1 Eixo: Formação de Professores EJA, INTERDISCIPLINARIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE: REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EJA INSPIRADAS NA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA Jaqueline Ventura (UFF) 1 Keilla Giron (UFF) 2 Dayana Gomes (UFF) 3 Daniel Ferreira (UFF) 4 Resumo: Há o reconhecimento formal quanto ao direito à Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a uma formação docente específica, entretanto, é evidente a diminuta discussão sobre essa modalidade na maioria dos cursos de licenciatura. O presente artigo tem por objetivo apresentar e refletir a experiência de formação docente para EJA situada no âmbito do Programa institucional de Bolsa de Iniciação à Docência da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, nas áreas de História e Geografia. O projeto interdisciplinar foi realizado no Colégio Estadual Guilherme Briggs, em turmas de Educação de Jovens Adultos de nível médio, no período de 2014- 2015. Tendo por base a interdisciplinaridade referenciada no trabalho como princípio educativo e nas contribuições da pedagogia histórico-crítica, o relato discute as possibilidades de uma prática interdisciplinar na escola pública, através do desenvolvimento de ações que respeitem as características próprias do educando trabalhador. Salienta-se a importância da reflexão sobre as dificuldades encontradas para a formação docente. Palavras-chave: Educação de jovens e Adultos; Interdisciplinaridade; Formação Docente 1 Profª Drª Jaqueline Pereira Ventura, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]2 Keilla Gomes Giron, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]3 Dayana Monteiro Gomes , Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]4 Daniel Candido Ferreira, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]
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EJA, INTERDISCIPLINARIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE: … · Introdução Há na legislação e na literatura o claro reconhecimento das ... Assim, formalmente, há um sensato entendimento
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Eixo: Formação de Professores
EJA, INTERDISCIPLINARIDADE E FORMAÇÃO DOCENTE:
REFLEXÕES SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EJA
INSPIRADAS NA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
Jaqueline Ventura (UFF)1
Keilla Giron (UFF)2
Dayana Gomes (UFF) 3
Daniel Ferreira (UFF) 4
Resumo: Há o reconhecimento formal quanto ao direito à Educação de Jovens e
Adultos (EJA) e a uma formação docente específica, entretanto, é evidente a diminuta
discussão sobre essa modalidade na maioria dos cursos de licenciatura. O presente
artigo tem por objetivo apresentar e refletir a experiência de formação docente para EJA
situada no âmbito do Programa institucional de Bolsa de Iniciação à Docência da
Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, nas áreas de História e
Geografia. O projeto interdisciplinar foi realizado no Colégio Estadual Guilherme
Briggs, em turmas de Educação de Jovens Adultos de nível médio, no período de 2014-
2015. Tendo por base a interdisciplinaridade referenciada no trabalho como princípio
educativo e nas contribuições da pedagogia histórico-crítica, o relato discute as
possibilidades de uma prática interdisciplinar na escola pública, através do
desenvolvimento de ações que respeitem as características próprias do educando
trabalhador. Salienta-se a importância da reflexão sobre as dificuldades encontradas
para a formação docente.
Palavras-chave: Educação de jovens e Adultos; Interdisciplinaridade; Formação
Docente
1 Profª Drª Jaqueline Pereira Ventura, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
[email protected] 2 Keilla Gomes Giron, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, E-mail: [email protected] 3 Dayana Monteiro Gomes , Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
[email protected] 4 Daniel Candido Ferreira, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail:
8 Todos os textos lidos e debatidos constam nas referências bibliográficas deste artigo.
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As reuniões do grupo ocorreram semanalmente alternando entre a escola e a
Faculdade de Educação da UFF9, servindo tanto para o planejamento coletivo quanto
para estudos e debates da equipe. A universidade possui uma localização privilegiada à
beira-mar, no Campus Gragoatá, situado no bairro de mesmo nome, na Região das
Praias da Baía de Guanabara, considerada uma área nobre do município. Tal região
engloba o bairro de Icaraí, famoso por ter um dos maiores Índices de Desenvolvimento
Humano (IDH) do país e possuir a melhor infraestrutura do município10.
Apesar de tanto a UFF quanto o CEGUIB se localizarem na Região das Praias
da Baía, tendo poucos quilômetros de distância entre si, a realidade vivida pelos alunos
dessas instituições é muito diferente11. O Colégio fica em Santa Rosa, bairro vizinho de
Icaraí, considerado área nobre, que sofre intensa especulação imobiliária, e ao mesmo
tempo possui uma parte posicionada em um vale rodeado por comunidades conflituosas,
conhecidas por Complexo do Viradouro12, que com o passar dos anos tornou-se uma
área violenta, principalmente após as operações de ocupação das comunidades na cidade
do Rio de Janeiro. Como consequência disso, constata-se um processo de gentrificação,
que consiste em mudanças imobiliárias, tanto residenciais como culturais,
reorganizando o bairro e redimensionando-o para um público com um maior poder de
consumo, induzindo os moradores menos privilegiados a se retirarem da área13.
9 Na UFF as reuniões ocorreram na sala do Núcleo de Estudos, Documentação e Dados sobre Trabalho e
Educação (Neddate), núcleo a que a coordenadora é vinculada. Ver: <http://www.neddate.uff.br/> 10 Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Niterói estava em 7º lugar
no Ranking IDHM em 2010, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,837. Apesar disso,
dados do IBGE de 2010 sugerem a existência de 77 aglomerados subnormais na cidade de Niterói, assim
como a taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais era de 2,3%, a taxa de pessoas entre 10 e
17 anos que não frequentavam a escola era de 6,1%, e a taxa de pessoas entre 10 e 17 anos que
trabalhavam de 5,1%. Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx> e
informa%E7%F5es-completas> Data de acesso: 02 de maio de 2016. 11Os licenciandos, bolsistas ID/Pibid, em sua maioria residentes de outras cidades da região metropolitana
do Rio de Janeiro, percorrem, da universidade até a escola, um percurso de cerca de seis quilômetros que,
embora curto, é caracterizado pelo intenso trânsito, levando cerca de uma hora no deslocamento por
transporte – que é de dez minutos a mais que o percurso a pé. 12 Conjunto de comunidades que abrangem Viradouro, Beltrão, Souza Soares, Zulu, Matos Coutinho
(Mascou) e União. O colégio, além de atender a essas comunidades mais próximas, também recebe
alunos de comunidades como Vital Brasil, Atalaia, Chiqueirinho, Igrejinha, Sapê e Morro do Céu,
localizadas nas outras regiões da cidade. 13 Por conta disso, Santa Rosa foi dividida em duas partes, uma, cujo nome é Jardim Santa Rosa, localiza-
se ao lado de Icaraí e passou a ser uma extensão desse bairro mais abastado, com grandes prédios de
classe média e uma oferta de serviços para o público desses condomínios; a outra parte manteve o nome
O Colégio Estadual Guilherme Briggs (CEGUIB), inaugurado em 1914, é uma
escola centenária que, como o seu contexto socioespacial, mudou ao longo de sua
história. Hoje, ela oferece o segundo segmento do Ensino Fundamental e o Ensino
Médio no regular e na modalidade EJA, atendendo em torno de 700 alunos, com
aproximadamente 70 deles matriculados na EJA. O colégio conta com uma boa
infraestrutura, que pode ser considerada uma das melhores da rede, possuindo além das
salas de aula e das dependências administrativas, sala multimídia, biblioteca, auditório,
refeitório, laboratório de ciências e laboratório de informática.
A grande maioria dos estudantes da EJA no CEGUIB é de negros, jovens e
moradores de Santa Rosa. Em alguns casos, a escola foi escolhida não pela proximidade
com a moradia, mas por ser próxima do trabalho do estudante. Quando falamos de
estudantes da EJA referimo-nos a pessoas que por cerceamentos socioeconômicos
tiveram os estudos interrompidos, mas possuem a vontade/necessidade de concluí-los.
Portanto, o aluno da EJA é da classe trabalhadora, e em muitos casos chega a trabalhar
mais de quarenta horas por semana ganhando em média um salário-mínimo. Essa
excessiva carga horária de trabalho causa grande impacto na disponibilidade de tempo
para estudar fora do horário escolar. Esses alunos abandonaram a escola em sua maioria
para ajudar a família, e geralmente seus pais também não concluíram o ensino
fundamental demonstrando a recorrência da situação. Entretanto, o cenário vem se
modificando e eles pretendem concluir o ensino médio e continuar estudando, em um
curso técnico ou em nível superior.
Formação Docente: práticas pedagógicas interdisciplinares na EJA
Os dados acima expostos foram obtidos através do levantamento do Perfil dos
Educandos, uma das nossas ações, que consistiu na elaboração de um questionário
composto por 61 questões utilizadas para entrevistar os discentes14. É um dos
de Santa Rosa que é a parte cercada por favelas, mas não deixa de sofrer os mesmos processos que o
Jardim Santa Rosa, entretanto, nessa parte as contradições são mais visíveis. 14 As entrevistas são realizadas a cada semestre com a turma NEJA I, para manter os dados atualizados.
Os questionários são preenchidos pelos bolsistas a partir do diálogo com os discentes, e cada bolsista fica
responsável por entrevistar um por vez, com o intuito de não tornar a pesquisa superficial. O Perfil dos
Educandos consiste num questionário de 61 questões, dividido em quatro blocos: As informações
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instrumentos que nos permite ir além ao conhecimento do aluno empírico,
possibilitando-nos conhecer o aluno concreto15 da EJA.
Levar em consideração o perfil dos educandos e entender o lugar que o trabalho
ocupa na vida deles é fundamental para o desenvolvimento do trabalho pedagógico. É
compreender que cada um já traz consigo os mais diversos conhecimentos adquiridos ao
longo de sua vida e prática produtiva, mas que por vezes são desconsiderados quando o
princípio educativo do trabalho é negado.
A negação desse princípio atende aos interesses de um sistema capital que se
baseia na exploração de recursos naturais e da mão de obra assalariada. Em razão disso,
é importante diferenciar as dimensões histórica e ontológica do trabalho. Na dimensão
histórica, constata-se o caráter limitador da forma atual, mas, simultaneamente, percebe-
se que sua forma atual foi historicamente construída, e, portanto, é passível também de
transformação pelos homens. Além disso, considerando a dimensão do trabalho como
categoria ontológica da práxis humana, constata-se ser por meio do trabalho que os
seres humanos transformam a natureza e se relacionam com outros homens para a
produção da sua existência. É importante salientar que as duas dimensões do trabalho, a
ontológica e a histórica, não são antagônicas. A ontológica16 pressupõe a histórica, ou
seja, uma dada formação em sua historicidade.
O trabalho é entendido aqui sob a forma exclusivamente humana. O trabalho
proporciona ao homem apropriar-se da natureza e constituir-se enquanto gênero
humano; categoria que funda a ontologia social, cuja centralidade determina a vida
humana em todas as formas sociais. Assim, o trabalho humano "não transforma apenas
o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha
conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e
pessoais dos alunos (idade, escolaridade dos pais etc.); relações com o trabalho; relações com a escola; e
outras coisas de sua vida (como religião, formas de lazer etc.). 15 Com explica Saviani, para o aluno concreto, enquanto síntese de relações sociais, é fundamental passar
a visão de senso comum para uma visão articulada, de base científica e ter acesso a conteúdos (1997). 16 A ontologia do trabalho é anterior ao marxismo. Adam Smith e David Ricardo, representantes da escola
liberal clássica (denominada por Marx também de economia burguesa), já discutiam o trabalho como
elemento central na construção do ser humano. Sob o referencial materialista histórico-dialético, o
elemento ontológico é construído histórica e socialmente, não se tratando de um elemento de natureza
metafísica ou da essência humana e, por isso, distingue o ser humano do animal.
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ao qual tem de subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito."
(MARX, 1980, p. 202).
Nessa perspectiva, o homem, ao imprimir “ao material o projeto que tinha
conscientemente em mira”, diferencia-se qualitativamente dos outros animais, constitui
o modo de existir exclusivamente humano e torna-se um produtor de conhecimento e
cultura. A compreensão desse vínculo entre atividade material e produção intelectual é
fundamental: a produção de conhecimentos pela humanidade está atrelada à forma
como os homens produzem a sua existência por meio do trabalho. Isto demonstra a falsa
dicotomia “mundo do trabalho” / “mundo da cultura” que marca a sociedade de classes
e, em especial, a sociedade capitalista. Nesse sentido, o fato de os possuidores dos
meios de produção e seus representantes serem os detentores do saber científico –
enquanto aos vendedores de força de trabalho cabe o saber prático, adquirido na
experiência do trabalho vivo – deve ser entendido a partir do modo como os homens
organizam a produção da sua vida material (SAVIANI, 1994; 1997).
Embora o trabalho seja produção da existência e, portanto, construtor da história,
nós vivenciamos de forma mais contundente a forma alienada de trabalho, que se
materializa no mercado de trabalho (formal ou informal), sob o jugo do sistema
socioeconômico no atual modo de produção da existência. Todavia, para que a educação
seja um instrumento do processo de humanização, o trabalho deve aparecer em sua
forma mais ampla (como princípio educativo) em uma educação mais completa, em
todas as suas dimensões (formação humana omnilateral), e não como simples
operacionalidade, sob a forma de resposta às necessidades de treinamento e adaptação
dos homens para o mercado de trabalho.
Levando-se em conta o que foi dito, convém destacar a dupla natureza do
trabalho: tanto na generalidade, por seu caráter ontológico, de capacidade de produzir
para satisfazer suas necessidades; quanto na particularidade, por sua especificidade
histórica, cuja prática econômica é definida pelo modo de produção. Ambas são
essenciais para que o trabalhador se reconheça como sujeito capaz de lutar contra sua
própria alienação e exploração e, assim, por sua transformação social.
Nesse sentido, ações pedagógicas na educação de jovens e adultos trabalhadores
exigem que sua organização curricular tenha como referência o trabalho tanto na
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perspectiva deste como categoria central do currículo, quanto na defesa de que o
processo educativo não pode se subordinar às demandas do processo produtivo e do
mercado de trabalho. Deste modo, a relação entre processo de trabalho e processo de
produção do conhecimento deve-se realizar de maneira muito mais ampla do que uma
formação apenas funcional ao mercado de trabalho, formal ou informal.
A ausência da perspectiva acima mencionada nas análises sobre a EJA, pautada
no enfrentamento das determinações estruturais que cindem a sociedade de classes em
interesses antagônicos, parece ter contribuído, significativamente, para a reiteração da
mesma lógica de subalternidade nas concepções e nas práticas para a área. A educação,
na perspectiva conformadora à ordem, toma a realidade social como algo dado, sem
questionamentos sobre as contradições – que, por meio das relações sociais, produzem a
realidade – e, como consequência, materializa propostas pedagógicas adaptativas, não
delineadas para soluções estruturais, mas por meio da naturalização das desigualdades
sociais.
Buscando superar esse quadro, a realização do projeto Perfil dos Educandos da
EJA é uma ferramenta que visava a auxiliar os professores e a direção do Colégio
Estadual Guilherme Briggs na busca do desenvolvimento de uma metodologia que
considere o estudante em sua integralidade de ser humano e ser social e em sua
especificidade de aluno trabalhador. Após realizar as entrevistas, as respostas são
tabuladas com a finalidade de produzir gráficos sobre as principais delas e, assim,
conhecer o perfil do estudante da EJA no CEGUIB. Informações importantes como
faixa etária da maioria dos discentes - a remuneração média, a carga horária de trabalho,
o tempo de que dispõem para estudar, o que conhecem e pensam sobre a escola, entre
outras – passam a ser conhecidas pelos professores e direção podendo vir a contribuir
com o Projeto Político Pedagógico.
No primeiro semestre de 2014 os dados do Perfil do Educando foram
apresentados ao conselho de classe e discutidos com os docentes e a equipe pedagógica,
e no semestre seguinte a apresentação incluiu os discentes, articulando as discussões
sobre condições de vida e necessidades da classe trabalhadora. Assim, em 2015, para
potencializar a divulgação e o debate entre o perfil e os próprios estudantes, foi
elaborado o Projeto de produção audiovisual, que pretendia registrar, por meio de um
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curta-metragem17, o trabalho produzido com o perfil, proporcionando que os estudantes
pudessem contar suas histórias e, assim, dar vida aos dados levantados no perfil.
Foram realizadas oficinas de filmagens para introduzir o uso da aparelhagem de
filmagem, em parceria com o Observatório Jovem/LIDE UFF, sendo um momento
significativo de aprendizagem para os bolsistas, futuros professores. Concluídas as
entrevistas, o material gravado passou por um intenso processo de edição. Após a
finalização dessa edição, o resultado do curta-metragem foi apresentado à escola em
uma confraternização realizada pela equipe PIBID, bem como os dados do Perfil, fotos
das atividades desenvolvidas ao longo do ano com a turma, o catálogo de livros
preparado durante o projeto sala de leitura, a fala de uma aluna que obteve ótimos
resultados no vestibular depois de ter participado do projeto ENEM.
Se o Projeto Perfil nos permite conhecer os estudantes, outras ações do
subprojeto desenvolvidas dentro e fora da sala de aula incentivam a ampliação da visão
de mundo dos estudantes, ao discutir as inter-relações entre diversidade cultural e
desigualdade social.
Uma delas está relacionada à literatura e muito contribui para ampliar a
compreensão que o discente tem do social, de si mesmo e do outro, servindo de apoio
para romper com os paradigmas da colonialidade (CASTRO-GOMÉZ, 2005), quando
articulada com o conteúdo discutido em aula. Falamos aqui do Projeto Sala de Leitura
que tem por objetivo incentivar a aproximação dos estudantes da EJA, em sua maioria
trabalhadores de horário integral, com a sala de leitura do CEGUIB, dotada de um
acervo de mais de 8 mil títulos, dos quais são selecionados cerca de 10 a 15 que têm
relação com os conteúdos do Planejamento Coletivo e foram apresentados à classe, a
fim de que sejam discutidos e emprestados.
Como produto desse projeto, podemos citar o catálogo que oferece uma análise
de livros voltados para a EJA, para facilitar a utilização dos mesmos, estimulando o
conhecimento do material disponível no acervo da sala de leitura para que possa vir ao
encontro de interesses e expectativas de estudantes e professores. Em outros termos,
tivemos o propósito de facilitar a utilização dos livros, favorecendo a escolha dos
mesmos, além da ampliação do empréstimo de livros pelos estudantes da EJA. Tal
17 Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=wGs-sQ-i5-Y&feature=youtu.be>.
transformações do regime de trabalho no Brasil. Através dessas pinturas foi possível
discutir a escravidão, o processo de luta pela liberdade e agência dos próprios escravos
para a conquista da emancipação, a marginalização dos mesmos pós-Lei Áurea, o
racismo e a ação do homem como modificadora do espaço e das instituições. Os
questionamentos sobre as mudanças e permanências lhes possibilitaram a reflexão sobre
o caráter das mudanças e a importância da mobilização da classe trabalhadora para uma
transformação estrutural da sociedade.
Em suma, conteúdos como diversidade cultural e desigualdade social e
interculturalidade e educação, centrais nas ciências humanas, foram trabalhados por
professores de história e geografia através de aulas em duplas, acompanhados dos
licenciandos, mediante um processo coletivo e interdisciplinar de organização e com
aulas inspiradas na pedagogia histórico-crítica quanto ao processo de construção do
conhecimento. Tudo isso, com o uso de recursos diversos, como filmes, leituras
variadas, slides, visitas, debates, entre outros, a fim de incentivar a desconstrução de
preconceitos, a valorização e o respeito ao que é diferente, a elaboração coletiva e
individual do conhecimento, o desenvolvimento da leitura literária e de mundo, a
produção de cartazes e textos, a pesquisa dentro e fora da biblioteca escolar e a reflexão
sobre a educação e sua própria realidade social.
Considerações sobre a realidade enfrentada e suas possibilidades
Além da formação discente, esse trabalho coletivo nos permitiu o
desenvolvimento de uma formação docente que se realizou desde o momento do contato
com a educação escolar e suas problemáticas. Entende-se que essa formação deve
compreender a vivência do ambiente escolar, o conhecimento das dificuldades e dos
desafios da educação brasileira como um todo ou em escala. Esse é um ponto
importante do subprojeto: a possibilidade de reconhecimento da escola pública que,
através de experiências reais e do exame das dificuldades encontradas, é desafiada a
desenvolver coletivamente a sua prática compreendendo que o conhecimento
sistematizado é expressão de necessidades sociais historicamente situadas, que se
constrói o conhecimento por aproximações e que ele é resultado da nossa capacidade de
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desvelar o maior número possível de aspectos do cotidiano social, a fim de que este seja
um instrumento a mais na transformação da realidade.
Dentre as inúmeras dificuldades, a lógica mercantilista e meritocrática das
medidas implementadas pela SEEDUC-RJ acentuou nos últimos anos a já difícil
situação dos professores com baixos salários, desvalorização profissional e más
condições de trabalho. A política adotada "de cunho economicista”, se compromete com
as necessidades do mercado e seus ideais de empregabilidade e empreendedorismo,
presentes no atual Plano Nacional de Educação sob a égide do movimento “Todos pela
Educação” (TAMBERLINE, 2015, p. 9).
A SEEDUC/RJ elege um currículo fragmentado e mínimo para cada nível e
modalidade. Nesse cenário, a realização de um trabalho coletivo e interdisciplinar é
muito difícil, uma vez que toda a organização do tempo e espaço tende a favorecer o
isolamento docente e a divisão do trabalho na escola. Presenciamos na rede estadual
fluminense um sistema de gestão, regido por ações padronizadas, com foco em
resultados e metas de produtividade, enfim, uma pedagogia de caráter neotecnicista
conforme análise realizada por Saviani (2008).
Em um contexto de crise econômica do Estado, a educação é um dos setores
mais afetados com os cortes de gastos do governo, reduções no quadro de funcionários
terceirizados, atrasos e parcelamento de vencimentos dos docentes e equipe
administrativa. A partir de gastos com megaeventos22, isenções fiscais a empresas
privadas e a redução dos royalties do petróleo23, a comunidade escolar passa por
dificuldades que intensificam a precarização da educação pública estadual.
Na maioria das escolas da rede estadual do Rio de Janeiro, os impasses
encontrados no sistema educacional referem-se desde às baixas remunerações salariais
até o sucateamento dos equipamentos necessários para o funcionamento diário das
escolas. Os docentes se veem obrigados a ampliar sua jornada de trabalho, atuando em
22 “Ao longo da quase década 2007-2016, o Rio de Janeiro terá recebido quase um megaevento (esportivo
ou não) por ano: Jogos Pan-americanos de 2007, FifaFanFest de 2010, Rock in Rio de 2011, Rio+20 de
2012 (ano em que o Rio entrou também no patrimônio da humanidade da UNESCO na categoria
“Paisagem cultural”), Jornadas Mundiais da Juventude e Copa das Confederações ambas de 2013, Copa
do Mundo de 2014, e finalmente o summum, as Olimpíadas de 2016” (LABARRE, 2013, p. 44). 23 Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/arrecadacao-com-royalties-do-
petroleo-cai-25-em-2015.html>. Acesso em 02 de maio de 2016.
várias escolas e vários turnos, além de participarem de projetos externos remunerados,
comprometendo a atuação autônoma do professor, que se vê, em geral, induzido a
reproduzir o conhecimento através de materiais prescritivos, numa lógica de ensino
onde este não participa do processo de produção do conhecimento24.
Os problemas citados até este momento podem ser contextualizados dentro de
uma política de desvalorização do ensino público e do trabalho do professor. A baixa
remuneração aliada a uma excessiva carga horária, em busca de complementos salariais,
inibe e restringe ainda mais o trabalho docente. A falta de tempo para planejamento
coletivo entre professores é um problema grave, que a secretaria de educação resolve
distribuindo para os mesmos materiais didáticos metódicos que desconsideram as
especificidades locais, e um extenso plano anual de conteúdos, dificultando a realização
de atividades extracurriculares.
Outra consequência dessa política de desvalorização e burocratização é a não
distribuição para todos os alunos da NEJA dos mais básicos recursos educacionais,
como livros didáticos, bem como a não disponibilidade de recursos eletrônicos ou
mesmo fotocópias. No CEGUIB a utilização de mídias audiovisuais fica restrita a uma
sala especial que deve atender à demanda de todo o colégio, sendo necessário reservá-
las com longa antecedência. A dificuldade de acesso a materiais pedagógicos na rede
estadual, por muitas vezes, força o educador a utilizar recursos próprios a fim de
dinamizar suas aulas.
Os cortes orçamentários também levaram a um controle da alimentação na
escola, restringindo-a exclusivamente aos estudantes. Ainda assim, esta não garantia
uma base nutricional adequada25, ferindo, dessa forma, a legislação federal26. A
dificuldade de alimentação dos alunos é um agravante para a sua permanência nas aulas,
principalmente na EJA, pois a merenda escolar facilita seu trajeto do trabalho para a
escola.
24 Devido ao acúmulo de demandas da classe e de sucessivos atrasos de vencimentos salariais, os
docentes vinculados à SEEDUC e à FAETEC iniciaram uma greve no mês de março de 2016. 25 Indica-se que a alimentação tenha como base alimentos frescos e minimamente processados, além de
evitar os ultraprocessados. Disponível em <http://www.brasil.gov.br/saude/2014/11/ministerio-da-saude-
lanca-guia-alimentar-para-a-populacao-brasileira> Acesso em 02 de maio de 2016. 26 Lei n. 11.947, de 16 de junho de 2009.