David Muniz R2 Clínica Médica Hospital do IPSEMG Maio 2011
David Muniz R2 Clínica MédicaHospital do IPSEMG
Maio 2011
Caso Clínico 1C.J.A.V, 70 anos, admitida no HGIP para investigar
massa abdominal pancreática, que foi operada em 02/02/11. Encaminhada para o CTI no pós-operatório.
Anatomopatológico da peça cirúrgica evidenciou lesão benigna. Evoluiu com taquicardia persistente, hiperglicemia, várias infecções (cateter e pulmão), fístula pós-cirúrgica e peritonite.
História um emagrecimento há 1 ano, tremores e queda de cabelo.
HP: CA de cólon operado em 2000 + QT (curada – SIC)
H. Familiar: Nega doenças tireoideanas, HAS: mãe e pai, DM: mãe (IAM com 60-70 anos).
Caso Clínico 1Exame da admissão:
hipocorada, hidratada, acianótica, anictérica, consciente, olhar fixo, lid-lag negativo, ausência de mixedema pré-tibial, umidade das mãos normais, sem tremores. Ausência de proptose ou sinais de oftalmopatia
PA: 142 x 78mmHg FC: 112 bpm Peso(admissão no CTI): 38Kg
- ACV: RCR 2T- AR: roncos de transmissão discretos, FR:20
em VM- ABD: livre, indolor, RHA+- Tireoide: não foi possível palpar, devido a
TQT, aparentemente não tem bócio
Caso Clínico 1- Exames de 24/02/2011
Tiroxina Livre:5.32 ng/dl (0,87 a 1,56 ng/dl) TSH-basal (Ultra Sensivel):0.09 mcUI/ml ( 0,4 a 2,5 µg/ml)
- Exames de 06/03/2011 Tiroxina Livre:4.30 ng/dl
TSH-basal (Ultra Sensivel):0.12 mcUI/ml Triiodotironina (T3):86.0 ng/dl (60 a 181 ng/dl)
- Exames de 21/03/2011 Tiroxina Livre:2.70 ng/dl
TSH-basal (Ultra Sensivel):0.03 mcUI/ml Triiodotironina (T3):122.7 ng/dl
Crise TireotóxicaTireotoxicose: manifestações bioquímicas
e fisiológicas das quantidades excessivas de hormônios tireoidianos
Crise Tireotóxica (tempestade tireoidiana, hipertireoidismo acelerado, ou síndrome do hipertiroidismo descompensado) representa a manifestação extrema e acentuada da tireotoxicose
Exacerbação súbita com descompensação de múltiplos sistemas e risco de morte
Danilovic DLS, et al. Crise tireotóxica. In: Martins HS, et al. Emergências Clínicas – abordagem prática. 6. Ed. Barueri: Manole; 2011. P.952-961
Crise Tireotóxica1-2% das admissões hospitalares por
tireotoxicoseMortalidade: 20-30%
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Crise tireotóxicaEtiologia
Doença de Graves (causa mais frequente)Adenoma tóxicoBócio Multinodular TóxicoPós-operatório de tireoidectomiaPós tratamento com I¹³¹Cirurgias não relacionadas a tireoide, se o
hipertireoidismo for grave
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Crise TireotóxicaFisiopatologia
Mecanismos incertosRaramente ocorre após ingestão acidental de tiroxina
exógena, mesmo com concentrações séricas extremamente elevadas
Níveis de T4 e T3 usualmente maiores que no hipertiroidismo não complicado, mas isoladamente não permitem diagnosticar crise
Níveis séricos de hormônios livres são mais importantes que os níveis totais, e condições que interfiram com a ligação proteica hormonal podem provocar aumento na concentração
O aumento rápido e agudo é mais importante do que os níveis absolutos (cirurgia tireoidiana, tratamento com I¹³¹, sobrecarga de iodo, interrupção do tratamento com antitireoidianos, carbonato de lítio)
Aumenta sensibilidade dos tecidos à ação das catecolaminas
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Achados ClínicosFebre: associada a sudorese excessiva, é o
sinal mais característicoTaquicardia: geralmente sinusal, mas pode
apresentar FA. Manifestações de ICCDisfunção do SNC: agitação, delirium,
labilidade emocional, confusão, psicose e coma
Sinais e sintomas gastrintestinais: náusea, vômitos, diarreia, obstrução intestinal, quadro sugestivo de abdome agudo. Lesão hepática e icterícia podem ocorrer
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Diagnóstico
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Exames complementaresAumento de cálcio e FA (aumento de atividade
osteoclástica)Hiperglicemia (30-55% dos doentes)Leucocitose (mesmo sem evidência de infecção)Hipocalemia (hiperatividade simpática)Aumento de transaminases e bilirrubinasECG: taquicardia sinusal, FATSH indetectável e aumento de T3, T4 e T4 livreEcocardiograma: pacientes com quadro de
dispneia associadaCintilografia da tireoide
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Diagnóstico diferencial
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Tireotoxicose associada a AmiodaronaTipo I: ocorre no doente com patologia
tireoidiana prévia e é devido à sobrecarga de iodo oferecida à glândula. Doentes apresentam alterações secundárias da doença tireoidiana, como exoftalmia
Tipo II: tireoidite destrutiva com liberação de hormônios para circulação sistêmica
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TratamentoInibição da síntese e secreção de hormônios
tireoidianosMedicações antitireoidianas bloqueiam a organificação do
iodoO Propiltiouracil (PTU) é preferível ao metimazol (MMI) por
sua ação adicional no bloqueio da conversão periférica de T4 para T3
Não impedem a secreção do iodo pré-formado, o que pode ser conseguido com sobrecarga de iodo
Para evitar aumento inicial da síntese e secreção, só deve ser prescrito após 2 horas da introdução do antitireoidiano
Agentes de contraste radiográficos têm a vantagem adicional de bloquearem a conversão periférica de T4 para T3 e a ligação de T3 ao seu receptor
Em pacientes com contraindicação ao uso do antitireoidiano (reação alérgica grave ou agranulocitose), ou alérgicos a iodo, o carbonato de lítio é uma alternativa terapêutica
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TratamentoInibição da síntese e secreção de
hormônios tireoidianosDosagem:
PTU: dose de ataque de 600 a 1000 mg, seguido de 200 a 300 mg de 6/6h a 4/4h (1200 a 1500 mg/dia)
MMI: 20 mg de 4/4h a 6/6h (80 a 120 mg/dia) Solução saturada de iodeto de potássio: 5 gotas 6/6h Solução de Lugol: 8 a 10 gotas 6/6h Ácido iopanoico ou ipodato de sódio: 0,5-1,5g 12/12h Contrastes iodados venosos também podem ser
utilizados Carbonato de Lítio: 300 mg 6/6h
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TratamentoBloqueio hormonal periférico
O bloqueio beta-adrenérgico ajuda no controle da sudorese, ansiedade, taquicardia, arritmias, pressão arterial e tremor
O propranolol em altas doses pode inibir a conversão periférica de T4 para T3 (início do efeito em 1 semana)
Endovenoso: propranolol (1 mg), atenolol (5 mg) ou metoprolol (50 a 100 mg 12/12h);
Oral: propranolol (40-80 mg 6/6h), metoprolol (50 a100 mg 12/12h), atenolol (50-100 mg 12/12h)
Na presença de contraindicação (broncoespasmo ou alergia prévia) considerar uso de verapamil ou diltiazem
Corticoides ajudam na inibição da conversão de T4 para T3 e liberação hormonal da tireoide
Endovenoso: Hidrocortisona dose de ataque de 300 mg seguido de 100 mg 6/6h ou 8/8h. Dexametasona 2-4 mg 6/6h
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TratamentoTratamento de suporte
Doentes encontram-se em estado hipermetabólico, febris, diaforéticos, muitas vezes com vômitos e diarreia
Reposição volêmicaHipotensão deve ser tratada, inclusive com drogas
vasoativasControle glicêmicoHipertermia: resfriamento passivo e uso de
antitérmicos. Aspirina não deve ser utilizada por ser capaz de inibir a ligação dos hormônios tireoidianos às suas proteínas carreadoras
Anticoagulação em casos de fibrilação atrialCorreção dos distrúrbios hidroeletrolíticosTratar fatores precipitantes
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Caso Clínico 1EVOLUÇÃO:
No CTI iniciamos tratamento para o hipertireoidismo com dexametasona, propiltiouracil e propranolol. Paciente evoluiu com melhora da taquicardia após instituição do tratamento acima descrito. Como permaneceu vários dias no CTI e apresentou infecções recorrentes, a paciente ficou desnutrida e com dificuldade de motricidade – fraqueza muscular
Recebeu alta do CTI aos cuidados da gastroenterologia e a endocrinologia continuou acompanhando através de interconsulta. A equipe da gastroenterologia prescreveu loperamida para controle da diarréia que a paciente iniciou após a cirurgia de ressecção de intestino (CA de cólon)
Durante a evolução foram ajustadas as doses dos medicamentos para o hipertireoidismo
Paciente foi avaliada pela neurologia e pela psiquiatria devido a quadro de confusão mental, alucinações visuais e déficit motor. Após estas avaliações foi constatado que se trata de quadro orgânico, TC de crânio foi normal
Paciente evoluiu com melhora parcial do quadro nutricional, mantendo fraqueza muscular e recebe alta hospitalar com orientações de controle ambulatorial com a endocrinologia e com a gastroenterologia.
Coma MixedematosoForma grave e potencialmente fatal do
hipotiroidismo, geralmente de longa duração, não tratado, em que os mecanismos adaptativos para manter homeostase são rompidos
A maioria dos pacientes não está em comaNo passado, a mortalidade atingia 60-70%; com o
reconhecimento precoce, cuidados intensivos e reposição hormonal, houve diminuição para 15% ou menos
É mais frequente em mulheres (80% dos casos), especialmente acima dos 60 anos; cerca de 90% dos casos ocorre nos meses de inverno
Danilovic DLS, et al. Coma mixedematoso. In: Martins HS, et al. Emergências Clínicas – abordagem prática. 6. Ed. Barueri: Manole; 2011. P.962-969
Coma mixedematosoEtiologia e fisiopatologia
Fator precipitante, muitas vezes associado a exposição a baixas temperaturas, leva à ruptura do metabolismo, ocasionando alterações neurológicas e vasculares.
No hipotiroidismo compensado a homeostase é mantida por adaptações neurovasculares, como vasoconstrição periférica, causando hipertensão diastólica, redução do volume sanguíneo, diminuição da frequência e do débito cardíaco, que ajudam na manutenção da temperatura corpórea normal
Tratamento intempestivo da hipotermia pode levar à vasodilatação, que combinada com a diminuição da função cardíaca, pode levar à hipotensão refratária ao tratamento
Danilovic DLS, et al. Coma mixedematoso. In: Martins HS, et al. Emergências Clínicas – abordagem prática. 6. Ed. Barueri: Manole; 2011. P.962-969
Coma mixedematosoEtiologia e Fisiopatologia
No mixedema há diminuição da resposta respiratória à hipoxemia e à hipercapnia, causando hipoventilação alveolar
Presença de obesidade, macroglossia, edema de submucosa das vias aéreas, fraqueza da musculatura respiratória, pneumonia e derrames cavitários podem piorar essa hiporresponsividade
Ocorre ainda redução do RFG e desenvolvimento de hiponatremia pela inabilidade de excreção renal de água livre e secreção excessiva de ADH
Condições como infecções, redução do volume sanguíneo (sangramentos gastrintestinais, uso de diuréticos), insuficiência respiratória (pneumonia), comprometimento do SNC (sedativos, AVC, progressão da hiponatremia) podem romper o equilíbrio no hipotireoidismo grave
Danilovic DLS, et al. Coma mixedematoso. In: Martins HS, et al. Emergências Clínicas – abordagem prática. 6. Ed. Barueri: Manole; 2011. P.962-969
Achados ClínicosHistória prévia de hipotiroidismo com os achados
clássicos da doença (pele seca, edema periorbitário, edema de mãos e pés, macroglossia, reflexos tendinosos diminuídos)
Hipotermia: mesmo na presença de infecção não ocorre febre. Parece estar relacionado com defeitos da função hipotalâmica pelo hipotireoidismo. Pacientes com temperatura normal provavelmente têm infecção associada
Cardiovascular: bradicardia é frequente e costuma se associar à diminuição do drive ventilatório, resultando em insuficiência respiratória do tipo 2 (com hipercapnia e hipoxemia). Derrame pericárdico ocorre em 3-6% da população com hipotiroidismo sintomático e é mais comum no coma mixedematoso
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Achados clínicosDistúrbios miopáticos: atrofia e perda de massa
muscular podem ocorrer nesses pacientes; CPK com níveis frequentemente maiores que 500 U/L
Gastrintestinal: motilidade reduzida com diminuição do esvaziamento gástrico. Pode haver dor abdominal, pseudo-obstrução e distensão abdominal. O megacólon mixedematoso representa condição grave e tardia
SNC: desorientação, letargia, confusão, psicose, convulsões e coma (deficiência tireoidiana, redução do débito cardíaco, do fluxo sanguíneo cerebral, hipóxia, hiponatremia, hipoglicemia, hipotermia, efeito de medicamentos e infecções). Os reflexos tendíneos estão diminuídos a ausentes
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Exames complementaresTratamento deve ser iniciado antes do resultado do perfil
hormonal em pacientes com achados sugestivos de mixedema, história de hipotiroidismo e fatores precipitantes
Renal/eletrólitos: hiponatremia, hipocloremia e aumento da creatinina
Gasometria: hipoxemia e hipercapniaHematológico: anemia leve e normocrômica; pode ser
normocítica ou macrocítica (pelo próprio hipotireoidismo ou por deficiência de vitamina B12); leucocitose pode indicar infecção precipitante
Enzimas musculares: aumento de CPKMetabolismo: hipercolesterolemia e hipoglicemiaHormonal: diminuição dos níveis de T4 total e livre e T3 total e
aumento de TSH, exceto no hipotiroidismo central ou na coexistência da síndrome do eutireoidiano doente (TSH baixo ou nos limites inferiores da normalidade); hipocortisolismo (por concomitância de insuficiência adrenal primária, na síndrome poliglandular, ou secundária, no hipopituitarismo) e deficiências de outros hormônios hipofisários no mixedema de origem hipofisária
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Diagnóstico diferencialNão há critérios diagnósticos de coma
mixedematosoIntoxicação agudaHipoglicemiaHipercalcemiaAVCHematoma subduralHiponatremiaSíndrome do eutireoidiano doente (pode
coexistir com mixedema)
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TratamentoDeve ser iniciado mesmo antes dos resultados
laboratoriaisNo coma mixedematoso existe diminuição da
absorção gastrintestinal e risco de aspiração, portanto a via venosa é a mais adequada. No Brasil há baixa disponibilidade dessa preparação
Há controvérsia sobre uso de Liotironina (T3) isolada, Levotiroxina (T4) isolada ou as duas associadas
T3 é o principal hormônio biologicamente ativo e atravessa mais facilmente a barreira hematoencefálica, com efeitos terapêuticos mais rápidos. Pode conferir maior risco de complicações cardíacas, especialmente em idosos, coronariopatas ou com predisposição a arritmias cardíacas
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Tratamento
Tratamento
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