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Bartolomeu Campos de Queirs: Aencontra o dilogo
A palavra ao leitor
O grande patrimnio que temos a memria. A memria guarda o que
vivemos e o que sonhamos. E a literatura esse espao onde o que
literatura, esse mundo sonhado consegue falar. O texto literrio um
texto que tambm d voz ao leitor. Quando escrevo, por exemplo: A
casa bonita, coloco um pfinal. Quando voc l para uma criana A casa
bontem pai e me. Para outra criana, casa bonita a que tem comida.
Para outra, a que tem colcho. Eu no sei o que casa bonita, quem
sabe o leitor. A importncia literatura para mim tambm acreditar que
o cidd a palavra ao leitor. O texto literrio convida o leitor a se
dizer diante dele. Isso o que h de mais importante para mim na
literatura.
Formao de leitor
Nasci em uma cidade pequenininha cidade que tinha trs ruas. A
rua de cima, a de baixo e a do meio. Hoje o poder pblico j chegou
l, e a rua de cima agora se chama Visconde do Rio Branco. A do
meio, Juscelino Kubitschek; e a outra, Benedito Valadareque o povo
criou e pe o nome que ele inventa, pois precisa homenagear algum,
independentemente da cultura daquela gente. Quando nasci cinco mil
habitantes. Meu pai era caminhoneiro e minha mgrande leitora e dona
de casa. Devo o meu gosto pela palavra tambm ao meu av. Talvez ele
tenha me alfabetizado. Meu av morava em Pitangui, uma cidade perto
de Papagaio, ganhou a sorte grande na loteria e nunca mais
trabalhou. Elepreguia absoluta. Levantava pela manh, vestia terno,
gravata e se debruava na janela. Todo mundo que passava falava: ,
seu Queirs!. Ele falava: Tem d de ns. S isso. O dia inteiro. Tudo o
que acontecia na cidade, ele escrevia nas pQuem morreu, quem matou,
quem visitou, quem viajou. Fui alfabetizado nas paredes do meu av.
Eu perguntava que palavra essa, que palavra aquela. Eu escrevia no
muro a palavra com carvo, repetia. Ele ia l para ver se estava
certo. Na p
somente ele podia escrever. Eu s podia escrever no muro. Esse
meu av tinha um gosto
Bartolomeu Campos de Queirs: A literatura esse espao onde o que
sonhamos
O grande patrimnio que temos a memria. A memria guarda o que
vivemos e o que sonhamos. E a literatura esse espao onde o que
sonhamos encontra o dilogo. Com a literatura, esse mundo sonhado
consegue falar. O texto literrio um texto que tambm d voz ao
leitor. Quando escrevo, por exemplo: A casa bonita, coloco um
pfinal. Quando voc l para uma criana A casa bonita, para ela pode
significar a que tem pai e me. Para outra criana, casa bonita a que
tem comida. Para outra, a que tem colcho. Eu no sei o que casa
bonita, quem sabe o leitor. A importncia
para mim tambm acreditar que o cidado possui a palavra. O texto
literrio d a palavra ao leitor. O texto literrio convida o leitor a
se dizer diante dele. Isso o que h de mais importante para mim na
literatura.
Nasci em uma cidade pequenininha [Formiga] no interior de Minas
Gerais. Era uma cidade que tinha trs ruas. A rua de cima, a de
baixo e a do meio. Hoje o poder pblico j chegou l, e a rua de cima
agora se chama Visconde do Rio Branco. A do meio, Juscelino
Kubitschek; e a outra, Benedito Valadares. O poder pblico entra e
tira aquilo que o povo criou e pe o nome que ele inventa, pois
precisa homenagear algum, independentemente da cultura daquela
gente. Quando nasci [em 1944cinco mil habitantes. Meu pai era
caminhoneiro e minha me era uma leitora, uma grande leitora e dona
de casa. Devo o meu gosto pela palavra tambm ao meu av. Talvez ele
tenha me alfabetizado. Meu av morava em Pitangui, uma cidade perto
de Papagaio, ganhou a sorte grande na loteria e nunca mais
trabalhou. Elepreguia absoluta. Levantava pela manh, vestia terno,
gravata e se debruava na janela. Todo mundo que passava falava: ,
seu Queirs!. Ele falava: Tem d de ns. S isso. O dia inteiro. Tudo o
que acontecia na cidade, ele escrevia nas pQuem morreu, quem matou,
quem visitou, quem viajou. Fui alfabetizado nas paredes do meu av.
Eu perguntava que palavra essa, que palavra aquela. Eu escrevia no
muro a palavra com carvo, repetia. Ele ia l para ver se estava
certo. Na parede da casa dele, somente ele podia escrever. Eu s
podia escrever no muro. Esse meu av tinha um gosto
literatura esse espao onde o que sonhamos
O grande patrimnio que temos a memria. A memria guarda o que
vivemos e o que sonhamos encontra o dilogo. Com a
literatura, esse mundo sonhado consegue falar. O texto literrio
um texto que tambm d voz ao leitor. Quando escrevo, por exemplo: A
casa bonita, coloco um ponto-
ita, para ela pode significar a que tem pai e me. Para outra
criana, casa bonita a que tem comida. Para outra, a que tem colcho.
Eu no sei o que casa bonita, quem sabe o leitor. A importncia
da
ado possui a palavra. O texto literrio d a palavra ao leitor. O
texto literrio convida o leitor a se dizer diante dele. Isso o
no interior de Minas Gerais. Era uma cidade que tinha trs ruas.
A rua de cima, a de baixo e a do meio. Hoje o poder pblico j chegou
l, e a rua de cima agora se chama Visconde do Rio Branco. A do
meio,
s. O poder pblico entra e tira aquilo que o povo criou e pe o
nome que ele inventa, pois precisa homenagear algum,
em 1944], devia ter uns e era uma leitora, uma
grande leitora e dona de casa. Devo o meu gosto pela palavra
tambm ao meu av. Talvez ele tenha me alfabetizado. Meu av morava em
Pitangui, uma cidade perto de Papagaio, ganhou a sorte grande na
loteria e nunca mais trabalhou. Ele cultivou uma preguia absoluta.
Levantava pela manh, vestia terno, gravata e se debruava na janela.
Todo mundo que passava falava: , seu Queirs!. Ele falava: Tem d de
ns. S isso. O dia inteiro. Tudo o que acontecia na cidade, ele
escrevia nas paredes de casa. Quem morreu, quem matou, quem
visitou, quem viajou. Fui alfabetizado nas paredes do meu av. Eu
perguntava que palavra essa, que palavra aquela. Eu escrevia no
muro a
arede da casa dele, somente ele podia escrever. Eu s podia
escrever no muro. Esse meu av tinha um gosto
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absoluto pela palavra e era muito irreverente. Eu era o grande
amigo dele. Ele falava algumas coisas comigo, ele tinha umas coisas
interessantes e que
casa dele moravam trs moas solteiras. Maria da F, Maria da
Esperana e Maria da Caridade. Eu sabia quando elas passavam na rua
porque o meu av falava trs vezes: Tem d de ns, tem d de ns, tem d
de ns. A Esperana morreu e falou: Quem disse que a Esperana a ltima
que morre?. Quando o cinema foi inaugurado, era um galpo muito
grande, com um lenol no meio. Quem era alfabetizado via o filme de
frente porque no podia botar o lenol no fundo do barraco, pois
desfocava a imagem. O lenol ficava no meio. Os alfabetizados
ficavam na frente e liam. Os analfabetos ficavam atrs do lenol e
pagavam meio ingresso. Viam o filme ao contrrio, mas a legenda no
era problema. Ningum lia. E o meu av falava: Na terra de cego quem
abre cinema doido.
Criado com a metfora
Meu av tinha um encantamento com as palavras. Eu fui aprendendo
com ele a cultivar esse encantamento. Lembro que na casa dele tinha
uma copa muito grande. Ele ficava sentado na ponta da mesa
fazencrucificado na parede. De vez em quando, ele levantava a cabea
e falava para mim: Sofreu, n? Sofreu demais. Sofreu tanto. Mas
morreu gordo, voc no acha?. Era toda uma trama que me deslocava. J
fui cricom as metforas. Outra coisa que me ajuda na literatura ter
nascido de sete meses. Fui sempre muito fraquinho. Era mido, fraco,
tratado com cuidado. Quando adoecia, a me chamava o mdico por via
de dvida. Me, por via de dvida, acendia uma vela; e por via de
dvida, me dava um ch e eu, ento, melhorava por via de dvida.
Depois, cheguei a uma concluso: Quem sabe as coisas faz livro
didtico e quem no sabe faz literatura. Se voc tem uma coisa a
afirmar, voc no tem que fazer literatura. Literatura uma conversa
sobre as dvidas. uma conversa sobre as delicadezas, sobre as
faltas. No uma conversa crua como desejam as cincias exatas. A
literatura mais delicada. Ela trabalha com a dvida, com as
incertezas, com as inseguranas, com as faltas, que so coisas que
nos unem. Tive uma
infncia rica. Tive um av e uma experincia muito boa com ele. A
minha me era uma leitora. No havia em casa literatura infantil. Eu
lia os livros que a minha me lia:
toutinegra do moinho (Emlio Richebourg),
absoluto pela palavra e era muito irreverente. Eu era o grande
amigo dele. Ele falava algumas coisas comigo, ele tinha umas coisas
interessantes e que ficaram. Em frente
casa dele moravam trs moas solteiras. Maria da F, Maria da
Esperana e Maria da Caridade. Eu sabia quando elas passavam na rua
porque o meu av falava trs vezes: Tem d de ns, tem d de ns, tem d
de ns. A Esperana morreu e falou: Quem disse que a Esperana a ltima
que morre?. Quando o cinema foi inaugurado, era um galpo muito
grande, com um lenol no meio. Quem era alfabetizado via o filme de
frente porque no podia botar o lenol no fundo do barraco,
s desfocava a imagem. O lenol ficava no meio. Os alfabetizados
ficavam na frente e liam. Os analfabetos ficavam atrs do lenol e
pagavam meio ingresso. Viam o filme ao contrrio, mas a legenda no
era problema. Ningum lia. E o meu av falava: Na terra de cego quem
abre cinema doido.
Meu av tinha um encantamento com as palavras. Eu fui aprendendo
com ele a cultivar esse encantamento. Lembro que na casa dele tinha
uma copa muito grande. Ele ficava sentado na ponta da mesa fazendo
cigarros para o dia seguinte. Havia um Cristo crucificado na
parede. De vez em quando, ele levantava a cabea e falava para
mim:
n? Sofreu demais. Sofreu tanto. Mas morreu gordo, voc no acha?.
Era toda uma trama que me deslocava. J fui criado com a metfora.
Tive uma infncia junto com as metforas. Outra coisa que me ajuda na
literatura ter nascido de sete meses. Fui sempre muito fraquinho.
Era mido, fraco, tratado com cuidado. Quando adoecia, a me chamava
o mdico por via de dvida. Mas, por via de dvida, ela mandava
benzer;
por via de dvida, acendia uma vela; e por via de dvida, me dava
um ch e eu, ento, melhorava por via de dvida. Depois, cheguei a uma
concluso: Quem sabe as coisas
livro didtico e quem no sabe faz literatura. Se voc tem uma
coisa a afirmar, voc no tem que fazer literatura. Literatura uma
conversa sobre as dvidas. uma conversa sobre as delicadezas, sobre
as faltas. No uma conversa crua como desejam
ncias exatas. A literatura mais delicada. Ela trabalha com a
dvida, com as incertezas, com as inseguranas, com as faltas, que so
coisas que nos unem. Tive uma
infncia rica. Tive um av e uma experincia muito boa com ele. A
minha me era uma . No havia em casa literatura infantil. Eu lia os
livros que a minha me lia:
(Emlio Richebourg), As mulheres de bronze
absoluto pela palavra e era muito irreverente. Eu era o grande
amigo dele. Ele falava ficaram. Em frente
casa dele moravam trs moas solteiras. Maria da F, Maria da
Esperana e Maria da Caridade. Eu sabia quando elas passavam na rua
porque o meu av falava trs vezes: Tem d de ns, tem d de ns, tem d
de ns. A Esperana morreu e o meu av me falou: Quem disse que a
Esperana a ltima que morre?. Quando o cinema foi inaugurado, era um
galpo muito grande, com um lenol no meio. Quem era alfabetizado via
o filme de frente porque no podia botar o lenol no fundo do
barraco,
s desfocava a imagem. O lenol ficava no meio. Os alfabetizados
ficavam na frente e liam. Os analfabetos ficavam atrs do lenol e
pagavam meio ingresso. Viam o filme ao contrrio, mas a legenda no
era problema. Ningum lia. E o meu av falava: Na terra
Meu av tinha um encantamento com as palavras. Eu fui aprendendo
com ele a cultivar esse encantamento. Lembro que na casa dele tinha
uma copa muito grande. Ele ficava
do cigarros para o dia seguinte. Havia um Cristo crucificado na
parede. De vez em quando, ele levantava a cabea e falava para
mim:
n? Sofreu demais. Sofreu tanto. Mas morreu gordo, voc no acha?.
Era toda ado com a metfora. Tive uma infncia junto
com as metforas. Outra coisa que me ajuda na literatura ter
nascido de sete meses. Fui sempre muito fraquinho. Era mido, fraco,
tratado com cuidado. Quando adoecia, a
por via de dvida, ela mandava benzer; por via de dvida, acendia
uma vela; e por via de dvida, me dava um ch e eu, ento,
melhorava por via de dvida. Depois, cheguei a uma concluso: Quem
sabe as coisas livro didtico e quem no sabe faz literatura. Se voc
tem uma coisa a afirmar, voc
no tem que fazer literatura. Literatura uma conversa sobre as
dvidas. uma conversa sobre as delicadezas, sobre as faltas. No uma
conversa crua como desejam
ncias exatas. A literatura mais delicada. Ela trabalha com a
dvida, com as incertezas, com as inseguranas, com as faltas, que so
coisas que nos unem. Tive uma
infncia rica. Tive um av e uma experincia muito boa com ele. A
minha me era uma . No havia em casa literatura infantil. Eu lia os
livros que a minha me lia: A
As mulheres de bronze (Xavier de
-
Montpin). Tambm ficou uma coisa que hoje conto sem problemas.
Quando a minha me morreu, eu tinha seis para sete anos. Ela ficou
doente por muitos anos. Eu sempre a conheci um pouco doente. Minha
me cantava muito bonito, ela era soprano. Quando a dor era muito
forte, quando a dor pesava muito, sabamos que a morfina no era
suficiente, a minha me can
dela atravessava a casa e o quintal. Ento, a gente sabia que ela
estava com muita dor. Outro dia, estava pensando que eu tambm,
quando di muito, escrevo. a mesma coisa. Quando pesa muito, eu
escreMas fico o tempo todo em frente ao na janela.
A literatura tem uma capacidade to grande de nos renovar que o
texto que escreviontem no me serve para o hoj
Construir o mundo com letras
O meu av brincava muito comigo usando as palavras. Ele escrevia
azul e me pedia para escrever outra palavra na frente. Eu escrevia
preto. Ele falava: O azul hoje quase preto. Ele fazia uma fr
ele, com toda palavra, dava conta de fazer uma frase. Com duas
palavras, construa uma orao. A metfora muito interessante para o
escritor. A metfora onde o escritor se esconde e pe asas no lei
Montpin). Tambm ficou uma coisa que hoje conto sem problemas.
Quando a minha seis para sete anos. Ela ficou doente por muitos
anos. Eu sempre a
conheci um pouco doente. Minha me cantava muito bonito, ela era
soprano. Quando a dor era muito forte, quando a dor pesava muito,
sabamos que a morfina no era suficiente, a minha me cantava. Ela
cantava umas cantigas de Carlos Gomes. A voz dela atravessava a
casa e o quintal. Ento, a gente sabia que ela estava com muita dor.
Outro dia, estava pensando que eu tambm, quando di muito, escrevo.
a mesma coisa. Quando pesa muito, eu escrevo. Hoje, no fico na
janela como meu av ficava. Mas fico o tempo todo em frente ao
Windows. Trocamos os lugares, mas continuamos
A literatura tem uma capacidade to grande de nos renovar que o
texto que escreviontem no me serve para o hoje. Foto: Matheus
Dias
Construir o mundo com letras
O meu av brincava muito comigo usando as palavras. Ele escrevia
azul e me pedia para escrever outra palavra na frente. Eu escrevia
preto. Ele falava: O azul hoje quase preto. Ele fazia uma frase
usando as duas palavras. Eu ficava incomodado como ele, com toda
palavra, dava conta de fazer uma frase. Com duas palavras, construa
uma orao. A metfora muito interessante para o escritor. A metfora
onde o escritor se esconde e pe asas no leitor. Pela metfora, eu me
escondo, mas ao mesmo tempo
Montpin). Tambm ficou uma coisa que hoje conto sem problemas.
Quando a minha seis para sete anos. Ela ficou doente por muitos
anos. Eu sempre a
conheci um pouco doente. Minha me cantava muito bonito, ela era
soprano. Quando a dor era muito forte, quando a dor pesava muito,
sabamos que a morfina no era
tava. Ela cantava umas cantigas de Carlos Gomes. A voz dela
atravessava a casa e o quintal. Ento, a gente sabia que ela estava
com muita dor. Outro dia, estava pensando que eu tambm, quando di
muito, escrevo. a mesma
vo. Hoje, no fico na janela como meu av ficava. Trocamos os
lugares, mas continuamos
A literatura tem uma capacidade to grande de nos renovar que o
texto que escrevi
O meu av brincava muito comigo usando as palavras. Ele escrevia
azul e me pedia para escrever outra palavra na frente. Eu escrevia
preto. Ele falava: O azul hoje
ase usando as duas palavras. Eu ficava incomodado como ele, com
toda palavra, dava conta de fazer uma frase. Com duas palavras,
construa uma orao. A metfora muito interessante para o escritor. A
metfora onde o escritor se
tor. Pela metfora, eu me escondo, mas ao mesmo tempo
-
ponho asas no leitor. Vai aonde voc quiser. Voc est livre para
romper com tudo. Acho que o leitor to criador quanto o escritor. O
leitor cria muito. o que o Umberto Eco fala a estrutura ausente na
obra. Voc gosta de uma obra no pelo que est escrito, mas pelo lugar
que ela o levou a pensar. Isso muito interessante. Michel Foucault
fala que o que lemos no a frase que est escrita. Lemos o silncio
que existe
entre as palavras. ali que a literatura se faz. Vou falar bem
francamente. Hoje, chego concluso de que escrevo porque quero dizer
umas coisas e acho a palavra oral muito perigosa. Escrever mais
fcil do que falar. Quando escrevo e no gosto do texto, eu o rasgo.
Jogo fora, apago, deletono recolho a palavra nunca mais. Isso me
incomoda muito. Sou extremamente silencioso em minha natureza.
Tenho muito medo da palavra oral. Sinto muitas vezes que as
palavras me ferem ou eu firo algum com essa palavra. No recolho
nunca mais essa palavra que cai no ouvido do outro. Talvez escreva
por medo da fala.
Literatura afetiva
Quando terminei o curso primrio, fui estudar como interno em
Divinpolis. L, com onze ou doze anos, encontro o professor de
literatura Jos Dias Lara. Ele me introduz na literatura. Com ele,
comeo a ler Machado de Assis, Jos Lins do Rego, Jos de Alencar. Com
uma orientao maravilhosa, devo a esse professor o meu gosto pela
literatura. Sempre fui um bom leitor. Tive uma professora muito
interessante. Quando entrei na escola, j sabia ler e escrever tanta
vontade que a dona Maria Campos mim, que resolvi esquecer tudo. E
aprendi tudo outra vez. Ela ficava to feliz comigo aprendendo tudo
o tempo inteiro, rpido. E tudo o que queria na vida era que ela
gostasse de mim, mais nada. Quando dava aula para professores em
especializao, brincava com eles. Acho que a cprestar concurso,
vestibular, nada disso. Ela aprende para ser amada por aquele que
sabe. E o professor aquele que sabe e ela quer ser amada por aquele
que sabe. Acho que a aprendizagem no incio da no d. Aprendi com
Merleauaula a do olhar do professor. H pessoas que quando nos olham
nos afastam. Outras, quando nos olham, nos acariciamprofessor no
deixa. H criana que no usa a liberdade porque tem medo do olhar
do
ponho asas no leitor. Vai aonde voc quiser. Voc est livre para
romper com tudo. Acho que o leitor to criador quanto o escritor. O
leitor cria muito. o que o Umberto
a estrutura ausente na obra. Voc gosta de uma obra no pelo que
est escrito, mas pelo lugar que ela o levou a pensar. Isso muito
interessante. Michel Foucault fala que o que lemos no a frase que
est escrita. Lemos o silncio que existe
lavras. ali que a literatura se faz. Vou falar bem francamente.
Hoje, chego concluso de que escrevo porque quero dizer umas coisas
e acho a palavra oral muito perigosa. Escrever mais fcil do que
falar. Quando escrevo e no gosto do texto, eu o
deleto, sumo com aquilo. Mas quando falo uma coisa errada, no
recolho a palavra nunca mais. Isso me incomoda muito. Sou
extremamente silencioso em minha natureza. Tenho muito medo da
palavra oral. Sinto muitas vezes
me ferem ou eu firo algum com essa palavra. No recolho nunca
mais essa palavra que cai no ouvido do outro. Talvez escreva por
medo da fala.
Quando terminei o curso primrio, fui estudar como interno em
Divinpolis. L, com ze anos, encontro o professor de literatura Jos
Dias Lara. Ele me introduz na
literatura. Com ele, comeo a ler Machado de Assis, Jos Lins do
Rego, Jos de Alencar. Com uma orientao maravilhosa, devo a esse
professor o meu gosto pela
fui um bom leitor. Tive uma professora muito interessante.
Quando entrei na escola, j sabia ler e escrever o meu av j havia me
ensinado. Mas tinha tanta vontade que a dona Maria Campos minha
primeira professora
er tudo. E aprendi tudo outra vez. Ela ficava to feliz comigo
aprendendo tudo o tempo inteiro, rpido. E tudo o que queria na vida
era que ela gostasse de mim, mais nada. Quando dava aula para
professores em especializao, brincava com eles. Acho que a criana,
quando entra na escola, no aprende porque vai prestar concurso,
vestibular, nada disso. Ela aprende para ser amada por aquele que
sabe. E o professor aquele que sabe e ela quer ser amada por aquele
que sabe. Acho que a aprendizagem no incio da infncia est puramente
na ordem do afetivo. Sem isso no d. Aprendi com Merleau Ponty que a
primeira leitura que a criana faz na sala de aula a do olhar do
professor. H pessoas que quando nos olham nos afastam. Outras,
quando nos olham, nos acariciam. H crianas que no aprendem porque o
olhar do professor no deixa. H criana que no usa a liberdade porque
tem medo do olhar do
ponho asas no leitor. Vai aonde voc quiser. Voc est livre para
romper com tudo. Acho que o leitor to criador quanto o escritor. O
leitor cria muito. o que o Umberto
a estrutura ausente na obra. Voc gosta de uma obra no pelo que
est escrito, mas pelo lugar que ela o levou a pensar. Isso muito
interessante. Michel Foucault fala que o que lemos no a frase que
est escrita. Lemos o silncio que existe
lavras. ali que a literatura se faz. Vou falar bem francamente.
Hoje, chego concluso de que escrevo porque quero dizer umas coisas
e acho a palavra oral muito perigosa. Escrever mais fcil do que
falar. Quando escrevo e no gosto do texto, eu o
, sumo com aquilo. Mas quando falo uma coisa errada, no recolho
a palavra nunca mais. Isso me incomoda muito. Sou extremamente
silencioso em minha natureza. Tenho muito medo da palavra oral.
Sinto muitas vezes
me ferem ou eu firo algum com essa palavra. No recolho nunca
mais essa palavra que cai no ouvido do outro. Talvez escreva por
medo da fala.
Quando terminei o curso primrio, fui estudar como interno em
Divinpolis. L, com ze anos, encontro o professor de literatura Jos
Dias Lara. Ele me introduz na
literatura. Com ele, comeo a ler Machado de Assis, Jos Lins do
Rego, Jos de Alencar. Com uma orientao maravilhosa, devo a esse
professor o meu gosto pela
fui um bom leitor. Tive uma professora muito interessante.
Quando o meu av j havia me ensinado. Mas tinha
minha primeira professora gostasse de er tudo. E aprendi tudo
outra vez. Ela ficava to feliz comigo
aprendendo tudo o tempo inteiro, rpido. E tudo o que queria na
vida era que ela gostasse de mim, mais nada. Quando dava aula para
professores em especializao,
quando entra na escola, no aprende porque vai prestar concurso,
vestibular, nada disso. Ela aprende para ser amada por aquele que
sabe. E o professor aquele que sabe e ela quer ser amada por aquele
que sabe. Acho
na ordem do afetivo. Sem isso Ponty que a primeira leitura que a
criana faz na sala de
aula a do olhar do professor. H pessoas que quando nos olham nos
afastam. Outras, . H crianas que no aprendem porque o olhar do
professor no deixa. H criana que no usa a liberdade porque tem
medo do olhar do
-
professor. O olhar do professor imobiliza. Muitas vezes, jogamos
nas costas dos mtodos a no aprendizagem da criana, quaninterditada
pelo olhar do professor, que a primeira leitura que ela faz.
Merleaudescobriu uma coisa fundamental. Um dia, ele olha muito
tempo para o sol e descobre que olhar di. Ele comea, ento, a
fazerque ouvir uma msica to bonita s vezes pode arrepiar o corpo.
Ento, ouvir tambm ttil. No gosto, posso acordar a memria. Ento, o
homem uma coisa inteira, no dividida em apenas cinco sentidos.
Quandpoliciarmos sobre o olhar que destinamos ao outro e que muitas
vezes interdita o outro. No permite que a liberdade se faa ali. As
crianas precisam muito de ns, adultos. Elas precisam muito de ns
para crescefazermos essa leitura.
Formao do professor
Estou muito afastado dos processos educacionais. O homem o nico
animal que pode ser educado. Todos os outros animais podem ser
adestrados. Educar pressupe deixar o outro ser dono do seu prprio
destino. A educao se faz pela liberdade. Liberdade que voc d ao
outro para que ele escolha o seu destino. Vejo que os processos de
educao, o que chamamos de escola, no deixam de ser processos de
adestramento. No uma educao plena, um processo de adestramento. uma
criana sujeita ao desejo do professor. E o professor sujeito ao
desejo do poder poltico. Ento, a criana sem autonomia. Ela deveria
ser o senhor da coisa. No entanto, o objeto. A escola no forma o
leitor de literatura. A escola s ensina. Isso da prpria histria da
educao brasileira, quando, nos anos 1960americanos para a escola
brasileira. Na revoluo de 64, Jarbas Passarinho oficializa a
reforma da educao e comea a dizer que a escola s pode ensinar
aquilo que pode ser medido, s o que mensurvel. Tirano mensurvel.
Voc pode medir muitas crianas, mas no pode medir qual delas a mais
feliz. A escola brasileira, da dcada de 1960 para c, ficou
unicamente tentandoensinar s o que mensurvel. Entrou no regime da
economia, dos nmeros. H coisas na educao que no podem ser
mensurveis, so intuitivas, esto no campo da percepo, do afeto. Isso
foi tudo jogado fora. De 1964 para c, quando os americanos comearam
a dar as normas para a educao brasileira, no se pode falar de
honestidade
professor. O olhar do professor imobiliza. Muitas vezes, jogamos
nas costas dos mtodos a no aprendizagem da criana, quando, s vezes,
a aprendizagem da criana interditada pelo olhar do professor, que a
primeira leitura que ela faz. Merleaudescobriu uma coisa
fundamental. Um dia, ele olha muito tempo para o sol e descobre que
olhar di. Ele comea, ento, a fazer uma anlise dessas coisas. Comea
a perceber que ouvir uma msica to bonita s vezes pode arrepiar o
corpo. Ento, ouvir tambm ttil. No gosto, posso acordar a memria.
Ento, o homem uma coisa inteira, no dividida em apenas cinco
sentidos. Quando se trabalha com a infncia muito bom nos
policiarmos sobre o olhar que destinamos ao outro e que muitas
vezes interdita o outro. No permite que a liberdade se faa ali. As
crianas precisam muito de ns, adultos. Elas precisam muito de ns
para crescer e elas sabem disso. importante e bom
Estou muito afastado dos processos educacionais. O homem o nico
animal que pode ser educado. Todos os outros animais podem ser
adestrados. Educar pressupe deixar o outro ser dono do seu prprio
destino. A educao se faz pela liberdade. Liberdade que
oc d ao outro para que ele escolha o seu destino. Vejo que os
processos de educao, o que chamamos de escola, no deixam de ser
processos de adestramento. No uma educao plena, um processo de
adestramento. uma criana sujeita ao desejo do
sor. E o professor sujeito ao desejo do poder poltico. Ento, a
criana sem autonomia. Ela deveria ser o senhor da coisa. No
entanto, o objeto. A escola no forma o leitor de literatura. A
escola s ensina. Isso da prpria histria da educao
nos anos 1960, o MEC-Usaidi chega ao Brasil e traz os mtodos
americanos para a escola brasileira. Na revoluo de 64, Jarbas
Passarinho oficializa a reforma da educao e comea a dizer que a
escola s pode ensinar aquilo que pode ser
ido, s o que mensurvel. Tira-se todo ensino afetivo da escola,
pois a afetividade no mensurvel. Voc pode medir muitas crianas, mas
no pode medir qual delas a mais feliz. A escola brasileira, da
dcada de 1960 para c, ficou unicamente tentandoensinar s o que
mensurvel. Entrou no regime da economia, dos nmeros. H coisas na
educao que no podem ser mensurveis, so intuitivas, esto no campo da
percepo, do afeto. Isso foi tudo jogado fora. De 1964 para c,
quando os americanos
m a dar as normas para a educao brasileira, no se pode falar de
honestidade
professor. O olhar do professor imobiliza. Muitas vezes, jogamos
nas costas dos do, s vezes, a aprendizagem da criana
interditada pelo olhar do professor, que a primeira leitura que
ela faz. Merleau Ponty descobriu uma coisa fundamental. Um dia, ele
olha muito tempo para o sol e descobre
uma anlise dessas coisas. Comea a perceber que ouvir uma msica
to bonita s vezes pode arrepiar o corpo. Ento, ouvir tambm ttil. No
gosto, posso acordar a memria. Ento, o homem uma coisa inteira,
no
o se trabalha com a infncia muito bom nos policiarmos sobre o
olhar que destinamos ao outro e que muitas vezes interdita o outro.
No permite que a liberdade se faa ali. As crianas precisam muito de
ns, adultos.
r e elas sabem disso. importante e bom
Estou muito afastado dos processos educacionais. O homem o nico
animal que pode ser educado. Todos os outros animais podem ser
adestrados. Educar pressupe deixar o outro ser dono do seu prprio
destino. A educao se faz pela liberdade. Liberdade que
oc d ao outro para que ele escolha o seu destino. Vejo que os
processos de educao, o que chamamos de escola, no deixam de ser
processos de adestramento. No uma educao plena, um processo de
adestramento. uma criana sujeita ao desejo do
sor. E o professor sujeito ao desejo do poder poltico. Ento, a
criana sem autonomia. Ela deveria ser o senhor da coisa. No
entanto, o objeto. A escola no forma o leitor de literatura. A
escola s ensina. Isso da prpria histria da educao
chega ao Brasil e traz os mtodos americanos para a escola
brasileira. Na revoluo de 64, Jarbas Passarinho oficializa a
reforma da educao e comea a dizer que a escola s pode ensinar
aquilo que pode ser
se todo ensino afetivo da escola, pois a afetividade no
mensurvel. Voc pode medir muitas crianas, mas no pode medir qual
delas a mais feliz. A escola brasileira, da dcada de 1960 para c,
ficou unicamente tentando ensinar s o que mensurvel. Entrou no
regime da economia, dos nmeros. H coisas na educao que no podem ser
mensurveis, so intuitivas, esto no campo da percepo, do afeto. Isso
foi tudo jogado fora. De 1964 para c, quando os americanos
m a dar as normas para a educao brasileira, no se pode falar de
honestidade
-
porque no mensurvel; no se pode falar de fraternidade e amor,
pois no so mensurveis. Quando o professor entra na sala de aula,
tem que esquecer a vida dele do lado de fora. Ali dentro, ele no
tem vida prpria, um facilitador da aprendizagem. Fomos trazendo
isso at os dias de hoje e perdemos. A literatura, como no
mensurvel, perde totalmente o sentido. muito interessante
porqueditadura, a literatura se torna muito importante. Todas as
escolas liam uma histria considerada literatura. Era uma histria de
um passarinho que estava preso em uma gaiola e todo o dia de manh a
criana levantava, trocava o alpiste, a aguinha e o passarinho
cantava, cantava. Um dia, o menino esqueceu a porta aberta e o
passarinho voou e foi para cima de uma rvore. A, cai uma chuva
forte e ele precisa se esconder em uma calha do telhado, vem um
gato e avana. Ele corre para o esgoto e vem um rato. At que o
passarinho no agcontinua cantando muito feliz. isso que a ditadura
quis falar que era literatura. Isso circulou no Brasil de cabo a
rabo. Era a grande obra literria.
preciso deixar a criana viver suas tristezas, suas
fantasias.
Encantar o outro
A literatura comea a fazer isso com as crianas. Qual o
personagem principal? Qual o pedacinho de que voc mais gostou? E
mesmo que o menino goste do demnio, tem de
porque no mensurvel; no se pode falar de fraternidade e amor,
pois no so mensurveis. Quando o professor entra na sala de aula,
tem que esquecer a vida dele do
ra. Ali dentro, ele no tem vida prpria, um facilitador da
aprendizagem. Fomos trazendo isso at os dias de hoje e perdemos. A
literatura, como no mensurvel, perde totalmente o sentido. muito
interessante porque, quando comea a
tura se torna muito importante. Todas as escolas liam uma
histria considerada literatura. Era uma histria de um passarinho
que estava preso em uma gaiola e todo o dia de manh a criana
levantava, trocava o alpiste, a aguinha e o
ava. Um dia, o menino esqueceu a porta aberta e o passarinho
voou e foi para cima de uma rvore. A, cai uma chuva forte e ele
precisa se esconder em uma calha do telhado, vem um gato e avana.
Ele corre para o esgoto e vem um rato.
o aguenta essa liberdade e volta para a gaiola, fecha a portinha
e continua cantando muito feliz. isso que a ditadura quis falar que
era literatura. Isso circulou no Brasil de cabo a rabo. Era a
grande obra literria.
preciso deixar a criana viver a sua infncia, com suas
inseguranas, seus medos, suas tristezas, suas fantasias. Foto:
Matheus Dias
A literatura comea a fazer isso com as crianas. Qual o
personagem principal? Qual o pedacinho de que voc mais gostou? E
mesmo que o menino goste do demnio, tem de
porque no mensurvel; no se pode falar de fraternidade e amor,
pois no so mensurveis. Quando o professor entra na sala de aula,
tem que esquecer a vida dele do
ra. Ali dentro, ele no tem vida prpria, um facilitador da
aprendizagem. Fomos trazendo isso at os dias de hoje e perdemos. A
literatura, como no
quando comea a tura se torna muito importante. Todas as escolas
liam uma histria
considerada literatura. Era uma histria de um passarinho que
estava preso em uma gaiola e todo o dia de manh a criana levantava,
trocava o alpiste, a aguinha e o
ava. Um dia, o menino esqueceu a porta aberta e o passarinho
voou e foi para cima de uma rvore. A, cai uma chuva forte e ele
precisa se esconder em uma calha do telhado, vem um gato e avana.
Ele corre para o esgoto e vem um rato.
enta essa liberdade e volta para a gaiola, fecha a portinha e
continua cantando muito feliz. isso que a ditadura quis falar que
era literatura. Isso
a sua infncia, com suas inseguranas, seus medos,
A literatura comea a fazer isso com as crianas. Qual o
personagem principal? Qual o pedacinho de que voc mais gostou? E
mesmo que o menino goste do demnio, tem de
-
falar que gostou do anjo, pois a escola no admite que se goste
do demnio. Mesmo que goste da bruxa, tem de dizer que gosta da
fada. A escola no d conta dessa liberdade que ns temos. Essa
simpatia que carregamos pela bruxa, pela sacanagem do demnio. Mas
na escola no pode, a escola tempera isso. Tem escola servil. A
literatura no servil. A literatura no serve a nada e a escola foi
feita para servir algum, ou a um partido poltico, a um ideal,
enquanto a literatura foi feita apenas para encantar o outro. A
literatura feita de fantasia. Tudo o que penso, posso escrever.
Nada intertudo posso dizer, desde que com uma forma elegante, bem
organizada. Posso at dizer os livro, os peixe nada. Posso at dizer,
mas propositadamente, conhecendo uma gramtica profundamente. A,
posso dizer qualquer coisa que quero. S rompemos quando dominamos.
Caso contrrio no h rompimento. preciso uma tradio para romper. A
literatura essa coisa exagerada de fantasia. A gente s fantasia o
que no temos. No fantasiamos o que temos. Ento, a literatura feita
de falta. O que escrevo o que me falta. isso que a literatura faz.
A literatura o lugar da falta. Para a escola muito difcil cuidar da
liberdade. A liberdade muito fascinante, muito boa. A liberdade uma
coisa extremamente exagerada, bonita, clara. E a escola no d
contescola para conter. Criana educada criana contida. A escola de
hoje acha que esse menino educado porque, perna cruzada, porque ele
come com a boca fechada. Todo contido educexpansivo
mal-educado.
Ser escritor
Estava estudando fora do Brasil Frana, era bolsista e comecei a
sentir saudade do Brasil. Morava perto de um jardim que tinha um
lago. No fim de semana, sentavado Brasil, de comer feijoada, de
dormir na cama com lenNunca pensei em ser escritor. Um dia, pensei:
por que voc no pensa em uma coisa que nunca pensou? E tinha o lago
e sempre vinha um peixe e botava a cabea do lado de fora. Havia
vrias gaivotas que mergulhavam no lago e tornolhar aquilo e a
pensar que cada coisa tinha um lugar. Se o peixe sasse fora da gua,
morreria afogado no ar. Mas se a gaivota ficasse dentro da gua,
morreria afogada. Comecei a olhar os dois elementos da natureza e
descobri uma cotanto o peixe quanto o pssaro no deixa rastro por
onde passa. No ficam caminhos.
falar que gostou do anjo, pois a escola no admite que se goste
do demnio. Mesmo que oste da bruxa, tem de dizer que gosta da fada.
A escola no d conta dessa liberdade
que ns temos. Essa simpatia que carregamos pela bruxa, pela
sacanagem do demnio. Mas na escola no pode, a escola tempera isso.
Tem escola servil. A literatura no
vil. A literatura no serve a nada e a escola foi feita para
servir algum, ou a um partido poltico, a um ideal, enquanto a
literatura foi feita apenas para encantar o outro. A literatura
feita de fantasia. Tudo o que penso, posso escrever. Nada intertudo
posso dizer, desde que com uma forma elegante, bem organizada.
Posso at dizer os livro, os peixe nada. Posso at dizer, mas
propositadamente, conhecendo uma gramtica profundamente. A, posso
dizer qualquer coisa que quero. S rompemos
ando dominamos. Caso contrrio no h rompimento. preciso uma
tradio para romper. A literatura essa coisa exagerada de fantasia.
A gente s fantasia o que no temos. No fantasiamos o que temos.
Ento, a literatura feita de falta. O que escrevo
que me falta. isso que a literatura faz. A literatura o lugar da
falta. Para a escola muito difcil cuidar da liberdade. A liberdade
muito fascinante, muito boa. A liberdade uma coisa extremamente
exagerada, bonita, clara. E a escola no d contescola para conter.
Criana educada criana contida. A escola de hoje acha que esse
antes de responder, ele conta at dez, porque ele senta com a
perna cruzada, porque ele come com a boca fechada. Todo contido
educ
Estava estudando fora do Brasil [incio da dcada de 1970], no
Instituto Pedaggico da Frana, era bolsista e comecei a sentir
saudade do Brasil. Morava perto de um jardim que tinha um lago. No
fim de semana, sentava-me neste jardim para ler e sentia saudade do
Brasil, de comer feijoada, de dormir na cama com lenol passado, dos
meus amigos. Nunca pensei em ser escritor. Um dia, pensei: por que
voc no pensa em uma coisa que nunca pensou? E tinha o lago e sempre
vinha um peixe e botava a cabea do lado de fora. Havia vrias
gaivotas que mergulhavam no lago e tornavam a sair. Comecei a olhar
aquilo e a pensar que cada coisa tinha um lugar. Se o peixe sasse
fora da gua, morreria afogado no ar. Mas se a gaivota ficasse
dentro da gua, morreria afogada. Comecei a olhar os dois elementos
da natureza e descobri uma coisa que achei bonita: tanto o peixe
quanto o pssaro no deixa rastro por onde passa. No ficam
caminhos.
falar que gostou do anjo, pois a escola no admite que se goste
do demnio. Mesmo que oste da bruxa, tem de dizer que gosta da fada.
A escola no d conta dessa liberdade
que ns temos. Essa simpatia que carregamos pela bruxa, pela
sacanagem do demnio. Mas na escola no pode, a escola tempera isso.
Tem escola servil. A literatura no
vil. A literatura no serve a nada e a escola foi feita para
servir algum, ou a um partido poltico, a um ideal, enquanto a
literatura foi feita apenas para encantar o outro. A literatura
feita de fantasia. Tudo o que penso, posso escrever. Nada
interditado, tudo posso dizer, desde que com uma forma elegante,
bem organizada. Posso at dizer os livro, os peixe nada. Posso at
dizer, mas propositadamente, conhecendo uma gramtica profundamente.
A, posso dizer qualquer coisa que quero. S rompemos
ando dominamos. Caso contrrio no h rompimento. preciso uma
tradio para romper. A literatura essa coisa exagerada de fantasia.
A gente s fantasia o que no temos. No fantasiamos o que temos.
Ento, a literatura feita de falta. O que escrevo
que me falta. isso que a literatura faz. A literatura o lugar da
falta. Para a escola muito difcil cuidar da liberdade. A liberdade
muito fascinante, muito boa. A liberdade uma coisa extremamente
exagerada, bonita, clara. E a escola no d conta disso. A escola
para conter. Criana educada criana contida. A escola de hoje acha
que esse
antes de responder, ele conta at dez, porque ele senta com a
perna cruzada, porque ele come com a boca fechada. Todo contido
educado. Todo
, no Instituto Pedaggico da Frana, era bolsista e comecei a
sentir saudade do Brasil. Morava perto de um jardim
me neste jardim para ler e sentia saudade ol passado, dos meus
amigos.
Nunca pensei em ser escritor. Um dia, pensei: por que voc no
pensa em uma coisa que nunca pensou? E tinha o lago e sempre vinha
um peixe e botava a cabea do lado de
avam a sair. Comecei a olhar aquilo e a pensar que cada coisa
tinha um lugar. Se o peixe sasse fora da gua, morreria afogado no
ar. Mas se a gaivota ficasse dentro da gua, morreria afogada.
isa que achei bonita: tanto o peixe quanto o pssaro no deixa
rastro por onde passa. No ficam caminhos.
-
Ele chega, se instala naquele lugar e todo vazio caminho. E toda
a gua caminho. Fiquei encantado com o peixe e o pssaro por no
deixarem rastro.texto O peixe e o pssaro em um concurso a primeira
edio do prmio Joo de Barro, da Prefeitura de Belo Horizonte. Mandei
meu texto e ganhei o prmio. No sabia que era escriprmio e fiquei
feliz, pois tinha um dinheiro. Fiquei mais feliz ainda porque um
dos jurados era a Enriqueta Lisboa, que me telefonou para dar a
notcia. Ela quis me conhecer e ficamos muito amigos. Havia um
crtico literrio no chamava Dom Marcos Barbosa. Ele leu aconselhando
o Carlos Drummond de Andrade a ler o meu livro, pois era uma
receita para viver no mosteiro. Esse foi um texto que escrevi para
mim mesmo. Para me fazer
carinho naquela solido que sentia em Paris. Hoje, brinco muito
ao afirmar que escrevemos para fazer carinho na gente. Tem horas
que a nica coisa que posso fazer
por mim escrever. Fazer um pouco de carinho em mim.
No ler depois de impresso
Tem coisas que no me perdCiganos. Quando escrevi Ciganoscom o
sul da Espanha. O livro tinha acabado de sair no Brasil. Entrei em
um acampamento de ciganos espanhis e uma cigana veio e me
perguntou: Queres ver a tua sina?. Eu pensei: escrevi o
um arrependimento de me matar. Como que voc escreve um texto
sobre os ciganos e no coloca a palavra sina
impresso. No leio nada porque vou querer eliteratura tem uma
capacidade to grande de nos renovar que o texto que escrevi ontem
no me serve para o hoje.
Preocupao com o pblico
No tenho preocupao com o pblico. Vocs j assistiram ao filme
isso, ela foi para a cozinha e fez o melhor que ela podia. S isso.
Vou para o escritrio e fao o melhor que posso. quela hora no tem
destinatrio. Se tiver destinatrio, no mais literrio. Se entrar no
escritrio e pensar: vou escrever um
distancio dela. J me coloco no lugar de adulto, me distancio da
infncia. Tenho muito
Ele chega, se instala naquele lugar e todo vazio caminho. E toda
a gua caminho. Fiquei encantado com o peixe e o pssaro por no
deixarem rastro. Ento, escrevi o
para aliviar a minha saudade. Quando volto ao Brasil, entro a
primeira edio do prmio Joo de Barro, da Prefeitura de Belo
Horizonte. Mandei meu texto e ganhei o prmio. No sabia que era
escriprmio e fiquei feliz, pois tinha um dinheiro. Fiquei mais
feliz ainda porque um dos jurados era a Enriqueta Lisboa, que me
telefonou para dar a notcia. Ela quis me conhecer e ficamos muito
amigos. Havia um crtico literrio no Jornal do Brachamava Dom Marcos
Barbosa. Ele leu O peixe e o pssaro e escreveu uma crnica,
aconselhando o Carlos Drummond de Andrade a ler o meu livro, pois
era uma receita para viver no mosteiro. Esse foi um texto que
escrevi para mim mesmo. Para me fazer
carinho naquela solido que sentia em Paris. Hoje, brinco muito
ao afirmar que escrevemos para fazer carinho na gente. Tem horas
que a nica coisa que posso fazer
por mim escrever. Fazer um pouco de carinho em mim.
No ler depois de impresso
s que no me perdoo. Ganhei o prmio Jabuti com um livro chamado
Ciganos, viajei para a Europa e estava no norte de Portugal
com o sul da Espanha. O livro tinha acabado de sair no Brasil.
Entrei em um acampamento de ciganos espanhis e uma cigana veio e me
perguntou: Queres ver a tua sina?. Eu pensei: escrevi o Ciganos e
no usei uma nica vez a palavra sina. Tive um arrependimento de me
matar. Como que voc escreve um texto sobre os ciganos e
? A, fiz um propsito de nunca mais ler nada meu depois de
impresso. No leio nada porque vou querer escrever de novo, porque j
sou outro. A literatura tem uma capacidade to grande de nos renovar
que o texto que escrevi ontem
Preocupao com o pblico
No tenho preocupao com o pblico. Vocs j assistiram ao filme A
festa de isso, ela foi para a cozinha e fez o melhor que ela podia.
S isso. Vou para o escritrio e fao o melhor que posso. quela hora
no tem destinatrio. Se tiver destinatrio, no mais literrio. Se
entrar no escritrio e pensar: vou escrever um texto para criana, j
me distancio dela. J me coloco no lugar de adulto, me distancio da
infncia. Tenho muito
Ele chega, se instala naquele lugar e todo vazio caminho. E toda
a gua caminho. Ento, escrevi o
para aliviar a minha saudade. Quando volto ao Brasil, entro a
primeira edio do prmio Joo de Barro, da Prefeitura de Belo
Horizonte. Mandei meu texto e ganhei o prmio. No sabia que era
escritor. Ganhei o prmio e fiquei feliz, pois tinha um dinheiro.
Fiquei mais feliz ainda porque um dos jurados era a Enriqueta
Lisboa, que me telefonou para dar a notcia. Ela quis me
Jornal do Brasil que se e escreveu uma crnica,
aconselhando o Carlos Drummond de Andrade a ler o meu livro,
pois era uma receita para viver no mosteiro. Esse foi um texto que
escrevi para mim mesmo. Para me fazer
carinho naquela solido que sentia em Paris. Hoje, brinco muito
ao afirmar que escrevemos para fazer carinho na gente. Tem horas
que a nica coisa que posso fazer
o. Ganhei o prmio Jabuti com um livro chamado , viajei para a
Europa e estava no norte de Portugal
com o sul da Espanha. O livro tinha acabado de sair no Brasil.
Entrei em um acampamento de ciganos espanhis e uma cigana veio e me
perguntou: Queres ver a
usei uma nica vez a palavra sina. Tive um arrependimento de me
matar. Como que voc escreve um texto sobre os ciganos e
? A, fiz um propsito de nunca mais ler nada meu depois de
screver de novo, porque j sou outro. A
literatura tem uma capacidade to grande de nos renovar que o
texto que escrevi ontem
A festa de Babete? isso, ela foi para a cozinha e fez o melhor
que ela podia. S isso. Vou para o escritrio e fao o melhor que
posso. quela hora no tem destinatrio. Se tiver destinatrio, no
texto para criana, j me distancio dela. J me coloco no lugar de
adulto, me distancio da infncia. Tenho muito
-
medo do escrever para criana. Parece que estou em um lugar muito
legal, que estou bem feliz, bem disposto, alegre e vou ensinar
esses coitem que estou. Eu tenho horror disso. Quero mostrar para a
criana que tambm cresci, mas tenho muita insegurana, muita
tristeza, muita alegria, muita saudade. Na minha obra, falo de
morte, falo de tudo. Quando escrevo e queruma frase mais curta, uma
ordem mais direta, um pargrafo menor, porque o flego da criana
pequeno. Quando escrevo, preciso ler o texto em voz alta para saber
se ele cabe na minha respirao. s vezes, ao ler o texto etransformar
uma frase em duas, colocar um pontolonga. Quando a emoo muito
forte, tenho que mudar de folha. Fao muito isso, mas quase que
protegendo o leitor. O contedo, no. As muito mais fortes do que ns.
Quando se chega idade coisa interessantssima: a vida no um processo
de soma, um processo de subtrao. Viver um dia ter menos um dia.
Hoje tenho muittem muito mais para viver do que eu. Ela muito mais
intensa do que eu. Ela tem muito mais pela frente do que eu. O meu
pela frente pouco. perigoso quando a gente pensa que vai escrever
para a criana porque a inf
no ser pela fantasia. E a criana est l em realidade. s vezes, os
adultos, os pais, os professores ou os escritores, se sentem to
ameaados porque a criana est em um lugar que indiscutivelmente j
perdi, irEnto, comeamos a querer trazer essa criana o mais depressa
possvel para o lugar onde estou. A, voc comea a assaltar a infncia
da criana. Tenho muito medo desse assalto. Hoje, muita escola
considerada boacedo. Que aquele professor muito bom porque rouba a
infncia da criana muito cedo. Eu vejo isso com muita clareza.
preciso deixar a criana viver a sua infncia, com suas inseguranas,
seus medos, suas tristez
Espantado com a vida
Voc no sabe que est em coma. Se tivesse morrido, no teria
sabido. Quando voltei, soube que havia ficado em coma sessenta e
nove dias. Viver, para mim, um espanto muito grande. Depois desse
perodo, fiquei muato extremamente arbitrrio. No fui consultado se
queria nascer e isso me pesa muito. Ningum me perguntou se eu
queria nascer, depois no escolhi nem me nem pai. No
medo do escrever para criana. Parece que estou em um lugar muito
legal, que estou bem feliz, bem disposto, alegre e vou ensinar
esses coitadinhos a chegar em que estou. Eu tenho horror disso.
Quero mostrar para a criana que tambm cresci, mas tenho muita
insegurana, muita tristeza, muita alegria, muita saudade. Na minha
obra, falo de morte, falo de tudo. Quando escrevo e quero que a
criana seja leitora, fao uma frase mais curta, uma ordem mais
direta, um pargrafo menor, porque o flego da criana pequeno. Quando
escrevo, preciso ler o texto em voz alta para saber se ele cabe na
minha respirao. s vezes, ao ler o texto em voz alta, percebo que
preciso
frase em duas, colocar um ponto-final, dar um jeito porque est
muito longa. Quando a emoo muito forte, tenho que mudar de folha.
Fao muito isso, mas quase que protegendo o leitor. O contedo, no.
As crianas do conta. As crianas so muito mais fortes do que ns.
Quando se chega idade a que cheguei, descobrecoisa
interessantssima: a vida no um processo de soma, um processo de
subtrao. Viver um dia ter menos um dia. Hoje tenho muito menos dias
para subtrair. A criana tem muito mais para viver do que eu. Ela
muito mais intensa do que eu. Ela tem muito mais pela frente do que
eu. O meu pela frente pouco. perigoso quando a gente pensa que vai
escrever para a criana porque a infncia o lugar que jamais poderei
estar a no ser pela fantasia. E a criana est l em realidade. s
vezes, os adultos, os pais, os professores ou os escritores, se
sentem to ameaados porque a criana est em um lugar que
indiscutivelmente j perdi, irremediavelmente nunca mais poderei
estar. Ento, comeamos a querer trazer essa criana o mais depressa
possvel para o lugar onde estou. A, voc comea a assaltar a infncia
da criana. Tenho muito medo desse assalto. Hoje, muita escola
considerada boa porque rouba a infncia da criana muito cedo. Que
aquele professor muito bom porque rouba a infncia da criana muito
cedo. Eu vejo isso com muita clareza. preciso deixar a criana viver
a sua infncia, com suas inseguranas, seus medos, suas tristezas,
suas fantasias.
Voc no sabe que est em coma. Se tivesse morrido, no teria
sabido. Quando voltei, soube que havia ficado em coma sessenta e
nove dias. Viver, para mim, um espanto muito grande. Depois desse
perodo, fiquei muito espantado com a vida. Nascer um ato
extremamente arbitrrio. No fui consultado se queria nascer e isso
me pesa muito. Ningum me perguntou se eu queria nascer, depois no
escolhi nem me nem pai. No
medo do escrever para criana. Parece que estou em um lugar muito
legal, que estou adinhos a chegar a esse lugar
em que estou. Eu tenho horror disso. Quero mostrar para a criana
que tambm cresci, mas tenho muita insegurana, muita tristeza, muita
alegria, muita saudade. Na minha
o que a criana seja leitora, fao uma frase mais curta, uma ordem
mais direta, um pargrafo menor, porque o flego da criana pequeno.
Quando escrevo, preciso ler o texto em voz alta para saber se
ele
m voz alta, percebo que preciso final, dar um jeito porque est
muito
longa. Quando a emoo muito forte, tenho que mudar de folha. Fao
muito isso, mas crianas do conta. As crianas so
que cheguei, descobre-se uma coisa interessantssima: a vida no
um processo de soma, um processo de subtrao.
o menos dias para subtrair. A criana tem muito mais para viver
do que eu. Ela muito mais intensa do que eu. Ela tem muito mais
pela frente do que eu. O meu pela frente pouco. perigoso quando a
gente pensa
ncia o lugar que jamais poderei estar a no ser pela fantasia. E
a criana est l em realidade. s vezes, os adultos, os pais, os
professores ou os escritores, se sentem to ameaados porque a criana
est em um
remediavelmente nunca mais poderei estar. Ento, comeamos a
querer trazer essa criana o mais depressa possvel para o lugar onde
estou. A, voc comea a assaltar a infncia da criana. Tenho muito
medo desse
porque rouba a infncia da criana muito cedo. Que aquele
professor muito bom porque rouba a infncia da criana muito cedo. Eu
vejo isso com muita clareza. preciso deixar a criana viver a sua
infncia, com
Voc no sabe que est em coma. Se tivesse morrido, no teria
sabido. Quando voltei, soube que havia ficado em coma sessenta e
nove dias. Viver, para mim, um espanto
ito espantado com a vida. Nascer um ato extremamente arbitrrio.
No fui consultado se queria nascer e isso me pesa muito. Ningum me
perguntou se eu queria nascer, depois no escolhi nem me nem pai.
No
-
escolhi o pas, nem o idioma que queria falar, neperguntou nada.
um dos fatos mais arbitrrios do mundo. Escrevo neste livro
[Vermelho amargo] que a dor do parto tambm de quem nasce. Outra
coisa arbitrria morrer, porque voc no pediu para nascer. E quando v
a luz do mundo, a cor, a alegria do mundo, algum fala que voc vai
morrer. Morrer outra coisa arbitrria. Saber que uma experincia
individual. S posso nascer do meu parto e s posso morrer da minha
morte. Por mais que ame o outro, so coisas que no posso fazer no
lugar dele. No poder morrer no lugar de nineducao que no trabalha
com isso educao que no tem esse cuidado, que nascer ganhar o
abandono. Nascer ser expulso do paraso, andar com acom os prprios
ouvidos. Nascer o abandooutro. A compaixo surge com a conscincia
desse abandono, com o medo da morte. a que criamos uma paixo pelo
outro. Essa compaixo surge dessa nossa fragilidade, que absoluta. E
ns no falamos mais nisso. Afala disso. Tenho um livro espanta tanto
que no queremos nem pensar. Mas o que nos segura.
A literatura pode ser um espao bonito do reencontro, da outras
confidncias. Foto: Matheus Dias
escolhi o pas, nem o idioma que queria falar, nem a cor que
queria ter. Ningum me perguntou nada. um dos fatos mais arbitrrios
do mundo. Escrevo neste livro
que a dor do parto tambm de quem nasce. Outra coisa arbitrria
morrer, porque voc no pediu para nascer. E quando v a luz do mundo,
a cor, a alegria do mundo, algum fala que voc vai morrer. Morrer
outra coisa arbitrria.
ncia individual. S posso nascer do meu parto e s posso morrer da
minha morte. Por mais que ame o outro, so coisas que no posso fazer
no lugar dele. No poder morrer no lugar de ningum uma coisa to
arbitrria!educao que no trabalha com isso passa ao largo. Perde o
cuidado com a vida. A educao que no tem esse cuidado, que nascer
ganhar o abandono. Nascer ser expulso do paraso, andar com as
prprias pernas, falar com a prpria boca, ouvir
. Nascer o abandono e isso que nos faz ter compaixo pelo outro.
A compaixo surge com a conscincia desse abandono, com o medo da
morte. a que criamos uma paixo pelo outro. Essa compaixo surge
dessa nossa fragilidade, que absoluta. E ns no falamos mais nisso.
A literatura para criana, s vezes, no fala disso. Tenho um livro At
passarinho passa que fala da morte. A morte nos espanta tanto que
no queremos nem pensar. Mas o que nos segura.
A literatura pode ser um espao bonito do reencontro, da
conversa, do deslFoto: Matheus Dias
m a cor que queria ter. Ningum me
perguntou nada. um dos fatos mais arbitrrios do mundo. Escrevo
neste livro que a dor do parto tambm de quem nasce. Outra coisa
arbitrria
morrer, porque voc no pediu para nascer. E quando v a luz do
mundo, a cor, a alegria do mundo, algum fala que voc vai morrer.
Morrer outra coisa arbitrria.
ncia individual. S posso nascer do meu parto e s posso morrer da
minha morte. Por mais que ame o outro, so coisas que no posso fazer
no
gum uma coisa to arbitrria! Uma passa ao largo. Perde o cuidado
com a vida. A
educao que no tem esse cuidado, que nascer ganhar o abandono.
Nascer ser , falar com a prpria boca, ouvir
no e isso que nos faz ter compaixo pelo outro. A compaixo surge
com a conscincia desse abandono, com o medo da morte. a que criamos
uma paixo pelo outro. Essa compaixo surge dessa nossa
fragilidade,
literatura para criana, s vezes, no
que fala da morte. A morte nos
conversa, do deslanchar para
-
A palavra desestabiliza
Um dia estava trabalhando em casa e deitei no cho. Tenho s vezes
uma dor na coluna. Deitei no cho do escritrio. Tinha feito muita
coisa naquele dia. De formiguinha descendo depressa a parede branca
do escritrio. Olhando para ela, fiquei to abismado! Eu sabia fazer
tanta coisa, mas no sabia quem botou o desejo do acar no corao da
formiga. A, a literatura no d conta. Os pequenos gestos da natureza
me encabulam muito. Sei que a palavra no d conta. Mesmo sabendo que
a palavra que organiza o caos. No Gnesispalavra que organizou o
caos. Voc vai ao psicanalista porque est em desordem e acredita que
a palavra ir te organizar. A palavra cura. De repente essa palavra
no d conta de dizer muita coisa. Ao mesmo tempo a palavra
desestabiliza. A palavra uma coisa muito pesada. Nossa Senhora
ficou grvida da palavra do anjo. O anjo chegou, disse que ela seria
me e ela acreditou. A palavra tem esse poder transformador.
Movimento por um Brasil Literrio
Andei pensando muito antes de fazer o muito com o pessoal da
Fundao Nacional do Livro sobre como a escola no pode ser a nica
responsvel pela formao do leitor. A escola no pode nem d concriana
chega em casa e no encontra nem o pai, nem a me, nem av lendo, como
que a escola quer que ela leia? Ela no v isso acontecendo na vida.
Achei que era preciso mobilizar toda uma sociedade em funo da
leitura literria. No deixexclusivamente na mo da escola uma tarefa
que no pode ser somente dela. Precisamos de uma sociedade inteira
envolvida nesse trabalho de formao de leitor. No quis chamar de
plano de leitura, projeto de leitura. Eu queria um movimento de
leitura, compessoas que acreditam que a literatura boa, faz bem,
com quem possa ajudar, indicar um livro, fazer um grupo de leitura.
Quem pode fazer isso pode entrar no nosso movimento, pode entrar no
informando o que est acontecendo. todo mundo que acredita nisso. No
h cobrana nem avaliao. No quis nada disso, quis um movimento livre.
O movimento uma coisa organizada, tem uma organizao interna, um
fluxo. Todo mundo que estiver embalado nessa confiana na
literatura, que a literatura pode fazer uma sociedade mais
Um dia estava trabalhando em casa e deitei no cho. Tenho s vezes
uma dor na coluna. Deitei no cho do escritrio. Tinha feito muita
coisa naquele dia. De formiguinha descendo depressa a parede branca
do escritrio. Olhando para ela, fiquei
Eu sabia fazer tanta coisa, mas no sabia quem botou o desejo do
acar no corao da formiga. A, a literatura no d conta. Os pequenos
gestos da natureza me encabulam muito. Sei que a palavra no d
conta. Mesmo sabendo que a palavra que
Gnesis, Ele veio e disse: Faa-se a luz!. E a luz se fez. Foi a
palavra que organizou o caos. Voc vai ao psicanalista porque est em
desordem e acredita que a palavra ir te organizar. A palavra cura.
De repente essa palavra no d
er muita coisa. Ao mesmo tempo a palavra desestabiliza. A
palavra uma coisa muito pesada. Nossa Senhora ficou grvida da
palavra do anjo. O anjo chegou, disse que ela seria me e ela
acreditou. A palavra tem esse poder transformador.
rasil Literrio
Andei pensando muito antes de fazer o Movimento por um Brasil
Literriomuito com o pessoal da Fundao Nacional do Livro sobre como
a escola no pode ser a nica responsvel pela formao do leitor. A
escola no pode nem d concriana chega em casa e no encontra nem o
pai, nem a me, nem av lendo, como que a escola quer que ela leia?
Ela no v isso acontecendo na vida. Achei que era preciso mobilizar
toda uma sociedade em funo da leitura literria. No
deixexclusivamente na mo da escola uma tarefa que no pode ser
somente dela. Precisamos de uma sociedade inteira envolvida nesse
trabalho de formao de leitor. No quis chamar de plano de leitura,
projeto de leitura. Eu queria um movimento de leitura, compessoas
que acreditam que a literatura boa, faz bem, com quem possa ajudar,
indicar um livro, fazer um grupo de leitura. Quem pode fazer isso
pode entrar no nosso movimento, pode entrar no site
[www.brasilliterario.org.br]. Temos contatos que vo
ando o que est acontecendo. todo mundo que acredita nisso. No h
cobrana nem avaliao. No quis nada disso, quis um movimento livre. O
movimento uma coisa organizada, tem uma organizao interna, um
fluxo. Todo mundo que estiver
iana na literatura, que a literatura pode fazer uma sociedade
mais
Um dia estava trabalhando em casa e deitei no cho. Tenho s vezes
uma dor na coluna. Deitei no cho do escritrio. Tinha feito muita
coisa naquele dia. De repente, vi uma formiguinha descendo depressa
a parede branca do escritrio. Olhando para ela, fiquei
Eu sabia fazer tanta coisa, mas no sabia quem botou o desejo do
acar no corao da formiga. A, a literatura no d conta. Os pequenos
gestos da natureza me encabulam muito. Sei que a palavra no d
conta. Mesmo sabendo que a palavra que
se a luz!. E a luz se fez. Foi a
palavra que organizou o caos. Voc vai ao psicanalista porque est
em desordem e acredita que a palavra ir te organizar. A palavra
cura. De repente essa palavra no d
er muita coisa. Ao mesmo tempo a palavra desestabiliza. A
palavra uma coisa muito pesada. Nossa Senhora ficou grvida da
palavra do anjo. O anjo chegou, disse que ela seria me e ela
acreditou. A palavra tem esse poder transformador.
Movimento por um Brasil Literrio. Conversava muito com o pessoal
da Fundao Nacional do Livro sobre como a escola no pode ser a nica
responsvel pela formao do leitor. A escola no pode nem d conta
disso. Se a criana chega em casa e no encontra nem o pai, nem a me,
nem av lendo, como que a escola quer que ela leia? Ela no v isso
acontecendo na vida. Achei que era preciso mobilizar toda uma
sociedade em funo da leitura literria. No deixar exclusivamente na
mo da escola uma tarefa que no pode ser somente dela. Precisamos de
uma sociedade inteira envolvida nesse trabalho de formao de leitor.
No quis chamar de plano de leitura, projeto de leitura. Eu queria
um movimento de leitura, com pessoas que acreditam que a literatura
boa, faz bem, com quem possa ajudar, indicar um livro, fazer um
grupo de leitura. Quem pode fazer isso pode entrar no nosso
. Temos contatos que vo
ando o que est acontecendo. todo mundo que acredita nisso. No h
cobrana nem avaliao. No quis nada disso, quis um movimento livre. O
movimento uma coisa organizada, tem uma organizao interna, um
fluxo. Todo mundo que estiver
iana na literatura, que a literatura pode fazer uma sociedade
mais
-
bonita, menos corrupta, mais reflexiva, mais crtica. Pode fazer
uma sociedade mais cheia de compaixo, de respeito mtuo. Acho que a
literatura tem a funo de tornar a sensibilidade mais aguada. As
pessoas mais intuitivas, mais prontas para as mincias, para os
retalhos, como diz o Manoel de Barros, para os restos, para as
pequenas coisas. A literatura pode nos ajudar muito.
Nem luz prpria
Hoje estamos vivendo em um Brasil feio. No gBrasil que s fala de
nmeros. O Brasil vai bem porque a economia vai bem. Mas e ns, o
povo? Ns estamos bem? Estamos seguros, respeitados? Estamos
dignamente humanos? Temos uma escola boa, uma sade boa? Temos uma
seguvai bem porque a economia vai bem. Mas e eu no conto? Sou
apenas um nmero? Estudei na fsica que o planeta no tem nem luz
prpria. Olha que coisa terrvel morar em um planeta que no tem nem
luz prpria. Estamos em uma periferia do cter o dia e a noite voc
nem precisa de uma estrela de primeira grandeza. Uma estrela de
quinta grandeza, como o Sol, serve. Resolve isso numa boa. E ainda
temos alguma verdade para dizer? s a dvida que nos une, que nos
aproxima. s disso precisamos. Precisamos de amparo com a nossa
dvida. E a literatura nos ampara. Tenho muito medo da verdade. No
acredito que haja nada verdadeiro. Tive um professor de filosofia,
o padre Henrique Vaz, para quem eu perguntei o que era a f. Ele me
respondeu que a f a dvida. Tem dias que voc tem muita, tem dias que
tem pouca, tem dias que no tem nenhuma. Isso se chama f, porque nos
possvel somente a dvida. Hoje, estamos com muita gente encontrando
a verdade. Quando uma pessoa encontra a verdade, a nica coisa que
ela adquire a impossibilidade de escutar o outro. Ela s fala, no
escuta mais. Quem encontra a verdade s fala.
Verdade mais profunda
A memria o nosso grande lugar. Na memria tem tanto o que vivi
quanto o que sonhei ter vivido. No acredito em memria pura. Toda
memria ficcional. um pedao da memria com mais um pedao da fantasia.
A fantasia o que temos de mais real dentro de ns. A fantasia a
minha verdade mais profunda. A fantasia aquilo que no conto para
ningum, s para as pessoas que amo muito. Ela to verdadeira que
quando vou contar essa fantasia, fao uma metfora para proteg
bonita, menos corrupta, mais reflexiva, mais crtica. Pode fazer
uma sociedade mais cheia de compaixo, de respeito mtuo. Acho que a
literatura tem a funo de tornar a
aguada. As pessoas mais intuitivas, mais prontas para as
mincias, para os retalhos, como diz o Manoel de Barros, para os
restos, para as pequenas coisas. A literatura pode nos ajudar
muito.
Hoje estamos vivendo em um Brasil feio. No gosto do Brasil em
que vivo hoje. Um Brasil que s fala de nmeros. O Brasil vai bem
porque a economia vai bem. Mas e ns, o povo? Ns estamos bem?
Estamos seguros, respeitados? Estamos dignamente humanos? Temos uma
escola boa, uma sade boa? Temos uma segurana boa? O Brasil vai bem
porque a economia vai bem. Mas e eu no conto? Sou apenas um nmero?
Estudei na fsica que o planeta no tem nem luz prpria. Olha que
coisa terrvel morar em um planeta que no tem nem luz prpria.
Estamos em uma periferia do cter o dia e a noite voc nem precisa de
uma estrela de primeira grandeza. Uma estrela de quinta grandeza,
como o Sol, serve. Resolve isso numa boa. E ainda temos alguma
verdade para dizer? s a dvida que nos une, que nos aproxima. s
disso precisamos. Precisamos de amparo com a nossa dvida. E a
literatura nos ampara. Tenho muito medo da verdade. No acredito que
haja nada verdadeiro. Tive um professor de filosofia, o padre
Henrique Vaz, para quem eu perguntei o que era a f. Ele
ondeu que a f a dvida. Tem dias que voc tem muita, tem dias que
tem pouca, tem dias que no tem nenhuma. Isso se chama f, porque nos
possvel somente a dvida. Hoje, estamos com muita gente encontrando
a verdade. Quando uma pessoa
e, a nica coisa que ela adquire a impossibilidade de escutar o
outro. Ela s fala, no escuta mais. Quem encontra a verdade s
fala.
A memria o nosso grande lugar. Na memria tem tanto o que vivi
quanto o que . No acredito em memria pura. Toda memria ficcional.
um
pedao da memria com mais um pedao da fantasia. A fantasia o que
temos de mais real dentro de ns. A fantasia a minha verdade mais
profunda. A fantasia aquilo que
, s para as pessoas que amo muito. Ela to verdadeira que quando
vou contar essa fantasia, fao uma metfora para proteg-la. Pois a
fantasia o
bonita, menos corrupta, mais reflexiva, mais crtica. Pode fazer
uma sociedade mais cheia de compaixo, de respeito mtuo. Acho que a
literatura tem a funo de tornar a
aguada. As pessoas mais intuitivas, mais prontas para as
mincias, para os retalhos, como diz o Manoel de Barros, para os
restos, para as pequenas coisas.
osto do Brasil em que vivo hoje. Um Brasil que s fala de nmeros.
O Brasil vai bem porque a economia vai bem. Mas e ns, o povo? Ns
estamos bem? Estamos seguros, respeitados? Estamos dignamente
rana boa? O Brasil vai bem porque a economia vai bem. Mas e eu
no conto? Sou apenas um nmero? Estudei na fsica que o planeta no
tem nem luz prpria. Olha que coisa terrvel morar em um planeta que
no tem nem luz prpria. Estamos em uma periferia do co. E para ter o
dia e a noite voc nem precisa de uma estrela de primeira grandeza.
Uma estrela de quinta grandeza, como o Sol, serve. Resolve isso
numa boa. E ainda temos alguma verdade para dizer? s a dvida que
nos une, que nos aproxima. s disso que precisamos. Precisamos de
amparo com a nossa dvida. E a literatura nos ampara. Tenho muito
medo da verdade. No acredito que haja nada verdadeiro. Tive um
professor de filosofia, o padre Henrique Vaz, para quem eu
perguntei o que era a f. Ele
ondeu que a f a dvida. Tem dias que voc tem muita, tem dias que
tem pouca, tem dias que no tem nenhuma. Isso se chama f, porque nos
possvel somente a dvida. Hoje, estamos com muita gente encontrando
a verdade. Quando uma pessoa
e, a nica coisa que ela adquire a impossibilidade de escutar o
outro.
A memria o nosso grande lugar. Na memria tem tanto o que vivi
quanto o que . No acredito em memria pura. Toda memria ficcional.
um
pedao da memria com mais um pedao da fantasia. A fantasia o que
temos de mais real dentro de ns. A fantasia a minha verdade mais
profunda. A fantasia aquilo que
, s para as pessoas que amo muito. Ela to verdadeira que la.
Pois a fantasia o
-
que tenho de mais profundo dentro de mim. o meu real mais
absoluto. No existe uma memria pura, toda memria ficcional.
Precisamos tomar posse da fantasia. Todo real uma fantasia que
ganhou corpo. O que pe o novo no mundo a fantasia. Uma escola nova
uma escola que cultiva a fantasia. Se ela ficar s na tradio, ela s
fica na repetio. Ela no instala o novo. a fantasia que inaugura o
novo no mundo. H cem anos, voar era uma fantasia do Santos Dumont.
preciso saber se quero uma sociedade nova. Preciso de uma escola
fantasiosa e convidar a criana para deixar a fantasia vir tona.
Escrever para criana
Quando escrevi O peixe e o pssarosbia. Que a natureza tem o
tempo de florir, o tempo de dar o fruto, o tempo da colheita. Tem o
tempo das cheias, das vazantes. A natureza tem as quatro estaes,
muito sbia. E a natureza to sbia que no sentiu nadultos e outro
para crianas. A natureza, com essa sabedoria dela, nunca fez um rio
para adulto e outro para criana. E que no era inteligente fazer uma
literatura para adulto e outra para criana. Ou literatura Quando
escrevo, gosto de me perguntar se o texto escrito fica em p sem
nenhuma ilustrao. Se precisar de ilustrao ou uma muleta qualquer,
no vale a pena. O texto tem que valer como texto sozinho. Quando se
ptem destinatrio, a gratuidade da literatura se perde. A pergunta
que coloco : por que a criana pequena gosta tanto de livro, v de
frente para trs, de cabea para baixo, inventa histria, folheia
aquilo, leva para c
quando entra para a escola? porque a escola vai cobrar. Muitas
vezes, a literatura serve de elo. A criana vira para o adulto e
pede para ele contar uma histria. O adulto diz que no sabe e ela
pede para ele seguinte, o pedido se repete. Ela no quer saber da
histria, ela est pedindo para voc parar e ficar um tiquinho com
ela. A
pai com o filho. Qualquer histrifazer da literatura esse local
de encontro. to bonito quando voc diz venha c que vou te contar uma
histria. porque voc sabe essa histria de cor. E saber de cor saber
de corao. A literaturadeslanchar para outras coisas, para outras
confidncias.
que tenho de mais profundo dentro de mim. o meu real mais
absoluto. No existe uma ria ficcional. Precisamos tomar posse da
fantasia. Todo real
uma fantasia que ganhou corpo. O que pe o novo no mundo a
fantasia. Uma escola nova uma escola que cultiva a fantasia. Se ela
ficar s na tradio, ela s fica na
tala o novo. a fantasia que inaugura o novo no mundo. H cem
anos, voar era uma fantasia do Santos Dumont. preciso saber se
quero uma sociedade nova. Preciso de uma escola fantasiosa e
convidar a criana para deixar a fantasia vir
peixe e o pssaro, a Enriqueta Lisboa disse que a natureza muito
sbia. Que a natureza tem o tempo de florir, o tempo de dar o fruto,
o tempo da colheita. Tem o tempo das cheias, das vazantes. A
natureza tem as quatro estaes, muito sbia. E a natureza to sbia que
no sentiu nenhuma necessidade de fazer um sol para adultos e outro
para crianas. A natureza, com essa sabedoria dela, nunca fez um rio
para adulto e outro para criana. E que no era inteligente fazer uma
literatura para adulto e outra para criana. Ou literatura ou no
literatura. Isso me marcou muito. Quando escrevo, gosto de me
perguntar se o texto escrito fica em p sem nenhuma ilustrao. Se
precisar de ilustrao ou uma muleta qualquer, no vale a pena. O
texto tem que valer como texto sozinho. Quando se pe o carimbo para
crianas, quando tem destinatrio, a gratuidade da literatura se
perde. A pergunta que coloco : por que a criana pequena gosta tanto
de livro, v de frente para trs, de cabea para baixo, inventa
histria, folheia aquilo, leva para cama?. E por que passa a no
gostar de livro quando entra para a escola? porque a escola vai
cobrar. Muitas vezes, a literatura serve de elo. A criana vira para
o adulto e pede para ele contar uma histria. O adulto diz que no
sabe e ela pede para ele contar a que contou na noite anterior. No
dia seguinte, o pedido se repete. Ela no quer saber da histria, ela
est pedindo para voc parar e ficar um tiquinho com ela. A
literatura se torna um pretexto para o encontro do pai com o filho.
Qualquer histria serve. Ela est pedindo a sua presena. preciso
fazer da literatura esse local de encontro. to bonito quando voc
diz venha c que vou te contar uma histria. porque voc sabe essa
histria de cor. E saber de cor saber de corao. A literatura pode
ser um espao bonito do reencontro, da conversa, do deslanchar para
outras coisas, para outras confidncias.
que tenho de mais profundo dentro de mim. o meu real mais
absoluto. No existe uma ria ficcional. Precisamos tomar posse da
fantasia. Todo real
uma fantasia que ganhou corpo. O que pe o novo no mundo a
fantasia. Uma escola nova uma escola que cultiva a fantasia. Se ela
ficar s na tradio, ela s fica na
tala o novo. a fantasia que inaugura o novo no mundo. H cem
anos, voar era uma fantasia do Santos Dumont. preciso saber se
quero uma sociedade nova. Preciso de uma escola fantasiosa e
convidar a criana para deixar a fantasia vir
Lisboa disse que a natureza muito sbia. Que a natureza tem o
tempo de florir, o tempo de dar o fruto, o tempo da colheita. Tem o
tempo das cheias, das vazantes. A natureza tem as quatro estaes,
muito sbia.
enhuma necessidade de fazer um sol para adultos e outro para
crianas. A natureza, com essa sabedoria dela, nunca fez um rio para
adulto e outro para criana. E que no era inteligente fazer uma
literatura para
ou no literatura. Isso me marcou muito.
Quando escrevo, gosto de me perguntar se o texto escrito fica em
p sem nenhuma ilustrao. Se precisar de ilustrao ou uma muleta
qualquer, no vale a pena. O texto
e o carimbo para crianas, quando tem destinatrio, a gratuidade
da literatura se perde. A pergunta que coloco : por que a criana
pequena gosta tanto de livro, v de frente para trs, de cabea para
baixo,
ama?. E por que passa a no gostar de livro quando entra para a
escola? porque a escola vai cobrar. Muitas vezes, a literatura
serve de elo. A criana vira para o adulto e pede para ele contar
uma histria. O adulto
contar a que contou na noite anterior. No dia seguinte, o pedido
se repete. Ela no quer saber da histria, ela est pedindo para
voc
literatura se torna um pretexto para o encontro do a serve. Ela
est pedindo a sua presena. preciso
fazer da literatura esse local de encontro. to bonito quando voc
diz venha c que vou te contar uma histria. porque voc sabe essa
histria de cor. E saber de cor
pode ser um espao bonito do reencontro, da conversa, do
-
Sociedade falante
Quando uma sociedade e seus valores ficam muito perdidos,
elautoajuda. uma sociedade que procura o que fazer, como viver.
Precisa muito de receita. O melhor dilogo que travamos na vida com
o silncio. Conversar com o silncio fascinante. Vivemos em uma
sociedade em que o silncio est interditado. As pessoas falam o
tempo inteiro. Voc entra no aeroporto e a tev est ligada o tempo
inteiro. No hotel, a tev est ligada o tempo inteiro. Tem uma msica
tocando no elevador, tem algum falando no celular. Tem pessoas com
trs celulares. um mundo que fala o tempo inteiro. No conversamos
com o silncio. E quando escutamos o silncio, temos muitas
respostas. Estamos ficando cada dia mais interditados do silncio.
Tem um objeto que me preocupa muitocontra. s vezes, tem umas
novelasbloco e outro, existe uma coisa chamada comercial, que
mostra tudo o que no temos. Voc no tem esse carto de crdito, no tem
esse tnis, no fez essa viagem. Voc no tem esse carro, no usa esse
pr
casa, muito bem vestidas, s trs horas da tarde, me pedindo para
participar de abaixoassinado que elas iriam mandar para o Roberto
Marinho. O abaixoa Globo estava passando programasEu as levei at o
escritrio, no tenho tev na sala, e disse para elas: Olha, vou dizer
para a senhora que a minha televiso maravilhosa. Ela tem um boto
que quando no quero assistir, eu desligo. Temda senhora no tem,
mandar instalar. As pessoas esto sem autonomia at para desligar uma
televiso. Compram aquilo, ligam de manh e dormem com aquilo ligado
a noite inteira. uma coisa que fala
Livro digital
Um dia, conversando com a Annecasada com o historiador Roger
Chartierlocadora porque no tive tempo de ver o filme. A, levo para
casa o filme que quero ver. A, tenho que ter um aparelho para
enfiar aquele filme, mas antes tenho que ver se ele
est bem conectado na televiso. Depois, para poder ligar e
assistir ao filme. Quando fao tudo isso e no consigo, preciso
Quando uma sociedade e seus valores ficam muito perdidos, ela d
muita fora para a ajuda. uma sociedade que procura o que fazer,
como viver. Precisa muito de
receita. O melhor dilogo que travamos na vida com o silncio.
Conversar com o silncio fascinante. Vivemos em uma sociedade em que
o silncio est interditado. As
am o tempo inteiro. Voc entra no aeroporto e a tev est ligada o
tempo inteiro. No hotel, a tev est ligada o tempo inteiro. Tem uma
msica tocando no elevador, tem algum falando no celular. Tem
pessoas com trs celulares. um mundo
nteiro. No conversamos com o silncio. E quando escutamos o
silncio, temos muitas respostas. Estamos ficando cada dia mais
interditados do silncio. Tem um objeto que me preocupa muito,
chamado televiso. No tenho nada contra. s vezes, tem umas novelas
boas que a gente descansa ao assistir. Masbloco e outro, existe uma
coisa chamada comercial, que mostra tudo o que no temos. Voc no tem
esse carto de crdito, no tem esse tnis, no fez essa viagem. Voc no
tem esse carro, no usa esse produto Certa vez, umas senhoras
apareceram na minha casa, muito bem vestidas, s trs horas da tarde,
me pedindo para participar de abaixoassinado que elas iriam mandar
para o Roberto Marinho. O abaixo-assinado era porque a Globo estava
passando programas naquele horrio que no eram bons para os jovens.
Eu as levei at o escritrio, no tenho tev na sala, e disse para
elas: Olha, vou dizer para a senhora que a minha televiso
maravilhosa. Ela tem um boto que quando no quero assistir, eu
desligo. Tem que instalar na da senhora. uma coisa fascinante. Se a
da senhora no tem, mandar instalar. As pessoas esto sem autonomia
at para desligar uma televiso. Compram aquilo, ligam de manh e
dormem com aquilo ligado a noite inteira. uma coisa que fala no
ouvido da gente o tempo inteiro.
Um dia, conversando com a Anne-Marie Chartier [pesquisadora
francesa em educao, casada com o historiador Roger Chartier], ela
falou mais ou menos assim: Vou locadora porque no tive tempo de ver
o filme. A, levo para casa o filme que quero ver. A, tenho que ter
um aparelho para enfiar aquele filme, mas antes tenho que ver se
ele
est bem conectado na televiso. Depois, preciso ver se o controle
remoto tem pilhas para poder ligar e assistir ao filme. Quando fao
tudo isso e no consigo, preciso
a d muita fora para a ajuda. uma sociedade que procura o que
fazer, como viver. Precisa muito de
receita. O melhor dilogo que travamos na vida com o silncio.
Conversar com o silncio fascinante. Vivemos em uma sociedade em que
o silncio est interditado. As
am o tempo inteiro. Voc entra no aeroporto e a tev est ligada o
tempo inteiro. No hotel, a tev est ligada o tempo inteiro. Tem uma
msica tocando no elevador, tem algum falando no celular. Tem
pessoas com trs celulares. um mundo
nteiro. No conversamos com o silncio. E quando escutamos o
silncio, temos muitas respostas. Estamos ficando cada dia mais
interditados do
chamado televiso. No tenho nada boas que a gente descansa ao
assistir. Mas, entre um
bloco e outro, existe uma coisa chamada comercial, que mostra
tudo o que no temos. Voc no tem esse carto de crdito, no tem esse
tnis, no fez essa viagem. Voc no
oduto Certa vez, umas senhoras apareceram na minha casa, muito
bem vestidas, s trs horas da tarde, me pedindo para participar de
abaixo-
assinado era porque naquele horrio que no eram bons para os
jovens.
Eu as levei at o escritrio, no tenho tev na sala, e disse para
elas: Olha, vou dizer para a senhora que a minha televiso
maravilhosa. Ela tem um boto que quando no
que instalar na da senhora. uma coisa fascinante. Se a da
senhora no tem, mandar instalar. As pessoas esto sem autonomia at
para desligar uma televiso. Compram aquilo, ligam de manh e dormem
com aquilo ligado a noite
pesquisadora francesa em educao, ela falou mais ou menos assim:
Vou
locadora porque no tive tempo de ver o filme. A, levo para casa
o filme que quero ver. A, tenho que ter um aparelho para enfiar
aquele filme, mas antes tenho que ver se ele
preciso ver se o controle remoto tem pilhas
para poder ligar e assistir ao filme. Quando fao tudo isso e no
consigo, preciso
-
telefonar para o tcnico que me diz que daqui a trs dias vem para
ver qual o problema. E acho que estou maravilhosamente bem sestou.
O livro uma coisa to fascinante. No tem pilha, no tem fio, no tem
tcnico,
no tem nada. Ela falou comigo, o livro ainda ser inventado de to
maravilhoso que ele . Ainda ser inventado porque a coisa mais
prttoda precisa de pilha de eletricidade. O livro no tem nada
disso, pe debaixo do brao e leva para onde quiser. No tem que
anotar em que parte parou, basta dobrar o cantinho e j sabe. bonito
no livro quando voc risca o que li e vejo onde risquei e penso j no
sei mais por que marquei isso. Que coisa boa! Naquele dia, aquilo
teve uma funo. Hoje, j no sei mais qual . Ento, respondo com a fala
da Anne-Marie Chartier: O livro ainda vai chegar o tempo dele.
i Srie de acordos produzidos, nos anos 1960, entre o Ministrio
da Educao brasileiro (MEC) e a United SAgency for International
Development (Usaid). Visavam estabelecer convnios de assistncia
tcnica e cooperao financeira educao brasileira. Inseriamcomo
pressuposto do desenvolvimento econmico.
telefonar para o tcnico que me diz que daqui a trs dias vem para
ver qual o problema. E acho que estou maravilhosamente bem servida
com a tecnologia. No estou. O livro uma coisa to fascinante. No tem
pilha, no tem fio, no tem tcnico,
no tem nada. Ela falou comigo, o livro ainda ser inventado de to
maravilhoso que ele . Ainda ser inventado porque a coisa mais
prtica que tenho. Essa tecnologia toda precisa de pilha de
eletricidade. O livro no tem nada disso, pe debaixo do brao e leva
para onde quiser. No tem que anotar em que parte parou, basta
dobrar o cantinho e j sabe. bonito no livro quando voc risca o que
l. Acho bonito quando pego livros que li e vejo onde risquei e
penso j no sei mais por que marquei isso. Que coisa boa! Naquele
dia, aquilo teve uma funo. Hoje, j no sei mais qual . Ento,
respondo
Marie Chartier: O livro ainda vai ser inventado. ainda vai
chegar o tempo dele.
Srie de acordos produzidos, nos anos 1960, entre o Ministrio da
Educao brasileiro (MEC) e a United SAgency for International
Development (Usaid). Visavam estabelecer convnios de assistncia
tcnica e cooperao financeira educao brasileira. Inseriam-se num
contexto histrico fortemente marcado pela concepo de educao
envolvimento econmico.
telefonar para o tcnico que me diz que daqui a trs dias vem para
ver qual o ervida com a tecnologia. No
estou. O livro uma coisa to fascinante. No tem pilha, no tem
fio, no tem tcnico,
no tem nada. Ela falou comigo, o livro ainda ser inventado de to
maravilhoso que ica que tenho. Essa tecnologia
toda precisa de pilha de eletricidade. O livro no tem nada
disso, pe debaixo do brao e leva para onde quiser. No tem que
anotar em que parte parou, basta dobrar o cantinho e
que l. Acho bonito quando pego livros que li e vejo onde risquei
e penso j no sei mais por que marquei isso. Que coisa boa! Naquele
dia, aquilo teve uma funo. Hoje, j no sei mais qual . Ento,
respondo
ainda vai ser inventado. to bom que
Srie de acordos produzidos, nos anos 1960, entre o Ministrio da
Educao brasileiro (MEC) e a United States Agency for International
Development (Usaid). Visavam estabelecer convnios de assistncia
tcnica e cooperao
se num contexto histrico fortemente marcado pela concepo de
educao