IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64 “EIS AQUI O REMÉDIO IDEAL!”: NACIONALISMO E EDUCAÇÃO SANITÁRIA NAS PUBLICIDADES DOS ALMANAQUES DE FARMÁCIA (1942 – 1945) Caroline de Lara 1 Introdução Catálogos de remédios, manuais para a saúde e mecanismo de inserção de novos ideais de modernidade e higiene, os almanaques 2 de farmácia foram publicações que percorreram todo Brasil desde fins do século XIX, sendo editados todos os anos pelos laboratórios de medicamentos e distribuídos gratuitamente pelas farmácias de todo o país. Além de mostruário de medicamentos, era possível encontrar nesses almanaques conteúdos como calendário lunar e religioso, curiosidades, dicas domésticas e materiais de humor, como piadas e charges. Para Nova, essas publicações são consideradas como pequenas enciclopédias, as quais expunham um “[...] saber resumido, extraído do saber oficial; pequena biblioteca de livros catalogados, mas somente abreviados; reunião de conhecimentos esparsos, 1 Bacharel em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e aluna do Programa de Pós- graduação em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected]2 Baseando-se no verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho de 1990, Maria das Graças Sandi Magalhães diz que o termo almanaque tem origem da palavra árabe almanach, e significa “o cômputo” ou “a coragem”. O mesmo verbete faz uma descrição dos diversos almanaques existentes desde a Antiguidade, como os de conteúdo cultural e científicos, bem como os primeiros almanaques editados no Brasil, por exemplo, o Almanach da Corte do Rio de Janeiro para o anno de 1811. A respeito dos almanaques de farmácia, a enciclopédia citada utiliza esse termo para descrever as publicações no Brasil principalmente nos anos 20, citando os mais famosos, como Almanach Illustrado de Bristol; o Almanak do Biotônico e o Almanack d’A Saúde da Mulher. MAGALHÃES, Maria das Graças Sandi. Higiene e cuidados com a criança: as lições dos almanaques de farmácia – 1920 a 1950. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt02/p025.pdf >. Acesso em: 07 jun. 2013.
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IV CONGRESSO SERGIPANO DE HISTÓRIA & IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA DA ANPUH/SE
O CINQUENTENÁRIO DO GOLPE DE 64
“EIS AQUI O REMÉDIO IDEAL!”: NACIONALISMO E
EDUCAÇÃO SANITÁRIA NAS PUBLICIDADES DOS
ALMANAQUES DE FARMÁCIA (1942 – 1945)
Caroline de Lara1
Introdução
Catálogos de remédios, manuais para a saúde e mecanismo de inserção de novos
ideais de modernidade e higiene, os almanaques2 de farmácia foram publicações que
percorreram todo Brasil desde fins do século XIX, sendo editados todos os anos pelos
laboratórios de medicamentos e distribuídos gratuitamente pelas farmácias de todo o
país. Além de mostruário de medicamentos, era possível encontrar nesses almanaques
conteúdos como calendário lunar e religioso, curiosidades, dicas domésticas e materiais
de humor, como piadas e charges.
Para Nova, essas publicações são consideradas como pequenas enciclopédias, as
quais expunham um “[...] saber resumido, extraído do saber oficial; pequena biblioteca
de livros catalogados, mas somente abreviados; reunião de conhecimentos esparsos,
1 Bacharel em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e aluna do Programa de Pós-
graduação em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. E-mail: [email protected] 2 Baseando-se no verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira de Afrânio Coutinho de 1990, Maria
das Graças Sandi Magalhães diz que o termo almanaque tem origem da palavra árabe almanach, e
significa “o cômputo” ou “a coragem”. O mesmo verbete faz uma descrição dos diversos almanaques
existentes desde a Antiguidade, como os de conteúdo cultural e científicos, bem como os primeiros
almanaques editados no Brasil, por exemplo, o Almanach da Corte do Rio de Janeiro para o anno de
1811. A respeito dos almanaques de farmácia, a enciclopédia citada utiliza esse termo para descrever as
publicações no Brasil principalmente nos anos 20, citando os mais famosos, como Almanach Illustrado de
Bristol; o Almanak do Biotônico e o Almanack d’A Saúde da Mulher. MAGALHÃES, Maria das Graças
Sandi. Higiene e cuidados com a criança: as lições dos almanaques de farmácia – 1920 a 1950.
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debate científico e artístico [...] expressando também uma sintonia de
certa forma obrigatória com determinado conjunto de questões nem
sempre claras para os sujeitos envolvidos.4
Logo, a transição das práticas populares de cura para o uso de medicamentos
industrializados, considerados aqui com um dos elementos que compõe essa
modernização horizonte da Era Vargas e utilizado como baliza para os questionamentos
enfatizados nesse projeto, ocorreu desde início do século XX principalmente com maior
aproximação entre educação e saúde a qual, segundo Chaves “[...] expressava o desejo
de transformação da sociedade brasileira e da percepção de que as mudanças aspiradas
teriam que se pautar em conhecimentos e saberes científicos [...]” 5.
Assim, durante a década de 1910 esse elo entre educação e saúde foi
intensificado, com intenção de salvaguardar a população brasileira do destino que se
acreditara ser reservado “[...] devido à mistura de raças e ao clima tropical do país. [...]
Ignorante e doente, ele precisava ser resgatado [...]” 6, logo caberia à educação e à
moderna medicina direcionar este cidadão para o caminho do progresso.
4 HERSCHMANN, Micael M.; PEREIRA, Carlos Alberto Messeder. O imaginário moderno no Brasil.
In: _______ (Orgs.). A invenção do Brasil moderno. Medicina, educação e engenharia nos anos 20 – 30.
Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.15. 5 CHAVES, Niltonci Batista. Entre “preceitos” e “conselhos”: discursos e práticas de médicos –
educadores em Ponta Grossa/ PR (1931 – 1953). Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná,
Curitiba, 2011, p.32. Disponível em: <
http://www.ppge.ufpr.br/teses/D11%20Niltonci%20Batista%20Chaves.pdf>. Acesso em 24 abr. 2013. 6 BERTUCCI, Liane Maria. Dois momentos, um ideal: educação e saúde para formar o brasileiro. São
Paulo, 1918; Paraná, 1928. Disponível em: <http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-
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Para Lima e Hochman, a população brasileira durante a Primeira República
(1889-1930), convivia com a ausência de identidade nacional, onde “nenhum
sentimento de nacionalidade era percebido no povo brasileiro.” 7
Intelectuais como Alberto Torres e Manoel Bonfim deslocaram das questões
raciais e climáticas para o âmbito cultural, relacionando este componente para o suposto
atraso do país e apontando alternativas plausíveis para o Brasil. Dessa forma, houve
uma aproximação das críticas em torno do determinismo racial, que ganhava força em
relação à nacionalidade brasileira no decorrer da 1ª Guerra Mundial (1914 – 1918), onde
“uma importante tendência que se consolidou progressivamente consistiu em ver nas
doenças o problema crucial para a construção da nacionalidade.” 8
Importante observar que esse era o momento que os efeitos causados por esse
conflito estimularam o movimento pelo saneamento do nacional. Assim como no
exterior, houve no Brasil um fortalecimento de questões sobre a fundação, ou
recuperação de uma nacionalidade via civismo, saúde e alfabetização, reunindo e
contando com o apoio de intelectuais das elites e da política nacional.
Segundo os autores acima citados, os intelectuais engajados em tal movimento,
além de debater ideias já existentes, promoveram novas discussões, como o abandono
do sertanejo pelo poder público e a doença como principal característica do povo
brasileiro, os quais encabeçaram uma campanha pelo saneamento rural, onde esta
ganhava mais peso na medida em que as expedições científicas9 confirmavam tais
7 LIMA, Nísia Trindade; HOCHMAN, Gilberto. Condenado pela raça, absolvido pela medicina: O Brasil
descoberto pelo movimento sanitarista da Primeira República. In: Raça, ciência e sociedade. Rio de
Janeiro: FIOCRUZ/CCBB, 1996, p. 26. 8 Ibid., p. 25. 9 Segundo Gilberto Hochman em seu artigo Logo ali, no final da avenida: Os Sertões redefinidos pelo
movimento sanitarista da Primeira República publicado pela Revista História, Ciência, Saúde
Manguinhos, vol.5, 1998, afirma que a base para os discursos de médicos e higienistas durante a década
de 1910, foi o relatório da expedição médico-científica do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) de 1912. Esta
expedição foi chefiada por Belisário Penna, que percorreu parte do Nordeste e Centro-Oeste, o qual
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dados. A presença da doença no meio rural, causado pelo abandono do poder público,
refletiu na improdutividade do homem, enquanto trabalhador, resultando no entrave
para o desenvolvimento do país.
Assim, as endemias que atacavam a população brasileira passaram a ser tratadas
como um problema político, e não relacionado ao clima tropical e à miscigenação do
povo brasileiro.
Nos anos 1920, com ações políticas em proporções estaduais, o Brasil ganha
alguns contornos referente à modernização, nos âmbitos econômicos e educacionais.
Relacionado a esta, podemos citar as reformas ocorridas nesse período, que visavam
combater o analfabetismo, com participação, por exemplo, de intelectuais engajados
como Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo.
A partir dos anos 1930, já com Vargas no poder, essas ideias ganham uma
configuração reformulada, com medidas educacionais visando combater o
analfabetismo. Tais ações caminhavam segundo Boris Fausto, do centro para a periferia,
colaborando assim para a visão de uma política centralizadora. 10
Nesse sentido, se tem na criação do Ministério da Educação e Saúde Pública
(MESP) em 1930, tendo como visão, a ação centralizadora no que se refere à educação
e saúde, passando a ser controlada por um órgão federal e não restrita aos cuidados
apenas dos estados.
trouxe à luz um diagnóstico sobre o Brasil, que impulsionou a campanha pelo saneamento. Esse relatório
diagnosticou as condições climáticas, sócio-econômicas e a classificação de doenças (nosologia) dessas
regiões, considerando a população como abandonada e doente. Os médicos da expedição descreveram em
seu relatório o povo caboclo e sertanejo como ignorante, causa essa, devido a ausência do sentimento de
identidade nacional, reconhecendo apenas símbolos ligados a religiosidade. Diferentemente do discurso
dos intelectuais do período que justifica a natureza “preguiçosa”, pobre e atrasado do homem do interior,
esse relatório declarava que tal situação ocorria devid o abandono do governo para com essa população,
deixando como herança as endemias rurais e suas consequências. 10 FAUSTO, Boris. O Estado Getulista (1930 – 1945). In: História do Brasil. 2. Ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995, p. 337.
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linguística. Neste momento será utilizado o método sugerido pelos linguistas Torben
Vestergaard e Kim Schroder, presente no livro “A linguagem da propaganda” 28
partindo da análise dos elementos: título, texto e ilustração, com suas respectivas
funções, e o slogan.
As imagens presentes nas publicidades em foco, assim como em outros casos,
não servem apenas como ilustração com intenção de deixar o texto mais colorido e
interessante. Elas não podem ser consideradas, segundo Paiva, como portadoras da
realidade de um determinado período em si, mas trazem “[...] traços, aspectos, símbolos,
representações, dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos, cores e formas nela
cultivadas.” 29
Estas imagens como indícios do passado permitem que compartilhemos os
conhecimentos e experiências não-verbais que se configuraram no passado, permitindo-
nos segundo Peter Burke, “[...] “imaginar” o passado de forma mais vívida. ”30, pois
elas nos instigam para o reconhecimento do processo cultural de dada sociedade em
determinado período, sendo valiosas “[...] na reconstrução da cultura cotidiana de
pessoas comuns [...]” 31, caracterizando-se como evidências da história de um
determinado contexto. Assim as imagens, dentre várias nuances, segundo o autor citado
acima, “[...] são feitas para comunicar.” 32, nos auxiliando para captar as modificações
ocorridas no âmbito da higiene e modernização.
Num total de nove almanaques consultados dentro do recorte temporal utilizado
para a pesquisa, foi possível elencar um total de cento e setenta peças publicitárias. Não
há uma regra sobre sua composição, havendo variações, onde todas são compostas por
28 VESTERGAARD, Torben; SCHRODER, Kim. A linguagem da propaganda. 3. Ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. 29 PAIVA, Eduardo França. História e imagem. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p.19. 30 BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru – SP: Editora EDUSC, 2004, p. 17. 31 Ibid., p. 99. 32 Ibid., p. 43.
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texto, ilustração, linha de assinatura33, e em alguns casos possui título e slogan34, como
no exemplo abaixo:
Figura 3 – Almanach d’A Saúde da mulher, 1941, p. 26.
A autoria, neste caso, assim como no restante das publicidades, não é possível
visualizar devido ausência da assinatura, atitude compreensível, já que em alguns casos,
segundo Gomes, “[...] parte da produção escrita inserida nessas publicações permaneceu
preservada sob a discrição do anonimato. Preferiram a convivência sigilosa e a não
exposição pública, num veículo prioritariamente comercial.” 35, mas sabe-se que “a
ilustração nos almanaques guarda registros de alguns dos mais reconhecidos artistas do
gênero.” 36, como é o caso Kohout, Kalixto, entre outros.
Todas essas características estão presentes nas publicidades elencadas para este
estudo inicial que compoem os almanaques de farmácia utilizados, os quais se
encontram em bom estado de conservação.
33 Temos na linha de assinatura uma relação entre o nome da marca e a situação exposta na publicidade
como um todo. 34 O slogan é de forma simples, uma exposição dos benefícios do produto em questão. 35 GOMES, Mario Luiz. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. Disponível
em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v13n4/11.pdf>. Acesso em 24 jan. 2013. 36 Ibid.