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29/08/2011 01:32 @CartaPotiguar Filosofia, Postagens recentes 3
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O que ser o Brasil Apontamentos desde a diferena
Share 0 9 54CurtirShareShare 3Por Eduardo Pellejero
(Filsofo e professor do Dep. de Filosofia UFRN) Todos os lugares
so no estrangeiro. Helberto Helder O que ser o Brasil?Ser
argentino, estar chegando de Portugal, falar mal a lngua, aprendida
noutra parte, no mequalificam da melhor das formas possveis para
responder essa pergunta.Estrangeiro em terra estrangeira, por outra
parte, sou consciente de que, paradoxalmente, essapergunta me
dirigida a mim com muita mais frequncia do que a vocs. A mim, para
quem estaterra no a terra ptria, a mim, para quem esta lngua no a
lngua materna.Esse curioso hbito que no distintivo do Brasil, mas
uma rara constante das comunidadeshumanas responde ao desejo de
aceder a uma perspectiva exterior, ao ponto de vista dode-fora, e
eu posso compreend-lo em certa medida. No que uma perspectiva
exterior possadizer-nos o que somos, pintar-nos objetivamente, ser
um espelho; mas acaso uma perspectivaexterior fosse capaz de fazer
uma diferena.Estrangeiros mais ilustres que eu fizeram desse
princpio a chave de algumas das interpretaesmais extemporneas, mais
heterodoxas do Brasil. Penso em Lvi-Strauss, quem em Tristestrpicos
deixou o registro de uma transvalorao instigante das paisagens
tantas vezesrevisitadas. E penso em Flix Guattari, quem em 1982
atravessou um pas mobilizado, deixandocomo registro, menos uma viso
estruturada dos grupos sociais e polticos que emergiam napoca, que
uma srie de questes que ainda incitam a pensar o seu devir.No me
dado atingir essas alturas do pensamento, mas acredito compreender
o que constitui apotncia desses pontos de vista excntricos. A
saber: perante as identificaes imaginrias squais nos encontramos
sempre submetidos de alguma forma (o pas, a nao, o povo),
aperspectiva exterior opera uma desincorporao temporria da nossa
subjetividade, isto , abreuma distncia crtica em relao s imagens de
consenso nas quais so presas as nossassingularidades, em relao s
formas da representao nas quais alienamos as nossasdiferenas.O
olhar do outro no tem porque ser o inferno (mesmo no nos prometendo
o paraso). O olhardo outro (pode ser) uma brecha em nossas
identidades, uma perturbao do regime dasrepresentaes identitrias
prprias dos dispositivos de saber-poder nos quais nos
encontramosinscritos. Esse , no fundo, o segredo da emancipao: no a
autonomia, mas uma certaheteronomia, uma certa heterognese.Filsofos
como Gilles Deleuze e Jacques Rancire disseram as coisas mais
interessantes sobreessa anomalia que configura ao mesmo tempo a
potica da emancipao e as polticas da escrita(porque atravs da
escrita, da literatura, que somos capazes de experimentar-nos como
no
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somos, para alm do que chegamos a ser). De fato, muito antes de
Deleuze e Rancire, Sartresugeria que justamente uma perspectiva
exterior, excntrica, o que define a posio prpria dequalquer
escritor comprometido, engajado, em relao sociedade para a qual
escreve. Oescritor dizia Sartre chega de fora aos seus leitores, os
considera com assombro,reencontrando por vias travessas o olhar dos
excludos, dos que ocupam as suas margens, dosque, virtualmente,
constituem o seu fora. E a tarefa do escritor no superar a distncia
que osepara dos seus leitores, mas explorar essa distncia de um
modo crtico.E ento, aqui estou eu, estranho em territrio estranho,
olhando com assombro esse objetoelusivo e refratrio s definies que
o Brasil. Uma pergunta me foi colocada, e eu no consigoresponder,
apenas percorrer indefinidamente a distncia que me separa de vocs
(meu amor,como dizia Paul Valery, a explorao dessa distncia).Eu e a
minha perspectiva exterior. No uma questo meramente subjetiva. uma
falha. A falhaque habito, pelo menos na medida em que impossvel
para mim me identificar completamentecom nenhuma imagem do pas, do
povo ou da cultura. Os pases tambm habitam essas falhas.Os pases
tambm podem, sem sair do seu lugar, estar no estrangeiro.O Brasil ,
entre muitas outras coisas, um territrio, uma terra (para mais
vermelha, rubra, embrasa). Mas o Brasil tambm se encontra no
estrangeiro; quero dizer, se inscreve numa lngua,numa histria, numa
cultura que tem a sua origem, pelo menos em parte, noutro lugar
(emPortugal, na Europa, no Ocidente, e assim). Quero dizer que os
pases tambm constituem (oupodem constituir) uma perspectiva
exterior, isto , no uma identidade, mas uma diferena,
umdiferencial, uma brecha.H oitenta anos atrs, na Argentina, numa
conferncia pronunciada em 1932, que tinha por temauma questo
similar que a nossa, Jorge Luis Borges desenvolvia essa ideia. A
ideia daexterioridade da perspectiva enquanto chave duma cultura
(isto , no enquanto princpio deidentidade, mas enquanto processo de
diferenciao).Comentando a obra de um socilogo norte-americano do
sculo XIX Thorstein Veblen Borges especulava que se os judeus
tinham sido capazes de inovar em tantos aspetos da
culturaocidental, se se tinham destacado como escritores, como
filsofos ou como artistas, no se deviaa uma identidade racial ou
religiosa; se devia, antes, a que os judeus, estando ao mesmo
tempodentro e fora dessa cultura, isto , nunca se assimilando
completamente s identificaesimaginrias europeias, se encontravam em
melhores condies para criticar e recriar essa cultura(em melhores
condies que os povos que no imaginrio se identificavam totalmente
com acultura europeia). Borges escrevia:[os judeus] se destacam na
cultura ocidental porque atuam dentro dessa cultura e, ao
mesmotempo, no se sentem ligados a ela por uma devoo especial;
nessa medida diz Veblen aum judeu lhe mais fcil que a um ocidental
no judeu inovar na cultura ocidental.Borges acreditava que a mesma
coisa acontecia com os escritores irlandeses em relao cultura
inglesa. No caso dos escritores irlandeses, qualquer hiptese de
preeminncia racial oupredestinao divina deve ser imediatamente
posta de lado, porque constatamos que muitosdesses ilustres
irlandeses (Shaw, Berkeley, Swift) eram descendentes de ingleses,
eram pessoasque no tinham sangue celta. Porm, para eles foi
suficiente sentir-se irlandeses, foi suficientesentir-se diferentes
para inovar na cultura inglesa.Ora, essa diferena sem identidade,
essa distncia interior, essa reserva crtica, essa
perspectivaexterior para Borges, antes de mais, aquilo que define a
situao dos Sul-Americanos. O queBorges queria dizer que a cultura
dos argentinos, a cultura dos brasileiros, a cultura
dossul-americanos, a nossa cultura, antes de conquistar qualquer
identidade, se carateriza por essasituao anmala: somos e no somos
parte da histria de Ocidente, temos e no temos umalngua prpria,
formamos e no formamos parte da cultura europeia. Mas justamente em
virtudedessa desadecuao, dessa ligao sem devoo, podemos manejar
todos os temas da culturaocidental sem pompa, sem supersties, com
uma irreverncia que pode ter (e que j teve)consequncias afortunadas
(e a mesma coisa vale para a lngua e para a histria). nesse
sentido, acredito, que devamos ler a literatura de Guimares Rosa,
de Manoel de Barrosou de Clarice Lispector. nesse sentido que
devamos pensar a obra conceitual de CildoMeireles, o cinema de
Glauber Rocha, a msica de Chico Buarque. E tambm nesse sentidoque o
jogo em que andamos a filosofia, a literatura, a histria pode
ganhar um valor crticofundamental, no s para os homens que nos lem
nestes sertes, mas tambm para os homensque no nos lem, para os
homens de alm-mar, para os quais o Brasil uma incgnita, umadiferena
sem identidade, uma falha.
Ivanilson Kelvin Mateus Ruama Joao
Iza Mozart Geraldo Ch Dianna
Ubiratan Felipe Clara Victor Veronica
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O que ser o Brasil Apontamentos desde a diferena ...
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2 de 6 28/09/11 10:27
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Isto que digo no quer ser uma definio: no se trata de um
sucedneo, de um duplotranscendental dessa ideia generalizada do
Brasil enquanto mestiagem ou miscigenao. Aperspectiva exterior no
uma posio de identidade, um princpio de diferenciao. Estarde-fora,
ver as coisas desde o exterior no uma essncia, uma imagem, uma
origem arecuperar ou um ideal ao qual equiparar-se. Da mesma forma
que a solido, da mesma formaque errncia, da mesma forma que o
exlio, uma espcie de destino sem destinao, caminhosem objetivo que
corresponde a esse objetivo sem caminho que o nico que vale a pena
atingir(Blanchot). , nesse sentido, o prprio duma existncia, no o
contedo duma essncia (logo, aforma duma liberdade).Becket dizia que
somos estpidos, mas no assim to estpidos como para acreditar que
algumpossa viajar simplesmente pelo prazer de viajar. Se viajamos,
viajamos porque no temos outrasada.A mim, por exemplo, a diferena
que me forava a sentir o que sentia, a pensar o que pensava, afazer
o que fazia, no me deixava alternativas, e tive que sair, tive que
ir embora, tive que viajar.Sou outro agora. Outro entre outros. De
outra maneira. Os pases, os povos tambm fazem suasviagens, mas de
forma imvel. Quando no h mais alternativa, fazem as suas viagens. E
essasviagens tm um nome (em realidade tm muitos): a
desincorporao.Quando os pases so reduzidos a uma imagem do consenso
(como quando se reduz umasociedade a um nmero, ou a vrios), quando
os povos so cooptados s mos de umaidentificao imaginria (como
quando se fala do povo brasileiro, como quando se grita Viva opovo
brasileiro), quando a gente marginada, esquecida, negada conta duma
representaomaioritria (como quando se nega a ligao histrica duma
minoria a uma terra ou oreconhecimento jurdico de uma configurao do
desejo), ento sempre fica a alternativa dadesincorporao, da
desujeio, da desindentificao, do devir, da viagem.Se a escrita, se
a filosofia ainda faz algum sentido para ns, na mediao infinita
desse trabalhode (des)subjetivao para alm dos dispositivos de
captura do saber e do poder.Pensar o Brasil no refletir sobre uma
identidade, mas fazer uma diferena (sendo o Brasil essadiferena
sempre por fazer). Mas, claro, ento a pergunta que
extemporaneamente me foi dirigidaem virtude da minha desadequao
muda de signo, e j no diz respeito ao que o Brasil , aoque o Brasil
chegou a ser, mas ao que o Brasil ainda no , ao que est em vias de
devir.E ento eu posso me fazer essa pergunta como vocs, colocar-me
junto a vocs essa perguntaque no tem a forma duma proposio, mas
duma tarefa, duma recriao.O que ser o Brasil, a apatria?
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29/08/2011 at 11:54
Muito bom texto!Para muitos brasileiros, intelectuais ou no, o
Brasil simples de seentender e definir: sociedade miscigenada,
marcada pela corrupo e o
personalismo, cultura de patrimonialismo, pessoas alegres etc..
Seria um pas transparentedemais. na transparncia, na naturalizaes
de nossas pr-noes que reside o problemade nossa autoimagem e
autocompreenso. Precisamos de algum e de obras que
lancemdvidas.Talvez, um olhar estrangeiro nos ajude. Como disse o
socilogo Georg Simmel, oestrangeiro pode ser um potente mediador,
pois nele o prximo est remoto e o distanteperto.
Rating: 5.0/5 (2 votes cast)
Sandra
Rating: 0 (from 0 votes)
29/08/2011 at 21:50
Bem legal o texto! Parabns.
Rating: 0.0/5 (0 votes cast)
Ceclia Marinho 30/08/2011 at 11:41Muito bom texto professor. E
melhor ainda aula dele, quem tiver comopagar alguma matria com
Pellejero, no desperdice a oportunidade.
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