1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E RELAÇÕES DE GÊNERO: VELHOS DILEMAS E NOVOS DESAFIOS Adriana de Andrade Mesquita 1 Resumo: Nos últimos anos, a temática do envelhecimento ganhou visibilidade. No Brasil, segundo o IBGE, a população idosa deve passar dos 25.966.260 milhões (12,11% do total), em 2016, para aproximadamente 58,4 milhões (26,7% do total), em 2060. As idosas possuem uma expectativa de vida maior que a dos homens, fenômeno conhecido por feminização da velhice. Hoje, elas vivem, em média, até os 79,31 anos, enquanto eles, até os 72,18 anos. E, em 2060, a expectativa de vida delas será de 84,4 anos, contra 78,03. Logo, a expectativa de vida é diferenciada entre mulheres e homens. Entretanto, a sociedade brasileira não está preparada para essa mudança do perfil populacional, apesar da criação de políticas voltadas para população idosa. Esse envelhecimento vem produzindo necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas. Por isso, o objetivo principal deste estudo é o de analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea, dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão alcançando dentro desse processo e dos dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. Dessa forma, iniciamos o trabalho apresentando o debate teórico do processo de envelhecimento. Em seguida, analisamos dados estatísticos, dando ênfase à questão do envelhecimento e gênero. Posteriormente, discutirmos sobre o processo de feminização do envelhecimento e a importância da teoria de gênero. E, por fim, expomos algumas considerações finais. Palavras-chave: Envelhecimento Populacional, Relações de Gênero, Mulheres Idosas, dilemas e desafios. Introdução O presente artigo tem como objetivo principal analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea, dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão alcançando dentro desse processo e dos dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. O interesse pelo tema parte da experiência como docente do curso de Serviço Social. Nesse processo, reflexões diversas são realizadas a partir dos debates estabelecidos na disciplina Gerontologia Social e Serviço Social, da discussão com alunos que fazem estágios em instituições de longa permanência ou casas de convivência, de orientações de monografia sobre a temática, da participação em oficinas, palestras, seminários sobre a temática, bem como dos contatos feitos com outros professores e profissionais que trabalham, direta ou indiretamente, com o envelhecimento. 1 Assistente Social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Política Social pela Universidade Federal Fluminense e Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto de Economia. Professora assistente da Universidade Veiga de Almeida.
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ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E RELAÇÕES DE … · Resumo: Nos últimos anos ... Na obra “A Velhice” (1970), Simone de Beauvoir mostra que as condições de vida dos idosos eram
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E RELAÇÕES DE GÊNERO:
VELHOS DILEMAS E NOVOS DESAFIOS
Adriana de Andrade Mesquita1
Resumo: Nos últimos anos, a temática do envelhecimento ganhou visibilidade. No Brasil, segundo
o IBGE, a população idosa deve passar dos 25.966.260 milhões (12,11% do total), em 2016, para
aproximadamente 58,4 milhões (26,7% do total), em 2060. As idosas possuem uma expectativa de
vida maior que a dos homens, fenômeno conhecido por feminização da velhice. Hoje, elas vivem, em
média, até os 79,31 anos, enquanto eles, até os 72,18 anos. E, em 2060, a expectativa de vida delas
será de 84,4 anos, contra 78,03. Logo, a expectativa de vida é diferenciada entre mulheres e homens.
Entretanto, a sociedade brasileira não está preparada para essa mudança do perfil populacional, apesar
da criação de políticas voltadas para população idosa. Esse envelhecimento vem produzindo
necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas. Por isso, o objetivo principal deste
estudo é o de analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea,
dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão alcançando dentro desse processo e dos
dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. Dessa forma, iniciamos o trabalho
apresentando o debate teórico do processo de envelhecimento. Em seguida, analisamos dados
estatísticos, dando ênfase à questão do envelhecimento e gênero. Posteriormente, discutirmos sobre
o processo de feminização do envelhecimento e a importância da teoria de gênero. E, por fim,
expomos algumas considerações finais.
Palavras-chave: Envelhecimento Populacional, Relações de Gênero, Mulheres Idosas, dilemas e
desafios.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo principal analisar o processo de envelhecimento da
população brasileira na cena contemporânea, dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão
alcançando dentro desse processo e dos dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. O
interesse pelo tema parte da experiência como docente do curso de Serviço Social. Nesse processo,
reflexões diversas são realizadas a partir dos debates estabelecidos na disciplina Gerontologia Social
e Serviço Social, da discussão com alunos que fazem estágios em instituições de longa permanência
ou casas de convivência, de orientações de monografia sobre a temática, da participação em oficinas,
palestras, seminários sobre a temática, bem como dos contatos feitos com outros professores e
profissionais que trabalham, direta ou indiretamente, com o envelhecimento.
1 Assistente Social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Política Social pela Universidade
Federal Fluminense e Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto de Economia.
Professora assistente da Universidade Veiga de Almeida.
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É fato presente que nunca se falou tanto em envelhecimento como nos últimos anos. E, isso
tem ocorrido por causa do processo de envelhecimento mundial da população. No caso brasileiro, a
população idosa, de pessoas acimas de 60 anos, que representava apenas 4%, em 1940, passa dos
12%, em 2016. Ou seja, a população brasileira envelhece numa grande velocidade. Entretanto,
devemos levar em consideração as particularidades histórica, cultural e social de cada país e sua
experiência com o processo de envelhecimento.
Nesse sentindo e para fins dessa pesquisa, partimos dos seguintes questionamentos: como a
temática do envelhecimento tem sido tratada pelas principais literaturas? Quais são as
particularidades dos indicadores demográficos brasileiros quanto à questão do envelhecimento? Qual
o lugar que a mulher idosa está adquirindo na sociedade brasileira? Quais são os dilemas e desafios
que se colocam à mulher idosa?
Assim sendo, organizamos o presente artigo da seguinte forma: em primeiro lugar,
apresentaremos o debate teórico sobre o processo de envelhecimento; em seguida, analisaremos dados
estatísticos sobre o envelhecimento populacional no Brasil, dando ênfase a questão de
envelhecimento e gênero; posteriormente, discutiremos sobre o processo de feminização do
envelhecimento e a importância dos estudos de gênero. E, por fim, exporemos algumas considerações
finais.
O envelhecimento como uma etapa natural da existência humana
Os estudos sobre o envelhecimento tem relação direta com o aumento da longevidade e do
crescimento do número de pessoas idosas ocorridos nos últimos anos. Esse tema de estudo vem sendo
explorado por pesquisadores, acadêmicos, formuladores de políticas públicas, epidemiologistas,
estatísticos e outros campos do conhecimento interessados pela temática. Isso pode ser verificado a
partir da vasta produção literária nacional e internacional que existe sobre o assunto. Mas, é
importante colocar que, ao contrário do que pensamos, não estamos falando de uma temática nova de
estudo.
Ao analisar as produções existentes, podemos perceber que o processo de envelhecimento e a
velhice são temas de estudos antigos, onde estudiosos de diversas áreas de conhecimento, em uma
fase inicial, os filósofos e os médicos, demonstraram interesse pelo tema já na Antiguidade (cf.
BEAUVOIR, 1970; NETTO, 2002; BEZERRA, 2012). Todavia, para problematizar o processo de
envelhecimento é devemos levar em consideração algumas dimensões de análise para que possamos
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compreender a velhice como uma das etapas da vida e, com isso, entender que envelhecer é um
processo intrínseco a todo ser humano, uma etapa natural da existência humana.
Na obra “A Velhice” (1970), Simone de Beauvoir mostra que as condições de vida dos idosos
eram objeto de estudo de diversas sociedades antigas, sendo a velhice compreendida como um
processo dinâmico, resultado do prolongamento da vida. A autora parte de inúmeros questionamentos
sobre a velhice: “o que é envelhecer?” “Em que consiste o processo de envelhecimento?” O que a
leva a conclusão de que se trata de uma realidade que não é fácil de definir e que estamos falando de
um fenômeno que é biológico, já que o organismo do idoso apresenta singularidades, mas também
cultural onde o sujeito se modifica com o tempo, na relação com o mundo e com sua própria história.
Dentro desta perspectiva de análise, a autora vai desenvolver seu pensamento acerca da velhice
pontuando que os estudos sobre a velhice devem levar em conta tanto os aspectos biológicos quanto
os culturais, pois “a velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente
um fato biológico, mas também um fato cultural” (BEAUVOIR, 1990, p. 16).
Para Camarano e Pasinato (2004), a classificação do idoso com base no ciclo de vida orgânico
dos indivíduos, deixa de levar em conta o curso de vida nas esferas social, econômica, afetiva,
política, familiar, entre outras experimentadas pela pessoa idosa. Assim, apontam que o conceito
idoso “envolve mais do que a simples determinação de idades-limite biológicas” e apresentariam, no
mínimo, três limitações. Em primeiro lugar, não leva em consideração a heterogeneidade entre
indivíduos no espaço, entre grupos sociais, raça/cor e no tempo. Em segundo, enfatizariam-se a
existência das características biológicas independente de outras características, como a cultural. E,
ainda, esqueceria a finalidade social do conceito de idoso. Logo, “a definição de idoso não diz respeito
a um indivíduo isolado, mas à sociedade como um todo. Assumir que a idade cronológica é o critério
universal de classificação para a categoria idoso é correr o risco de afirmar que indivíduos de
diferentes lugares e diferentes épocas são homogêneos”.
Nessa mesma lógica, Filho e Sarmento (2012) reafirmam que o envelhecimento deve ser
analisado como processo biológico, psicológico e social. Compreender o processo de envelhecimento
como um aspecto biológico resulta em considerar as mudanças no organismo, decorrente dos efeitos
da idade avançada. Mudanças como a perda da capacidade do indivíduo de manter o equilíbrio e a
diminuição de suas funções fisiológicas. O envelhecimento psicológico tem relação com a dificuldade
de adaptação a novos papéis, falta de motivação, baixa autoestima. E, o envelhecimento social é
relativo à mudança nos papéis sociais desempenhados no contexto que o indivíduo está inserido e que
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não consegue se adaptar às novas transformações. Por fim, o envelhecimento deve ser analisado sob
diversos prismas.
De tal modo, com base nos estudos citados, o envelhecimento pode ser compreendido como
um fator natural da vida do ser humano, e deve ser caracterizado e analisado a partir de múltiplas
dimensões de análises, sendo elas as biológicas, culturais, psicológicas, sociais. Dessa forma, deve-
se compreender que o é o envelhecimento é levar em conta a complexidade deste conceito e suas
dimensões de análise. Entendendo que “envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa
da vida do homem e dá-se por mudanças físicas, psicológicas e sociais que acometem de forma
particular cada indivíduo com sobrevida prolongada” (MENDES et all, 2005, p. 423).
O envelhecimento populacional no Brasil
No Brasil, nos últimos anos, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais está crescendo
rapidamente mais que os demais segmentos etários. Isso está apontando que o processo de
envelhecimento é um fato irreversível e que se desenvolve de forma progressiva e gradual. Ou seja,
envelhecer se tornou uma realidade mesmo em sociedades em desenvolvimento, como é o caso do
Brasil. O aumento da expectativa de vida tem ocasionado mudanças na estrutura demográfica e alguns
indicadores sociais apontam para essa questão.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE Projeções), em
2016, a população brasileira era de cerca de 206 milhões de pessoas, sendo composta por um pouco
mais de 101 milhões de homens (49,36%) e aproximadamente 104 milhões de mulheres (50,64%). E,
esse processo continuará ao longo dos anos. Estima-se que, em 2030, teremos cerca de 113 milhões
de mulheres (50,8%) e 109 milhões de homens (49,2%)2. Ou seja, estaremos diante de uma população
que é majoritariamente feminina.
Tabela 1 – BRASIL - População Residente em 2016 e Projeção da População em 2030