15 24 ENTREVISTA por André Fischer foto Alexandre Perroca
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entrevista por André Fischer foto Alexandre Perroca
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Carlos Tufvesson é conhecido nacionalmente
não apenas por vestir globais e socialites mas
também por seu ativismo pelos direitos civis LGBt.
Casado há 15 anos com o arquiteto andré Piva, usa
o grande espaço que tem na mídia, a proximidade
com poderosos e seus disputados desfiles para
levantar as bandeiras do casamento gay e da luta
contra aids. em um papo no café da Daslu durante
a são Paulo Fashion Week, fez graves denúncias
contra o movimento organizado, reconheceu que
não consegue atrair nem amigos nem seu marido
a se engajarem na militância e avaliou que, apesar
de querer muito se casar de papel passado e ser um
dos estilistas favorito das noivas cariocas, não ficaria
bem de véu e grinalda.
Soldado CarloS acusado de burguês por militantes, estilista das famosas rasga o verbo e afirma que movimento gay virou agência de viagens.
O que aconteceu para você se envolver nessa batalha por direitos? eu me casei com um italiano, morei na itália
com ele por cinco anos e nunca consegui visto.
senti na pele que fazia parte de uma minoria
sem direitos. Depois disso voltei para o Brasil,
vivo com o andré há 15 anos e continuo sem
esses direitos. não tenho filhos, mas tenho
sobrinhos e quero um Brasil melhor para eles. O
que não podemos é ficar 20 anos lutando e nada
acontecer. e, pior, não temos uma luz no fim do
túnel ainda. Países como argentina e Uruguai
(onde já foi aprovado recentemente união para
casais homossexuais) já estão colhendo frutos
de uma discussão que começou antes no Brasil.
Um belo dia percebo que o movimento gay tirou
da pauta a questão da união civil alegando que
ela só interessa a quem tem bens e dinheiro para
dividir, ao invés de entender como um projeto
de cidadania plena. É o único projeto que faz
a sociedade formar uma opinião sobre o que
é ser homossexual, que não é só uma coisa de
promiscuidade. O atraso na regulamentação
dos direitos civis dos cidadãos homossexuais no
Brasil é fruto das estratégias erradas adotadas
por esse movimento, uma cegueira ideológica. Você tem esse embate dentro do movimento por causa disso? Por te enxergarem como burguês...
Cara, estou aqui para lutar pelos meus direitos
civis como cidadão. acho que é uma falsidade
ideológica dizer que o andré é meu amigo. eu
tenho pavor disso, falo muitas coisas na cara dos
outros, na cara de governadores, de prefeitos.
É lamentável que a decisão do movimento
seja priorizar o PLC 122 (que criminaliza a
homobofia), um texto fraco, de código penal.
Por que essa resistência do movimento à união civil? isso é uma questão que o Luiz Mott me explicou.
tem essa resistência por achar que é uma
questão burguesa. Pega o exemplo do Pacs (Pacto
de União Civil) na França. ele mudou a maneira
como a sociedade francesa via os gays. Discutir
com pessoas que não têm essa visão cosmopolita
de mundo, estratégica, é muito complicado.
Ficar gritando ‘sexo anal derruba o capital’ não
dá. não dá para ficar brigando com a imprensa,
acusando de ser capitalista. O movimento está
NO BrAsil se FAz PArAdA de jANeirO A jANeirO. É só PArA Os militANtes POderem ViAjAr. NãO AdiANtA chegAr em BrAsíliA e FAlAr ‘rePreseNtO 10% dA POPulAçãO’. NãO AmOr, VOcê rePreseNtA 150 PessOAs dO seu PequeNO gruPO.
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entrevista
com uma comunicação completamente errônea,
a imprensa é muito mais nossa aliada. no
Brasil existe um apagão de direitos LGBt. Dois
parlamentares fortes de um partido do governo
declararam recentemente que falar sobre direitos
gays seria prejudicial à campanha presidencial.
O governo federal discursa muito, não faz quase
nada e o movimento não abre a boca.
qual seria a saída para o fim desse apagão? Primeiro: uma mudança geral das lideranças
homossexuais. numa boa, se o time não está
ganhando, troca o técnico. existe um sistema
feudalista no movimento, de capitanias
hereditárias. Cada lugar tem um chefão e não
podem surgir lideranças novas. isso é grave.
mas se saem essas lideranças, quem entra? É melhor que não tenha. Para conseguir
nossos direitos não precisa ter 500 seminários,
distribuição de passagens para quem bate-
cabeça para o governo. está virando um
movimento de turismo. aliás, ele poderia mudar
e passar a ser subvencionado pelo Ministério do
turismo, não precisa mais ficar na secretaria
de Direitos Humanos. É ridículo. e ainda ficam
levantando bandeira babaca. se não tiver
ninguém, fica melhor do que a situação como
está, pois parece que tem alguém e na verdade
não tem. eu não sou um grupo, mas tem muita
gente que me apóia. as ações que eu faço nunca
são solo, não defendo nenhum personalismo
no movimento, defendo grupos fortes e com
representatividade. Forte não é ser amigo de
alguém, forte é ter representatividade na sua
cidade. É desesperador ver que há cinco anos
os grupos chamavam para manifestações em
rua e agrupavam 100 pessoas, que nem era um
número muito grande. Mas agora não reúnem
nem cinco pessoas. não adianta ter uma
associação nacional com 300 afiliadas se cada
grupo tem cinco afiliados. se tiver 1.500 pessoas até que é bastante...
Mas muitos grupos que tomam a decisão
pelo movimento funcionam na sala de casa
de alguém e não conseguem dialogar com a
sociedade. O que eles representam? a gente
sabe que o movimento não é coeso, não é
unido, na verdade as pessoas só falam mal
das outras pelas costas. eu prefiro o trabalho
de formiguinha. Uma ação no tJ do rio vai
ter um efeito muito maior do que anos de
seminários e passagens pagas com o dinheiro
do contribuinte.
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rola uma ciumeira no movimento por você ter espaço na mídia? esse espaço que eu tenho trago da minha história
como estilista e uso em prol de uma causa,
não tiro espaço de nenhum militante. numa
guerra temos que usar os melhores soldados, as
pessoas que podem articular melhor. não que
eu seja soldado melhor que os outros, mas sou
um soldado, e não posso ser deixado de lado.
as pessoas não são estimuladas a participar de
grupos por uma questão simples: é para que
não possam votar e, assim, que mantenham os
mesmos eternamente lá. no último desfile eu
fiz um protesto porque ninguém lembrou dos 40
anos de stonewall! Pode alguém do movimento
ser um pouco mais específico sobre o que é e o
que se celebra em uma parada? sem formação
de opinião a gente não vai conseguir nada! Outra questão que você vem batendo é justamente o fato das Paradas no Brasil acontecerem de acordo com o calendário de feriados do país e não estarem ligadas à questão do orgulho gay.
isso é mais uma coisa que eu me choco de
frente com o movimento. Os gays de 18 anos
nem sabem o que foi a revolta de stonewall,
que temos 40 anos de história, que muita
gente já lutou e já morreu por isso. O orgulho
de ser gay é o que celebramos no 28 de junho,
no mundo inteiro. no Brasil se faz parada de
janeiro a janeiro. É só para os militantes poderem
viajar. Quando esses militantes vão sair das
salas de conferências e começar a falar com a
comunidade? não adianta chegar em Brasília e
falar ‘represento 10% da população’. não amor,
você representa 150 pessoas do seu grupo. como você lida com essa questão dentro de casa? Porque o André não milita...
ele respeita super. eu não posso atrair meu
marido para uma militância organizada que eu
mesmo questiono. eu vejo amigos meus que não
sabem nem que existem grupos gays...
Você acha que eles participariam de um movimento? eu sonho que um dia isso aconteça. Queria
que eles entendessem que se em cada cidade
houvesse um grupo forte e organizado, que
prestasse assistência psicológica, jurídica e
humana, tudo seria diferente. Mas se optou por
não dialogar com as pessoas e sim pegar verba
federal dizendo que representa essas pessoas.
sua família nunca achou que estava se expondo muito? isso só aconteceu uma vez. Foi quando tive uma
proposta para ser candidato a deputado. Minha
irmã me chamou e disse que seria demais. eu
tomo cuidado pra não falar militantês demais.
quando sair o casamento ou a união civil, você vai casar? vou! Já pensei em casar fora do país, mas qual
seria o sentido? eu continuaria sem meus
direitos respeitados aqui... e você vai casar?
Não sei, talvez sim. Você pensa em como seria o casamento, na festa, nas roupas...
eu queria apenas a família e as pessoas mais
queridas do lado. você sabe que seria meu
padrinho...
e a lua de mel? Gato, a gente já é casado há 15 anos, seria apenas
uma formalização.
e você acha que mudaria alguma coisa? não, mas o meu caso é absolutamente
atípico. Minha relação já é respeitada pela
minha família.
Vocês já fizeram algum tipo formalização? a gente é péssimo nisso. Quando fomos fazer
testamento, a gente chorava um para o outro,
drama queen total. no nosso caso já existe
um reconhecimento na sociedade. a gente
deveria ter um contrato, mas o casamento
é diferente, ele daria o respaldo do que
realmente é a nossa relação.
mas até ele ser aprovado, o que a gente faz? 2010 é um ano de eleição e devemos analisar
a plataforma de todos nossos candidatos, não
acreditar em marketing político. Uma das
grandes decepções que tive foi com a Marta
e aquela campanha pavorosa, colocando a
questão do preconceito sexual. na verdade tem
vários políticos que sabemos que são gays e
isso nunca foi usado em campanha. Precisamos
nos focar na eleição de candidatos que lutam
pelo reconhecimento dos direitos civis. se não
vai continuar essa eterna merda. Como o (ex-
presidente da Câmara dos Deputados) severino
Cavalcanti, que dizia que queríamos casar de
véu e grinalda na igreja. ninguém quer casar de
véu e grinalda na igreja. eu não ficaria bem de
véu e grinalda. quando o casamento for aprovado a tua luta acaba?
não. vai continuar sendo preciso dizer às mães
que descobrem que o filho é gay que elas não
devem ficar temerosas achando que ele vai
ser infeliz. você pode ser feliz amando uma
pessoa do mesmo sexo, você só é infeliz se
for obrigado a se casar com uma pessoa que
não ama, que não sente tesão. estamos aqui
para viver e sermos felizes. a gente veio para o
mundo com a função de ser feliz e de desejar o
bem ao próximo.
existe um sistemA FeudAlistA NO mOVimeNtO gAy, de cAPitANiAs hereditáriAs. cAdA lugAr tem um cheFãO e NãO POdem surgir liderANçAs NOVAs. issO É grAVe.