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Textura Canoas n.30 p.86-106 jan./abr. 2014
Educao Ambiental autopoitica em redes de
conversaes na vida cotidiana
Soler Gonzalez1
Andreia Teixeira Ramos2
RESUMO Este texto-vida um exerccio coletivo com os movimentos de
pensar o potencial do ambiental na Educao, com inspiraes nos
estudos do bilogo chileno Humberto Maturana, que nos fez apostar
nas Educaes Ambientais Autopoiticas, tecidas com as redes de
conversaes na vida cotidiana. Queremos colocar mesa de discusso a
Biologia do Conhecer, ressaltando a noo de autopoiese, e a Biologia
do Amor, destacando a potncia das conversas, como atitude
metodolgica, tica, esttica e de poltica cognitiva e de
narratividade. tambm um convite aos
encontros com os campos problemticos de duas pesquisas
cartogrficas em EA com os cotidianos da Baa de Vitria/ES, reas de
manguezais, matas, comunidades ribeirinhas, bandas de congo,
conflitos, carnavais, amores, convivncias e culturas capixabas. O
desejo das pesquisas foi acompanhar processos e movimentos das
Educaes Ambientais Autopoiticas que no se capitalizam, rizomticas,
que no se guardam, ps-modernas, inventivas, menores, ps-coloniais,
dos trpicos, dos que vm das margens, dos infames, que descolonizam
os pensamentos e que nos devoram. Os objetivos das pesquisas foram
cartografar e problematizar os saberesfazeres socioambientais que
emergem com as redes de conversaes e com as
relaes de convivncia entre os sujeitos praticantes dos
cotidianos, no exerccio de aceitao do outro como legtimo outro
junto a ns na amorosidade negociando as tenses da vida cotidiana.
Na produo de dados das duas pesquisas, utilizamos dirios de campo,
fotografias, conversas autorizadas e transcritas, deslocando a
sustentabilidade praticada em discursos oficiais e pelo mercado
verde, para o sustentabilizar como domnio de ao na convivncia. Este
texto-vida desejou potencializar as dimenses das Educaes Ambientais
Autopoiticas e ventilar os possveis no devir cotidiano, num
movimento de rasurar, rachar as coisas, rachar as palavras e de
jamais interpretar, num movimento de experimentar as dobras e
redobras na vida cotidiana.
Palavras-chave: Educao ambiental autopoitica, redes de
conversaes, cotidianos.
1 Gegrafo. Mestre e Doutor em Educao pela Universidade do
Esprito Santo. Professor Adjunto do Centro de Educao da
Universidade Federal do Esprito Santo.
[email protected] 2 Pedagogoa. Mestre em Educao Pela
Universidade Federal do Esprito Santo.
[email protected]
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Textura, n.30, jan./abr.2014 87
Autopoietic Environmental Education in conversation webs of
everyday
life
ABSTRACT This text-life is a collective exercise with the
movements of thinking the environmental potential in Education,
inspired by the studies of Chilean biologist Humberto Maturana, who
made us bet on Autopoietic Environmental Education, woven with
network conversations in everyday life. We want to discuss the
Biology of Cognition, emphasizing autopoiesis, and the Biology of
Love, highlighting the power of conversation, as methodological,
ethical, aesthetics attitude and as cognitive and narrative policy.
It is also a invitation to the meetings of questioning two
cartographic research in Environmental Education (EE) with everyday
from Baa de Vitria/ES,
and mangrove areas, forests, riparian communities, congo bands,
conflicts, carnivals, loves, cohabitation and capixabas cultures.
The desire of the research was to monitor processes and movements
of Autopoietic EE that do not capitalize, rhizomatic, which cannot
be kept, post-modern, inventive, minor, postcolonial, from tropics,
from those who come from the margins, from infamous, that
decolonize thoughts and devour us. The objectives of the research
were to map and discuss the emerging environmental knowledge-doings
with network of conversations and relationships of coexistence
between everyday practitioners, in the exercise of acceptance of
the other as a legitimate other with us in loveliness and
negotiating the stresses of everyday life.
In the two surveys, during the data production, we used field
diaries, photographs, authorized and transcribed conversations,
moving the sustainability practiced in official speeches and in
green market, to the sustainabilize as field of action in living.
This text-life wished enhance the dimensions of Autopoietic EE and
ventilate possible in daily becoming, a movement of erasing, break
words and things and never interpret, in a movement of experience
the folds and pleats in everyday life. Keywords: Autopoietic
Environmental Education, network conversations, everyday.
O abandono do lugar me abraou de com fora.
E atingiu meu olhar para toda a vida. Tudo que conheci depois
veio carregado de abandono.
No havia no lugar nenhum caminho de fugir.
A gente se inventava de caminhos com as palavras. A gente era
como um pedao de formiga no cho. Por isso o nosso gosto era s de
desver o mundo.
(Manoel de Barros)
Este texto-vida um exerccio coletivo de deslizar, com inspiraes
nos
estudos do bilogo chileno Humberto Maturana, que nos fez pensar
e apostar
no potencial da Educao Ambiental (EA) Autopoitica, em redes
de
conversaes tecidas entre os cotidianos nos movimentos de inveno
de si e de outros mundos, articulando a vida cotidiana, seus
rastros, gentes, sabores,
gestos, risos, saberes, poesias, fazeres, sons, lgrimas e
poderes.
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O texto-vida mergulha nas poesias de Manoel de Barros,3 no
exerccio
de escrever e desver o mundo e tentar pegar a semente da palavra
com as conversas, em suas dimenses ticas, estticas e de uma poltica
cognitiva e de
narratividade libertria da vida.
tambm um convite aos encontros e movimentos com os campos
problemticos de duas pesquisas4 em EA, com inspiraes no
mtodo
cartogrfico e nos estudos com os cotidianos. Campos problemticos
de pesquisas marcados por lendas, mitos e histrias que inundam a
Baa de
Vitria/ES, seu pr do sol, os montes Moxuara e Mestre lvaro, as
reas de
manguezais, praias, matas, comunidades ribeirinhas, bandas de
congo, compondo uma corrente atmosfrica de imaginrios, conflitos,
tenses,
carnavais, amores, convivncias e culturas capixabas, movendo-nos
aos
movimentos de pensar a potncia do ambiental na Educao.
Bons encontros! Educaes Ambientais em redes de conversaes!
Autoproduo de si e de mundos! EA Autopoitica! Questes
problematizadoras5 inflamando o caminhar e o praticar a pesquisa
em EA.
Nosso conhecimento no era de estudar em livros. Era de pegar, de
apalpar e de ouvir e de outros sentidos.
Nossa aposta metodolgica de pesquisa acompanhar processos com
as
conversas entre fluxos, encontros, narrativas, linhas, formas,
foras, entrando
nas travessias e deixando-nos atravessar por elas. Travessias
entremeadas por Educaes Ambientais Autopoiticas rizomticas, que no
se capitalizam,
escapando s foras, s pedagogias de diminuio do outro, s
verdades
cientficas absolutas, aos projetos prontos, s leis e formas de
controle dos
3 Ao longo do texto utilizaremos alguns fragmentos das poesias
de Manoel de Barros (BARROS, 2010)
para compor o texto-vida. 4 Esse texto-vida possui fragmentos de
duas pesquisas, dissertao de mestrado em Educao
Educao Ambiental entre os carnavais dos amores com os mascarados
do Congo de Roda Dgua (RAMOS, 2013) e a tese de doutorado em Educao
Educao Ambiental Autopoitica com as prticas do bairro Ilha das
Caieiras entre os manguezais e as escolas (GONZALEZ, 2013), ambas
realizadas no Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade
Federal
do Esprito Santo (UFES/CE/PPGE). 5 Revel (2005, p. 71) destaca
que [...] o termo problematizao implica duas consequncias. De um
lado, o verdadeiro exerccio crtico do pensamento se ope ideia de
uma busca metdica da soluo: a tarefa da filosofia no , portanto, a
de resolver inclua-se: substituir uma soluo por uma outra mas a de
problematizar, instaurando uma postura crtica e retomando os
problemas. De outro lado, esse esforo de problematizao no um
anti-reformismo ou um pessimismo relativista.
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corpos, dos tempos, dos lugares, dos afetos, dos conflitos e dos
imaginrios da
VIDA.
A gente era como um pedao de formiga no cho. Conversamos,
praticamos e deglutimos mltiplas apostas epistemolgicas e
metodolgicas
em EA, deslocando-nos aos sentimentos de incertezas e desejando
outros modos de caminhar, no intuito de ventilar, furar e rachar as
certezas na vida
cotidiana, com o campo problemtico de nossas pesquisas, no
exerccio de
curiosear, que, segundo Foucault (2006, p. 196), [...] o nico
tipo de curiosidade que, vale a pena ser praticada com um pouco de
obstinao: no
aquela que busca se assimilar ao que convm conhecer, mas a que
permite
desprender-se de si mesmo.
As pesquisas que alimentaram este texto-vida foram atravessadas
pelo
curiosear em convivncias amorosas, conversas, seminrios,
eventos,
congressos, formao de professores/as, criando encontros,
desencontros, reencontros rizomticos, um fio puxando o outro, e,
como dizia Deleuze
(1992), cada um, como um todo j muitos... sempre se trabalha em
vrios.
Nessas travessias, fomos afetados por vrios... E, em nosso
encontro
com Maturana, aprendemos que conhecer viver, viver conhecer, e
que produzimos, desde nossos ancestrais, modos de vida como seres
amorosos no conviver e compartilhar alimentos e cuidados,
acoplando-nos as realidades e
constituindo a Biologia do Conhecer, com a noo de Autopoiese,
que vem do
grego: auts, prprio; poieu, poiein, poiesis, fao, fazer, o
feito, a produo
de si mesmo, autofazimento que ocorre em redes de
conversaes.
Tudo o que ocorre no fluir do viver de um ser vivo ocorre como
um contnuo resultar no presente cambiante contnuo da contnua
realizao de sua autopoiese segundo seu modo particular de viver
como organismo no mbito relacional (nicho) em que opera como
totalidade. No caso dos seres humanos, seu modo
particular de viver o conversar, isto , um conviver em
coordenaes de coordenaes de fazeres e emoes, e tudo o que os seres
humanos fazem ocorre em redes de conversaes (MATURANA, H.; YEZ, X.,
2009, p. 152).
Nos movimentos do curiosear na vida cotidiana, fomos movidos
por
algumas problematizaes em nossas pesquisas em EA: como pensar
nos
movimentos de uma EA Autopoitica entre redes de conversaes, no
exerccio de aceitao do outro como legtimo outro na convivncia,
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negociando tenses e conflitos de modo amoroso, em nossa
cultura
contempornea?
Pensando com Maturana, a cultura em nossa vida cotidiana ocorre
como
uma rede fechada de conversaes no entrelaamento do linguajar e
do
emocionar, quando os seres humanos de diferentes culturas se
encontram, podendo acontecer um encontro criativo, quando h aceitao
do outro como
legtimo outro na convivncia, surgindo uma outra cultura na arte
da conversa.
Pensamos a EA Autopoitica como domnio cognitivo e ontolgico
produzido com as redes de conversaes nos processos do viver e
conhecer
dos seres humanos com as coletividades da vida cotidiana.
Queremos agora colocar mesa de discusso a Biologia do Conhecer e
a
Biologia do Amor, ressaltando a noo de autopoiese e seus
entrelaamentos
possveis com a EA Autopoitica na vida cotidiana.
Sem amor, sem aceitao do outro junto a ns, no h socializao, no h
humanidade. Qualquer coisa que destrua ou limite a aceitao do
outro, desde competio at a posse da verdade, passando pela certeza
ideolgica, destri ou limita o acontecimento do fenmeno social.
Portanto, destri tambm o
ser humano, porque elimina o processo biolgico que o gera[...].
Descartar o amor como fenmeno biolgico do social, bem como as
implicaes ticas dessa dinmica, seria desconhecer tudo o que nossa
histria de seres vivos de mais de trs bilhes e meio de anos nos diz
e nos legou (MATURANA; VARELA, 1995, p. 269-270).
Entrelaando a Biologia do Conhecer com a Biologia do Amor,
apostamos nas conversas como atitude poltica e metodolgica,
considerando
que ns, seres humanos, existimos na linguagem, no linguajar.6
Conversar
vem do latim, cum - com; e versare - dar voltas com o outro na
convivncia
(MATURANA, 1999).
Ao fluir o nosso emocionar num curso que o resultado de nossa
histria de convivncia dentro e fora da linguagem, mudamos de
domnio de aes, e, portanto muda o curso de nosso linguajar e
6 Maturana utiliza o termo linguajar e no linguagem,
reconceitualizando essa noo, enfatizando seu carter de atividade,
de comportamento, evitando, assim, a associao com uma
faculdade prpria da espcie, como tradicionalmente se faz
(MATURANA, 2002). Linguajar: neologismo que faz referncia ao ato de
estar na linguagem sem associar tal ato fala, como aconteceria com
a palavra falar.
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de nosso raciocinar. A esse fluir entrelaado de linguajar e
emocionar eu chamo conversar, e chamo conversao o fluir, no
conversar, em uma rede particular de linguajar e emocionar
(MATURANA, 1999, p. 172).
Dessa forma, Maturana entende a conversa como um domnio
operacional biolgico e ontolgico dos seres humanos constituindo
cotidianamente redes de conversaes na linguagem: Chamo de
conversaes as diferentes redes de coordenaes entrelaadas e
consensuais de linguajar e
emocionar que geramos ao vivermos juntos como seres humanos
(MATURANA, 2006, p. 132).
Como mamferos, vivemos em nossa corporalidade muitos domnios de
aes. Em nosso devir evolutivo, aprendemos a coordenar os fluxos
emocionais nas aes, como animais linguajantes.
Estou chamando de aes tudo o que fazemos em qualquer domnio
operacional que geramos em nosso discurso, por mais
abstrato que ele possa parecer. Assim, pensar agir no domnio do
pensar, andar agir no domnio do andar, refletir agir no domnio do
refletir, [...], e assim por diante, e explicar cientificamente
agir no domnio do explicar cientfico (MATURANA, 2006, p.
128-129).
As noes ditas at aqui dissolvem nossos domnios do explicar
cientfico e nos leva a considerar as emoes no devir cotidiano do
ser
humano, principalmente no fundamento da tica que, para Maturana,
passa pelas emoes. A tica no tem suas bases num operar racional,
mas, sim,
emocional. Desse modo, no a razo que justifica a preocupao pelo
outro,
mas sim a emoo.
Maturana tambm traz importantes pistas para pensarmos a potncia
do
ambiental na educao, de modo que nosso domnio de ao do agir
seja
atravessado por emoes ticas e cooperativas, por culturas de
solidariedade e por uma educao que nos permita uma convivncia
amorosa na vida
cotidiana. Quando o menino e a menina disseram que queriam
passar para as palavras suas peraltagens at os caracis
apoiaram.
CONTINUANDO A CONVERSA...
Invento para me conhecer.
Continuamos nossa conversa com Maturana e com seus enunciados
cientficos que enfatizam que a potncia da vida est nas relaes ticas
entre
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seres humanos com outras formas de vida na cultura, cultivada no
fluir das
conversas, no conviver e compartilhar a vida cotidiana.
Destacamos que a discusso de Maturana est circunscrita sua
condio de bilogo, refletindo sobre a cincia como domnio
cognitivo
gerado como atividade biolgica-cultural de inveno humana. Nesse
sentido, reforamos as ideias de Maturana (2006), ao questionar as
explicaes
cientficas como uma verdade absoluta, inquestionvel e inerente
aos discursos
da racionalidade moderna, diluindo os pontos de vista e
colocando entre parnteses a objetividade das explicaes cientficas.
Apresentamos o trecho
do livro Cognio, cincia e vida cotidiana, de Maturana (2006, p.
147):
Ns no encontramos problemas ou questes a serem estudados
e explicados cientificamente fora de ns mesmos num mundo
independente[...]. Ento, a cincia, como um domnio cognitivo, existe
e se desenvolve como tal sempre expressando os interesses, desejos,
ambies, aspiraes e fantasias dos cientistas, apesar de suas alegaes
de objetividade e independncia emocional.
Suas proposies no pretendem oferecer respostas s dicotomias
extremas que caracterizam o pensamento moderno; pelo contrrio,
suas noes
indicam que as histrias dessas distines a nossa histria como
seres
biolgicos e culturais, e que o jogo das explicaes do nosso estar
no mundo e na vida cotidiana um jogo cujas regras forjamos medida
que vamos
avanando no jogar.
As travessias do curiosear de Humberto Maturana se iniciam em
1928,
ano em que nasceu, ingressando no Curso de Medicina em 1948.
Logo nos
primeiros anos de estudos, como bilogo, pesquisou o
funcionamento dos seres vivos, do sistema nervoso e da cognio. Seus
estudos nos convidam a
mudar o nosso modo de ver, possibilitando outra forma de
perceber o ser
humano e os seres vivos na cultura da vida cotidiana.
Depois de longos anos estudando fora de sua terra natal,
Maturana
retorna ao Chile em 1960. No incio da dcada de 1970, realiza
suas primeiras
pesquisas com Varela e que tiveram importantes implicaes sociais
e ticas com enfoque na cognio. A publicao De mquinas e seres
vivos:
autopoiese a organizao do vivo (1997) tornou-se um livro
fundante da Biologia do Conhecer, indicando a inseparabilidade
entre o viver e o conhecer. Alguns dos enunciados cientficos desse
autor mostram a vida como um
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processo de conhecimento, que se constitui na interao dos seres
vivos com
os outros e com o meio. Viver conhecer, conhecer viver!
No ano de 2000, Maturana, juntamente com outra pesquisadora,
tambm
chilena, Ximena Dvila Yes, cria a Fundao do Instituto Matrztico
no
Chile, promovendo cursos, palestras e oficinas de conversaes. A
parceria entre os dois pesquisadores pode ser conferida na obra
Habitar humano em
seis ensaios de biologia-cultural (2009), na qual convidam o/a
leitor/a olhar as
diversas dimenses do viver e conviver cotidiano, fazendo-nos
problematizar a partir das nossas prprias experincias cotidianas e
culturais, como somos e o
que somos como seres humanos e vivos.
Atualmente Maturana e Ximena desenvolvem pesquisas voltadas para
a
compreenso dos domnios da Matriz Biolgica da Existncia
Humana,
trazendo outros elementos problematizadores para pensarmos a
Biologia do
Conhecer a autopoiese com a Biologia do Amor como emoo fundante
do ser humano no linguajar.
Nos movimentos do curiosear em nossas travessias(suras)
polticas, ticas, estticas, metodolgicas e epistemolgicas, fomos
alimentados com
pistas e lampejos que nos deslocaram por diferentes modos de
caminhar com
as Educaes Ambientais na contemporaneidade, digerindo
ingredientes para pensarmos a potncia das Educaes Ambientais
Autopoiticas entre redes de
conversaes.
Assim, as travessias do pensamento e da vida do bilogo chileno
Humberto Maturana nos movem a pensar e problematizar algumas de
suas
noes e ideias, que desejamos compartilhar nas linhas a seguir.
Ento era preciso desver o mundo para sair daquele lugar imensamente
e sem lado. Manoel de Barros.
CONVERSAS ENTRE IDEIAS E NOES...
Ele sabia que as coisas inteis e os homens inteis se guardam no
abandono. Os homens no seu prprio abandono. E as coisas inteis
ficam para poesia.
Desejamos tambm, com este texto-vida, problematizar as
principais
noes e ideias desse pensador latino-americano sobre os discursos
da cincia moderna, que consideram como verdades absolutas as
dualidades corpo/mente,
emoo/razo, indivduo/sociedade, cultura/natureza e
objetivo/subjetivo.
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Os estudos desse autor descoloniza o pensamento ocidental e
racional ao
dissolver essas dualidades e ao mostrar que as emoes so fenmenos
prprios do reino animal e que o humano se constitui no
entrelaamento do racional com o emocional na linguagem, no
linguajar, que a linguagem um
fenmeno biolgico que surge na histria dos homindeos, constituda
e
conservada em nossa cultura em relaes amorosas e cooperativas no
nosso devir evolutivo dos primatas bpedes, que segue qualquer direo
na qual
mantm o viver. Aquilo que continua gerao aps gerao como modo de
vida o que de fato define uma linhagem biolgica ou cultural e o que
determina no que uma ou outra se transforme em seu devir (MATURANA;
VERDEN-ZOLLER, 2004, p. 248).
Ao apresentar argumentos que defendem que nossa
racionalidade
constituda no emocionar e no linguajar, Maturana nos faz pensar
a razo
como fundamento da emoo, e vai mais alm ao dizer que ns,
humanos, nos
constitumos no viver cotidiano no entrelaamento do racional com
o emocional na linguagem, ou seja, na linguagem que nos tornamos
humanos e
assumimos nossa condio biolgica no compartilhar.
Para esse autor, o compartilhar um elemento que pertence
nossa
biologia e no cultura e nossa sociedade contempornea marcada por
uma
cultura que nega o compartilhar e valoriza a cultura
patriarcal/matriarcal e a maravilha da competio. Em uma das tantas
entrevistas (REVISTA
HUMANIDADES, 2004) concedidas, Maturana foi questionado sobre
as
diferenas entre as culturas patriarcais/matriarcais e a cultura
denominada por
ele de matrztica. Ele respondeu:
A diferena bsica reside no fato de a cultura
patriarcal/matriarcal estar centrada nas relaes de dominao e
submisso, exigncias, desconfianas e controle. De outro modo, uma
cultura matrztica que vem a ser antecessora da cultura
patriarcal/matriarcal est centrada em relaes de muito respeito
e, portanto, de colaborao. Na cultura patriarcal/matriarcal no h
colaborao. Quer dizer, pode haver, claro, mas o centro, o
fundamental a relao de dominao e submisso.
Segundo Maturana, em nossa sociedade de controle e
globalizada,
comum vivenciarmos relaes sociais que negam o amor como
fundamento emocional da razo e, ao neg-lo, tais relaes no poderiam
ser consideradas
como relaes sociais. O autor vem exemplificar esse quadro
societal
problematizando a competio no mbito das relaes sociais.
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Textura, n.30, jan./abr.2014 95
Para ele, constitumo-nos histrica e biologicamente como humanos
na
cooperao, e a competio uma inveno cultural humana, portanto no
biolgica. O compartilhar em ns um elemento que pertence nossa
biologia, no pertence cultura. Vivemos atualmente uma cultura que
nega o
compartilhar, porque estamos mergulhados na competio (MATURANA,
2006, p. 93).
Como foi dito, nossa histria, como seres humanos e biolgicos,
no
ocorre na competio, como acreditam os adeptos do evolucionismo
darwiniano, mas, sim, na conservao de certos modos de vida
cooperativos e
solidrios, ou seja, a competio passa a ser pensada como uma
inveno
humana e cultural, na qual a emoo central resulta na negao do
outro, no existindo, assim, competio sadia a competio sempre,
constitutivamente, antissocial.
Entre encontros e conversas, somos devorados por problematizaes.
Quais as potncias estticas, ticas e polticas da EA Autopoitica na
vida
cotidiana? De que maneira a EA Autopoitica com as redes de
conversaes
podem potencializar espaos de convivncias comprometidos com
relaes de cooperao e solidariedade entre as coletividades vivas e
no vivas na vida
cotidiana?
EA dos eventos, gincanas, feiras, mostras culturais nas
escolas,
indicadores, campanhas, mutires, reciclagens, maquetes de
isopor, coleta
seletiva etc., assim como as imagens do pensamento que
atravessam nossa
sociedade dos clichs,7 salve o planeta, atitude sustentvel,
consumo
sustentvel, mercado verde... nos ajudam a problematizar os
discursos e prticas pedaggicas, to familiares em espaos educativos,
rgos pblicos, empresariais e comunitrios.
Esses discursos deslocam em ns, a noo de sustentabilidade
como
substantivo, para pens-la como verbo, como domnios de ao, ou
seja,
7 Por um lado a imagem est sempre caindo na condio de clich:
porque se insere em encadeamentos sensrio-motores, porque ela
prpria organiza ou induz seus encadeamentos, porque nunca
percebemos tudo o que h na imagem, porque ela feita para isso (para
que no
percebamos tudo, para que o clich nos encubra a imagem...)
civilizao da imagem? Na verdade uma civilizao do clich, na qual
todos os poderes tm interesses em nos encobrir as imagens, no
forosamente em nos encobrir a mesma coisa, mas em encobrir alguma
coisa na imagem.
Por outro lado, ao mesmo tempo, a imagem est sempre tentando
atravessar o clich, sair do clich (DELEUZE, 2007, p.32).
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Textura, n.30, jan./abr.2014 96
sustentabilizar as relaes de convivncia com as coletividades
vivas e no
vivas, colocando sob rasura os discursos da sustentabilidade e
do mercado verde, que [...] insistem em colonizar, esverdear e
planificar sustentavelmente nossas vidas; quem sabe alocar uma EA
que teime em criar
pensamentos, imagens, prticas repletas do desejo de tornarem
vivas e
potentes todas as formas no monetrias de vida (GUIMARES;
SAMPAIO, 2012, p.13).
Nossa aposta deseja problematizar, no reformar, mas instaurar
uma distncia crtica; fazer atuar o desprendimento, redescobrir os
problemas, no sentido de por-entre-parnteses (MATURANA, 2006)
nossos modos de
ver o potencial do ambiental na educao, entendendo que nossos
territrios existenciais so praticados por Educaes Ambientais
encarnadas e atualizadas
no viver cotidiano.
Nesse sentido, para alm da competio, nossa concepo tica e
poltica acerca da cooperao nos desloca a pensar outros modos de
caminhar
possveis com a EA Autopoitica, diferentes das lgicas
individualistas, do
mercado verde, competitivas, produtivistas, consumistas e de
atitudes antiecolgicas; caminhos que sejam potentes em alternativas
que considerem
as relaes de aceitao do outro como legtimo outro na
convivncia.
Educaes Ambientais Autopoiticas que no se guardam, ps-
modernas (REIGOTA, 2011), ps-coloniais (MAULIN,2013),
inventivas
(GUIMARES, 2010, 2012, 2013), menores (GODOY, 2008), dos
trpicos
(BARCELOS, 2012, 2013), dos que vm das margens, dos infames...
que descolonizam os pensamentos, que nos devoram e que acontecem
nas relaes
e nas redes de conversaes tecidas na vida cotidiana. A gente
gostava das palavras quando elas perturbavam o sentido normal das
ideias.
Continuando a conversa, os caminhos propostos por Maturana
revolucionam o modo como o discurso da cincia moderna pensa a
cognio na vida cotidiana, na medida em que a inteligncia deixa de
ser entendida
como propriedade de algum iluminado, como nos modelos
tradicionais de
educao, e passa a ser visto como o que produzido nas relaes.
As
emoes, como o medo, a ambio, a competio, a violncia, o
preconceito, restringem a inteligncia. O amor a nica emoo que
amplia a inteligncia (MATURANA, 1999).
Pousando nas comunidades escolares e em outros espaos de
convivncias e puxando o fio da emoo do amor como nica emoo
que
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Textura, n.30, jan./abr.2014 97
amplia a inteligncia, apostamos nas intensidades da vida e nos
territrios do
brincar, como invenes de si e de mundos, no arejar e ventilar
experincias cooperativas amorosas e felizes como modos de
conviver.
Amor e brincadeira so modos de vidas e relaes. So domnios de
aes, e no so conceitos nem distores reflexivas, comportamentos
maus ou bons, virtudes ou valores, como dizem Maturana e
Verden-Zller (2011, p.
247) no livro Amar e brincar: fundamentos esquecidos do
humano:
O amor e a brincadeira no so conceitos nem ideias abstratas na
histria que nos deu origem. So aspectos de uma forma de vida
que se manteve, gerao aps gerao, como uma referncia operacional
em torno da qual mudou todo o resto, no devir evolutivo da linhagem
de primatas qual pertencemos. Ou seja, o amor e a brincadeira eram
formas no-reflexivas de modos de ser mamferos dos primatas bpedes,
que foram nossos ancestrais pr-humanos: simples costumes e maneiras
de relacionamento mamfero, cuja conservao como aspectos centrais de
seu modo de viver tornou possvel a origem da linguagem.
Pensando com o autor, queremos aqui considerar a EA Autopoitica
com as redes de conversaes cotidianas tecidas nos espaos de
convivncia,
entendendo-as como movimentos rizomticos em que os seres
vivos
constituem o mundo e so constitudos por ele numa autoproduo,
apostando nas relaes, no compartilhar, na solidariedade e na
aceitao do outro como
legtimo outro junto a ns no conviver amoroso, negociando as
tenses e os
conflitos culturais da vida cotidiana. Para meu gosto a palavra
no precisa significar s entoar.
Maturana convida-nos a pensar nossa relao da EA Autopoitica
como
atitude poltica articulando as dimenses ticas, os afetos e as
conversas, dissolvendo fronteiras, dicotomias, classificaes,
representaes e categorias
dos modelos de aprendizagem pautados em certezas incontestveis
e
binarismos asfixiantes. EA Autopoitica um exerccio poltico de
comprometimento com aprendizagens inventivas e compartilhadas,
com
solidariedades e cooperaes, desejando, assim, espaos de
convivncia
alegres e amorosos. No o conhecimento, mas sim, o conhecimento
do conhecimento que cria o comprometimento (MATURANA; VARELA, 1995,
p. 270).
Queremos, portanto, com essas ideias, convid-los a adentrar
nessa Oficina do viver e conhecer na amorosidade se distanciando da
competio e
se aproximando da cooperao, da tica, numa cultura matrztica
de
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solidariedade e respeito s formas de vida. Desse modo, como
ns,
educadores/as, podemos potencializar prticas pedaggicas
comprometidas politicamente com a cultura da cooperao? E nossas
conversas continuam...
Eu sempre guardei nas palavras os meus desconcertos.
CONVERSAS ENTRE DUAS PESQUISAS
A maior riqueza do homem a sua incompletude... Preciso ser
Outros... Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Os estudos de Humberto Maturana foi um potencial criador que
alimentou duas pesquisas em EA, com inspiraes no mtodo
cartogrfico e nos estudos com os cotidianos, percorrendo e criando
conexes, redes e
rizomas, na atitude poltica e metodolgica de acompanhar
processos com os
seus respectivos campos problemticos, enredados com os
imaginrios da Baa
de Vitria.
Travessias traadas pelos processos de produo de
conhecimentos,
apostando nas processualidades e na ampliao da concepo de
mundos, nas formas de se conceber o ato de pesquisar. Nesses campos
problemticos de
nossas pesquisas, ao longo dos anos de 2011 a 2013, em
guas-quentes-claras-
frias-turvas, destacando [...]que conhecer o caminho de
constituio de dado objeto equivale a caminhar com esse objeto,
constituir esse prprio caminho,
constituir-se no caminho (BARROS; PASSOS, 2010).
So muitas as entradas em uma cartografia, como um mapa-mvel numa
rede de conexes, experincias e rizomas.
Faa rizoma, no faa raiz, nunca plante! No semeie, pique! No seja
nem uno nem mltiplo, seja multiplicidades! Faa a linha e nunca um
ponto! A velocidade transforma o ponto em linha! Seja rpido, mesmo
parado! Linha de chance, jogo de cintura, linha de fuga. Nunca
suscite um General em voc! Faa mapas (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.
48).
O rizoma no tem centro, no h regras prontas, nem objetivos
previamente estabelecidos, de forma que o desafio metodolgico
est na
reverso do sentido tradicional de mtodo: no mais um caminhar
para
alcanar metas prefixadas, mas o primado do caminhar que traado
no percurso. Com isso, as pesquisas cartogrficas situam o/a
pesquisador/a nas
singularidades de conhecer, agir e praticar experincias.
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Com as nossas pesquisas problematizamos o fazer-para e apostamos
no
fazer-com, concebendo as culturas como rizomticas e
pluralizadas, dissolvendo categorias, reducionismos e determinismos
que tentam quantificar
o ambiental por meio de prticas pedaggicas que enfatizam
resultados,
desconsiderando os processos e as relaes.
As pesquisas em EA com os cotidianos (ALVES e GARCIA, 2000,
FERRAO, 2003), enredadas com as pesquisas cartogrficas
(BARROS;
PASSOS, 2010), esto abertas aos imprevistos, no enquadradas nem
aprisionada em modelos, com caminhos mltiplos e fluidos enredados
pelos
pensamentos do mundo contemporneo.
Nossos desejos com as pesquisas em EA, numa perspectiva
cartogrfica
com os cotidianos escolares, esto em habitar espaos de
convivncias que
intensifiquem experincias cooperativas, amorosas e felizes, por
meio das
Oficinas culturais e das Oficinas de mapas, tomadas como
Oficinas do viver, provocando conexes, fluxos, encontros,
cartografias, narrativas, conversas e
verdades inacabadas.
O mtodo da cartografia pressupe uma poltica da narratividade
que
permita a dissolvncia das posies estanques geralmente associadas
ao
trabalho da pesquisa quele que conhece e quilo que conhecido. Ao
abordar, como tema, a escrita de textos de pesquisa, Barros e
Passos (2010)
apresentam em Por uma poltica da narratividade, a ideia de que a
alterao
metodolgica proposta pela cartografia exige uma mudana de
prticas de
narrar.
[...] tudo isso implica tomada de posio numa certa poltica da
narratividade. A escolha dessa posio narrativa (ethos da pesquisa)
no pode ser encarada como desarticulada das polticas que esto em
jogo: [...] polticas de pesquisa, polticas da subjetividade,
polticas cognitivas. Toda produo de
conhecimento, precisamos dizer de sada, se d a partir de uma
tomada de posio que nos implica politicamente (BARROS; PASSOS,
2010, p.150).
Uma narratividade que aposta nos encontros entre os sujeitos
das
pesquisas e o que se expressa nesses encontros, inspirados no
princpio da transversalidade na acepo de Guattari (2004), que nos
ajuda a pensar na
transversal, [...] no que diz respeito aos modos de dizer, tomar
a palavra em sua fora de criao de outros sentidos, afirmar o
protagonismo de quem
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fala e a funo performativa e autopoitica das prticas narrativas
(BARROS; PASSOS, 2010, p.150).
Apostando na transversalidade, com base na frase de Deleuze e
Guattari
(2003, p. 38), ao afirmarem que somente a expresso nos d o
procedimento,
pensamos: que procedimentos metodolgicos tomaremos, em se
tratando de acompanhamento de processos? De que modo pensar o
potencial do ambiental
nas pesquisas em Educao, a partir de uma poltica de
narratividade na
transversalidade?
Na produo de dados das duas pesquisas, utilizamos Dirios de
Campo,8 fotografias, conversas autorizadas e transcritas com os
sujeitos
praticantes dos cotidianos escolares. Os cartgrafos seguiram
tambm os
ventos-de-travessias, com os movimentos do rastreio, do toque,
do pouso e do
reconhecimento atento, capturando as potncias do ambiental nos
cotidianos
escolares, que desestabilizaram concepes modernas, insustentveis
e transcendentais de conhecimentos e de sujeitos.
Comearemos com a pesquisa de Ramos (2013), intitulada Educao
ambiental entre carnavais dos amores com os mascarados do Congo de
Roda
Dgua, que teve como objetivo cartografar e problematizar, na
atualidade, saberesfazeres socioambientais, das artes de fazer e
narrar a produo dos mascarados do Congo de Roda Dgua, Cariacica/ES,
e os atravessamentos com redes cotidianas escolares e outros espaos
de convivncia. Consideramos
nessa pesquisa, saberesfazeres socioambientais como dispositivos
para pensar
com a EA.
O campo problemtico dessa pesquisa est inserido no contexto
sociocultural marcado pelo hibridismo entre indgenas, negros e
imigrantes europeus. No passado, esse municpio era desprovido de
reas de Preservao
Ambiental (APA). Atualmente, foram criadas APAs com iniciativas
de EA
enredadas com as prticas culturais cotidianas locais. Nas
inventividades cotidianas, foi nosso desejo acompanhar os processos
da produo dos
mascarados, personagem secular do municpio de Cariacica, como
prtica
cultural.
A pesquisa faz um zoom com ateno maior no personagem singular
e
ilustre do congo da regio. Nas travessias com os movimentos
metodolgicos,
8 As conversaes foram gravadas, transcritas e problematizadas de
acordo com os objetivos da pesquisa, compondo o que chamamos de
Dirio de Campo.
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os objetivos passeiam pela produo de conhecimento numa posio
tica,
esttica e poltica. O desejo foi tecer uma conversa com as
prticas culturais cotidianas locais com o campo da EA Autopoitica,
furando clichs e trazendo
tona outros cenrios de um municpio retratado como lugar dos
homens infames, onde as mazelas so evidenciadas na mdia, pela
opinio pblica, nos
discursos e na poltica, ressaltando potencialidades ambientais
locais e modos de sustentabilizar relaes com o ambiente
natural.
Os sujeitos colaboradores desta pesquisa foram: educadores/as e
educandos de redes cotidianas escolares, mestres de congo, artesos
de congo,
congueiras, filhos e filhas dos congueiros, que compem a
Associao de
Banda de Congo de Taquaruu. A geografia da pesquisa est entre a
Reserva Biolgica Estadual de Duas Bocas e uma rea de Preservao
Ambiental
Municipal Monte Moxuara, a uma altitude aproximada de 500
metros, coberto
pela Mata Atlntica.
Os fios de conversas capturados com os sujeitos praticantes nos
devires-
mascarados traduziram as relaes-aproximaes dos Mascarados do
Congo
com as matas da regio. So vrias verses para o possvel surgimento
das mscaras, feituras, usos, sentidos criados nas artes de fazer e
narrar, enredando
resistncias, sobrevivncias e modos de conviver. Vrios pontos de
vistas dos
observadores!
Nessas redes de conversaes nos deparamos com os mascarados...
com
o Joo Bananeira e com o Z Bananeira....todos esses personagens
imersos no
Carnaval de Congo de Roda Dgua, so saberesfazeres
socioambientais que atravessam e so atualizados e compartilhados
por geraes entre relaes
solidrias, amorosas e cooperativas.
As mscaras em um trabalho inconcluso! Potencial criador e
problematizador que acompanham as mscaras, os mascarados, os
espritos-
santos-mascarados. As mscaras nas prticas culturais capixabas e
seus saberesfazeres socioambientais na atualidade, nos cotidianos
escolares e nos
espaos de convivncias. O que podem as mscaras? O que pode um
cartgrafo nos cotidianos das Educaes Ambientais? O que podem
os
Carnavais dos Amores?
Continuando a conversa, a segunda pesquisa de Gonzalez
(2013)
percorre travessias com a Educao Ambiental Autopoitica com as
prticas do bairro Ilha das Caieiras entre os manguezais e as
escolas, apostando numa
poltica cognitiva e de narratividade no campo da EA.
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A pesquisa desejou acompanhar os movimentos dos
saberesfazeres
socioambientais que emergem com as redes de conversaes e com as
relaes de convivncia e de convenincia entre os sujeitos praticantes
e narradores da
mar da Baa de Vitria: pescadores, desfiadeiras de siris,
catadores de
caranguejos, comerciantes, estudantes, professores e
professoras.
As prticas do bairro Ilha das Caieiras so domnios cognitivos e
de
aes do narrar, morar, pescar e cozinhar, potencializados pelo
Turismo
Gastronmico, principalmente na Semana Santa. A EA Autopoitica
desloca, assim, a sustentabilidade praticada em discursos oficiais
e pelo mercado verde, para o sustentabilizar como domnio de ao na
convivncia e
convenincia na vida cotidiana.
O objetivo da pesquisa foi cartografar e problematizar os
saberesfazeres
socioambientais das prticas do bairro e seus atravessamentos com
as escolas e
os manguezais da Baa de Vitria, potencializando os movimentos
que a EA Autopoitica produz no cotidiano da pesquisa.
Capturamos os seguintes saberesfazeres socioambientais: ritmos
da Rua Felicidade Correia dos Santos, usos dos manguezais, museu,
usos do per,
restaurantes, o linguajar ilhs comunitrio, as crianas envolvidas
no Turismo
Gastronmico na Semana Santa, apetrechos e territrios do pescar,
ofcios dos pescadores, movimentos das mars, feitura das canoas e
tipos de embarcaes,
espcies de peixes, crustceos, perodos de andadas e defesos,
territrios do
brincar, lendas, cantigas e msicas da grande mdia, receitas
culinrias e
temperos usados nas tortas, moquecas, mariscadas, modos de
desfiar siris e camares, famlias nas caladas.
EA Autopoitica produzida nas relaes autopoiticas com tenses,
conflitos e negociaes nos cotidianos com as redes de
conversaes,
apostando compartilhar na solidariedade e na aceitao do outro
como
legtimo outro junto a ns, no conviver amoroso.
Uma artesania com outros meios de expresses cientficas e de
imagens
do pensamento, tendo a arte, as lendas e os imaginrios como
intercessores do
pensamento, fazendo do texto-vida uma escrita inventiva, traando
Educaes Ambientais Autopoiticas que acontecem nas vidas cotidianas,
com as redes
de conversaes nos cotidianos escolares tecendo saberesfazeres do
ambiental
em espaos de convivncia e de convenincia, entrelaando afetos,
negociando conflitos e tenses. E as pedagogias dos silncios, dos
controles, das ausncias,
dos indicadores, dos projetos de EA?
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As conversas tecidas com educadores/as no decorrer dos
encontros-
experincias nos moveram a pensar no ambiental e seus
atravessamentos com as redes cotidianas escolares e com os outros
espaos de convivncias,
compartilhadas por sorrisos, sons, cheiros, cores, sabores,
saberes, amores,
tenses, conflitos, paixes alegres, paixes tristes, afetos e usos
do que
aprendemos com as artes de viver e de conhecer. Pensando com
Maturana, nosso desejo est no fazer-com as conversas, numa VIDA de
menos
competio e mais colaborao, com culturas pluralizadas e de
solidariedades
e respeito s formas de vida, apostando nas oficinas do viver e
conhecer na amorosidade.
TRAVESSIAS SEM FIM
A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos
normais da fala.
Este artigo desejou ser um exerccio-deslocamento coletivo de
discusso
dos possveis produzidos com a EA Autopoitica em redes de
conversaes na vida cotidiana comprometida com a cooperao, a
solidariedade e a aceitao
do outro como legtimo outro junto a ns no conviver na
amorosidade.
tambm a possibilidade de pensarmos o potencial das conversas
como atitude metodolgica, tica, esttica e de poltica cognitiva e de
narratividade.
Acreditamos que nossas vidas so constitudas de emaranhados de
fios,
fluxos, mos, foras, corpos e de movimentos que compem tons,
dobras, sons, cores, cheiros, energias, na provisoriedade, que
vibram e nos atravessam
e, como dizia o grande Guimares Rosa (2001), em Grande serto:
veredas
O real no est na sada nem na chegada: ele se dispe para gente no
meio da travessia.
Este texto-vida desejou potencializar as dimenses da EA
Autopoitica e ventilar os possveis no devir cotidiano, num
movimento de rasurar, rachar as
coisas, rachar as palavras e de jamais interpretar..., num
movimento de
experimentar as dobras e redobras na vida cotidiana.
As redes de conversaes aqui apresentadas nos alimentaram e
criaram
em ns o exerccio de curiosear e pensar a EA Autopoitica,
percorrendo as
ideias de Maturana e suas parcerias com Varela, Verden-Zoller e
Yez, assim como as conversas inspiradoras com os/as professores/as
Antnio Carlos
Amorim, Gilfredo Maulin Carrasco, Leandro Belinaso Guimares,
Marco
Barzano, Marcos Reigota, Shaula Sampaio, Valdo Barcelos, e tambm
muitos
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Textura, n.30, jan./abr.2014 104
outros/as que tocaram nossas vidas com bons encontros e
potentes
experincias...
Por aqui vamos encerrando o texto-vida, sem perder o fio do
curiosear,
tecido por temporalidades, intensidades, negociaes que tambm
compuseram os processos autopoiticos da criao a vrias mos, e
inspirados na poesia de Manoel de Barros, com o privilgio de no
saber quase tudo. E isso explica o resto! ... Eu sustento com
palavras o silncio do abandono....
O menino que era recebera o privilgio do abandono.
Achava que seu abandono era maior que o abandono do lugar.
Mas o abandono do lugar era maior porque continha o
primordial.
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