1 NOTA TÉCNICA 1 Embrapa: o futuro chegou [Cinco temas para discussão] Zander Navarro 2 [ [email protected]] Observação : fotografia de autoria do sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da USP. Mostra uma parede do Trinity College (Universidade de Cambridge, Inglaterra). Não existiria uma explicação para o fechamento da janela, fato que vem se mantendo por alguns séculos. A fotografia (2010), intitulada “O que aconteceu?”, integra a série “Inquietação da parede num mundo sem janelas”. 1 Documento de circulação restrita - pede-se que não haja multiplicação e nem distribuição para terceiros, sem a autorização do autor. Agradecimentos sinceros são devidos a um grupo de colegas, da Embrapa e externos à Empresa, que leram o documento com antecedência e ofereceram valiosos comentários críticos. Sem citá-los, todos os eventuais méritos da análise decorrem dessa generosa colaboração. Já os erros remanescentes e a versão final do texto são de exclusiva responsabilidade do autor. 2 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Sociologia, pesquisador concursado (efetivado em 2011) lotado na SIM - Secretaria de Inteligência e Macroestratégia (Brasília). É professor aposentado da UFRGS (Porto Alegre). Professor e pesquisador no “Institute of Development Studies” (IDS, Brighton, Inglaterra), entre os anos de 2003 e 2010. Foi pesquisador visitante nas universidades de Amsterdam, Toronto e no MIT (Cambridge, Estados Unidos). Foi assessor especial do MAPA (2009-2011) e consultor de inúmeras organizações, brasileiras e internacionais, governamentais e da sociedade civil. Livros recentes (autor e/ou organizador, em coautoria): Agricultura brasileira. Desempenho, desafios e perspectivas (IPEA, 2010); Agricultura familiar: é preciso mudar para avançar (Embrapa, 2011); A pequena produção rural e as tendências do desenvolvimento agrário brasileiro: ganhar tempo é possível? (CGEE, 2013) e O mundo rural no Brasil do século 21. A formação de um novo padrão agrário e agrícola (Embrapa e Unicamp, 2014).
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Observação: fotografia de autoria do sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da USP. Mostra uma
parede do Trinity College (Universidade de Cambridge, Inglaterra). Não existiria uma explicação para o
fechamento da janela, fato que vem se mantendo por alguns séculos. A fotografia (2010), intitulada “O que aconteceu?”, integra a série “Inquietação da parede num mundo sem janelas”.
1 Documento de circulação restrita - pede-se que não haja multiplicação e nem distribuição para terceiros, sem a
autorização do autor. Agradecimentos sinceros são devidos a um grupo de colegas, da Embrapa e externos à
Empresa, que leram o documento com antecedência e ofereceram valiosos comentários críticos. Sem citá-los,
todos os eventuais méritos da análise decorrem dessa generosa colaboração. Já os erros remanescentes e a
versão final do texto são de exclusiva responsabilidade do autor.
2 Engenheiro Agrônomo, Doutor em Sociologia, pesquisador concursado (efetivado em 2011) lotado na SIM -
Secretaria de Inteligência e Macroestratégia (Brasília). É professor aposentado da UFRGS (Porto Alegre).
Professor e pesquisador no “Institute of Development Studies” (IDS, Brighton, Inglaterra), entre os anos de
2003 e 2010. Foi pesquisador visitante nas universidades de Amsterdam, Toronto e no MIT (Cambridge,
Estados Unidos). Foi assessor especial do MAPA (2009-2011) e consultor de inúmeras organizações,
brasileiras e internacionais, governamentais e da sociedade civil. Livros recentes (autor e/ou organizador, em
coautoria): Agricultura brasileira. Desempenho, desafios e perspectivas (IPEA, 2010); Agricultura
familiar: é preciso mudar para avançar (Embrapa, 2011); A pequena produção rural e as tendências do
desenvolvimento agrário brasileiro: ganhar tempo é possível? (CGEE, 2013) e O mundo rural no Brasil
do século 21. A formação de um novo padrão agrário e agrícola (Embrapa e Unicamp, 2014).
reorientação das suas metas e diretrizes - a agropecuária é uma atividade econômica
formada de diferentes ramos e sub-ramos produtivos, os quais vão construindo cadeias
produtivas de diferentes tipos e naturezas pari passu com o processo de modernização
agrícola. Embora a afirmação seja uma primária obviedade, no cotidiano da Empresa
esse fato ainda não parece ser traduzido em posicionamento adequado na construção de
agendas de pesquisa e diversas outras iniciativas. É curioso observar que ante a
iminência do Brasil tornar-se o maior produtor mundial de alimentos, com sua
agropecuária crescentemente globalizada, muitos ainda idealizam esse setor produtivo
meramente como um “modo de vida” ou, ainda mais grave, como uma atividade que
poderia prescindir de imperativos econômicos.24
Assim, a Embrapa requer estar articulada, valendo-se de diferentes mecanismos
de cooperação, com os agentes econômicos principais em cada caso particular. Fechar-
se (relativamente) em si mesma, produzindo novas agendas de pesquisa a partir de
esforços relativamente desconectados (ou desinformados) das realidades produtivas,
pouco produzirá, a não ser ocasionalmente e em situações de puro acaso. Excetuando-se
as iniciativas especificamente destinadas a perscrutar o futuro (que são esforços de
pesquisa essenciais), não faz sentido algum desperdiçar recursos públicos produzindo
esforços tecnológicos distantes das realidades econômicas e produtivas. Pelo contrário,
o sucesso de uma “Embrapa de segunda geração” dependerá, fundamentalmente, do
aprendizado construído a partir de interações virtuosas da Empresa com os agentes
privados das cadeias produtivas. Sobre esse novo momento, a Embrapa deixará de ser
“competidora” e seu papel principal deverá ser o desvendamento da lógica geral da
governança dos sistemas agroindustriais, permitindo que possa atuar contrariamente a
desvirtuamentos derivados da ação de agentes concentradores de poder econômico,
enquanto favorece processos de distribuição de conhecimento, igualmente socializando
os benefícios do processo de inovações. Essas são funções das empresas públicas.
Em síntese e abreviadamente: por um lado, a Embrapa, atualmente, está em
alguma medida afastada do mundo real da produção agropecuária, do ponto de vista
econômico e financeiro (inclusive por não contar com o conhecimento que seria
necessário, por parte da Economia Rural, sobre os processos produtivos). Mas, por
24 Ou ainda nas situações, incluindo também doutores universitários e não apenas pesquisadores embrapianos, que
recuperam do passado remoto o termo “campesinato”, para assim identificar setores da pequena produção
rural no Brasil. Aqui se adentra o terreno do patético.
19
outro lado, quase certamente, não é assim do ponto de vista tecnológico ou agronômico,
para os quais um exército de pesquisadores de alta qualificação se dedica
cotidianamente nas suas unidades de pesquisa. Este é o mais valioso ativo da empresa,
mas é necessário aceitar um fato da história: inicialmente (nos anos setenta) o foco
tecnológico bastou para animar o crescimento da produção agropecuária, em face do
primitivismo produtivo então reinante. Mas, nos anos mais recentes, há uma inversão e
os focos econômico e financeiro passaram a ser determinantes. Ilustrando: se nos anos
iniciais da modernização agrícola, que foi uma década de preços reais expressivos para
diversos produtos agropecuários e a base tecnológica a ser modificada era ainda
primária e sem nenhuma sofisticação, três décadas depois tudo mudou. A parte mais
dinâmica da agropecuária se tornou fortemente capitalizada e as exigências de capital se
tornaram muito mais expressivas e, dessa forma, o econômico passou a subordinar o
tecnológico.
Portanto, a agropecuária é, em nossos dias, primordialmente, uma atividade
econômica e esse foco, necessariamente, deve ser o ponto de partida para a ação
institucional da Embrapa. Trata-se de uma observação acaciana, mas apropriada para
uma Empresa na qual pelo menos uma parte dos pesquisadores e dirigentes não vê aqui
o eixo determinante e causal. Insista-se: nada que não seja economicamente viável o
será sob algum outro ângulo. Caso se mantenha movida, principalmente (ou
exclusivamente), por um foco tecnológico, rebaixando as considerações econômicas
para um plano secundário, a Embrapa se descolará da realidade e perderá contato com
as decisões dos participantes das cadeias produtivas.25
Por esta razão prática, a empresa
precisa reconstituir mais ambiciosamente a sua capacidade analítica de interpretar o
desenvolvimento agrário e agrícola do Brasil sob a perspectiva das Ciências Sociais
Rurais – sobretudo, a Economia. Na origem do CECAT (depois extinto, atual SIM), se
defendeu que a nova unidade deveria ser “sediada na Avenida Paulista”, uma metáfora
geográfica que propunha, exatamente, esta aproximação da Embrapa com o mundo real
da economia agropecuária e seus principais agentes privados. Infelizmente, esta
intenção ainda não prosperou adequadamente no âmbito interno, pois o foco
25 Inovação implica em risco e não é sempre possível aferir ex-ante a viabilidade econômica de alguma mudança,
técnica ou organizacional. Da mesma forma, é também preciso considerar que a Embrapa, necessariamente,
precisará sempre desenvolver atividades de pesquisa destinadas ao futuro, cujos imperativos econômicos
podem ser ainda desconhecidos. O ponto aqui a ser ressaltado, contudo, é que as evidências estariam
indicando que a Empresa tem mantido perigosamente distante de sua pauta as exigências econômicas
atualmente impostas pelo desenvolvimento da agropecuária brasileira.
20
essencialmente tecnológico é amplamente dominante. É um erro surpreendente a
Embrapa não contar com uma unidade específica destinada a pesquisas sociais e
econômicas, nos moldes do “Economic Research Service”, mantido pelo Departamento
de Agricultura dos Estados Unidos ou, até mesmo, uma unidade similar ao IFPRI,
vinculado à rede CGIAR.26
A iniciativa dos anos iniciais da Empresa, quando foram constituídos os “centros
nacionais de pesquisa por produto”, de integrar economistas às equipes
multidisciplinares de cada centro, não produziu os efeitos esperados. A maior parte
desses técnicos e pesquisadores, após alguns anos, se envolveu em atividades
administrativas e muitos foram se desligando das atividades propriamente de pesquisa.
E a Embrapa, com raras e honrosas exceções, foi sendo privada de conhecimento
analítico sobre os focos econômicos e financeiros, exatamente quando a agropecuária
brasileira foi ficando mais densamente envolta em tais dimensões. Abriu-se assim um
abismo interpretativo entre “o tecnológico”, que continuou a ser dominante no âmbito
interno da Empresa, e “o econômico-financeiro”, que gradualmente passou a ser
dominante na vida real da produção. Confrontada com essa visível tendência, a
Embrapa já deveria ter constituído uma unidade específica para lidar com a necessidade
de produzir análises sociais e econômicas que fossem convergentes com as
transformações em desenvolvimento nas regiões rurais.
Ensinamentos da história: complexidade e expansão econômica produzem a padronização e a simplificação produtiva
Partindo-se do pressuposto de ter sido o modelo tecnológico que moldou a agropecuária brasileira inspirado no caso norte-americano, a partir do final da década de 1960 e, também, aceitando-se que vivemos sob a lógica de um regime econômico capitalista (nem todos aceitam esta segunda premissa, por inacreditável que possa parecer), as tendências observáveis naquele país do Norte deveriam estar sendo analisadas cuidadosamente, para que pudéssemos iluminar o nosso próprio futuro, observadas, certamente, as diferenças entre os dois países. Se o fizéssemos, existiria mais cautela em implantar certos programas governamentais e a Embrapa seria igualmente mais restritiva em algumas de suas atividades.
Tome-se, por exemplo, o componente dedicado à “integração lavoura-pecuária-florestas” do chamado “Programa ABC” instituído pelo MAPA, com a colaboração técnica da Embrapa. Do ponto de vista agronômico, trata-se de proposta irresistivelmente sedutora, pois seria o sonho de ocupação dos recursos naturais no mundo agrícola, desenvolvendo paisagens de uso da terra e exploração produtiva que encantariam qualquer observador. Mas, são combinações econômicas viáveis? E, também, seriam combinações cuja complexidade os produtores rurais estarão dispostos a
26 CECAT era o “Centro de Estudos e Capacitação”, tendo sido substituído pela SIM (Secretaria de Inteligência e
Macroestratégia). O IFPRI é o “International Food Policy Research Institute”, mantido pela rede CGIAR
(“Consortium of International Agricultural Research”).
21
administrar? O desenvolvimento da agricultura nos Estados Unidos demonstra, com nitidez estatística, que a crescente complexidade dos sistemas agroalimentares gradualmente forçou os produtores a desenvolverem a especialização, padronizando seus sistemas agrícolas e concentrando-se em número cada vez menor de cultivos. A necessidade de comandar conhecimentos que se tornaram complexos e o acirramento concorrencial puseram poucas alternativas aos produtores – ou serem os melhores em poucos cultivos (ou criações) ou verem reduzidas as suas chances de permanecer no negócio. O gráfico abaixo demonstra tais comportamentos sociais em pouco mais de um século, com a diversificação produtiva desabando ao longo do tempo. Primeiramente, houve a separação entre a produção animal e a vegetal e, posteriormente, as propriedades passaram a se tornar mais e mais especializadas em um número menor de cultivos. Em uma atividade econômica (a agricultura) que não permite a diferenciação do produto, a especialização simplificadora da produção move-se pela busca incessante da produtividade, como a única forma de garantir o lucro final. Por essas e outras razões, é improvável que o sistema ora proposto no Brasil venha a ser aceito por número considerável de produtores, pois a combinação complexidade + acirramento concorrencial também está em pleno desenvolvimento nas regiões mais dinâmicas da agricultura brasileira.
Estados Unidos. Cultivos principais distribuídos por proporções de
propriedades rurais, 1900-2010(Fonte: Economic Research Service, Departamento de Agricultura, 2013)
2. Segundo desafio: qual o modelo tecnológico? Ou seriam modelos?
Inicialmente, é preciso um esclarecimento algo simplório, mas nem sempre
percebido imediatamente: o formato tecnológico que chamamos de “agricultura
moderna” é uma longa construção social com antecedentes remotos, embora tenha
seguido uma linha mais nítida de encadeamento de processos a partir de meados do
século 19. Diversas contribuições em termos de novas técnicas e descobertas são
anteriores, desde a chamada “primeira revolução agrícola”, mas, para os efeitos desta
NT se considerará que o coração do padrão tecnológico associado à agricultura moderna
teria nascido com a dupla Mendel e Liebig. É um forçado exagero, reconheça-se, mas o
objetivo aqui é apenas insistir que observamos um período aproximado de oitenta anos
22
durante o qual aquele modelo se constituiu em sua inteireza (tendo as descobertas de
Mendel como o ponto inicial). Como resultado, suas facetas principais se
materializaram na década de 1930 e, com a expansão econômica dos Estados Unidos,
no final daqueles anos, a agricultura moderna e seus impactos na reconfiguração da
paisagem agrícola se tornaram realidade, a partir de diversas iniciativas experimentadas
nas principais regiões rurais daquele país. Nasceu, naqueles anos, o padrão tecnológico
da agricultura moderna. É um formato centrado na semente e seu melhoramento
desenvolvido através das pesquisas experimentais, observadas as demais práticas
recomendadas (fertilização do solo, controle de pragas e doenças, entre outras) e os
requerimentos de um ecossistema determinado. Como a última etapa tecnológica da
agricultura moderna foi o desenvolvimento do controle químico de pragas e doenças, a
era derradeira associada a este processo histórico de transformações tem sido intitulada
de “era da química”, conforme o gráfico reproduzido adiante.
Os dados reproduzem a evolução dos rendimentos físicos de milho e de trigo nos
Estados Unidos, cobrindo um período de aproximadamente cem anos. Inúmeras lições
poderiam ser extraídas a partir do exame desses dados. A principal delas sendo a
verificação sobre os efeitos nos rendimentos a partir da década de 1940, nos Estados
Unidos, quando uma combinação virtuosa entre o completo “pacote tecnológico” agora
disponível e uma política de incentivos à modernização agrícola tornou-se realidade.
Essa expansão não nasceu do acaso, pois o crescimento dos rendimentos físicos,
especialmente no caso do milho, refletiu inúmeras iniciativas realizadas em diferentes
regiões agrícolas, muitas operadas décadas antes. São fatores antecedentes de grande
relevância para determinar, sobretudo, os comportamentos das famílias rurais e sua
receptividade em relação ao progresso técnico.
Em um extraordinário livro, Mauro Lopes mostrou que os Estados Unidos, ao
emergirem como a principal potência agrícola do planeta, a partir daqueles anos citados,
estavam, de fato, colhendo os resultados de centenas de iniciativas anteriores de seus
produtores rurais e das instituições ligadas ao “mundo rural”, as quais foram enraizando
as condições que, posteriormente, viabilizariam a implantação da agricultura moderna
no país. Muitas das iniciativas se concretizaram ainda nas últimas décadas do século 19.
Em especial, o livro analisa a trajetória das organizações agrícolas nos Estados Unidos e
23
o processo de ação política dos produtores rurais.28
Além disso, foi crescimento que
exigiu um fato que a literatura posteriormente enfatizou, já discutido na primeira seção:
a agricultura moderna seria um conjunto interdependente de técnicas e práticas, as quais
exigiriam sua completa aplicação, para produzir os resultados desejados e que acabaram
sendo observados.
Fonte: diversas (elaboração do autor)
Esse padrão tecnológico, que poderia ser intitulado de “modelo melhorista”,
contudo, gradualmente começou a ser transformado, a partir da década de 1980.
Decorreu do advento de técnicas e processos ligados à biotecnologia, igualmente
impulsionados pela revolução dos sistemas computacionais e outros campos científicos
que foram emergindo no período contemporâneo, todos convergindo para uma
verdadeira “revolução científica e tecnológica” da qual somos todos participantes (e, no
caso da Embrapa, protagonistas) nesse singular período histórico expansivo que ora
observamos. A semente manteve sua centralidade, mas agora submetida a verdadeiros
processos industriais de “desmontagem e reconstrução”, dos quais a transgenia é apenas
uma das técnicas disponíveis e, certamente, a mais discutida publicamente. Trata-se de
28 LOPES, M. R. Agricultura política. História dos grupos de interesse na agricultura. Brasília: Embrapa, 1996.
Ver, em especial, os capítulos 1 a 5 (p. 11-110). Por exclusivo preconceito ideológico (pois é publicação
dedicada à história rural estadunidense), o livro de Lopes tem sido pouco lido e comentado. É outra
manifestação da pobreza analítica reinante entre nós, quando se lembra de que o processo de modernização da
agropecuária brasileira foi montado a partir da experiência norte-americana do pós-guerra. Logicamente, seria
fundamental conhecermos profundamente a experiência daquele país, para entendermos em parte o nosso
próprio desenvolvimento agrário. A lógica e o pensamento racional, contudo, não parecem fazer parte do
substrato mais profundo de nossa cultura e dos nossos comportamentos sociais. Sempre optamos
primeiramente, com pueril entusiasmo, pelo pensamento mágico.
24
uma nova “era da biologia”, como às vezes se intitula em alguns estudos a respeito.29
Sob esse novo momento, as práticas de pesquisa convencionais da Agronomia vêm
sendo modificadas, pois a capacidade de “abrir molecularmente e reconstruir sementes”
dessa nova etapa de desenvolvimento tecnológico comandado pela biotecnologia pode
prescindir, muitas vezes, de alguma das demais fases agronômicas antes associadas ao
“pacote da agricultura moderna”. Não se trata, por certo, de ignorar o ambiente e a
natureza sistêmica da produção agrícola (pelo contrário), mas apenas enfatizar que o
foco rigidamente interdependente do formato tecnológico da etapa anterior está sendo
modificado, pois algumas das partes do “pacote” vêm ocupando a primazia, em termos
de seus impactos no resultado final da produção e da produtividade.30
Por tais razões, parece estar no horizonte próximo uma possibilidade ainda
inédita, mas revolucionária para o futuro da agricultura: a customização do formato
tecnológico de cada estabelecimento rural específico. Com o uso de bancos de dados
atualmente existentes (cada vez mais completos), somados ao mais moderno que a
tecnologia desenvolveu, um produtor específico poderá esperar, exclusivamente para o
seu estabelecimento rural, a recomendação de um padrão tecnológico único. Exclusivo
porque eventualmente diferirá de todos os demais, inclusive de seus vizinhos. E tal
modelo tecnológico poderá ser sugerido de longe, por um serviço de assistência técnica
que apenas tenha acesso aos dados particulares daquele estabelecimento. Conforme o
exemplo sucintamente descrito no box à frente, o produtor que for capaz de manejar tal
complexidade e enfrentar com êxito as vicissitudes da lógica econômica, aumentará a
expectativa de ampliar seus ganhos e a escala de seu negócio agropecuário. Se este é um
futuro próximo discernível e factível, são inúmeras as implicações que precisariam ser
29 Um livro já relativamente antigo, que antecipou tais transformações foi escrito por GOODMAN, D. et al. Da
lavoura às biotecnologias. Agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 1990 (especialmente os capítulos 1 e 2). Livros que discutiram o desenvolvimento passado dos
sistemas agrários e a formação do padrão tecnológico da “agricultura moderna” são MAZOYER, M. e
ROUDART, L.. História das agriculturas no mundo. São Paulo: Editora da UNESP, 2009. Consulte-se
também CHONCHOL, J. Sistemas agrarios en América Latina. México: Fondo de Cultura Ecnómica,
1996. Sobre o papel dos transgênicos, a bibliografia é vasta e, como exemplo, consulte-se GOMES, W. S. e
BORÉM, A., “As contribuições da biotecnologia para o desenvolvimento do agronegócio”. In: TEIXEIRA,
E. C. et al. A contribuição da ciência e da tecnologia para o desenvolvimento do agronegócio. Viçosa:
Editora da UFV, 2013, p. 317-341.
30 O foco “melhorista” ainda é amplamente dominante na Embrapa. Somada as considerações desta seção sobre os
novos modelos tecnológicos, com a anterior, que enfatizou a crescente predominância dos atores privados,
não deveria ser nenhuma surpresa a perda de importância da Empresa no mercado de sementes. Destaquei
esse ponto em documento escrito em outubro de 2012 e distribuído internamente (“Um ano de Embrapa: uma
visão impressionista”, manuscrito não publicado).
25
discutidas em profundidade no âmbito de uma empresa de pesquisa agrícola, como a
Embrapa.
Neste ponto, um bosquejo analítico é necessário, pois parecerá contraditório que
exista a tendência geral à possibilidade de desenhar uma receita tecnológica específica
para cada estabelecimento rural e esta garantir, necessariamente, a sua sobrevivência na
atividade. Se existir a possibilidade de propor um arranjo tecnológico específico,
supostamente deveria existir também a chance de sua permanência como produtor
agrícola, mantendo-se forte do ponto de vista econômico e resistindo à competição com
os demais atores econômicos das cadeias produtivas.
Na prática, em ambientes de recente modernização capitalista, o tecnológico e o
econômico são processos que caminham com lógicas próprias e paralelas, ainda que
necessariamente articulados. De certa forma, repete-se aqui o impasse que foi sendo
desenvolvido ao longo da história da Embrapa, pois a customização do “modelo
tecnológico” para cada estabelecimento rural recolhe a excelência agronômica existente
(que caracterizou a primeira fase da organização) e, ante as inovações disponíveis
atualmente, é a especificidade que é iminente de se tornar viável para os
estabelecimentos rurais. Contudo, sendo a agricultura uma atividade econômica,
existem determinantes causais que são externos, antecedentes e dominantes sobre os
estabelecimentos rurais e que conformam, prioritariamente, as chances dos formatos
tecnológicos agronomicamente adequados para cada caso específico.
Em termos mais simples: a possibilidade de customização de formatos
tecnológicos é específica e proposta do ponto de vista agronômico, se fixa apenas em
resultados produtivos a partir das particularidades de cada estabelecimento (tipos de
solos, declividade, recursos hídricos disponíveis, mão de obra que pode ser mobilizada,
entre outros aspectos). Mas o estabelecimento rural mantém “relações com o mundo”
(econômico-financeiro) e com os mercados, e esses são os determinantes principais.
São os fatores que, em última instância, garantem as chances ou não de permanência na
atividade e, por isto, devem ser priorizados em termos de produção de conhecimento. O
corolário (urgente) é imediato: se irá existir a customização dos formatos tecnológicos e
esses não forem ancorados, preliminarmente, em sua sustentação econômica, serão
propostas técnicas que tenderão a fracassar. Ainda mais diretamente: formatos
tecnológicos se constroem em espaços privados particulares, mas os processos
econômicos são necessariamente gerais. Os primeiros podem garantir a máxima
26
produtividade, mas é meta que não garante per se a proteção contra a competição
econômica e os processos seletivos que esta enseja.
Sem diversos outros comentários adicionais, talvez seja suficiente sugerir dois
possíveis impactos, um geral e outro específico. Em termos mais gerais, a customização
do padrão tecnológico em cada propriedade rural exigirá, em especial, o “manejo da
complexidade” e capacitações bastante particulares, para dar conta da intensidade
tecnológica e organizacional decorrentes. O que acontecerá com a maior parte dos
produtores rurais brasileiros, quando trinta por cento deles sequer sabem ler, de acordo
com os dados censitários? Esse futuro que se projeta, portanto, certamente aprofundará,
ainda mais, o processo de concentração da produção agropecuária, nas mãos dos poucos
produtores que poderão ser capazes de lidar com a complexidade que vai sendo formada
nas regiões rurais do capitalismo avançado. O comentário específico diz respeito à
agenda de pesquisas da Embrapa, pois esta ainda se estrutura em boa medida segundo
os ditames de um “modelo melhorista”, muito provavelmente porque a primeira geração
de seus pesquisadores foi assim formada. Parece urgente, portanto, abrir um amplo
debate interno sobre as tendências do modelo tecnológico ora sendo formado nas
regiões rurais de maior dinamismo econômico e produtivo, as quais vão construindo
formatos tecnológicos que ultrapassam aquele modelo centrado no melhoramento de
novas variedades. Em termos mais provocativos: parte, talvez significativa, da pesquisa
patrocinada pela Embrapa ainda tem a mente no passado, ao mesmo tempo em que um
futuro expressivamente distinto já começou a comandar a produção e os sistemas
agroindustriais.
O futuro da atividade econômica “agricultura”
Em recente reportagem (01/12/2014), o jornal “New York Times” relatou as características da produção agrícola moderna, descrevendo alguns aspectos de um estabelecimento rural no estado de Indiana. A matéria é reveladora das tendências atuais do “modelo tecnológico” que está se concretizando como o dominante, evidenciando a íntima relação entre a intensificação tecnológica e a produção agrícola. Mostra diversos aspectos indicativos de uma tendência à “customização do modelo tecnológico”, como realçado nesta NT.
A reportagem é também ilustrativa das tendências mais gerais, destacando-se três aspectos principais: (a) a necessidade de comandar conhecimentos complexos para extrair a máxima produtividade possível, permitindo ao produtor sobreviver à concorrência; (b) a sintomática referência ao filho do vizinho, que já trabalha como empregado do produtor que é o centro da matéria jornalística, uma referência ao processo mais geral de “diferenciação social” que tipifica a expansão da agricultura capitalista, e (c) a tendência à concentração da produção, sugerida pelo crescimento da propriedade e do volume monetário do negócio.
27
Trata-se de extraordinária matéria, em face das inúmeras lições e o aprendizado geral contido, explicitamente ou nas entrelinhas da descrição oferecida aos leitores. Para a finalidade desta NT, talvez baste a reprodução de um cartaz desenhado pelo próprio produtor, mantido em seu escritório principal, na propriedade. A figura é uma fabulação do futuro imediato da atividade econômica “agricultura”, mas já vivida pelo produtor, seus familiares e o seu cotidiano. A agricultura propriamente dita, conforme o desenho, é apenas uma parte de uma complexa estrutura, envolvendo um sem-número de outros agentes econômicos. Sugere, da mesma forma, a rede financeira que cerca o produtor e seu negócio e, igualmente, a densa base técnica e o moderníssimo aparato de dados e comunicações (drones, aviões e satélites) que já determinam diversas decisões sobre a produção e suas marcas mais distintivas. É uma ilustração do formato tecnológico “customizado” que, gradualmente, vem tomando conta da agricultura que se moderniza e o centro da rede de relações, curiosamente reproduzida no desenho, não é a propriedade, mas a “nuvem” que armazena todos os dados, internos e externos, os quais permitem a construção da especificidade tecnológica e econômico-financeira da atividade particular desse produtor rural.
Fonte: New York Times, 1 de dezembro de 2014 (http://www.nytimes.com/2014/12/01/business/working-the-land-and-the-data.html?_r=0)
2.1 E os temas sociais?
A argumentação até aqui apresentada poderia sugerir, prima facie, um aparente
determinismo econômico e tecnológico. Seria este o caminho para o desenvolvimento
agrário brasileiro que gradualmente se tornará o exclusivo? Se existe um processo de
expansão econômica que concentra a produção agropecuária, enquanto desenvolve
simultaneamente um processo de seletividade social que marginaliza parte significativa
dos produtores rurais, como lidar com tais tendências? Como seria logicamente
esperada, em termos práticos, a combinação complexidade + acirramento
28
concorrencial aprofunda a diferenciação social e produz (como referido anteriormente)
“vencedores e perdedores”.31
Em um país que enraizou um fortíssimo padrão de
desigualdade social, marcado por um dos mais altos indicadores de concentração
fundiária, associado às diferenças produtivas profundas entre as regiões rurais, é
evidente que um período expansivo oferecerá chances relativamente mais promissoras
aos estabelecimentos de maior escala integrados aos mercados, com menores custos de
transação, maiores produtividades e mais preparados para enfrentar a complexidade e os
seus competidores. Contrariamente, a multidão de pequenos produtores, com poucos
recursos, relativamente desinformados sobre as relações econômicas e financeiras e suas
armadilhas e, igualmente, sem políticas de apoio adequadas, gradualmente vem se
vendo empurrada contra a parede. Suas chances de persistir no negócio agropecuário,
cada vez mais, vão sendo reduzidas. Sobre este tema, alguns comentários gerais são
necessários.
Primeiramente, deve ser enfatizado que existe um “modelo geral”, tanto
econômico como tecnológico – a agricultura moderna em regimes econômicos
capitalistas. É padrão que desenvolve algumas leis universais, independentes das
especificidades históricas de cada caso nacional. Por esta razão, nesta NT os exemplos
são extraídos do caso norte-americano, por duas razões principais: (a) por existirem
dados censitários desde 1840, permitindo comparações históricas e o exame detalhado
das tendências estruturais de tal padrão de desenvolvimento; (b) por ter sido o berço da
agricultura moderna, que depois se estendeu para o restante do mundo, incluindo o
Brasil. Dessa forma, trata-se de uma história rural que aponta algumas tendências
gerais, que precisariam ser conhecidas em profundidade.
Em segundo lugar, existem as especificidades nacionais, as quais impõem o que
seria típico do desenvolvimento agrário brasileiro. Por exemplo, sendo um país
continental, a heterogeneidade das transformações produtivas será mais acentuada do
que seria o caso de um país de dimensões mais modestas, conforme demonstra a
literatura disponível. Também por ter sido um país marcado pela escravidão, cujas
31 O conceito de diferenciação social surgiu com o nascimento da Sociologia e foi fundamental para discutir a nova
divisão do trabalho derivada da industrialização (e urbanização) na Europa do século XIX. As origens do
conceito remontam ao Iluminismo Escocês (Ferguson, Millar), posteriormente inspirando Marx, Durkheim e
outros autores fundadores da disciplina. A expressão teórica mais densa se encontra na obra de Parsons. É um
conceito central para entender os grupos e classes sociais existentes nas regiões rurais e suas facetas
principais (incluindo as opções tecnológicas), embora ignorado na discussão brasileira sobre “agricultura
familiar”, por exemplo.
29
atividades agrícolas caracterizaram um “modelo agroexportador”, os índices de pobreza
são igualmente estruturais e, embora tenham sido diminuídos em função de recentes
políticas de transferência de renda, ainda são muito presentes nas regiões rurais.
Não se estendendo em comentários adicionais sobre inúmeros outros aspectos que
seriam também relevantes, deve ser ainda citado um terceiro aspecto, que introduz os
temas que deixam de ser primordialmente econômico-financeiros e tecnológico-
produtivos, passando também a ser “social”. Para tanto, observe-se a famosa tabela
construída com os dados apurados em 2005 e, no ano seguinte, publicados no último
censo disponível (dados já defasados em uma década!). Esses dados foram agrupados
por Eliseu Alves e seus colaboradores e talvez sejam os dados mais relevantes
publicados nos últimos anos. Embora Alves seja um pesquisador-ícone da Embrapa, é
de se lamentar que não se tenha feito divulgação ampla desses resultados, pois são
dramáticos, conforme a tabela mostrada adiante. São dados que demonstram
numericamente diversos processos econômicos em curso, assim como suas implicações
sociais. Em especial, a tabela se tornou objeto de análise preocupante em função da
aguda concentração do valor da produção agropecuária, a partir da qual se demonstrou
que um diminuto grupo de produtores (0,62% do total), altamente tecnificados, seria
responsável pela metade da produção agropecuária brasileira (e apenas 13%
responderiam por quase 90% do total da produção).32
Para os propósitos principais desta NT, contudo, os dados sintetizados na tabela
permitem introduzir a “problemática social” do desenvolvimento agrário no país na
atualidade. Grosso modo, com algum exagero estatístico, o exame da tabela permite
concluir que um vasto contingente de estabelecimentos rurais, variando entre 2,5
milhões a 3 milhões (praticamente dois terços do total de estabelecimentos) tem chances
escassas de permanecer como produtores agrícolas nos próximos anos, em suas regiões
de moradia e de trabalho, ainda que eventualmente parte dessas famílias permaneça
morando no campo. Comandam atividades agrícolas tão reduzidas que o valor bruto de
produção (VBP) auferido é igualmente minúsculo e, desta forma, são famílias rurais que
dificilmente permanecerão na atividade em um período de tempo curto a médio. O
segundo estrato, englobando aproximadamente um milhão de estabelecimentos,
32 Eliseu Alves e seus colaboradores publicaram diferentes artigos analisando os dados censitários. No tocante aos
dados da tabela, o artigo mais impactante se intitula “Lucratividade na agricultura” e foi publicado na Revista
de Política Agrícola, ano XXI, nº 2, p. 45-63, 2012, Brasília. O artigo está disponível em:
provavavelmente forma o tão falado “estrato médio” de produtores rurais, os quais
teriam alguma chance, caso encontrem diversas políticas de apoio, incluindo o acesso à
tecnologia moderna. E, finalmente, existiria o terceiro estrato (aproximados 500 mil
estabelecimentos rurais) que parece ser aquele que constitui o “grupo dos vencedores”,
a elite responsável pela maior parte da produção agropecuária brasileira.
O Brasil e o mundo rural contemporâneo
Brasil. Concentração da renda e pobreza
(Censo de 2006)
Sal. min.
mensal
Número de
estabelec. %
Renda
bruta (%)
rb/est./ sal. min.
mensal
(0 a 2] 2.904.769 66,01 3,27 0,52
(2 a 10] 995.750 22,63 10,08 4,66
(10 a 200] 472.702 10,74 35,46 34,49
>200 27.306 0,62 51,19 861,91
Total 4.400.527 100,0 100,0 10,45
Dados do IBGE, Alves et al. (2012)
Apontada essa configuração geral, no entanto, permanece uma longa lista de
perguntas sobre as realidades rurais, iniciando-se pela mais óbvia: quais são, quantos
são e onde residem os subtipos de produtores, extraídos daquele grande primeiro grupo
que, em tese, estaria condenado ao desaparecimento em prazo curto a médio? Esta é
pesquisa inexistente, ainda que pudesse ter sido realizada a partir dos microdados
censitários. Dessa forma, o Estado brasileiro, o que inclui a Embrapa, tateia no escuro
sobre suas recomendações tecnológicas e outras políticas, pois sequer produziu ainda
uma fotografia empírica minuciosa sobre as evidências concretas relativas à
heterogeneidade demonstrada por indicadores gerais e nacionais. No caso específico da
Embrapa, essa deficiência é demonstrativa de outra de suas insuficiências no campo das
pesquisas sociais, comprobatórias da lamentável inexistência de uma unidade dedicada
às pesquisas econômicas e sociais. E, sem dúvida, deixando outra pergunta no ar: como
desenvolver uma agenda de pesquisa agronômica “colada às realidades rurais”, se tais
estudos não existem? Ou, então, se ampliada a pergunta para o campo da extensão rural,
como recomendar formatos tecnológicos aos produtores rurais, se esse inexistente
diagnóstico não aponta as diferenças de renda, a disponibilidade de força de trabalho e
31
de outros recursos (terra e tecnologia disponível), de capital e de conhecimento sobre
mercados, nas diferentes regiões rurais? Ficamos, assim, caminhando a esmo e
especulando sobre o mundo da produção. A Empresa, em face das transformações
recentes em curso nas regiões rurais, especialmente aquelas de maior dinâmica
produtiva, tem sido incapaz de produzir fotografias precisas dos processos econômico-
financeiros em curso.
2.2 Segundo desafio: recomendações
A principal recomendação derivada das observações acima é imediata: é
necessário um esforço muito maior e ambicioso, mobilizando todos os pesquisadores e
analistas, no sentido de, por um lado, analisar e conhecer as tendências do
desenvolvimento agrário brasileiro e suas marcas distintivas e, de outro lado, as
tendências mais gerais das transformações do negócio agropecuário no mundo e suas
peculiaridades tecnológicas. Esse cotejo é que indicará com clareza as possibilidades de
transformação dos formatos técnicos no caso brasileiro, em cada cadeia produtiva, além
de iluminar os requerimentos de pesquisa agrícola e, portanto, o “lugar” da Embrapa e
de suas atividades nos anos vindouros. Em termos mais prosaicos, não se pode
permanecer exaltando continuamente o passado glorioso e imaginar que o presente está
repetindo-o em suas características gerais. Como defendido acima, o que tem sido
modificado, nos anos mais recentes, são também as marcas essenciais dos formatos
tecnológicos e, como resultado, urge conhecer tais tendências e examinar as
possibilidades concretas de seu desenvolvimento no caso brasileiro. Se não se aceitar
que a natureza da agricultura moderna está sendo transformada, não se divisará o
futuro e nenhuma estratégia consistente poderá ser materializada.
A segunda recomendação diz respeito à estrutura existente de centros de pesquisa
da Embrapa. Causa alguma perplexidade que a empresa não pareça ter disposição para
discutir, mesmo que discreta e intramuros, sobre a gigantesca rede de unidades de
pesquisa e de negócios, espalhada por todo o Brasil, em praticamente todos os estados.
Há aqui uma observação que não exige nenhum conhecimento mais aprofundado, mas é
apenas histórica e decorrente do senso comum: a portaria que criou a Embrapa é de
dezembro de 1972 e, naquele ano, a agropecuária e o mundo rural eram radicalmente
distintos. Com algum exagero, se poderia dizer que o Brasil era então apenas um
32
produtor de café – e nada mais.34
Parte considerável das unidades descentralizadas da
empresa foi sendo criada, na década de 1970 e na primeira metade dos anos oitenta,
quando as atividades agropecuárias eram ainda muito primitivas, sob qualquer dos
ângulos analisados. A decisão de criar aquelas unidades observou a necessidade, os
contextos e as especificidades regionais que então existiam, gerando, em particular, os
chamados “centros de produtos”.
Meio século depois, (quase) tudo mudou no tocante ao mundo rural, no Brasil e
no mundo, em relação às atividades econômicas agropecuárias. Mas, a lógica geral e a
estrutura de unidades de pesquisa da Embrapa não foram readaptadas em sua essência,
pois se enraizaram ainda mais em suas locações espaciais, também mantendo boa parte
de suas tradições originais e as rotinas de pesquisa. Ou seja, sem maior aprofundamento
empírico: foi sendo criado um fosso crescente entre uma história passada, no geral
muito bem sucedida (sempre será fundamental ressaltar), e as realidades atuais da
produção agrícola, inclusive no tocante à concentração espacial, que mudou em muitos
casos, em função de circunstâncias específicas. Apenas uma ilustração: como analisar o
CPATU (a “Embrapa Amazônia Oriental”), a maior das unidades da Embrapa, com o
maior orçamento e unidade das mais antigas, Centro que foi criado especificamente em
função de uma “problemática amazônica” (sobretudo, florestal), em meio à ocupação
épica daquela região na década de 1970, se comparado com o Pará atualmente, um
estado que provavelmente logo abrigará o maior rebanho bovino do país, além de
desenvolver importantes atividades agrícolas que tendem a crescer exponencialmente?
Qual seria a missão daquela Unidade atualmente, seria possível explicitá-la? Em face da
dinâmica econômica da agropecuária naquele estado, não seria mais apropriado que se
tornasse uma “Embrapa Pará”, dedicada à variada (e problemática) lista de desafios, de
todas as ordens, relacionados ao desenvolvimento da agropecuária estadual?
Caberia aqui agregar as contribuições de outra recente Nota Técnica, elaborada
por quatro colegas da antiga Secretaria de Gestão Estratégica (atual Secretaria de Gestão
e Desenvolvimento Institucional). Os autores analisaram a “perda de participação dos
conhecimentos e tecnologias gerados e produzidos pela Embrapa”, situando-a em
relação ao “conjunto de conhecimentos e tecnologias em uso no setor produtivo”. Para
34 Será iluminadora, neste particular, a leitura do texto do técnico do IBGE e atual coordenador do Censo
Agropecuário, Flavio Bolliger, autor do artigo “Brasil agropecuário. Duas fotografias de um tempo que
passou”. In: BUAINAIN, A. M. et al, O mundo rural, op. cit., 2014, p. 1049-1080.
33
tanto, estudaram rigorosamente as séries de dados existentes, investigando a evolução
das receitas próprias da empresa, assim como a evolução da parcela referente ao uso de
tecnologias computadas na apuração anual do lucro social da Empresa.36
As conclusões
dos autores são peremptórias e merecem intensa reflexão, se associando aos temas
referidos nesta Nota Técnica. Segundo aqueles pesquisadores,
“(…) O conjunto de dados que pudemos reunir e as análises que eles
ensejam confirmam a proposição inicial de que as tecnologias e os
conhecimentos ofertados pela Embrapa vêm perdendo participação no
conjunto de tecnologias e conhecimentos em uso nas cadeias produtivas
do setor agropecuário. Cai em termos relativos e em termos absolutos a
receita tecnológica da empresa, tal como pode ser aferida diretamente nos
seus registros contábeis, pelos métodos do Siafi (...). É estável, em termos
absolutos, o valor econômico e social das tecnologias embrapianas, se
aferimos esse valor segundo o método empregado na elaboração do
balanço social da Empresa. Dado que o valor global das tecnologias e
conhecimentos em uso no setor produtivo não para de crescer, só se pode
deduzir que a participação da Embrapa decresce em termos relativos”
(CAVALCANTI et al, 2014, op. cit., p. 15).
Neste ponto, seria preciso também introduzir outro foco, embora sem discuti-lo
mais amplamente. Acima, os autores concluem pela redução relativa do “lugar da
Embrapa” no tocante ao grande conjunto de “tecnologias e conhecimentos ofertados”, o
que se aproxima com a tese da “crescente desnecessidade” da Empresa, discutida nesta
NT. Isto significaria menor impacto de sua ação, mas a partir da primeira década desse
século foi introduzida a noção de “multidimensionalidade dos impactos”, os quais
passaram a orientar a preparação do Balanço Social que, anualmente, tem sido
publicado. Desde 2001, esses documentos passaram a incluir impactos sociais e
ambientais, também adicionando resultados em termos de geração de empregos. A
avaliação multidimensional, igualmente, ampliou-se com o fator relacionado às citações
decorrentes da produção científica da Empresa. Finalmente, nos anos mais recentes, o
Balanço Social passou também a incluir atividades relacionadas à avaliação de políticas
públicas realizadas pelas unidades descentralizadas. Registre-se, contudo, o fato, pois
indica que a suspeita sobre a gradual perda de participação ou relevância da Embrapa,
atualmente, poderá ser analisada por ângulos de maior complexidade empírica.37
Os comentários e a análise dessa segunda Nota Técnica, somados a diversas
outras ilustrações empíricas que poderiam se estender para diversas outras unidades, são
36 Ver Cavalcanti, A.; Avila, F.; Gomes, E. e Marra, R., “Desafios para a Embrapa agora”. Brasília: Scretaria de
Gestão e Desenvolvimento Institucional, novembro de 2014 (manuscrito não publicado).
37 As informações sobre o impacto multidimensional e os detalhes correlatos são de Flávio Ávila (SGI), de acordo
com comentário oferecido à discussão recente entre pesquisadores da lista “Pesq-l” (ver a nota 22).
34
citados apenas para por em relevo um fato de imensa obviedade e premente necessidade
de discussão: as unidades da Embrapa, em alguma proporção, perderam o seu sentido
original e precisam atualizar-se. Algumas precisariam se reorganizar menos, outras
bem mais – mas (praticamente) todas elas necessitam, com urgência, desenvolver maior
convergência com as realidades rurais, agrárias e agrícolas de suas respectivas regiões.
Existiriam diretrizes orientadoras para o tema? Seria mais apropriado transformar todas
elas em unidades de pesquisa com um foco geográfico, dedicadas exclusivamente aos
temas do seu estado, se associando intimamente às OEPAs que o desejassem? E as
unidades chamadas de “transversais”, estariam cumprindo o seu esperado papel?
Novamente fica a pergunta que não pode calar: por que não discutimos esse tema, visto
com um tabu intocável, quando uma parte expressiva das unidades descentralizadas não
parece estar cumprindo o seu papel, talvez até mesmo pela falta de clareza na ação geral
da Empresa? Antes que ocorra alguma reação extemporânea e ideologicamente
motivada, não se trata de propor um “ajuste neoliberal”, que implique em demissões e
atos similares, mas tão somente refletir sobre o que é o centro desta NT. Ou seja, a
Embrapa, como está, pode estar sendo condenada à decadência rápida e precisa se
reorganizar e esse caminho pode, sim, significar a extinção de alguma unidade, se este
for o caso. Assim como provavelmente significará a criação de unidades novas em
substituição. O que causa perplexidade é a reiteração da imobilidade, ou seja, a
percepção acerca da persistência dessas disfunções institucionais, sem que exista nem
mesmo um debate correspondente a respeito.38
Há uma terceira recomendação, de nítida dificuldade operacional, caso fossem
implementadas mudanças a respeito. A crescente complexidade tecnológica e
organizacional da agropecuária brasileira, assim como o cada vez mais intricado
desenvolvimento do “modelo tecnológico dominante” para a atividade que vai sendo
desenhado em outras economias avançadas, submete outro dilema para a Embrapa:
pesquisa aplicada, pesquisa básica – ou ambas? Parece óbvio que uma parcela crescente
de esforços científicos já em desenvolvimento (ou a serem desenvolvidos) pode ser
situada no campo da “pesquisa básica” ou, quando muito, “pesquisa básica com foco
38 Praticamente todas as unidades da Embrapa padecem de algum tipo de indefinição quanto à sua missão
institucional e ao seu ajustamento às peculiaridades do desenvolvimento da agropecuária brasileira. Quase
todos os “centros de produto”, por exemplo, mantêm atualmente distâncias consideráveis das regiões
produtoras principais, em função das mudanças ocorridas. Esse fato não produz problemas insanáveis, mas
prejudica a atuação mais eficaz da Unidade. Nenhum dos centros deveria mudar a sua localização?
35
geral aplicado”, pois a crescente complexidade, de fato, tem quase feito esta fronteira
impossível de ser determinada, em termos práticos e operacionais. Haveria aqui um
problema institucional mais sério ou esta dicotomização e seu aprofundamento no
cotidiano da empresa representa apenas um resultado natural de uma agropecuária que
se modernizou? Não seria esperado que um setor que igualmente passou a ser
comandado por um estado de complexidade demande, igualmente, a realização de
esforços gigantescos em pesquisa básica, em seu sentido estrito?
Desta forma, como materializar tais esforços, criando novos centros, estimulando
projetos específicos em alguns centros, articulando iniciativas com áreas de pesquisa
das universidades ou outros centros de pesquisa, inclusive internacionais? Pesquisas
sofisticadas em áreas científicas emergentes, que apenas potencialmente gerarão novas
técnicas e processos para o melhor funcionamento da agropecuária são obviamente
necessárias e precisam ser tornadas uma realidade – mas qual o caminho mais
apropriado? Os laboratórios da Embrapa mais produtivos, eficientes e criativos
poderiam ter apoios financeiros de maior envergadura, sem o engessamento normativo e
burocrático que atualmente caracteriza os demais projetos? Um caminho possível seria
discutir a possibilidade de criar um braço intitulado “Embrapa Pesquisa Básica”, o qual
se dedicaria a estreitar laços com institutos de pesquisa e, em particular, com as
melhores universidades brasileiras e, talvez, até algumas internacionais, mobilizando
estudantes de pós-graduação. Por que não instituir um curso multidisciplinar de pós-
graduação em torno do foco “processos científicos básicos em agricultura” e, a partir da
iniciativa, mobilizar recursos humanos que pudessem aprofundar esforços de produção
científica em pesquisa básica? O locus ideal para a iniciativa, sem dúvida, seria o
Cenargen, por tantas razões óbvias, mas é também provável que um centro com essas
finalidades, localizado em torno de Campinas, fosse igualmente apropriado para
fomentar pesquisas “de ponta” em campos emergentes da ciência que, futuramente,
poderiam aportar inovações para a agropecuária brasileira.
Finalmente, um rápido comentário sobre os “temas sociais”. Sob este ângulo,
que combina a dimensão estrutural da pobreza rural com as insuficiências de recursos
apropriados pela vasta maioria das famílias rurais, os constrangimentos ambientais
(caso do semiárido nordestino, por exemplo), além de diversos outros obstáculos, de
naturezas diversas, antepostos à possibilidade de promover a prosperidade e o bem estar
das famílias moradoras nos estabelecimentos rurais de menor porte econômico, seria
36
preciso, em especial, uma ação rigorosamente científica.39
E a Embrapa, nesse caso,
poderia oferecer um exemplo paradigmático sobre as formas de encaminhamento
possível no tocante a este histórico desafio que caracteriza as regiões rurais. Ou seja,
promover pesquisas rigorosas e assentadas estritamente no conhecimento científico, as
quais pudessem, finalmente, sugerir caminhos para os aproximados 3 milhões de
estabelecimentos rurais ora ameaçados de marginalização produtiva e econômica. É
preciso reconhecer que as universidades não têm sido capazes de realizar esse esforço,
senão perifericamente. Menos ainda, outras instituições do Estado na esfera do
Executivo, pois estão envolvidas em um cipoal de leituras ideológicas sobre o mundo
rural. Assim, por que a Empresa não realiza esse esforço de interpretação e
desvendamento dos cenários possíveis?
Brasil rural: uma “grande transformação” à vista40
Instituído um “novo padrão agrícola e agrário”, ancorado em imperativos econômicos e financeiros, e ante uma perspectiva comercial de médio e longo prazo que poderá ser promissora, com a agropecuária se transformando em máquina de produção de riqueza que passa a ser irreversível, desenvolve-se atualmente a dualidade já citada nesta NT. Trata-se de antinomia que combina o crescente acirramento concorrencial com a intensificação dos processos de seletividade social que poderão excluir, talvez rapidamente, uma parte significativa das famílias rurais da atividade agrícola. Esta é a principal, a de maior magnitude e a mais relevante questão social atualmente em curso nas regiões rurais – é o destino de milhões de pequenos produtores rurais que está em jogo.
Neste sentido, novamente será elucidativo verificar o ocorrido na história rural dos Estados Unidos, durante um período que cobriria uma geração (final dos anos 40 e até meados da década de 1970), conforme o gráfico adiante. Nesse período, quando a economia norte-americana cresceu a taxas expressivas (são os chamados “anos dourados” da história do capitalismo naquele país), desabou o número de estabelecimentos rurais e desenvolveram-se intensos processos migratórios. O número de propriedades caiu mais da metade, de um pico de quase 6,7 milhões de estabelecimentos em 1938, para o total atual, que é pouco acima de 2 milhões de propriedades rurais, considerando-se todos os tipos, conforme a linha verde tracejada na figura. Ao mesmo tempo, a intensificação tecnológica, aferida através da produtividade total de fatores (PTF), experimentou contínuas taxas de crescimento, indicando uma atividade que se modernizava de forma ininterrupta, fazendo nascer a agricultura mais moderna do mundo.
39 É preciso ter coragem analítica para ir além das nuvens ideológicas que tudo encobrem e estudar rigorosamente as
realidades empíricas. Veja-se, por exemplo, o artigo de Aldenôr Gomes da Silva e Fernando Bastos Costa,
especialistas no semiárido do Nordeste rural, que analisaram a saga dos agricultores pobres daquela região,
salientando que “(...) o Censo [da Agricultura Familiar] mais escondeu do que mostrou a respeito da realidade
no campo, ocultando cada vez mais a diversidade dos estabelecimentos rurais de menor porte econômico no
plano regional” (SILVA, A. G. e COSTA, F. B., “Os estabelecimentos rurais de menor porte econômico do
Semiárido nordestino frente às novas tendências da agropecuária brasileira”. In: BUAINAIN, A. M. et al, op.
cit., 2014, p. 945-977).
40 Apenas como informação para os leitores que não lidam com as Ciências Sociais, a expressão “a grande
transformação”, nesses campos disciplinares, sempre se refere à brilhante e clássica obra de Karl Polanyi,
“The Great Transformation. The Political and Economic Origins of Our Time”, originalmente publicada em
1944 (New York: Farrar & Rinehart). Há tradução em português (Rio de Janeiro: Campus, 1980).
37
Segundo todas as evidências existentes, o Brasil iniciou um processo histórico de transformação produtiva similar à agricultura norte-americana daquele período, mesmo que a economia brasileira seja impulsionada por taxas bem mais modestas nos anos à frente. Contudo, em face das fragilidades sociais existentes nas regiões rurais e das circunstâncias contextuais que são diferentes, facilitando os processos migratórios, é bem provável que o esvaziamento do campo brasileiro ocorrerá em período de tempo mais curto, talvez não requerendo o intervalo de uma geração. Por esta razão, é urgente uma discussão ampla que encontre respostas apropriadas à pergunta: "qual o mundo rural que a sociedade brasileira deseja?”. Uma das instituições responsáveis por um dos lados da dualidade referida (a intensificação tecnológica), se a Embrapa não conseguir animar esse debate urgente, quem o fará?
3. Terceiro desafio: a transição geracional na Embrapa
Esse tema pode ser apresentado sinteticamente, pois é notório e faz parte do dia-a-
dia da Embrapa e de suas unidades espalhadas pelos estados, gerando crescentes
desacertos administrativos. Trata-se da notável estatística que nos informa que 70% dos
pesquisadores foram substituídos nos últimos dez anos, conforme os dados oficiais. Esta
mudança teria ocorrido (aproximadamente) na mesma proporção em todas as unidades
descentralizadas. Não obstante esse fato de enorme significação, em face de seus
impactos potenciais positivos, as luzes vermelhas se acendem quando se observa que a
Empresa não vem dando a devida importância ao tema da “transição entre gerações” de
pesquisadores. Não tendo sido desenvolvida uma estratégia fina e adequada para “passar
38
o bastão” entre os pesquisadores pioneiros e os jovens que chegaram, os problemas
decorrentes têm sido inúmeros, como seria esperado.41
Impressiona que essa transição não tenha sido planejada com extremo cuidado,
pois são duas gerações de profissionais e cientistas oriundas de circunstâncias históricas
radicalmente distintas, seja no tocante aos ambientes universitários nos quais se
formaram ou, então, no que diz respeito às próprias realidades da produção. Bastaria
lembrar o Brasil ainda fortemente rural e agrário da década de 1970 e o Brasil dos
últimos dez anos, quando a nova geração de pesquisadores cruzou os umbrais da
Embrapa (insista-se aqui na consulta ao artigo de Bolliger, 2014, antes citado).
Separados por meio século, são dois países distintos, pois os indicadores estatísticos são
antípodas em centenas de aspectos, sociais e econômicos. E também políticos: a
Embrapa foi criada no contexto de uma ditadura militar e a nova geração chega à
Organização sob um regime político democrático, diferença que implica em inúmeras
consequências, inclusive comportamentais. A distribuição espacial da agropecuária e
sua estrutura de produção são extraordinariamente diferentes, comparando-se os dois
períodos e, acima de tudo, a constituição inicial da Embrapa foi uma ação épica e
marcada por registros de coragem, dedicação e comprometimentos éticos incomuns.
Uma vez consolidada a democracia brasileira, no entanto, os jovens pesquisadores
são portadores de mentalidades, escolhas, formas de interação e valores que repercutem
outras circunstâncias históricas. Esta é comparação que lembra a famosa frase de Marx,
que escreveu no seu panfleto “O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte” (1852) que “A
tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos”.
No caso específico discutido nessa seção da NT, contudo, o peso da “tradição” teria sido
(quase) perdido, pois o Brasil submeteu-se a passagens históricas radicais e, sob tais
transformações, o passado e seu conhecimento ficaram fortemente esmaecidos, não
determinando tão claramente as práticas científicas da nova geração de pesquisadores.
Bastaria lembrar, como uma das facetas mais nitidamente distintivas entre a primeira
geração e esta nova que gradualmente assume o comando, que os primeiros foram
contratados em meio a um regime político autoritário, o qual deixou marcas ainda
visíveis na empresa. A nova geração de pesquisadores, recrutada nos concursos
41 Sabe-se que algumas propostas metodológicas foram sugeridas e, se implantadas, permitiriam uma transição mais
suave entre as duas gerações. Mas há um fato: as recepções organizadas aos novos pesquisadores, segundo
todas as evidências, foram fracas em termos de conteúdo e, especialmente, foram metodologicamente
equivocadas, gerando o descompasso atualmente existente.
39
recentes, se formou nas atividades científicas em ambientes profundamente
democráticos do Brasil pós-Constituinte. Não surpreende, portanto, que uma das mais
evidentes formas de inquietação atualmente reinantes nos diversos âmbitos da Empresa
seja esse descompasso entre expectativas de transparência, vigência de mérito,
publicização, respeito à pluralidade de opinião, entre outras marcas de ambientes
democráticos e republicanos, que a maior parte dos novos pesquisadores se acostumou
em seus ambientes de formação acadêmica. De outro lado permanecem os resquícios de
uma cultura institucional de maior rigidez e autoritarismo que relembram os anos
constitutivos e iniciais da Embrapa.
Entretanto, se este é aspecto decisivo para o futuro imediato, também são cruciais
as diferenças entre “conhecimento acumulado” e sua transmissão às novas gerações e,
sob esse particular, a Embrapa está notoriamente fracassando. Não existe nenhum
programa interno que promova maior integração entre as duas gerações, ou alguma
metodologia similar a algo corriqueiro em diversas instituições de ensino e de pesquisa,
como o “mentoring”. É possível especular com razoável chance de acerto sobre as
implicações de mais esta ausência na condução administrativa da Empresa:
conhecimentos que serão perdidos, práticas científicas valiosas que não serão
aprendidas e, portanto, não serão repetidas; tradições de pesquisa ainda relevantes para
o mundo da produção que serão interrompidas, entre outras consequências. Sobretudo,
(re)nascerá uma Embrapa que poderá ter pouco a ver com o passado e, desta forma, as
novas gerações de pesquisadores sequer compreenderão as vicissitudes do
desenvolvimento agrário brasileiro no último meio século.
Mas é preciso evitar desentendimentos sobre o que é acima afirmado: a renovação
do quadro de pesquisadores foi bem sucedida em termos da alta qualificação dos novos
quadros que chegaram e, certamente, a sua disposição geral para a pesquisa e o fomento
à produção científica. Inclusive, muitos têm publicado em revistas internacionais de alto
prestígio (como “Nature” ou “Science”), ampliando a credibilidade científica da
Organização. São outros os focos que merecem aprofundamento. Entre eles, por
exemplo, o hiato entre a missão original da Embrapa, concentrada em pesquisas
aplicadas (tecnologias, processos), e as práticas dos novos entrantes, acostumados,
sobretudo, aos objetivos prioritários de publicar resultados de pesquisa, como forma
principal de valorização acadêmica e profissional. A geração entrante, como outra
ilustração, foi formada sob a “ditadura do Qualis” imposta às universidades em anos
40
recentes e acostumou-se, cada vez mais, às pressões para publicar, em movimento de
relativa degradação acadêmica (para atingir o objetivo de ampliar o estoque de
publicações, vale qualquer mecanismo ou artifício).42
Seriam inúmeros os temas que requerem não apenas reflexão, comparando-se os
dois grupos de pesquisadores, mas também formas de ação e iniciativas que
aproximassem as capacidades existentes e ampliassem a sinergia, assim potencializando
resultados mais amplos e consistentes. É um fascinante objeto de pesquisa para uma
tese de Antropologia que poderia bem explicar as dificuldades atuais entre as duas
gerações. Inclusive com um pano de fundo contextual cujo impacto nas práticas
científicas seria facilmente identificável: a própria noção do que vem a ser “ciência” (ou
a produção do conhecimento) modificou-se significativamente nesse último meio
século. Se a geração dos pesquisadores seniores se formou em ambiente de grandes
transformações tecnológicas, a mais recente também experimenta o mesmo, mas em
magnitude gigantesca, incomparavelmente maior. Comparem-se as décadas de 1960 e
de 1970 com os anos mais recentes desse novo século, em termos, por exemplo, de
compreensões sobre a ciência. No primeiro período, emergiram extraordinários
interpretadores que moldaram essas compreensões (destacando-se Lakatos, Kuhn,
Popper, entre muitos outros), os quais produziram um brilhante debate sobre “ciência”,
o qual enraizou um entendimento que ainda permanece influente. Como contexto, o
acelerado processo de crescimento econômico do pós-guerra que produziu fortes
mudanças nas conformações societárias e instituiu os primórdios de uma revolução
tecnológica. Já nos anos desse século, sob os quais se formaram os novos pesquisadores
recém-entrantes na Embrapa, experimenta-se uma intensificação tecnológica sem
precedentes na história humana, inclusive com a ampliação das formas de consumo em
níveis igualmente incomparáveis, entre outras “sísmicas transformações”. São fatos que,
somados aos processos de democratização das sociedades e à emergência de ameaças
planetárias, como as mudanças climáticas, constituem ambientes nos quais os
significados de “ciência” também vêm se modificando radicalmente. São, portanto,
inúmeras as formas analíticas que deveriam estar sendo consideradas e debatidas em
uma Empresa dedicada ao mesmo tema – ciência e a produção de conhecimento.
Deixando de fazê-lo, a Embrapa incentiva os comportamentos acomodatícios e permite
42 Lembrando que o autor desta NT foi professor universitário (na UFRGS, em Porto Alegre) durante mais de três
décadas e observador dessas mudanças apontadas.
41
que se aprofunde um hiato entre os dois grupos de pesquisadores que principalmente
constituem a sua história institucional.43
Como ilustração sobre esse descompasso entre gerações de pesquisadores
embrapianos, é reveladora a citação abaixo de um dos mais reputados cientistas da
Embrapa, o pesquisador Alfredo Homma, que é considerado um dos maiores
especialistas sobre o tema “Amazônia”. Refletindo sobre as opções produtivas da região
e o papel de grupos sociais de pioneiros na história rural daquela vasta parte do
território nacional, Homma destaca que são produtores que estimularam o avanço das
atividades agrícolas, pois teriam sido vocacionados para determinadas explorações de
cultivos, inclusive ignorando, muitas vezes, as recomendações dos institutos de
pesquisa. Ao comentar sobre os potenciais de outras plantas típicas daquele bioma, o
estudioso enfatiza o atual descompasso entre as duas gerações de pesquisadores, ao citar
que:
“(…) A descoberta de oportunidades para a biodiversidade amazônica
dependerá de pessoas que dediquem 10, 20 ou 30 anos para o pau-rosa, o
tucumãnzeiro, o uxizeiro, o puxurizeiro, as plantas medicinais e
aromáticas, os inseticidas, etc. procurando vencer as limitações existentes.
Os pesquisadores antigos estavam muito mais sintonizados com esse
perfil do que os da atualidade, que estão mais preocupados com a
publicação de trabalhos científicos por indução do atual sistema de
avaliação, o que tem prejudicado seriamente as pesquisas agronômicas na
região” (HOMMA, A. et al, 2014, p. 1003).44
O que deveria ser refletido como sendo mais positivo para o futuro: a inexistência
do passado, que não “oprimiria como um pesadelo o cérebro dos vivos”, mas
implicando na necessidade de recriar quase tudo, como se nada tivesse existido
anteriormente ou, então, uma transição inteligente entre as duas gerações, que
mantivesse o peso da tradição científica, não como uma opressão, mas como uma
virtude? Para qualquer observador externo, causa uma imensa surpresa que diversas
administrações da Empresa tenham sido desleixadas em relação a esse processo de
43 Outro tema de imenso impacto nos comportamentos acadêmicos e científicos, aqui apenas citado sem maiores
comentários, diz respeito à nítida dependência que é mantida no Brasil em relação ao Estado e suas políticas
para o setor de C&T, o que tolhe e apequena a “capacidade empreendedora” da maioria, quase sempre pouco
disposta a correr riscos. Em um ambiente que está exigindo que a criatividade inovadora seja estimulada, é
uma força contrária, de natureza cultural, que precisaria estar também sendo discutida amplamente. O
resultado tem sido práticas de pesquisa que mais se aproximam de comportamentos burocráticos, no sentido
mais negativo da expressão.
44 A citação é do artigo “Dinâmica econômica, tecnologia e pequena produção: o caso da Amazônia”. In:
BUAINAIN, A. M. et al, op. cit., 2014, p. 979-1010. Homma é o editor do monumental livro Extrativismo
vegetal na Amazônia. História, ecologia, economia e domesticação. Brasília: Embrapa, 2014. Disponível
adotada e, especialmente, pelo distanciamento da vida real da agropecuária brasileira.
Também não sendo o objetivo desta NT a análise crítica minuciosa do “Visão” (o que
exigiria outro trabalho em separado), comenta-se rapidamente a seguir alguns aspectos
centrais que tornam aquele recente documento, concretamente (embora resultado a ser
lamentado), uma proposta inapropriada para guiar a Embrapa até 2034. São três os
aspectos principais negativos que se destacam e inviabilizam a aplicação prática do que
está sendo proposto na publicação.
Primeiramente, causa surpresa que a maior Empresa de pesquisa agrícola do país,
ao atingir sua maturidade institucional, e dedicada precipuamente ao tema do
“desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira” (que também é o subtítulo do
“Visão”), em sua elaboração não tenha tido como ponto de partida um diagnóstico
rigoroso de realidade. Ou seja, é quase inacreditável que uma proposta da Embrapa
tornada institucional e acoplada à sua missão, ao propor aquele desenvolvimento, não
tenha iniciado (p. 19-35, op. cit.), como seria logicamente esperado, por uma discussão
abrangente, sobre o desenvolvimento agropecuário brasileiro e suas facetas e tendências
principais, ouvindo os especialistas de diferentes campos disciplinares. Como tantos
exercícios similares do passado (que fracassaram), aqui se repete o mesmo erro
primário, que é deixar de examinar detidamente um contexto, historicamente
determinado, e seus limites e possibilidades.54
E somente então, a partir de tal
interpretação, examinar cenários factíveis e capazes de animar o curso futuro. Os
autores do documento, segundo sugerem as evidências, preferiram ouvir com maior
ênfase os especialistas e a bibliografia internacional, os quais analisam superficialmente
o caso brasileiro, embora possam falar em termos mais gerais sobre a “agricultura no
mundo”. Por isto, uma leitura cuidadosa do documento revela, nesse particular, a sua
maior fragilidade: o seu descolamento da realidade da produção agropecuária
brasileira. Como a Embrapa poderá identificar novas agendas de pesquisa sem essa
estrita proximidade com a vida rural brasileira e suas características principais? A
análise sobre a situação atual do “mundo rural brasileiro” em seus ângulos produtivos e
tecnológicos, mas igualmente no tocante aos ângulos institucionais ligados à ação
governamental, os aspectos sociais e culturais e, sobretudo, as dimensões econômicas e
54 Entre muitos outros textos fundamentais sobre a história rural brasileira, consulte-se o capítulo de Geraldo Barros,
“Agricultura e indústria no desenvolvimento brasileiro”, publicado no já citado livro organizado por Antônio
Márcio Buanain e outros autores (incluindo o autor desta NT), O mundo rural no Brasil do século 21, 2014,
p. 79-116.
53
financeiras, é apenas citada superficialmente no texto do “Visão” e, ainda mais grave,
sem qualquer explicitação de suas relações causais – e, portanto, incapaz de definir as
prioridades e os focos principais. É impossível prever como esse documento poderá ser
orientador para as ações futuras da Embrapa, se a correspondência com o mundo real
não surge de suas páginas.
Associado a este argumento desabonador inicial, também surpreende que os
responsáveis pelo documento tenham preferido realizar o exercício de construção de
cenários isoladamente, sem convocar outras instituições governamentais que já
trabalham com metodologias e teorias que sistematicamente se dedicam a “examinar o
futuro”. O apoio óbvio seria aquele que poderia ter sido negociado com o Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), organização social da órbita do Ministério de
Ciência e Tecnologia, com larga experiência no campo de estudos de prospecção e
avaliação estratégica. Se a Embrapa não tem nenhuma tradição em tais tipos de
pesquisa, por que optou pela condução isolada de uma atividade de fundamental
importância para o seu futuro próximo, recusando a parceria com instituições que
poderiam oferecer aporte técnico sólido para a tarefa?
O segundo aspecto, igualmente problemático, tornando inócua a publicação, é
exatamente ignorar o que foi citado nesta NT à exaustão, em suas primeiras páginas,
quando se apresentou sinteticamente o “primeiro desafio” ora confrontando o futuro da
Embrapa. Qual seja, a análise é também desconectada dos determinantes econômicos e
financeiros, como aqueles que primeiramente orientam o curso do desenvolvimento
agropecuário brasileiro. É outra omissão que surpreende, pois sendo a agricultura,
primordialmente, uma atividade econômica, este é o eixo fundador, o alicerce a partir do
qual os demais poderão ser propostos e erigidos. Não faz sentido algum, à luz desse
pressuposto, discutir “focos tecnológicos”, como faz o documento (nanotecnologias,
geotecnologia, automação, agricultura de precisão, entre outros), sem evidenciar,
inicialmente, a economicidade de seu desenvolvimento e possibilidades futuras de
concretização na vida real.
Não ter apresentado um retrato da “economia política da agropecuária brasileira”
é insuficiência que torna o “Visão”, de fato, um documento inaplicável. Examine-se
apenas um exemplo, para ilustrar o comentário: há atualmente uma nítida tendência na
distribuição do crédito rural e dos diversos mecanismos de financiamento e, observado
o caso do cultivo mais dinâmico, a soja, se verifica que o crédito público oficial está se
54
concentrando mais nos estados do Sul e dirigido aos estabelecimentos de menor porte
econômico. Enquanto isto, nas regiões de estabelecimentos de maior escala da
agropecuária brasileira (o Centro-Oeste), para uma parte significativa, que já é
aproximadamente a metade do total financiado, os recursos são de instituições
financeiras privadas, incluindo fornecedores de insumos e agroindústrias. Somente esta
clivagem relativa aos determinantes financeiros já produz possibilidades completamente
diferenciadas para os produtores em termos de seus formatos tecnológicos (e, claro, com
imediatas implicações para os produtores de pesquisa agrícola, como a Embrapa). Se
firmas privadas fornecem crédito para a soja, na última região citada, cada vez mais o
financiamento virá acoplado a um “pacote tecnológico” determinado. É um exemplo
concreto da exigência que a Embrapa deveria por a si própria: conhecer detalhadamente
o funcionamento atual da agropecuária, muito além da generalização, quase retórica,
contida no “Visão”.55
Finalmente, um terceiro aspecto precisa ser também referido nesse breve
comentário crítico e que diz respeito à inserção, solta e inconsequente, de expressões no
documento, para as quais sequer existe uma bibliografia de sustentação indicada.
Refere-se aqui às expressões “mercado” e “desenvolvimento rural”. No primeiro caso, a
mera inserção da palavra, sem qualquer explicação que demonstre a sua inteligibilidade
lógica (ou teórica), parece sugerir que “mercados” são autoexplicativos e apenas a sua
menção bastaria para sugerir algum tipo de relação causal. O que à luz da literatura
existente, pelo menos no que diz respeito às escolas mais influentes na Economia, não
passa de um primarismo que jamais poderia estar assim presente no documento, quando
se espera que o “Visão” possa ser a proposta norteadora da futura estratégia geral da
Embrapa. Aceitar que mercados são autoexplicativos é premissa de uma ortodoxia
neoclássica que, atualmente, poucos autores seguiriam sem problematizações. A ampla
discussão teórica disponível sobre os mercados como “construções sociais” e não
apenas simples mecanismos de troca foi ignorada no documento e esta omissão traz
implicações graves para a (falta de) validade da publicação.
Para evitar que esta observação pareça apenas um argumento de autoridade,
inclua-se a citação abaixo. Seu autor é Colin Leys, cientista político e atualmente
55 A discussão sobre as políticas de financiamento e seu detalhamento empírico pode ser encontrada no artigo
intitulado “O tripé da política agrícola brasileira: crédito rural, seguro rural e Pronaf”, publicado no já citado
livro organizado por BUAINAIN, A. M. et al, 2014, p. 827-864.
55
professor aposentado no Canadá, mas reconhecido especialista no campo da “teoria e
política do desenvolvimento”. Leys é o autor de “Underdevelopment in Kenya. The
Political Economy of Neocolonialism”, originalmente publicado pela Universidade da
Califórnia (1975), considerado um clássico nos estudos sobre a economia política do
desenvolvimento. Em um de seus últimos livros, esse autor faz referência aos mercados
como espaços sociais e políticos, e não apenas locais de meras trocas monetárias,
apontando a necessidade de estudá-los profundamente, como forma de entender seu
surgimento, sua natureza e suas possibilidades. A citação é relevante, sobretudo, à luz
do caso nacional comentado nesta NT, pois a produção agropecuária brasileira é
caracterizada por grau acentuado de heterogeneidade estrutural e o funcionamento dos
mercados, na maior parte dos casos já pesquisados, indica situações de abuso
econômico, controle de informações e ausências regulatórias. A ausência dessas
últimas, em particular, como seria esperado, prejudica, em especial, os pequenos
produtores rurais, os quais vão sendo assim crescentemente encurralados, em face das
condições de existência dos mercados concretos, que precisariam ser conhecidos
empiricamente. A inclusão dos “mercados” de forma solta e analiticamente
inconsequente, como consta no documento “Visão”, sugere, portanto, uma inclusão
leviana sobre a vida real. Segundo Leys,
“(…) Real markets are not like the „frictionless‟ markets with ghostly
auctioneers assumed in economic textbooks. On the contrary, every real-
like market is an elaborate set of social institutions that allow a particular
kind of commodity to be traded with a degree of confidence and
predictability, in spite of imperfect information and other problems of the
the kind that neoclassical economic assumes out of existence. So, markets
are highly political; what is always at stake for every firm is survival, to
be secured by any means, not „pure‟ competition alone (…) Real markets
have three characteristics that need to be kept in mind. First, they are
systems of rules and regulations; made and enforced by both State and
non-state agencies (…) everything is subject to regulation of one kind or
another. This is where „market politics‟ especially come in (...). The
second basic point to keep in mind about markets is that they are
complex. For one thing they are typically linked to a wide range of other
markets (…) markets are always „embedded‟ directly or indirectly, in a
vast range of other social relations (…) The third basic point about
capitalist markets is that they are inherently unstable, from the nature of
competition itself” (LEYS, 2001, p. 81-83. Grifo acrescido).56
56 Talvez seja relevante citar que o autor desta NT jamais tenha encontrado sequer uma única referência, entre os
autores brasileiros, ao livro clássico citado. Leys é também autor de The Rise and Fall of Development
Theory (University of California Press, 1996). A citação acima está contida em seu livro Market-driven
Politics: Neoliberal Democracy and the Public Interest (Verso Editions, 2001).
56
Já a inserção da expressão “desenvolvimento rural” é ainda mais curiosa e
inesperada. É sugerido no texto que seria uma “ação transversal”, a qual percorreria os
demais eixos indicados (p. 120-124). Qual seria o entendimento sobre tal expressão, no
documento? Não é indicada, também sugerindo que os autores talvez desconheçam que
o tema “desenvolvimento rural” nasceu no pós-guerra e a bibliografia sobre o assunto é
vastíssima. Infelizmente, no Brasil esta literatura é praticamente desconhecida, o que
produz enorme confusão, pois expressões como “desenvolvimento rural”,
“desenvolvimento agrário”, “desenvolvimento agrícola” e outras são usadas como se
fossem sinônimos. Tal como surge no documento, parece ser apenas uma expressão
destinada a emoldurar um discurso meramente retórico. Houvesse mais rigor conceitual,
se enfatizaria, por exemplo, que o Brasil jamais teve uma política de desenvolvimento
rural e, provavelmente, jamais terá, por tantas razões de alguma obviedade – a principal
delas sendo a percepção social acerca de um setor, a agropecuária, que estaria
“cumprindo as suas funções históricas”, pelo menos em termos produtivos. Se os
processos de seletividade social ora em curso não despertam o interesse da sociedade e
os alarmantes níveis de pobreza rural vão sendo reduzidos em função, ou das políticas
de transferências sociais ou, por outro lado, em decorrência do abandono do campo
pelas famílias mais pobres, então dificilmente uma política de “desenvolvimento rural”
algum dia nascerá no Brasil. Em face desses rápidos esclarecimentos, qual a função
explicativa que a expressão cumpre no documento?
Adicionalmente, o documento “Visão” sequer foi exposto a algum tipo de
validação externa, como seria esperado, em função de sua pretendida função de embasar
o “primeiro impulso” na construção de uma nova estratégia da Embrapa. E mesmo sem
esta validação, houve a decisão de integrá-lo ao “mapa estratégico da Embrapa 2014-
2034”, constante da versão preliminar (25.11.2014) do “Manual do usuário” da “Gestão
integrada de desempenho institucional, programático e de equipes (Integro)”. São
decisões que causam enorme alarme, pois são fundadas em um documento inicial
bisonho e, por isto, falho e insuficiente. Não há, neste particular, como escapar da
previsão: essas são decisões que constroem o “fracasso anunciado”, pois fogem de
qualquer lógica. Como estruturar projetos, formar equipes e forçar focos de projetos a
partir de um documento cuja elaboração contém as graves deficiências indicadas?
Ante o que foi acima sugerido, existe apenas uma atitude racional acerca desses
passos recentes, que seria suspender o “Integro” imediatamente e recomeçar o
57
processo, desenvolvendo um esforço de novamente propor o delineamento geral de uma
nova estratégia, em exercício radicalmente diferente do que foi realizado, em termos
analíticos e metodológicos. Manter o “Visão” como um suposto documento norteador
(o que jamais poderá ser) e, ainda mais grave, igualmente posicionando-o como
orientador de outros passos internos, como a compatibilização das propostas iniciais das
unidades descentralizadas (os planos diretores das unidades) e o futuro Plano Diretor da
Embrapa, além de passos burocráticos como o “Integro”, nada mais representará do que
um tipo de “marcha da insensatez”.
4.3 Quarto desafio: recomendações
Sobre esse desafio específico, esta NT não fará recomendações. Em uma empresa
que, apesar de ser pública, ainda mantém cultura institucional relativamente autoritária,
esse é terreno minado e requer uma decisão da Diretoria Executiva e do Conselho de
Administração sobre a sua forma de encaminhamento. Em decorrência, o autor não tem
a pretensão de arrolar possíveis sugestões para tentar encaminhar as formas de solução
para os descaminhos atuais. Nesse documento, que fique apenas registrado que vivemos
um período no qual parecem ser demasiados os desacertos da governança corporativa da
Embrapa, assim requerendo aperfeiçoamentos.
5. Quinto desafio: pesquisa agrícola e extensão rural. É aproximação recomendável?
Em face da percepção, mais ou menos generalizada, sobre o estado deplorável dos
serviços de assistência técnica e extensão rural no país, com raras exceções em alguns
estados, vem se tornando quase um clamor a necessidade de reconstituição de tais
serviços, em seus formatos tradicionais ou inovando em sua natureza jurídica e
organizacional - estatais ou públicos, quem sabe até mesmo privados. Após o Censo de
2006, evidenciou-se empiricamente que a vasta maioria dos pequenos estabelecimentos
rurais estaria marginalizada ante a necessidade de acesso à melhor tecnologia.57
Por essa
razão, foi sendo amadurecida a proposta de efetivar alguma ação nesse campo,
finalmente acelerada com a aprovação, em maio de 2014, pelo Congresso Nacional, da
Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Simultaneamente
às discussões que antecederam a aprovação do novo ente público, enfatizou-se que a
57 Consulte-se, a respeito, o artigo de Eliseu Alves e Geraldo da Silva e Souza, “Desafios da Agência de Extensão
Rural”. In: BUAINAIN, A. M. et al, op. cit., 2014, p. 925-941. No mesmo livro, ver também o artigo de
Marcus Peixoto, “Mudanças e desafios da extensão rural no Brasil e no mundo”, p. 891-923.
58
Embrapa teria forte papel na implantação dos serviços a serem prestados futuramente
pela Anater. E, como forma de prover uma “ação integrada”, estão sendo previstas
iniciativas em estreita associação com a Embrapa, chegando-se até mesmo à
estranhíssima decisão de formalizar o dom da ubiquidade, com um diretor que ocuparia
simultaneamente uma diretoria nesta última e outro cargo na recém-formada Anater.
Enfatize-se: são movimentos e sinais que representam uma clara ameaça ao
futuro da Embrapa, e estão sendo ignoradas as lições da história. De fato, pesquisa
agrícola e assistência técnica precisam manter alguma separação institucional e, caso
estejam demasiadamente coladas, uma à outra, em um só guarda-chuva institucional, a
pesquisa, quase inevitavelmente, irá sendo marginalizada. A principal razão para esse
provável desenvolvimento diz respeito às naturezas radicalmente diferenciadas desses
dois eixos de ação governamental e o que a literatura já demonstrou, sob o subcampo
das Sociologias, tanto da Sociologia das Organizações como da Sociologia da Ciência.
Em um comentário de relativa simplicidade, insista-se apenas que a pesquisa é uma
atividade que precisa seguir rigorosamente cânones e rituais quase sacralizados, como
resultado do “mundo da ciência” e sua história e práticas correspondentes, já enraizados
há longo tempo. Existem, neste caso, instituições, valores, ritos de passagem, formas de
relacionamento, critérios rígidos de experimentação, teorias e metodologias consagradas
ou sob teste permanente, entre diversos outros aspectos que caracterizam o mundo da
ciência e da produção do conhecimento. É atividade que exige ancoragem abstrata e
teórica, muitas vezes se distanciando do mundo concreto, ainda que seja pesquisa
aplicada. É atividade, por fim, relativamente caracterizada por algum isolamento,
mesmo que sendo realizada através de equipes multidisciplinares.
Todos esses aspectos se distanciam, quase radicalmente, das facetas associadas à
assistência técnica e à extensão rural, que é (ou deveria ser) uma atividade
essencialmente “colada” ao mundo das realidades agrárias. Uma vez comandado um
conhecimento aplicável, a ATER (Assistência Técnica Rural) relativiza a atualização do
conhecimento, pois é comandada “pela razão prática” e sua repetição nos ambientes
rurais. Em face de tais distinções, usualmente corpos de pesquisadores e de técnicos de
campo desenvolvem grande estranheza no diálogo mais permanente, inclusive em face
de inúmeros preconceitos que são rapidamente fomentados em ambos os lados. Uma
Embrapa que seja fortemente envolvida com tais atividades, com grande probabilidade,
irá gradualmente reforçar o campo da assistência técnica e da extensão rural e reduzir
59
(relativamente) o campo da pesquisa. Sem outras razões, que aqui não são citadas, há
outra especificidade tipicamente brasileira: pesquisadores não se unem
corporativamente para proteger seus interesses como grupo, são muito mais
individualistas, enquanto que os conjuntos de extensionistas e técnicos de campo, com
maior facilidade, estão dispostos a formar organizações de interesse, como sindicatos,
para a defesa de seus interesses. O resultado de tal disparidade, com o passar do tempo,
é facilmente previsível. Algumas experiências brasileiras que fizeram a fusão entre a
pesquisa agrícola e a extensão rural (os casos, por exemplo, de Santa Catarina e da
Bahia)58
são demonstrativas do que se afirma acima, mostrando resultados que são, pelo
menos, problemáticos para a pesquisa agrícola.
Essas são algumas das razões pela quais a crescente presença de uma área de
“transferência de tecnologia”, no interior da Embrapa, especialmente com o advento da
Anater, vai sendo, cada vez mais, uma área de “assistência técnica e extensão rural”, e
essas fronteiras são relativamente indefiníveis. O que representará, para a Empresa, uma
ameaça e, nunca, uma nova oportunidade. A Embrapa deveria estar discutindo muito
mais criticamente tais transformações operadas no período recente e as reais motivações
de alguns atores sociais e políticos externos à organização. Seria necessário, ante esse
novo contexto, um esforço maior de discussão sobre as implicações de uma presença
interna crescente da área de TT e as iniciativas em ATER, inclusive porque a maior
parte das propostas de ação, sob o rótulo de “transferência de tecnologia”, ignora o
conhecimento recente acerca das profundas transformações agrícolas e agrárias em
curso nas regiões rurais brasileiras e, no geral, repete a mesmice consagrada no passado
pelos serviços estaduais de extensão rural, apenas incorporando facetas da nova
“narrativa dominante”, as quais, sempre se salientará, são distanciadas do mundo real da
produção e suas necessidades.
58 Em 10 de dezembro de 2014, a Assembleia Legislativa da Bahia aprovou a extinção da Empresa Baiana de
Desenvolvimento Agrícola (EBDA). Esta tinha sido constituída em 1991, a partir da fusão entre a Empresa de
Pesquisa Agropecuária da Bahia (Epaba) e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Bahia
(Emater-BA).
60
Pesquisa agrícola e assistência técnica: o caso da Dinamarca59
A principal organização de pesquisa agropecuária da Dinamarca é o “Danish Institute of Agricultural Sciences” (DIAS). Sua sede está localizada na cidade de Tjele, no centro da Jutlândia. Resultou da fusão do “Danish Institute of Animal Science” e o “Danish Institute of Plant and Soil Science”, ocorrida em 1998. Um estudo sobre o funcionamento do DIAS poderia ser proveitoso, para alimentar os debates sobre as relações entre uma organização de pesquisa agrícola e a difusão tecnológica entre os estabelecimentos rurais. Neste caso, por exemplo, seria possível aprender que no caso dinamarquês os temas de pesquisa nascem no interior do “sistema agroalimentar”, com intensa participação, em especial da indústria de processamento, que financia projetos de pesquisa e busca recursos em outras fontes. Para ser executado o projeto, o DIAS conta com equipe própria de pesquisadores, mas também inclui professores, pesquisadores e estudantes das universidades, além de recursos humanos do “Danish Agricultural Advisory Service” (DAAS), que seria o serviço de extensão rural, além dos produtores rurais. Sob tais tendências, a maior parte das pesquisas é essencialmente aplicada.
Na Dinamarca existem apenas 50 mil produtores rurais (pouco mais do que o Uruguai, bem menos do que no Rio Grande do Sul), incluindo aqueles ligados às cooperativas. Todos são cadastrados no DAAS, com os quais mantém rotineira troca de informações, com a finalidade de identificar problemas técnicos em suas propriedades e, a partir da fundação do DIAS, foi sendo formada uma rede, pois praticamente todos têm acesso à internet. Um dos resultados práticos tem sido a possibilidade de realizar experimentos nos estabelecimentos rurais privados, tornando assim desnecessário que a organização de pesquisa mantenha terras próprias para seus experimentos.
5.1 Quinto desafio: recomendações
O que está sendo feito pela Embrapa, sob o rótulo de “transferência de
tecnologia”, em nossos dias, está conceitualmente incorreto e se distancia radicalmente
das necessidades de difusão de tecnologia que um setor agropecuário modernizado,
como a brasileiro, demandaria. Por esta razão, se for permitida uma recomendação
mais direta e impactante, embora necessária, a principal recomendação desta NT sobre
esse quinto tema é reformular radicalmente o Departamento de Transferência de
Tecnologias (DTT). Esta recomendação deveria contemplar a possibilidade de extinção
do Departamento, tal como está atualmente organizado, para permitir o renascimento de
uma forma estratégica de atuação que fosse convergente com os desafios atuais. Assim
afirmado, se trata de uma aparente ousadia, disposta apenas a realçar quase uma
provocação. Contudo, não é nenhuma boutade, mas apenas a sugestão inevitável de uma
verificação empírica sobre os fatos atuais. O foco central do DTT está essencialmente
incorreto porque se dirige exclusivamente aos produtores rurais, o que não produz
resultados em uma agropecuária modernizada, conforme os argumentos submetidos na
59 Agradeço ao colega Amilcar Baiardi, professor titular na UFRBA, por essas informações sobre tendências
observadas na Dinamarca sobre o tema em discussão. Resultam de sua larga experiência acerca dos sistemas
de pesquisa agropecuária em alguns países europeus nos quais vem sistematicamente realizando pesquisas.
61
primeira seção desta NT. Manter o foco nas decisões dos produtores, como se
mantivessem ampla autonomia sobre seus respectivos formatos tecnológicos e
processos decisórios é erro primário, pois os resultados sempre serão (e cada vez mais)
insatisfatórios. O processo de intensificação tecnológica no interior dos
estabelecimentos rurais, como antes enfatizado brevemente, depende do conhecimento
das cadeias produtivas e o detalhamento do processo de inovações nelas operado,
incluindo as redes decorrentes, e esta é a forma de identificar as chances produtivas dos
produtores rurais. Esperar que estabelecimentos submetidos a atores econômicos
“dominantes” em uma cadeia possam tornar realidade esta ou aquela alternativa
tecnológica, apenas porque são mais produtivas fisicamente, mas não tem demonstração
econômico-financeira, é o mesmo que esperar que milagres aconteçam na vida rural.
Outros bloqueios à ação do setor de transferência de tecnologias da Embrapa
decorrem da falta de problematização acerca da “narrativa dominante”, já antes
apontada. A pouca disposição para interpretar criticamente a leitura dominante impede
que aquela ação seja dirigida à concretude dos processos sociais e econômicos das
regiões rurais, mas, contrariamente, que formas de ação sejam propostas apenas in
abstrato. É preciso reconhecer (contra a existente “narrativa dominante”) que não
existem “agricultores familiares brasileiros” tout court, como uma categoria social que
seria portadora de relativa homogeneidade e características sociais específicas: esta é
uma ficcção, criada com propósitos políticos e partidários. Menos ainda existiria um
grupo social que sob esta denominação portaria particularidades culturais essenciais, o
que não é apenas ficcional, mas um absurdo inimaginável do ponto de vista científico,
embora a fantasia seja recebida passiva e acriticamente por instituições do Estado
brasileiro, que parecem fingir-se de míopes em relação a esses óbvios erros empíricos.60
Se uma empresa de pesquisa e de ciência não consegue avaliar criticamente aquela
expressão vazia e genérica, sem colagem às realidades rurais, dificilmente será capaz
de, igualmente, promover ações em transferência de tecnologia.
60 Situa-se perto do ridículo insistir na expressão “produtores familiares” quando o objetivo da política é apontar os
estabelecimentos rurais de menor porte econômico e circunscrever concretamente, em especial, as famílias
rurais mais pobres, visando a maior eficácia da ação governamental. Com esse objetivo, a expressão antes
utilizada, “pequenos produtores rurais”, seria mais apropriada. Intitulando-as genericamente de “familiares”,
não há, de fato, uma separação empírica entre os estabelecimentos, pois praticamente todos são familiares,
inclusive os imóveis de grande tamanho (pois a administração é familiar). Na maior economia capitalista do
mundo, 97,3% dos estabelecimentos rurais são familiares e, por isto, a separação empírica se dá pelo nível de
renda e nenhum outro critério. Consulte-se HOPPE, R. e MACDONALD, J., “America‟s diverse Family