1 ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: DO ELITISMO COLONIAL AO AUTORITARISMO MILITAR André Lins de Melo 1 (096)3242/5687 E-mail: [email protected]Elisangela de Jesus Ribeiro dos Santos 2 (96)91179883 Gercília Pereira de Andrade 3 (096)3421/6813 Macapá-AP Resumo: O presente artigo visar fazer uma retrospectiva do ensino superior no Brasil do período colonial até o contexto da Ditadura Militar. Mediante pesquisa bibliográfica objetivamos ressaltar que a história da educação superior no Brasil não pode ser analisada sem considerar-se sua relação com o desenvolvimento sócio-histórico brasileiro e que tal história é marcada pelo elitismo e pela exclusão, com implicações semelhantes em nossa educação e conseqüentemente no ensino superior. O ensino superior no Brasil colonial foi tardio e decorreu de uma mudança na estrutura política do Estado português que aqui se instaurou com a vinda da Coroa portuguesa em 1808. Seu caráter não-universitário e profissionalizante foi determinado pelos interesses da elite que aqui aportou com D. João VI. As reformas educacionais ocorridas no período Imperial não fizeram mais do que conservar, aperfeiçoando-as, as instituições fundadas por D. 1 Professor da rede estadual de ensino do Amapá, graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Amapá e graduado em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Federal do Amapá. 2 Graduada em História pela Universidade Federal do Amapá. 3 Graduada em História pela Universidade Federal do Amapá.
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ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: DO ELITISMO COLONIAL AO ...
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ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: DO ELITISMO COLONIAL AO
Resumo: O presente artigo visar fazer uma retrospectiva do ensino superior no Brasil do período colonial até o contexto da Ditadura Militar. Mediante pesquisa bibliográfica objetivamos ressaltar que a história da educação superior no Brasil não pode ser analisada sem considerar-se sua relação com o desenvolvimento sócio-histórico brasileiro e que tal história é marcada pelo elitismo e pela exclusão, com implicações semelhantes em nossa educação e conseqüentemente no ensino superior. O ensino superior no Brasil colonial foi tardio e decorreu de uma mudança na estrutura política do Estado português que aqui se instaurou com a vinda da Coroa portuguesa em 1808. Seu caráter não-universitário e profissionalizante foi determinado pelos interesses da elite que aqui aportou com D. João VI. As reformas educacionais ocorridas no período Imperial não fizeram mais do que conservar, aperfeiçoando-as, as instituições fundadas por D. João VI ou criadas no Primeiro Império. A Primeira República, assim como o Império, apesar dos muitos projetos e do grande entusiasmo, também não conseguiu efetivar a “idéia de universidade no Brasil”. Por sua vez, no Estado Novo ocorre uma relativa abertura dos canais de acesso ao ensino superior, com o aumento de cursos, que proporcionou o crescimento do número de estudantes oriundos das “camadas médias”. Esse fato contribuiu para que as escolas superiores se constituíssem num espaço privilegiado de debates. No entanto, o Governo Federal mantinha seu poder de determinação sobre os cursos superiores que compunham a universidade que eram mais uma federação de escolas do que universidades. O período posterior, de 1945 a 1963, conviveu com a herança autoritária no âmbito das relações de trabalho e da organização do ensino deixado pela ditadura varguista, mas empreendeu uma modernização do ensino superior caracterizada pela busca da formação da força de
1 Professor da rede estadual de ensino do Amapá, graduado em Pedagogia pela Universidade Federal do Amapá e graduado em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Federal do Amapá.
2 Graduada em História pela Universidade Federal do Amapá.
3 Graduada em História pela Universidade Federal do Amapá.
trabalho de nível universitário com vistas a atender o capital monopolista e aplacar os anseios de uma mobilidade social das camadas médias. A ditadura militar empreendeu uma reforma universitária caracterizada pela busca da formação da força de trabalho de nível universitário com vistas a consolidar o projeto de desenvolvimento “associado e dependente” dos centros hegemônicos do capitalismo internacional. Percebe-se que as políticas e reformas do ensino superior empreendidas no Brasil do período colonial até a Ditadura, não tiveram como eixo central as necessidades da maioria da população, mas sim os interesses dos grupos dominantes que constituíam as elites e as demandas de uma economia externa que passou de capitalista mercantil, para industrial e depois monopolista e financeiro. Daí resulta o caráter intervencionista e centralizador que caracteriza as ações do Estado nesse campo.
Palavras-chaves: história – ensino superior – reformas educacionais – universidade
Introdução
O presente trabalho encontra-se organizado em seis eixos. No primeiro eixo
abordamos o período colonial fazendo uma análise das ações desenvolvidas no campo
educacional, em especial o ensino superior. No segundo, tratamos das políticas do Brasil
Império voltadas para esse campo, destacando as continuidades e mudanças ocorridas com
relação ao período anterior. No terceiro, analisamos as experiências e projetos
desenvolvidos na Primeira República destacando a superficialidade das mudanças
ocorridas nesse contexto. Depois, tratamos das ações ambíguas e autoritárias do Estado
Novo no que tange as políticas de educação superior e; das tendências modernizantes para
o setor no período de 1945 a 1963 executadas por governos ditos democráticos, mas que
adotaram políticas de controle das universidades com vistas a manter junto ao governo
uma reserva de especialistas altamente qualificados. O último eixo trata da reforma
empreendida pelos governos militares e sua relação com os interesses do capital
internacional.
1 - Ensino superior no período colonial: um surgimento tardio e elitizado
Segundo Ghiraldelli Junior (2008) o Brasil foi colônia de Portugal entre 1500 e
1822. A educação escolar nesse período, ou seja, a educação regular e mais ou menos
institucional de tal época, teve três fases: a do predomínio dos jesuítas; a das reformas do
Marquês de Pombal, principalmente a partir da expulsão dos jesuítas do Brasil e de
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Portugal em 1759; e o período em que D. João VI, então rei de Portugal, trouxe a Côrte
para o Brasil (1808-1821). A educação brasileira teve seu início propriamente dito com o
fim do regime de capitanias. O Brasil ficou sob o regime de capitanias hereditárias entre
1532 e 1549. Tal regime terminou quando D. João III criou o Governo Geral. Na primeira
administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o Padre Manoel da Nóbrega e
dois outros jesuítas. Eles foram nossos primeiros professores.
Ferreira Jr e Bittar (2008) afirmam que no mesmo ritmo em que Brasil e Portugal,
no período do antigo sistema colonial, inseriam-se de forma subordinada e dependente na
lógica capitalista mundial, criada pela burguesia mercantil, os jesuítas alteraram os seus
objetivos educacionais no Brasil Colonial. Nesse contexto, os índios foram deixados de
lado pela missão educacional da Companhia de Jesus, que os substituíram pelos filhos dos
grandes proprietários agrários. A ação pedagógica jesuítica, na prática, ficou reduzida a
formação de um minúsculo estrato social de letrados que, através do domínio do saber
erudito e técnico europeu de então, orienta as atividades mais complexas e opera como
centro difusor de conhecimentos, crenças e valores.
Os jesuítas começavam a instaurar aquilo que seria a principal marca de nossa
educação ao longo da história: o elitismo e a exclusão. Esse direcionamento elitista e
excludente não foi suficiente para que os jesuítas inaugurassem o ensino superior no Brasil,
pois conforme Sguissardi (2004) a “idéia de universidade no Brasil” foi negada pela Coroa
aos Jesuítas.
As primeiras experiências de ensino superior no Brasil só ocorreriam 308 anos
depois da chegada dos colonizadores, pois conforme Morosini (2005) a criação de cursos
superiores no país ocorreu somente com a vinda da família real portuguesa para o Brasil,
em 1808. Estes se caracterizavam por duas tendências marcantes: cursos isolados – não
universitário – e uma preocupação basicamente profissionalizante. Fortemente
influenciando pelo modelo francês, o ensino superior brasileiro não superou a orientação
clássica, nele prevalecendo a desvinculação entre teoria e prática. Os principais cursos
eram voltados ao ensino médico, de engenharia, de direito, de agricultura e de artes.
Ghiraldelli Junior (2008) ressalta que foi com a vinda da Côrte portuguesa, em
1808, que o ensino no Brasil começou a se alterar profundamente com a criação de uma
série de cursos em nível médio, superior, bem como militares. Foi assim que em 1808
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nasceu o Curso de Cirurgia na Bahia4 e o Curso de Cirurgia e Anatomia no Rio de janeiro.
No decorrer, nasceu o Curso de Medicina no Rio de Janeiro e, em seguida, em 1910, a
Academia Real Militar (que mais tarde tornou-se a Escola Nacional de Engenharia).
No entanto, essa profunda alteração não se deu em função dos interesses da
população que vivia no Brasil e sim como decorrência da conjuntura política do período
que exigia mudanças no ensino para atender às exigências do Côrte que aqui se instalou.
Conforme Freire (1993) com o estabelecimento da Coroa Portuguesa, no Rio de Janeiro em
1808, houve uma preocupação imediatista e profissionalizante com o ensino para preparar
o pessoal que deveria servir aos novos quinze mil habitantes da nova sede do Reino.
Segundo Morosini (2005) a profissionalização do ensino superior, inaugurada por
D. João VI, e a fragmentação do ensino consagrada pelo ato institucional marcariam
profundamente, através de mais de um século, a fisionomia de nossa educação que se teria
de frustrar todas as tentativas de alterar o curso de sua evolução. Neste período, ressalta-se
uma tendência de concentração de poder nas mãos dos lentes proprietários e/ ou
catedráticos, denominação pós-1854, com a Reforma Couto Ferraz. As cátedras
inicialmente eram o cerne do ensino superior e à medida que se aglutinavam deram origem
aos cursos superiores. Na Carta Régia de 1808, o professor ensinaria em conformidade
com as instruções que lhe eram remetidas, esperando-se dele zelo, conhecimento da
instrução, estudos luminosos, patriotismo e desempenho do conceito que se fazia de sua
pessoa.
O ensino superior no Brasil colonial foi tardio e decorreu de uma mudança na
estrutura política do Estado português que aqui se instaurou com a vinda da Coroa 4Segundo Morosini (2005) em 1808, por uma carta régia do Príncipe Regente, é permitida a criação do curso médico na Bahia, que, embora muito rudimentar, apresentava-se sob a forma de um curso regular, sistematizado e com um regime escolar. Também neste ano é concedido o título do primeiro professor do ensino superior brasileiro, e são estabelecidas as determinações para o desempenho dessa função. Nas Instruções para lente de cirurgia, que se constitui no Primeiro Estatuto de Ensino Superior Brasileiro, o curso deveria ter a duração de quatro anos, desenvolvidos por aulas teóricas, em salas do Hospital Militar, e por aulas práticas duas vezes por semana, em uma das enfermarias, ao fim do qual seria concedido um certificado ao praticante. Eram habilitados a freqüentar os alunos que tivessem conhecimento de língua francesa, pagando seis mil e quatrocentos réis ao seu professor. No verão, as aulas iniciavam as setes horas da manhã e no inverno as oito, com duração de três quartos de hora, excluindo as quartas-feiras e feriados. No último dia de aula da semana, aos sábados, ocorria a sabatina ou recapitulação das matérias que haviam sido objeto das lições. Nessa ocasião os lentes poderiam argüir os estudantes ou designar argüentes e defendentes. Vigorava a obrigatoriedade do comparecimento às aulas e o abono de faltas ficava a critério dos professores, após exame de atestado médico. A perda de ano decorria da não presença a vinte aulas, por negligência, ou a sessenta aulas, por doença. Destaca-se nesta época o Lente de cirurgia Manoel José Estrella.
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portuguesa em 1808. Seu caráter não-universitário e profissionalizante foi determinado
pelos interesses da elite que aqui aportou com D. João VI. Isso deixa evidente que no
período colonial, não possuíamos universidades, mas sim cursos profissionalizantes de
nível superior. Possuíamos um ensino superior, sem vinculação entre teoria e prática,
elitista e funcional aos interesses dominantes. Pouca coisa mudaria com o Império no que
tange a essa caracterização do ensino superior brasileiro.
2 - Ensino superior no período imperial: a continuidade da tradição aristocrática
excludente.
Segundo Ghiraldelli Junior (2008) o ensino no império foi estruturado em três
níveis: primário, secundário e superior. O primário era a “escola de ler e escrever”, que
ganhou um incentivo da Côrte e aumentou suas disciplinas consideravelmente. O
secundário se manteve dentro do esquema das “aulas régias”, mas ganhou uma divisão em
disciplinas, principalmente nas cidades de Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro. D.
Pedro I outorgou a nossa primeira Constituição, a de 1824. Essa carta constitucional
continha um tópico específico em relação à educação. Ela inspirava a idéia de um sistema
nacional de educação. Segundo ela, o Império deveria possuir escolas primárias, ginásios e
universidades.
Porém, de acordo Freire (1993) os preceitos educativos, incluídos entre os mais
diversos temas nas Disposições Gerais de nossa Constituição, não foram cumpridos, mas
era preciso propalar os ideais liberais tão em voga na Europa e América do Norte, era
preciso imitar, senão no real, pelo menos no legal. O projeto de lei de autoria de Januário
da Cunha Barbosa, que previa um plano de ensino público integral, do nível elementar ao
superior, ficou reduzido a duas leis quando, reaberta a Assembléia Geral, e se voltou a
discutir a educação nacional. A primeira criou cursos jurídicos em Olinda e São Paulo, em
11 de agosto de 1827, preparando nossos bacharéis para comporem o aparato jurídico
próprio do novo Estado Nacional. A segunda regulamentou, em 15 de outubro de 1827, o
ensino para as “escolas de primeiras letras”.
Esse ato reflete a estrutural dual segundo a qual se organizou a educação brasileira
ao longo de sua história. Segundo Carneiro (1998) a escola que se queria no Brasil Império
buscava manter a tradição da educação aristocrática, totalmente voltada para os
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freqüentadores da Côrte e, portanto, para os destinatários do ensino superior, em
detrimento dos demais níveis de ensino.
Foi assim que, segundo Freire (1993) o tratamento na tramitação e o resultado da
lei que criou os cursos jurídicos foi diferente do que tratou o ensino de “primeiras letras”,
porque aqueles cursos representavam os interesses reais da classe dominante que
necessitava organizar o aparato do Estado para lhe servir. A proclamação da “necessidade”
de educação popular foi apenas uma farsa liberal, encenada em nome da “democracia”,
pelos dominantes, para dissimular o jogo político que realizavam com vistas a garantir-lhes
todos os direitos e privilégios. Não foram criadas universidades, apenas cursos jurídicos
foram acrescentados aos de nível superior já existentes desde o período joanino. Não foi
sistematizado o ensino de nível médio nem criado um curso primário completo. Em todos
os níveis, o que se tinha eram alguns cursos isolados, frágeis e compartimentados.
A partir de 1832, em decorrência da Reforma Senador Vergueiro, têm início os
concursos para lentes substitutos, função inferior à de lente catedrático. Apesar da
austeridade de detalhes sobre o concurso, ficava estabelecido que se não houvesse
candidato ao cargo ou se o concurso fosse anulado, o governo poderia fazer diretamente a
nomeação, por exemplo, para o Curso de Direito, dentre uma das seguintes classes: a dos
doutores em direito que tivessem advogado por cinco anos ou a de bacharéis em direito
com o dobro do tempo de advocacia ou serviço público (MOROSINI, 2005: 307).
No entanto, ações mais relevantes só ocorreriam em 1850. Ghiraldelli Jr. (2008)
afirma que o Império só se consolidou realmente em 1850, quando as divisões internas
diminuíram e quando a economia cafeeira deu ao país um novo rumo, após a decadência da
mineração. A década de 1850 ficou marcada por uma série de realizações importantes para
a educação institucional, tais como a criação da Inspetoria Geral da Instrução Primária e
Secundária do Município da Côrte e; por duas características básicas do ensino da época: o
aparato institucional de ensino existente era carente de vínculos mais efetivos com o
mundo prático e/ou com a formação científica; e era um ensino mais voltado para os
jovens que para as crianças.
Cabe ressaltar que essa ênfase nos jovens dava-se num contexto marcado pelo
elitismo e pelo autoritarismo inerentes à sociedade imperial. Conforme Freire (1993) a
educação popular era vítima do descaso das autoridades, abalizada pela falta de formação
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do docente para o magistério primário e pela insuficiência dos que eram formados. No que
tange ao ensino superior, Ghiraldelli Junior (2008) afirma que:
No campo do ensino superior, quem quisesse uma boa escola deveria se deslocar para os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda. Quem desejasse seguir a carreira médica deveria se contentar com a Bahia e o Rio de Janeiro. A engenharia estava restrita, de certo modo, à Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Havia ainda os cursos militares do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e de Fortaleza. Existia também o curso da Marinha, no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro detinha, ainda, escola para o ensino artístico e mais seis seminários para o ensino religioso. Não existia uma política integrada entre o governo central e o que se fazia nas províncias, o que nutria não só um caráter heterogêneo para a educação brasileira da época como também mostrava, para qualquer viajante, uma imensa alteração de qualidade da educação quando este fosse caminhando de província para província. (p. 29).
É provável que umas das razões desse descompasso entre as políticas do governo
central e das províncias tenha sido o Ato Adicional à Constitucional de 1824 que entrou em
vigor em 1834. Segundo Carneiro (1998) em 1834, a declaração do Ato Adicional criou as
Assembléias Legislativas Provinciais, cabendo-lhes a atribuição de legislar sobre instrução
pública.
Porém, de acordo com Freire (1993) um fato importante para se compreender a
frágil educação do Império é atentar, justamente, para o Ato Adicional à Constituição que
entrou em vigor em 1834. Este, criando as assembléias provinciais, lhes deu o “direito” de
legislar e organizar seus ensinos de nível primário e médio. O ensino superior, em todo o
Brasil, ficou a cargo do governo central, que igualmente cuidava do ensino primário e
médio no Município Neutro (capital do Império). Assim, as províncias, sem recursos
humanos e econômicos, não puderam levar a bom termo, se é verdade que tal fato as
interessava, nem quantitativa nem qualitativamente, o ensino primário e o médio.
Além disso, conforme Carneiro (1998) o formato assumido pelo ensino superior, de
conteúdo generalizante e humanístico, terminou por repercutir no próprio ensino
secundário. De fato, ao excluir, da competência das Assembléias Legislativas Provinciais,
as Faculdades de Medicina, de Direito e as Academias, abria-se uma brecha para a
coexistência de uma dualidade de sistemas, advinda de uma concomitância de poderes
(provincial e central), no tocante ao ensino primário e secundário. Estabeleceu-se um
mecanismo natural de direcionamento do currículo pré-universitário. De um lado porque o
ensino secundário visava à preparação dos alunos para o ensino superior, portanto, tinha
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uma orientação curricular propedêutica e, de outro, porque os candidatos às Faculdades
Superiores eram examinados nos próprios cursos em que faziam o secundário. Tanto mais
grave: a maioria das Escolas Secundárias abrigava-se em mãos de particulares, o que por si
só representava uma elitização da escola visto que somente as famílias com recursos
poderiam custear os estudos dos seus filhos.
Diante de tal elitização, Freire (1993) destaca que as camadas médias para
continuar os estudos em nível superior, geralmente freqüentavam as “aulas preparatórias”
(preparo para o ensino superior) e prestavam, obrigatoriamente, o “exame preparatório”
exigido a título de medição da aprendizagem do candidato. Os filhos de senhores de terras
e escravos iniciavam seus estudos com preceptores em suas casas, geralmente com o tio-
padre “ilustre” da família ou com leigos trazidos da Europa para este fim, algumas vezes
na escola pública. Não havia a necessidade (e o interesse) de se manter um ensino
elementar para a população em geral (mais de 25% escrava).
A esse caráter elitista da educação imperial se somava outro aspecto que a tornava
mais excludente. Segundo Morosini (2005) a escassa demanda e a pouca importância que o
ensino superior representava para o aumento de lucratividade da nação brasileira, aliado ao
seu caráter federal, acarretam a criação, até a República, de 12 a 15 cursos e faculdades
superiores. É importante registrar que, apesar da permissão para a criação das Escolas
livres, poucas dentre elas vingaram devido ao número reduzido de alunos que se
candidatavam aos cursos: a prestação de exames perante as escolas oficiais e essa condição
atemorizadora era mais que suficientes para desanimar a juventude. As reformas
educacionais ocorridas no período Imperial indicam influências transitórias dos gabinetes
ministeriais que não fizeram mais do que conservar, aperfeiçoando-as, as instituições
fundadas por D. João VI ou criadas no Primeiro Império.
Como de acordo com Freire (1993) a escola primária era freqüentada por menos de
10% da população livre em idade escolar, visto que tal índice só foi atingido na segunda
metade do século XIX, quando a população havia crescido consideravelmente; e levando-
se em conta a desistência de alunos para continuarem os estudos nos níveis mais altos,
pode-se inferir o número reduzido daqueles que, desde o período imperial, conseguiam
diploma de conclusão em cursos superiores, daí que o mesmo dava ao portador poder,
prestígio e remuneração.
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Como podemos perceber, as políticas educacionais do Brasil Império procuraram
garantir a continuidade da tradição aristocrática típica do período colonial e, manter seu
caráter elitista e excludente. As reformas empreendidas apenas aperfeiçoaram aquilo que já
existia sem alterar sua estrutura, sem abolir os mecanismos de exclusão que impediam um
acesso maior ao nível superior de ensino. Também não superaram a dicotomia entre teoria
e prática, o elitismo e o isolamento que marcava tais cursos, visto que conservaram aquilo
que já existia. Ou seja, as reformas do Brasil Império não foram capazes de instaurar a
universidade em nosso país. De fato, segundo Sguissardi (2004) durante o Império a “idéia
de universidade no Brasil” jamais se efetivou.
Sua não efetivação não interessava às elites da época, pois segundo Freire (1993)
no período que vai de 1534 a 1850, precisava-se, tão somente, organizar e manter uma
instrução superior para uma elite que se encarregaria da burocracia do Estado, com o fim
de perpetuar seus interesses e cujo diploma referendava a posição social, política e
econômica, a quem o possuía e a seus grupos de iguais. As iniciativas do gabinete do Barão
do Rio Branco que resultaram na criação da Escola de Minas em 1875, em Ouro Preto,
para preparação de especialistas em mineralogia, geologia e minas e na reorganização da
Escola Central, que passou a chamar-se Politécnica, 1874, no Rio de Janeiro e que contou
com as especializações de engenharia civil, minas e artes mecânicas, corresponderam às
necessidades de um ensino mais profissional que o país exigia para uma incipiente e
recente industrialização e foram as únicas iniciativas no ensino superior do Império que
subsidiaram um ensino de caráter científico e romperam com o ensino tradicional e
pragmático em voga na época.
Mesmo assim, tais iniciativas – somadas a criação do curso de Matemática Superior
de Pernambuco, em 1889, conforme registro de Freire (1993) – não foram suficientes para
mudar o quadro geral da educação no Império que reproduzia o elitismo e a exclusão
iniciada durante o período Colonial e não correspondia aos anseios de uma educação
popular nem em seus níveis mais elementares, quanto menos uma educação superior. A
Primeira República empreendeu reformas que tornaram possível uma expansão do ensino
superior, mas dentro dos limites impostos pela sociedade dual e elitista da época.
3 - Primeira República: mudanças superficiais para uma sociedade dual e elitista
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O final do século XIX presencia eventos categóricos para a nação brasileira: a troca
de regime político, a abolição da escravatura, a introdução de mão-de-obra livre, a política
imigratória e o primeiro surto industrial (MOROSINI, 2005: 308). Segundo Ghiraldelli
Junior (2008) a República brasileira foi proclamada pelo General Deodoro da Fonseca, em
15 de novembro de 1889. O período de fim do Império e início da República assistiu uma
relativa urbanização do nosso país, e os grupos que estiveram junto com os militares na
idealização e construção do novo regime vieram de setores sociais urbanos que
privilegiavam, de certo modo, as carreiras de trabalho mais dependentes de certa
escolarização, as carreiras menos afeitas ao trabalho braçal. Associado a isso e ao clima de
inovação política, surgiu então a motivação para que nossos intelectuais – de todos os
níveis e projeções – viessem a discutir a necessidade de abertura de escolas.
Em tal contexto, a influência positivista se intensifica. Os setores médios
fortalecidos, principalmente os militares, aliados à burguesia cafeeira, desencadeiam uma
postura descentralizadora, o que se reflete também na educação superior (MOROSINI,
2005: 308). Essa postura era legalmente estabelecida na primeira Carta Magna
Republicana. Segundo Carneiro (1998) a Constituição de 1891 trouxe mudanças
significativas na Educação. Ao Congresso Nacional foi atribuída a prerrogativa legal
exclusiva de legislar sobre o ensino superior. Ainda poderia criar escolas secundárias e
superiores nos Estados, além de responder pela instrução secundária do Distrito Federal.
Quanto aos Estados, cabia-lhes legislar sobre o ensino primário e secundário, implantar e
manter escolas primárias, secundárias e superiores. Nestes dois últimos casos, o Governo
Federal poderia, igualmente, atuar.
No entanto, tal descentralização era relativa. Como destaca Morosini (2005) o
reflexo da força emergente – a influência positivista – pode ser observado justamente na
Constituição de 1891, que concedeu à União, porém privativamente, atribuições de criar
instituições de ensino superior nos Estados. Entretanto, pelo Código Epitácio Pessoa
(Brasil, 1902) era mantido o controle, pois competia privativamente à União legislar sobre
o ensino superior. A partir dessas legislações surgem os cursos superiores nos Estados.
É preciso frisar que de acordo com Freire (1993) a Constituição republicana de
1891 não se preocupou com a educação em geral nem com o ensino em particular.
Praticamente apenas referendou responsabilidades dos estados e da União com o ensino
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primário, secundário, técnico-profissional, normal e superior em todo o país. Nosella
(1998) ressalta que a política educacional da Primeira República, de um lado, foi vitoriosa
porque universalizou no Brasil a idéia de uma rede de ensino primário, público, gratuito e
laico, criando um sistema escolar apropriado (Escolas Normais e Grupos Escolares); de
outro lado, porém, o sistema criado foi insuficiente e insensível ao mundo do trabalho. De
fato, os direitos fundamentais da cidadania foram universalizados “para inglês ver”, como
diz o ditado popular, ou seja, apenas no nível das intenções.
Morosini (2005) nos lembra que nesse período, os Estados se caracterizavam pela
política dos governadores, pela qual se entregou cada estado federado, como fazendas
particulares, à oligarquia regional que a dominasse, de forma que esta, satisfeita em suas
solicitações, ficasse com a tarefa de solucionar os problemas desses estados. Apesar do
caráter oligárquico, esse foi um período fértil para a expansão do ensino superior que de
1907 a 1933 passa de 25 para 338 instituições de ensino superior e 17 universidades e de 5.
795 para 24. 166 alunos. Entretanto, mesmo com esta expansão, a taxa de escolarização era
muito baixa, pois somente 0,05% da população total do país, em torno de 17 milhões de
habitantes, estava matriculada em um curso superior.
Essa reduzida taxa de escolarização não é apenas um atributo exclusivo do ensino
superior do período. Na verdade, esteve presente desde os níveis mais elementares de
ensino. Conforme Nosella (1998) o princípio pedagógico que presidiu à organização da
educação primária, na primeira metade do século XX, necessariamente foi dual, pois
enfatizou, de um lado, uma educação (não escolar) para os muitos trabalhadores que ainda
deviam “extrair” as riquezas nacionais, e, de outro lado, criou uma segunda educação
(escolar) para os outros (minoria) chamados a construir indústrias e serviços urbanos.
Portanto, não é de surpreender que nesse contexto o acesso ao ensino superior fosse
reduzido, pois a organização educacional da Primeira República era dual e mantinha seu
caráter elitista. Como destacam Ferreira Jr. e Bittar (2008) o advento da República não foi
capaz de alterar o traço elitista da história da educação brasileira.
Outro aspecto a ser destacado diz respeito ao momento de criação das primeiras
universidades brasileiras. Mesmo sendo a Primeira República um período considerado
fértil para a expansão do ensino superior, o surgimento das universidades no Brasil foi
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tardio5. Conforme Sguissardi (2004) nos anos de 1910 existiram três experiências de
instituições denominadas universidades, a de Manaus, a de São Paulo e a do Paraná, que,
por diversas razões, não perduraram. Somente em 1920, veio à luz a primeira universidade
brasileira (Universidade do Rio de Janeiro), mas nascida como uma confederação de
escolas – Medicina, Politécnica e Direito. Depois, foi a vez da Universidade Federal de
Minas Gerais, em 1927, com a aglutinação de cinco faculdades – Engenharia, Medicina,
Direito, Farmácia e Odontologia. Era o modelo neonapoleônico6 induzindo alguma
coordenação a faculdades profissionais, que se originaram em cátedras; também essas
faculdades, heranças do velho modelo francês.
Apesar da citada expansão do ensino superior, a educação brasileira da Primeira
República ainda refletia as influências do passado. Segundo Morosini (2005) o período
compreendido entre o final do século XIX até 1930 é movido por “reformas consecutivas e
desconexas”, onde o sistema educacional continuava a ser orientado pela herança jesuítica,
o que na prática significava que a escola brasileira era de conteúdo intelectualista, alienada
da realidade e sem vinculação com o mundo do trabalho.
Nosella (1998) afirma que a precária vitória das reformas educacionais da Primeira
República – no que tange a universalização do ensino – não pode se atribuída à
incompetência do sistema escolar e sim a forma produtiva dual daquela sociedade.
Obviamente, numa sociedade dualista, qualquer rigor nos estudos acabaria por “excluir” da
5Segundo Sguissardi (2004: 34-5) em 1892, Viveiros de Castro, dispondo-se Benjamin Constant a “reformar a instrucção pública do paiz”, desde a “instrucção primaria até ás academias de ensino superior”, pleiteava do Ministro “como remate glorioso e ao mesmo tempo necessario de seu plano de reformas, a creação de uma universidade nesta capital” [Rio de Janeiro]. Iniciava dizendo que a idéia não era nova, que freqüentemente espíritos generosos a tinham solicitado em nome dos foros de um país civilizado, mas que esses justos reclamos tinham sido preteridos pela apatia e inércia das autoridades monárquicas. Entre as justificativas de seu pedido estava a de que éramos “no mundo o único paiz grande a oferecer o singular espetáculo de não termos uma universidade”. Olhando ao redor constatava: “Aqui mesmo, na América do Sul, onde queremos ter a primazia, não temos entretanto uma universidade para opor ás da República Argentina e do Chile, e mesmo ás do Perú e da Bolivia”. Não esquecia o Sr. Viveiros de Castro sequer de alertar para o sofisma do aumento das despesas públicas – “nem o augmento de despeza póde ser invocado como argumento terrível que destróe a Idea” – tampouco lhe passava desapercebida “a reproductibilidade das despezas com a instrucção”. Não foi convincente o bastante ou as condições materiais e ideológicas ainda não estavam dadas.
6Conforme Sguissardi (2004) nas Instituições de Ensino Superior classificadas como neonapoleônicas predominariam “critérios” e “indicadores” como: ausência de estruturas de pesquisa e pós-graduação stricto sensu consolidada e reconhecida; presença majoritária de docentes em regime de tempo parcial ou horista e sem qualificação pós-graduada que habilite para a pesquisa; isolamento das universidades, ou porque únicas ou porque agregadas apenas formalmente; dedicação quase exclusiva às atividades de ensino; estrutura administrativo-acadêmica voltada para a formação de profissionais etc.
13
escola um imenso número de cidadãos. Na verdade, a causa principal desta exclusão não
poderia ser atribuída ao rigor escolar e sim à própria sociedade dicotômica, à República
dual.
O rigor, o intelectualismo, a desvinculação da realidade e do mundo do trabalho que
caracterizaram a escola dessa época, além de herança do passado colonial eram também
traços imanentes de uma sociedade dual, elitista e excludente. Nesse sentido, o modelo de
ensino superior adotado também corroborava com a manutenção desse tipo de sociedade e
do pensamento positivista dominante nesse contexto. Segundo Morosini (2005) em 1924,
são criadas a Associação Brasileira de Educação e a Academia Brasileira de Ciências, que
corroboraram para a emergência de uma nova concepção de universidade numa nítida
reação ao positivismo do período. Isto se reflete na proposta de criação de universidades
com conseqüente desenvolvimento de atividades de pesquisa.
Essa reação não fora suficiente para acabar com a influência positivista e nem para
mudar o panorama excludente tanto educacional como sócio-político daquele período.
Conforme Freire (1993) na Primeira República, os princípios positivistas fizeram-se
presentes na legislação e na concepção do mundo, porque a sociedade assim o desejava,
aceitava e valorava. Quanto ao povo, a grande maioria da população brasileira, continuava
fora das decisões políticas e do acesso aos bens culturais.
Também não permitiu mudanças radicais no ensino superior brasileiro, pois
conforme Morosini (2005) ao se fazer um balanço do ensino superior no Brasil, até 1930,
onde o curso era o cerne, constata-se que as modificações foram apenas superficiais,
embora nesse largo período histórico tenham ocorrido modificações estruturais
significativas no regime político, na economia e nas relações sociais.
No entanto tais modificações mesmo que estruturais se deram com o intuito de
garantir a manutenção das relações de classe entre dominantes e dominados. O caráter
superficial das mudanças empreendidas no ensino superior também objetivou a
manutenção do status quo vigente. De fato, como afirma Sguissardi (2004) a Primeira
República, assim como o Império, apesar dos muitos projetos e do grande entusiasmo,
também não conseguiu efetivar a “idéia de universidade no Brasil”.
O Estado Novo sinalizou mudanças mais significativas, no entanto manteve os
traços do modelo francês de universidade. Deu contornos mais concretos a “idéia de
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universidade”, mas através da justaposição das faculdades como forma de mascarar o
isolamento e a ênfase no ensino profissional. Também manteve caráter centralizador e
intervencionista das políticas de Estado no que diz respeito ao ensino superior brasileiro.
4 - O Estado Novo: novas perspectivas para as universidades e o reforço da educação
humanista e elitizante.
Segundo Ghiraldelli Junior (2008) através da Revolução de Outubro de 1930,
passamos a viver uma nova fase, em geral dividida em três períodos: o primeiro período
teve Getúlio Vargas no poder como membro importante do governo revolucionário pós-
outubro de 1930 (o “Governo Provisório); no segundo período Vargas governou após a
promulgação da Constituição de 1934; por fim, no terceiro, Vargas exerceu o poder de
1937 até 1945 como ditador, à frente do que chamou de “Estado Novo”.
No que tange as políticas educacionais desse período, Morosini (2005) afirma que:
Entre as primeiras medidas educacionais do pós-1930, é estabelecida a reforma do ensino superior assinada por Francisco Campos, titular dos Ministérios da Educação e Saúde, e representada no Estatuto das Universidades Brasileiras (11/04/1931), que tem como modelo a Universidade do Rio de Janeiro (Decretos 19.850, 19.851 e 19.852: o primeiro decreto cria o Conselho Nacional de Educação; o segundo contém normas gerais para a organização das universidades, e o terceiro legisla especificamente para a Universidade do Rio de Janeiro). Por esta reforma a organização do sistema universitário do país tem como ponto de partida a criação de universidades pela justaposição de pelo menos três dos seguintes institutos de ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia e/ou Faculdade de Educação, Ciências e Letras. Na fase precedente, o ensino superior concretizava-se em cursos isolados. Nesta, criam-se as universidades a partir da junção de cursos superiores. Porém, apesar da universidade se constituir numa figura que paira sobre os cursos que a compõem, estes se mantêm praticamente autônomos nas questões de ensino e isolados uns dos outros. (p. 309-10).
A reforma do ensino superior desse contexto é pautada numa justaposição de
faculdades que apenas usam o termo universidade de forma aparente, pois mantinha em
sua essência o isolamento das instituições de ensino superior. Tal separação, agora era uma
diretriz legalmente instituída, mas historicamente estabelecida.
Assim, apesar do aparecimento tardio das universidades (1920) 7, a primeira diretriz
geral para o ensino superior, o Estatuto das Universidades Brasileiras, foi criada em 1931, 7Conforme Morosini (2005) podem ser citadas como primeiras universidades: Universidade do Rio de janeiro (1920), Universidade Federal de Minas Gerais (1927), Universidade de São Paulo (1934) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1934).
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por decreto presidencial. Esse estatuto consagrou o princípio da organização das
universidades a partir da reunião de faculdades isoladas, seguindo a mesma formação da
primeira universidade brasileira – a Universidade do Rio de Janeiro (JACOB, 1997: 55).
Sguissardi (2004) corrobora com esta afirmação ao ressaltar que O Estatuto das
Universidades Brasileiras, de 1931, iria consagrar o modelo de constituição de
universidades por aglutinação de unidades preexistentes.
Segundo Jacob (1997) esse estatuto, escrito por Francisco Campos, importante
intelectual do regime autoritário no período do Estado Novo, determinava que o controle
do ensino superior caberia ao governo central. Embora o estatuto definisse a universidade
como padrão para a organização do ensino superior, permitia também a existência de
estabelecimentos isolados. Nesse sentido as universidades brasileiras não passavam de um
aglomerado de faculdades isoladas que podiam, inclusive, manter sua autonomia jurídica.
No entanto, conforme Sguissardi (2004) foi após o advento da “revolução de 1930”,
com seus ares modernizantes, que tomaram corpo dois projetos até certo ponto
assemelhados nos seus propósitos básicos: o da Universidade de São Paulo – USP (1934) –
e o da Universidade do Distrito Federal – UDF (1935). Nesta, fez-se presente o espírito
liberal-progressista de Anísio Teixeira. Mas a obra de Anísio, a UDF, pouco tempo depois
iria sucumbir ao elitismo conservador representado pelo Ministro Capanema, a serviço,
entre outros, dos interesses da ordem estabelecida e sob pressão da Igreja. A perspectiva de
uma universidade autônoma, produtora de saber desinteressado, formadora de indivíduos
teórica e politicamente críticos, cultores da liberdade, foi vista como ameaça à “ordem” e
às “boas relações” Universidade-Estado.
Com relação à USP, Morosini (2005) afirma que a mesma merece destaque pelo
grau de diferenciação entre as instituições universitárias da época. Hoje a maior
universidade do Brasil e da América Latina. Ela foi criada pelo decreto estadual nº. 6.283,
de 25/01/1934, do governador de São Paulo, Armando de Salles Oliveira. Obedecendo ao
Estatuto das Universidades Brasileiras, de 1931, a USP incorporou a Faculdade de Direito
do Largo São Francisco, de 1827, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a
Faculdade de Farmácia e Odontologia, o Instituto de Educação e a Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz, de Piracicaba, e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
16
Maria Antonia. Foram convidados para dar aulas na universidade diversos professores
estrangeiros, a maioria de países como a França, Itália e Alemanha.
Ainda sobre a USP, Sguissardi (2004) afirma que na sua criação, o espírito inovador
de Fernando de Azevedo e seus pares, representado na criação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, como centro integrador da busca e da crítica do saber, assim como da
própria universidade – marca do modelo germânico/humboldtiano8 –, iria também sofrer a
reação conservadora das escolas profissionais. A universidade sobreviveu, porém mais
como federação de escolas do que como efetiva universidade, revestindo-se dos traços do
modelo napoleônico, profissional.
Não obstante essa reação dos setores conservadores, segundo Jacob (1997) esse
período é marcado por uma relativa abertura dos canais de acesso ao ensino superior, com
o aumento de cursos, que proporcionou o crescimento do número de estudantes oriundos
das “camadas médias”. Esse fato contribuiu para que as escolas superiores se constituíssem
num espaço privilegiado de debates. É nesse contexto, que nasce a União Nacional dos
Estudantes – UNE, criada em 1937, a qual se destaca na luta contra o Estado Novo e o
fascismo, propondo um novo projeto para o ensino superior que se contrapõe à política
autoritária do Estado. As principais bandeiras de luta, dessa época, eram pela liberdade
democrática e anistia ampla. Assim, os estudantes, organizados através da UNE, tiveram
uma participação ativa na derrubada do Estado Novo.
Esse misto de conservadorismo e relativa abertura do acesso ao ensino superior,
expressa o caráter ambíguo da reforma do ensino superior da época. Morosini (2005)
citando Fávero, afirma que esta reforma do ensino superior refletiu as ambigüidades do
momento histórico: o caráter dúbio de certas afirmações, o reforço a um tipo de educação
humanista e elitizante, entre outros, são sinais de uma época. É inegável, porém, seu mérito
de abrir perspectivas para as universidades. No Estatuto das Universidades Brasileiras, o
Governo Federal mantinha seu poder de determinação sobre os cursos superiores que
compunham a universidade. E, apesar da legislação determinar a existência da figura da 8 Segundo Sguissardi (2004) nas instituições de ensino superior classificadas como neo-humboldtiana predominam “critérios” e “indicadores” como: presença de estruturas de produção científica e de pós-graduação stricto sensu consolidada e reconhecida; presença majoritária de docentes em regime de tempo integral e com qualificação pós-graduada que habilite para a pesquisa; integração das unidades em torno de projetos comuns de ensino e pesquisa; associação de ensino, pesquisa (e extensão) em diferentes níveis; estrutura administrativo-acadêmica voltada para a formação de profissionais e para a formação de pesquisadores na maioria das áreas de conhecimento.
17
universidade com instâncias hierárquicas como a do diretor das Escolas, a figura máxima
deste período era ainda a do professor catedrático.
5 - O período de 1945 a 1963: tendências modernizantes de um ensino superior
controlado pelo Estado
Segundo Ghiraldelli Junior (2008) o período de democracia que se seguiu ao
“Estado Novo” conviveu com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e com certa
organização do ensino, deixadas pelo regime ditatorial de Vargas, promovendo poucas
alterações; ou seja, o período posterior conviveu com a herança autoritária no âmbito das
relações de trabalho e da organização do ensino deixado pela ditadura varguista.
Mesmo assim, de acordo com Morosini (2005) após 1945, as legislações
universitárias são refletoras da democratização política e econômica vigente na nação
brasileira. Tal conjuntura, em nível educacional, propiciou uma mudança nos canais de
ascensão social. Até a década de 1950, a ascensão ocorria através da “reprodução do
pequeno capital” e/ou abertura de um negócio. Após esta data, abrem-se canais no “topo
das burocracias públicas e privadas”, onde diplomas escolares passam a constituir critério
para a posse do cargo. Assim, os cursos superiores passam a ser buscados como estratégia
de ascensão social.
Outro tipo de ascensão marca essa época, pois segundo Jacob (1997) o período que
vai de 1945 a 1963 é marcado pela ascensão dos movimentos pelas liberdades
democráticas. Porém, no Brasil, o controle do Estado sobre a Universidade é mantido
através de legislação sobre temas específicos.
É nesse contexto, que segundo Morosini (2005) é criada a Universidade Católica do
Rio Grande do Sul (1948), que após dois anos passa a chamar-se Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, a primeira universidade marista no mundo. Na década de
1950, ocorre a federalização de muitas universidades estaduais, com exceção da USP, que
permanece estadual. Em 1961, a Universidade de Brasília (UnB) 9 concretiza o projeto de
9Conforme Sguissardi (2004) a busca de um modelo integrado que garantisse a associação do ensino com a pesquisa e uma coordenação das atividades de todas as unidades básicas e profissionais, ante o fracasso ou decadência do experimento da USP, além do aniquilamento do modelo da UDF, retomou fôlego com a criação da Universidade de Brasília – UnB –, por iniciativa de Darcy Ribeiro. Anísio Teixeira saudou-a como uma verdadeira “estrutura integrada”, “inovações em início de implantação”, quando a experiência até então, segundo ele, era “a da escola superior independente e auto-suficiente, governada pela oligarquia de professores e de tempo parcial”.
18
universidade como instituição de pesquisa e centro cultural, concebido por Darcy Ribeiro e
sintetizado em seu livro Universidade necessária. Seria uma universidade que objetivava
manter junto ao humanismo e a livre criação cultural a ciência e a tecnologia modernas e
manter junto ao governo uma reserva de especialistas altamente qualificados.
O controle do Estado sobre as universidades é, porém, reduzido pelo
estabelecimento, em decreto-lei, da autonomia didática, administrativa, financeira e
disciplinar, que é mantida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN,
promulgada em 1961 (JACOB, 1997: 57). Todavia, segundo Morosini (2005) a LDBEN de
1961 não alterou as disposições relativas às questões do ensino vigentes. Em grandes
linhas, sobre o assunto, restringiu-se a determinar que a fixação dos currículos mínimos e a
duração dos cursos caberiam ao Conselho Federal de Educação – CFE, mantendo a
hierarquia docente com a figura do catedrático.
A autonomia obtida pelas universidades foi limitada pelas atribuições do CFE,
cujos membros eram nomeados pelo Presidente da República. O CFE tinha um poder
controlador muito grande, pois, decidia sobre o funcionamento das instituições de ensino
superior, públicas ou privadas e sobre o reconhecimento das universidades, podendo,
inclusive, nestas intervir, além de ser responsável pela indicação das disciplinas
obrigatórias do ensino médio, a duração e o currículo mínimo dos cursos superiores que
visassem a obtenção de “diploma capaz de assegurar privilégios para o exercício da
profissão liberal” (JACOB, 1997: 57).
Não obstante o poder controlador do CFE sobre as universidades, conforme
Morosini (2005) a LDBEN de 1961 delegou às universidades a normalização sobre
concursos, distribuição dos docentes segundo o tipo de disciplinas e cursos a serem
atendidos, pois entendia que aos estatutos destas universidades é que caberia desenvolver o
assunto, atendendo às peculiaridades de cada órgão e com a necessária fidelidade aos
padrões internacionais e nacionais. Isso porque a política educacional superior constituiu o
período de 1945-64 como uma fase de construção do próximo período, que se instaura com
a reforma universitária de 1968. Na fase de redemocratização da sociedade brasileira, a
modernização do ensino superior já se processava, modernização essa que foi desvendada
pós-68 e se caracteriza pela busca da formação da força de trabalho de nível universitário
19
com vistas a, de um lado, atender o capital monopolista e, por outro lado, aplacar os
anseios de uma mobilidade social das camadas médias.
6 - A Ditadura Militar: o ensino superior num contexto de ajuste ao capitalismo
internacional
Segundo Ghiraldelli Junior (2008) a Ditadura Militar durou 21 anos. Iniciou-se em
31 de março de 1964 com o golpe que depôs João Goulart (Jango) e teve seu final com a
eleição indireta (via Colégio Eleitoral) de Tancredo Neves e José Sarney em janeiro de
1985. Foi durante a Ditadura Militar que nossa sociedade encerrou a experiência
democrática que vinha ocorrendo desde 1946. Esse período ditatorial foi pautado em
termos educacionais pela repressão, privatização do ensino, exclusão de boa parcela dos
setores mais pobres do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino
profissionalizante na rede pública regular sem qualquer arranjo prévio para tal, divulgação
de uma pedagogia calcada mais em técnicas do que em propósitos como fins abertos e
discutíveis e, tentativas variadas de desmobilização do magistério através de abundante e
confusa legislação educacional.
Com a instauração do regime militar, as discussões universitárias de cunho político
cederam lugar às de cunho técnico: Plano Atcon, acordos MEC-Usaid e relatório Meira
Mattos (MOROSINI, 2005: 313). Além disso, conforme Jacob (1997) com o golpe de
1964, novamente o Estado Interventor10 voltou a agir nas universidades públicas. Nesse
momento, se manifesta com mais força do que na época da ditadura de Vargas, com a
invasão de tropas militares nas universidades, demissão e prisão de professores e
estudantes, apreensão de livros, destituição de reitores e nomeação de reitores
interventores. Também nessa época, o poder controlador do CFE foi bastante utilizado para
fortalecer a Política Educacional autoritária do período.
A ditadura militar acabaria por abortar a rica e promissora experiência da UnB,
deixando o espaço vazio para a implantação do modelo supostamente neo-humboldtiano da 10Jacob (1997) utiliza a denominação Estado Interventor em vez de Estado Capitalista Brasileiro, devido este desenvolver uma política educacional, para o ensino superior, restritiva, coercitiva, caracterizada pela utilização permanente de mecanismos legais de pressão (leis, decretos, regulamentos) e nos períodos de ditaduras explícitas (Estado Novo e Governos Militares) utilizou também a força militar para manter o controle. Porém, mesmo prevalecendo a coerção sobre o consenso, como o Estado é produto de uma correlação de forças, as políticas públicas para o ensino superior acabam sendo definidas através do jogo político-ideológico do qual fazem parte as forças sociais, entre elas o Movimento Docente organizado no interior das universidades.
20
Reforma Universitária de 1968 (SGUISSARDI, 2004: 38). No que tange a lei de 1968,
Morosini (2005) afirma que a imbricação entre política socioeconômica e educacional fica
evidente na exposição de motivos da Lei n. 5.540/1968 – lei da reforma universitária (RU)
– ao declarar ser uma das suas principais metas a racionalização das atividades
universitárias, de forma a dar-lhes maior eficiência e produtividade, características das
atividades empresariais. Na RU de 1968 domina o conteúdo técnico em vez do político.
Mesmo assim foi uma reforma profunda, pois ela legislava para o ensino com base nas
universidades, instituindo a ampliação de suas funções para o ensino, pesquisa e extensão,
e criando os departamentos aliados a um complexo sistema organizacional, caracterizado,
de um lado, pelo sistema administrativo e, do outro, pelo acadêmico.
Porém, como ressalta Sguissardi (2004) as novas forças no poder, com o golpe de
Estado de 1964, não iriam promover uma mudança radical nas tendências modernizantes
da educação superior que vinham marcando a política de educação superior durante os
governos nacional-reformistas. O que mudava era o sentido histórico a determinar os fins
dessa modernização. Liquidado o populismo11, perder-se-ia seu vínculo com o
desenvolvimento de um certo capitalismo “autônomo”, de “coloração nacionalista”. Agora,
a educação superior, modernizada, seria um instrumento a mais a contribuir para a
consolidação do projeto de desenvolvimento “associado e dependente” dos centros
hegemônicos do capitalismo internacional. A “racionalidade e a eficiência” defendidas ao
final do regime anterior e, então, por diversas consultorias, comissões e grupos de trabalho
(Relatórios Atcon, da Eapes/MEC-Usaid e do GT da Reforma Universitária), além dos
Decretos nº 53/1966 e 252/1967, iriam constituir o conteúdo essencial da Lei nº
5.540/1968 e ajudar a prover a segurança do novo modelo de crescimento.
Os dispositivos legais instaurados pelos militares buscaram por um lado a
continuidade de um processo de modernização do ensino superior calcado na
“racionalidade e eficiência” capitalista e, por outro, manter o controle autoritário das
universidades como forma de resguardar essa tendência modernizante. Jacob (1997)
ressalta que através de decretos, as universidades têm seus estatutos modificados e são
11Segundo Nosella (1998) o espírito populista foi a tônica principal da política do Brasil do século XX, simplesmente porque o populismo é a áurea ideológica “natural” do semi-industrialismo, é a clássica forma política que se impõe quando a consciência coletiva denuncia as fortes diferenças sociais, sem que de fato a vontade dirigente pretenda superá-las. Em outras palavras, o populismo é a forma conservadora de administrar crises sociais causadas pela tomada de consciência nacional através de políticas de conciliação.
21
reestruturadas, seguindo o modelo empresarial taylorista 12, cujas principais finalidades
deveriam ser o rendimento e a eficácia. Foi imposta uma legislação ditatorial que golpeou
os direitos fundamentais da população e instituiu a repressão, usando o aparato policial
militar.
De fato, conforme Morosini (2005) nas universidades públicas, com maior tradição
de mobilização política, a probabilidade de críticas ao governo fora reprimida pelo decreto
477 e pelas cassações que se lhe seguiram, com a presença das Assessorias de Segurança e
Informação implantadas no seio de cada instituição e com o próprio clima de censura
imposto à população. Além disso, esta modernização do ensino superior veio acompanhada
pela paroquialização do ensino no setor privado, que se deu através da implantação de
faculdades isoladas que se multiplicaram em cidades do interior e se expandiram na
periferia dos grandes centros urbanos, oferecendo cursos de graduação sem levar em conta
o padrão acadêmico.
Nesse sentido, seguiu-se a fórmula populista e dual de expansão quantitativa sem
qualidade. Segundo Nosella (1998) o populismo e seu desdobramento no campo
educacional – um traço marcante de nossa República e da escola brasileira no período de
1930-1990 – democratizou a clientela escolar, mas deformou o método rebaixando a
qualidade; ensinou ao povo o caminho da escola, porém não lhe deu uma verdadeira
escola. A política educacional dos governos militares permitiu a criação dos Departamentos
Universitários e, sobretudo, a criação de uma “Universidade Aberta” que preservava
fechadas as poucas e boas Universidades Públicas e escancarava outras instituições de
categoria inferior para a massa estudantil. Assim universalizou os diplomas de ensino
superior – via faculdades de beira de estrada – apenas para “cicatrizar” a dolorosa ferida de
uma sociedade desigual, que para uns oferece escola, para outros “faz de conta” que
oferece.
A ditadura chegara ao fim em 1985, mas deixara como legado as condições
materiais e ideológicas necessárias para a continuidade e aprofundamento de nossa
inserção subordinada e dependente no capitalismo internacional em todas as esferas,
inclusive a educação em todos os seus níveis, entre eles o superior.12O termo taylorista vem de taylorismo. Segundo Johnson (1997) F.W. Taylor comparou o corpo humano a uma máquina e realizou estudos de tempo e movimento a fim de determinar o modo mais eficiente de utilizá-lo. O taylorismo esteve estreitamente relacionado ao desenvolvimento da produção em massa, em especial às linhas de montagem em fábricas introduzidas por Henry Ford, o fabricante americano de automóveis.
22
Conforme assinala Guazzelli (2004) os governos militares que se instalaram nos
anos de 1960 e 1970 se constituíram na única solução possível para as classes dominantes
da América Latina e para o imperialismo norte-americano. As burguesias renunciaram a
projetos próprios de capitalismo e se conformaram com a posição de sócios menores do
imperialismo. As novas condições ditadas pelo capitalismo internacional não admitiam
concessões e atos de rebeldia. Nesse sentido, optou-se por uma orientação econômica de
acordo com os interesses do capital monopólico norte-americano, sendo que os regimes
militares que se instalaram tiveram alguns compromissos básicos: desnacionalização da
economia; desmantelamento do capitalismo de Estado; acentuada redução das obrigações
do Estado quanto ao bem-estar social; promoção da concentração de capital; orientação
pró-monopólica do setor agrário; e a pauperização da classe operária. Essas mediadas,
guardadas as peculiaridades de cada caso, caracterizaram a nova etapa do capitalismo
latino-americano.
O Brasil encontrava-se inserido nesse contexto de subordinação latino-americana
aos interesses do capital internacional. É importante frisar que tal processo resultou de uma
contradição. Segundo Silva Júnior (2005) o golpe de 1964 concretizou-se como resultado
de entre o econômico e o político: contradição entre um processo socioeconômico que
pretendia a internacionalização da economia brasileira e uma ideologia nacionalista da
maioria da classe política. O golpe significou, portanto, uma ruptura para a continuidade
socioeconômica. Esse triste evento impôs drásticas e profundas modificações nas
estruturas sociais por meio de processos coercitivos, com o objetivo de colocar em
movimento transformações superestruturais.
Na verdade, o Brasil acompanhava os demais países latino-americanos nessa série
de ajustes estruturais promovidos pelas ditaduras com vistas a garantir os interesses da
burguesia nacional e a subordinação de nossas economias aos ditames do capital
internacional. Conforme afirma Guazzelli (2004) os estados militarizados da América
Latina, na busca da tão propalada “eficiência”, progressivamente abandonaram as funções
“improdutivas”. Assim, obrigações referentes às áreas de previdência social, saúde e
educação foram drasticamente reduzidas Em todos os países latino-americanos submetidos
à nova ordem houve um direcionamento dos estados para os gastos com a repressão,
tornando-se a “segurança nacional” a preocupação maior, simultaneamente ao rápido dos
organismos voltados ao bem-estar da população. A redução dos serviços públicos e o
23
desemprego originado em decorrência não afetaram apenas as camadas mais
desfavorecidas, mas também os setores médios urbanos.
O abandono de serviços e atividades “improdutivas” não significou no caso
brasileiro um desinteresse pelos rumos de nossa educação ou um afrouxamento do controle
exercido pelos militares. Segundo Silva Júnior (2005) nesse contexto, no plano
educacional, o governo militar-autoritário, sob pressão social, buscou aumentar a
produtividade das escolas públicas com a adoção de princípios administrativos
empresariais, além de, desde o início, acenar com uma tendência privatizante da educação.
Mostram essas afirmações os decretos-lei baixados pelo Estado brasileiro, bem como os
diversos acordos firmados entre o Ministério da Educação e Cultura e a Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), que supervisionou e
financiou parcialmente a economia brasileira nos primeiros governos militares. Disto
decorreu a reforma universitária de 1968 (Lei nº 5.540), bem como a reforma do ensino de
primeiro e segundo grau em 1971 (Lei nº 5.5692).
Considerações finais
A história da educação superior no Brasil não pode ser analisada sem considerar-se
sua relação com o desenvolvimento sócio-histórico brasileiro. A história de nossa
sociedade é marcada pelo elitismo e pela exclusão, com implicações semelhantes em nossa
educação e conseqüentemente no ensino superior. Do período colonial, passando pelo
Império até a Primeira República, os projetos e iniciativas no campo do ensino superior
evidenciaram esses dois traços: um ensino voltado para as elites, para aqueles que podiam
pagar e uma série de obstáculos e mecanismos que excluíam a maior parte da população do
acesso ao nível superior.
A dualidade também marcara este período, pois se enfatizou, principalmente
durante a Primeira República, de um lado, uma educação (não escolar) para os muitos
trabalhadores, e, de outro lado, criou uma segunda educação (escolar) para os outros
(minoria) chamados a construir indústrias e serviços urbanos. O Estado Novo trouxe
avanços na idéia de universidade no Brasil e possibilitou uma relativa abertura dos canais
de acesso ao ensino superior. No entanto as experiências inovadoras da USP e UDF
sucumbiram ao elitismo conservador da época o que garantiu a prevalência do modelo de
constituição de universidades por aglutinação ou justaposição, ou seja, as faculdades eram
24
apenas uma federação de escolas isoladas que se revestiam dos traços do modelo
profissional de universidade.
A profissionalização é outro traço marcante de nossa educação, e do ensino
superior, que tem sido recorrente ao longo de nossa história. Os governos ditos
democráticos de 1945 a 1963 deram continuidade a modernização do ensino superior
iniciada na era Vargas e conferiram a essa profissionalização a “racionalidade e eficiência”
exigidas pelo capital nacional. Mesmo assim, tal período conviveu com a herança
autoritária no âmbito das relações de trabalho e da organização do ensino deixado pela
ditadura varguista. O projeto de modernização do ensino superior tem sua continuidade nos
governos militares, mas agora regido pela ótica do capital internacional.
A ditadura militar empreendeu uma reforma universitária caracteriza pela busca da
formação da força de trabalho de nível universitário com vistas a consolidar o projeto de
desenvolvimento “associado e dependente” dos centros hegemônicos do capitalismo
internacional. Tratava-se de modernizar a educação superior para torná-la um instrumento
a mais a contribuir para a consolidação dos interesses da burguesia nacional e
internacional.
Percebe-se que as políticas e reformas empreendidas no Brasil do período colonial
até a Ditadura, não tiveram como eixo central as necessidades da maioria da população,
mas sim os interesses dos grupos dominantes que constituíam as elites e as demandas de
uma economia externa que passou de capitalista mercantil, para industrial e depois
monopolista e financeiro. Daí resulta o caráter intervencionista e centralizador que
caracteriza as ações do Estado nesse campo. Jacob (19970 afirma que em se tratando da
política para o ensino superior brasileiro, particularmente para as universidades públicas,
estudos indicam que esta tem sido definida a partir da ação intervencionista do Estado, que
se manifesta pelo controle tanto político quanto jurídico e administrativo, viabilizado
através de estatutos e decretos presidenciais.
No entanto esse esforço em manter o controle das universidades revela que esse
espaço não é de todo um espaço de reprodução, mas sim de contradição e que reflete os
anseios daqueles que estão comprometidos com modelos mais justos de sociedade e
educação. A própria Jacob (1997) sinaliza essa possibilidade ao destacar a organização no
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interior das universidades dos movimentos estudantil, docente e de funcionários que