EFEITO LOLITA: A SEXUALIZAÇÃO E OBJETIFICAÇÃO FEMININA POR MEIO DA MÍDIA, EM UMA ANÁLISE DA FANPAGE DA CAPRICHO NO FACEBOOK Pâmela Rocha Vieira 1 Resumo Este estudo analisa o conteúdo da fanpage da Capricho no Facebook, por meio da coleta de postagens realizadas entre agosto e setembro de 2015. As informações foram interpretadas e aqui expostas com base na teoria do Efeito Lolita, sistematizada pela autora Meenakshi Gigi Durham (2009) e discorre sobre o papel da mídia na sexualização precoce e objetificação feminina. A abordagem do tema leva em conta o contexto de sociedade midiatizada e de consumo, problematizando o papel social da mulher e relações de gênero na contemporaneidade, com ênfase na adolescência e as relações dessa fase da vida com os padrões de beleza, consumo e comportamento. Palavras-chave: mulher, machismo, mídia, consumo e padrão de beleza. Partindo do pressuposto de que os meios de comunicação são grandes responsáveis pela construção da visão de mundo, especialmente nos tempos atuais de sociedade midiatizada (Sodré, 1996) e considerando que a mídia forja padrões de beleza e comportamento, coloca-se uma interrogação acerca do papel dos meios de comunicação na questão dos gêneros. Aqui, nosso olhar está focado para a raiz da questão: as meninas, na fase da adolescência. A professora e pesquisadora em Comunicação Meenaskhi Gigi Durham, da Universidade de Iowa, realizou estudos pioneiros sobre como os meios de comunicação de massa afetam a formação das meninas, concluindo que temos como efeito uma sexualização precoce. A partir daí, cunhou o termo Efeito Lolita 2 . Na obra “The Lolita Effect: the media 1 Aluna do mestrado no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Email: [email protected]2 Referência à personagem principal do romance Lolita, de Vladimir Nabokov, que conta a história de uma jovem adolescente de 12 anos que seduz um poderoso homem mais velho.
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EFEITO LOLITA: A SEXUALIZAÇÃO E OBJETIFICAÇÃO … · efeito lolita: a sexualizaÇÃo e objetificaÇÃo feminina por meio da mÍdia, em uma anÁlise da fanpage da capricho no facebook
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EFEITO LOLITA: A SEXUALIZAÇÃO E OBJETIFICAÇÃO FEMININA POR
MEIO DA MÍDIA, EM UMA ANÁLISE DA FANPAGE DA CAPRICHO NO
FACEBOOK
Pâmela Rocha Vieira1
Resumo
Este estudo analisa o conteúdo da fanpage da Capricho no Facebook, por meio da coleta de
postagens realizadas entre agosto e setembro de 2015. As informações foram interpretadas e
aqui expostas com base na teoria do Efeito Lolita, sistematizada pela autora Meenakshi Gigi
Durham (2009) e discorre sobre o papel da mídia na sexualização precoce e objetificação
feminina. A abordagem do tema leva em conta o contexto de sociedade midiatizada e de
consumo, problematizando o papel social da mulher e relações de gênero na
contemporaneidade, com ênfase na adolescência e as relações dessa fase da vida com os
padrões de beleza, consumo e comportamento.
Palavras-chave: mulher, machismo, mídia, consumo e padrão de beleza.
Partindo do pressuposto de que os meios de comunicação são grandes responsáveis
pela construção da visão de mundo, especialmente nos tempos atuais de sociedade
midiatizada (Sodré, 1996) e considerando que a mídia forja padrões de beleza e
comportamento, coloca-se uma interrogação acerca do papel dos meios de comunicação na
questão dos gêneros. Aqui, nosso olhar está focado para a raiz da questão: as meninas, na fase
da adolescência.
A professora e pesquisadora em Comunicação Meenaskhi Gigi Durham, da
Universidade de Iowa, realizou estudos pioneiros sobre como os meios de comunicação de
massa afetam a formação das meninas, concluindo que temos como efeito uma sexualização
precoce. A partir daí, cunhou o termo Efeito Lolita2. Na obra “The Lolita Effect: the media
1 Aluna do mestrado no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Territorialidades da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Email: [email protected] 2 Referência à personagem principal do romance Lolita, de Vladimir Nabokov, que conta a história de uma jovem adolescente de 12 anos que seduz um poderoso homem mais velho.
sexualization of young girls and what we can do about it”, Durham expõe sua pesquisa
sobre a temática.
A Capricho foi escolhida para este estudo pela longa trajetória de diálogo com o
público adolescente feminino, desde o ano de 1952. O site oficial da revista traz como
definição do produto “os serviços mais relevantes para as meninas de 13 a 17 anos”. A
relevância desse conteúdo é contestada vez ou outra. Em agosto de 2013, numa das mais
recentes polêmicas protagonizadas pela Capricho, a revista recebeu uma avalanche de críticas
e acusações de machismo por um texto publicado em seu site. O texto separava as meninas
entre adequadas para namorar e adequadas para “ficar”, estas sendo úteis apenas para diversão
de uma noite.
A frequente publicação de conteúdos a respeito de beleza também é questionável
como um serviço relevante para adolescentes. O reforço dos padrões de beleza e a vinculação
excessiva do universo feminino com o mundo da moda produz uma visão estereotipada do
papel social da mulher. De toda sorte, a audiência e a longevidade dos veículos são mostras
do seu sucesso na “conversa” com o público adolescente.
O estudo do Efeito Lolita aborda a sexualização feminina em idade precoce e de
maneira inadequada, incentivada pelos meios de comunicação de massa. Ao tratar do tema,
Durham (2009) deixa clara a preocupação com a vivência de uma sexualidade saudável,
formada em um ambiente seguro e com amplas possibilidades de debate. Dessa forma, parte –
se da premissa de que o sexo e a sexualidade são coisas normais e naturais e as meninas
devem ser educadas com a liberdade de desfrutá-los ao máximo. Nesse ponto, grande parte
dos veículos de comunicação presta um desserviço ao público, uma vez que reforçam a
repressão e controle sobre a sexualidade das garotas, muitas vezes travestidos sob uma falsa
libertação.
A autoria batizou de Efeito Lolita o conjunto de mitos sobre a sexualidade das garotas,
com ampla circulação em nossa cultura e que tem o intuito de limitar, minar e restringir o
progresso sexual de crianças e adolescentes do sexo feminino. Para funcionar, o Efeito Lolita
se apoia em cinco mitos: “se você tem, exiba”; “anatomia de uma deusa do sexo”; “as garotas
bonitas”; “ser violento é sexy” e “do que os rapazes gostam”.
O primeiro mito analisado é o “se você tem, exiba”. Examinando essa construção,
Durham (2009) analisa os incentivos da indústria midiática para que as garotas exibam o
corpo com roupas curtas e fotos provocantes em redes sociais. Esses incentivos são baseados
na premissa de ser hot, o que também significa ser sexy. À primeira vista, isso parece
libertador e exitoso, visto que o modo como as mulheres se vestem ainda é alvo de tabus. No
entanto, o encorajamento para a exibição do corpo é bastante direcionado: o corpo a ser
exibido deve ser magro, definido, com tônus muscular, sem nenhum tipo de deficiência física
e preferencialmente branco.
A mídia dirigida às adolescentes capitaliza os incentivos à sensualidade feminina. Não
faltam dicas de roupas, cosméticos e outras formas de consumo voltados à aparência feminina
e que reforçam a construção do corpo feminino atraente, que chama a atenção. Por outro lado,
ofensas como “galinha” e “vadia” ainda são ouvidas por inúmeras mulheres, especialmente de
acordo com o modo como se vestem ou se maquiam. Isso confirma o espectro conservador e
retrógrado que ainda marca a sexualidade feminina, mesmo quando o discurso parece
libertador.
O segundo mito que constitui o Efeito Lolita é o “anatomia da deusa do sexo” e
reflete sobre o padrão de beleza reforçado pela mídia, comparado com o corpo da boneca
Barbie. Convertendo as medidas da boneca para uma “escala humana”, a Barbie seria uma
mulher de 1,75 m, com 45 cm de cintura, 91 cm de seios, 83 cm de quadris e pesaria 50 kg.
Ela seria incapaz de ficar de pé e os órgãos internos não teriam espaço de acomodação. 3
Algumas campanhas do tipo “ame o seu corpo” são endossadas vez ou outra por
veículos de público alvo feminino. No entanto, mesmo nessas ocasiões, os corpos exibidos
variam dentro de um padrão bastante restrito. Não há representações de mulheres realmente
obesas e quando há, estão ligadas ao fracasso, anunciando alguma dieta e outras formas de
perder peso. Assim, a mensagem do “ame o seu corpo” é ofuscada pela constante celebração
visual e discursiva do corpo esbelto e bem definido. Mas a mensagem transmitida aos leitores
(e principalmente às leitoras) é que basta esforço, empenho e comprometimento para
conseguir o corpo desejado. Essa lógica está inserida nos hábitos contemporâneos de consumo
3 Experimento realizado pelo site estadunidense Rehabs, que reúne instituições de reabilitação para usuários de álcool e outras drogas, além de transtornos como a bulimia.
excessivo, numa realidade em que todos os indivíduos compartilham um espaço social em
comum: o mercado. (Bauman, 2008).
O terceiro mito é denominado “garotas bonitas” e trata da juventude como um
objetivo de beleza ideal, que se encaixa no padrão. Durham (2009) considera essa associação
da beleza com juventude como uma insinuação ao fruto proibido. Para corroborar essa
hipótese, a autora cita exemplos do uso de fantasias colegiais como roupas sensuais, em
posturas apelativas, tal qual no clipe Baby One More Time, da cantora Britney Spears.
No Brasil, um bom exemplo disso é a escolha de atrizes cada vez mais jovens em
novelas, contracenando com atores que já eram galãs há anos e, portanto são bem mais velhos
que as atrizes. O objetivo dessa observação, inclusive publicada no blog Socialista Morena4,
não é criticar os relacionamentos entre pessoas de idades diferentes, mas sim chamar a
atenção para o fato de que a juventude como uma condição de beleza recai sobre a mulher.
Outra observação interessante é a de utilizar atrizes/modelos mais velhas e
desempenhando papéis mais jovens, com auxílio de maquiagem, roupas e estilo específico.
“A sexualidade feminina ideal é jovem, ou mesmo infantil” (DURHAM, 2009, p.121). Essa
associação, entre juventude feminina e sensualidade, reforça os traços de infantilização de
mulher, colocando a figura feminina como indefesa, frágil e incapaz, o que reflete uma
construção evidentemente machista. Um agravante disso é a ideia de que as garotas são
cúmplices dessa construção cultural, como se elas escolhessem estar preocupadas com a
beleza desde muito jovens e também como se a preocupação em perpetuar a aparência jovem
fosse uma livre escolha.
As representações hiperssexuais de garotas jovens levam a questionar o motivo disso.
Uma possível resposta é que se trata de “um movimento de resistência patriarcal contra o
feminismo” (DURHAM, 2009, p.130). Diante da incapacidade machista em lidar com as
conquistas sociais e políticas das mulheres, alguns homens veem nas jovens garotas uma
possibilidade mais simples de adaptação ao molde convencional da sexualidade feminina. É
como se elas fossem uma ameaça menor que as mulheres adultas, representando uma
sexualidade submissa e dócil.
4 Endereço: http://www.socialistamorena.com.br/o-estranho-fenomeno-do-gala/ Acesso em 28/08/2015.
especialmente como uma forma de dominação sobre a mulher. Afinal, como defendido pela
autora feminista Brownmiller (1975), o estupro não é apenas um crime sexual, mas se refere a
uma relação de poder abusiva, na qual os homens buscam manter as mulheres num estado de
medo permanente.
Finalmente, o quinto mito trata da heterossexualidade tradicional. Intitulado como “do
que os rapazes gostam”, Durham (2009) analisa a autoridade discursiva do homem sobre a
mulher e como isso se apresenta nos meios de comunicação. É como se os rapazes
impusessem os critérios e, a partir daí, as meninas tivessem que buscar a adequação para
agradá-los. Essa prerrogativa reforça a autoridade do discurso masculino até mesmo nas
publicações voltadas para mulheres, ou seja: as vozes dos rapazes exercem enorme autoridade
sobre as temáticas que as revistas e publicações adolescentes categorizam como de interesse
das garotas nessa faixa-etária.
Em agosto de 2013, a Capricho protagonizou uma polêmica6 que corrobora o exposto
neste mito. Na ocasião, um colunista online da revista publicou um texto em que categorizava
as mulheres entre “garotas para ficar” e “garotas para namorar”. Segundo o critério do
colunista, as “garotas para ficar” são aquelas adequadas para proporcionar a diversão por uma
noite, que são bonitas mas não têm outros atributos importantes, como uma conversa
interessante. Já as “garotas para namorar” são as que sabem se comportar, apoiam o garoto
incondicionalmente e têm maturidade nas decisões.
Esse tipo de categorização também reafirma a associação do prazer sexual masculino
com a violência e o poder, como aquele que decide sozinho sobre sexo e relacionamento,
enquanto a mulher ocupa o lugar da sujeição. “É como se o sexo para as garotas tivesse de
significar uma experiência infeliz” (DURHAM, 2009, p.166). Diante disso, as jovens não
encontram espaço para decisões seguras e proativas a respeito da própria vida sexual e
chegam à vida adulta com a ideia consolidada de que as experiências afetivas e sexuais têm o
objetivo de garantir a satisfação do homem.
6 O texto foi retirado da página, mas ainda pode ser lido em: http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2013/08/menina-pra-ficar-ou-pra-namorar-como.html. Acesso em 01/09/2015.