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PermalinkPsicologia USPPrintversionISSN 0103-6564Psicol. USPvol.
8n. 2So Paulo1997http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65641997000200015
A ENTREVISTA FENOMENOLGICA E O ESTUDO DA EXPERINCIA CONSCIENTE1
William B. GomesInstituto de PsicologiaUniversidade Federal do Rio
Grande do Sul Uma maneira de estudar a experincia consciente atravs
de entrevistas. H muitos modos de se entrevistar uma pessoa. Uma
possibilidade atravs de um roteiro flexvel e aberto aos diferentes
modos de reao do entrevistado. As entrevistas so gravadas em
audioteipe, transcritas e estudadas em uma forma sistmica e
sistemtica, atravs de trs passos reflexivos: descrio fenomenolgica,
reduo fenomenolgica e interpretao fenomenolgica. Utiliza-se a
entrevista para captar a experincia consciente dos entrevistados e
os passos reflexivos indicados para estudar a conscincia do
pesquisador do material recolhido em suas entrevistas. Na tradio da
fenomenologia semitica a experincia consciente entendida em sua
associao com os conceitos de intencionalidade, sentido e existncia.
Assim, a experincia consciente considerada em conjuno com seu
aparato cognitivo, afetivo e conativo. Nossas pesquisas focalizam a
transformao de uma conscincia epistmica em uma conscincia
psicolgica e seu reverso. A entrevista tem se mostrado um
instrumento profcuo para este fim. Descritores: Conscincia.
Experincias. Entrevistas. Fenomenologia. Psicologia fenomenolgica.
O modelo de pesquisa que orienta nossas investigaes empricas sobre
a experincia consciente, atravs de entrevistas, fundamenta-se em
duas tradies tericas. A primeira, vem da psicologia fenomenolgica
da Duquesne University em Pittsburgh, Estados Unidos. A segunda,
procede da fenomenologia semitica da comunicao do Departamento de
Speech Communication da Southern Illinois University em Carbondale,
Estados Unidos. Este modelo de pesquisa qualitativa em psicologia
para o estudo da experincia consciente e da conscincia da
experincia, apesar do referencial norte-americano, tem razes
profundas no pensamento europeu (Misiak & Sexton, 1973). A
tradio da psicologia fenomenolgica da Duquesne University tem o seu
incio com o estudo pioneiro de Van Kann (1959). O autor apresentou
uma forma de anlise fenomenolgica para o estudo da experincia de
sentir-se realmente entendido. Esta concepo aplicada de
fenomenologia emprica foi reconhecida por Rogers (1970) como
inovadora e importante para a pesquisa em psicologia humanista.
Posteriormente, o mtodo foi refinado e largamente divulgado por
Amedeo Giorgi e seus colegas Paul Colaizzi, William Fischer,
Constance Fischer e Rolf von Eckartsberg (Giorgi, 1975, 1985; Valle
& King, 1978). A tradio da fenomenologia semitica da Southern
Illinois University tem seu marco inicial nos trabalhos dos
professores de comunicao Tom Pace e Richard Lanigan. O modelo de
pesquisa ganhou sua forma atual a partir do estudo de Lanigan
(1972) sobre a teoria fenomenolgica do filsofo e psiclogo francs
Merleau-Ponty. Enquanto mtodo de pesquisa, a fenomenologia semitica
ou comunicologia uma articulao terica e prtica do pensamento
contemporneo francs. Seu critrio fenomenolgico de anlise um exemplo
da aplicao da lgica ps-positivista em situaes concretas de
pesquisa. Isto , uma articulao produtiva das contribuies tericas da
fenomenologia, semitica, existencialismo, estruturalismo e
ps-estruturalismo. O propsito deste artigo focalizar o uso da
entrevista para o estudo da experincia consciente na abordagem
terica e emprica da fenomenologia semitica. O termo experincia
consciente entendido como tratando-se de uma capacidade e uma
habilidade comunicacional. O texto est organizado em quatro partes,
sendo que cada parte centraliza sua exposio em torno de uma
pergunta. As perguntas so as seguintes: 1) o que experincia
consciente? 2) como ter acesso a esta experincia? 3) quais so os
elementos constitutivos da experincia consciente e como se
interrelacionam? e 4) quais as implicaes desta concepo sobre
experincia consciente na teoria, pesquisa e aplicao em psicologia?
O texto propositadamente escrito em um formato circular.
Apresenta-se um conjunto de conceitos que se ampliam e se
esclarecem no decorrer da leitura. O que experincia consciente? A
experincia , para Kant (1781/1978), o ponto de incio e de validao
do conhecimento. Assim, no possvel conhecer nada que no se ache
dentro da experincia e o conhecimento ser sempre o conhecimento do
mundo da aparncia. A experincia , para Hegel (1810/1992), um
movimento dialtico que conduz a conscincia at si mesma,
explicitando-se a si mesma como objeto prprio. O contedo da
conscincia o real. A mais imediata conscincia de tal contedo a
experincia. A experincia o modo como aparece o sujeito e o objeto
(o Ser para Hegel). Este modo de aparecimento, enquanto processo ou
constituio, a formao da conscincia. A noo de experincia no pode ser
reduzida experincia interior subjetiva, nem experincia exterior
objetiva. Trata-se de uma experincia absoluta, na qual o interior e
o exterior apresentam-se imbricados um no outro. A experincia
consciente foi o foco de ateno das primeiras proposies tericas da
psicologia dos fins do sculo XIX. Wundt escolheu a experincia da
conscincia imediata como objeto de sua psicologia experimental.
Brentano destacou a experincia da direcionalidade da conscincia
(intencionalidade) para os objetos e a experincia passou a ser
entendida como a expressividade da conscincia. Dilthey ressaltou a
unidade entre conscincia e experincia. Para ele, o que constitui a
mente a coisa percebida (ver Wolman, 1960/1970). O estudo da
experincia consciente foi, tambm, o foco central da teoria de
Husserl (1907/1986). Para tanto, apresentou o mtodo fenomenolgico
como uma tcnica para a interrogao da experincia consciente atravs
da descrio do seu contedo. Seu objetivo era clarificar a articulao
entre o real, a experincia e a conscincia. O mtodo fenomenolgico
possibilitaria a separao dos preconceitos, ou seja, toda a histria
significada das memrias, juzos, valores, desejos e imaginaes. A
preocupao com a experincia consciente no estava restrita aos
psiclogos e filsofos europeus. Nos Estados Unidos, tanto James
quanto Dewey insistiram na importncia da experincia. James
(1892/1984) fez da experincia o fundamento de todo o saber e de
toda a ao. Estar aberto experincia garantiria a ateno constante
realidade. Dewey (1938/1979) descreveu a experincia como uma relao
entre o ser vivo e seu contorno fsico e social. Esta relao, segundo
o autor, designa um mundo autenticamente objetivo, do qual fazem
parte as aes e os sofrimentos dos homens. A experincia sempre
experimental e representa um esforo para mudar o dado e para se
projetar ao desconhecido. Ela traz o senso das conexes e
continuidade. Enfim, concluiu Dewey, a experincia consciente uma
inferncia, uma reflexo inata e constante. Na psicologia, estas
preocupaes seguem nos trabalhos da Psicologia da Gestalt e nas
Psicologias Personalsticas de Spranger, Stern e Allport. Na
psiquiatria, esto presentes nos trabalhos de Jaspers, Binswanger e
Boss. Na filosofia, a encontramos no existencialismo de Heidegger e
de Merleau-Ponty. Foi na filosofia fenomenolgica e existencial que
psiclogos americanos encontraram o ambiente propcio para o retorno
ao estudo da vivncia enquanto experincia consciente (Misiak &
Sexton, 1973). A experincia consciente esclarece-se a partir da
significao dos acontecimentos que a constituem. Os objetos da
conscincia ganham sentido na contextualizao de interligaes que
aparecem organizados em forma de estrutura. Esta estrutura,
enquanto experincia consciente do mundo vivido, uma matriz social e
uma expresso dos construtos mentais (Schtz, 1962); um mundo no qual
a vida cotidiana se desenrola e um lugar onde apresentam-se nossas
metas e objetivos (Gurwitsch, 1957/1966); e contm os entrelaamentos
inextrincveis do eu com o outro e com o mundo (Merleau-Ponty,
1945/1971). A experincia consciente constitui-se e expressa-se
atravs do corpo. O corpo o centro de onde vislumbram-se todas as
perspectivas. a unidade de sntese entre os objetos dados conscincia
e a conscincia destes objetos enquanto experincia (Giorgi, 1970;
Keen, 1975/1979; Lanigan, 1972). A experincia consciente inicia-se,
primeiramente, como uma massa indiferenciada de sensaes. No
entanto, a configurao emergente no pode ser reduzida a uma coleo de
sensaes. Sua aparncia traz um sentido que revela um todo. Este todo
anterior s suas partes mas no um todo ideal. Trata-se de uma
aparncia momentnea que traz em si uma certa coerncia ou que est a
procura desta coerncia em si mesma. Tem um status de verso e, sendo
assim, sempre provisria. Ademais, a experincia consciente
organiza-se por suas prprias leis que so independentes da vontade.
Um exemplo, quando uma dada combinao aparece para mim de um certo
modo e, ao mover-me de um ponto para outro, certifico-me de que a
minha primeira aparncia era enganosa (Lanigan, 1972; Merleau-Ponty,
1945/1971). O modelo da fenomenologia semitica, recentemente tambm
chamado de comunicologia (Lanigan, 1992), define conscincia como um
movimento sinrgico na reverso entre percepo e expresso. A reverso
mostra-se tanto na similitude (identidade) da percepo e da expresso
do prprio sujeito que percebe sua expresso e expressa sua percepo,
quanto na alteridade da expresso e da percepo na relao com um outro
indivduo. Esta circularidade, entre a similitude da percepo e
expresso de si mesmo e entre a alteridade da expresso e da percepo
com o outro, explicita tanto a subjetividade quanto a objetividade.
Explicita a subjetividade de um indivduo cuja experincia
intrapessoal do silncio e do pensamento cria sua percepo de si
mesmo e cuja experincia de usar algum sistema de linguagem cria a
expresso de sua privacidade. Por contraste, explicita a
objetividade da experincia mtua de duas ou mais pessoas que atravs
de algum tipo de linguagem comum transformam, por conseguinte, a
prpria percepo e a prpria expresso. A circularidade entre percepo e
expresso produz o sentido da conscincia imediata e de toda a
atividade da conscincia (conscincia mediata), enquanto uma unidade
na qual se organiza os processos cognitivos, afetivos e conativos.
A definio acima ao mesmo tempo abrangente e especfica. Sua
abrangncia est na preocupao em estudar as atividades da conscincia
no contexto global de sua formao biolgica e funcional, e no
desenvolvimento de suas atividades e caractersticas epistemolgicas
(gnese do conhecimento) e psicolgicas (estruturao, organizao,
valorao, simbolizao e memorizao de um conhecimento em forma de
crenas, opinies, afetos, dvidas, juzos, imaginaes e desejos). Sua
especificidade e vis est na escolha dos processos comunicativos
como mediadores de uma estrutura evolutiva de tradio funcionalista
(lembre-se dos radicais bsicos de teorias funcionalistas:
organismo, interao/adaptao e ambiente) com uma estrutura simblica
das tradies compreensivas e hermenuticas (lembre-se dos radicais
bsicos de teorias compreensivas e hermenuticas: organismo,
linguagem e sentido). A abordagem traz para a psicologia uma
perspectiva que combina a tradio terica da fenomenologia com a
tradio terica da semitica. O vis de escolha provoca, algumas vezes,
dificuldades com interlocutores em psicologia. Interpreta-se que
estas dificuldades decorram da predominncia em psicologia de
microcontextos tericos com preocupaes rigidamente demarcadas e
especficas, ou mesmo da grande diversidade terica da disciplina.
Microteorias contribuem para o esclarecimento de partes bem
delimitadas de um determinado campo de conhecimento. No entanto,
essas teorias perdem freqentemente a dimenso do seu prprio foco no
espao global da disciplina. Um exemplo a tradio das reas de
pesquisa em psicologia experimental (sensao, percepo, conscincia,
memria, e aprendizagem; ver Marx & Hillix, 1979). Macroteorias,
embora desejveis, parecem no se mostrar factveis diante do enorme
crescimento da cincia. Tentativas fracassadas, neste sentido, foram
as teorias de personalidade. Felizmente, a converso de microteorias
em macroteorias, uma prtica muito comum em psicologia, como por
exemplo o behaviorismo e a psicanlise, mesmo reconhecidas como
esforos brilhantes e geniais, esto hoje em declnio (Mahoney, 1993).
Por outro lado, espera-se dos pesquisadores em psicologia o
desenvolvimento de tcnicas eficazes para as mais variadas aplicaes.
As contribuies de estudos tericos e experimentais so fundamentais
para este avano tcnico da psicologia, desde que acompanhadas de
cuidadosa anlise do que se toma por pressuposio de uma substncia ou
realidade e do que factvel de descrio sobre uma substncia ou
realidade. A escolha das tradies fenomenolgica e semitica como
orientao de abordagem identifica seu vnculo com as psicologias
compreensivas e hermenuticas. Exemplos de teorias que de alguma
forma se vinculam esta tradio foram indicadas, analisadas e
criticadas por Figueiredo (1989). Numa perspectiva compreensiva e
hermenutica a conscincia (premissa ontolgica - modo de entendimento
de uma substncia ou realidade) se d a conhecer atravs de sinais na
forma de gesto e fala (fronteiras descritivas de uma substncia ou
realidade). Tal reconhecimento, do ponto de vista de sua extenso,
satisfaz as exigncias do princpio do empirismo (Greimas &
Courts, 1979). Por outro lado, gestos e falas esto organizados em
sistemas de cdigos e do ponto de vista da compreenso so tomados em
sua totalidade. Gestos e falas revelam a corporeidade de uma
conscincia situada enquanto constituio de uma mensagem. sempre uma
relao entre um remetente e um destinatrio, mesmo que seja uma relao
entre o modo de conhecer (epistmico) e o modo de reconhecer e
valorar (psicolgico). Em outras palavras, a relao entre um eu que
fala e um outro que ouve, entre um eu que se mostra em gestos e um
outro que v um movimento, ou mesmo entre um eu e os seus
pensamentos. A conscincia o organismo (corpo) e enquanto tal est
sempre em um ambiente (mundo). Temos assim, no discurso do gesto e
da fala, uma evidncia emprica que o objeto de estudo da semitica e,
na tarefa de compreenso deste discurso, temos um mtodo que a
fenomenologia (Lanigan, 1997). O foco desta abordagem para a
conscincia a diferenciao da significao de um objeto (experincia)
enquanto presentao e representao (Husserl, 1907/1986). Podemos
avanar um pouco mais no esclarecimento da definio de conscincia
apresentada acima com a definio dos seus termos: percepo e
expresso. O aperfeioamento evolutivo da conscincia (Salzano, 1995)
encontra, nos seres humanos, o seu ponto mais elevado. Enquanto
potncia, a conscincia desenvolve-se e diferencia-se entre o
epistmico e o psicolgico para o exerccio de sua capacidade
perceptiva e expressiva. A percepo, enquanto conscincia imediata,
deve ser diferenciada de suas bases sensitivas, sem as quais no
existiria, e de seus recursos de memria, sem os quais no teria como
interpretar a massa sensorial informativa. neste sentido que
Merleau-Ponty (1945/1971) diz que a percepo no nem sensao e nem
intelecto. A percepo o objeto unitrio da conscincia imediata e
tambm a experincia imediata deste objeto. Por sua vez, a expresso
todo e qualquer movimento de um corpo que pode ser observado ou
experienciado. Numa perspectiva comunicacional, este movimento
mostra-se em gestos que organizados em algum sistema de cdigos
constituem mensagens passveis de decodificao e interpretao por um
outro, sendo este um outro que observa ou o mesmo que produz e
experiencia os gestos. O termo experienciar fundamental para a
abordagem comunicacional da conscincia. usado no sentido ingls de
to experience e quer dizer experimentar ou como aparece em Lalande
(1996, p.367)" fazer a experincia de um sentimento, de uma situao."
Por exemplo, a experincia de estar escrevendo um texto e modificar
este mesmo texto enquanto escreve ilustra a relao entre percepo e
expresso. Percepo o objeto da conscincia e o ato da experincia.
Expresso a contextualizao da percepo. esta a dinamicidade da
conscincia imediata e de suas relaes com a conscincia mediata, este
movimento permanente de transformao de seus objetos que interessa
abordagem comunicacional. O termo reverso aponta para a relao
dinmica na qual o objeto de expresso transforma-se imediatamente em
objeto de percepo e vice-versa. O movimento de reverso sinrgico
porque, cada reverso, ele refina e amplia o objeto percebido. Dois
exemplos podem ajudar a esclarecer o que esta reverso sinrgica, ou
esta ampliao focal do objeto da conscincia. Imagine-se a percepo de
um objeto a uma certa distncia. A seguir, imagine-se que se est
movimentando na direo deste objeto. Ora, a medida que se vai
aproximando do objeto vai tambm se definindo mais precisamente
quais so as formas deste objeto. Pode-se, ainda, procurar outros
ngulos de observao (expresso) e pode-se refinar ainda mais a
percepo global deste objeto. A percepo , portanto, este ato de
experincia em transformao pelo movimento expressivo da minha
aproximao do objeto. Outro exemplo, quando eu uso os dedos da minha
mo direita para pressionar o dedo indicador da minha mo esquerda.
Quem pressiona e quem pressionado? Quem se sente pressionando e
quem se sente sendo pressionado? Dependendo do foco de ateno ou da
intencionalidade (direo) da conscincia eu posso ora me sentir o
dedo indicador da mo esquerda sendo pressionado pelos dedos da mo
direita ou ora me sentir os dedos da mo direita pressionando o dedo
indicador da mo esquerda. Este ltimo exemplo ilustra muito
concretamente o que esta reverso entre pressionar (expresso) e
pressionado (percepo) ou o inverso. Ilustra tambm a relao reversiva
entre sujeito e objeto. A seguir a definio faz um importante
contraste entre dois aspectos fundamentais da relao reversiva entre
percepo e expresso. Primeiro, informa que esta relao reversiva
ocorre entre minha percepo e expresso, da a noo de similitude no
sentido de pertencer a um mesmo sujeito, ainda que em movimento ou
mudana. Segundo, indica que a reverso tambm ocorre na relao entre o
eu e o outro, da a noo de alteridade, sem qual o desenvolvimento da
minha prpria identidade seria muito limitado, se que seria possvel.
O modelo pressupe uma conscincia: 1) que um ato afirmativo de uma
vida psicolgica - isto , a operao integrada das funes cognitivas e
conativas; 2) que o desenvolvimento de uma identidade psicolgica,
isto , a funo integralizadora de um sentido de si mesmo que
permanece nas lembranas de minha memria, nas atividades do meu
pensamento e nas projees e expectativas do meu futuro; e 3) que um
agente de uma comunicao continuada e crtica das condies externas e
internas que parecem constituir, a cada momento, o sentido de quem
eu sou, de onde estou, do que fao agora, para qu, como estou e
assim por diante (Lanigan, 1992). Importa para a comunicologia que
a capacidade de ter conscincia, constitudo, validado e confirmado
pela realizao de um outro fenmeno que a conscincia de ter esta
capacidade. Em contraste, a habilidade de mostrar-se consciente
constitudo, validado e confirmado pela atualizao de um outro
fenmeno que so os meios atravs dos quais eu indico que estou
consciente. Note o uso dos termos realizao e atualizao. Realizao
refere-se ao fenmeno da conscincia como capacitao ou
potencialidade, isto , conscincia da experincia como o processo de
juno de sujeito (conscincia) e objeto (experincia) enquanto
julgamento. Atualizao refere-se ao fenmeno da conscincia como
habilidade, isto , experincia da conscincia, tambm o processo de
juno de sujeito (conscincia) e objeto (experincia), enquanto
atividade. As implicaes destas noes para o estudo cientfico da
conscincia sero examinadas posteriormente. Exemplos do estudo da
experincia consciente, nesta abordagem, aparecem nas seguintes
pesquisas (Gomes, no prelo): 1) a experincia consciente do
alcoolista que est em busca de uma reabilitao, 2) a experincia
consciente de jovens adolescentes que se deparam com a bebida
alcolica e seus efeitos, 3) a experincia consciente de adolescentes
portadores de doenas orgnicas crnicas, 4) a experincia consciente
de mes de trs geraes sobre suas preocupaes com a vida familiar e
com a educao dos filhos, e 5) a experincia consciente de jovens que
esto diante da escolha de uma profisso. Como ter acesso experincia
consciente? Propostas de acesso experincia consciente variaram
bastante ao longo dos tempos. Kant (1781/1978) acreditou que o
exame das condies a priori da possibilidade da experincia
determinavam o modo de formular juzos universais e necessrios sobre
a realidade (como aparncia). Desta forma, poderiam ser formulados
juzos empricos e vlidos. Hegel (1810/1992) entendeu que o
conhecimento requeria uma dialtica e no uma reduo do sujeito e do
objeto. O mtodo dialtico voltava-se para a evoluo interna dos
conceitos segundo o modelo tese-anttese-sntese. Neste exerccio, a
reflexo desenvolvia-se progressivamente atravs da superao de
contradies do sujeito e do objeto, prevalecendo a verdade como uma
Idia Absoluta. Wundt achou que poderia estudar a experincia
consciente atravs de mtodos tomados por emprstimo das cincias
naturais. Brentano e Dilthey sugeriram que o mtodo deveria ser
descritivo, compreensivo e argumentativo. No entanto foi Husserl,
com a proposta do mtodo fenomenolgico, quem estabeleceu os trs
passos reflexivos para o estudo da experincia consciente (Giorgi,
1970; Ihde, 1979; Kockelmans, 1967). A breve exposio do mtodo
fenomenolgico que ser apresentado a seguir baseia-se em Kockelmans
(1967) e em Husserl (1907/1986; 1913/1992). O primeiro passo do
mtodo fenomenolgico de Husserl sugere a descrio do objeto da
experincia como se tratasse de um primeiro encontro. Esse primeiro
passo conhecido como epoch, o tradicional pr em suspenso ou entre
parnteses. O objeto deve ser descrito como se o descritor no
soubesse absolutamente nada a seu respeito, deixando de lado suas
preferncias, memrias sugeridas pelo objeto em descrio, desejos,
imaginaes e valores. Tambm no estaria preocupado em descobrir as
causas do objeto ou as justificativas de sua existncia. Uma boa
maneira de entender e de realizar esta tarefa imaginar que se est
descrevendo um quadro para um amigo distante, atravs de uma carta.
O narrador ter o cuidado de no deixar o seu senso esttico
interferir na descrio do quadro. No cabe a ele concentrar-se no que
gostou e abandonar o que no gostou. Sua descrio deve ser fidedigna
o suficiente para que o leitor sinta-se em condies de fazer o seu
prprio julgamento. Este passo deixa a impresso de que a efetivao da
tcnica impossvel. O questionamento vem a seguir. Como poderei
afastar toda a minha histria de vida que mascara subjacente e
sutilmente a minha experincia consciente? Vamos adiante na exposio
do mtodo e, posteriormente, voltaremos a esta questo. Concluda a
descrio, passa-se ao segundo passo, que a explorao ou investigao do
material descrito. Uma boa maneira de conduzir esta fase atravs de
perguntas descrio, de modo a explor-la exaustivamente. Ao esgotar
as perguntas possveis, o pesquisador verifica que partes
identificadas na descrio podem ser retiradas sem comprometer a
estrutura ou essncia do objeto. Por estrutura, entende-se o
conjunto mnimo de informao que continue garantindo a permanncia da
identificao do objeto. A resposta definir o que essencial
identificao do objeto. Conclui-se o segundo passo com a preparao de
uma nova descrio. Esta segunda descrio mostra a nova conscincia do
objeto da experincia. O objeto est definido, as partes
identificadas e as distines entre o essencial e o no-essencial
indicadas. No terceiro passo revela-se o direcionamento da
conscincia para aquele determinado objeto da experincia. Este
direcionamento, que o mesmo que inteno, ento o sentido que aquele
objeto assume para a conscincia. Na teoria de Husserl, chega-se a
este sentido atravs das vrias modalidades dos processos mentais.
Estes processos so conhecidos como afeio (eu sinto), conao (eu
julgo) e cognio (eu penso). Na verdade, Husserl procurava neste
ltimo passo do seu mtodo um eu submerso na experincia. Assim, a
investigao chega ao fim com a descoberta da intencionalidade do
outro. Em outras palavras, a descrio final do objeto da experincia
seria a conscincia do pesquisador (eu) da intencionalidade do
pesquisado (outro). O que possibilita a experincia de acesso
conscincia do outro (alteridade) a intersubjetividade - uma
subjetividade comum a duas ou mais pessoas. A fenomenologia
existencial de Merleau-Ponty (1945/1971) preservou os trs passos do
mtodo fenomenolgico de Husserl. Contudo, Merleau-Ponty toma como
ponto de partida o lugar que Husserl definiu como ponto de chegada.
Na fenomenologia existencial, a primeira preocupao a descoberta da
intencionalidade, ou a descoberta do sentido do objeto da
experincia para a conscincia. Husserl desenvolveu os trs passos do
seu mtodo para conhecer a intencionalidade do outro. Merleau-Ponty,
ao contrrio, parte da procura pela intencionalidade do outro para
recoloc-lo no mundo. uma importante virada no campo terico. Husserl
deixou-se prender pela idealidade de um ego-transcendental, isto ,
de um eu que existisse por definio, aprioristicamente. J
Merleau-Ponty estava procura de um eu que existisse no mundo. A
transformao de fenomenologia transcendental em fenomenologia
existencial traz importantes implicaes para a cincia psicolgica.
Vamos entender melhor as diferenas entre estas duas fenomenologias
estudando cuidadosamente os trs passos da fenomenologia existencial
de Merleau-Ponty. O primeiro passo da fenomenologia existencial
descreve o mundo como vivido pelo sujeito, isto , sua experincia
consciente. Este mundo vivido preexiste a qualquer anlise que se
possa fazer dele. Est a para ser conhecido como , sem necessidade
de maiores explicaes ou justificativas. A descrio concentra-se,
portanto, numa determinada realidade como vivida por algum e faz
desta vivncia seu objeto de estudo. A tarefa de descrever desvenda
progressivamente a postura de um sujeito em relao ao mundo em que
vive, revelando um modo de existir. O resultado a definio de um
sentido, de uma perspectiva, enfim, de uma intencionalidade. O
segundo passo do mtodo de Merleau-Ponty correlaciona-se com o
primeiro passo do mtodo de Husserl. Toma-se a descrio de um certo
todo, que a experincia de uma realidade ou mundo vivido por algum,
e procura-se entend-la em si mesma. Novamente, todo o cuidado
volta-se para afastar as interferncias dos afetos, conaes e
cognies. Os resultados so semelhantes ao primeiro passo de Husserl.
Define-se as partes desta experincia e distingue-se o essencial do
no-essencial. Usa-se, para tanto, o critrio do conceito de
estrutura. O terceiro passo do mtodo de Merleau-Ponty ultrapassa o
mtodo fenomenolgico de Husserl. No se limita definio de um sentido
ou intencionalidade, pois especifica um determinado modo de ser e
de relacionar-se com o mundo. interessante notar que a
fenomenologia existencial entende a experincia consciente como uma
viso de mundo, que traz um corpo-sujeito com capacidade de ao.
Veja-se a potencialidade teraputica do mtodo. No se trata de uma
descrio passiva das situaes vividas mas de uma descrio para
entender melhor determinadas situaes, algumas vezes crticas. O
objetivo modific-las pela base, alterando a realidade de um mundo
que se apresenta como contexto forado de uma experincia. Por
exemplo, um modo de existir determinado por uma doena orgnica
crnica. A fenomenologia semitica de Lanigan pode ser definida como
uma articulao e incorporao de desenvolvimentos tericos posteriores
aos trs passos bsicos da fenomenologia existencial de
Merleau-Ponty. um refinamento das possibilidades pragmticas do
mtodo e de sua transformao em um veculo de ao. A experincia
consciente continua sendo o objeto de investigao. No entanto, a
fenomenologia semitica faz a seguinte pergunta: Como estes objetos
da experincia apresentam-se conscincia e como a conscincia os
expressa na experincia? O jogo conceitual entre experincia e
conscincia no um efeito de retrica, por exemplo, um trocadilho de
palavras por efeito esttico ou sonoro. Aponta para a circularidade
de um objeto entre experincia e conscincia, um objeto que ora
experincia, ora conscincia e reversivamente. A pergunta que se quer
responder neste tpico a seguinte: como se pode ter acesso
experincia consciente? A fenomenologia semitica contribui para a
soluo deste problema redefinindo a relao entre experincia e
conscincia. Para esta teoria, os objetos da experincia
apresentam-se conscincia em forma de linguagem e em forma de
linguagem especificam-se na experincia. Trata-se de um conceito
amplo incluindo a linguagem plstica, musical, verbal ou gestual. Os
fenomenlogos sempre reconheceram a pertinncia da linguagem para a
fenomenologia (Lanigan, 1988). Husserl viu na linguagem a
corporificao do sentido e a manifestao da vontade. Merleau-Ponty
definiu a linguagem como a mediao entre a experincia e a conscincia
(ver Merleau-Ponty, 1960/1984). A contribuio da semitica, uma
cincia que estuda os signos ou sinais no sistema que os constitui ,
portanto, de melhor esclarecer o conceito de estrutura da
experincia. Nestes termos, a experincia consciente passa a ser
entendida como um sistema significativo de expresso no discurso e
na ao. A fenomenologia semitica preserva os trs passos de acesso
experincia consciente. A descrio continua sendo a atividade
metodolgica bsica, mas entende-se que a atividade descritiva da
experincia consciente um contedo organizado em uma certa estrutura
de linguagem (fala, sons, pinturas, imagens, etc.). A estrutura o
sistema que d sentido ao contedo. Nesta nova orientao, o trabalho
de reduo a investigao das diversas partes do sistema para descobrir
o sentido da estrutura em si. J o trabalho da interpretao
questionar os relacionamentos possveis entre o sistema e suas
partes. Lembre-se que a reduo do sistema s suas partes, cria partes
engrandecidas (sinrgicas). Por isso, visualizam-se novas
possibilidades de relacionamento e ampliam-se as possibilidades de
recolocao do sujeito em seu mundo. Em suma, a fenomenologia
semitica uma expanso da fenomenologia existencial de Merleau-Ponty.
A exposio do desenvolvimento do mtodo fenomenolgico nas mos de
Husserl, Merleau-Ponty e, mais recentemente, Lanigan, facilita a
compreenso de uma determinada possibilidade de acesso experincia
consciente. No entanto, h um outro aspecto importante nesta forma
de acesso que merece ateno. Trata-se da condio relacional entre
sujeito e objeto, uma questo de muito interesse e debate em
psicologia. A conscincia encontra a experincia atravs de um ato
perceptivo e a conscincia transforma-se em experincia atravs de uma
ao expressiva. Assim, a percepo simultaneamente o objeto da
conscincia e a conscincia deste objeto. A expresso a especificao da
percepo dentro de um determinado contexto (estrutura). A
circularidade entre percepo e expresso identifica e atualiza a
intencionalidade, que o sentido que dirige a ao. A linguagem
constitui-se no contexto no qual os atos expressivos delimitam a
percepo e exerce uma funo mediadora entre atos expressivos e
perceptivos. Desta forma, a circularidade entre percepo e expresso
um processo comunicativo intrapessoal e interpessoal. A
fenomenologia semitica redefine a experincia consciente em termos
de um processo comunicativo. tanto uma comunicao do eu consigo
mesmo, quanto a comunicao do eu com o outro. Esta condio
comunicativa permite a aproximao e explorao de uma realidade que
tem como intencionalidade a descoberta de maneiras mais adaptadas e
autnticas de se expressar (existir, funcionar, viver). Uma
linguagem comum entre duas pessoas a base para que acontea qualquer
ato comunicativo. Nesta condio, a conscincia de uma percepo
interpessoal passa a fazer parte da experincia de uma expresso
interpessoal. A comunicao um meio de alimentao e realimentao que
qualifica a percepo atravs dos atos expressivos. Em outras
palavras, estas duas pessoas comunicantes atualizam e clarificam a
conscincia da experincia atravs da correo perceptiva da expresso. A
implicao terica desta reformulao do mtodo fenomenolgico a reafirmao
de sua base emprica. A fenomenologia preocupa-se com a base real
(emprica) da experincia consciente, com a relao entre experincia
(objeto) e conscincia (sujeito). A semitica redefine esta base real
em um sistema de cdigos (sinais e smbolos) e assim especifica um
modo de organizao e de relao entre o que percebido e o que
expresso. Esta relao cria, a cada momento, o sentido (constitudo de
sinais e smbolos) que a experincia consciente. Nestes termos,
pode-se compreender a experincia consciente como um processo
comunicativo que se estabelece na relao reversvel entre um
organismo (a pessoa) e seu ambiente (mundo vivido) (Lanigan, 1988).
A noo de reversibilidade resolve o problema da dicotomia entre
sujeito e objeto, mantm a identificao de classes definindo sujeito
e objeto como pertencentes a classes distintas. No entanto, a
presena correlata e necessria de objeto e sujeito estabelece entre
eles uma relao de simetria. Quer dizer, estas duas classes, embora
distintas, s encontram sentido em sua mutualidade. Note-se,
contudo, que sujeito e objeto so definidos como classes e no como
contedos ou propriedades. A semitica contribuiu com a redefinio
destes contedos ou propriedades em sinais ou smbolos. Estes sinais
e smbolos so partes de um cdigo que se interligam e se esclarecem
atravs do sistema ao qual pertencem. Desta forma, um cdigo que est
como sujeito, pode passar para objeto e assim sucessivamente. Os
lingistas (Barthes, 1964) denominaram estas classes correspondentes
a objeto e sujeito de significante e significado. Significante e
significado, enquanto partes, constituem um todo que chamado de
signo (sentido). Pois bem, percepo e expresso, enquanto partes,
constituem um todo que a experincia consciente (signo). Esta
reverso define o poder atualizador da comunicao, na forma de uma
relao continuada e engrandecida, seja com o ambiente, consigo, ou
com o outro. A experincia consciente um ato comunicativo de um
corpo situado em um determinado ambiente. A mensagem que expressa
traz a peculiaridade de um mundo vivido. O interesse das nossas
investigaes captar esta mensagem, este mundo vivido. neste contexto
que se introduz a entrevista como um convite comunicao. Nosso
interesse no se restringe unicamente vivncia particular de uma
determinada pessoa em um certo ambiente. No se est procura da
subjetividade. Nosso interesse saber como diferentes pessoas
experienciam uma certa condio que comum a elas. A entrevista serve
como veculo de comunicao. A entrevista organizada em torno de um
roteiro direcionado para certos temas mas aberto para ambigidades.
A entrevista explora o mundo vivido do entrevistado, definido como
experincia consciente, e est a procura do sentido que este mundo
vivido tem para o entrevistado. Neste processo, a conscincia do
entrevistador, como expressa no roteiro da entrevista, modifica-se,
amplia-se, atualiza-se na interao com o entrevistado. O movimento
corretivo possvel pela reversibilidade das percepes e expresses do
entrevistador e do entrevistado. O entrevistador deixa-se conduzir
pela expresso do entrevistado e oferece suas percepes, reduzidas na
expresso, para serem especificadas pelo entrevistado. Notem a
mediao da linguagem (verbal e no-verbal) criando momentaneamente
uma mutualidade de experincia entre os dois comunicantes. As
diversas entrevistas realizadas para um determinado projeto, como
por exemplo, "os alcoolistas em busca de reabilitao" levam o
entrevistador a diferentes lugares de onde pode ver uma determinada
experincia de vrias perspectivas. Essa visita a mltiplos lugares
permite uma visualizao clara de uma realidade. Os resultados
permitem um retorno a este mundo real que serviu de base para
muitas experincias e, com a definio de uma conscincia desta
experincia (um novo entendimento), propor modos alternativos de
existncia. H um certo cuidado com a ordenao dos itens do roteiro da
entrevista para facilitar e diferenciar as respostas dos
entrevistados. Inicia-se a entrevista conversando sobre o presente.
Aos poucos desloca-se para acontecimentos passados e a seguir para
os projetos futuros. Durante o dilogo importante diferenciar
sentimentos, conhecimentos, opinies, valores, e experincia. No
final da entrevista, abre-se espao para acrscimos ou comentrios do
entrevistado. Encerrado os comentrios do entrevistado, pede-se as
informaes demogrficas necessrias para a caracterizao do grupo em
estudo. Algumas vezes se faz mais de uma entrevista com um mesmo
informante (Kvale, 1983; Patton, 1990). Entre os entrevistados, h
pessoas sempre prontas para falar e que esto envolvidas em um
processo reflexivo intenso sobre sua condio de vida. Outros
movem-se lentamente e os depoimentos reveladores aparecem no final
da entrevista. Algumas vezes uma segunda entrevista pode ser til
para complementar a primeira e, tambm, trazer elaboraes ricas sobre
o tema em foco. A diversidade dos entrevistados traz variaes de
perspectivas que permitem uma compreenso mais ntida de um mundo
vivido comum. Quais elementos constituem a experincia consciente e
como se interrelacionam? O que se quer com uma pesquisa conhecer
melhor um determinado objeto, no nosso caso, um mundo vivido comum.
Este objeto para ns o objeto da experincia na conscincia. Ficou
claro nas sees precedentes que este objeto sempre contextualizado
em uma simultaneidade de redes significativas associadas. O ato
perceptivo que vai ao encontro do objeto no uma simples apropriao
subjetiva do objeto. Trata-se de um ato reflexivo capaz de combinar
um sujeito que percebe com um objeto que est sendo percebido. A
combinao sujeito/objeto configura uma estrutura estvel que permite
a experincia de objetividade (Merleau-Ponty, 1945/1971). Mesmo
assim, a percepo traz em si uma certa ambigidade a qual limitou, de
alguma forma, o estudo da experincia consciente por mtodos oriundos
das cincias naturais (Giorgi, 1970). Na prtica, tem-se uma situao
ou objeto que existe independente da percepo do pesquisador e que
vivida por um grupo de pessoas. Quando o pesquisador vai ao
encontro destas pessoas para entrevist-las, tem um conhecimento
terico e prtico da realidade em questo. Por exemplo, quando a
pesquisadora Viviane Oliveira (Gomes, no prelo) entrevistou
adolescentes com doena orgnica crnica ela estava no exerccio de seu
papel profissional de psicloga em um hospital. Suas atividades
incluam o acompanhamento e assistncia a pacientes adolescentes. Ela
conhecia a literatura sobre doena orgnica crnica e adolescncia.
Conhecia, tambm, a preocupao e luta dos pais e irmos destes jovens
para encoraj-los e proporcionar-lhes uma vida digna. Enfim,
convivia com os sofrimentos e aspiraes destes pacientes e de suas
famlias. Este conhecimento e experincia foi importante na formulao
de um conjunto de itens, como roteiro possvel de uma entrevista. No
entanto, nossa entrevistadora no era uma doente orgnica crnica. O
seu interesse era ampliar pontos possveis de conscincia (episteme),
neste caso especfico, ouvir e compreender a experincia particular
destes jovens e seus acompanhantes. Sabendo ainda que, neste
primeiro encontro com este modo particular de estar no mundo
(adolescer sendo portador de uma doena orgnica crnica), teria que
pr em dvida sua experincia e seu conhecimento sobre esta situao de
vida. Ademais, esperava posteriormente compreender, atravs da
prtica da reflexo sistemtica e da observao emprica, como se d o
desenvolvimento psicolgico destes jovens e como se pode descobrir
maneiras mais efetivas de ajud-los. As descries viabilizadas atravs
das entrevistas e as impresses do encontro com o entrevistado
formam um objeto de experincia para a conscincia do pesquisador
(notar a conjuno sujeito/objeto). As operaes tcnicas que levam
descrio constituem, na verdade, uma pr-conscincia. A prpria descrio
uma pr-conscincia. As operaes tcnicas so: as entrevistas, as
transcries, as definies de unidades mnimas de sentido, a elaborao
de snteses descritivas de cada entrevista e a definio das grandes
categorias. Esta pr-conscincia apresenta-se como uma Gestalt
radical. um todo engrandecido pela realizao de reflexes sucessivas
em suas partes - os trs passos bsicos do mtodo fenomenolgico
(descrio, reduo, interpretao). Os relatos obtidos junto aos
entrevistados, enquanto dados empricos, transformam-se na condio
existencial da localidade do pesquisador. Na verdade, trata-se de
uma quase localidade pois o pesquisador desloca-se reflexivamente
entre os vrios relatos que so os mundos vividos ou as experincias
conscientes dos entrevistados. O conceito de localidade pode trazer
dificuldades para o entendimento se apresentado em um plano
puramente abstrato. Para entend-lo imagine estar visualizando uma
grande esttua e que para apreci-la melhor procura-se observ-la de
diferentes pontos. Portanto, o termo quase localidade usado para
indicar a possibilidade de movimentar-se em torno da esttua. Neste
movimento, no caso da conscincia um movimento reflexivo, o
pesquisador simultaneamente a base emprica e a base existencial de
sua pesquisa. a base emprica porque a descrio obtida apresenta-se
como objeto de sua reflexo. As informaes oriundas de outros mundos
vividos passam a ser, neste momento, o seu mundo vivencial. A
condio emprica concretiza-se na ao reflexiva do pesquisador sobre
sua experincia consciente das descries obtidas (objeto). Tambm, a
base existencial porque ele quem reflete sobre as descries obtidas
(sujeito). A contribuio da fenomenologia a reflexo sistemtica. A
premissa filosfica de que a conscincia capaz de concentrar-se sobre
si mesma antiga. Um outro modo de definir esta caracterstica da
conscincia dizer que somos capazes de tornar o prprio pensamento em
objeto do pensamento (ver Gendlin, 1962). Lembre-se que a
experincia consciente , primordialmente, um todo, uma Gestalt
radical. No entanto, tambm uma linguagem, uma semiologia radical.
As entrevistas trazem um sujeito com histria e com projetos para
serem realizados em um futuro prximo ou distante. Nesta entrevista
o sujeito menciona episdios que ilustram vrios momentos de sua vida
social e privada, e fala de suas imaginaes, fantasias, medos e
sucessos. A descrio sistmica e sistemtica das entrevistas
organiza-se a partir de uma histria principal que amarra a
narrativa, de histrias paralelas que sugerem contrastes e ainda de
outros entendimentos possveis. Na verdade, uma composio de vrias
histrias. Ao iniciar a preparao da descrio, o pesquisador depara-se
com vrias perguntas. Qual o melhor modo de apresentar a descrio? O
que tomar como principal? O que fazer com histrias paralelas? O que
fazer com aqueles dados que aparecem apenas sugerindo sentidos ou
indicando ausncias? Como provar aos outros pesquisadores que a
descrio apresentada mantm sua relao de correspondncia com o que foi
relatado nas entrevistas? Como satisfazer as exigncias de provas
fatuais da cincia e no sufocar o leitor com textos longos e
cansativos? Como administrar o desejo de levar para o texto final
todas aquelas frases elucidativas, todos aqueles episdios
esclarecedores que, sem dvida alguma, assegurariam a veracidade da
compreenso do objeto de estudo? Todas estas perguntas exemplificam
o conceito de semiologia radical: o objeto apresenta-se na
linguagem, a reflexo opera na linguagem e a descrio, enquanto tal,
um texto verbal. A semiologia ou semitica (aqui usadas
indistintamente) contribui na especificao dos aspectos lingsticos e
comunicativos da descrio. Assim, a simultaneidade dos relatos
permite que se movimente de um relato para outro de maneira que
quando se toma um relato como figura, o outro fundo e assim
sucessivamente. O movimento entre relatos , na verdade, o movimento
reflexivo entre presena (o relato que figura) e ausncia (o relato
que fundo), ou entre o relato que poderia estar e o relato que no
deveria estar. Enfim, a procura do sentido, da intencionalidade, da
direcionalidade da experincia consciente dos entrevistados,
enquanto conscincia epistmica e psicolgica do pesquisador. A noo de
estrutura fundamental para a interpretao fenomenolgica por desvelar
regras subjacentes que regulam a experincia consciente. Neste ponto
da exposio, j est claro que experincia consciente, mesmo que
transformada em conscincia da experincia, o sentido que uma dada
combinao de presena e ausncia tem para aquele que percebe. uma
presena porque uma de suas partes est ali concretamente diante do
olhar do pesquisador. A outra uma memria, um pensamento, uma
imaginao, uma pressuposio. No se quer dizer que no haja situaes
onde o todo esteja inteiro como uma presena global e positiva para
o pesquisador. Mas isto acontece em situaes pequenas e simples. O
conceito de estrutura traz alguns problemas de conceituao. Alguns a
entendem como algo imvel e fechado. No entanto, a estrutura a
sincronia (a descrio como um todo) que rene as vrias diacronias (os
vrios relatos paralelos). A estrutura modifica-se quando os
esquemas subjacentes que a sustentam so alterados. Em outras
palavras, a estabilidade que permite a identificao de um conjunto
sincrnico de um objeto fenomenolgico ou de um real. No entanto,
trata-se de uma estabilidade momentnea, pois a estrutura enquanto
sistema aberto est sujeita a influncias e a profundas modificaes
(ver Eco, 1971). A relao entre as partes regulada por lgicas
excludentes e includentes. A compreenso destas lgicas importante
para que seja revisto o problema da causalidade, principalmente a
idia de uma causalidade linear que sustenta propriedades
preditivas. No se nega a existncia de causa e nem de conseqncias.
No entanto, o engendramento causal apresenta-se combinado por
partes que, embora excludentes, permanecem justapostas para dar
sentido uma a outra, ou sobrepostas pelas relaes de incluso. As
regras so essenciais para a formao do sentido, isto , para a
definio de intencionalidade. As relaes lgicas apresentam-se em
diferentes nveis podendo uma lgica de incluso regular uma relao
lgica de excluso e vice-versa. As lgicas de incluso (analgicas) e
de excluso (binrias) permitem a identificao de regulaes sobrepostas
- uma regra lgica controlando outra (ver Watzlawick, Beavin &
Jackson, 1967; Wilden, 1980). Na tradio fenomenolgica, esta relao
lgica entre partes , justamente, a relao entre pr-conscincia e
conscincia, ou seja, entre pr-reflexo e reflexo. Na tradio
semitica, a mesma relao aparece na contraposio dos termos
significante e significado. O importante entend-los como classes
funcionais de uma relao. Assim, uma parte pode vir a ser
significante e significado, quando atravs da reverso comunicativa
transforma-se de expresso para percepo ou vice-versa. Lembre-se que
so estas transformaes que engrandecem as partes (efeito sinrgico) e
confirmam a premissa de que a soma das partes maior que o todo. O
modelo da fenomenologia semitica caracteriza-se por sua preocupao
em decifrar, compreender e esclarecer o real, a situao emprica que
se constitui em objeto de estudo. Concentra-se em um movimento de
investigao que parte do real (mundo vivido, sujeito corpreo e
situado) para voltar ao real (recolocar, ressituar). O uso do termo
decifrar est claramente contextualizado na funo mediadora da
linguagem. Decifra-se um cdigo organizado, tornando-o inteligvel
pelo sistema ao qual pertence. Na tradio semitica, este
deciframento constitui-se, tambm, de trs movimentos que definem
nveis de relaes entre significante e significado. No primeiro nvel,
tem-se uma relao unitria entre os dois elementos constituindo um
signo. A unidade pode ser real ou aparente. No segundo nvel,
distingue-se uma separao entre os dois, mas continua existindo a
relao de um para um. Barthes (1964) chamou esta relao de denotao ou
metalinguagem. No terceiro nvel, o significante unitrio em sua
aplicao, no sendo clara sua relao com o significado, se que existe
alguma. Barthes (1964) a chamou de conotao. No entanto, Lanigan
(1988) inverteu o esquema de Barthes: a conotao passou para o
primeiro nvel como pontuao da expresso, a metalinguagem permaneceu
no segundo como pontuao da percepo e o real foi para o terceiro
como pontuao do sentido (interpretao). Toda esta tarefa de explorao
dos protocolos para a redao de uma descrio a chamada reduo. A
descrio j , funcionalmente, uma interpretao, mesmo que seu objetivo
seja o de desvelar o real. Neste jogo de relaes os protocolos das
entrevistas funcionam como uma descrio bruta. Em suma, entende-se
que a lgica da experincia consciente funciona como uma Gestalt
radical, isto , a apreenso de um determinado todo; e tambm como uma
semiologia radical, isto , um sistema de linguagem organizado em
cdigos atravs de determinadas regras lgicas de excluso e incluso.
Quais as implicaes desta maneira de se estudar a experincia
consciente na teoria, pesquisa e aplicao em psicologia? Um aspecto
crucial do mtodo sua veracidade e legitimidade. A aceitao do mtodo
qualitativo em psicologia hoje uma realidade. No Brasil, no seria
exagero afirmar, que o mtodo qualitativo o modelo dominante de
pesquisa. Mesmo pesquisadores envolvidos com medidas preocupam-se,
atualmente, com o desenvolvimento de estatsticas qualitativas. Um
exemplo a anlise de correspondncia (Fachel, Leal, Victora, Freitag,
Jardim & Saraiva, 1992). No entanto, a veracidade destas
investigaes (validade) ainda um grande desafio para pesquisadores
qualitativos. A questo que se coloca a seguinte: como satisfazer
plenamente a exigncia por evidncia na comunicao de pesquisas
fenomenolgicas? Para responder pergunta, importante demarcar duas
de suas fases: a descrio e a interpretao. Lembre-se que o mtodo
fenomenolgico trabalha com trs passos e que cada passo inclui os
trs. Assim, uma descrio sempre uma reduo e uma interpretao, uma
interpretao sempre uma reduo e uma descrio e, finalmente, uma reduo
necessariamente uma descrio e uma interpretao. Vamos recapitular,
mais uma vez, as etapas do mtodo. Inicialmente, tem-se os dados
brutos constitudos pelos protocolos de entrevista. Neste momento,
este conjunto de protocolos funciona como uma descrio bruta. A
tarefa de questionamento destes protocolos e a organizao deste
material em unidades compreensivas , ento, a reduo. A redao de um
texto final descrevendo, por exemplo, "A famlia e suas transformaes
na sucesso geracional" a interpretao. Convm recorrer novamente s
reverses para clarificar o argumento. Foi dito que a descrio uma
interpretao e a interpretao uma descrio. No entanto, sabe-se que
reverses podem tambm confundir em vez de elucidar. Ento, o que o
trocadilho quer dizer? A redao da descrio, primeira etapa do mtodo,
composta da reduo e da interpretao porque envolveu necessariamente
escolhas do pesquisador. Mas como justificar que as escolhas
realizadas faam justia ao objeto? Ao voltar de uma viagem de
estudos da Europa em 1969, Amedeo Giorgi (Smith, 1983) estava muito
impressionado por no ter encontrado nenhum pesquisador em
psicologia trabalhando com o mtodo fenomenolgico. Sendo assim,
dirigiu seus esforos para a divulgao do mtodo, incluindo tambm sua
proposta de torn-lo mais funcional. Como sempre acontece nestas
ocasies, os resultados dividiram-se em positivos e negativos. Do
ponto de vista positivo, havia agora um bom modelo para a realizao
da pesquisa. Do ponto de vista negativo, o esforo didtico de
Giorgi, em mostrar como se definia unidades de sentido, foi
entendido por muitos como uma forma conclusiva de demonstrao de
evidncia e de resultado. No fim, os resultados obtidos no passavam
de descries do objeto de estudo. As etapas redutivas ficavam
restritas s demarcaes de unidades de sentido. Atendia-se exigncia
de evidncia demonstrando como foram demarcadas as unidades nos
protocolos de entrevistas. Reconhece-se nesta assimilao um
importante avano na prtica de uma cincia humana rigorosa. Contudo,
no se pode perder de vista que o mtodo um meio e no um fim. Pode
ser um fim, quando o objetivo da pesquisa melhorar o mtodo.
Todavia, convm lembrar que uma boa pesquisa contribui sempre para o
problema em estudo e para o mtodo que lhe serviu de acesso ao
objeto. O esforo de Giorgi trouxe disciplina aos pesquisadores
qualitativos e proporcionou uma sistemtica transparente de
trabalho. uma forma de indicar e contextualizar as escolhas do
pesquisador. De outro lado, as dissertaes e teses que utilizavam
mtodos qualitativos caracterizavam-se pela prolixidade. Eram
volumes de quase mil pginas. Ainda comum encontrar pesquisadores
qualitativos completamente submersos em seus protocolos e descries
procura de uma frmula eficiente que facilite a preparao de
relatrios, comunicaes e artigos. Em contraste, a realidade do mundo
contemporneo exige uma funcionalidade temporal que no pode ser
reduzida simplificao espacial da comunicaco. Os congressos
restringem o tempo da apresentao de um trabalho em vinte minutos ou
os circunscrevem a um determinado espao para a visualizao de um
pster. As revistas tambm restringem o nmero de pginas dos
manuscritos. As limitaes operacionais de forma, acima apresentadas,
aliam-se limitaes conceituais de substncia. Assim, pergunta-se: que
explanao (descrio de resultados) necessria para se justificar uma
explicao (justificao de interpretao)? Por isso, os pesquisadores
apresentam sua compreenso do material recolhido em uma sntese
descritiva. A sntese obtida ser a seguir debatida atravs de redues
analticas. O confronto entre sntese e anlise resultar em uma
interpretao crtica. Note-se que a descrio oferecida pelo
pesquisador como sntese de sua compreenso do objeto de estudo
apenas o fim da primeira etapa do mtodo e no a sua concluso. Em
princpio, a pesquisa entendida como um recorte de comeo e fim
arbitrrio. sempre um artefato ou mentefato incompleto. No entanto,
esta primeira descrio a base da anlise que ser totalmente
descoberta ao leitor. Na preparao da descrio haver um cuidado
rigoroso com a evidncia. Frases esclarecedoras serviro de apoio a
cada fase da narrativa. Palavras extradas dos protocolos serviro
como metforas que definem novos sentidos. Cada escolha estar
devidamente justificada. O produto final ser uma descrio
consistente e factvel. Permitir o reencontro do leitor com uma
situao vivida ou de apresentao a uma situao desconhecida. Todo o
trabalho de tabulao qualitativa estar disposio dos estudiosos, mas
no estar anexado tese ou ao artigo. Alis, o mesmo acontece com
qualquer modalidade de pesquisa, de acordo com suas caractersticas.
Em algumas reas, partes importantes de tcnicas e materiais so
guardadas em sigilo e s so reveladas mediante pagamentos de
direitos autorais. Felizmente, este no o caso da pesquisa
qualitativa. De qualquer forma, ressalte-se que, com a descrio, o
pesquisador revela sua conscincia da experincia e nos convida para
segui-lo na tarefa de transform-la (reduzi-la) em conscincia da
conscincia. O prximo passo a explorao e especificao desta descrio e
a esto as tarefas de reduo. Por fim, a interpretao do pesquisador
aparece no exerccio do seu estatuto existencial, como queria
Heidegger; colocando em ao os seus poderes cognitivos, conativos e
afetivos, como queria Husserl; para recolocar o sujeito no mundo,
como queria Merleau-Ponty. Lanigan e Giorgi entram em cena como
instrumentadores. O papel dos pares, nesta tradio de pesquisa,
questionar a consistncia factvel da descrio, dos procedimentos
redutivos de explorao e de especificao da descrio, com a pertinncia
da interpretao. tambm o contexto no qual interpretaes alternativas
so sempre possveis e desejveis. Este o campo de validao da pesquisa
qualitativa. Tecnicamente, tomar a conscincia da conscincia do
pesquisador (interpretao) enquanto pr-conscincia para uma nova
investigao. Concluso Ao final desta exposio pode-se perguntar se
este modo de definir e estudar conscincia atravs de entrevistas,
observaes e documentos de outros tipos como por exemplo protocolos
com transcries de entrevistas, realmente uma maneira de estudar
conscincia. No seria, quem sabe, um modo de se estudar o fato de
estar consciente? A preocupao geral do texto foi apresentar tanto
uma explanao, no sentido de reconstituio ou descrio de uma
experincia ou experimento, quanto uma explicao de sua tradio e
implicao terica. Numa tradio de psicologia como cincia humana
(Giorgi, 1970), as diversas capacidades que constituem o aparato
cognitivo (sensao, percepo, ateno, conscincia, memria, inteligncia)
so sempre consideradas em sua totalidade enquanto contextualizao e
especificao de sentido. Ressalte-se que no h nesta atitude uma
oposio ao estudo especfico destas capacidades na perspectiva de
cincia natural, em suas consideraes probabilsticas de causa e
efeito. Giorgi (1970, p.155-61) resume com muita elegncia o que
conscincia para um pesquisador na tradio fenomenolgica.
Inicialmente ele adverte que esta capacidade deve ser considerada
sempre associada aos conceitos de intencionalidade, sentido e
existncia. O termo intencionalidade, diz Giorgi (1970, p.156)
citando Husserl (1931/1960, p.33), "refere-se ao fato de que toda
conscincia conscincia de alguma coisa que no a conscincia em si
mesma." A seguir, citando Gurwitsch (1957/1966, p.124), Giorgi
(1970, p.156) indica que "experienciando um ato, o sujeito est
ciente de um objeto, assim que o ato pode ser caracterizado como
conscincia do objeto se real ou ideal, se existente ou imaginrio."
Com Merleau-Ponty (1945/1971) Giorgi define o termo conscincia
referindo-se no somente a uma relao cognitiva de sujeito e objeto
mas a uma relao existencial do sujeito com o seu mundo. Essa
reconsiderao do termo traz uma importante implicao para a
psicologia pois o termo comportamento redefinido como significando
existncia. Por existncia entende-se o modo como algum com maior ou
menor clareza orienta-se ou se posiciona em relao ao seu mundo, ao
seu modo de ser (sentido). Engelmann (1997) em seus estudos sobre
conscincia distingue duas concepes diferentes na apreenso emprica
do observador: de um lado uma conscincia-imediata e de outro uma
conscincia-mediata, sendo a primeira definida como epistmica e a
segunda como psicolgica. Nossa maneira de estudar a conscincia
situa-se exatamente na rea de confronto e de transformao entre uma
conscincia e outra. Assim, de um lado estuda-se a minha conscincia
da conscincia de outros (os meus entrevistados), do outro lado
preocupa-se com o rigor dos modos em que ocorrem estas
transformaes. A natureza dos nossos estudos indicam,
primordialmente, possibilidades de ocorrncias. Contudo, nada impede
que estas possibilidades uma vez tipificadas possam ser objeto de
testes probabilsticos. Mesmo estudando a conscincia do outro, no
rigor do estudo da minha prpria conscincia, em seus atos e objetos
- a conscincia do outro enquanto conscincia para mim - que se
reconhece na episteme um modo de renovar e avanar a psicologia e na
psicologia um modo de analisar e criticar a episteme. isto o que
entendemos (eu e meus colaboradores) por rigor cientfico e por
fenomenologia das cincias humanas. este o sentido dos nossos
estudos sobre experincia consciente atravs de entrevistas. GOMES.
W.B. The Phenomenological Interview and the Study of Concious
Experience. Psicologia USP, So Paulo, v.8, n.2, p.305-336, 1997.
Abstract: A way of studying conscious experience is by using
interview. There are several manners of interviewing a person. One
possibility is through out a flexible series of preestablished
questions opened to the different reactions from the respondent.
The interviews are taped recorded, transcribed and studied in a
systemic and systematic way, by the three phenomenological steps:
description, reduction and interpretation. The interview is used to
obtain the respondent's conscious experience. The phenomenological
steps are used to study the researcher's conscious experience of
the recollected material from the interviews. In a semiotic
phenomenological tradition, the conscious experience is understood
in association with the concepts of intentionality, meaning and
existence. So, conscious experience is considered in conjunction
with its cognitive, affective and conative apparatus. Our
researches focalize on the transformation from an epistemological
consciousness to a psychological consciousness and its reverse. The
interview has been a proficuous instrument for this end. Index
terms: Consciousness. Experiences. Interviews. Phenomenology.
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