127Prxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152,
jan./jun. 2015Disponvel em: Formao de professores para a Educao de
Jovens e Adultos: uma anlise das Diretrizes CurricularesFormation
of teachers for the Education of Young and Adults: an analysis of
Curriculum GuidelinesFormacin de los profesores para jvenes y
adultos: un anlisis de Directrices CurricularesRomilda Teodora
Ens*Marciele Stiegler
Ribas**Resumo:EsteartigoanalisaasdiretrizescurricularesparaaEducaodeJovense
Adultos(EJA)emnvelfederal,estadual(Paran)emunicipal(Curitiba).Retomaas
polticas educacionais dos governos Collor, FHC e Lula, buscando
identifcar se esses documentos reconhecem ou indicam a necessidade
de formao especfca aos docentes
queatuamnessamodalidadedeensino.Apartirdafundamentaoepistemolgica
dahermenutica,realizamosumaanlisedocumentaldasDiretrizes,orientadapela
tcnicadeanlisedecontedopropostaporBardin(2012).Entreosautoresque
fundamentaram essa refexo, esto: Haddad e Di Pierro (2000), Paiva
(2003), Di Pierro (2010), Gadotti (2011), Arroyo (2011), Capucho
(2012). Os resultados apontam que as polticas educacionais tratam a
formao de professores para a EJA de forma superfcial. Nesse
contexto, necessrio reavaliar essas polticas, com a fnalidade de
assegurar uma educao de qualidade para todos os jovens, adultos e
idosos que retornam escola em busca de um direito
negado.Palavras-chave:Formaodeprofessores.Educaodejovenseadultos.Diretrizes
curriculares.Abstract: This article examines the curricular
guidelines for the Education ofYoung
andAdults(EJA)federal,statewide(Paran)andmunicipal(Curitiba).Resumesthe
educationalpoliciesof
theGovernmentsCollor,FHCandLula,seekingtoidentify
whetherthesedocumentsrecognize,orindicatetheneedforspecifctrainingto
teachers who work in teaching mode. From the epistemological basis
of hermeneutics weperformedadocumentaryanalysisof
theguidelines,guidedbycontentanalysis
DOI:10.5212/PraxEduc.v.10i1.0006* Professora do Programa de
Ps-Graduao em Educao e do curso de Pedagogia da Pontifcia
Universida-de Catlica do Paran - PUCPR.E-mail: ** Doutoranda do
Programa de Ps-Graduao em Educao da Pontifcia Universidade Catlica
do Paran PUCPR/PPGE. Bolsista CAPES. E-mail: 128Romilda Teodora
Ens, Marciele Stiegler RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10,
n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em:
techniqueproposedbyBardin(2012).Amongtheauthorsthatsubstantiatethis
refectionare:HaddadandDiPierro(2000);Paiva(2003);DiPierro(2010);Gadotti
(2011);Arroyo(2011);Capucho(2012).Theresultsindicatethattheeducational
policies dealing with the training ofteachers to the EJA
superfcially. In this context, it is necessary to re-evaluate these
policies, with the aim ofensuring a quality education for all
young, adults and seniors who return to school in search ofa right
denied.Keywords: Teacher Formation. Adult and youth education.
Curriculum guidelines.Resumen: En este artculo se analizan las
directrices curriculares para jvenes y adultos (EJA) federal,
estatal (Paran) y municipal (Curitiba). Reanuda las polticas
educativas
deCollor,CardosoyLula,paraidentifcarsienestosdocumentossereconocen,o
indican la necesidad de una formacin especfca para los docentes que
trabajan en esta modalidad. A partir de la fundamentacin
epistemolgica de la hermenutica hicimos un anlisis documental de
las Directrices, guiados por la tcnica de anlisis de contenido
propuestoporBardin(2012).Entrelosautoresquebasaranesetrabajodeestn:
HaddadyDiPierro(2000),Paiva(2003),DiPierro(2010),Gadotti(2011),Arroyo
(2011), Capucho (2012). Los resultados indican que las polticas
educativas frente a la formacin de profesores para la EJA o hacen
de modo superfcial. En este contexto, es necesario volver a evaluar
estas polticas, con el objetivo de proporcionar una educacin de
calidad para todos los jvenes, los adultos y las personas mayores
que regresan a la escuela en busca de un derecho
negado.Palabrasclave:Formacindelosprofesores.Educacindejvenesyadultos.
Directrices curriculares.IntroduoAo analisarmos as polticas
educacionais voltadas Educao de Jovens e Adultos (EJA),
evidenciamos as infuncias que perpassam o contexto da EJA, em que
as polticas foram se redesenhando para atender a interesses mais
econ-micos e polticos do que sociais. Para exemplifcar, mencionamos
dois recortes histricos que ilustram essa afrmao. O primeiro deles
refere-se campanha de educao de adolescentes e adultos (CEAA),
instituda em 1947. De acordo com Paiva (2003, p. 211), um dos
motivos para a criao desse programa era o elevado nmero de
analfabetos no perodo, que no podiam votar. Esse ndice
representava, aproximadamente, 72% da populao. Dessa forma, a
campanha contribui [...] para a queda da taxa de analfabetismo (em
5,53 entre 1940/50; em 11,21 entre 1950/1960) e
possi-bilitouumaumentosignifcativodonmerodeeleitoresnoperodo.Ainda,
segundo a autora, se a campanha 129Formao de professores para a
Educao de Jovens e Adultos: uma anlise das Diretrizes
CurricularesPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152,
jan./jun. 2015Disponvel em: [...] no educou muitos adultos [...]
ela seguramente alfabetizou ou semialfa-betizou um nmero
signifcativo de pessoas que entraram de posse de muitos de seus
direitos polticos e o predomnio desse deu fundamento poltico sobre
aspectos tcnico-educativos que deu origem s sucessivas acusaes de
que o programa se havia transformado numa fbrica de eleitores. E,
na medida em que seu aspecto de seriedade tcnica [...] ia se
enfraquecendo, tornava-se mais e mais claro o seu papel poltico,
concorrendo para o crescimento das bases de representao poltica do
pas. (PAIVA, 2003, p. 211, grifo da autora). O segundo exemplo, na
esfera econmica, a proposta da Unesco, adota-da na dcada de 1960,
objetivando a erradicao do analfabetismo para o aumen-to da produo
e do consumo. Dessa forma, a Educao de Jovens e Adultos era vista
como: [...]umprocessoglobaleintegrado,deformaotcnicaeprofssionaldo
adulto-emsuaformainicial-feitoemfunodavidaedasnecessidades do
trabalho; um processo educativo diversifcado, que tem por objetivo
con-verterosalfabetizadosemelementosconscienteseefcazesnaproduoe no
desenvolvimento em geral. Do ponto de vista econmico, a alfabetizao
funcional tende a dar aos adultos iletrados os recursos pessoais
apropriados para trabalhar, produzir e consumir mais e melhor
[...]. (UNESCO apud COSTA, 2009, p. 66, grifos
nossos).Essesdoisrecortes,emboraapresentadosempocasdistintas,ilustram
o quadro que vem se confgurando na Educao para Jovens e Adultos
desde o perodo imperial at os dias atuais. Constatamos, assim, que
grande parte das iniciativas destinadas a essa modalidade de ensino
sofrem infuncias polticas e econmicas, visando qualifcao da mo de
obra e a diminuio dos elevados ndices de analfabetismo no Brasil,
principalmente por presses de organismos internacionais como condio
para obter mais fnanciamento. No bojo das problematizaes
concernentes EJA, est a formao de
professoresespecfcaparaessamodalidade,umavezqueessesprofssionais,
em sua maioria, trazem [...] em sua prtica as marcas da precarizao
e, embora a despeito da sua criatividade e compromisso, tm sua
docncia constituda na improvisao e no aligeiramento (CAPUCHO, 2012,
p. 65). O debate em torno da Educao de Jovens e Adultos tem
conquistado maior espao no campo acadmico, mas o preparo dos
professores para atuar nessa modalidade de ensino ainda bastante
precrio. Pesquisas j realizadas, como a de Ribas (2013), evidenciam
que um dos motivos que leva o aluno a evadir da EJA, sendo
novamente excludo, a meto-dologia utilizada pelo professor em sala
de aula. Emfunodaescassaformaorecebida,osprofessoresutilizamos
mesmosmtodosdealfabetizaoutilizadoscomascrianas.Nessesentido,
130Romilda Teodora Ens, Marciele Stiegler RibasPrxis Educativa,
Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em:
concordamos com Gadotti (2011, p. 47) ao aludir que O aluno adulto
no pode sertratadocomoumacrianacujahistriadevidaapenascomea.Elequer
veraaplicaoimediatadoqueestaprendendo.Porisso,[...]apresenta-se
temeroso, sente-se ameaado, precisa ser estimulado, criar
autoestima, pois a sua
ignorncialhetraztenso,angstia,complexodeinferioridade.Muitasvezes
temvergonhadefalardesi,desuamoradia,desuaexperinciafrustradada
infncia,principalmenteemrelaoescola(GADOTTI,2011,p.47),dizo autor,
esclarecendo ser preciso verbalizar e analisar como tratar dessas
questes,
comjovenseadultos,umavezqueOprimeirodireitodoalfabetizandoo direito
de se expressar (GADOTTI, 2011, p. 47). A falta de formao do
professor que atua na EJA somente mais uma
dasdisparidadespresentesnessemeio.AsecundarizaodaEJAnaspolticas
educacionais, nos investimentos em educao, faz parte de um processo
histri-co marcado pela excluso. Por mais que o discurso poltico
apregoe a falsa ideia de incluso, a excluso signifcativa nessa
modalidade, justamente por ser origi-nada na educao popular, nas
classes menos favorecidas, que h tempo tratada com certo desprezo,
principalmente, pelas polticas educacionais. Ainda que muitas
Instituies de Ensino Superior (IES) ofertem a disci-plina de EJA
nos cursos de formao de professores, por vezes, essa formao
superfcialefragmentada.oqueretratatambmapesquisarealizadapor Ribas
(2013): de um total de 79 professores que atuam na EJA no municpio
de Curitiba, 65 afrmaram no ter recebido uma formao adequada para
trabalhar nessa modalidade de ensino. Essa condio, frente s
peculiaridades inerentes EJA, precisa ser repensada no s pelas IES,
mas, precisamente, pelas polticas educacionais. necessrio
reconhecer que esses alunos tm uma histria de vida acompanhada de
signifcativas aprendizagens. Nesse contexto, conforme denuncia
Arroyo (2011, p. 25), suas [...] tra-jetrias sociais e escolares
truncadas no signifcam sua paralisao nos tensos
processosdesuaformaomental,tica,identitria,socialepoltica.Quando
voltam escola, carregam esse acmulo de formao e de aprendizagens.
Ao que nos questionamos: Ser que as polticas educacionais
reconhecem o contex-to em que esses alunos esto inseridos?
Reconhecem que esses estudantes no esto num vazio social?
Consideram que, para atender as peculiaridades presen-tes na
modalidade EJA, o professor precisa de uma formao diferenciada,
isto , especfca?Entendemos que as polticas educacionais expressas
em documentos le-gais infuenciam o trabalho docente, visto que
indicam diretrizes, normas e regu-lamentaes as quais afetam a
prtica pedaggica. Nessa conjuntura, conforme argumenta Saviani
(2008, p. 7), a poltica educacional diz respeito s decises
131Formao de professores para a Educao de Jovens e Adultos: uma
anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa, Ponta Grossa, v.
10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: que o Poder
Pblico, isto , o Estado, toma em relao educao. E, quais so as
decises tomadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais Estadual
(Paran) e Municipal (Curitiba) para a Educao de Jovens e Adultos?
Haveria nesses docu-mentos algum tipo de indicao em relao formao do
professor para atuar nessa modalidade de ensino? Partindo dessas
questes, a fnalidade desta refexo consiste em analisar
asDiretrizesCurricularesNacionaisdoEstadodoParanedoMunicpiode
CuritibaparaamodalidadedaEducaodeJovenseAdultos,concernentes formao
dos professores e ao trabalho docente. Para atingir o objetivo
proposto, refetimos sobre as polticas educacionais direcionadas
EJA, desde o governo Collor at o governo Lula e, posteriormen-te,
analisamos as Diretrizes Curriculares para a Educao de Jovens e
Adultos,
buscandoidentifcarseessesdocumentosreconhecem,oumesmoindicam,a
necessidade de se ofertar uma formao especfca para os docentes que
atuam nessa modalidade de ensino. Por conseguinte, buscam-se
explicaes cientfcas para as polticas educa-cionais voltadas Educao
de Jovens e Adultos, numa perspectiva interpretativa (com base no
paradigma hermenutico) interpretativa por procurar compre-ender o
signifcado dos fenmenos sociais (ESTEBAN, 2010) , tomada como opo
metodolgica na pesquisa de abordagem qualitativa que enfatiza a
des-crio,ainduo,ateoriafundamentadaeoestudodaspercepespessoais
(BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.
21).AanliseinterpretativadalegislaoreferentesDiretrizesparaa
EducaodeJovenseAdultosrealizou-sepormeiodeanlisedocumental,
orientadapelatcnicadeanlisedecontedopropostaporBardin(2011).O
processodeleituradosdocumentoseposteriorinterpretao,deacordocom a
autora, oscilou entre dois polos do rigor da objetividade e a
fecundidade da subjetividade (BARDIN, 2011, p. 15). Isso exigiu um
dilogo com a legislao
noespao/tempoemqueestaseconstruiuealcanouosmurosdasescolas para
essa modalidade de ensino. Tal dilogo ocorreu luz da literatura,
com o
apoiode:HaddadeDiPierro(2000);Paiva(2003);DiPierro(2010);Gadotti
(2011);Arroyo(2011);Capucho(2012),osquaisoportunizaramumaviso
epistemolgicadasatuaispolticaseducacionaisparaaEducaodeJovense
Adultos e do contexto em que emergiram.
AEducaodeJovenseAdultosnocontextodasPolticas
EducacionaisComointuitodecompreenderaformacomoaEducaodeJovense
Adultos vem sendo contemplada no mbito das polticas educacionais,
preciso 132Romilda Teodora Ens, Marciele Stiegler RibasPrxis
Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun.
2015Disponvel em: resgatar alguns marcos de sua trajetria,
procurando desvelar os motivos pelos quais essa modalidade tratada,
ainda hoje, de forma, no mnimo, desigual se comparada ao ensino
regular. Essa afrmao sustenta-se nos argumentos de Di Pierro, Joia
e Ribeiro (2001, p. 58): [...] o lugar da educao de jovens e
adultos pode ser entendido como marginal ou secundrio, sem maior
interesse do ponto de vista da formulao poltica e da refexo
pedaggica. Essa secundarizao conferida EJA uma caracterstica que a
acom-panha desde o seu surgimento at a atualidade. Resgatando a sua
trajetria his-trica, observamos que as aes a ela destinadas eram
extremamente precrias, emergenciais, com cunho assistencialista.
Desde o perodo imperial, foram formulados vrios programas para
erra-dicar o analfabetismo, mas todos, sem exceo, tiveram curta
durao, sem muito
impactonosaltosndicesdeanalfabetismoemnossopas,queperpetuamat hoje.
Alguns dos programas criados pela iniciativa popular, como, por
exemplo, a Campanha De P no Cho tambm se aprende a ler1, com o
golpe militar, em 1964, foram extintos. Nesse perodo, as aes
oriundas da iniciativa popular, como o trabalho desenvolvido por
Paulo Freire, foram interrompidas. A proposta de Freire
ame-aavaopostuladodogovernomilitar,poisseumtodoestava[...]ancorado
numa postura poltica bastante defnida: reconhecimento do
alfabetizando
adul-tocomopertencenteaumgruposocialoprimido.(RIBEIRO;NAKANO; JOIA;
HADDAD, 1992, p. 22). Em resumo, conforme esclarecem Haddad e Di
Pierro (2000, p. 113):A represso foi a resposta do Estado
autoritrio atuao daqueles
progra-masdeeducaodeadultoscujasaesdenaturezapolticacontrariavam os
interesses impostos pelo golpe militar. A ruptura poltica ocorrida
com o movimento de 64 tentou acabar com as prticas educativas que
auxiliavam na explicitao dos interesses populares. O Estado exercia
sua funo de coer-o, com fns de garantir a normalizao das relaes
sociais.
Entretanto,comopontuaPaiva(2003),comaparalisaodessespro-gramas,
houve uma estagnao nas taxas de analfabetismo no pas. Assim, por
presses de organismos internacionais, [...] enquanto as aes
repressivas
ocor-riam,algunsprogramasdecarterconservadorforamconsentidosoumesmo
incentivados, como a Cruzada de Ao Bsica Crist (ABC) (HADDAD; DI 1
Criada pela prefeitura de Natal em 1961, a campanha resultou de
reivindicao do Movimento de Cultura Popular. A campanha era
liderada pelos marxistas e cristos de esquerda, visava
conscientizao das massas
pormeiodaalfabetizaoedaeducaodebase.Asaulaseramministradasem[...]acampamentos:um
conjunto de 5 pavilhes com cerca de 240 metros quadrados cada, 4
deles destinados a salas de aula e 1 recreao, construdos com
cobertura de palha de coqueiro e piso de barro batido. [...] A
campanha buscou divulgar e promover a revitalizao do folclore local
[...] (PAIVA, 2003, p. 267). 133Formao de professores para a Educao
de Jovens e Adultos: uma anlise das Diretrizes CurricularesPrxis
Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun.
2015Disponvel em: PIERRO, 2000, p. 114). Criada no Recife, tinha
por objetivo alfabetizar a popu-lao para participar da vida
econmica, produzindo e consumindo mais, sem questionar as premissas
do regime militar. Talvez a caracterstica principal do programa
tenha sido o assistencialis-mo com apelo ao voluntariado.
Professores voluntrios e alunos ganhavam ali-mentos para
participarem do projeto. Com efeito, aps sofrer vrias crticas, o
programafoiextinto,dandolugaraoMovimentoBrasileirodeAlfabetizao
(Mobral),aprovadopelaLein5.379,de15dedezembrode1967,quetinha como
um de seus principais objetivos, como destaca Paiva (2003, p. 304),
[...] promover a educao dos adultos analfabetos, fnanciando 1/3 do
seu custo; co-operar com movimentos isolados de iniciativa privada;
fnanciar e orientar cursos
de9mesesparaanalfabetosentre15e30anos,comprioridadeoferecidaaos
municpios com maiores possibilidades de desenvolvimento
socioeconmico. Para colocao em prtica do programa, segundo a
autora, foi previsto: [...] uma descentralizao da ao sistemtica
atravs de convnios com enti-dades pblicas e privadas e a integrao
da alfabetizao em programas mais amplos de educao para a sade, o
trabalho, o lar, a religio, o civismo e a recreao, alm da instalao
de centros de integrao social e cvica (p. 304). Com esse
procedimento, o governo brasileiro procurava atender s metas
traadasemdecorrnciadeacordoscomosorganismosmultilateraise,assim,
comprometia-se a atingir 11.400.000 analfabetos entre 1968 e 1971,
para que se pudesse pensar na extino do analfabetismo at 1975
(PAIVA, 2003, p. 304).
Nessascircunstncias,oMobraladeriuempartesaomtododePaulo
Freire:partiadatcnicadidticadousodepalavras-geradoras,contudoigno-rou
a principal caracterstica do mtodo que era a conscientizao por meio
da leiturademundo,queantecedealeituradapalavra.Aocontrrio,oobjetivo
eraqualifcarmodeobraparaelevaraproduoeoconsumo,contribuindo
comodesenvolvimentodaindustrializaoe,porconseguinte,comocresci-mento
do capitalismo. Todavia, responsabilizando o indivduo pelo seu
sucesso ou fracasso, o programa pautava-se no modelo meritocrtico2,
por possibilitar, conforme explica Paiva (2003, p. 324), reduzir
[...] os riscos de uma contestao das estruturas socioeconmicas e
polticas por parte dos que no consigam rea-lizar suas aspiraes.
Logo, era um programa que, ao um s tempo, [...] facilita
aprevenodasideiasdifundidaspelomovimentoediminuiaspossibilidades 2
Omodelomeritocrticodesconsideraocontexto;questeseconmicas,sociaiseculturaissoignoradas.
Assim, o Estado responsabiliza o prprio indivduo pelo seu xito ou
fracasso, procura imprimir a falsa ideia de que todos tm as mesmas
oportunidades, ou seja, de acesso educao. Nesse sentido, [...] os
alunos que fracassam, no so mais vistos como vtimas de uma injustia
social e sim como responsveis por seu fracasso, pois a escola lhes
deu, a priori, todas as chances para ter sucesso como os outros
(DUBET, 2004, p. 543). 134Romilda Teodora Ens, Marciele Stiegler
RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152,
jan./jun. 2015Disponvel em: da formao de uma conscincia crtica em
relao s estruturas da sociedade (PAIVA, 2003, p. 324).
ApesardoperododuradourodoMobral(1967-1985),eleapresentava diversas
fragilidades, sendo alvo de muitas crticas. Haddad e Di Pierro
(2000, p. 166) elucidam as principais:[...] foi criticado pelo
pouco tempo destinado alfabetizao e pelos critrios empregados na
verifcao de aprendizagem. Mencionava-se que, para evitar a
regresso, seria necessria uma continuidade dos estudos em educao
esco-lar integrada, e no em programas voltados a outros tipos de
interesse, como, por exemplo, formao rpida de recursos humanos.
Complementando,osautores,aoanalisaremapropostadoMobral, destacam,
tambm o paralelismo da gesto e do fnanciamento do Mobral em relao
ao Departamento de Ensino Supletivo e ao oramento do MEC. Punha-se
em dvida ainda a confabilidade dos indicadores produzidos pelo
Mobral (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 166).Alm do MOBRAL, outro fato
importante, ainda no regime militar, foi a fundao do ensino
supletivo, o qual foi sancionado pela Lei Federal que
re-formaoensinode1e2Graus,Lein5.692,de11deagostode1971.As
normatizaes para o ensino supletivo constavam no captulo IV da
referida lei, possibilitando certifcao aos adolescentes e jovens
pelas exigncias do mundo do trabalho, ou seja, alcanar o 2. grau e
acessar o mercado de trabalho.
ComacolocaoemprticadeumaEducaoparaJovenseAdultos3, essa proposta
adquiriu certa fexibilidade, ajustando-se aos moldes da educao no
formal e possibilitando o ensino em outros espaos ou meios de
comunica-o, como rdio, televiso ou correspondncia (BRASIL, 1971).
Sobre esse pe-rodo, temos um estudo retratando o Ensino Supletivo
no Paran, o qual aponta a inteno e a realidade da ao prtica, com
destaque para a adequao dessa proposta s necessidades e interesses
dos estudantes, uma vez que apenas havia a reduo dos contedos para
um perodo menor de escolarizao (ENS, 1981).Quando promulgada a
Constituio Federal de 1988, j no contexto da Nova Repblica, com a
redemocratizao poltica iniciada no pas, parecia que a EJA receberia
maior ateno do poder pblico, uma vez que, em seu artigo 208,
enfatizada a garantia da oferta do ensino fundamental gratuito para
todos os cidados, independentemente da idade:
3importanteesclarecerqueaEducaodeJovenseAdultosreconhecidacomoumamodalidadede
ensino a partir da LDB 9394/1996, pois, embora o ensino supletivo
permitisse a realizao dos exames de certifcao, este se refere
Educao de Adultos, uma vez que a Lei Federal 5692/1971 apenas
reforma o ensino de 1 e 2 graus.135Formao de professores para a
Educao de Jovens e Adultos: uma anlise das Diretrizes
CurricularesPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152,
jan./jun. 2015Disponvel em:
Art.208-OdeverdoEstadocomaeducaoserefetivadomediantea garantia
de:I-educaobsicaobrigatriaegratuitados4(quatro)aos17(dezessete)
anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos
os que a ela no tiveram acesso na idade prpria (BRASIL, 1988). Com
efeito, apesar da garantia do direito Educao em qualquer idade,
assegurada na Constituio Federal, novamente a educao para jovens e
adultos que, por diferentes processos (sociais, econmicos,
culturais) foram excludos ou nem tinham sido includos no ensino
regular, no foi contemplada; o enfoque ainda estava voltado para o
ensino regular. Segundo Beisiegel (1997), isso ocorreu pelo fato de
a legislao comple-mentar da prpria Constituio, na referida Lei, no
deixar claro de quem seria a responsabilidade pela oferta de uma
modalidade de ensino que atendesse aos jovens e adultos sem
escolarizao regular, pois, como explica o autor,
[...]odevereducacionaldopoderpblicosedistribui,assim,entreUnio,
estados e municpios. E, no obstante se afrme (no pargrafo 2 do art.
211)
queosmunicpiosatuaroprioritariamentenoensinofundamentalepr-escolar,
na verdade nada h de explcito na Constituio ou nas propostas de
legislao complementar que realmente obrigue os municpios a
responderem
pelosdeveresconstitucionaisdopoderpbliconaeducaodejovense adultos
analfabetos. (BEISIEGEL, 1997, p. 27).
Almdoque,destacaoautor,aprprialegislaoreconheceque,sem
auxliodaUnio,estadosemunicpios,nohavercondiesfnanceiraspara
atenderataisexigncias,retomandoopargrafo1doart.211:prestaras-sistnciatcnicaefnanceiraaosestados,aoDistritoFederaleaosmunicpios
para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento
prioritrio escolaridade obrigatria (p. 27).Dessa forma,
evidencia-se uma expressiva contradio [...] entre a afr-mao no
plano jurdico do direito formal da populao jovem e adulta
edu-caobsica,deumlado,esuanegaopelaspolticaspblicasconcretas,de
outro (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 119). Em 1990, j no governo
Collor, por meio da fala do ento Ministro da educao, prof.
Goldemberg, em entrevista concedida ao jornal do Brasil (1991),
fcou claro que a prioridade na educao no eram os jovens e adultos:O
grande problema de um pas o analfabetismo das crianas e no o dos
adultos. O adulto analfabeto j encontrou o seu lugar na sociedade.
Pode no ser um bom lugar, mas o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia
de prdio, lixeiro ou seguir outras profsses que no exigem
alfabetizao. Alfabetizar o adulto no vai mudar muito sua posio
dentro da sociedade e pode at perturbar. 136Romilda Teodora Ens,
Marciele Stiegler RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1,
p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: Vamos concentrar nossos
recursos em alfabetizar a populao jovem. Fazen-do isso agora, em
dez anos, desaparece o analfabetismo. (apud BEISIEGEL, 1997,
30).Entretanto,aindanogovernoCollor,porpressesinternacionais,prin-cipalmenteemdecorrnciadocompromissodediminuiroelevadondicede
analfabetismo no Brasil, frmado na Conferncia Mundial de Educao
para To-dos4, o governo incluiu no Plano Decenal da Educao metas
para a educao
dejovenseadultos:proveroportunidadesdeacessoeprogressonoensino
fundamental a 3,7 milhes de analfabetos e 4,6 milhes de jovens e
adultos pou-co escolarizados (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 21).
Tendo o Plano metas fxadas para seu cumprimento no perodo de 10
anos, o governo posterior, do Presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), a priori, deveria desenvolver aes para o alcance de
tais metas. Entretanto, isso no se concretizou e novamente a educao
para jovens e adultos foi esquecida. Esperava-se que, com a
promulgao da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cao Nacional em 1996
(LDBN 9394/1996), a educao para jovens e adultos fosse fnalmente
incorporada educao bsica no s no discurso, mas tambm
naprtica.Comefeito,mesmosendoreconhecidacomoumamodalidadeda educao
bsica, ela sofreu algumas restries. Nessa perspectiva, conforme
es-clarecem Haddad e Ximenes (2008, p. 137-138): verdade que a LDB
no dei-xa de tratar da temtica da educao de jovens e adultos. Porm
o faz de maneira parcial e sob a tica da reforma do Estado,
priorizando a educao fundamental regular em detrimento de outros
nveis e modalidades de ensino [...]. Essa prioridade para o ensino
regular fca mais evidente quando a modali-dade Educao para Jovens e
Adultos vetada, ou seja, no pode contar com recursos provenientes
do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorizao do Magistrio (FUNDEF). Em decorrncia dessa restrio de
recursos, na concepo de Haddad e Di Pierro (2000, p. 123), [...] o
ensino de jovens e adultos passou a concorrer com a educao
infantil, no mbi-to municipal, e com o ensino mdio, na esfera
estadual, pelos recursos pblicos no capturados pelo FUNDEF. Assim,
ainda conforme os autores, consoli-daram-se a tendncia
descentralizao do fnanciamento e dos servios, bem como a posio
marginal ocupada pela educao bsica de jovens e adultos nas
prioridades de poltica educacional (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.
124). 4 Iniciada em 1990, com a Conferncia Mundial de Jontiem, a
Dcada da Educao para Todos se propunha no s a assegurar que todas
as crianas e adolescentes tivessem acesso ao ensino de qualidade,
com equidade de gnero, mas tambm a reduzir pela metade os ndices de
analfabetismo e proporcionar aos jovens e adultos as oportunidades
para satisfao de suas mltiplas necessidades de aprendizagem. Em
meados da dcada de 1990, a Comisso Internacional sobre a Educao
para o sculo XXI difundiu o Relatrio Jacques Delors,
quereiterouseraeducaoumbemcoletivo,aoqualtodasaspessoasdeveriamteracesso(DIPIERRO,
2010, p. 940-941). 137Formao de professores para a Educao de Jovens
e Adultos: uma anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa,
Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em:
Dessa forma, como nos governos anteriores, no governo FHC, tambm
foram elaborados programas isolados com o objetivo de estagnar e,
at mesmo,
erradicaroanalfabetismonoBrasil,como,porexemplo,oProgramade
Alfabetizao Solidria (PAS), que se concentrou nas regies Norte e
Nordeste do pas. Todavia, para no fugir tradio de descontinuidade,
o programa teve curta durao (HADDAD; DI PIERRO, 2000; DI PIERRO,
2010). Analisando,deformageral,aspolticaseducacionaisnogovernoFHC,
segundo Neves (2002 apud COSTA, 2009, p. 73), pode-se afrmar que
possuam trs objetivos bsicos, quais seriam: a) difundir e
sedimentar entre as atuais e futuras geraes a cultura
empresa-rial5;b) aumentar a produtividade dos setores mais
produtivos da economia, em geral, do grande capital;c) preparar o
trabalho simples para operar e o trabalho complexo para adaptar a
cincia e a tecnologia trazidas de fora pelas grandes empresas
multinacionais.
Diantedessesobjetivos,explcitaacontinuidadedeaesvoltadas manuteno
do sistema capitalista, com forte adeso poltica neoliberal
instau-rada no Brasil desde a dcada de 1980. Para Filgueiras (2006,
p. 183), o projeto neoliberal fortaleceu ainda mais as divises de
classes, ao que explica:A vitria desse projeto expressou, ao mesmo
tempo em que estimulou, um processo de transnacionalizao dos
grandes grupos econmicos nacionais e seu fortalecimento no bloco
dominante, alm de exprimir, tambm, a fragili-dade fnanceira do
Estado e a subordinao crescente da economia brasileira aos fuxos
internacionais de capitais.
Nogovernoseguinte,dopresidenteLula(2003-2010),noobstanteo discurso
apresentasse um carter social-democrtico, no houve rompimento com a
poltica neoliberal. Muito pelo contrrio, o presidente deu
continuidade ao governo FHC, mesmo que de forma camufada, e
governou junto ao gru-po dominante. Pois, como explicam Shiroma,
Campos e Garcia (2005, p. 428), apoiando-se em documento do World
Bank6 (2000), percebe-se, ao fnal dos anos
1990,umaguinadadovisexplicitamenteeconomicistaparaumafacemais
humanitria na poltica educacional, sugerida pela crescente nfase
nos conceitos 5 Cultural empresarial signifca, segundo Neves (2002
apud COSTA, 2009, p. 73), [...] educar a classe tra-balhadora para
aceitar como natural a perda crescente da soberania nacional, a
desindustrializao, o cresci-mento do desemprego, a fexibilizao das
relaes de trabalho, a instabilidade social e profssional, o
agrava-mento do processo de excluso social, a privatizao das
polticas sociais, a perda de direitos historicamente
conquistados,arecorrnciacompetio,aoindividualismoepassividadepoltica,comoestratgiasde
sobrevivncia social.6 WORLD BANK. Educational change in Latin
America and the Caribbean. World Bank: SHD. Disponvel em: . Acesso
em: 23 set. 2000.138Romilda Teodora Ens, Marciele Stiegler
RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152,
jan./jun. 2015Disponvel em: de justia, equidade, coeso social,
incluso, empowerment, oportunidade e segu-rana. Atende-se ao
discurso do bem-estar social, deixando-se os argumentos
economicistasque,deacordocomasautoras,traduzemovocabulriopara
mudana proposto em 1995. No mbito das polticas educacionais, mesmo
sem um avano expressivo, Di Pierro (2010, p. 945) observa certa
melhoria para a EJA: Embora a EJA continue a ocupar lugar secundrio
na agenda da poltica
edu-cacionaldogoverno,houveumincrementonacolaboraodaUniocom
osestadosemunicpios,pormeiodainstitucionalizaodamodalidadeno
sistema de ensino bsico, com sua incluso nos mecanismos de
fnanciamento e nos programas de assistncia aos estudantes.
AindaqueaEJAtenhasidoincorporadanasfontesdefnanciamento, como, por
exemplo, ao FUNDEB7, no foi nivelada ao ensino regular, pois [...]
a Medida Provisria n. 339/2006, a ser convertida em lei, limita em
10% a apro-priao de recursos pela educao de jovens e adultos (art.
11), sendo tal mo-dalidade a nica a contar com essa espcie de trava
de expanso (HADDAD; XIMENES, 2008, p. 146). Em relao aos programas
destinados a essa modalidade de ensino, des-tacam-se os articulados
educao profssional, como o Projovem8 e o Proeja9, os quais esto em
vigor atualmente. No entanto, para dar continuidade noo
assistencialista atribuda historicamente EJA, o governo desenvolveu
um pro-grama que conta com a ajuda de voluntrios para a alfabetizao
de adultos, o Programa Brasil Alfabetizado10. O que mais chama a
ateno no Programa o
7OFundodeManutenoeDesenvolvimentodaEducaoBsicaedeValorizaodosProfssionaisda
Educao (FUNDEB) substituiu o antigo FUNDEF no segundo mandato do
governo Lula.8 Criado pelo Decreto n. 5.557, de 5 de outubro de
2005, institudo pela Lei n 11.129, de 30 de junho de 2005,
posteriormente revogado pelo Decreto n 6.629 de 4 de novembro de
2008. ofertado em quatro mo-dalidades: I -Projovem Adolescente -
Servio Socioeducativo; II - Projovem Urbano; III - Projovem Campo -
Saberes da Terra; e IV - Projovem Trabalhador. De acordo com o Art.
2, O Projovem tem por fnalidade executar aes integradas que
propiciem aos jovens brasileiros reintegrao ao processo
educacional, qualif-cao profssional em nvel de formao inicial e
desenvolvimento humano. Abrange a faixa etria de quinze a vinte e
nove anos. O aluno conta com um auxlio fnanceiro no valor de R$
100,00 mensais (BRASIL, 2008).9 Criado em 2005, pelo Decreto, n.
5.478, que em seguida foi substitudo pelo Decreto n. 5.840, de 13
de julho de 2006, que introduz novas diretrizes, incluindo a oferta
de cursos do PROEJA para o pblico do ensino fundamental de EJA. O
programa integra a educao profssional com o ensino fundamental e
mdio para a insero do educando no mercado de trabalho. Ele abrange
a formao inicial e continuada de trabalhadores e a educao
profssional tcnica de nvel mdio (BRASIL, 2006).10 Programa Brasil
Alfabetizado (PBA) desenvolvido em todo o territrio nacional, com o
atendimento prio-ritrio a 1.928 municpios que apresentam taxa de
analfabetismo igual ou superior a 25%. Desse total, 90%
localizam-se na Regio Nordeste. Esses municpios recebem apoio
tcnico na implementao das aes do programa. O quadro de
alfabetizadores deve ser composto, preferencialmente, por
professores da rede pbli-ca. Entretanto qualquer pessoa com nvel
mdio completo pode se tornar um alfabetizador (BRASIL,
2013).139Formao de professores para a Educao de Jovens e Adultos:
uma anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa, Ponta
Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: nvel
de escolaridade exigido ao professor: somente o ensino mdio. Apesar
de a LDB exigir uma formao em nvel superior para os professores da
educao bsica, aqui evidenciamos um retrocesso. Mais uma vez, a EJA
tratada como
umcampodesprofssionalizado.Deamadores.Decampanhasedeapelos boa
vontade e improvisao, carregando a marca histrica de: [...]
indefni-o, voluntarismo, campanhas emergenciais, solues
conjunturais (ARROYO, 2011, p.
19-20).DiantedocontextodaEJA,concordamoscomaavaliaodeCosta (2009,
p. 74), ao afrmar que, no governo Lula, a lgica da educao continuou
sendo pautada na poltica neoliberal: [...] a lgica da educao no
modifcou, uma vez que a reduo de recursos para as polticas sociais
impostas pelo modelo neoliberal continuou sendo visvel, apesar de
toda a propaganda ofcial sugerir o contrrio. Complementa que, em
relao EJA,
[...]paranofugirtradiobrasileiradedescontinuidade,ogovernoLula
lanou o Programa Brasil Alfabetizado (2003), que priorizou
fnanceiramente a ao desenvolvida por entidades flantrpicas. A
partir do segundo ano, as secretarias estaduais e municipais
passaram a receber um percentual maior de recursos, porm o trabalho
desenvolvido continuou sendo uma ao educativa pobre para os pobres
(COSTA, 2009, p. 74, grifos
nossos).Embora,nogovernoLula,tenhamsidocriadosmaisprogramasdesti-nados
Educao de Jovens e Adultos, conforme demonstrado na tabela 1, a
diminuio na taxa de analfabetismo no foi expressiva, bem como a
progresso emrelaomdiadosanosdeestudosdapopulaocom15anosoumais.
Portanto, os resultados so muito aqum do esperado. Indicador/Ano
2001 2005 2006 2007 2008Taxa de analfabetismo 12,4% 11,1% 10,4%
10,1% 10,0%Nmero de analfabetos 15.072.313 14.979160 14.391.064
14.135.122 14.247.495Inscritos em programasde alfabetizao930 mil
1,8 milho 1,6 milho 1,3 milho 1,4 milhoMdia de anos de estudos 6,4
7 7,2 7,3 7,4Tabela 1 - Analfabetismo e escolaridade da populao com
15 anos ou mais (2001-2008)Fonte:IBGE.ObservatriodaEquidade:;
PNAD/IBGE,citadoemRelatriodeGestodaDEJA/SECAD/MEC(2009apudDI
PIERRO, 2010, p. 947). No entendimento de Di Pierro (2010, p. 947),
os principais fatores combi-nados que contribuem para esses
resultados frustrantes resumem-se em:[...] superestimao de
participantes, devida atribuio da responsabilidade de formao de
turmas aos alfabetizadores e escassa fscalizao; problemas
140Romilda Teodora Ens, Marciele Stiegler RibasPrxis Educativa,
Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em:
de focalizao do programa, que inscreveria, em grande medida,
pessoas j alfabetizadas e no o pblico-alvo prioritrio constitudo
por analfabetos ab-solutos; escassos resultados de aprendizagem,
devidos durao insufciente dos cursos, frequncia intermitente e
evaso dos alfabetizandos, seleo inadequada e precria formao dos
alfabetizadores, entre outros aspectos relativos qualidade dos
cursos (Grifos nossos). Como consequncia dessas aes, segundo
Ribeiro (1999, p. 188-189), a perspectiva assistencialista e
infantilizadora da educao de jovens e adultos um fator que
prejudica a constituio do campo, limitando as condies de se ofertar
aoseducadoresumaformaoadequada,queconsidereasespecifcidadesdo
pblico dessa modalidade educativa. Em relao formao de professores
para atuar na Educao de Jovens e Adultos, o problema no se
restringe a ter ou no curso em nvel superior. Vai alm dessa questo,
pois muitas Instituies de Ensino Superior no ofertam em suas
Licenciaturas, incluindo Pedagogia, uma formao especfca para a EJA.
E o que dizem as polticas sobre essa formao? Com o intuito de
desvelar essa
questo,noprximotpico,seroexaminadasalgumaspolticaseducacionais
destinadas Educao de Jovens e Adultos, visto que partimos do
pressuposto de que tais polticas regulam a formao e a prtica
docente.Diretrizes Curriculares para a EJA e a formao do professor
Aoanalisaraspolticaseducacionais,precisocompreenderqueasua formulao
ultrapassa o contexto educacional; outros fatores infuenciam e
de-terminamaformulaoeaimplementaodessaspolticas.Existeumainten-cionalidadenessesdocumentos,suasentrelinhasestodotadasdeintenes
que se convencionalizam ao projeto neoliberal. Isso justifca o fato
de o Estado incorporar na educao [...] termos, legislao e as bases
de funcionamento fxa-das em critrios econmicos para atos e prticas
educacionais pblicas (SILVA, 2011, p. 337). Nessa perspectiva,
conforme evidenciam Ens e Gisi (2011, p. 27), o ob-jetivo
neoliberal no mbito educacional pode ser sintetizado como submeter
a escola s exigncias do mercado, buscando direcion-la ao modelo
empresarial com o objetivo de adequar o modelo educativo ao novo
sistema produtivo. Por
consequncia,aindadeacordocomasautoras,oEstadopassaaassumir[...] um
papel regulador e avaliador, a educao deixa de ser um servio
exclusivo do Estado (ENS; GISI, 2011, p. 29).Essa aderncia ao
projeto neoliberal na educao faz com que as polticas educacionais
apresentem diversas limitaes, as quais Saviani (2008, p. 7)
exem-141Formao de professores para a Educao de Jovens e Adultos:
uma anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa, Ponta
Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: plifca
como caractersticas estruturais que atravessam a ao do Estado
brasi-leiro no campo da educao desde as origens at os dias atuais.
Essas polticas educacionais, de certa maneira, esto ancoradas [...]
histrica resistncia que as elites dirigentes opem manuteno da
educao pblica; e descontinuidade, tambm histrica, das medidas
educacionais acionadas pelo Estado (SAVIANI, 2008, p. 7). Segundo o
autor, so limitaes que tm se materializado na [...] tradicio-nal
escassez dos recursos fnanceiros destinados educao, e corporifca-se
na sequncia interminvel de reformas, cada qual recomeando da estaca
zero e prometendo a soluo defnitiva dos problemas que se vo
perpetuando indef-nidamente (SAVIANI, 2008, p. 7). Infelizmente, o
campo da Educao de Jovens e Adultos encaixa-se per-feitamente na
afrmativa do autor, pois notria a descontinuidade dos progra-mas
voltados a essa modalidade de ensino e a escassez de recursos
fnanceiros a ela destinados. Apesar dos relativos avanos da EJA no
cenrio educacional, eles ainda so insufcientes para alterar a
histrica precariedade dessa modalidade de ensino.
Nessecontexto,vlidoapresentaralgunsquestionamentosrealizados por
Ribas (2013, p. 44): Interessa ao sistema capitalista, alicerado
pela poltica neoliberal, alfabetizar idosos? Prover uma educao de
qualidade para jovens j evadidos, por isso, anteriormente excludos?
Ao que a autora justifca: Ora, parece que a essa modalidade de
ensino incutida a tarefa de alfabetizar os excludos, para apregoar
a falsa ideia de incluso e promover uma educao aligeirada, sem se
preocupar com as condies de escolarizao destinadas ao pblico da
EJA. Incluam-se nessas condies no s as questes materiais,
mastambmpedaggicas,especialmentenoqueconcerneformaodo professor
para atuar nessa modalidade de ensino. (RIBAS, 2013, p. 45).
Apartirdessasrefexes,buscandoidentifcarse,nasDiretrizes
Curriculares Nacionais, do Estado do Paran e de Curitiba, a
necessidade de se ofertar uma formao especfca para o professor
atuar na EJA contemplada, conforme sintetizado no quadro 1, sero
analisadas essas polticas. 142Romilda Teodora Ens, Marciele
Stiegler RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p.
127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: O Parecer n 11, de 10 de maio
de 2000 antecedeu a Resoluo que institui as Diretrizes Curriculares
para a Educao Nacional - CNE/CEB n 1, de 5 de julho de 2000. O
referido Parecer realizou algumas discusses importantes para o
campo da EJA, enfatizou as principais funes dessa modalidade, a
saber: a fun-o equalizadora, a funo reparadora e, por ltimo, a funo
qualifcadora.
Afunoequalizadorarefere-sepossibilidadedeoeducandoretomar os
estudos interrompidos no passado por qualquer motivo: repetncia,
evaso, ou outra condio adversa. Assim, o documento assegura a
segunda funo a reparadora -, pois o cumprimento da funo
equalizadora permite a reparao corretiva, ainda que tardia, de
estruturas arcaicas, possibilitando aos indivduos Legislao Aspectos
principais em relao Educao de Jovens e AdultosResoluo CNE/CEB n. 1,
de 5 de julho de
2000-EstabeleceasDiretrizesCurricularesNacionaisparaaEducaoe Jovens
e Adultos. -ReconheceaEJAcomoumamodalidadediferenciadadaeducao
bsica, tendo identidade prpria, precisa considerar as diferenas dos
educandos. Prope um modelo pedaggico prprio. - Em relao formao de
professores para a EJA, em seu Art. 17,
estabelece:Aformaoinicialecontinuadadeprofssionaisparaa
EducaodeJovenseAdultostercomorefernciaasdiretrizes curriculares
nacionais para o ensino fundamental e para o ensino mdio e as
diretrizes curriculares nacionais para a formao de professores
(BRASIL, 2000a). Diretrizes Curriculares da Educao de Jovens e
Adultos do Paran, 2006- Institui as Diretrizes para a Educao de
Jovens e Adultos no Paran. - As Diretrizes indicam a necessidade da
organizao de um currculo diferenciado que atenda demanda da EJA: O
currculo deve ter forma
deorganizaoabrangente,naqualoscontedosculturaisrelevantes
estejamarticuladosrealidadeemqueoeducandoseencontra,em
favordeumprocessointegradordosdiferentessaberes,apartirda
contribuio das diferentes reas de conhecimento (PARAN, 2006, p.
36). -Propetrseixosarticuladoresparapautarapropostapedaggica:
cultura,trabalhoetempo,osquaisdeveroestarinter-relacionados (PARAN,
2006). Diretrizes Curriculares para a Educao de Jovens e Adultos de
Curitiba, 2012- A elaborao das novas Diretrizes Curriculares para a
Educao de Jovens e Adultos de Curitiba envolveu a participao dos
profssionais que atuam na EJA fase I no municpio.
-Concernenteformaodeprofessores,asDiretrizesdestacam
que:CabeSecretariaMunicipaldeEducaodeCuritibaofertar
assessoramentospedaggicos,discusseseanlisesdasquestes
referentesaoencaminhamentometodolgico,difculdadesde
aprendizagem,sugestesdeaesparaaefetivaodaprtica
pedaggica,atendimentosindividualizadosemomentosdeformao para
utilizao do material pedaggico (CURITIBA, 2012, p. 34).Quadro 1-
Sntese das Diretrizes destinadas Educao de Jovens e Adultos
2000-2012.Fonte: Elaborado pelas autoras com base na legislao
citada. 143Formao de professores para a Educao de Jovens e Adultos:
uma anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa, Ponta
Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: novas
inseres no mundo do trabalho, na vida social, nos espaos da esttica
e na abertura dos canais de participao (BRASIL, 2000, p. 9). A funo
qualifcadora designada pelo Parecer como a fnalidade prin-cipal e
permanente da EJA, a qual seria [...] propiciar a todos a atualizao
de conhecimentos por toda a vida. Assim, [...] mais do que uma
funo, ela o
prpriosentidodaEJA.Elatemcomobaseocarterincompletodoserhu-mano,
cujo potencial de desenvolvimento e de adequao pode se atualizar em
quadros escolares ou no escolares (BRASIL, 2000, p. 11). O Parecer
tambm realiza um apanhado da legislao educacional brasi-leira para
ressaltar a questo do direito educao em qualquer idade. Portanto,
tendo o cidado esse direito assegurado por Lei, o dever para seu
cumprimento de responsabilidade do Estado. No que tange questo do
direito educao, Soares (2002, p. 19) destaca: No foi por descuido,
ou por esquecimento, que o ltimo tpico das Dire-trizes se dedicou
ao tema do direito educao. preciso reafrmar a todo
tempoodireitodosjovensedosadultoseducao,sobpenadetermos esse
direito negado novamente ou mantido na legislao, mas no efetivado
de fato. Contudo, o documento enfatiza que esse direito ser
concretizado [...] se e somente se houver escolas em nmero bastante
para acolher todos os cida-dos brasileiros e se desta
acessibilidade ningum for excludo (BRASIL, 2000, p. 66). Aqui cabe
levantar os seguintes questionamentos: O que signifca incluir o
jovem ou o adulto na escola? Seria apenas assegurar o acesso
educao, sem se preocupar com as condies de sua permanncia? A
realidade que se apresenta na prtica pedaggica na EJA parece
con-frmarqueascondiesdepermannciasomesmoignoradas.Dessaforma,
concordamos com Capucho (2012, p. 23), quando afrma que a esse
jovem ou adulto [...] foi negado o direito educao no passado, e
lhes difcultado no presente. O autor ainda complementa: no momento
em que a Educao de Jovens e Adultos se frmou como responsabilidade
do Estado, a lgica neolibe-ral lhe infigiu papel secundrio. Em
muitos casos, imperou o desestmulo para
investimentos,resultandonanegaododireitoasseguradonaformadeLei
(CAPUCHO, 2012, p. 24). No bojo da negao desse direito, est a
precria formao do professor para atuar na EJA. Como assegurar o
direito educao sem qualidade? Sem as mnimas condies pedaggicas? Sem
um mtodo adequado, que considere as especifcidades presentes na
EJA? Ora, se o professor no formado para traba-lhar com a EJA, o
direito do aluno no efetivado. 144Romilda Teodora Ens, Marciele
Stiegler RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p.
127-152, jan./jun. 2015Disponvel em:
AdiscussosobreaformaodoprofessorparaaEJAressaltadano item VIII do
Parecer. O documento reconhece que a formao adequada e a ao
integrada implicam a existncia de um espao prprio, para os
profssionais
daEJA,nossistemas,nasuniversidadeseemoutrasinstituiesformadoras
(BRASIL,2000,p.60).Todavia,aoenfatizarosaspectosaseremintegrados
nesse preparo, faz isso de forma redundante, sem expressar
claramente diretrizes para a formao desse docente. Assim,
estabelece: Com maior razo, pode-se dizer que o preparo de um
docente voltado para a EJA deve incluir, alm das exigncias
formativas para todo e qualquer pro-fessor, aquelas relativas
complexidade diferencial desta modalidade de ensi-no. Assim esse
profssional do magistrio deve estar preparado para interagir
empaticamente com esta parcela de estudantes e de estabelecer o
exerccio do dilogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado
apenas pela boa vonta-de ou por um voluntariado idealista e sim um
docente que se nutra do geral e tambm das especifcidades que a
habilitao como formao sistemtica requer. (BRASIL, 2000, p. 56).
Posterior ao Parecer, por meio da Resoluo n 1 do Conselho Nacional
de Educao/Cmara de Educao Bsica CNE/CEB, de 5 de julho de 2000, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao de Jovens e Adultos
foram promulgadas. Conforme o Art. 1 da referida Lei:
Art.1EstaResoluoinstituiasDiretrizesCurricularesNacionaisparaa
Educao de Jovens e Adultos a serem obrigatoriamente observadas na
oferta e na estrutura dos componentes curriculares de ensino
fundamental e mdio
doscursosquesedesenvolvem,predominantemente,pormeiodoensino,
eminstituiesprpriaseintegrantesdaorganizaodaeducaonacional nos
diversos sistemas de ensino, luz do carter prprio desta modalidade
de educao. (BRASIL, 2000a). Diferentemente do Parecer que antecedeu
a Resoluo, a Diretriz salienta como principais funes da EJA a
equidade, a diferena e a proporcionalidade,
enquantooParecerfrisavaasfunes:equalizadora,reparadoraequali-fcadora.
Assim, somente a primeira funo, a equalizadora, foi mantida na
Resoluo, conforme estabelece o artigo 5, pargrafo nico, incisos I,
II e III. I - quanto equidade, a distribuio especfca dos
componentes curriculares a fm de propiciar um patamar igualitrio de
formao e restabelecer a igual-dade de direitos e de oportunidades
face ao direito educao;II- quanto diferena, a identifcao e o
reconhecimento da alteridade pr-pria e inseparvel dos jovens e dos
adultos em seu processo formativo, da va-lorizao do mrito de cada
qual e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores;III -
quanto proporcionalidade, a disposio e alocao adequadas dos
com-ponentes curriculares face s necessidades prprias da Educao de
Jovens e 145Formao de professores para a Educao de Jovens e
Adultos: uma anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa,
Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em:
Adultos com espaos e tempos nos quais as prticas pedaggicas
assegurem aos seus estudantes identidade formativa comum aos demais
participantes da escolarizao bsica (BRASIL, 2000a, grifos
nossos).AnalisandoasfunesdaEJAcontidasnodocumento,pareceque,no
itemII,oqualtratadasdiferenas,reconhecem-seassingularidadesinerentes
a essa modalidade de ensino, mas, ao mesmo tempo, sublinha-se a
questo da meritocracia, uma vez que, embora no de forma explcita,
ao ressaltar a valori-zao do mrito, abre certas brechas para
responsabilizar o estudante pelo seu sucesso ou fracasso, isto ,
pelo seu processo formativo. mais fcil para o Estado induzir a
sociedade a se apropriar do discurso meritocrtico para justifcar as
disparidades existentes na educao brasileira, ou seja, [...] os
dominantes impem a meritocracia como esquema de interpretao e de
legitimao da realidade, enquanto que os dominados tm difculdades
para imaginar uma interpretao alternativa de sua situao e so
levados desvalori-zao de si (VALLE; RUSCHEL, 2010, p. 80).
Nessaperspectiva,[...]osalunosquefracassam,nosomaisvistos como
vtimas de uma injustia social e sim como responsveis por seu
fracasso, pois a escola lhes deu, a priori, todas as chances para
ter sucesso como os outros (DUBET, 2004, p. 543). Trazendo a refexo
para a realidade da EJA, na qual o aluno trabalhador novamente
excludo, nele incutida a falsa conscincia de
queoseufracassodesuainteiraresponsabilidade.Dessaforma,aindade
acordo com Dubet (2004, p. 543): [...] a escola meritocrtica
atraiu-os para uma competio da qual foram exclu-dos; eles
acreditaram na vitria e na igualdade de oportunidades e descobrem
suas fraquezas, sem o consolo de poder atribuir o fato s
desigualdade sociais, das quais no so mais diretamente vtimas.
Quanto formao de professores para a EJA, no artigo 17 das
Diretrizes Curriculares Nacionais, fca estabelecido que:A formao
inicial e continuada de profssionais para a Educao de Jovens e
Adultos ter como referncia as diretrizes curriculares nacionais
para o ensino fundamental e para o ensino mdio e as diretrizes
curriculares nacionais para a formao de professores, apoiada em:I
ambiente institucional com organizao adequada proposta
pedaggica;IIinvestigaodosproblemasdestamodalidadedeeducao,buscando
oferecer solues teoricamente fundamentadas e socialmente
contextuadas;III desenvolvimento de prticas educativas que
correlacionem teoria e pr-tica;IV utilizao de mtodos e tcnicas que
contemplem cdigos e linguagens apropriados s situaes especfcas de
aprendizagem (BRASIL, 2000a, p. 3).146Romilda Teodora Ens, Marciele
Stiegler RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p.
127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: Examinando o texto do Parecer
11/2000 e da Resoluo 1/2000, no que tange formao de professores
para a EJA, possvel inferir que as Diretrizes Nacionais para a EJA
expressas na Resoluo no aderiram s discusses realiza-das no
Parecer. Conquanto nos dois documentos tal discusso aparea de forma
breve e superfcial, na Resoluo, essa superfcialidade fcou mais
aparente.Nesse contexto, concordamos com Arroyo (2006, p. 18),
quando declara: Emoutrostermos,
podemosdizerque,senotemospolticasfechadasde formao de educadores
para EJA, porque ainda no temos tambm pol-ticas muito defnidas para
a prpria educao de jovens e adultos. Essas
po-lticasprecisamserconstrudas,eserprecisomuitainiciativaecapacidade
criativa para o fazermos. Isso vai exigir, no meu entender, muito
dilogo, mui-ta lucidez e, sobretudo, muita coragem dos cursos de
Pedagogia para que se possa construir esse
perfl.PassandonossaanliseparaasDiretrizesCurricularesparaaEducao de
Jovens e adultos do Estado do Paran, as quais orientam a organizao
cur-ricular de todas as escolas do Paran que ofertam essa
modalidade de ensino, destacamos que o referencial para sua
construo o atendimento ao perfl dos educandos jovens, adultos e
idosos (PARAN, 2006, p. 9).Atentando-nos sua estrutura, constatamos
que, primeiramente, realiza um breve histrico da EJA no contexto da
educao brasileira; posteriormente, enfatiza a funo social dessa
modalidade de ensino; o perfl dos seus educandos; estipula os trs
eixos articuladores a serem incorporados nos currculos da EJA -
cultura, trabalho e tempo -; realiza algumas orientaes metodolgicas
e, por fm, discute o processo de avaliao (PARAN, 2006). Quanto aos
eixos articuladores, destaca-se a cultura como elemento prin-cipal
para nortear a prtica pedaggica. O documento pontua a necessidade
de [...] manter o foco na diversidade cultural, percebendo,
compartilhando e sis-tematizando as experincias vividas pela
comunidade escolar, estabelecendo re-laes a partir do conhecimento
que esta detm, para a (re)construo de seus saberes (PARAN, 2006, p.
35).Semdvida,esseeixo,defato,deverianortearaaopedaggica,pois a
questo da identidade cultural, de que fazem parte a dimenso
individual, e a de classe dos educandos, cujo respeito
absolutamente fundamental na prtica
educativaprogressista,problemaquenopodeserdesprezado(FREIRE, 2003,
p. 41-42). Mais adiante, consta no documento o reconhecimento da
expressiva di-versidade sociocultural presente na Educao de Jovens
e Adultos. O seu pblico abrange vrias culturas e modos de vida
singulares, j que atende populao do campo, indgenas, alunos com
necessidades educativas especiais, educandos em privao de
liberdade, entre outros. Assim, estabelece que:147Formao de
professores para a Educao de Jovens e Adultos: uma anlise das
Diretrizes CurricularesPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1,
p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: [...] o currculo deve ter
forma de organizao abrangente, na qual os conte-dos culturais
relevantes estejam articulados realidade em que o educando se
encontra, em favor de um processo integrador dos diferentes
saberes, a partir da contribuio das diferentes reas conhecimento.
(PARAN, 2006, p. 36).O segundo eixo, o trabalho, reconhece que a
maioria dos educandos in-seridos no contexto da EJA tem um
diferencial: so alunos trabalhadores e,
es-tandoinseridosnomundodotrabalho,necessitamdemaioraprofundamento
sobre esse universo. Portanto, na organizao curricular, preciso
oportunizar discusses relevantes sobre a funo do trabalho e suas
relaes com a produ-o de saberes (PARAN, 2006, p. 35). O ltimo eixo
diferencia o tempo entre o tempo fsico, o tempo vivido e o tempo
pedaggico. O primeiro refere-se ao calendrio escolar, que organiza
e controla o tempo da ao pedaggica, logo, mais burocrtico e
mecnico. O segundo diz respeito ao tempo vivido pelo professor nas
suas experincias pedaggicas, nos cursos de formao, na ao docente
propriamente dita, bem como o tempo vivido pelos educandos nas
experincias sociais e escolares. O terceiro compreende o tempo que
a organizao escolar destina para a escolari-zao e socializao do
conhecimento (PARAN, 2006, p. 33). Mediante a complexidade em
atender todos esses eixos, ou seja, pautar o trabalho pedaggico na
cultura e no trabalho dos educandos, e a necessidade de articular a
educao escolar realidade desses estudantes, preciso reconhecer o
contexto do qual os alunos jovens, adultos e idosos fazem parte.
Nessa direo, Diniz-Pereira e Fonseca (2001, p. 60) argumentam: Os
alunos nessa modalidade de ensino so, via de regra, oriundos das
cama-daspopulares,comvaloreseexpressodiferenciadosdaquelesqueseesta-belecemnaculturaescolar,excludosdaescolaregularpordifculdadesde
acesso, de conciliao com a insero precoce no mercado de trabalho,
ou de adaptaoprpriaorganizaoescolar.Agora,inseridosnumainstituio
nooriginariamenteconcebidaparaatenderaessepblico,vodemandar um
trabalho especfco que considere seu contexto de vida, necessidades
de aprendizagem, desejos e expectativas em relao escola e o vasto
mundo de conhecimentos construdos ao longo da
vida.Diantedessasconsideraes,ouseja,dacomplexidadedotrabalhodo
professordaEJA,oqualsedeparacomampladiversidade,seriafundamental
queasDiretrizesCurricularesdoParanindicassemanecessidadedeseofer-tar
uma formao especfca para esse professor e, at mesmo, discutissem
essa formao.Entretanto,pormaisquepontuemalgunsdirecionamentosparaa
realizao do seu trabalho ao estabelecer que, [...] o trabalho dos
educadores da EJA buscar de modo contnuo o conhecimento que
dialogue com o singular e o universal, o mediato e o imediato, de
forma dinmica e histrica (PARAN, 148Romilda Teodora Ens, Marciele
Stiegler RibasPrxis Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p.
127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: 2006, p. 38), em momento
algum, em todo o texto, a questo da formao espe-cfca do professor
para atuar na EJA mencionada. Quanto s Diretrizes Curriculares da
Educao de Jovens e Adultos do Municpio de Curitiba fase I, foram
elaboradas recentemente, no ano de 2012. A sua composio envolveu a
participao de diversos profssionais da educao atuantes no campo da
EJA (equipe da Gerncia da EJA da Secretaria Municipal da Educao de
Curitiba (SME), as coordenadoras dos nove Ncleos Regionais da
Educao, vice-diretores e professores das instituies escolares que
ofertam a EJA Fase I). O documento defne ser:
OprincipalfocodasnovasDiretrizes[...]oportunizaroacesso,a
permanncia e a continuidade dos estudos a todos aqueles que no
tiveram
essaoportunidadeemidadeprpria,proporcionando-lhesumaprendizado por
meio de metodologia diferenciada que leve em considerao a realidade
cultural,onveldeseusconhecimentos,ahistriadecadaum,acondio
socioeconmicaeadiversidadetnico-racial,territorial,degnero,dentre
outras. (CURITIBA, 2012, p. 9).
AsDiretrizesretomaramahistriadaEJAnoBrasil,noParane
nomunicpiodeCuritiba.Fazemumacontextualizaodosestudantesque
frequentam a EJA na Rede, apresentando a estrutura da modalidade no
municpio. Sua organizao curricular divide-se em quatro eixos:
cincia, cultura, trabalho e tempo. Tambm abordam a documentao
escolar prpria da EJA, a legislao que fundamenta a modalidade, a
formao dos profssionais os quais atuam na Educao de Jovens e
Adultos no municpio e a avaliao (CURITIBA, 2012). Os eixos que
compem a organizao curricular pautam-se nos trs eixos
dasDiretrizesCurricularesparaaEJAdoParan(cultura,trabalhoetempo),
acrescentandooeixodacincia,que[...]entendidacomooconjuntode
conhecimentos sistematizados produzidos socialmente ao longo da
histria, na busca da compreenso e transformao da natureza e da
sociedade (CURITIBA, 2012, p. 11). Quanto formao dos professores da
EJA, o documento ressalta: [...] busca-se instrumentalizar os
profssionais com conhecimentos didticos, para relacionar contedos,
recriar procedimentos que favoream a
organiza-ocurricular,paraquepossampromoverprticaspedaggicasfexveise
adequadas s necessidades. (CURITIBA, 2012, p. 34). Portanto, para o
provimento dessa formao,[...] cabe Secretaria Municipal de Educao
ofertar assessoramentos
peda-ggicos,discusseseanlisesdasquestesreferentesaoencaminhamento
149Formao de professores para a Educao de Jovens e Adultos: uma
anlise das Diretrizes CurricularesPrxis Educativa, Ponta Grossa, v.
10, n. 1, p. 127-152, jan./jun. 2015Disponvel em: metodolgico,
difculdades de aprendizagem, sugestes de aes para a efe-tivao da
prtica pedaggica, atendimentos individualizados e momentos de
formao para utilizao do material pedaggico. (CURITIBA, 2012, p.
34). Entre as trs diretrizes analisadas nesta pesquisa (as
Diretrizes Curriculares
NacionaisparaaEJA,asDiretrizesdoestadodoParanedomunicpiode
Curitiba), somente a ltima aborda aspectos relativos formao de
professores para essa modalidade de ensino. No entanto, no se pode
ignorar o fato de que o faz de forma breve. Consideraes fnaisCom
base nas refexes realizadas neste artigo, evidencia-se o descaso
dos entes federados em relao Educao de Jovens e Adultos. Essa
indiferena conferida EJA, que a acompanha desde o seu surgimento at
a atualidade, tra-duz-se em polticas educacionais, no mnimo,
superfciais. Essa superfcialida-de refexo de um entorno maior, isto
, de um sistema econmico pautado por uma poltica neoliberal e, por
consequncia, uma educao voltada ao mercado.
Nopodemosignorarosrelativosavanosobtidosaolongodasua histria, que
Arroyo (2011, p. 19) nomeia como tensa histria, contudo, apesar das
conquistas dessa modalidade, ainda h muito que buscar, pois nossas
polti-cas silenciam aspectos fundamentais para assegurar o direito
educao desses estudantes. Um desses, sem dvida, seria a formao dos
professores para atuar na Educao de Jovens e Adultos. As prprias
Diretrizes analisadas nesta pesquisa, seja a Federal, a Estadual
(Paran) ou a Municipal (Curitiba), reconhecem a complexidade do
trabalho do professor da EJA, que precisa lidar com a diversidade.
Por conseguinte, a for-mao do professor para atuar na EJA exige
especifcidades que contemplem as
peculiaridadesinerentesaessamodalidade.Todavia,essaquestotratadade
forma bastante omissa. Embora as Diretrizes de Curitiba abordem com
maior destaque aspectos relativos formao de professores para a EJA,
ainda assim o faz de forma bas-tante breve e, por que no dizer,
superfcial.Diantedasquestesanalisadasnessaspolticas,evidenciamosquealgu-mas
medidas com relao EJA so urgentes, como nos fala Di Pierro (2010,
p. 954, grifos nossos): [...] ampliar o fnanciamento destinado EJA
e rever a situa-o de despreparo e desvalorizao profssional dos
educadores que a ela se dedicam. Dessa forma, necessrio reavaliar
as polticas direcionadas Educao de Jovens e Adultos, com a
fnalidade de assegurar uma educao de qualidade para todos os
jovens, adultos e idosos que retornam escola em busca de um direito
negado. 150Romilda Teodora Ens, Marciele Stiegler RibasPrxis
Educativa, Ponta Grossa, v. 10, n. 1, p. 127-152, jan./jun.
2015Disponvel em:
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