6 ENSAIO ACADÉMICO OS VALORES ÉTICOS NO COMBATE A CORRUPÇÃO NA EDUCAÇÃO EM MOÇAMBIQUE. Por: Marli Maria e Silva - Cuamba - Niassa - Moçambique 2010. 1. Introdução A corrupção é uma crise social que também está patente na educação e é do conhecimento da sociedade em geral. Ela se manifesta das seguintes maneiras: através de pessoas que abusam de funções ou cargos para adquirirem benefícios de forma ilegal e também daquelas pessoas que não exercem tais ocupações, mas que subornam para conseguirem algo em troca: o caso de estudantes, pais e encarregados. A escola é considerada uma organização que exerce um papel fundamental na construção de uma sociedade sã e idónea, pois ela prepara os cidadãos para o desempenho das mais variadas profissões. Este papel leva-nos a confiar que a escola contribui no desenvolvimento dos valores éticos do cidadão e da sociedade em geral. Ela pode exercer e ensinar alguns valores morais e humanos aos seus educandos. Porém, existem algumas situações em que a escola deixa a desejar no que se refere a vivência destes valores e se torna um cenário em que os seus intervenientes são envolvidos em actos de corrupção. Assim, este ensaio académico pretende trazer uma reflexão sobre como é que os valores éticos podem ajudar a combater a corrupção na educação. Portanto, este estudo tem por objectivo principal analisar os valores éticos como uma possibilidade para combater a corrupção na escola.
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ENSAIO ACADÉMICO
OS VALORES ÉTICOS NO COMBATE A CORRUPÇÃO NA EDUCAÇÃO
EM MOÇAMBIQUE.
Por: Marli Maria e Silva - Cuamba - Niassa - Moçambique
2010.
1. Introdução
A corrupção é uma crise social que também está patente na educação e é do conhecimento
da sociedade em geral. Ela se manifesta das seguintes maneiras: através de pessoas que abusam
de funções ou cargos para adquirirem benefícios de forma ilegal e também daquelas pessoas que
não exercem tais ocupações, mas que subornam para conseguirem algo em troca: o caso de
estudantes, pais e encarregados.
A escola é considerada uma organização que exerce um papel fundamental na construção
de uma sociedade sã e idónea, pois ela prepara os cidadãos para o desempenho das mais variadas
profissões. Este papel leva-nos a confiar que a escola contribui no desenvolvimento dos valores
éticos do cidadão e da sociedade em geral. Ela pode exercer e ensinar alguns valores morais e
humanos aos seus educandos. Porém, existem algumas situações em que a escola deixa a desejar
no que se refere a vivência destes valores e se torna um cenário em que os seus intervenientes são
envolvidos em actos de corrupção.
Assim, este ensaio académico pretende trazer uma reflexão sobre como é que os valores
éticos podem ajudar a combater a corrupção na educação. Portanto, este estudo tem por objectivo
principal analisar os valores éticos como uma possibilidade para combater a corrupção na escola.
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A importância deste estudo consiste em sustentar que se todos os intervenientes da escola
conhecessem e adoptassem alguns valores éticos, eles não seriam corruptos e nem se deixariam
corromper, pois viveriam de acordo com os princípios éticos e morais no combate à corrupção.
De acordo com dados referentes sobre a corrupção, percebe-se que se torna difícil acabar
com este malefício. Porém, pode-se reduzir ou combatê-lo. Assim o trabalho pretende reflectir as
possibilidades de combater a corrupção através do conhecimento e adopção de alguns valores
éticos.
Este trabalho é interessante como instrumento de reflexão e aprofundamento, pois trata de
duas vertentes actuais que não podem ficar esquecidas: a ética e a corrupção.
2. Marco Teórico
A corrupção é um fenómeno que destrói e prejudica o desenvolvimento socio-económico
e político da sociedade. Portanto, este malefício precisa ser combatido para que não traga
consequências desastrosas.
Acredita-se que a promoção dos valores éticos é um forte aliado no combate à corrupção.
Nesta vertente, encontram-se duas teses que divergem entre si sobre a importância dos valores
como contributo para a erradicação da corrupção:
A primeira tese afirma que “A crise de valores na sociedade atenua os efeitos dos valores
éticos no combate à corrupção”. A segunda dá-se a partir de um questionamento, “Podem ou não
os valores éticos ajudar no combate à corrupção?” Pergunta esta que será respondida ao longo do
presente trabalho.
Como fundamentação da primeira tese abordada, encontramos o artigo “Crepúsculo do
dever à Valsa das Éticas”1
de Cristina Beckert que aborda a situação actual da sociedade que é
1 O título é a junção dos títulos das Obras de G. Lipovetsky ( O crepúsculo do dever) e de A. Etchegoyen (A valsa das éticas).
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marcada por uma crise em que a ética não é uma excepção, sendo ela também afectada no seu
cariz deontológico.
Para a autora, a dissonância entre o campo individual e universal dá origem à crise
simultânea da moral e da democracia. Uma vez que o homem2 como sujeito racional estar mais
voltado para sua individualidade do que para a colectividade.
Resta-nos, pois, tentar perscrutar as razões que presidiram ao fracasso do ideal
iluminista de uma moral universal e racional (...). No projecto de emancipação
das Luzes, a razão assume o papel fundador e legitimador de todos os discursos,
ocupando o lugar deixado vago pela figura de Deus, de tal modo que uma moral
racional e laica, suportada pelos ideais da revolução francesa, vem substituir a
moral religiosa fundada na fé. (BECKERT, 2010, p. 1)
Entende-se aqui que a procedência da crise de valores consiste no facto da racionalidade
ter tomado o lugar da religiosidade como premissa orientadora para o comportamento dos
indivíduos.
Beckert (2010, p. 2), diz que “a normatividade racional levada ao extremo deu lugar a
uma razão paranóica”. Portanto, segundo a autora, não é a que a razão ou a racionalidade em si
seja algo ruim, mas o seu exagero é que não traz uma experiência positiva.
A mesma autora diz que a tese de Finkeelkraut pode resumir-se na afirmação de que o
nazismo, enquanto pólo aglutinador da crise de valores morais na contemporaneidade, constitui
uma forma paradoxal de loucura, em que a razão se transmuta no seu contrário, isto é, em paixão,
mas numa paixão em que nunca deixa de se ter a si própria como objecto, conferindo uma capa
de moralidade (racionalidade) à violência instituída.
Actualmente a crise de valores também é marcada por uma “paixão desenfreada” do ter,
do poder e do prazer, onde o homem é capaz de fazer qualquer coisa para satisfazer seus desejos
e necessidades, mesmo que para isso tenha que corromper seus princípios morais.
2 Nesse trabalho, a palavra homem engloba tanto o ser masculino, como o feminino.
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Se os valores estão em crise, ou seja, se estão a passar por novos caminhos de definição e
adesão, como esperar que eles possam ajudar a combater à corrupção? Outra questão levantada:
se eles estão perto de se extinguir, como podem ser solução para um problema tão crucial para a
sociedade?
Segundo Beckert (2010), os valores e a ética já não têm mais a mesma força, uma vez que
os indivíduos que eram movidos pela religiosidade ou por um ser superior, hoje, são levados pelo
uso excessivo da razão.
Em confronto com a primeira tese, encontra-se a segunda que faz o seguinte
questionamento: “Podem ou não os valores éticos ajudar no combate à corrupção?”
A obra “Onde está a felicidade?” apresenta a busca incessante do homem para descobrir a
felicidade. Barbosa (2008, p. 30) apresenta possíveis respostas para tal procura e o faz
defendendo que a felicidade existe e que é possível encontrá-la a partir da uma vida marcada por
actos virtuosos.
Na busca pela felicidade, que é o que todo ser humano mais deseja em sua vida, o homem
percebe que ela está dentro de si mesmo e não somente em coisas externas. Esta percepção faz
com que o indivíduo descubra que ao assumir atitudes ou comportamentos (valores éticos) que o
façam sentir-se bem e aos outros, ele está mais próximo da felicidade tão desejada.
Barbosa (2008, p. 72-76) aborda que na pós-modernidade os valores ainda são importantes
para a sociedade e eles não estão “ à beira do precipício”, eles não perderam sua força e são
importantes para o ser humano ser feliz.
De acordo com o questionamento da segunda tese, acredita-se que os valores éticos podem
ajudar a combater à corrupção, pois eles são fundamentais para a busca e o encontro da
felicidade.
“Sócrates compreendia o ponto de partida para a felicidade: fazer o bem e
querer o bem do outro. Para Platão (428/17 - 348/7 a.C.), a felicidade coincide
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com a rectidão de vida, a sabedoria, a virtude, a perfeição. (...) Aristóteles (348 -
322 a.C.) defende que a felicidade é uma actividade da alma, segundo a perfeita
virtude. Ao associar a felicidade à virtude, à vida boa, ao bem supremo, não
exclui a importância de possuir bens materiais...” (BARBOSA, 2008, p. 30)
Segundo os filósofos acima citados, existe uma relação entre a felicidade3 e a virtude
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seja, por meio de actos virtuosos a pessoa pode ser feliz. Agir conforme as virtudes é negar
qualquer atitude corrupta.
De acordo com Séneca, citado por Barbosa (208, p. 38), “só a virtude garante uma
felicidade duradoira”. Uma pessoa virtuosa é alguém que vivencia alguns valores éticos, tais
rectidão, responsabilidade... Portanto, os valores éticos podem ajudar a combater a corrupção,
pois eles não condizem com actos corruptos.
“São Tomás de Aquino diz que a felicidade é possível e está ao alcance de todos os
humanos, mas isso exige uma vida temperada e ordenada por um conjunto de virtudes morais”
(BARBOSA, 2008, p. 60).
Diante das duas teses abordadas anteriormente, escolho a segunda que diz: “Podem ou
não os valores éticos ajudar a combater a corrupção? Portanto, esta será a proposição a ser
defendida.
Há escolas em que a corrupção já foi disseminada através das seguintes formas: suborno,
extorsão sexual, comércio de notas e matrículas, cobranças ilegais de materiais didácticos,
nepotismo nas nomeações e progressões de professores e funcionários, etc.
A corrupção no Sector da Educação em Moçambique é uma realidade
incontestável. A corrupção de parentes que pagam subornos aos professores para
que os seus filhos transitem de classe é inclusivamente usada quando as pessoas
são chamadas a definir o que é corrupção. (MOSSE e CORTEZ, 2006)5
3 Qualidade ou estado de feliz, bom êxito, sucesso. 4 É a disposição firme e constante para a prática do bem, força moral. 5 Texto extraído da Internet. As páginas destes autores não são numeradas.
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O que motiva uma pessoa a adoptar atitudes corruptas? Poderia se obter as seguintes
respostas: a ambição, o egoísmo, o orgulho... Insistiria ainda na pergunta: por detrás de tudo isso,
o que um corrupto mais deseja? Acredita-se que no fundo esta pessoa procura a felicidade, ou
seja, ser feliz satisfazendo as suas necessidades. Porém ela pode realizar-se assumindo uma
postura ética. Uma vez que os valores éticos quando vivenciados trazem uma sensação de bem-
estar, em que a pessoa sente-se feliz por praticar o que é correcto e justo segundo os seus
princípios e as normas ditadas pela sociedade. Portanto, defende-se que os valores éticos podem
ajudar a combater a corrupção no contexto escolar, porque eles não perderam sua importância
como contributo para a construção de uma sociedade melhor.
Duas ideias envolvem esta crença: a primeira é que uma pessoa que vive de acordo com
os princípios éticos e morais é alguém realizado (que está feliz ou que busca a felicidade) e a
segunda é que um indivíduo que conhece e adopta os princípios éticos e morais não adoptará
atitudes corruptas.
Para dar credibilidade a tese defendida de que os valores éticos podem ajudar a combater
a corrupção no contexto escolar, são apresentados os seguintes argumentos:
1. Uma pessoa ética é alguém feliz.
Não se pode dizer com precisão o que é ser feliz, pois cada pessoa tem seus parâmetros
para definir o que significa felicidade. Entretanto, em comum, estas pessoas acreditam estar
felizes quando se sentem bem, animadas e dispostas a viver com optimismo.
Segundo Barbosa (2008, p. 21), “para uns, ser feliz é ter tudo o que se quer (...) para
outros ser feliz é viver na igualdade e na solidariedade e é resultado do esforço comum”.
A pessoa ética que diariamente procura viver de acordo com os seus princípios é alguém
que tem mais possibilidades de sentir-se feliz por um período maior, pois é um indivíduo que
conscientemente ou até inconscientemente tem boas ações e estas de alguma maneira retornam
positivamente a ela.
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Para o Dr. Abdul Carimo, fundador da Ética Moçambique, a promoção de valores
sociais que possam fundamentar e orientar a acção pública é importante na luta contra a
corrupção, bem como a promoção de reformas com base humana e moral. (Ética Moçambique,
2001, p. 7)
De acordo com Augustín, citado em Cortina (1997, p.104), a ética da felicidade que se
preze deve ser ao mesmo tempo, uma ética de responsabilidade.
A ética de responsabilidade seria o compromisso de assumir com seriedade e lealdade
qualquer trabalho que lhe seja solicitado, bem como corresponder às expectativas do que desejam
de si.
Ser responsável é assumir com coerência o que se deseja para ser feliz. A
responsabilidade afasta qualquer acto de irresponsabilidade que possa trazer infelicidade ou dano
moral a si mesmo e a outra pessoa.
Um educador responsável não irá falhar para com o seu compromisso de educar com
empenho e respeito os educandos e nem fará parte do quadro dos actores corruptos.
Professores, estudantes, encarregados de educação, funcionários escolares de
escritórios, directores de escola, dirigentes superiores, têm uma ligação com as
práticas de suborno e extorsão sexual, com a manipulação das regras de
procurement e a distribuição de bolsas de estudo a familiares (...) Na captação da
dinâmica das relações que se estabelecem entre estes actores, a distinção entre o
actor passivo e o activo aparece muito ténue. Os actores podem estar do lado da
procura e da oferta. Esse posicionamento varia consoante as situações,
nomeadamente tendo em conta a época do ano em que se está. (MOSSE e
CORTEZ, 2006)
2. Conhecer a ética e alguns dos seus valores é o primeiro passo a ser dado no
empreendimento do combate à corrupção.
O cenário da corrupção é preparado no início do ano lectivo pelos seus actores que com
esperteza envolvem outras pessoas para poderem alcançar seus objectivos. Pode-se afirmar que
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os corruptos conhecem com segurança as artimanhas necessárias para obterem o que desejam.
Portanto, o “conhecimento” é um elemento importante para o comportamento do homem na sua
prática para o bem ou para o mal.
O professor começa a preparar, logo no início do ano, as condições para exigir
pagamentos aos alunos. Uma das armadilhas é elaborar testes considerados
difíceis, os quais tornam o aluno dependente; depois de dois (sic) ou três
avaliações, o aluno apercebe-se que está tecnicamente chumbado e vê como
única solução a negociação com o professor (...). Os pais e encarregados de
educação também se envolvem em práticas de corrupção no sector da Educação.
Numa primeira instância, o seu envolvimento acontece logo no início do ano,
quando chega o período das matrículas. Quando um pai ou encarregado de
educação apercebe-se que o seu filho pode não ter vaga, eles procuram um
professor ou um funcionário de secretaria para garantir a vaga. E fazem
propostas aliciantes aos professores e/ou funcionários, pagando valores altos
para que o filho estude. (MOSSE e CORTEZ, 2006)
O pensamento socrático resume-se em duas máximas: “ ‘só sei que nada sei’ e ‘conhece-
te a si mesmo’. Para Sócrates, o verdadeiro objecto do conhecimento é a alma humana (..)
Diluindo os próprios erros, é possível a cada ser descobri-la”. (NALINI, 1997, p. 43).
De acordo com Sócrates, a alma humana é um mistério que precisa ser desvendado, ou
seja, o homem precisa conhecer-se a si mesmo.
Se o indivíduo conhecer com precisão a ética e alguns de seus valores, ele poderá nortear
seu comportamento para a prática do bem, desviando-se da corrupção.
O homem não nasce mau, ele pode se tornar uma pessoa ruim de acordo com o ambiente
em que vive, pois “o homem é fruto do meio”. Por isso, ele deve ser educado na família, na
escola e na sociedade para os valores que o farão uma pessoa boa, de carácter e personalidade
firme e coerente.
De acordo com Nalini:
A bondade é resultado do saber. Para alguém ser feliz é necessário ser bom e
para ser bom é preciso ser sábio. Aquele que encontrou a verdade oculta em sua
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alma sente-se obrigado a ajustar com ela sua conduta. Assim, o conhecimento do
bem determina a prática da virtude. Não existem pessoas más, senão extraviadas.
A maldade é produto da ignorância. (1997, p. 43-44).
Eis porque muitos indivíduos praticam a maldade, não porque sejam perversos em si, eles
desconhecem o sentido da palavra ou do valor “bondade”. Muitos não receberam quando crianças
gestos de benevolência em suas famílias, quando jovens não aprenderam na escola, etc. Então
como ser bom e amável para com terceiros, se a pessoa nunca experimentou em sua vida?
Conhecer os valores e para que servem é um passo importante para viver uma postura
ética de profunda rejeição à corrupção.
3. Valores que contrapõem à corrupção
Para Gatti (2002, p. 09), “as normas morais provém e defendem os valores, entre eles: a
promoção do bem-estar humano, a justiça, a verdade, a dignidade e integridade da pessoa”. Além