados do saber.
A filosofia do no Bachelard defende os cientistas no podem mais
se valer de sistemas filosficos estreis. Nem podem aplicar sua
atividade, eminentemente aberta e sujeita a retificaes constantes,
uma filosofia finalista e fechada. As idias inconformistas esto
contidas em sua "filosofia do no": a histria das idias no se faz
por evoluo ou continusmo, mas por rupturas, revolues, "cortes
epistemolgicos". Se a verdade "filha da discusso" a filosofia no
pode esquecer-se de sua tarefa essencial: converterse numa
"pedagogia cientfica", preocupada com os fundamentos e os
requisitos indispensveis instaurao e ao desenvolvimento de um "novo
esprito cientfico".
45Mapa conceitual da epistemologia de Bachelard
Figura 2 Um mapa conceitual da epistemologia de Bachelard
46Concluso Bachelard considerava que a cincia progride atravs da
superao de obstculos epistemolgicos. Com contexto educacional, algo
semelhante so os obstculos pedaggicos. A epistemologia que ele
prope histrica e focada na dinmica das cincias, uma filosofia
aberta compreenso de sua complexidade e transformaes. A inteno de
Bachelard foi de mostrar que somente a cincia pode traar suas
prprias fronteiras. E para o esprito cientfico, traar uma fronteira
j ultrapass-la. A fronteira cientfica no um limite, mas uma zona de
pensamentos ativos e um domnio de assimilao. Referncias Arriassecq,
I.,Greca, I. M. (2006). Introduccin de la teora de la relatividad
especial en el nivel medio/polimodal de enseanza: identificacin de
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489. A EPISTEMOLOGIA DE FEYERABEND
Introduo Paul Karl Feyerabend (1924-1994) nasceu em Viena
(ustria) e faleceu em Genolier (Sua). Feyerabend viveu em diversos
pases, destacando-se Inglaterra, Estados Unidos, Nova Zelndia,
Itlia e Sua (Wikipdia, 2008). Seus principais livros foram Contra o
mtodo (1975), Cincia numa sociedade livre (1978) e Retorno a razo
(1987), mas escreveu diversos outros. Para Feyerabend, a cincia no
pode ser resumida a um conjunto de regras fixas e imutveis. Segundo
ele, existe em qualquer cientista elementos de irracionalidade, que
devem ser admitidos conscientemente e que no so incompatveis com a
cincia. Sob a influncia de Popper, Kuhn, Lakatos e outros, as idias
de Feyerabend comearam a surgir quando ele era professor de
Filosofia na Universidade da Califrnia em Berkeley e professor de
Filosofia da Cincia no Instituto Federal de Tecnologia de Zrich.
Foi pesquisador em Fsica, Astronomia e Matemtica. Sua formao como
fsico e como filsofo foi completada durante seu perodo em Londres,
porm o que foi decisivo para o desenvolvimento das idias foi o fato
de ter tido uma prtica educativa em um meio multirracial e
multicultural. Feyerabend afirmava que a idia de um mtodo fixo, de
uma racionalidade rgida surge de uma viso de homem demasiado
ingnua, e foi por isso que props um pluralismo metodolgico, onde
deveramos buscar propostas alternativas. Uma proposta de vises,
temperamentos e atitudes diferentes que produzam juzos e mtodos de
aproximao diferentes e onde somente um princpio pode ser definido
apesar de qualquer circunstncia: Tudo vale. Esses princpios foram
apresentados em Contra o Mtodo a ampliados posteriormente em Adeus
a Razo. No incio dos anos 1950 Feyerabend foi a Inglaterra estudar
Filosofia da Cincia na London School of Economics, onde Popper era
professor. Ele conhecera Popper em 1947 e assistiu ao curso que ele
ministrava. Segundo relatos (Nickels, 1998), gostou das aulas de
Popper. No final de 1953, recebeu o convite de Popper para ser seu
assistente, mas recusou. Em 1955 obteve um posto de professor na
Universidade de Bristol graas a indicao de Popper e Schrdinger. Seu
amigo Imre Lakatos ironizava (Nickels, 1998) que Feyerabend talvez
tenha sido o maior divulgador das idias de Popper e das idias
racionalistas criticas
49Feyerabend foi para Universidade da Califrnia em Berkeley e de
Zrich. No final dos anos 1970 mudou-se para Itlia e retirou-se da
docncia, mantendo-se ativo da produo de livros e artigos. Faleceu
no mesmo ano que Popper, 1994. O presente trabalho foi baseado na
leitura do livro Contra o mtodo (Feyerabend, 2007). Pluralismo
epistemolgico Em Contra o Mtodo, Feyerabend apresenta seu ataque
aos esquemas metodolgicos e se ope a racionalidade cientifica como
guia para pesquisa. Ele mostra que no existe nenhuma metodologia
cientifica que no tenha sido atacada em algum momento da histria.
Nas palavras de Feyerabend: A idia de um mtodo que contenha
princpios firmes, imutveis e absolutamente obrigatrios para
conduzir os negcios da cincia depara com considervel dificuldade
quando confrontada com os resultados da pesquisa histrica.
Descobrimos, ento, que no h uma nica regra, ainda que plausvel e
solidamente fundada na epistemologia, que no seja violada em algum
momento. (Feyerabend, 2007) Ele vai mais longe: A cincia um
empreendimento essencialmente anrquico: o anarquismo terico mais
humanitrio e mais apto a estimular o progresso do que suas
alternativas que apregoam a lei e ordem. (ibid.) Feyerabend props
um procedimento contra-indutivo, baseado na contradio sistemtica de
teorias e resultados experimentais bem estabelecidos e no aumento
do contedo emprico com a ajuda do princpio da proliferao. O
cientista deveria ser heterodoxo e propor idias contrapostas. A
idia seria buscar sistemas conceituais que choquem com os dados
experimentais aceitos, O cientista usaria qualquer coisa para isso:
heursticas exticas, concepes de mundo, disparates metafsicos,
restos e fragmentos de teorias abandonadas, etc. No h nenhuma idia,
por mais antiga e absurda, que no seja capaz de aperfeioar nosso
conhecimento. Toda a histria do pensamento absorvida na cincia e
utilizada para o aperfeioamento de cada teoria. E nem se rejeita a
interferncia poltica. Talvez ela seja necessria para superar o
chauvinismo da cincia que resiste a alternativa ao status quo.
(ibid.)
Crtica ao racionalismo crtico de Popper O racionalismo crtico a
base da epistemologia de Popper e consiste numa oposio firme ao
positivismo lgico. Tambm mostra a oposio de Popper ao empirismo
baseado na natureza e na experincia dos sentidos. Na pesquisa
cientfica, o cientista usa o mtodo de eliminao do erro e de colocar
a prova as hipteses. Feyerabend sustenta que a maior parte das
pesquisas cientficas no teriam sido feitas se seguissem um mtodo
racional. Sustenta que o anarquismo deve substituir o racionalismo
e que o progresso intelectual s pode ser alcanado enfatizando a
criatividade e o desejo dos cientistas do que o mtodo. Em seu
ataque a metodologia de Popper, ele nega o princpio da refutao
como
50via para a formao de teorias por considerar que impede o
desenvolvimento da cincia, j que no permite o desenvolvimento de
hipteses alternativas que no tenham sido produzidas da refutao de
alguma teoria. Algumas palavras de Feyerabend deixam bem claras as
suas idias: De acordo com nossos resultados atuais, praticamente
nenhuma teoria consistente com os fatos. A exigncia de admitir
apenas as teorias que sejam consistentes com os fatos disponveis e
aceitos deixa-nos, mais uma vez, sem teoria alguma. (ibid.) O mtodo
correto no deve conter nenhuma regra que nos faa escolher entre
teorias com base no falseamento. (ibid) A condio de consistncia,
que exige que hipteses novas estejam de acordo com teorias aceitas,
desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e no a melhor.
Hipteses contradizendo teorias bem confirmadas proporcionam-nos
evidncia que no pode ser obtida de nenhuma outra maneira. A
proliferao de teorias benfica para a cincia, ao passo que a
uniformidade prejudica seu poder crtico. A uniformidade tambm ameaa
o livre desenvolvimento do indivduo. (ibid) Crtica do critrio de
demarcao Ao combater o demarcacionismo, Feyerabend procurou
aproximar o conhecimento cientfico de outras formas de
conhecimento. A cincia, segundo ele, muito mais semelhante
mitologia do que a epistemologia est disposta a reconhecer. Segundo
ele, a cincia uma das formas de pensamento desenvolvidas pelo
homem, no necessariamente a melhor. A cincia possui um completo
sistema de crenas que so defendidos com unhas e dentes pelos
cientistas. Mas, como j foi dito, se a cincia carece de um mtodo
cientfico (pluralismo metodolgico), na prtica cientfica o progresso
acontece devido a mtodos irracionais e nocientficos (Tudo Vale). De
qualquer forma, o dogmatismo da cincia desempenha uma funo
importante. Sem isso a cincia no existiria. A cincia no nem uma
tradio isolada nem a melhor tradio que h, exceto para aqueles que
se acostumaram a sua presena, seus benefcios e suas desvantagens.
Em uma democracia, deveria ser separada do Estado exatamente como
as igrejas ora esto separadas. (ibid.) Um americano pode escolher a
religio, mas no pode exigir que seus filhos aprendam magia ao invs
de cincia na escola. A histria nos mostra um excesso de
racionalismo, principalmente em relao ao critrio de demarcao. Em
numerosas ocasies a cincia adotou mtodos, conhecimentos e
estratgias de saberes que eram considerados pseudocincias. Como
exemplo, a Astronomia pegou idias do pitagorismo e a Medicina atual
de idias da antiga medicina chinesa
51Mapa conceitual da epistemologia de Feyerabend
Figura 1 Um mapa conceitual da epistemologia de Feyerabend
Concluso Combinando as anlises histricas com a idia de que a cincia
no possui nenhum mtodo particular, podemos concluir que a separao
entre cincia e no cincia artificial, alm de trazer prejuzo ao
av