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O agregador do marketing. 14 Janeiro de 2011 www.briefing.pt Entrevista “Os portugueses queixam-se muito mas reclamam pouco, fazem pouco uso dos seus direitos e mecanismos existentes. Eu própria aprendi bastante à conta deste processo”, declara Maria João Nogueira, a bloguista do Jonasnuts que esteve na origem de uma revolta nas redes sociais contra a Ensitel Ramon de Melo Queixamo-nos muito mas reclamamos pouco Maria João Nogueira, bloguista do Jonasnuts satisfeita com a decisão do tribu- nal mas o assunto ficou terminado naquele momento. Briefing I Imagine-se consulto- ra da Ensitel, como teria lidado com o caso? MJN I Simplesmente ligava para a Briefing I Começo com uma per- gunta simples, ao que parece tacticamente, a Ensitel assumiu a sua culpa e retirou o processo. Sente-se vingada? Maria João Nogueira I Não hou- ve uma vingança. Houve sim um conflito de consumo. Não fiquei “Eu não sou jornalista nem conheço os códigos deontológicos, contudo, esta questão baseia-se na sensibilidade e bom senso” Rodrigo Moita de Deus Director-geral da Nextpower Consumer Generated Marketing
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Entrevista com Maria João Nogueira

Mar 29, 2016

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Entrevista com Maria João Nogueira
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Page 1: Entrevista com Maria João Nogueira

O agregador do marketing.14 Janeiro de 2011

www.briefing.ptEntrevista

“Os portugueses queixam-se muito mas reclamam pouco, fazem pouco uso dos seus direitos e mecanismos existentes. Eu própria aprendi bastante à conta deste processo”, declara Maria João Nogueira, a bloguista do Jonasnuts que esteve na origem de uma revolta nas redes sociais contra a Ensitel

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Queixamo-nos muitomas reclamamos pouco

Maria João Nogueira, bloguista do Jonasnuts

satisfeita com a decisão do tribu-nal mas o assunto ficou terminado naquele momento.

Briefing I Imagine-se consulto-ra da Ensitel, como teria lidado com o caso?MJN I Simplesmente ligava para a

Briefing I Começo com uma per-gunta simples, ao que parece tacticamente, a Ensitel assumiu a sua culpa e retirou o processo. Sente-se vingada?Maria João Nogueira I Não hou-ve uma vingança. Houve sim um conflito de consumo. Não fiquei

“Eu não sou jornalista nem conheço os códigos deontológicos, contudo, esta questão baseia-se na sensibilidade e bom

senso”

Rodrigo Moita de DeusDirector-geral da Nextpower

Consumer Generated Marketing

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O agregador do marketing.

www.briefing.pt Entrevista

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cliente em questão e perguntava sobre a melhor forma de ultrapas-sar o mal-estar existente.

Briefing I Subentende-se que tenha sido um problema de co-municação e não de qualidade de serviço.MJN I O conflito de consumo en-globa um problema de qualidade de serviço, no entanto, em relação aos posts e à sua remoção coloca-se aí uma questão de falta de co-municação.

Briefing I Invocou a liberdade de expressão mas a verdade é que existiu uma providência caute-lar. Não sente que ultrapassou os limites?MJN I Não. Na verdade quando o tribunal se envolveu respeitei sem-pre a sua decisão. Neste segundo caso o problema não chegou a esse ponto.

Briefing I Não lhe parece perigoso abrir este caminho para que um consumidor consiga fazer chanta-gem com as marcas e empresas?MJN I Referindo-me ao início de 2009, não fiz chantagem nenhuma. Coloquei apenas a minha opinião e dei oportunidade de resposta à En-sitel de me contactar, possivelmente se o tivessem feito de forma concilia-dora ter-me-iam ganho como clien-te, na hora.

Briefing I A verdade é que a maior parte dos consumidores em Portugal não dá grande im-portância a este tipo de conflito de consumo. Onde é que a Ma-ria João é diferente?MJN I Os portugueses queixam-se muito mas reclamam pouco, fazem pouco uso dos seus direi-tos e mecanismos existentes. Eu própria aprendi bastante à conta deste processo.

Briefing I Neste sentido, de um blogue ser uma espécie de meio de Comunicação Social, ter posts publicados não é uma for-ma de pressão sobre a Ensitel? MJN I Tanto quanto me pareceu, a Ensitel não tinha conhecimento sobre os meus posts.

Briefing I Mas era dos primeiros resultados do Google.MJN I Há dois anos, sim.

Briefing I Há dois anos que eram.MJN I Nos últimos dois anos, no início esteve bem colocado mas com o passar do tempo, e não vol-tando a escrever sobre a Ensitel, o blogue veio a descer e seguiu ultrapassado por outras notícias.

Briefing I Os bloguistas não de-viam estar sujeitos às mesmas regras que os jornalistas, como por exemplo o direito de respos-ta?MJN I Teria dado e com igual destaque se a Ensitel me tivesse contactado de forma cordial. Não o tivesse feito através de uma car-ta de um escritório de advogados, num tom ameaçador. Ninguém gosta desse tipo de atitude, logo não me passaria pela cabeça reti-rar os posts, a menos se fosse por ordem do tribunal.

Briefing I Mas a verdade, e no que toca às redes sociais as empresas não têm esse tipo de mecanismos. MJN I Não têm, mas deviam ter.

Briefing I Os bloguistas são inimputáveis?MJN I Não, ninguém é inimputá-vel. A Ensitel tardou mas adoptou a estratégia correcta de retirar a queixa. No entanto, nunca foi um problema de tribunais, mas

“Não fiz chantagem nenhuma. Coloquei

apenas a minha opinião e dei oportunidade

de resposta à Ensitel de me contactar,

possivelmente se o tivessem feito de forma conciliadora ter-me-iam ganho como cliente, na

hora”

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“Nunca foi um problema de tribunais, mas sim uma crise de comunicação e

imagem, e a providência cautelar já não fazia sentido pois os meus posts foram replicados por todo lado, por parte da

comunidade”

Fevereiro 2009: Compra de telemóvel na Ensitel, reclamação e início dos posts no blogue por Maria João Nogueira.Março 2009: Blogue http://jonasnuts.blogs.sapo.pt/ aparece na primeira página de pesquisas por Ensitel.Abril 2009: Exposição do caso no Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Lisboa.Maio de 2009: Julgamento que dá razão à marca Ensitel.22 Dezembro 2010: Ensitel move acção judicial para que Maria João Nogueira apague todos os posts sobre a marca no seu blogue.27 Dezembro 2010: Post no blogue que inicia “onda” contra Ensitel nas redes sociais.31 Dezembro 2010: Comunicado da Ensitel a reconhecer postura inadequada e a comunicar que retirará acção judicial. Pedido de desculpa a Maria João Nogueira por email.

CRONOLOGIA DA CRISE

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Page 3: Entrevista com Maria João Nogueira

O agregador do marketing.16 Janeiro de 2011

www.briefing.ptEntrevista

Edição vídeo desta entrevista

em www.briefing.pt

“O caso tornou-se incontrolável, deixou completamente de estar nas minhas mãos. Recebi imensas mensagens de apoio, mesmo dinheiro de pessoas que não sabem quem eu sou”

sim uma crise de comunicação e imagem, e a providência cautelar já não fazia sentido pois os meus posts foram replicados por todo lado, por parte da comunidade. Briefing I Onde é que as empre-sas e as marcas se podem refu-giar?MJN I Na sensibilidade e no bom senso, acho que com bom senso 99,9 por cento dos casos são re-solvidos.

Briefing I Mesmo no caso de uma consumidora mais teimo-sa? MJN I Da mesma maneira que um jornal online tem lá os seus artigos de opinião de há vários anos, nes-te caso é exactamente a mesma coisa. Tenho noção que a maioria das pessoas não se iria chatear com este assunto, mas existem pessoas um pouco mais teimosas, no fundo foi a atitude de ameaça.

Briefing I Estando na posição de uma jornalista teria procedido da mesma maneira?MJN I Não sei, depois deste epi-sódio todo é difícil de especular. No entanto, eu não sou jornalista nem conheço os códigos deon-tológicos, contudo esta questão baseia-se na sensibilidade e bom senso.

Briefing I Sendo uma pessoa atenta a esta área, consegue explicar o que se passou? MJN I Resumidamente surgiu uma conversa no Twitter com duas pessoas, uma destas agarrou a conversa e começou a fazer baru-lho, foi como uma “bola de neve”. O caso tornou-se incontrolável, deixou completamente de estar nas minhas mãos. Recebi imensas mensagens de apoio, mesmo di-nheiro de pessoas que não sabem quem eu sou.

Briefing I Não lhe parece de-masiado poder para estar nas mãos de uma só pessoa? MJN I Não foi só uma pessoa.

Briefing I Duas no caso, foi uma conversa.MJN I Sozinha, não teria conse-

guido nada. Muita gente veio ter comigo a congratular-me, mas na realidade quem teve o verdadeiro mérito foi a comunidade, essa sim deve ver reconhecido o seu poder.

Briefing I As marcas e as empre-sas estão preparadas para lidar com o poder dos consumido-res?MJN I Ainda não. Algumas já co-meçam a fazer algum caminho, mas a grande maioria não está.

Briefing I Isto é um acaso, ou é uma entrada numa nova era?MJN I Existem países que já en-traram nesta nova era, certamente lembra-se do conhecido caso do Jeff Jarvis e do Hell Dell, há cinco ou seis anos atrás nos EUA. Con-tudo, eu não sou o Jeff Harvis nem a Ensitel é a Dell, embora termi-nem da mesma maneira. Com esta dimensão foi a primeira vez que aconteceu em Portugal, no entan-to é necessário que as empresas estejam sensibilizadas para estas questões, preparando-se, desde já, do ponto de vista de comuni-cação, com pessoas competentes

que as aconselhem nesta área. Faz assim sentido e é rentável ligar para o relações públicas ou o social media consultant.

Briefing I Mas tem consciência que causou danos irreparáveis a uma marca?MJN I Irreparáveis não. No en-tanto, se a empresa for inteli-gente como penso que é, já terá contratado alguém competente para gerir estas questões. E a partir daí, fazer deste episódio um ponto de partida para conse-guir algo de muito interessante.

Briefing I Quer dizer que a crise é uma oportunidade?MJN I Neste caso, é claramente uma oportunidade de sair disto melhor do que quando entraram.

Briefing I Já tem um telemóvel que funcione?MJN I Desde Maio de 2009 que tenho o telemóvel em causa. Cumprindo a sentença do tribunal mandei-o arranjar. Continua assim a ser o meu telemóvel ao fim des-tes dois anos.

Uma mulher de causas

O nome Maria João Nogueira pode ser pouco familiar. Mas o nickname Jonas, às vezes nuts, é um dos mais conhecidos e reconhecidos por quem anda nos meios online. Os 1700 se-guidores no Twitter e os pouco mais de 300 leitores diários no seu blogue pessoal não impressionam o leitor mais incauto. Mas Maria João Nogueira, aliás Jonas, descobriu a internet e as redes sociais em 1993. Foi então que se tornou numa das primeiras profissionais da área. Foi responsável pelo projecto Terràvista e em 2000 aceita o desafio do Sapo para gerir aque-la que se tornaria a maior comunidade de blogues do país. E, neste meio, poucos são aqueles que nunca se cruzaram com o seu nome. Profissional, atenciosa, acessível, amiga dos seus amigos. Crente nos princípios da participação electrónica é também uma mulher de causas, como se vai lendo no seu blo-gue. Do consumo ao Benfica tudo tem lugar naquele seu diário. Tudo. Quase tudo. Raramente fala de política. http://jonasnuts.blogs.sapo.pt/

PERFIL

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