4 Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde 1 Ricardo Burg Ceccim 2 1 Este texto é tributário das discussões e do compartilhamento intelectual com Laura Feuerwerker e com colegas do Deges. 2 Doutor em saúde coletiva; professor de Educação em Saúde na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; ex-diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (Deges), do Ministério da Saúde. Resumo Este artigo apresenta o processo de construção da política de educação per- manente estabelecido pelo Ministério da Saúde. A formação dos Pólos de Educação Permanente é retratada como uma opção renovadora que permite a reflexão dos diversos atores participan- tes da gestão do SUS sobre os proces- sos e proposições em educação em saúde, decorrente das reais necessida- des para a implementação e fortaleci- mento do SUS. Palavras-chave Educação permanente em saúde, pó- los de educação, políticas de forma- ção. Permanent Education in Health: decentralization and dissemination of the pedagogic capacity in health. Abstract This article presents the constructi- on process of the permanent education politics settled by the Health Depart- ment (Surgeon General). The constitu- tion of the Permanent Education main places is portrayed as a renovating op- tion that allows the reflection of the several actors that participate of the SUS administration about the processes and propositions in health education, origi- nated from the real needs for the im- plementation and strengthening of SUS. Key-Words Permanent education in health, edu- cation main places, education consti- tution politics. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004
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Educação permanente em saúde:
descentralização e disseminação de
capacidade pedagógica na saúde1
Ricardo Burg Ceccim2
1 Este texto é
tributário das
discussões e
do compartilhamento
intelectual com Laura
Feuerwerker e com
colegas do Deges.
2 Doutor em saúde
coletiva; professor de
Educação em Saúde
na Universidade
Federal do Rio Grande
do Sul; ex-diretor do
Departamento de
Gestão da Educação
na Saúde (Deges), do
Ministério da Saúde.
Resumo
Este artigo apresenta o processo deconstrução da política de educação per-manente estabelecido pelo Ministérioda Saúde. A formação dos Pólos deEducação Permanente é retratada comouma opção renovadora que permite areflexão dos diversos atores participan-tes da gestão do SUS sobre os proces-sos e proposições em educação emsaúde, decorrente das reais necessida-des para a implementação e fortaleci-
mento do SUS.
Palavras-chave
Educação permanente em saúde, pó-los de educação, políticas de forma-
ção.
Permanent Education in Health:
decentralization and dissemination
of the pedagogic capacity in health.
Abstract
This article presents the constructi-on process of the permanent educationpolitics settled by the Health Depart-ment (Surgeon General). The constitu-tion of the Permanent Education mainplaces is portrayed as a renovating op-tion that allows the reflection of theseveral actors that participate of the SUSadministration about the processes andpropositions in health education, origi-nated from the real needs for the im-plementation and strengthening of SUS.
Key-Words
Permanent education in health, edu-cation main places, education consti-tution politics.
A educação permanente emsaúde constitui estratégia fundamentalàs transformações do trabalho no se-tor das políticas públicas de saúde.Para que o trabalho em saúde seja lu-gar de atuação crítica, reflexiva, pro-positiva, compromissada etecnicamente competente, há necessi-dade de descentralizar e disseminarcapacidade pedagógica no setor, entreseus trabalhadores e entre os gestoresde ações, serviços e sistemas de saú-de, constituindo o Sistema Único deSaúde (SUS) como uma rede-escola.
Passados 13 meses da publica-ção portaria ministerial que deu orde-namento inicial à estruturação e aofuncionamento da educação permanen-te em saúde como política de gestãodo SUS, já existem no país 96 articula-ções interinstitucionais e locorregionaiscongregando, em torno de 1.039 enti-dades da sociedade, entre representan-tes do ensino, da gestão, do trabalho eda participação social em saúde, ocu-padas em constituir língua e história àpolítica de descentralização e de disse-minação de capacidade pedagógica nasaúde. Essas articulações interinstituci-onais e locorregionais foram propostaspela Portaria Ministerial nº 198, de 13de fevereiro de 2004, do Ministério daSaúde, como Pólos de Educação Per-manente em Saúde.
Cada Pólo de Educação Perma-nente em Saúde encontra-se em umasingular etapa de sua construção, nãohavendo espelhamento idêntico entreos projetos de cada um. Essa hetero-geneidade, entretanto, longe de deporcontrariamente à sua implementação,justifica a sua importância como ins-tância política. Diferentemente da no-ção programática de implementaçãode práticas previamente selecionadase com currículo dirigido ao treinamentode habilidades, a política de educaçãopermanente em saúde congrega, arti-cula e coloca em roda diferentes ato-res, destinando a todos um lugar de
protagonismo na condução dos siste-mas locais de saúde.
Prova da construção política e nãoprogramática é a escolha, como priori-dade, entre as ações educativas dos Pó-los, do desenvolvimento para a gestãodo SUS e do desenvolvimento para aeducação no SUS. Pode-se detectar comclareza, diante dessas majoritárias es-colhas, o desencadeamento de um pro-cesso político, e não a implementaçãode um programa. Um processo políti-co requer a produção ativa da autono-mia e do protagonismo consciente. Asduas áreas/temáticas citadas represen-taram 42% do total de ações de qualifi-cação (desenvolvimento profissional) e34% das ações de especialização (for-mação pós-graduada lato sensu) apre-sentadas para o apoio do Ministério daSaúde, em 2004, por meio dos Pólos deEducação Permanente em Saúde.
Ao propor a educação na saúdecomo política de governo, o gestor fe-deral do SUS alterou a ordem do diano setor e somou novos parceiros, euma nova etapa anuncia o cumprimen-to de compromissos até então poster-gados na área de recursos humanosem saúde. Colocar a formação e o de-senvolvimento na ordem do dia para oSUS pôs em nova evidência o trabalhoda saúde, que requer trabalhadores queaprendam a aprender, práticas cuida-doras, intensa permeabilidade ao con-trole social, compromissos de gestãocom a integralidade e a humanizaçãono trato com a saúde e dedicação aoensino e à produção de conhecimentoimplicados com as práticas concretasde cuidado às pessoas e às coletivida-des e com a gestão setorial.
Ao colocar o trabalho, no SUS,sob as lentes da formação e desenvol-vimento, o gestor federal do SUS pôsem evidência os encontros rizomáticos
que ocorrem entre ensino, trabalho, ges-tão e controle social em saúde, sínteseda noção de educação permanente emsaúde que, a seguir, abordaremos.
A escolha da educação perma-nente em saúde como ato político dedefesa do trabalho no SUS decorre dadisputa ideológica para que o setor dasaúde corresponda às necessidades dapopulação, conquiste a adesão dos tra-balhadores, constitua processos vivosde gestão participativa e transforma-dora e seduza docentes, estudantes epesquisadores à mais vigorosa imple-mentação do SUS.
Foi posto em curso no país umprocesso de construção coletiva de umapolítica de educação para o SUS. Essapolítica interrompeu a compra de ser-viços educacionais das instituições deensino para implementar pacotes decursos, assim como a interrupção dostreinamentos aplicados, pontuais e frag-mentários que sobrepunham a técnicaaos processos coletivos do trabalho.Sabemos que a forma da compra deserviços educacionais não muda ocompromisso da universidade ou daescola técnica com a sociedade e nema orientação dos cursos de formaçãopara a efetiva integração ao SUS ouapropriação dele. Sabemos tambémque os treinamentos não geram atorescomprometidos, mas apenas profissi-onais mais ilustrados sobre o tema ob-jeto dos treinamentos.
Passados 13 meses da aprova-ção da Portaria Ministerial supracitadae consumada a implementação de 96instâncias locorregionais e interinstitu-cionais de gestão da educação perma-nente em saúde, a política de formação
e desenvolvimento para a saúde dei-xou de ser simplesmente uma propos-ta do Ministério da Saúde para ser umapolítica do SUS. Política tem respon-sabilidade compartilhada de conduçãoe de acompanhamento. Políticas resul-tam de lutas sociais, da sensibilidadede gestores ou da seleção de modosde enfrentar realidades complexas.
O próprio SUS, fruto das lutassociais por saúde, expressa em seu ide-ário o sonho de um sistema de saúdeuniversal, equânime, altamente resolu-tivo, acolhedor, responsável e capaz decontribuir para o desenvolvimento daautonomia das pessoas e das popula-ções para propiciar uma vida com maissaúde. Os Pólos de Educação Perma-nente em Saúde vieram viabilizar o aces-so massivo de parceiros da sociedadepara a implantação de um SUS comelevada implicação com a qualidade dasaúde, com a promoção da vida e coma valorização dos trabalhadores e dosusuários, empreendendo o esforço daformação e desenvolvimento para o SUSque queremos.
A Lei Orgânica da Saúde deter-minava em seu artigo 14 que deveriam“ser criadas Comissões Permanentes deintegração entre os serviços de saúdee as instituições de ensino profissionale superior”, indicando que cada umadessas Comissões tivesse “por finali-dade propor prioridades, métodos eestratégias para a formação e educa-ção continuada dos recursos humanosdo Sistema Único de Saúde na esferacorrespondente, assim como em rela-ção à pesquisa e à cooperação técnicaentre essas instituições” (Lei Federalnº 8.080, de 19 de setembro de 1990,art. 14).
Os Pólos de Educação Permanen-te em Saúde, como instâncias do SUS,atendendo àquilo que é proposto pelalei, trouxeram novidades políticas aoSUS. A proposta assenta-se na noçãode formação e desenvolvimento comouma instância própria, inovadora, porarticular saúde e educação e por trazeratores não previstos nas instâncias jáinstituídas. Vale lembrar que é na atualgestão do Ministério da Saúde que aárea de gestão do trabalho e da educa-ção na saúde, pela primeira vez, temlugar finalístico nas políticas do SUS.
Propôs-se para aprovação noConselho Nacional de Saúde (CNS) eaos três gestores do SUS para a pactua-ção na Comissão Intergestores Tripar-t i te (CIT) uma composiçãointerinstitucional que envolvesse ins-tituições de ensino, instâncias de
gestão e de serviço do SUS, conse-lhos de saúde e movimentos sociaislocais, estudantes e docentes, tra-balhadores e outros participantes iden-tificados com a formação edesenvolvimento. Os projetos de Pó-los seriam iniciativas locorregionais, em-basadas na esfera de gestão responsávelconstitucionalmente pela execução dasações e serviços de saúde, que são osmunicípios (Constituição Federal, art.30), mas de abrangência regional, con-forme a realidade de construção daintegralidade da promoção e prote-ção da saúde individual e coletiva nosambientes e redes assistenciais ou so-ciais em que vivemos, e conforme arealidade da mobilidade da popula-ção em busca de recursos educacio-nais e de pesquisa e documentaçãoem saúde.
TABELA 1 — Pólos de Educação Permanente em saúde: composição
Fonte: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA EDUCAÇÃO NA SAÚDE, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos daPolítica Nacional de Educação na Saúde, 2004.
Legenda: Cosems — Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde; MST — Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra; Morhan — Movimento de Reintegração das Pessoas Portadoras e Elimina-ção da Hanseníase; Mops — Movimento Popular por Saúde; Movimento GLBTS — Movimento de Gays,Lésbicas, Transgêneros, Bissexuais e Simpatizantes da Livre Orientação Sexual; MMC — Movimento deMulheres Camponesas; Fetag — Federação dos Trabalhadores da Agricultura; Conam — ConfederaçãoNacional das Associações de Moradores; Aneps — Articulação Nacional de Movimentos e Práticas deEducação Popular em Saúde; ONGs – Organizações não governamentais.
Na efetivação das Comissões Per-manentes previstas pela lei, o setor te-ria de pensar que elas deveriam sucederàs estruturas dos Pólos de Capacitaçãoem Saúde da Família, até então exis-tentes, para enfrentar as demais fren-tes de formação e desenvolvimentorequeridas pelo SUS, superando-se a tra-dicional e tão criticada fragmentação/segmentação da educação na saúde,
como a que se assistia entre a coorde-nação de saúde da família e as coor-denações de vigilância e análise desituação de saúde, atenção integradaàs diversas doenças prevalentes, aten-ção especializada às urgências, aten-ção especializada ao parto e aonascimento humanizado, formação deequipes gestoras hospitalares e equi-pes gestoras municipais, dentre outras.
TABELA 2 — Ações de qualificação por área ou temática e número de vagas
Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos daPolítica Nacional de Educação na Saúde, 2004.
Legenda: HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica; DM – Diabetes Mellitus; CD – Cirurgião Dentista; ACD –Auxiliar de Consultório Dentário; THD – Técnico de Higiene Dental.
A integração entre o ensino, osserviços, a gestão setorial e o trabalhono SUS, ao mesmo tempo em quedisputa pela atualização cotidiana daspráticas segundo as mais recentes abor-dagens teóricas, metodológicas, cien-tíficas e tecnológicas disponíveis,insere-se em uma necessária constru-ção de relações e de processos quevão desde a atuação conjunta das equi-pes — implicando seus agentes —até as práticas organizacionais — im-plicando a instituição e/ou o setorda saúde —, bem como as práticasinterinstitucionais e/ou intersetoriais— implicando as políticas em quese inscrevem os atos de saúde.
O que ficou definido — por for-ça de aprovação no Conselho Nacio-
nal de Saúde e pactuação na Comis-são Intergestores Tripartite — é que acomposição de cada Pólo de EducaçãoPermanente em Saúde e a proposiçãode seu plano diretor seriam de iniciativalocorregional e decorrente da disposi-ção inicial das diversas instituições des-sa base. As diretrizes dos Pólos seriamaprovadas pelo respectivo ConselhoEstadual de Saúde (CES), tendo em vistaas prioridades da política estadual desaúde conjugada com as políticas na-cionais, a vinculação com as diretrizesda Conferência Estadual de Saúde e,principalmente, com a Conferência Na-cional de Saúde. Caberia ao Conse-lho Estadual de Saúde julgar aadequação do plano diretor de cadaPólo às políticas nacional e estadual
TABELA 3 — Ações de formação por área ou temática e número de vagas
Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos daPolítica Nacional de Educação na Saúde, 2004.
Legenda: Profae – Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem; FortiSUS –Política de Formação Técnica por Itinerário no SUS; Proformar – Programa de Formação de Agentes deVigilância em Saúde.
de saúde. O desenho locorregional einterinstitucional passaria pela Comis-são Intergestores Bipartite (CIB), ins-tância de encontro entre o gestorestadual e a representação do conjuntode gestores municipais por Estado, ten-do em vista garantir que a organizaçãodo conjunto de Pólos revele abrangên-cia da totalidade dos municípios de cadaEstado e que eventuais acordos paramunicípios em região fronteiriça sejampreservados e respeitados.
Passou a caber ao gestor fede-ral, depois desse trâmite, apenas aapreciação analítica de duas nature-zas: habilitação legal das instituiçõespara receber recursos públicos e coe-rência com o referencial pedagógicoe institucional da educação permanen-te em saúde, checando o cumprimen-to dos passos pactuados.
O referencial pedagógico e insti-tucional da educação permanente emsaúde constitui uma ferramenta potentepara a transformação de práticas, e issopode ser feito em curso/em ato da ges-tão setorial ou de serviços. A definiçãode educação permanente carrega, en-tão, a noção de prática pedagógica quecoloca o cotidiano do trabalho ou daformação — em saúde — como centralaos processos educativos.
A educação permanente, comovertente pedagógica da educação, ga-nhou o estatuto de política pública ape-nas na área da saúde. Esse estatutodeveu-se à difusão, pela OrganizaçãoPan-Americana da Saúde, da propostade Educação Permanente do Pessoalde Saúde para alcançar o desenvolvi-mento dos sistemas de saúde na re-gião das Américas, com o
TABELA 4 — Comparação entre os Pólos de Capacitação em Saúde da Família (Pólos PSF)
e os Pólos de Educação Permanente em Saúde (Pólos EPS)
Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos daPolítica Nacional de Educação na Saúde, 2004.
*Exceção havia no estado do Rio Grande do Sul, onde o Pólo de Capacitação em Saúde da Família conviviade maneira orgânica com o Pólo de Educação em Saúde Coletiva, instância do SUS estadual para o debatedo ensino, da pesquisa, da extensão educativa, da documentação científico-tecnológica e histórica, daassistência em ambiente de ensino, da memória documental e da educação social para a gestão daspolíticas públicas de saúde (ver Ceccim, 2002).
reconhecimento de que os serviços desaúde são organizações complexas emque somente a “aprendizagem signifi-cativa” será capaz de fazer a adesãodos trabalhadores aos processos de mu-dança no cotidiano.
A educação permanente em saú-de configura o desdobramento de vári-os movimentos de mudança naformação dos profissionais de saúde,na atenção em saúde, na gestão setoriale no exercício do controle social. Aqui-lo que deve ser realmente central à edu-cação permanente em saúde é a suaporosidade à realidade mutável e mu-tante das ações e dos serviços de saú-de, a sua ligação política com aformação de perfis profissionais e deserviços, a introdução de mecanismos,espaços e temas que gerem auto-análi-se, autogestão, implicação e mudançainstitucional — enfim, que gerem pro-cessos de pensamento (disruptura cominstituídos, fórmulas ou modelos) e ex-perimentação (em contexto, em ato: vi-vências).
Pólos de Educação Permanente
em Saúde: dispositivo e/ou
instância do SUS para
a gestão locorregional
da formação em saúde
O SUS sozinho não tem capaci-dade de promover o desenvolvimentodos profissionais de saúde, e as insti-tuições de ensino, fora do contato coma realidade da construção do SUS, nãovão se transformar. Assim, uma novainstância de gestão — com capacida-de intersetorial e de protagonismo —passou a ser requerida. O indicativodas comissões permanentes de integra-ção ensino-serviço, presentes na Lei Or-gânica da Saúde, estava correto, masnão assegurava evidência de inclusãodas instâncias de gestão e de partici-pação social. A criação da ComissãoIntersetorial de Recursos Humanos doSUS (CIRH), no Conselho Nacional de
Saúde, já havia revelado o grande acer-to da proposta de intersetorialidade parapensar o trabalho e os trabalhadores dasaúde, mas não havia assegurado/nãoassegurou evidência de participação ati-va das escolas (superiores ou técnicas),das associações de ensino das profis-sões de saúde, das entidades de estu-dantes das profissões de saúde e dasentidades, instâncias e movimentos demedicação pedagógica em saúde coma sociedade. Havia antecedentes, masnovos caminhos eram demandados.
Lembrar a estranheza e a com-plicação que provocou a proposta dasComissões Interinstitucionais de Saú-de no início da construção do SUS(Ceccim, 1993) ajuda a clarear compre-ensões sobre as atuais reflexões relati-vas aos Pólos de Educação Permanenteem Saúde. Das Comissões Interinstitu-cionais de Saúde (CIS) e das suas Co-missões Locais Interinstitucionais deSaúde (Clis) saíram os Conselhos Mu-nicipais de Saúde, os Conselhos Esta-duais de Saúde e o novo e ímparConselho Nacional de Saúde, mas foipreciso, na seqüência, criar as CIB e aCIT como instâncias de pactuação doSUS entre aqueles que executam aspolíticas de saúde.
Quem executa as políticas de for-mação e as políticas intersetoriais deeducação permanente em saúde, en-tretanto, não é e não pode ser apenaso(s) gestor(es) do SUS. Quem participada execução das políticas de formaçãoe das políticas intersetoriais de educa-ção permanente em saúde precisa estarentre os atores da negociação, da pac-tuação e da aprovação, até agora afas-tados dessa “convocação” ou previsãode atuação protagonista direta.
Uma política de educação parao SUS envolve não somente o desen-volvimento dos profissionais de saú-de que já estão trabalhando no SUS,mas estudantes, docentes, pesquisa-dores, gestores do ensino e gestores
de informação científico-tecnológica,que estão em seus respectivos nichosocupacionais, de formulação de pactose políticas ou de produção de práticase redes sociais. Uma política interseto-rial e de interface tem de ser produzidade maneira intersetorial e em interface,por isso as instâncias constituídas doSUS (comissões intergestores e conse-lhos) não são suficientes como palcode pactuação para as políticas de edu-cação na saúde. Uma comissão perma-nente apenas entre ensino e serviço éinsuficiente e uma comissão interseto-rial territorializada na mesma esfera dosconselhos de saúde excede ou carecedos territórios reais onde a produçãode ensino, pesquisa, extensão educati-va, documentação científico-tecnológi-ca e histórico-documental e educaçãopopular em saúde acontecem.
O território de que falo não éfísico ou geográfico: o trabalho ou alocalidade. O território é de inscriçãode sentidos no trabalho, por meio dotrabalho, para o trabalho. Deseja-secomo efeito de aprendizagem a pre-valência da sensibilidade, a destrezaem habilidades (saber-fazer) e a fluên-cia em ato das práticas. Para habitarum território, será necessário explorá-lo, torná-lo seu, ser sensível às suasquestões, ser capaz de movimentar-sepor ele com ginga, alegria e descober-ta, detectando as alterações de paisa-gem e colocando em relação fluxosdiversos, não somente cognitivos, téc-nicos e racionais, mas políticos, co-municacionais, afetivos e interativos nosentido concreto, e isso é detectávelna realidade (CECCIM, 2005).
A educação permanente em saú-de projetada pela proposta de Pólossupõe um processo de construção decompromissos sociais e da relevânciapública interinstitucional e locorregio-nal, sob os olhos uns dos outros, e docontrole da sociedade em matéria depolíticas públicas de saúde.
Há uma virada de muitos valo-res. Dar possibilidade, então, à forma-ção e ao desenvolvimento para o SUSserá, também, conquistar uma cro-nologia da implicação em que nãohá quantidade de tempo, tampoucocontinuidade evolutiva de mutações,mas o crescimento dos compromissoscom a educação permanente ou coma permeabilidade da educação às ne-cessidades sociais em saúde e de for-talecimento dos princípios e diretrizesdo SUS (CECCIM, 2005).
Quadrilátero da formação:
articulação entre formação,
gestão, atenção e participação
Temos enormes dificuldadespara transformar as práticas de saúde.A integralidade e a intersetorialidadetêm enorme dificuldade de sair do pa-pel, pois envolvem pensamento, sabe-res e práticas no ensino, na gestão, nocontrole social e na atuação profissio-nal. Os gestores do SUS que queremtransformar as práticas reclamam queos profissionais vêm para o SUS comformação inadequada, que os estudan-tes não são expostos às melhoresaprendizagens e que as universidadesnão têm compromisso com o SUS.
Os docentes e as escolas quequerem mudar a formação reclamamque as unidades de saúde não prati-cam a integralidade, não trabalhamcom equipes multiprofissionais, sãodifíceis campos de prática e que osgestores são hostis em produção depactos de reciprocidade. As duas re-clamações são verdadeiras, por isso éque a transformação das práticas desaúde e a transformação da formaçãoprofissional em saúde têm de ser pro-duzidas em conjunto. Por mais traba-lhoso que isso seja.
A interação entre os segmentosda formação, da atenção, da gestão edo controle social em saúde deveriapermitir dignificar as características
locais, valorizar as capacidades insta-ladas, desenvolver as potencialidadesexistentes em cada realidade, estabe-lecer a aprendizagem significativa e aefetiva e criativa capacidade de críti-ca, bem como produzir sentidos, auto-análise e autogestão.
Entre os elementos analisadorespara pensar/providenciar a educaçãopermanente em saúde estão os compo-nentes do Quadrilátero da Formação (CEC-CIM; FEUERWERKER, 2004; CECCIM, 2005):
a) análise da educação dos pro-fissionais de saúde, buscando mudar aconcepção hegemônica tradicional e aconcepção lógico-racionalista, elitistae concentradora da produção de co-nhecimento;
b) análise das práticas de aten-ção à saúde, buscando a integralidade,a humanização e a inclusão da partici-pação dos usuários no projeto terapêu-tico como nova prática de saúde;
c) análise da gestão setorial,buscando modos criativos e originaisde organizar a rede de serviços se-gundo a acessibilidade e a satisfaçãodos usuários;
d) análise da organização social,buscando o efetivo contato e permea-bilidade às rede sociais que tornam osatos de saúde mais humanos e de pro-moção da cidadania.
A mudança na formação e nodesenvolvimento por si só ajuda, masessa mudança como política instaura-se em mais lugares, todos do Quadri-látero, pois todos eles estãoconformados em acoplamento. Comoem um jogo de vasos comunicantes,cada interferência ou bloqueio afetaou produz efeito de um sobre todos.Tanto a incorporação sem crítica detecnologias materiais como a eficáciados cuidados ofertados, os padrões deescuta, as relações estabelecidas comos usuários e entre os profissionais re-presentam a interferência ou bloqueio
da educação permanente em saúde. As-sim, afetam ou produzem efeito sobreos processos de mudança.
Para o setor da saúde, a estéticapedagógica da educação permanenteem saúde é a de introduzir a experiên-cia da problematização e da invençãode problemas. Esta estética é condiçãopara o desenvolvimento de uma inteli-gência proveniente de escutas, de práti-cas cuidadoras, de conhecimentosengajados e de permeabilidade aos usu-ários, isto é, uma produção em ato dasaprendizagens relativas à intervenção/interferência do setor no andar da vidaindividual e coletiva.
O convite que vem sendo feitoaos Pólos é o de trabalhar com a se-guinte pergunta: quais são os proble-mas que afastam nossa locorregião daatenção integral à saúde? A partir daí,deve-se identificar, em oficinas de tra-balho, quais os nós críticos (os proble-mas que podem ser abordados e quevão fazer diferença) e, somente então,organizar as práticas educativas.
Conclusão
Não temos visões iguais quandoestá em disputa o modelo tecnicista ecentrado na doença ou a abordagemintegral e humanística centrada nas ne-cessidades de saúde. Estudantes e mo-vimentos populares, gestores do SUSe docentes da área da saúde estão im-plicados sempre em processos de dis-puta ideológica que acontecemdurante a formação e nos exercíciosda participação. Estudantes e movi-mentos populares por sua dispersãoe profusão precisam construir canaisde comunicação com a produção deconhecimento, com a gestão do SUSe com o controle social em saúde.Estudantes e movimentos popularesnos Pólos são aliados para a mudan-ça da atenção, da gestão e da forma-ção em saúde voltada às necessidadesda população brasileira e afetam a
implementação do ensino, da atençãoe da gestão em saúde.
Construir o processo de formu-lação e implementação da política deeducação permanente em saúde parao SUS é uma tarefa para coletivos, or-ganizados para essa produção, nos ter-mos da Portaria 198/GM/MS, de 13 defevereiro de 2004, que instituiu a Polí-tica Nacional de Educação Permanen-te em Saúde, operacionalizada pormeio dos Pólos de Educação Perma-nente em Saúde.
O Projeto de cada Pólo se com-põe por um Plano Diretor e um Planode Atividades. A aprovação do PlanoDiretor configura a instalação do Póloe a legitimação de suas diretrizes polí-ticas. O Projeto de Atividades é o pla-no de ações educativas para as quaisserão indicadas instituições executo-ras e que contarão com o apoio finan-ceiro do Ministério da Saúde. Os doisinstrumentos podem ser apresentadosconjuntamente, mas não necessariamen-te. Uma vez constituído o Plano Dire-tor, um ou vários Planos de Atividadepodem suceder-lhe, sendo apresenta-dos ao Ministério da Saúde de formasistemática e de acordo com as pactu-ações internas do Pólo em funciona-mento, sem necessidade de novo PlanoDiretor. O Plano Diretor e todos osPlanos de Atividade a ele ligados con-figuram o projeto global do Pólo.
Nosso objetivo é que os atoresnos Pólos trabalhem com um conceitoampliado de saúde, saibam que nãosão apenas os aspectos biológicos osque necessitam da atualização dos pro-
fissionais e que determinam o proces-so saúde-doença individual ou coleti-vo ou as chances de sucessoterapêutico. Também esperamos queos atores nos Pólos desenvolvam re-cursos de educação para levar em contatodas as dimensões e fatores que re-gulam, qualificam e modificam o tra-balho. Para tanto, é preciso que sejaampliada sua capacidade de escuta deprocessos, de responsabilização pelamudança das práticas e de mobiliza-ção de autorias. É preciso que os pro-cessos de formação e desenvolvimentoofereçam oportunidade de desenvol-ver o trabalho em equipe multiprofis-sional e de caráter interdisciplinar.Esperamos formar profissionais cujacompetência técnica inclua outros atri-butos que não os tradicionais, poisambos são indispensáveis para ofere-cer atenção integral à saúde humani-zada e de qualidade.
Na saúde, nunca foi proposta go-vernamental a organização de coleti-vos e redes para a formação e odesenvolvimento, pertencendo unica-mente às experiências populares quedesafiam instituídos e tradições. Con-cretamente, a política de educaçãopermanente em saúde está colocandoem ação uma prática rizomática de en-contros e produção de conhecimento.A disseminação dos Pólos e de capa-cidade pedagógica descentralizada ge-rou novos atores para o SUS, para asua construção política (e não progra-mática), para a produção da saúde nosatos, nos pensamentos e no desejo deprotagonismo pelo SUS, compreenden-do seus princípios e diretrizes.
Na saúde, a
organização de
coletivos e redes
para a formação e
o desenvolvimento
nunca foi proposta
governamental,
pertencendo
unicamente
às experiências
populares
que desafiam
instituídos e
tradições.
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