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PermalinkPsicologia USPPrintversionISSN 0103-6564Psicol. USPvol. 8n. 2So Paulo1997http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65641997000200015 A ENTREVISTA FENOMENOLGICA E O ESTUDO DA EXPERINCIA CONSCIENTE1 William B. GomesInstituto de PsicologiaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul Uma maneira de estudar a experincia consciente atravs de entrevistas. H muitos modos de se entrevistar uma pessoa. Uma possibilidade atravs de um roteiro flexvel e aberto aos diferentes modos de reao do entrevistado. As entrevistas so gravadas em audioteipe, transcritas e estudadas em uma forma sistmica e sistemtica, atravs de trs passos reflexivos: descrio fenomenolgica, reduo fenomenolgica e interpretao fenomenolgica. Utiliza-se a entrevista para captar a experincia consciente dos entrevistados e os passos reflexivos indicados para estudar a conscincia do pesquisador do material recolhido em suas entrevistas. Na tradio da fenomenologia semitica a experincia consciente entendida em sua associao com os conceitos de intencionalidade, sentido e existncia. Assim, a experincia consciente considerada em conjuno com seu aparato cognitivo, afetivo e conativo. Nossas pesquisas focalizam a transformao de uma conscincia epistmica em uma conscincia psicolgica e seu reverso. A entrevista tem se mostrado um instrumento profcuo para este fim. Descritores: Conscincia. Experincias. Entrevistas. Fenomenologia. Psicologia fenomenolgica. O modelo de pesquisa que orienta nossas investigaes empricas sobre a experincia consciente, atravs de entrevistas, fundamenta-se em duas tradies tericas. A primeira, vem da psicologia fenomenolgica da Duquesne University em Pittsburgh, Estados Unidos. A segunda, procede da fenomenologia semitica da comunicao do Departamento de Speech Communication da Southern Illinois University em Carbondale, Estados Unidos. Este modelo de pesquisa qualitativa em psicologia para o estudo da experincia consciente e da conscincia da experincia, apesar do referencial norte-americano, tem razes profundas no pensamento europeu (Misiak & Sexton, 1973). A tradio da psicologia fenomenolgica da Duquesne University tem o seu incio com o estudo pioneiro de Van Kann (1959). O autor apresentou uma forma de anlise fenomenolgica para o estudo da experincia de sentir-se realmente entendido. Esta concepo aplicada de fenomenologia emprica foi reconhecida por Rogers (1970) como inovadora e importante para a pesquisa em psicologia humanista. Posteriormente, o mtodo foi refinado e largamente divulgado por Amedeo Giorgi e seus colegas Paul Colaizzi, William Fischer, Constance Fischer e Rolf von Eckartsberg (Giorgi, 1975, 1985; Valle & King, 1978). A tradio da fenomenologia semitica da Southern Illinois University tem seu marco inicial nos trabalhos dos professores de comunicao Tom Pace e Richard Lanigan. O modelo de pesquisa ganhou sua forma atual a partir do estudo de Lanigan (1972) sobre a teoria fenomenolgica do filsofo e psiclogo francs Merleau-Ponty. Enquanto mtodo de pesquisa, a fenomenologia semitica ou comunicologia uma articulao terica e prtica do pensamento contemporneo francs. Seu critrio fenomenolgico de anlise um exemplo da aplicao da lgica ps-positivista em situaes concretas de pesquisa. Isto , uma articulao produtiva das contribuies tericas da fenomenologia, semitica, existencialismo, estruturalismo e ps-estruturalismo. O propsito deste artigo focalizar o uso da entrevista para o estudo da experincia consciente na abordagem terica e emprica da fenomenologia semitica. O termo experincia consciente entendido como tratando-se de uma capacidade e uma habilidade comunicacional. O texto est organizado em quatro partes, sendo que cada parte centraliza sua exposio em torno de uma pergunta. As perguntas so as seguintes: 1) o que experincia consciente? 2) como ter acesso a esta experincia? 3) quais so os elementos constitutivos da experincia consciente e como se interrelacionam? e 4) quais as implicaes desta concepo sobre experincia consciente na teoria, pesquisa e aplicao em psicologia? O texto propositadamente escrito em um formato circular. Apresenta-se um conjunto de conceitos que se ampliam e se esclarecem no decorrer da leitura. O que experincia consciente? A experincia , para Kant (1781/1978), o ponto de incio e de validao do conhecimento. Assim, no possvel conhecer nada que no se ache dentro da experincia e o conhecimento ser sempre o conhecimento do mundo da aparncia. A experincia , para Hegel (1810/1992), um movimento dialtico que conduz a conscincia at si mesma, explicitando-se a si mesma como objeto prprio. O contedo da conscincia o real. A mais imediata conscincia de tal contedo a experincia. A experincia o modo como aparece o sujeito e o objeto (o Ser para Hegel). Este modo de aparecimento, enquanto processo ou constituio, a formao da conscincia. A noo de experincia no pode ser reduzida experincia interior subjetiva, nem experincia exterior objetiva. Trata-se de uma experincia absoluta, na qual o interior e o exterior apresentam-se imbricados um no outro. A experincia consciente foi o foco de ateno das primeiras proposies tericas da psicologia dos fins do sculo XIX. Wundt escolheu a experincia da conscincia imediata como objeto de sua psicologia experimental. Brentano destacou a experincia da direcionalidade da conscincia (intencionalidade) para os objetos e a experincia passou a ser entendida como a expressividade da conscincia. Dilthey ressaltou a unidade entre conscincia e experincia. Para ele, o que constitui a mente a coisa percebida (ver Wolman, 1960/1970). O estudo da experincia consciente foi, tambm, o foco central da teoria de Husserl (1907/1986). Para tanto, apresentou o mtodo fenomenolgico como uma tcnica para a interrogao da experincia consciente atravs da descrio do seu contedo. Seu objetivo era clarificar a articulao entre o real, a experincia e a conscincia. O mtodo fenomenolgico possibilitaria a separao dos preconceitos, ou seja, toda a histria significada das memrias, juzos, valores, desejos e imaginaes. A preocupao com a experincia consciente no estava restrita aos psiclogos e filsofos europeus. Nos Estados Unidos, tanto James quanto Dewey insistiram na importncia da experincia. James (1892/1984) fez da experincia o fundamento de todo o saber e de toda a ao. Estar aberto experincia garantiria a ateno constante realidade. Dewey (1938/1979) descreveu a experincia como uma relao entre o ser vivo e seu contorno fsico e social. Esta relao, segundo o autor, designa um mundo autenticamente objetivo, do qual fazem parte as aes e os sofrimentos dos homens. A experincia sempre experimental e representa um esforo para mudar o dado e para se projetar ao desconhecido. Ela traz o senso das conexes e continuidade. Enfim, concluiu Dewey, a experincia consciente uma inferncia, uma reflexo inata e constante. Na psicologia, estas preocupaes seguem nos trabalhos da Psicologia da Gestalt e nas Psicologias Personalsticas de Spranger, Stern e Allport. Na psiquiatria, esto presentes nos trabalhos de Jaspers, Binswanger e Boss. Na filosofia, a encontramos no existencialismo de Heidegger e de Merleau-Ponty. Foi na filosofia fenomenolgica e existencial que psiclogos americanos encontraram o ambiente propcio para o retorno ao estudo da vivncia enquanto experincia consciente (Misiak & Sexton, 1973). A experincia consciente esclarece-se a partir da significao dos acontecimentos que a constituem. Os objetos da conscincia ganham sentido na contextualizao de interligaes que aparecem organizados em forma de estrutura. Esta estrutura, enquanto experincia consciente do mundo vivido, uma matriz social e uma expresso dos construtos mentais (Schtz, 1962); um mundo no qual a vida cotidiana se desenrola e um lugar onde apresentam-se nossas metas e objetivos (Gurwitsch, 1957/1966); e contm os entrelaamentos inextrincveis do eu com o outro e com o mundo (Merleau-Ponty, 1945/1971). A experincia consciente constitui-se e expressa-se atravs do corpo. O corpo o centro de onde vislumbram-se todas as perspectivas. a unidade de sntese entre os objetos dados conscincia e a conscincia destes objetos enquanto experincia (Giorgi, 1970; Keen, 1975/1979; Lanigan, 1972). A experincia consciente inicia-se, primeiramente, como uma massa indiferenciada de sensaes. No entanto, a configurao emergente no pode ser reduzida a uma coleo de sensaes. Sua aparncia traz um sentido que revela um todo. Este todo anterior s suas partes mas no um todo ideal. Trata-se de uma aparncia momentnea que traz em si uma certa coerncia ou que est a procura desta coerncia em si mesma. Tem um status de verso e, sendo assim, sempre provisria. Ademais, a experincia consciente organiza-se por suas prprias leis que so independentes da vontade. Um exemplo, quando uma dada combinao aparece para mim de um certo modo e, ao mover-me de um ponto para outro, certifico-me de que a minha primeira aparncia era enganosa (Lanigan, 1972; Merleau-Ponty, 1945/1971). O modelo da fenomenologia semitica, recentemente tambm chamado de comunicologia (Lanigan, 1992), define conscincia como um movimento sinrgico na reverso entre percepo e expresso. A reverso mostra-se tanto na similitude (identidade) da percepo e da expresso do prprio sujeito que percebe sua expresso e expressa sua percepo, quanto na alteridade da expresso e da percepo na relao com um outro indivduo. Esta circularidade, entre a similitude da percepo e expresso de si mesmo e entre a alteridade da expresso e da percepo com o outro, explicita tanto a subjetividade quanto a objetividade. Explicita a subjetividade de um indivduo cuja experincia intrapessoal do silncio e do pensamento cria sua percepo de si mesmo e cuja experincia de usar algum sistema de linguagem cria a expresso de sua privacidade. Por contraste, explicita a objetividade da experincia mtua de duas ou mais pessoas que atravs de algum tipo de linguagem comum transformam, por conseguinte, a prpria percepo e a prpria expresso. A circularidade entre percepo e expresso produz o sentido da conscincia imediata e de toda a atividade da conscincia (conscincia mediata), enquanto uma unidade na qual se organiza os processos cognitivos, afetivos e conativos. A definio acima ao mesmo tempo abrangente e especfica. Sua abrangncia est na preocupao em estudar as atividades da conscincia no contexto global de sua formao biolgica e funcional, e no desenvolvimento de suas atividades e caractersticas epistemolgicas (gnese do conhecimento) e psicolgicas (estruturao, organizao, valorao, simbolizao e memorizao de um conhecimento em forma de crenas, opinies, afetos, dvidas, juzos, imaginaes e desejos). Sua especificidade e vis est na escolha dos processos comunicativos como mediadores de uma estrutura evolutiva de tradio funcionalista (lembre-se dos radicais bsicos de teorias funcionalistas: organismo, interao/adaptao e ambiente) com uma estrutura simblica das tradies compreensivas e hermenuticas (lembre-se dos radicais bsicos de teorias compreensivas e hermenuticas: organismo, linguagem e sentido). A abordagem traz para a psicologia uma perspectiva que combina a tradio terica da fenomenologia com a tradio terica da semitica. O vis de escolha provoca, algumas vezes, dificuldades com interlocutores em psicologia. Interpreta-se que estas dificuldades decorram da predominncia em psicologia de microcontextos tericos com preocupaes rigidamente demarcadas e especficas, ou mesmo da grande diversidade terica da disciplina. Microteorias contribuem para o esclarecimento de partes bem delimitadas de um determinado campo de conhecimento. No entanto, essas teorias perdem freqentemente a dimenso do seu prprio foco no espao global da disciplina. Um exemplo a tradio das reas de pesquisa em psicologia experimental (sensao, percepo, conscincia, memria, e aprendizagem; ver Marx & Hillix, 1979). Macroteorias, embora desejveis, parecem no se mostrar factveis diante do enorme crescimento da cincia. Tentativas fracassadas, neste sentido, foram as teorias de personalidade. Felizmente, a converso de microteorias em macroteorias, uma prtica muito comum em psicologia, como por exemplo o behaviorismo e a psicanlise, mesmo reconhecidas como esforos brilhantes e geniais, esto hoje em declnio (Mahoney, 1993). Por outro lado, espera-se dos pesquisadores em psicologia o desenvolvimento de tcnicas eficazes para as mais variadas aplicaes. As contribuies de estudos tericos e experimentais so fundamentais para este avano tcnico da psicologia, desde que acompanhadas de cuidadosa anlise do que se toma por pressuposio de uma substncia ou realidade e do que factvel de descrio sobre uma substncia ou realidade. A escolha das tradies fenomenolgica e semitica como orientao de abordagem identifica seu vnculo com as psicologias compreensivas e hermenuticas. Exemplos de teorias que de alguma forma se vinculam esta tradio foram indicadas, analisadas e criticadas por Figueiredo (1989). Numa perspectiva compreensiva e hermenutica a conscincia (premissa ontolgica - modo de entendimento de uma substncia ou realidade) se d a conhecer atravs de sinais na forma de gesto e fala (fronteiras descritivas de uma substncia ou realidade). Tal reconhecimento, do ponto de vista de sua extenso, satisfaz as exigncias do princpio do empirismo (Greimas & Courts, 1979). Por outro lado, gestos e falas esto organizados em sistemas de cdigos e do ponto de vista da compreenso so tomados em sua totalidade. Gestos e falas revelam a corporeidade de uma conscincia situada enquanto constituio de uma mensagem. sempre uma relao entre um remetente e um destinatrio, mesmo que seja uma relao entre o modo de conhecer (epistmico) e o modo de reconhecer e valorar (psicolgico). Em outras palavras, a relao entre um eu que fala e um outro que ouve, entre um eu que se mostra em gestos e um outro que v um movimento, ou mesmo entre um eu e os seus pensamentos. A conscincia o organismo (corpo) e enquanto tal est sempre em um ambiente (mundo). Temos assim, no discurso do gesto e da fala, uma evidncia emprica que o objeto de estudo da semitica e, na tarefa de compreenso deste discurso, temos um mtodo que a fenomenologia (Lanigan, 1997). O foco desta abordagem para a conscincia a diferenciao da significao de um objeto (experincia) enquanto presentao e representao (Husserl, 1907/1986). Podemos avanar um pouco mais no esclarecimento da definio de conscincia apresentada acima com a definio dos seus termos: percepo e expresso. O aperfeioamento evolutivo da conscincia (Salzano, 1995) encontra, nos seres humanos, o seu ponto mais elevado. Enquanto potncia, a conscincia desenvolve-se e diferencia-se entre o epistmico e o psicolgico para o exerccio de sua capacidade perceptiva e expressiva. A percepo, enquanto conscincia imediata, deve ser diferenciada de suas bases sensitivas, sem as quais no existiria, e de seus recursos de memria, sem os quais no teria como interpretar a massa sensorial informativa. neste sentido que Merleau-Ponty (1945/1971) diz que a percepo no nem sensao e nem intelecto. A percepo o objeto unitrio da conscincia imediata e tambm a experincia imediata deste objeto. Por sua vez, a expresso todo e qualquer movimento de um corpo que pode ser observado ou experienciado. Numa perspectiva comunicacional, este movimento mostra-se em gestos que organizados em algum sistema de cdigos constituem mensagens passveis de decodificao e interpretao por um outro, sendo este um outro que observa ou o mesmo que produz e experiencia os gestos. O termo experienciar fundamental para a abordagem comunicacional da conscincia. usado no sentido ingls de to experience e quer dizer experimentar ou como aparece em Lalande (1996, p.367)" fazer a experincia de um sentimento, de uma situao." Por exemplo, a experincia de estar escrevendo um texto e modificar este mesmo texto enquanto escreve ilustra a relao entre percepo e expresso. Percepo o objeto da conscincia e o ato da experincia. Expresso a contextualizao da percepo. esta a dinamicidade da conscincia imediata e de suas relaes com a conscincia mediata, este movimento permanente de transformao de seus objetos que interessa abordagem comunicacional. O termo reverso aponta para a relao dinmica na qual o objeto de expresso transforma-se imediatamente em objeto de percepo e vice-versa. O movimento de reverso sinrgico porque, cada reverso, ele refina e amplia o objeto percebido. Dois exemplos podem ajudar a esclarecer o que esta reverso sinrgica, ou esta ampliao focal do objeto da conscincia. Imagine-se a percepo de um objeto a uma certa distncia. A seguir, imagine-se que se est movimentando na direo deste objeto. Ora, a medida que se vai aproximando do objeto vai tambm se definindo mais precisamente quais so as formas deste objeto. Pode-se, ainda, procurar outros ngulos de observao (expresso) e pode-se refinar ainda mais a percepo global deste objeto. A percepo , portanto, este ato de experincia em transformao pelo movimento expressivo da minha aproximao do objeto. Outro exemplo, quando eu uso os dedos da minha mo direita para pressionar o dedo indicador da minha mo esquerda. Quem pressiona e quem pressionado? Quem se sente pressionando e quem se sente sendo pressionado? Dependendo do foco de ateno ou da intencionalidade (direo) da conscincia eu posso ora me sentir o dedo indicador da mo esquerda sendo pressionado pelos dedos da mo direita ou ora me sentir os dedos da mo direita pressionando o dedo indicador da mo esquerda. Este ltimo exemplo ilustra muito concretamente o que esta reverso entre pressionar (expresso) e pressionado (percepo) ou o inverso. Ilustra tambm a relao reversiva entre sujeito e objeto. A seguir a definio faz um importante contraste entre dois aspectos fundamentais da relao reversiva entre percepo e expresso. Primeiro, informa que esta relao reversiva ocorre entre minha percepo e expresso, da a noo de similitude no sentido de pertencer a um mesmo sujeito, ainda que em movimento ou mudana. Segundo, indica que a reverso tambm ocorre na relao entre o eu e o outro, da a noo de alteridade, sem qual o desenvolvimento da minha prpria identidade seria muito limitado, se que seria possvel. O modelo pressupe uma conscincia: 1) que um ato afirmativo de uma vida psicolgica - isto , a operao integrada das funes cognitivas e conativas; 2) que o desenvolvimento de uma identidade psicolgica, isto , a funo integralizadora de um sentido de si mesmo que permanece nas lembranas de minha memria, nas atividades do meu pensamento e nas projees e expectativas do meu futuro; e 3) que um agente de uma comunicao continuada e crtica das condies externas e internas que parecem constituir, a cada momento, o sentido de quem eu sou, de onde estou, do que fao agora, para qu, como estou e assim por diante (Lanigan, 1992). Importa para a comunicologia que a capacidade de ter conscincia, constitudo, validado e confirmado pela realizao de um outro fenmeno que a conscincia de ter esta capacidade. Em contraste, a habilidade de mostrar-se consciente constitudo, validado e confirmado pela atualizao de um outro fenmeno que so os meios atravs dos quais eu indico que estou consciente. Note o uso dos termos realizao e atualizao. Realizao refere-se ao fenmeno da conscincia como capacitao ou potencialidade, isto , conscincia da experincia como o processo de juno de sujeito (conscincia) e objeto (experincia) enquanto julgamento. Atualizao refere-se ao fenmeno da conscincia como habilidade, isto , experincia da conscincia, tambm o processo de juno de sujeito (conscincia) e objeto (experincia), enquanto atividade. As implicaes destas noes para o estudo cientfico da conscincia sero examinadas posteriormente. Exemplos do estudo da experincia consciente, nesta abordagem, aparecem nas seguintes pesquisas (Gomes, no prelo): 1) a experincia consciente do alcoolista que est em busca de uma reabilitao, 2) a experincia consciente de jovens adolescentes que se deparam com a bebida alcolica e seus efeitos, 3) a experincia consciente de adolescentes portadores de doenas orgnicas crnicas, 4) a experincia consciente de mes de trs geraes sobre suas preocupaes com a vida familiar e com a educao dos filhos, e 5) a experincia consciente de jovens que esto diante da escolha de uma profisso. Como ter acesso experincia consciente? Propostas de acesso experincia consciente variaram bastante ao longo dos tempos. Kant (1781/1978) acreditou que o exame das condies a priori da possibilidade da experincia determinavam o modo de formular juzos universais e necessrios sobre a realidade (como aparncia). Desta forma, poderiam ser formulados juzos empricos e vlidos. Hegel (1810/1992) entendeu que o conhecimento requeria uma dialtica e no uma reduo do sujeito e do objeto. O mtodo dialtico voltava-se para a evoluo interna dos conceitos segundo o modelo tese-anttese-sntese. Neste exerccio, a reflexo desenvolvia-se progressivamente atravs da superao de contradies do sujeito e do objeto, prevalecendo a verdade como uma Idia Absoluta. Wundt achou que poderia estudar a experincia consciente atravs de mtodos tomados por emprstimo das cincias naturais. Brentano e Dilthey sugeriram que o mtodo deveria ser descritivo, compreensivo e argumentativo. No entanto foi Husserl, com a proposta do mtodo fenomenolgico, quem estabeleceu os trs passos reflexivos para o estudo da experincia consciente (Giorgi, 1970; Ihde, 1979; Kockelmans, 1967). A breve exposio do mtodo fenomenolgico que ser apresentado a seguir baseia-se em Kockelmans (1967) e em Husserl (1907/1986; 1913/1992). O primeiro passo do mtodo fenomenolgico de Husserl sugere a descrio do objeto da experincia como se tratasse de um primeiro encontro. Esse primeiro passo conhecido como epoch, o tradicional pr em suspenso ou entre parnteses. O objeto deve ser descrito como se o descritor no soubesse absolutamente nada a seu respeito, deixando de lado suas preferncias, memrias sugeridas pelo objeto em descrio, desejos, imaginaes e valores. Tambm no estaria preocupado em descobrir as causas do objeto ou as justificativas de sua existncia. Uma boa maneira de entender e de realizar esta tarefa imaginar que se est descrevendo um quadro para um amigo distante, atravs de uma carta. O narrador ter o cuidado de no deixar o seu senso esttico interferir na descrio do quadro. No cabe a ele concentrar-se no que gostou e abandonar o que no gostou. Sua descrio deve ser fidedigna o suficiente para que o leitor sinta-se em condies de fazer o seu prprio julgamento. Este passo deixa a impresso de que a efetivao da tcnica impossvel. O questionamento vem a seguir. Como poderei afastar toda a minha histria de vida que mascara subjacente e sutilmente a minha experincia consciente? Vamos adiante na exposio do mtodo e, posteriormente, voltaremos a esta questo. Concluda a descrio, passa-se ao segundo passo, que a explorao ou investigao do material descrito. Uma boa maneira de conduzir esta fase atravs de perguntas descrio, de modo a explor-la exaustivamente. Ao esgotar as perguntas possveis, o pesquisador verifica que partes identificadas na descrio podem ser retiradas sem comprometer a estrutura ou essncia do objeto. Por estrutura, entende-se o conjunto mnimo de informao que continue garantindo a permanncia da identificao do objeto. A resposta definir o que essencial identificao do objeto. Conclui-se o segundo passo com a preparao de uma nova descrio. Esta segunda descrio mostra a nova conscincia do objeto da experincia. O objeto est definido, as partes identificadas e as distines entre o essencial e o no-essencial indicadas. No terceiro passo revela-se o direcionamento da conscincia para aquele determinado objeto da experincia. Este direcionamento, que o mesmo que inteno, ento o sentido que aquele objeto assume para a conscincia. Na teoria de Husserl, chega-se a este sentido atravs das vrias modalidades dos processos mentais. Estes processos so conhecidos como afeio (eu sinto), conao (eu julgo) e cognio (eu penso). Na verdade, Husserl procurava neste ltimo passo do seu mtodo um eu submerso na experincia. Assim, a investigao chega ao fim com a descoberta da intencionalidade do outro. Em outras palavras, a descrio final do objeto da experincia seria a conscincia do pesquisador (eu) da intencionalidade do pesquisado (outro). O que possibilita a experincia de acesso conscincia do outro (alteridade) a intersubjetividade - uma subjetividade comum a duas ou mais pessoas. A fenomenologia existencial de Merleau-Ponty (1945/1971) preservou os trs passos do mtodo fenomenolgico de Husserl. Contudo, Merleau-Ponty toma como ponto de partida o lugar que Husserl definiu como ponto de chegada. Na fenomenologia existencial, a primeira preocupao a descoberta da intencionalidade, ou a descoberta do sentido do objeto da experincia para a conscincia. Husserl desenvolveu os trs passos do seu mtodo para conhecer a intencionalidade do outro. Merleau-Ponty, ao contrrio, parte da procura pela intencionalidade do outro para recoloc-lo no mundo. uma importante virada no campo terico. Husserl deixou-se prender pela idealidade de um ego-transcendental, isto , de um eu que existisse por definio, aprioristicamente. J Merleau-Ponty estava procura de um eu que existisse no mundo. A transformao de fenomenologia transcendental em fenomenologia existencial traz importantes implicaes para a cincia psicolgica. Vamos entender melhor as diferenas entre estas duas fenomenologias estudando cuidadosamente os trs passos da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty. O primeiro passo da fenomenologia existencial descreve o mundo como vivido pelo sujeito, isto , sua experincia consciente. Este mundo vivido preexiste a qualquer anlise que se possa fazer dele. Est a para ser conhecido como , sem necessidade de maiores explicaes ou justificativas. A descrio concentra-se, portanto, numa determinada realidade como vivida por algum e faz desta vivncia seu objeto de estudo. A tarefa de descrever desvenda progressivamente a postura de um sujeito em relao ao mundo em que vive, revelando um modo de existir. O resultado a definio de um sentido, de uma perspectiva, enfim, de uma intencionalidade. O segundo passo do mtodo de Merleau-Ponty correlaciona-se com o primeiro passo do mtodo de Husserl. Toma-se a descrio de um certo todo, que a experincia de uma realidade ou mundo vivido por algum, e procura-se entend-la em si mesma. Novamente, todo o cuidado volta-se para afastar as interferncias dos afetos, conaes e cognies. Os resultados so semelhantes ao primeiro passo de Husserl. Define-se as partes desta experincia e distingue-se o essencial do no-essencial. Usa-se, para tanto, o critrio do conceito de estrutura. O terceiro passo do mtodo de Merleau-Ponty ultrapassa o mtodo fenomenolgico de Husserl. No se limita definio de um sentido ou intencionalidade, pois especifica um determinado modo de ser e de relacionar-se com o mundo. interessante notar que a fenomenologia existencial entende a experincia consciente como uma viso de mundo, que traz um corpo-sujeito com capacidade de ao. Veja-se a potencialidade teraputica do mtodo. No se trata de uma descrio passiva das situaes vividas mas de uma descrio para entender melhor determinadas situaes, algumas vezes crticas. O objetivo modific-las pela base, alterando a realidade de um mundo que se apresenta como contexto forado de uma experincia. Por exemplo, um modo de existir determinado por uma doena orgnica crnica. A fenomenologia semitica de Lanigan pode ser definida como uma articulao e incorporao de desenvolvimentos tericos posteriores aos trs passos bsicos da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty. um refinamento das possibilidades pragmticas do mtodo e de sua transformao em um veculo de ao. A experincia consciente continua sendo o objeto de investigao. No entanto, a fenomenologia semitica faz a seguinte pergunta: Como estes objetos da experincia apresentam-se conscincia e como a conscincia os expressa na experincia? O jogo conceitual entre experincia e conscincia no um efeito de retrica, por exemplo, um trocadilho de palavras por efeito esttico ou sonoro. Aponta para a circularidade de um objeto entre experincia e conscincia, um objeto que ora experincia, ora conscincia e reversivamente. A pergunta que se quer responder neste tpico a seguinte: como se pode ter acesso experincia consciente? A fenomenologia semitica contribui para a soluo deste problema redefinindo a relao entre experincia e conscincia. Para esta teoria, os objetos da experincia apresentam-se conscincia em forma de linguagem e em forma de linguagem especificam-se na experincia. Trata-se de um conceito amplo incluindo a linguagem plstica, musical, verbal ou gestual. Os fenomenlogos sempre reconheceram a pertinncia da linguagem para a fenomenologia (Lanigan, 1988). Husserl viu na linguagem a corporificao do sentido e a manifestao da vontade. Merleau-Ponty definiu a linguagem como a mediao entre a experincia e a conscincia (ver Merleau-Ponty, 1960/1984). A contribuio da semitica, uma cincia que estuda os signos ou sinais no sistema que os constitui , portanto, de melhor esclarecer o conceito de estrutura da experincia. Nestes termos, a experincia consciente passa a ser entendida como um sistema significativo de expresso no discurso e na ao. A fenomenologia semitica preserva os trs passos de acesso experincia consciente. A descrio continua sendo a atividade metodolgica bsica, mas entende-se que a atividade descritiva da experincia consciente um contedo organizado em uma certa estrutura de linguagem (fala, sons, pinturas, imagens, etc.). A estrutura o sistema que d sentido ao contedo. Nesta nova orientao, o trabalho de reduo a investigao das diversas partes do sistema para descobrir o sentido da estrutura em si. J o trabalho da interpretao questionar os relacionamentos possveis entre o sistema e suas partes. Lembre-se que a reduo do sistema s suas partes, cria partes engrandecidas (sinrgicas). Por isso, visualizam-se novas possibilidades de relacionamento e ampliam-se as possibilidades de recolocao do sujeito em seu mundo. Em suma, a fenomenologia semitica uma expanso da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty. A exposio do desenvolvimento do mtodo fenomenolgico nas mos de Husserl, Merleau-Ponty e, mais recentemente, Lanigan, facilita a compreenso de uma determinada possibilidade de acesso experincia consciente. No entanto, h um outro aspecto importante nesta forma de acesso que merece ateno. Trata-se da condio relacional entre sujeito e objeto, uma questo de muito interesse e debate em psicologia. A conscincia encontra a experincia atravs de um ato perceptivo e a conscincia transforma-se em experincia atravs de uma ao expressiva. Assim, a percepo simultaneamente o objeto da conscincia e a conscincia deste objeto. A expresso a especificao da percepo dentro de um determinado contexto (estrutura). A circularidade entre percepo e expresso identifica e atualiza a intencionalidade, que o sentido que dirige a ao. A linguagem constitui-se no contexto no qual os atos expressivos delimitam a percepo e exerce uma funo mediadora entre atos expressivos e perceptivos. Desta forma, a circularidade entre percepo e expresso um processo comunicativo intrapessoal e interpessoal. A fenomenologia semitica redefine a experincia consciente em termos de um processo comunicativo. tanto uma comunicao do eu consigo mesmo, quanto a comunicao do eu com o outro. Esta condio comunicativa permite a aproximao e explorao de uma realidade que tem como intencionalidade a descoberta de maneiras mais adaptadas e autnticas de se expressar (existir, funcionar, viver). Uma linguagem comum entre duas pessoas a base para que acontea qualquer ato comunicativo. Nesta condio, a conscincia de uma percepo interpessoal passa a fazer parte da experincia de uma expresso interpessoal. A comunicao um meio de alimentao e realimentao que qualifica a percepo atravs dos atos expressivos. Em outras palavras, estas duas pessoas comunicantes atualizam e clarificam a conscincia da experincia atravs da correo perceptiva da expresso. A implicao terica desta reformulao do mtodo fenomenolgico a reafirmao de sua base emprica. A fenomenologia preocupa-se com a base real (emprica) da experincia consciente, com a relao entre experincia (objeto) e conscincia (sujeito). A semitica redefine esta base real em um sistema de cdigos (sinais e smbolos) e assim especifica um modo de organizao e de relao entre o que percebido e o que expresso. Esta relao cria, a cada momento, o sentido (constitudo de sinais e smbolos) que a experincia consciente. Nestes termos, pode-se compreender a experincia consciente como um processo comunicativo que se estabelece na relao reversvel entre um organismo (a pessoa) e seu ambiente (mundo vivido) (Lanigan, 1988). A noo de reversibilidade resolve o problema da dicotomia entre sujeito e objeto, mantm a identificao de classes definindo sujeito e objeto como pertencentes a classes distintas. No entanto, a presena correlata e necessria de objeto e sujeito estabelece entre eles uma relao de simetria. Quer dizer, estas duas classes, embora distintas, s encontram sentido em sua mutualidade. Note-se, contudo, que sujeito e objeto so definidos como classes e no como contedos ou propriedades. A semitica contribuiu com a redefinio destes contedos ou propriedades em sinais ou smbolos. Estes sinais e smbolos so partes de um cdigo que se interligam e se esclarecem atravs do sistema ao qual pertencem. Desta forma, um cdigo que est como sujeito, pode passar para objeto e assim sucessivamente. Os lingistas (Barthes, 1964) denominaram estas classes correspondentes a objeto e sujeito de significante e significado. Significante e significado, enquanto partes, constituem um todo que chamado de signo (sentido). Pois bem, percepo e expresso, enquanto partes, constituem um todo que a experincia consciente (signo). Esta reverso define o poder atualizador da comunicao, na forma de uma relao continuada e engrandecida, seja com o ambiente, consigo, ou com o outro. A experincia consciente um ato comunicativo de um corpo situado em um determinado ambiente. A mensagem que expressa traz a peculiaridade de um mundo vivido. O interesse das nossas investigaes captar esta mensagem, este mundo vivido. neste contexto que se introduz a entrevista como um convite comunicao. Nosso interesse no se restringe unicamente vivncia particular de uma determinada pessoa em um certo ambiente. No se est procura da subjetividade. Nosso interesse saber como diferentes pessoas experienciam uma certa condio que comum a elas. A entrevista serve como veculo de comunicao. A entrevista organizada em torno de um roteiro direcionado para certos temas mas aberto para ambigidades. A entrevista explora o mundo vivido do entrevistado, definido como experincia consciente, e est a procura do sentido que este mundo vivido tem para o entrevistado. Neste processo, a conscincia do entrevistador, como expressa no roteiro da entrevista, modifica-se, amplia-se, atualiza-se na interao com o entrevistado. O movimento corretivo possvel pela reversibilidade das percepes e expresses do entrevistador e do entrevistado. O entrevistador deixa-se conduzir pela expresso do entrevistado e oferece suas percepes, reduzidas na expresso, para serem especificadas pelo entrevistado. Notem a mediao da linguagem (verbal e no-verbal) criando momentaneamente uma mutualidade de experincia entre os dois comunicantes. As diversas entrevistas realizadas para um determinado projeto, como por exemplo, "os alcoolistas em busca de reabilitao" levam o entrevistador a diferentes lugares de onde pode ver uma determinada experincia de vrias perspectivas. Essa visita a mltiplos lugares permite uma visualizao clara de uma realidade. Os resultados permitem um retorno a este mundo real que serviu de base para muitas experincias e, com a definio de uma conscincia desta experincia (um novo entendimento), propor modos alternativos de existncia. H um certo cuidado com a ordenao dos itens do roteiro da entrevista para facilitar e diferenciar as respostas dos entrevistados. Inicia-se a entrevista conversando sobre o presente. Aos poucos desloca-se para acontecimentos passados e a seguir para os projetos futuros. Durante o dilogo importante diferenciar sentimentos, conhecimentos, opinies, valores, e experincia. No final da entrevista, abre-se espao para acrscimos ou comentrios do entrevistado. Encerrado os comentrios do entrevistado, pede-se as informaes demogrficas necessrias para a caracterizao do grupo em estudo. Algumas vezes se faz mais de uma entrevista com um mesmo informante (Kvale, 1983; Patton, 1990). Entre os entrevistados, h pessoas sempre prontas para falar e que esto envolvidas em um processo reflexivo intenso sobre sua condio de vida. Outros movem-se lentamente e os depoimentos reveladores aparecem no final da entrevista. Algumas vezes uma segunda entrevista pode ser til para complementar a primeira e, tambm, trazer elaboraes ricas sobre o tema em foco. A diversidade dos entrevistados traz variaes de perspectivas que permitem uma compreenso mais ntida de um mundo vivido comum. Quais elementos constituem a experincia consciente e como se interrelacionam? O que se quer com uma pesquisa conhecer melhor um determinado objeto, no nosso caso, um mundo vivido comum. Este objeto para ns o objeto da experincia na conscincia. Ficou claro nas sees precedentes que este objeto sempre contextualizado em uma simultaneidade de redes significativas associadas. O ato perceptivo que vai ao encontro do objeto no uma simples apropriao subjetiva do objeto. Trata-se de um ato reflexivo capaz de combinar um sujeito que percebe com um objeto que est sendo percebido. A combinao sujeito/objeto configura uma estrutura estvel que permite a experincia de objetividade (Merleau-Ponty, 1945/1971). Mesmo assim, a percepo traz em si uma certa ambigidade a qual limitou, de alguma forma, o estudo da experincia consciente por mtodos oriundos das cincias naturais (Giorgi, 1970). Na prtica, tem-se uma situao ou objeto que existe independente da percepo do pesquisador e que vivida por um grupo de pessoas. Quando o pesquisador vai ao encontro destas pessoas para entrevist-las, tem um conhecimento terico e prtico da realidade em questo. Por exemplo, quando a pesquisadora Viviane Oliveira (Gomes, no prelo) entrevistou adolescentes com doena orgnica crnica ela estava no exerccio de seu papel profissional de psicloga em um hospital. Suas atividades incluam o acompanhamento e assistncia a pacientes adolescentes. Ela conhecia a literatura sobre doena orgnica crnica e adolescncia. Conhecia, tambm, a preocupao e luta dos pais e irmos destes jovens para encoraj-los e proporcionar-lhes uma vida digna. Enfim, convivia com os sofrimentos e aspiraes destes pacientes e de suas famlias. Este conhecimento e experincia foi importante na formulao de um conjunto de itens, como roteiro possvel de uma entrevista. No entanto, nossa entrevistadora no era uma doente orgnica crnica. O seu interesse era ampliar pontos possveis de conscincia (episteme), neste caso especfico, ouvir e compreender a experincia particular destes jovens e seus acompanhantes. Sabendo ainda que, neste primeiro encontro com este modo particular de estar no mundo (adolescer sendo portador de uma doena orgnica crnica), teria que pr em dvida sua experincia e seu conhecimento sobre esta situao de vida. Ademais, esperava posteriormente compreender, atravs da prtica da reflexo sistemtica e da observao emprica, como se d o desenvolvimento psicolgico destes jovens e como se pode descobrir maneiras mais efetivas de ajud-los. As descries viabilizadas atravs das entrevistas e as impresses do encontro com o entrevistado formam um objeto de experincia para a conscincia do pesquisador (notar a conjuno sujeito/objeto). As operaes tcnicas que levam descrio constituem, na verdade, uma pr-conscincia. A prpria descrio uma pr-conscincia. As operaes tcnicas so: as entrevistas, as transcries, as definies de unidades mnimas de sentido, a elaborao de snteses descritivas de cada entrevista e a definio das grandes categorias. Esta pr-conscincia apresenta-se como uma Gestalt radical. um todo engrandecido pela realizao de reflexes sucessivas em suas partes - os trs passos bsicos do mtodo fenomenolgico (descrio, reduo, interpretao). Os relatos obtidos junto aos entrevistados, enquanto dados empricos, transformam-se na condio existencial da localidade do pesquisador. Na verdade, trata-se de uma quase localidade pois o pesquisador desloca-se reflexivamente entre os vrios relatos que so os mundos vividos ou as experincias conscientes dos entrevistados. O conceito de localidade pode trazer dificuldades para o entendimento se apresentado em um plano puramente abstrato. Para entend-lo imagine estar visualizando uma grande esttua e que para apreci-la melhor procura-se observ-la de diferentes pontos. Portanto, o termo quase localidade usado para indicar a possibilidade de movimentar-se em torno da esttua. Neste movimento, no caso da conscincia um movimento reflexivo, o pesquisador simultaneamente a base emprica e a base existencial de sua pesquisa. a base emprica porque a descrio obtida apresenta-se como objeto de sua reflexo. As informaes oriundas de outros mundos vividos passam a ser, neste momento, o seu mundo vivencial. A condio emprica concretiza-se na ao reflexiva do pesquisador sobre sua experincia consciente das descries obtidas (objeto). Tambm, a base existencial porque ele quem reflete sobre as descries obtidas (sujeito). A contribuio da fenomenologia a reflexo sistemtica. A premissa filosfica de que a conscincia capaz de concentrar-se sobre si mesma antiga. Um outro modo de definir esta caracterstica da conscincia dizer que somos capazes de tornar o prprio pensamento em objeto do pensamento (ver Gendlin, 1962). Lembre-se que a experincia consciente , primordialmente, um todo, uma Gestalt radical. No entanto, tambm uma linguagem, uma semiologia radical. As entrevistas trazem um sujeito com histria e com projetos para serem realizados em um futuro prximo ou distante. Nesta entrevista o sujeito menciona episdios que ilustram vrios momentos de sua vida social e privada, e fala de suas imaginaes, fantasias, medos e sucessos. A descrio sistmica e sistemtica das entrevistas organiza-se a partir de uma histria principal que amarra a narrativa, de histrias paralelas que sugerem contrastes e ainda de outros entendimentos possveis. Na verdade, uma composio de vrias histrias. Ao iniciar a preparao da descrio, o pesquisador depara-se com vrias perguntas. Qual o melhor modo de apresentar a descrio? O que tomar como principal? O que fazer com histrias paralelas? O que fazer com aqueles dados que aparecem apenas sugerindo sentidos ou indicando ausncias? Como provar aos outros pesquisadores que a descrio apresentada mantm sua relao de correspondncia com o que foi relatado nas entrevistas? Como satisfazer as exigncias de provas fatuais da cincia e no sufocar o leitor com textos longos e cansativos? Como administrar o desejo de levar para o texto final todas aquelas frases elucidativas, todos aqueles episdios esclarecedores que, sem dvida alguma, assegurariam a veracidade da compreenso do objeto de estudo? Todas estas perguntas exemplificam o conceito de semiologia radical: o objeto apresenta-se na linguagem, a reflexo opera na linguagem e a descrio, enquanto tal, um texto verbal. A semiologia ou semitica (aqui usadas indistintamente) contribui na especificao dos aspectos lingsticos e comunicativos da descrio. Assim, a simultaneidade dos relatos permite que se movimente de um relato para outro de maneira que quando se toma um relato como figura, o outro fundo e assim sucessivamente. O movimento entre relatos , na verdade, o movimento reflexivo entre presena (o relato que figura) e ausncia (o relato que fundo), ou entre o relato que poderia estar e o relato que no deveria estar. Enfim, a procura do sentido, da intencionalidade, da direcionalidade da experincia consciente dos entrevistados, enquanto conscincia epistmica e psicolgica do pesquisador. A noo de estrutura fundamental para a interpretao fenomenolgica por desvelar regras subjacentes que regulam a experincia consciente. Neste ponto da exposio, j est claro que experincia consciente, mesmo que transformada em conscincia da experincia, o sentido que uma dada combinao de presena e ausncia tem para aquele que percebe. uma presena porque uma de suas partes est ali concretamente diante do olhar do pesquisador. A outra uma memria, um pensamento, uma imaginao, uma pressuposio. No se quer dizer que no haja situaes onde o todo esteja inteiro como uma presena global e positiva para o pesquisador. Mas isto acontece em situaes pequenas e simples. O conceito de estrutura traz alguns problemas de conceituao. Alguns a entendem como algo imvel e fechado. No entanto, a estrutura a sincronia (a descrio como um todo) que rene as vrias diacronias (os vrios relatos paralelos). A estrutura modifica-se quando os esquemas subjacentes que a sustentam so alterados. Em outras palavras, a estabilidade que permite a identificao de um conjunto sincrnico de um objeto fenomenolgico ou de um real. No entanto, trata-se de uma estabilidade momentnea, pois a estrutura enquanto sistema aberto est sujeita a influncias e a profundas modificaes (ver Eco, 1971). A relao entre as partes regulada por lgicas excludentes e includentes. A compreenso destas lgicas importante para que seja revisto o problema da causalidade, principalmente a idia de uma causalidade linear que sustenta propriedades preditivas. No se nega a existncia de causa e nem de conseqncias. No entanto, o engendramento causal apresenta-se combinado por partes que, embora excludentes, permanecem justapostas para dar sentido uma a outra, ou sobrepostas pelas relaes de incluso. As regras so essenciais para a formao do sentido, isto , para a definio de intencionalidade. As relaes lgicas apresentam-se em diferentes nveis podendo uma lgica de incluso regular uma relao lgica de excluso e vice-versa. As lgicas de incluso (analgicas) e de excluso (binrias) permitem a identificao de regulaes sobrepostas - uma regra lgica controlando outra (ver Watzlawick, Beavin & Jackson, 1967; Wilden, 1980). Na tradio fenomenolgica, esta relao lgica entre partes , justamente, a relao entre pr-conscincia e conscincia, ou seja, entre pr-reflexo e reflexo. Na tradio semitica, a mesma relao aparece na contraposio dos termos significante e significado. O importante entend-los como classes funcionais de uma relao. Assim, uma parte pode vir a ser significante e significado, quando atravs da reverso comunicativa transforma-se de expresso para percepo ou vice-versa. Lembre-se que so estas transformaes que engrandecem as partes (efeito sinrgico) e confirmam a premissa de que a soma das partes maior que o todo. O modelo da fenomenologia semitica caracteriza-se por sua preocupao em decifrar, compreender e esclarecer o real, a situao emprica que se constitui em objeto de estudo. Concentra-se em um movimento de investigao que parte do real (mundo vivido, sujeito corpreo e situado) para voltar ao real (recolocar, ressituar). O uso do termo decifrar est claramente contextualizado na funo mediadora da linguagem. Decifra-se um cdigo organizado, tornando-o inteligvel pelo sistema ao qual pertence. Na tradio semitica, este deciframento constitui-se, tambm, de trs movimentos que definem nveis de relaes entre significante e significado. No primeiro nvel, tem-se uma relao unitria entre os dois elementos constituindo um signo. A unidade pode ser real ou aparente. No segundo nvel, distingue-se uma separao entre os dois, mas continua existindo a relao de um para um. Barthes (1964) chamou esta relao de denotao ou metalinguagem. No terceiro nvel, o significante unitrio em sua aplicao, no sendo clara sua relao com o significado, se que existe alguma. Barthes (1964) a chamou de conotao. No entanto, Lanigan (1988) inverteu o esquema de Barthes: a conotao passou para o primeiro nvel como pontuao da expresso, a metalinguagem permaneceu no segundo como pontuao da percepo e o real foi para o terceiro como pontuao do sentido (interpretao). Toda esta tarefa de explorao dos protocolos para a redao de uma descrio a chamada reduo. A descrio j , funcionalmente, uma interpretao, mesmo que seu objetivo seja o de desvelar o real. Neste jogo de relaes os protocolos das entrevistas funcionam como uma descrio bruta. Em suma, entende-se que a lgica da experincia consciente funciona como uma Gestalt radical, isto , a apreenso de um determinado todo; e tambm como uma semiologia radical, isto , um sistema de linguagem organizado em cdigos atravs de determinadas regras lgicas de excluso e incluso. Quais as implicaes desta maneira de se estudar a experincia consciente na teoria, pesquisa e aplicao em psicologia? Um aspecto crucial do mtodo sua veracidade e legitimidade. A aceitao do mtodo qualitativo em psicologia hoje uma realidade. No Brasil, no seria exagero afirmar, que o mtodo qualitativo o modelo dominante de pesquisa. Mesmo pesquisadores envolvidos com medidas preocupam-se, atualmente, com o desenvolvimento de estatsticas qualitativas. Um exemplo a anlise de correspondncia (Fachel, Leal, Victora, Freitag, Jardim & Saraiva, 1992). No entanto, a veracidade destas investigaes (validade) ainda um grande desafio para pesquisadores qualitativos. A questo que se coloca a seguinte: como satisfazer plenamente a exigncia por evidncia na comunicao de pesquisas fenomenolgicas? Para responder pergunta, importante demarcar duas de suas fases: a descrio e a interpretao. Lembre-se que o mtodo fenomenolgico trabalha com trs passos e que cada passo inclui os trs. Assim, uma descrio sempre uma reduo e uma interpretao, uma interpretao sempre uma reduo e uma descrio e, finalmente, uma reduo necessariamente uma descrio e uma interpretao. Vamos recapitular, mais uma vez, as etapas do mtodo. Inicialmente, tem-se os dados brutos constitudos pelos protocolos de entrevista. Neste momento, este conjunto de protocolos funciona como uma descrio bruta. A tarefa de questionamento destes protocolos e a organizao deste material em unidades compreensivas , ento, a reduo. A redao de um texto final descrevendo, por exemplo, "A famlia e suas transformaes na sucesso geracional" a interpretao. Convm recorrer novamente s reverses para clarificar o argumento. Foi dito que a descrio uma interpretao e a interpretao uma descrio. No entanto, sabe-se que reverses podem tambm confundir em vez de elucidar. Ento, o que o trocadilho quer dizer? A redao da descrio, primeira etapa do mtodo, composta da reduo e da interpretao porque envolveu necessariamente escolhas do pesquisador. Mas como justificar que as escolhas realizadas faam justia ao objeto? Ao voltar de uma viagem de estudos da Europa em 1969, Amedeo Giorgi (Smith, 1983) estava muito impressionado por no ter encontrado nenhum pesquisador em psicologia trabalhando com o mtodo fenomenolgico. Sendo assim, dirigiu seus esforos para a divulgao do mtodo, incluindo tambm sua proposta de torn-lo mais funcional. Como sempre acontece nestas ocasies, os resultados dividiram-se em positivos e negativos. Do ponto de vista positivo, havia agora um bom modelo para a realizao da pesquisa. Do ponto de vista negativo, o esforo didtico de Giorgi, em mostrar como se definia unidades de sentido, foi entendido por muitos como uma forma conclusiva de demonstrao de evidncia e de resultado. No fim, os resultados obtidos no passavam de descries do objeto de estudo. As etapas redutivas ficavam restritas s demarcaes de unidades de sentido. Atendia-se exigncia de evidncia demonstrando como foram demarcadas as unidades nos protocolos de entrevistas. Reconhece-se nesta assimilao um importante avano na prtica de uma cincia humana rigorosa. Contudo, no se pode perder de vista que o mtodo um meio e no um fim. Pode ser um fim, quando o objetivo da pesquisa melhorar o mtodo. Todavia, convm lembrar que uma boa pesquisa contribui sempre para o problema em estudo e para o mtodo que lhe serviu de acesso ao objeto. O esforo de Giorgi trouxe disciplina aos pesquisadores qualitativos e proporcionou uma sistemtica transparente de trabalho. uma forma de indicar e contextualizar as escolhas do pesquisador. De outro lado, as dissertaes e teses que utilizavam mtodos qualitativos caracterizavam-se pela prolixidade. Eram volumes de quase mil pginas. Ainda comum encontrar pesquisadores qualitativos completamente submersos em seus protocolos e descries procura de uma frmula eficiente que facilite a preparao de relatrios, comunicaes e artigos. Em contraste, a realidade do mundo contemporneo exige uma funcionalidade temporal que no pode ser reduzida simplificao espacial da comunicaco. Os congressos restringem o tempo da apresentao de um trabalho em vinte minutos ou os circunscrevem a um determinado espao para a visualizao de um pster. As revistas tambm restringem o nmero de pginas dos manuscritos. As limitaes operacionais de forma, acima apresentadas, aliam-se limitaes conceituais de substncia. Assim, pergunta-se: que explanao (descrio de resultados) necessria para se justificar uma explicao (justificao de interpretao)? Por isso, os pesquisadores apresentam sua compreenso do material recolhido em uma sntese descritiva. A sntese obtida ser a seguir debatida atravs de redues analticas. O confronto entre sntese e anlise resultar em uma interpretao crtica. Note-se que a descrio oferecida pelo pesquisador como sntese de sua compreenso do objeto de estudo apenas o fim da primeira etapa do mtodo e no a sua concluso. Em princpio, a pesquisa entendida como um recorte de comeo e fim arbitrrio. sempre um artefato ou mentefato incompleto. No entanto, esta primeira descrio a base da anlise que ser totalmente descoberta ao leitor. Na preparao da descrio haver um cuidado rigoroso com a evidncia. Frases esclarecedoras serviro de apoio a cada fase da narrativa. Palavras extradas dos protocolos serviro como metforas que definem novos sentidos. Cada escolha estar devidamente justificada. O produto final ser uma descrio consistente e factvel. Permitir o reencontro do leitor com uma situao vivida ou de apresentao a uma situao desconhecida. Todo o trabalho de tabulao qualitativa estar disposio dos estudiosos, mas no estar anexado tese ou ao artigo. Alis, o mesmo acontece com qualquer modalidade de pesquisa, de acordo com suas caractersticas. Em algumas reas, partes importantes de tcnicas e materiais so guardadas em sigilo e s so reveladas mediante pagamentos de direitos autorais. Felizmente, este no o caso da pesquisa qualitativa. De qualquer forma, ressalte-se que, com a descrio, o pesquisador revela sua conscincia da experincia e nos convida para segui-lo na tarefa de transform-la (reduzi-la) em conscincia da conscincia. O prximo passo a explorao e especificao desta descrio e a esto as tarefas de reduo. Por fim, a interpretao do pesquisador aparece no exerccio do seu estatuto existencial, como queria Heidegger; colocando em ao os seus poderes cognitivos, conativos e afetivos, como queria Husserl; para recolocar o sujeito no mundo, como queria Merleau-Ponty. Lanigan e Giorgi entram em cena como instrumentadores. O papel dos pares, nesta tradio de pesquisa, questionar a consistncia factvel da descrio, dos procedimentos redutivos de explorao e de especificao da descrio, com a pertinncia da interpretao. tambm o contexto no qual interpretaes alternativas so sempre possveis e desejveis. Este o campo de validao da pesquisa qualitativa. Tecnicamente, tomar a conscincia da conscincia do pesquisador (interpretao) enquanto pr-conscincia para uma nova investigao. Concluso Ao final desta exposio pode-se perguntar se este modo de definir e estudar conscincia atravs de entrevistas, observaes e documentos de outros tipos como por exemplo protocolos com transcries de entrevistas, realmente uma maneira de estudar conscincia. No seria, quem sabe, um modo de se estudar o fato de estar consciente? A preocupao geral do texto foi apresentar tanto uma explanao, no sentido de reconstituio ou descrio de uma experincia ou experimento, quanto uma explicao de sua tradio e implicao terica. Numa tradio de psicologia como cincia humana (Giorgi, 1970), as diversas capacidades que constituem o aparato cognitivo (sensao, percepo, ateno, conscincia, memria, inteligncia) so sempre consideradas em sua totalidade enquanto contextualizao e especificao de sentido. Ressalte-se que no h nesta atitude uma oposio ao estudo especfico destas capacidades na perspectiva de cincia natural, em suas consideraes probabilsticas de causa e efeito. Giorgi (1970, p.155-61) resume com muita elegncia o que conscincia para um pesquisador na tradio fenomenolgica. Inicialmente ele adverte que esta capacidade deve ser considerada sempre associada aos conceitos de intencionalidade, sentido e existncia. O termo intencionalidade, diz Giorgi (1970, p.156) citando Husserl (1931/1960, p.33), "refere-se ao fato de que toda conscincia conscincia de alguma coisa que no a conscincia em si mesma." A seguir, citando Gurwitsch (1957/1966, p.124), Giorgi (1970, p.156) indica que "experienciando um ato, o sujeito est ciente de um objeto, assim que o ato pode ser caracterizado como conscincia do objeto se real ou ideal, se existente ou imaginrio." Com Merleau-Ponty (1945/1971) Giorgi define o termo conscincia referindo-se no somente a uma relao cognitiva de sujeito e objeto mas a uma relao existencial do sujeito com o seu mundo. Essa reconsiderao do termo traz uma importante implicao para a psicologia pois o termo comportamento redefinido como significando existncia. Por existncia entende-se o modo como algum com maior ou menor clareza orienta-se ou se posiciona em relao ao seu mundo, ao seu modo de ser (sentido). Engelmann (1997) em seus estudos sobre conscincia distingue duas concepes diferentes na apreenso emprica do observador: de um lado uma conscincia-imediata e de outro uma conscincia-mediata, sendo a primeira definida como epistmica e a segunda como psicolgica. Nossa maneira de estudar a conscincia situa-se exatamente na rea de confronto e de transformao entre uma conscincia e outra. Assim, de um lado estuda-se a minha conscincia da conscincia de outros (os meus entrevistados), do outro lado preocupa-se com o rigor dos modos em que ocorrem estas transformaes. A natureza dos nossos estudos indicam, primordialmente, possibilidades de ocorrncias. Contudo, nada impede que estas possibilidades uma vez tipificadas possam ser objeto de testes probabilsticos. Mesmo estudando a conscincia do outro, no rigor do estudo da minha prpria conscincia, em seus atos e objetos - a conscincia do outro enquanto conscincia para mim - que se reconhece na episteme um modo de renovar e avanar a psicologia e na psicologia um modo de analisar e criticar a episteme. isto o que entendemos (eu e meus colaboradores) por rigor cientfico e por fenomenologia das cincias humanas. este o sentido dos nossos estudos sobre experincia consciente atravs de entrevistas. GOMES. W.B. The Phenomenological Interview and the Study of Concious Experience. Psicologia USP, So Paulo, v.8, n.2, p.305-336, 1997. Abstract: A way of studying conscious experience is by using interview. There are several manners of interviewing a person. One possibility is through out a flexible series of preestablished questions opened to the different reactions from the respondent. The interviews are taped recorded, transcribed and studied in a systemic and systematic way, by the three phenomenological steps: description, reduction and interpretation. The interview is used to obtain the respondent's conscious experience. The phenomenological steps are used to study the researcher's conscious experience of the recollected material from the interviews. In a semiotic phenomenological tradition, the conscious experience is understood in association with the concepts of intentionality, meaning and existence. So, conscious experience is considered in conjunction with its cognitive, affective and conative apparatus. Our researches focalize on the transformation from an epistemological consciousness to a psychological consciousness and its reverse. The interview has been a proficuous instrument for this end. Index terms: Consciousness. Experiences. Interviews. Phenomenology. Phenomenological psychology. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BARTHES, R. lments de smiologie. 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