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AO CIVIL PBLICA 20 ANOS Novos Desafios
Eduardo Cambi Mestre e Doutor em Direito pela UFPR
Professor de Direito Processual Civil da PUC-PR e dos cursos de
mestrado da UNESPAR e da UNISUL
Membro do Ministrio Pblico do Estado do Paran
Sumrio: 1. Introduo; 2. Retrocessos na ao civil pblica; 3.
Inqurito civil e poderes investigatrios do Ministrio Pblico; 3.1.
Aperfeioamento no Projeto Original; 3.2. Conceito e finalidade;
3.3. Objeto dos poderes de investigao na esfera civil; 3.4.
Instaurao do inqurito civil; 3.5. Competncia funcional e
territorial para instaurar o inqurito; 3.6. Controle da instaurao
do inqurito; 3.7. Poderes investigatrios no curso do inqurito
civil; 3.8. Observncia do contraditrio e publicidade indevida; 3.9.
Valorao dos elementos de prova colhidos no inqurito civil; 3.10.
Arquivamento; 3.11. Rejeio do arquivamento pelo Conselho Superior;
3.12. Ausncia de controle judicial no arquivamento; 3.13.
Reabertura do inqurito por novas provas; 3.14. Concluso; 4.
Compromisso de ajustamento de conduta; 5. Aprimoramentos na LACP;
5.1. Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica; 5.2.
Anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos Coletivos; Concluso;
Bibliografia.
1. Introduo
A Lei 7.347 (LACP), de 24 de julho de 1985, que est preste a
completar 20 (vinte) anos, revolucionou o processo civil brasileiro
e a tutela dos direitos transindividuais e individuais
homogneos.
Antes da LACP, a tutela jurisdicional dos direitos coletivos,
especialmente relacionados com o meio ambiente, s relaes de
consumo, bens e direitos de valor artstico, esttico, histrico,
turstico e paisagstico, do patrimnio pblico e social no encontrava,
no ordenamento jurdico, instrumentos processuais adequados e
efetivos para a sua proteo.
O Cdigo de Processo Civil - Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973
foi forjado para a tutela dos interesses individuais (direitos
subjetivos), sobretudo os de carter patrimonial. A titularidade do
direito subjetivo, irradiada no ordenamento processual pelo
princpio dispositivo (pelo qual a sorte do processo est, em certa
medida, entregue a vontade das partes), projetou o carter
eminentemente individualista do CPC. Esta compreenso est
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expresso em regras como as dos artigos 6 (sobre a legitimao
ordinria) e 472 (sobre os limites subjetivos da coisa julgada
material), cabendo ao titular do direito subjetivo o poder de fruir
ou no dele, ou dele desistir, transacionar etc, no podendo os
efeitos da deciso ultrapassar a pessoa dos litigantes1.
Assim, institutos como o da legitimidade ad causam, a prova, a
sentena e a coisa julgada, porque moldados sob o paradigma do
Estado Liberal Clssico, impossibilitavam que a sociedade civil
organizada e os rgos pblicos de defesa dos interesses coletivos
pudessem levar e ver tutelados pelo Judicirio tais direitos de
carter transindividual2. Com efeito, esses institutos no
acompanharam a passagem do Estado Liberal para o de Bem-Estar
Social.
Trs fatores acentuaram uma nova era de direitos, a partir de
meados do sculo passado3: i) aumentaram os bens merecedores de
tutela (as meras liberdades negativas, de religio, opinio, imprensa
etc, deram lugar aos direitos sociais e econmicos, a exigir uma
interveno positiva do Estado); ii) surgiram outros sujeitos de
direitos, alm do indivduo (singular), como a famlia, as minorias
tnicas e religiosas e toda a humanidade em seu conjunto; iii) o
prprio homem deixou de ser considerado em abstrato, para ser visto
na concretude das relaes sociais, com base em diferentes critrios
de diferenciao (sexo, idade, condies fsicas etc), passando a
tratado especificamente como homem, mulher, homossexual, criana,
idoso, deficiente fsico etc.
Mais bens, sujeitos e status aos indivduos, associados aos novos
problemas decorrentes do capitalismo moderno e da vida em uma
sociedade urbana de massas (poluio, produo em srie, crescimento
desenfreado das cidades etc) demandaram outros mecanismos de tutela
mais adequados a sua efetivao. Logo, a partir da categorizao
dos
1 Cfr. Arruda Alvim. Ao civil pblica sua evoluo normativa
significou crescimento em prol da proteo s
situaes coletivas. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade
e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 76; Ronaldo
Porto Macedo Jnior. Ao civil pblica, o direito social e os
princpios. In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade e desafios.
Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 560. 2 Nas palavras de
Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a concepo tradicional do processo
civil no deixa
espao para a proteo dos direitos difusos. O processo era visto
apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava soluo de
uma controvrsia entre essas mesmas partes a respeito de seus
prprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um
grupo, ao pblico em geral ou a um segmento do pblico no se
enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da
legitimidade, as normas de procedimento e a atuao dos juzes no eram
destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos
intentadas por particulares (Acesso justia. Trad. de Ellen Gracie
Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. Pg. 50). 3 Cfr. Norberto
Bobbio. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
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direitos ou interesses transindividuais, os clssicos
instrumentos processuais, pensados para a proteo dos direitos
subjetivos, precisaram ser repensados.
Nesse contexto, a ao civil pblica nasce da percepo dos escopos
social e poltico do processo civil. A tcnica processual, mais do
que buscar a atuao da vontade concreta da lei (Chiovenda) ou a
justa composio da lide (Carnelutti), deve estar voltada realizao
dos valores e direitos fundamentais descritos na Constituio. Cabe
ao processo civil estabelecer instrumentos cleres, adequados e
efetivos para a concretizao da cidadania, da dignidade da pessoa
humana, da construo de uma sociedade livre, justa e solidria, bem
como da erradicao da pobreza e a reduo das desigualdades
econmico-sociais.
Ao longo dos ltimos vinte anos, paulatinamente, a LACP ajudou a
criar uma nova cultura jurdica de defesa dos direitos coletivos,
possibilitando o acesso coletivo Justia.
Tal forma de pensar o direito contribui significativamente com a
agilizao da prestao jurisdicional, na medida em que tais interesses
so resolvidos em uma s demanda e em um nico processo, evitando
centenas ou milhares de aes individuais que emperrariam o
funcionamento do Judicirio.
O Ministrio Pblico, transformado pela Constituio de 1988, como
um verdadeiro agente poltico de transformao social, foi
indispensvel nessa mudana cultural. Estatsticas apontam que, apesar
do artigo 5 da LACP prever outros legitimados ativos, cerca de 95%
(noventa e cinco por cento) das aes civis pblicas, no Brasil, foram
propostas pelo Ministrio Pblico4.
2. Retrocessos na ao civil pblica
Ao longo destes vinte anos, o Ministrio Pblico no s tem
procurado se adequar s novas atribuies que lhe so impostas (p. ex.,
com o advento do Cdigo de Defesa do Consumidor, do Estatuto da
Criana e do Adolescente, da Lei de Improbidade
4 Cfr. RT informa, n. 37, junho de 2005, pg. 5.
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Administrativa, do Estatuto do Idoso etc), como defender a ordem
jurdica, o regime democrtico e os interesses sociais e individuais
indisponveis (art. 127, caput, da CF), contra as investidas
freqentes de inescrupulosos detentores dos poderes poltico e/ou
econmico.
Com efeito, parcelas da sociedade e do governo se sentiram
ameaadas com as aes civis pblicas que, durante esses vinte anos,
sofreram inmeros retrocessos ou tentativas de retrocessos, tais
como os a seguir salientados.
i) A reduo do objeto da ao civil pblica, pela Medida Provisria
n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001 (ao introduzir o pargrafo nico
no artigo 1 da LACP), pela qual no podem ser objeto de ao civil
pblica as pretenses que envolvam tributos5, contribuies
previdencirias, o Fundo de Garantia do Tempo de Servio FGTS ou
outros fundos de natureza institucional cujos beneficirios podem
ser individualmente determinados.
Tais restries tiveram o intuito de evitar que interesses
governamentais venham a ser contrariados judicialmente, fazendo com
que argumentos de terror econmico (como o da quebra da Previdncia)
imperem sobre direitos e garantias fundamentais.
ii) A restrio imposta s entidades associativas, quando ajuizarem
aes coletivas contra o Poder Pblico, que devem instruir a petio
inicial, obrigatoriamente, com a ata da assemblia da entidade
associativa que a autorizou, acompanhada da relao nominal dos seus
associados e a indicao dos respectivos endereos (art. 2-A da Lei
9.494/97, implementado pela Medida Provisria 2.180-35, de
24.08.2001).
As mencionadas disposies criam obstculos flagrantemente
inconstitucionais ao acesso justia coletiva, alm de contrariarem os
institutos da legitimao para agir e a
5 Inviabilizando a tutela coletiva em relao ao recebimento do
emprstimo compulsrio sobre combustveis,
cedendo as presses do governo para no pagar, rapidamente, o que
deve, o STF negou a legitimidade da Associao Paranaense de Defesa
do Consumidor: Agravo regimental em Agravo de Instrumento. 2.
Recurso Extraordinrio. Ao Rescisria. 3. Ilegitimidade ativa da
associao de defesa do consumidor para propor Ao Civil Pblica na
defesa de interesses individuais homogneos. Matria devidamente
prequestionada. Questo relativa s condies da ao no pode ser
conhecida de ofcio. 4. Emprstimo compulsrio sobre a aquisio de
combustveis. Qualificao dos substitudos como contribuintes. 5.
Inexistncia de relao de consumo entre o sujeito ativo (poder
pblico) e o sujeito passivo (contribuinte). 6. Precedentes do STF
no sentido de que o Ministrio Pblico no possui legitimidade para
propor ao civil pblica com o objetivo de impugnar a cobrana de
tributos. 7. Da mesma forma, a associao de defesa do consumidor no
tem legitimidade para propor ao civil pblica na defesa dos
contribuintes. 8. Agravo regimental provido e, desde
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substituio processual reconhecida, constitucionalmente (art. 5,
XXI, da CF)6, s entidades associativas e, ainda, os limites
subjetivos da coisa julgada das aes coletivas7.
Felizmente, os Tribunais Superiores vm considerando tais
restries inconstitucionais.
iii) A submisso da eficcia erga omnes da coisa julgada, aos
limites da competncia territorial do rgo prolator da deciso, com a
alterao do artigo 16 da LACP, pela Lei 9.494, de 10 de setembro de
1997, com manifesto propsito de fracionar o alcance das aes
coletivas, exigindo o ajuizamento de outras aes coletivas no
abrangidas pela competncia territorial do rgo julgador8.
Entretanto, tal tentativa de reduo do alcance da ao coletiva
frustrado, em sua essncia, quando se trata de interesses difusos e
coletivos, cujo objeto indivisvel, no
logo, provido o recurso extraordinrio para julgar procedente a
ao rescisria (AI 382.298-Ag. / RS 2 T. - rel. Min. Gilmar Mendes j.
04.05.2004 pub. DJ 28.05.2004, pg. 53). 6 as entidades
associativas, quando expressamente autorizadas, tm legitimidade
para representar seus filiados
judicial ou extrajudicialmente. 7 Corretamente, o STF considerou
inconstitucional a necessidade de expressa autorizao dos associados
para a
propositura da ao civil pblica e a execuo do julgado,
considerando que, em face da tutela de direitos individuais
homogneos, os beneficirios da sentena genrica obtida Associao dos
Poupadores do Paran (APADECO) tinham legitimidade para executar o
ttulo executivo judicial, sem tal exigncia: 1. Recurso
extraordinrio: descabimento: precluso do fundamento
infraconstitucional limites subjetivos da coisa julgada suficiente
manuteno do acrdo recorrido: incidncia, mutatis mutandis, do
princpio da Smula 283. 2. Substituio processual: assente a
jurisprudncia do STF no sentido de que no se exige, em caso de
substituio processual, a autorizao expressa a que se refere o
artigo 5, XXI, da CF/88 expressa para a propositura da ao, no h que
se fazer a exigncia para a respectiva execuo de sentena, bastando
que a pretenso do exeqente se compreenda no mbito da eficcia
subjetiva do ttulo judicial executado (RE 436.047-PR 2 T. rel. Min.
Seplveda da Pertence j. 26.04.2005 pub. DJU 13.05.2005, pg. 18).
Nesse sentido, tambm julgou o STJ: Para a comprovao da legitimidade
ativa de credor-poupador que prope ao de execuo com lastro no ttulo
executivo judicial exarado na ao civil pblica, despicienda se
mostra a comprovao de vnculo com a associao proponente da ao ou a
apresentao de relao nominal e de endereo dos associados.
Precedentes (AgRg no REsp. 653.510-PR 3 T. rel. Mina. Ftima
Andrighi j. 28.10.2004 pub. DJU 13.12.2004, pg. 359). Verificar,
contudo, a nota seguinte. 8 O STJ, em deciso equivocada, reduziu o
contedo da tutela coletiva dos direitos individuais homogneos,
contribuindo para a maior morosidade da justia: Processual
civil. Ao civil pblica. APADECO. Emprstimo Compulsrio de
Combustveis (DL 2.288/86). Execuo de sentena. Eficcia da sentena
delimitada ao Estado do Paran. Violao do art. 2-A da Lei n.
9.494/97. Ilegitimidade das partes exeqentes. 1. Impossibilidade de
ajuizamento de ao de execuo em outros estados da Federao com base
na sentena prolatada pela Juzo Federal do Paran nos autos da Ao
Civil Pblica n. 93.0013933-9 pleiteando a restituio de valores
recolhidos a ttulo de emprstimo compulsrio cobrado sobre a aquisio
de lcool e gasolina no perodo de jul/87 a out/88, em razo de que em
seu dispositivo se encontra expressa a delimitao territorial adrede
mencionada. 2. A abrangncia da ao de execuo se restringe a pessoas
domiciliadas no Estado do Paran, caso contrrio geraria violao do
art. 2-A da Lei n. 9.494/97, litteris: A sentena civil prolatada em
ao de carter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa
dos interesses e direitos dos seus associados, abranger apenas os
substitudos que tenham,na data da propositura da ao, domiclio no
mbito da competncia territorial do rgo prolator (AgRg nos EDcl no
REsp. 639.158-SC 1 T. rel. Min. Jos Delgado j. 22.03.2005 pub. DJU
02.05.2005, pg. 187).
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permitindo fracionamento. Por outro lado, interpretar tal
dispositivo no sentido de afirmar que a deciso, quanto aos
interesses individuais homogneos vale apenas dentro dos limites
territoriais em que foi proferida, uma forma de reduo do acesso
justia coletiva, j que exigiria que a mesma demanda fosse proposta
em diversos lugares para que todos fossem dela beneficiados, o que
contraria flagrantemente o direito fundamental tempestividade da
tutela jurisdicional (art. 5, inc. LXXVIII, da CF), alm de
contrariar a prpria noo ampliativa da coisa julgada erga omnes,
voltada tutela mais efetiva de leses a interesses individuais de
origem comum.
Alis, por isto, o artigo 33, par. 5, do Cdigo Modelo afirma que
a competncia territorial do rgo julgador no representar limitao
para a coisa julgada erga omnes.
Esta linha de argumentao, todavia, no tem prevalecido nos
Tribunais Superiores.
iv) A tentativa de extenso, inicialmente pela nova redao ao
artigo 84 do CPP9, de prever o foro por prerrogativa de funo para
atos de improbidade administrativa, inclusive aps a cessao do
exerccio do cargo (repristinao da Smla 394/STF)10, alm da excluso
dos agentes polticos da Lei de Improbidade11, que ficariam sujeitos
s leis especficas (Lei 1.079/50 e Dec.-lei 201/67), sujeitando-se
ao julgamento somente pelos
9 Tal artigo foi introduzido, pela Lei 10.628/2002, com a
seguinte redao: A competncia pela prerrogativa de
funo do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justia, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justia dos
Estados e do Distrito Federal, relativamente s pessoas que devam
responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.
Par. 1 A competncia especial por prerrogativa de funo, relativa a
atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inqurito ou a
ao judicial sejam iniciados aps a cessao do exerccio da funo
pblica. Par. 2 A ao de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2
de junho de 1992, ser proposta perante o tribunal competente para
processar e julgar criminalmente o funcionrio ou autoridade na
hiptese de prerrogativa de foro em razo do exerccio de funo pblica,
observado o par. 1. Este artigo foi objeto da ADIn 2797, ajuizada
pela Associao Nacional dos Membros do Ministrio Pblico (CONAMP),
sob o fundamento de que somente a Constituio poderia estatuir foro
por prerrogativa de funo, mas a liminar foi negada pelo ento
Presidente da Corte, Min. Ilmar Galvo. Alm disto, h Proposta de
Emenda Constitucional (PEC 358/05, substitutivo da Reforma do Poder
Judicirio) para transformar o referido dispositivo infra-legal em
constitucional. 10
Esta Smula, cancelada em 25.08.1999, assegurava a subsistncia do
foro privilegiado para os crimes comuns mesmo aps a cessao do
exerccio do cargo. Na questo de ordem no Inqurito n. 2.010/SP (Rel.
Min. Marco Aurlio), o STF discute a constitucionalidade do par. 1,
do art. 84, do CPP, o qual estende ao ex-agente a competncia
especial por prerrogativa de funo. O Relator declarou a
inconstitucionalidade do referido preceito, sendo acompanhado pelo
Ministro Seplveda Pertence, mas o feito, at o momento, encontra-se
paralisado com pedido de vista formulado pelo Ministro Eros Grau.
11
Cfr. Reclamao 2.138-DF rel. Min. Nelson Jobim j. 11.09.2002.
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crimes de responsabilidade, perante a Cmara de Vereadores, a
Assemblia Legislativa ou o Senado Federal.
Quanto ao primeiro aspecto, a conseqncia prtica da manuteno do
foro por prerrogativa de funo ser, em um primeiro momento,
transferir aos Procuradores Gerais de Justia a competncia para
promover os inquritos civis e as aes civis pblicas na medida em que
compete a ele oficiar nos processos da competncia originria do
Tribunal de Justia12. Com efeito, isto retirar dos promotores de
justia o poder de fiscalizar acontecimentos locais, envolvendo
prefeitos, tornando mais difcil a apurao dos fatos. Por outro lado,
todas as aes civis pblicas, bem como as aes cautelares (que se
fizerem necessrias durante o andamento do inqurito civil), em
curso, seriam remitidas ao Tribunal de Justia, criando um entrave
ao regular funcionamento do Poder Judicirio. O excessivo nmero de
demandas desvirtuaria a funo precpua dos Tribunais de rgo revisor
para serem transformados em rgos de primeiro grau.
Por isto, mesmo que o contedo do atual artigo 84 do CPP seja
inserido em Emenda Constitucional, conforme pretende a PEC 358/05,
isto no evitar a sua inconstitucionalidade material (violao das
clusulas ptreas art. 60, par. 4, CF referentes separao dos Poderes
e dos direitos e garantias individuais)13. O envio de centenas de
aes civis pblicas ao Tribunal de Justia inviabilizar a sua funo
precpua de rgo revisional, para transform-lo em rgo decisrio em uma
dimenso para a qual no foi concebida pelo Poder Constituinte
Originrio. Retirar-se-o do promotor de justia e do juiz de primeiro
grau, que esto mais prximos dos acontecimentos, as melhores
possibilidades de apurao dos fatos e da fiscalizao da lei. Por
isto, o artigo 84 do CPP ou qualquer emenda constitucional que
visse, nos mesmos moldes, contemplar o foro por prerrogativa de
funo no so razoveis, ferindo a garantia do devido processo legal em
sentido substantivo14.
12 Cfr. Ao civil pblica e a tutela da probidade administrativa.
In: Ao civil pblica aps 20 anos: efetividade
e desafios. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 180-1.
13
Idem. Pg. 181-3. 14
A essncia do substantive due process of law reside na
necessidade de proteger os direitos e as liberdades de pessoas
contra qualquer modalidade de legislao que se revele opressiva ou
destituda do necessrio coeficiente de razoabilidade. Isso
significa, dentro da perspectiva da extenso da teoria do desvio de
poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este no
dispe da competncia para legislar ilimitadamente, de forma
imoderada e irresponsvel, gerando, com o seu comportamento
institucional, situaes normativas de absoluta distoro e, at mesmo,
de subverso dos fins que regem o desempenho da funo estatal
(STF
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Quanto ao segundo aspecto, sobre a duplicidade de sistemas
punitivos (envolvendo os agentes polticos), o crime de
responsabilidade e o ato de improbidade administrativa so ilcitos
diversos que possuem mecanismos e princpios prprios (arts. 37, par.
4, e 52, par. n., da CF), ainda que, em determinado caso, possam
ter sanes idnticas (perda da funo pblica e suspenso dos direitos
polticos)15. Alis, o artigo 37, par. 4, da CF expresso ao mencionar
que os atos de improbidade administrativa importaro a suspenso dos
direitos polticos, a perda da funo pblica, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento do errio, na forma e gradao previstas em
lei, sem prejuzo da ao penal cabvel. No h sistema punitivo duplo,
porque, no sendo o ato de improbidade de natureza penal, e podendo
a ao penal, por crime de responsabilidade, conforme o caso,
conduzir a suspenso dos direitos polticos, conforme o artigo 15,
inciso III, da CF, os ilcitos tm natureza jurdica diversa, ainda
que as sanes possam ser equivalentes. Ademais, o crime de
responsabilidade, tem sofre grande valorao poltica, sobretudo
quando julgado por rgo no jurisdicional, o que no ocorre com o ato
de improbidade administrativa.
Resultado destas controvrsia a suspenso de inmeros processos,
por fora do artigo 265, inc. IV, a, do CPC, at o julgamento da
Reclamao n. 2.138-6-DF, protelando decises importantes que ou
agravam o sentimento de impunidade ou a honra do agente pblico
inocente16.
ADIn-MC 1.063-DF Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j.
18.05.1994 pub. DJU 27.04.2001, pg. 57). 15
Idem. Pg. 178-9. 16
Nesse sentido, vale mencionar o seguinte precedente:
Administrativo e processual civil. Ao de improbidade
administrativa. Ex-prefeito. Suspenso do processo. Prejudicialidade
externa. Reclamao n. 2.138-DF e Questo de Ordem no Inqurito n.
2.010-SP em trmite no STF. I Trata-se de ao civil pblica, na qual
se busca a condenao de ex-prefeito por atos de improbidade
administrativa praticados durante sua gesto, a teor do art. 12,
inciso II, da Lei 8.429/92. II Correto o entendimento do Tribunal a
quo no sentido da suspenso do processo em apenso, a teor do artigo
265, inciso IV, aliena a, do CPC, at o julgamento final da Reclamao
n. 2.138-9 e da Questo de Ordem suscitada no Inqurito n. 2.010-SP,
em curso perante o STF, em face da relevncia de tais julgados ao
presente pleito. III Na RCL n. 2.138-6/DF, Rel. Min. Nelson Jobim,
discute-se qual o regime da responsabilidade imposto aos agentes
polticos, caminhando o julgamento, com cinco votos pela procedncia
da reclamao, com a tese de que os agentes polticos, por estarem
regidos por norma especial, no respondem por improbidade
administrativa, mas sim por crime de responsabilidade. Assim, a
manter-se tal entendimento, a ao de improbidade discutida no
Tribunal a quo restaria extinta. IV Na questo de ordem no Inqurito
n. 2.010/SP, Rel. Min. Marco Aurlio, o Excelso Pretrio discute a
constitucionalidade do par. 1, do art. 84, do CPP, o qual estende
ao ex-agente a competncia especial por prerrogativa de funo. O
Ministro Relator declarou a inconstitucionalidade do referido
normativo, sendo acompanhado pelo Ministro Seplveda Pertence,
estando o feito paralisado com pedido de vista formulado pelo
Ministro Eros Grau. Vingando a tese, tambm ressair prejudicada a ao
em tela, tendo em vista ser direcionada a ex-prefeito (REsp. n.
662.050-SP 1 T. rel. Min. Francisco Falco j. 26.04.2005 pub. DJU
30.05.2005, pg. 239)..
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v) as tentativas freqentes de reduo dos poderes (investigatrios)
do Ministrio Pblico, com vistas a amedrontar a sua atuao em defesa
da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses sociais e
individuais indisponveis17.
3. Inqurito civil e poderes investigatrios do Ministrio
Pblico
3.1. Aperfeioamento no Projeto Original
A LACP resultou de anteprojeto apresentado pelos Professores
Cndido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e
Waldemar Mariz de Oliveira, levado ao Congresso Nacional pelo
Deputado Federal Flvio Bierrembach, onde se transformou no Projeto
de Lei n. 3.034. Tal iniciativa legislativa se restringia tutela
jurisdicional do meio ambiente.
Posteriormente, os promotores de justia de So Paulo Antonio
Augusto de Mello de Camargo Ferraz, Edis Milar e Nelson Nery Jnior
apresentaram, em um seminrio promovido pelo Ministrio Pblico
paulista sugestes ao projeto original, onde no s ampliaram o objeto
da tutela jurisdicional, como tambm previram o inqurito civil.
Depois da LACP, a prpria Constituio Federal (art. 129, inc. III)
e outras leis subseqentes passaram a fazer meno ao inqurito civil
(como a Lei 7.853/1989, que trata da proteo das pessoas portadoras
de deficincia; o Estatuto da Criana e do Adolescente; o Cdigo de
Defesa do Consumidor; a Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico e
a Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio).
A propsito, s o Ministrio Pblico est autorizado a instaurar o
inqurito civil. Os demais legitimados ativos para a propositura da
ao civil pblica ou requerem a
17 Segundo matria publicada no O Estado de So Paulo, de
12.04.1999, p. A-6, o Ministrio Pblico no
desperta a ira dos mais poderosos do Senado, mas tem inimigos na
Cmara, onde se discute a reforma do Judicirio. A tucana Zulai Cobra
(SP) est entre as mais empenhadas em reduzir o poder dos
procuradores e promotores. Em solenidade com prefeitos realizada na
semana passada no Palcio dos Bandeirantes, ela discursou: O
Ministrio Pblico est acabando com as prefeituras; vamos agora
acabar com ele. Foi aplaudidssima. Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O
inqurito civil e o poder investigatrio do Ministrio Pblico. In: Ao
civil pblica aps 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis
Milar. So Paulo: RT, 2005. Pg. 234.
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abertura de inqurito civil ou devem juntar os elementos de
convico necessrios para o ajuizamento da demanda.
3.2. Conceito e finalidade
O inqurito civil um procedimento administrativo investigatrio,
de carter inquisitivo e informativo18, instaurado e presidido pelo
Ministrio Pblico19.
O inqurito civil se destina a colher elementos de convico para
que o Ministrio Pblico verifique se caso ou no de no s promover a
ao civil pblica, mas tambm de exercer atividades subsidirias como a
tomada de compromissos de ajustamento, a realizao de audincias
pblicas, a emisso de relatrios e recomendaes. Alm disto, as
informaes colhidas no inqurito civil podem redundar na apurao da
autoria e da materialidade de ilcitos penais, servindo de base para
uma eventual denncia, uma vez que o inqurito penal no indispensvel
propositura da ao penal pblica20.
Para bem desempenhar as suas funes o Ministrio Pblico precisa
ter meios prprios de investigao (incluindo a presena de pessoal
especializado, como tcnicos em contabilidade, meio ambiente, sade
pblica etc) para poder apurar fatos que possam mostrar-se lesivos
ao patrimnio pblico, ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimnio
cultural ou a outros interesses difusos, coletivos ou individuais
homogneos.
No entanto, o inqurito civil pode ser dispensvel quando existam
elementos de convico suficientes provenientes de outras fontes
(documentos provenientes de Comisses
18 O inqurito civil pblico procedimento informativo, destinado a
opinio actio do Ministrio Pblico.
Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de
convico, tendo natureza inquisitiva (STJ REsp. 644.944-MG 2 T. rel.
Min. Joo Octvio de Noronha j. 17.02.2005 pub. DJU 21.03.2005, pg.
336). 19
Conforme j reconheceu o STJ: O inqurito civil um instrumento de
coleta de informaes de forma a aclarar, determinar e precisar os
fatos denunciados, para que se possa verificar a necessidade ou no
de ajuizamento de ao civil pblica (REsp. 262.185-MT 2 T. rel. Min.
Castro Meira j. 05.04.2005 pub. DJU 23.05.2005, pg. 188). 20
Com apoio no art. 129 e incisos, da Constituio Federal, o
Ministrio Pblico poder proceder de forma ampla, na averiguao dos
fatos e na promoo imediata da ao penal pblica, sempre que assim
entender configurado ilcito. Dispondo o promotor de elementos para
o oferecimento da denncia, poder prescindir do inqurito policial,
haja vista que o inqurito procedimento meramente informativo, no
submetido ao crivo do contraditrio e no qual no se garante o
exerccio da ampla defesa (STF - HC 77.770-SC 2 T. rel. Min. Nri da
Silveira j. 07.12.1998 pub. DJU 03.03.2000, pg. 62).
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Parlamentares de Inqurito, extrados de outros autos de processo
judicial ou administrativo, peas recebidas do Tribunal de Contas
etc).
3.3. Objeto dos poderes de investigao na esfera civil
O inqurito civil, tal como reconhece o artigo 6 da Lei Orgnica
do Ministrio Pblico da Unio, que se aplica subsidiariamente aos
Ministrios Pblicos Estaduais, um instrumento de atuao ministerial
e, em sendo assim, deve ser utilizado no somente para apurar leses
a direitos transindividuais, mas para a defesa de todo interesse,
mesmo que individual indisponvel, afeto s atribuies do Ministrio
Pblico (como, por exemplo, aes para a destituio do poder familiar,
nulidade de casamento, interdio etc)21.
Contudo, quando se tratar de interesses coletivos ou individuais
homogneos, apesar do artigo 90 do CDC se estender LACP, Hugo Nigro
Mazzilli22 adverte que o Ministrio Pblico s deve agir quando haja
concreta convenincia social em sua atuao, afervel a partir de
critrios objetivos, tais como: i) a natureza do dano (p. ex., sade,
segurana e educao pblicas); ii) a disperso dos lesados (a
abrangncia social do dano, ou seja, a quantidade dos lesados); iii)
o interesse social no funcionamento de um sistema econmico, social
ou jurdico (previdncia social, captao de poupana popular etc).
Quanto s decises da Administrao, no campo da discricionariedade
administrativa, o Ministrio Pblico deve ter presente que possvel
investigar o mrito do ato administrativo discricionrio, no que
concerne aos motivos ou aos fins, quando tenha havido suspeita de
imoralidade, desvio de poder ou de finalidade, ou quando o
administrador no tenha observado o princpio da eficincia, da
proporcionalidade ou da razoabilidade23. Por exemplo, diante da
falta de vagas para crianas nas creches ou escolas pblicas, da
inexistncia de leitos suficientes para o atendimento dos
necessitados na rea da sade pblica, da falta de condies de
saneamento bsico, da superpopulao carcerria etc, pode o agente
ministerial controlar a aplicao do oramento pblico, pois, se certo
que o Poder Executivo pode efetuar despesas ou remanejar verbas
dentro da lei, caso o faa fora dos
21 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder
investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 223.
22 Idem. Pg. 223.
23 Idem. Pg. 226.
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parmetros constitucionais (art. 167/CF), poder estar causando
prejuzo ao patrimnio pblico e at crime, o que d ensejo investigao
pelo Ministrio Pblico.
No entanto, no cabe ao Ministrio Pblico, por meio do inqurito
civil, do compromisso de ajustamento de conduta ou da ao civil
pblica, pretender impor ao administrador critrios discricionrios do
promotor de justia, no tocante utilizao do oramento, nem querer
usurpar do administrador o poder de decidir quais as despesas,
investimentos ou opes so melhores para a coletividade, porque, para
tais decises, o administrador pblico foi investido, eletivamente,
pela soberania popular e no o promotor de justia ou o juiz24.
Ainda quanto ao objeto do inqurito civil, uma vez que o artigo 4
da LACP admite a propositura da ao civil pblica para evitar danos
(tutela inibitria coletiva), possvel investigar, mediante inqurito
civil, meras atividades perigosas ou potencialmente ilcitas. Assim,
por exemplo, no setor de preveno de acidentes do trabalho, cabvel
investigar condies laborativas em situaes de sabido risco25. Os
elementos de convico apurados, neste inqurito, podem servir de base
para se tomar compromisso de ajustamento de conduta do causador do
dano ou at para propor as aes inibitrias, voltadas a evitar a
ilicitude e, conseqentemente, os danos26.
3.4. Instaurao do inqurito civil
O inqurito civil instaurado, geralmente, mediante portaria, mas
pode se dar por despacho em documento (ofcio, requerimento ou
representao), encaminhado ao Ministrio Pblico.
Quando da instaurao do inqurito civil, na medida do possvel,
deve-se descrever os elementos bsicos que integrem o fato ilcito
objeto da investigao. Assim, por exemplo, ao se apurar um caso de
poluio de um rio, deve estar descrita a poluio, os seus
24 Cfr. Celso Antnio Bandeira de Mello. Discricionariedade e
controle judicial. So Paulo: Malheiros, 1996.
25 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder
investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 228.
26 Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. Tutela inibitria. So Paulo: RT,
1998.
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efeitos e o nexo causal, mas pouco importa os nomes dos
funcionrios da empresa que foram autores da ao fsica ilcita, porque
s os fatos principais se submetem ao nus da prova27.
Alm disto, o inqurito civil tem natureza de mero procedimento,
no de processo. Por esta razo, nele no se pode impor sanes
(limitaes, restries ou cassaes de direitos), sob pena de violao da
clusula constitucional do devido processo legal (art. 5, inc. LIV),
pela qual ningum pode ser privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal. Desta forma, o inqurito civil no se
destina a coagir a imposio de sanes legais, sendo, contudo,
facultado ao agente causador dos danos submeter-se,
voluntariamente, ao compromisso de ajustamento de conduta ou, se
preferir, responder em juzo eventual ao civil pblica.
A instaurao pode ser de ofcio ou a requerimento de qualquer
pessoa. As denncias ainda que annimas reportagens de jornais e
revistas podem servir para embasar pedido de instaurao de inqurito
civil, desde que possuam elementos mnimos de convico28. Por
exemplo, uma carta annima, no sentido de que uma autoridade
corrupta, muito vaga para servir de supedneo para um inqurito
civil, mas uma notcia de que uma determinada autoridade recebeu
propina para fazer uma ato, acompanhada de cpia dos documentos que
comprovam a denncia, j contm elementos suficientes para abrir uma
investigao29. Com efeito, a avaliao depende da prudente avaliao do
promotor de justia no caso concreto.
3.5. Competncia funcional e territorial para instaurar o
inqurito
Se a autoridade a ser investigada for o Governador do Estado, o
Presidente da Assemblia Legislativa ou o presidente do Tribunal,
caber ao procurador-geral da justia, pelo artigo 29, inc. VIII, da
Lei 8.625/93, a competncia funcional para instaurar o inqurito.
27 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Pontos controvertidos sobre o
inqurito civil. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985
15 anos. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 318-320.
28
O Ato Normativo n. 02/2004, da Procuradoria-Geral de Justia do
Estado do Paran, que pretende regulamentar o inqurito civil (ainda
no est em vigor), trata da questo no artigo 2, par. n., e no artigo
4, pargrafos 1 e 2, da seguinte forma: i) a instaurao do inqurito
civil, de ofcio, compreende qualquer meio, ainda que informal, pelo
qual o rgo do Ministrio Pblico venha a tomar conhecimento dos
fatos; ii) diante da insuficincia de elementos que permitam a
imediata instaurao do inqurito civil, o membro do Ministrio Pblico
poder realizar diligncias, no prazo de 90 (noventa) dias,
prorrogveis mediante deciso fundamentada; iii) nesta ltima hiptese,
o Promotor de Justia determinar a autuao do protocolado, sob a
denominao provisria de procedimento investigatria preliminar.
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No entanto, como regra geral, o inqurito civil dever ser
instaurado pelo promotor de justia do local em que o dano ocorrer
ou deva ocorrer (art. 2/LACP), salvo em caso de leso ou ameaa de
leso a interesses transindividuais de crianas e adolescentes, cuja
competncia ser fixada no pelo local do dano, mas pelo lugar da ao
(art. 209/ECA), ressalvada a competncia da Justia Federal.
3.6. Controle da instaurao do inqurito
A LACP previu um nico sistema de controle do arquivamento do
inqurito civil, a ser efetuado pelo Conselho Superior do Ministrio
Pblico (arts. 8 e 9).
Em alguns estados, como o de So Paulo, em sua Lei Orgnica do
Ministrio Pblico, criou-se um sistema recursal prprio. Contudo,
esta regulamentao fere o mbito normativo reservado pela Constituio
Federal s Leis de Organizao do Ministrio Pblico (art. 128, par. 5,
CF), na medida em que quebra o modelo federal da LACP que j traou o
regime jurdico integral do inqurito civil30.
Portanto, no caso de inqurito civil instaurado sem justa causa,
o controle deve ser judicial, cabendo mandado de segurana para
obter o seu trancamento31.
Por outro lado, quando a notcia do fato imprecisa, no havendo
elementos suficientes para instaurar o inqurito civil, comum a
realizao de uma averiguao rpida. Contudo, a LACP no prev um
procedimento preparatrio ao inqurito civil, para se saber se deve
ou no investigar, equiparando, nos artigos 8 e 9, o inqurito civil
s peas de informao, com o intuito de evitar que o membro do
Ministrio Pblico arquive sem qualquer controle procedimentos
instaurados sob qualquer outro nome que no o de inqurito
civil32.
29 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Pontos controvertidos sobre o
inqurito civil. Cit. Pg. 320.
30 Cfr. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Cdigo de
Processo Civil comentado. 6 ed. So Paulo:
RT, 2002. Pg. 1350. 31
O STJ j decidiu que a Associao dos Delegados do Estado do Rio de
Janeiro (DEPOL) no tem legitimidade para impetrar mandado de
segurana coletivo para impedir que alguns Delegados sejam
submetidos a inqurito civil pblico, pois a legitimidade
extraordinria (substituio processual) no existe quando h interesses
divergentes na mesma instituio, havendo parte da categoria que
pretende a investigao (RMS 15.703-RJ 2 T. rel. Min. Eliana Calmon
j. 18.03.2003 pub. DJU 21.03.2005, pg. 296). 32
Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder
investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 236.
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A instaurao irregular de procedimento preparatrio, ao invs de
inqurito civil, pode ter a grave conseqncia de no obstar o curso da
decadncia, em favor do consumidor, j que, pelo artigo 26, par. 2,
inc. III, do CDC, s com a instaurao do inqurito civil que se
suspende o prazo decadencial33.
Ao arquivar tanto o inqurito civil quanto s peas informativas
caber ao agente ministerial faz-lo fundamentadamente e submeter tal
promoo de arquivamento homologao do Conselho Superior do Ministrio
Pblico34.
3.7. Poderes investigatrios no curso do inqurito civil
Durante o inqurito civil, cabe ao agente ministerial expedir
requisies e notificaes, bem como determinar a conduo coercitiva em
caso de desatendimento s notificaes para comparecimento ou
requisitar os servios policiais para assegurar o cumprimento de
suas determinaes (art. 129, inc. VI, CF; art. 26, inc. I, da Lei
8.625/93 e art. 8, da Lei Complementar 75/1993), observando sempre
as prerrogativas legais (como a fixao de prazo razovel para
atendimento ou o direito de certas autoridades de marcar dia e hora
para comparecimento, nos termos da lei processual arts. 411/CPC e
221/CPP -, aplicvel analogamente).
Todavia, a recusa, o retardamento ou a omisso de dados tcnicos
indispensveis propositura da ao civil, quando requisitados pelo
Ministrio Pblico, constitui crime tipificado no artigo 10 da
LACP.
Por outro lado, a determinao irregular de conduo coercitiva,
requisies ilcitas ou quebra ilegal de sigilo de informaes podem
acarretar a impetrao de mandado de segurana contra o promotor de
justia junto ao Tribunal de Justia35.
H determinadas matrias em que impera a clusula constitucional de
reserva de jurisdio como a busca domiciliar (art. 5, inc. XI, CF),
a interceptao telefnica (art.
33 Idem. Pg. 236.
34 Conforme a Smula 29 do Conselho Superior do Ministrio Pblico
de So Paulo: Sujeita-se homologao
do Conselho Superior qualquer promoo de arquivamento de inqurito
civil ou de peas de informao alusivos defesa de interesses difusos,
coletivos ou individuais homogneos.
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5, inc. XII, CF) e a decretao de priso de qualquer pessoa,
ressalvada a hiptese de flagrncia (art. 5, inc. LXI, CF). Nestes
temas especficos, cabe ao Poder Judicirio no apenas proferir a
ltima palavra, mas a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira,
excluindo, por fora expressa da Constituio, os iguais poderes ao
Ministrio Pblico ou de qualquer autoridade no exerccio de
investigaes que lhe so prprias36.
Apesar de haver divergncia, alguns precedentes exigem que o
Ministrio Pblico pea autorizao judicial para solicitar a quebra dos
sigilos bancrio e fiscal37. Este, contudo, no o melhor
entendimento, porque o artigo 129, inciso VI, da CF afirma ser funo
institucional do Ministrio Pblico expedir notificaes nos
procedimentos administrativos de sua competncia, requisitando
informaes e documentos para instru-los, na forma da lei
complementar respectiva. Com efeito, como a quebra do sigilo
bancrio e fiscal est includa nos poderes de investigao previstos no
artigo 129 da CF, afora as hipteses em que exista clusula
constitucional de reserva de jurisdio, somente a Lei Complementar
pode restringir a atuao do Ministrio Pblico para requisitar
documentos e informaes38.
A Lei Complementar 75, de 20.05.1993 - que dispe sobre a
organizao, as atribuies e o Estatuto do Ministrio Pblico Federal, e
que, por fora do artigo 80 da Lei
35 Cfr. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery. Cdigo de
Processo Civil comentado. 6 ed. Cit. Pg.
1631. 36
Cfr. STF MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j.
16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20. 37
Constitucional. Ministrio Pblico. Sigilo bancrio: Quebra. C.F.,
art. 129, inc. VIII. I. A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129,
da C.F., no autoriza o Ministrio Pblico, sem interferncia da
autoridade judiciria, quebrar sigilo bancrio de algum. Se se tem
presente que o sigilo bancrio espcie de direito privacidade, que a
C.F. consagra, art. 5, X, somente autorizao expressa da Constituio
legitimaria o Ministrio Pblico a promover, diretamente e sem a
interveno da autoridade judiciria, a quebra de sigilo bancrio de
qualquer pessoa (STF RE 215.301-CE rel. Min. Carlos Velloso j.
13.04.1999 pub. DJU 28.05.1999, pg. 24). Entretanto, em caso
anterior, o STF (MS 21.729-DF Tribunal Pleno Min. Marco Aurlio j.
05.10.1995 pub. DJU 19.10.2001, pg. 33) havia considerado legtima a
quebra do sigilo bancrio sem autorizao judicial, justificando que
ao Ministrio Pblico so conferidos amplos poderes de investigao
artigos 128, inciso VI e VIII, da CF e 8, inc. II e IV, e par. 2,
da Lei Complementar 75/1993. Tais poderes investigatrios visam
coibir atividades afrontosas ordem jurdica e a garantia do sigilo
bancrio no se estende s atividades ilcitas. Portanto, o STF
indeferiu o mandado de segurana impetrado pelo Banco do Brasil
contra ato da Procuradoria-Geral da Repblica para que a instituio
financeira fornecesse a lista das empresas beneficirias de
emprstimos, subsidiados pelo Tesouro Nacional, ao setor
sucro-alcooleiro, alm de eventuais dbitos para com o banco. E,
ainda, que o sigilo das informaes bancrias previsto no artigo 38 da
Lei n. 4.595/64 no autorizava o Banco do Brasil a negar, ao
Ministrio Pblico, os nomes dos beneficirios dos emprstimos, devendo
imperar o princpio constitucional da publicidade dos atos
administrativos (art. 37, caput, CF) e as regras que autorizam a
requisio de informaes e documentos para instruir procedimento
administrativo em defesa do patrimnio pblico. Verifique, ainda, na
nota 17 (abaixo) entendimento anlogo, em relao aos poderes
investigatrios conferidos s Comisses Parlamentares de Inqurito.
38
Cfr. Alexandre de Moraes. Direito constitucional. 10 ed. So
Paulo: Atlas, 2001. Pg. 92-4.
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8.625/93 se aplica subsidiariamente aos Ministrios Pblicos
Estaduais regulamenta a questo no artigo 8, incisos II, IV, VII39 e
no pargrafo 2, o qual, por sua vez, explicita:
Nenhuma autoridade poder opor ao Ministrio Pblico, sob qualquer
pretexto, a exceo de sigilo, sem prejuzo da subsistncia do carter
sigiloso da informao, do registro, do dado ou do documento que lhe
seja fornecido.
O mesmo entendimento, em relao desnecessidade de autorizao
judicial para a obteno de informaes ou documentos gravados pelos
sigilos bancrios e fiscal, deve ser estendida ao sigilo telefnico,
quando este incide apenas sobre dados ou registros telefnicos (p.
ex., quais nmeros foram discados ou recebidos pelo telefone da
pessoa investigada), no recaindo sobre o teor das conversas
(inviolabilidade das comunicaes telefnicas). Nestas hipteses, os
poderes investigatrios do Ministrio Pblico, destarte, no podem
ceder ao direito da privacidade ou da intimidade da pessoa
investigada40.
Convm, ainda, ressaltar, com o intuito de evitar
arbitrariedades, que, para que o Ministrio Pblico, decrete, por
autoridade prpria, a quebra do sigilo bancrio, fiscal e/ou
telefnico, em relao s pessoas investigadas, deve existir indcios
que justifiquem a existncia concreta de causa provvel que legitime
a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade/privacidade
de quem est sob investigao), no contexto da investigao ampla dos
fatos que ensejaram o inqurito civil41.
Tambm, conquanto tal deciso implica restrio de direitos da
pessoa investigada, deve ser, adequadamente, motivada, expondo-se
as razes de fato e de direito que
39 Nestes incisos esto explicitados: Para o exerccio de suas
atribuies, o Ministrio Pblico da Unio
poder, nos procedimentos da sua competncia: II requisitar
informaes, exames, percias e documentos de autoridades da
Administrao Pblica direta e indireta; IV requisitar informaes e
diligncias investigatrias; VII ter acesso incondicional a qualquer
banco de dados de carter pblico ou relativo a servio de relevncia
pblica. 40
Em caso anlogo, com fundamento na existncia de poderes
investigatrios, previstos pela Constituio Federal, s Comisses
Parlamentares de Inqurito, o STF decidiu: O sigilo bancrio, o
sigilo fiscal e o sigilo telefnico (sigilo este que incide sobre os
dados/registros telefnicos e que no se identifica com a
inviolabilidade das comunicaes telefnicas) ainda que representem
projees especficas do direito intimidade, fundado no art. 5, X, da
Carta Poltica no se revelam oponveis, em nosso sistema jurdico, s
Comisses Parlamentares de Inqurito, eis que o ato que lhes decreta
a quebra traduz natural derivao dos poderes de investigao que foram
conferidos, pela Constituio da Repblica, aos rgos de investigao
parlamentar (MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello
j. 16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20). 41
Cfr., mutatis mutandis, MS 23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min.
Celso de Mello j. 16.09.1999 pub. DJU 12.05.2000, pg. 20.
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justificam o ato decisrio42. Afinal, pela motivao que se permite
verificar, a qualquer momento, a legalidade do ato43, o qual est
sujeito a posterior controle jurisdicional (art. 5, inc. XXXV, CF).
A motivao do ato pelo rgo do Ministrio Pblico permitir que o juiz
verifique se houve transgresso ao regime das liberdades pblicas
(ofensa aos direitos e garantias fundamentais), em razo de
eventuais excessos cometidos, pelo parquet, no exerccio de sua
competncia investigatria.
Portanto, os artigos 129, incisos III, VI e VIII, da CF
conferem, ao Ministrio Pblico, plenos poderes de requisio e de
investigao, no se lhe opondo o sigilo legal, salvo quando a
Constituio imponha a clusula de reserva de jurisdio (art. 5, incs.
XI, XII e LXI, CF).
guisa de ilustrao, o STJ - aplicando a Lei 8.825/93 (art. 26,
inc. II), a LACP (art. 8) e o referido artigo 129 da CF que concede
ao Ministrio Pblico autorizao para a requisio de informaes a
entidades pblicas e privadas, visando instaurao de procedimentos
judiciais ou administrativos - considerou que o parquet poderia
requisitar os documentos inerentes transferncia do controle
acionrio da empresa de telefonia celular OI, com dvidas na ordem de
R$ 4.760.000.000,00 (quatro bilhes, setecentos e sessenta milhes de
reais) por apenas R$ 1,00 (um real), com intuito de investigar a
legalidade da operao44. Acrescentou, ainda, que - como o artigo
155, par. 1, da Lei das Sociedades Annimas (Lei 6.404/76, art. 155,
par. 1), ao apontar como sigilosas informaes que ainda no foram
divulgadas para o mercado, no se dirigiu ao Ministrio Pblico,
havendo superposio da Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico
(art. 26, inc. II, Lei 8.825/93) o Ministrio Pblico poderia
requisitar tais informaes por no haver sigilo em relao queles
dados.
Ademais, enquanto tramita o inqurito, todos os co-legitimados
ou, ainda, qualquer pessoa pode oferecer subsdios para a instruo do
inqurito civil. Trata-se de decorrncia do amplo direito
constitucional de petio (art. 5, inc. XXXIV, letra a, CF45),
42 Segundo a referida deciso do STF, no MS 23.452-RJ, nenhuma
medida restritiva de direitos pode ser
adotada pelo Poder Pblico, sem que o ato que a decrete seja
adequadamente fundamentado pela autoridade estatal. 43
Cfr. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito administrativo. 14
ed. So Paulo: Atlas, 2002. Pg. 202-3. 44
Cfr. REsp. 657.037-RJ 1 T. rel. Min. Francisco Falco j.
02.12.2004 pub. DJU 28.03.2005, pg. 214. 45
so a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direitos ou
contra ilegalidade ou abuso de poder.
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dando-se alcance ampliado ao artigo 9o, par. 2o, da Lei
7.347/85, que somente faz meno apresentao de razes ou documentos
por parte das associaes legitimadas.
Por fim, o rgo do Ministrio Pblico pode, no curso do inqurito
civil, realizar audincias pblicas, com a finalidade de defender a
obedincia, pelos poderes pblicos e pelos servios de relevncia
pblica e social, dos direitos e garantias constitucionais46.
3.8. Observncia do contraditrio e publicidade indevida
O inqurito civil, como acima salientado, um mero procedimento,
no um processo, no estando submetido exigncia do contraditrio e da
ampla defesa.
Porm, nada impede que o promotor de justia oua o investigado, o
que poder inclusive servir para elucidar os fatos, obter documentos
ou descobrir outras pessoas que conheam dos fatos, a fim de que o
agente ministerial se convena se caso de propositura da ao civil
pblica ou de arquivamento.
Nesta hiptese, na notificao do investigado, deve constar a
advertncia de que lhe facultado o acompanhamento por advogado.
Tambm deve ser-lhe assegurado o direito de requerer a produo de
contraprovas, como a juntada de documentos ou de outras diligncias,
cuja convenincia e oportunidade ser analisada pelo rgo do Ministrio
Pblico que presidir o inqurito civil.
Entretanto, pode o presidente do inqurito procurar surpreender o
agente (p.ex., que lana poluentes na atmosfera, tem depsito de lixo
clandestino etc). Nestes casos, quando se impe o interesse da
sociedade, fazendo-se analogia com o artigo 20 do CPP, admite-se a
imposio de sigilo47.
Portanto, como regra, pelo artigo 37, caput, da CF, o inqurito
civil est submetido ao princpio da publicidade, podendo os
interessados (inclusive o investigado e seu advogado) ter acesso ao
procedimento, salvo quando for recomendvel o sigilo (aplicao
46 Cfr. Art. 21 do Ato Normativo 02/04 da PGJ-PR.
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anloga do artigo 20 do CPP) ou quando ele decorrer de imposio
legal (p. ex., art. 8, da Lei 9.296/96, em relao interceptao
telefnica).
Nestes casos, quando se confere a indevida publicidade a
informaes e/ou documentos, sobre os quais incide a clusula da
reserva legal, o rgo do Ministrio Pblico pode estar cometendo
conduta altamente censurvel - com, inclusive, conseqncias penais
(p.ex., violao de sigilo funcional, profissional, bancrio, fiscal
etc).
As divulgaes de tais informaes revestida do absoluto grau de
excepcionalidade, devendo existir justa causa para a revelao dos
dados sigilosos, em razo da apurao ou da efetivao da
responsabilidade penal, civil ou administrativa dos infratores (p.
ex., a propositura da ao civil pblica; o oferecimento de denncia; a
solicitao de abertura de inqurito policial; a remessa das informaes
Corregedoria da Polcia Civil ou Militar, quando h o envolvimento de
agentes policiais ou Corregedoria do Poder Judicirio ou do
Ministrio Pblico, quando haja a participao suspeita de promotores
ou de juzes etc).
Nestas situaes excepcionais, a divulgao das informaes sigilosas
justificada pelo relevante interesse social e, portanto, no gera
ilegalidade48.
3.9. Valorao dos elementos de prova colhidos no inqurito
civil
47 Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Pontos controvertidos sobre o
inqurito civil. Cit. Pg. 324.
48 O STF, em relao s Comisses Parlamentares de Inqurito (que tm
poderes investigatrios similares ao do
Ministrio Pblico), decidiu: A Comisso Parlamentar de Inqurito,
embora disponha, ex prpria auctoritate, de competncia para ter
acesso a dados reservados, no pode, agindo arbitrariamente,
conferir indevida publicidade a registros sobre os quais incide a
clusula de reserva derivada do sigilo bancrio, do sigilo fiscal e
do sigilo telefnico. Com a transmisso de informaes pertinentes aos
dados reservados, transmite-se Comisso Parlamentar de Inqurito
enquanto depositria desses elementos informativos -, a nota de
confidencialidade relativa aos registros sigilosos. Constitui
conduta altamente censurvel com todas as conseqncias jurdicas
(inclusive aquelas de ordem penal) que dela possam resultar a
transgresso, por qualquer membro de uma Comisso Parlamentar de
Inqurito, do dever jurdico de respeitar e de preservar o sigilo
concernente aos dados a ela transmitidos. Havendo justa causa e
achando-se configurada a necessidade de revelar os dados sigilosos,
seja no relatrio final dos trabalhos da Comisso Parlamentar de
Inqurito (com razo justificadora da adoo de medidas a serem
implementadas pelo Poder Pblico), seja para efeito das comunicaes
destinadas ao Ministrio Pblico ou a outros rgos do Poder Pblico,
para os fins a que se refere o art. 58, par. 3, da Constituio,
seja, ainda, por razes imperiosas ditadas pelo interesse social a
divulgao do segredo, precisamente porque legitimada pelos fins que
a motivaram, no configura situao de ilicitude, muito embora traduza
providncia revestida de absoluto grau de excepcionalidade (MS
23.452-RJ Tribunal Pleno rel. Min. Celso de Mello j. 16.09.1999
pub. DJU 12.05.2000, pg. 20).
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Os elementos de convencimento colhidos, durante o inqurito
civil, por no estarem sujeitos ao crivo do contraditrio, perante o
juiz (terceiro-imparcial), tm valor relativo, devendo ser
submetidos ao princpio do livre convencimento judicial (art.
131/CPC).
Logo, como nosso ordenamento jurdico no adotou o sistema do
tarifamento da prova, pode-se afirmar que o juiz tem liberdade para
valorar os documentos e as informaes contidas no inqurito civil, as
quais devem ceder s provas, colhidas sob o crivo do contraditrio49,
quando estas se mostrem mais convincentes ou, quando menos, servem
como indcios a serem considerados pelo magistrado durante a instruo
probatria.
Neste sentido, o artigo 19, pargrafo nico, da Lei 9.605/98, ao
dispor sobre as sanes penais e administrativas derivadas de
condutas ou atividades lesivas ao meio ambiente, afirma que a
percia produzida no inqurito civil ou no juzo cvel poder ser
aproveitada no processo penal, instaurando-se o contraditrio.
Este posicionamento se justifica na medida em que o promotor de
justia, freqentemente, vale-se de laudos, relatrios e pareceres
provenientes de rgos pblicos especializados. So documentos pblicos
que se revestem de presuno de legitimidade, uma vez que toda a
atuao da Administrao deve se pautar pela legalidade. Verifica-se,
pois, uma presuno relativa (iuris tantum) de validade,
autenticidade e veracidade, conforme prev o artigo 364 do CPC,
cabendo parte contrria impugnar esses atributos de legitimidade
(arts. 387 e 390 do CPC)50.
Ademais, historicamente, admite-se, na fase extraprocessual
(durante o inqurito policial), a produo de percia, com a sua
aceitao em juzo como prova pericial, sem contestao da sua validade
ou com a exigncia de nova percia, o que, alis, em grande parte dos
casos, seria invivel em razo do desaparecimento dos vestgios.
Mutatis mutandis, o mesmo entendimento deve ser estendido ao
inqurito civil (p. ex., quando j houver
49 Vale ressaltar dois posicionamentos do STJ: i) As provas
colhidas no inqurito [civil] tm valor probatrio
relativo, porque colhidas sem a observncia do contraditrio, mas
s podem ser desconsideradas quando h contraprova de hierarquia
superior, ou seja, produzidas sob a vigilncia do contraditrio
(REsp. n. 476.660-MG rel. Mina. Eliana Calmon pub. DJU 04.08.2003);
ii) As provas colhidas no inqurito civil, uma vez que instruem a
pea vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e
devidamente valoradas pelo juiz (REsp. 644.944-MG 2 T. rel. Min.
Joo Octvio de Noronha j. 17.02.2005 pub. DJU 21.03.2005, pg. 336).
50
Cfr. Hamilton Alonso Jr. A valorao probatria do inqurito civil e
suas conseqncias processuais. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985
15 anos. Coord. Edis Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 296.
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desaparecido a emisso de gases, as partculas, os rudos, o
derramamento de leo, a mortandade de peixes etc a configurar o dano
ambiental)51.
De qualquer forma, margem da discusso sobre a valorao probatria,
os elementos de prova, colhidos durante o inqurito civil, so
utilizados para a embasar o termo de ajustamento de conduta, que
resulta de uma transao entre as partes envolvidas, ou a propositura
da ao civil pblica.
3.10. Arquivamento
Convencido da inexistncia de fundamento para a ao civil, o rgo
do Ministrio Pblico, de forma expressa e motivada (arts. 129, inc.
VIII, da CF e 43, inc. III, da Lei 8.625/93), deve promover o
arquivamento do inqurito ou das peas informativas e, sob pena de
incorrer em falta grave, remet-los, no prazo de 3 (trs dias), ao
Conselho Superior do Ministrio Pblico, de modo a no ficar a deciso
a critrio exclusivo do rgo de execuo competente (art. 9o, caput,
LACP).
A inexistncia de fundamento, para que se d o arquivamento, deve
ser absoluta. A mera complexidade da questo jurdica ou o difcil
prognstico quanto ao sucesso da medida judicial no podem,
evidentemente, ser invocados como razes do arquivamento52.
Ao se exigir que o promotor de justia fundamente o arquivamento,
est-se vedando o arquivamento implcito do inqurito civil, deixando
de submet-lo ao controle do Conselho Superior. Isto deve ser
evitado quando, por exemplo, no inqurito civil se apuram duas
infraes ambientais - X e Y e/ou so investigadas duas pessoas Joo e
Maria,
51 Idem. Pg. 297.
52 Cfr. Antonio Augusto de Mello de Camargo Ferraz. Apontamentos
sobre o inqurito civil. Revista Justitia,
1992, pg. 36. J entendeu, por exemplo, o Conselho Superior do
Ministrio Pblico de So Paulo (CSMPSP 29 e 27): a) que se o impacto
ambiental for insignificante (i.e., a supresso da vegetao, em rea
rural, atingir extenso no superior a 0,10ha), o inqurito civil deve
ser arquivado (O Conselho Superior do Ministrio Pblico homologar o
arquivamento de inquritos civis ou assemelhados que tenham por
objeto a supresso de vegetao em rea rural praticada de forma no
continuada, em extenso no superior a 0,10ha, se as circunstncias da
infrao no permitirem vislumbrar, desde logo, impacto significativo
ao meio ambiente); b) que se a infrao ambiental consistir somente
na falta de licena ou autorizao ambiental o inqurito deve ser
arquivado, j que a matria deve encontrar soluo administrativa por
parte dos rgos que detm poder de polcia (Sem prejuzo da
responsabilizao do agente pblico, quando o caso, e de eventuais
medidas na rbita criminal, o Conselho Superior do Ministrio Pblico
homologar arquivamento de inquritos civis ou assemelhados que
tenham por objeto infrao ambiental consistente apenas em falta de
licena ou autorizao
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mas o promotor de justia prope a ao civil pblica apenas em relao
Joo, pela infrao ambiental X. Neste caso, dever o agente
ministerial, sob pena de falta grave, submeter o arquivamento do
inqurito, em relao infrao Y, supostamente cometida por Maria ao
Conselho Superior, enviando os documentos e expondo os fundamentos
pertinentes53.
Caso no o faa, qualquer co-legitimado para a ao civil pblica ou
mesmo o juiz, ao receber a petio inicial, pode representar ao
Conselho Superior do Ministrio Pblico e denunciar a existncia de um
arquivamento implcito.
Quando o promotor de justia entender que o inqurito civil deve
ser remetido ao Ministrio Pblico de outro estado ou ao Ministrio
Pblico Federal, deve submeter tal deciso ao Conselho Superior do
Ministrio Pblico, na medida em que estar havendo arquivamento do
caso na esfera local54.
Em qualquer hiptese, concordando o Conselho Superior com o
arquivamento proposto, devolvem-se os autos origem. Rejeitando-o,
comunica-se o fato ao Procurador-Geral de Justia com vista designao
de outro rgo do Ministrio Pblico para o ajuizamento da ao (art. 9o,
par. 4o, LACP).
O compromisso de ajustamento de conduta, quando celebrado pelo
Ministrio Pblico, nos autos do inqurito civil, enseja o seu
arquivamento, necessitando, para se completar e operar efeitos
vlidos, do conseqente arquivamento, total ou parcial do inqurito
civil, pelo Conselho Superior55.
ambiental, j que a matria deve encontrar soluo na rea dos rgos
licenciadores, que contam com poder de polcia suficiente para o
equacionamento da questo). 53
Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder
investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 239. Nesse sentido,
dispe a Resoluo n. 510, de 2 de maio de 2005, do Conselho Superior
do Ministrio Pblico do Estado do Paran: Vistos, relatados e
discutidos os autos, o Conselho, por unanimidade, resolveu que deve
ser submetido ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, alm dos
documentos pertinentes, os fundamentos que sustentam a no incluso
de investigado em Ao Civil Pblica, promovida em relao aos demais.
54
Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. Inqurito civil. Boletim Informativo
ESMP, n. 3, 1996, pg. 3. 55
O Ministrio Pblico de So Paulo, no artigo 2, par. 2, do Ato
052/92 PGJ/CSMP/CGMP, de 16.07.1992, imps que do termo de
ajustamento de conduta conste, obrigatoriamente, a seguinte
clusula: Este acordo produzir efeitos legais depois de homologado o
arquivamento do respectivo inqurito civil pelo Conselho Superior do
Ministrio Pblico. Cfr. dis Milar. Ao civil pblica por dano ao
ambiente. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985 15 anos. Coord. Edis
Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 205. No Paran, o Ato Normativo n.
02/2004 (que ainda no est em vigor) prope, todavia, outra soluo no
artigo 20, pargrafos 7 e 8: Par. 7: Celebrado ou aditado o
compromisso de ajustamento de conduta, por ofcio, o Promotor de
Justia dar cincia ao Conselho Superior do Ministrio Pblico, assim
como ao Centro de Apoio respectivo; Par. 8:
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3.11. Rejeio do arquivamento pelo Conselho Superior
No poder o Procurador-Geral de Justia nomear o mesmo rgo do
Ministrio Pblico, que promoveu o arquivamento, para ajuizar a ao
civil pblica, sob pena de violar a sua independncia funcional.
Tal membro do Ministrio Pblico se torna suspeito para se
manifestar nesta ao civil pblica, mesmo na qualidade de custos
legis (art. 5o, par. 1o, LACP), uma vez que as partes tm direito de
receber manifestao imparcial do Ministrio Pblico sobre o mrito da
demanda coletiva. Caso intervenha o Promotor de Justia que presidiu
o arquivamento, a ele pode ser oposta exceo de suspeio (art. 138,
par. 1o, do CPC).
Por outro lado, o Promotor de Justia que presidiu o inqurito
civil, mesmo tendo colhido provas, tomado decises e praticado atos,
no suspeito ou impedido para ajuizar a ao civil pblica. Aplica-se,
por analogia, a Smula 234 do STJ56, na medida em que o inqurito
civil serve como preparao para o exerccio responsvel das atribuies
inerentes s funes institucionais do Ministrio Pblico.
O rgo do Ministrio Pblico incumbido de ajuizar a ao civil pblica
ou de prosseguir nas diligncias exerce atribuies delegadas do
Conselho Superior, no lhe restando outra atitude seno a de cumprir
o que lhe foi determinado.
3.12. Ausncia de controle judicial no arquivamento
Diferentemente do que ocorre no inqurito penal, cujo
arquivamento est submetido ao controle judicial (art. 28 do CPP),
no sistema adotado pela Lei 7.347/85, o arquivamento ato do rgo do
Ministrio Pblico, sem necessidade de interferncia judicial.
Trata-se de matria restrita ao mbito interna corporis do Ministrio
Pblico.
3.13. Reabertura do inqurito por novas provas
Cumpridas as disposies do compromisso de ajustamento de conduta,
o Promotor de Justia promover o arquivamento do procedimento
investigatrio preliminar ou do inqurito civil respectivo,
remetendo-os (...) ao Conselho Superior do Ministrio Pblico. 56
A participao de membro do Ministrio Pblico na fase investigatria
criminal no acarreta o seu impedimento ou suspeio para o
oferecimento da denncia.
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O arquivamento no impede a reabertura do caso, na hiptese de
surgimento de novas provas, nem a propositura da ao por parte das
demais entidades legitimadas para o seu exerccio57.
Se o Conselho Superior determinar a converso do julgamento em
diligncia, surgindo novas provas, reabre-se ao promotor de justia,
autor do arquivamento, a oportunidade para reapreciar o inqurito,
podendo, caso convencido, propor a ao civil pblica ou, na hiptese
contrria, insistir no arquivamento58.
No se pode argir conexo, continncia, litispendncia ou coisa
julgada, para conseguir o trancamento do inqurito civil, pois tais
fenmenos s ocorrem entre aes e o inqurito civil mera pea
investigatria, onde no h partes, causa de pedir ou pedido.
3.14. Concluso
As investigaes do Ministrio Pblico devem ser instauradas e
presididas com elevado senso de responsabilidade, pois inquritos
civis e aes civis pblicas pouco ou mal fundamentados e o
exibicionismo de alguns poucos integrantes da instituio provocaram
reaes polticas contrrias atuao do Ministrio Pblico59.
Acresce-se a isto que o exerccio irregular das funes tem gerado
aes de responsabilidade civil de seus membros, porque uma
investigao descabida ou uma demanda mal proposta pode provocar
danos de difcil mensurao para quem investigado, seja uma pessoa
fsica ou jurdica.
Por isto, a instituio como um todo deve se proteger interna e
externamente. Internamente, procurando disciplinar a atuao do
agente ministerial, exigindo a
57 Nesse sentido, dispe a Smula 16 do CSMP-SP: O membro do
Ministrio Pblico que promoveu o
arquivamento de inqurito civil ou de peas de informaes no est
impedido de propor a ao civil pblica, se surgirem novas provas em
decorrncia da converso do julgamento em diligncia. 58
A Smula 17 do CSMP-SP assim preceitua: Convertido o julgamento
em diligncia, reabre-se ao Promotor de Justia que tinha promovido o
arquivamento do inqurito civil ou das peas de informao a
oportunidade de reapreciar o caso, podendo manter sua posio
favorvel ao arquivamento ou propor a ao civil pblica, como lhe
parea mais adequado. Neste ltimo caso, desnecessria a remessa dos
autos ao Conselho Superior, bastando comunicar o ajuizamento da ao
por ofcio. 59
Cfr. Hugo Nigro Mazzilli. O inqurito civil e o poder
investigatrio do Ministrio Pblico. Cit. Pg. 244-5.
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fundamentao, registro e autuao dos procedimentos
investigatrios60, bem como diligenciar quanto ao andamento das
investigaes, de modo a conter eventuais abusos, sem ferir a
independncia funcional do promotor de justia. Externamente,
reagindo ao discurso opressor e as tentativas legislativas de
diminuio dos poderes do Ministrio Pblico. Nacionalmente, cabe ao
Ministrio Pblico desenvolver polticas de proteo funcional e, em
cada Estado da Federao, cabe as Associaes de Ministrios Pblicos, a
formao de conselhos de tutela funcional e a contratao de advogados
especializados para a defesa judicial de seus membros.
De outro lado, no adianta nada insistir na fortificao dos
poderes investigatrios do Ministrio Pblico se no criam condies
necessrias para a sua efetiva atuao. Neste sentido, urgente a
reviso da regra contida no artigo 20, inciso II, letra d, da Lei
Complementar 101/2000, que, dos 60% (sessenta por cento) da receita
lquida do Estado a ser gasta com pessoal, reserva ao Ministrio
Pblico apenas 2% (dois por cento). A conseqncia disto a falta de
promotores e de pessoal especializado (contadores, auditores etc.)
o que, na prtica, inviabiliza a maior efetividade das indispensveis
investigaes a serem produzidas. Em um pas onde todos os dias a
imprensa informa escndalos de corrupo e malversao do dinheiro
pblico, no investir na implementao de mecanismos investigatrios
tornar inefetiva a atuao do Ministrio Pblico e do Poder Judicirio,
condenando o pas a persistir na misria, carente de polticas pblicas
indispensveis promoo da educao, sade e melhor distribuio de
renda.
4. Compromisso de ajustamento de conduta
O compromisso de ajustamento de conduta est previsto no artigo
5o, par. 6o, da Lei 7.347/85, tendo sido introduzido pelo Cdigo de
Defesa do Consumidor e contando com a seguinte redao: Os rgos
pblicos legitimados podero tomar dos interessados compromisso de
ajustamento de sua conduta s exigncias legais, mediante cominaes,
que ter eficcia de ttulo executivo extrajudicial.
60 A propsito, o artigo 26 do Ato Normativo 02/04 do CSMP-PR,
que, embora ainda no esteja em vigor, prev
no artigo 26: Cada Promotoria de Justia manter controle
atualizado do andamento de seus inquritos civis e aes civis pblicas
ajuizadas, inclusive das fases recursais, remetendo, anualmente,
aos Centros de Apoio respectivos, para fins estatsticos e de
conhecimento. Pargrafo nico. O Promotor de Justia receber, de
seu
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Quanto natureza jurdica desse compromisso de ajustamento de
conduta, controverte a doutrina.
Fernando Grella Vieira afirma se tratar de transao, pois tal
compromisso se destina a prevenir o litgio (propositura da ao civil
pblica) ou por-lhe fim (ao em andamento), e ainda dotar o ente
legitimado de ttulo executivo extrajudicial ou judicial, tornando
lquida e certa a obrigao61.
J para Paulo Cezar Pinheiro Carneiro no existe tecnicamente uma
transao, porque esta pressupe concesses mtuas (arts. 1.025/CC-1916
e 840/CC), situao esta impossvel em sede de direitos difusos e
coletivos, por se tratarem de direitos indisponveis62.
De qualquer modo, para a celebrao do compromisso, indispensvel a
reparao integral do dano, por ser de natureza indisponvel o direito
violado. Logo, o objeto do compromisso deve ser o mesmo da ao civil
que viesse a ser ou tenha sido ajuizada63. Com efeito, a conveno
vai recair apenas sobre as condies de cumprimento das obrigaes
(modo, tempo, lugar etc).
Contudo, a liberdade de escolha das condies, em cada caso
concreto, no absoluta, porque a discricionariedade deve ser
exercida nos limites autorizados pela lei e pelos princpios
jurdicos.
Dessa maneira, se as condies de cumprimento das obrigaes
ajustadas no termo de compromisso, em determinado caso, colidirem
com o princpio da razoabilidade, sero ilegtimas e comprometero a
validade da transao (v.g., a pesca predatria da lagosta no pode ser
reparada com a doao de cestas bsicas, mas com a cessao da atividade
lesiva e com a criao da espcie em cativeiro).
antecessor, relatrio atualizado do andamento dos inquritos
civis, procedimentos investigatrios preliminares e das aes civis
pblicas ajuizadas pela Promotoria de Justia. 61
Cfr. Fernando Grella Vieira. A transao na esfera da tutela dos
interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento de
conduta. In: Ao civil pblica. Lei 7.347/1985 15 anos. Coord. Edis
Milar. So Paulo: RT, 2002. Pg. 267-270. 62
Cfr. A proteo dos direitos difusos atravs do compromisso de
ajustamento de conduta previsto na lei que disciplina a ao civil
pblica. 9 Congresso Nacional do Ministrio Pblico 1992. Livro de
Teses, pg. 400. 63
Cfr. dis Milar. Ao civil pblica por dano ao ambiente. Cit. Pg.
202.
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Ainda quanto ao objeto, em matria de improbidade administrativa
(v.g., agente pblico que autoriza a construo de um resort em rea de
proteo ambiental), a possibilidade do termo de ajustamento restrita
ao ressarcimento do dano e perda em favor do Poder Pblico da
vantagem ilcita obtida, jamais no que se refere s demais sanes
legais do ato de improbidade (como a perda do cargo pblico ou a
responsabilizao criminal do agente), as quais apenas por meio de
processo judicial competente (ao civil ou penal pblica) podem ser
aplicadas aos responsveis64.
Ademais, a eficcia do compromisso, como ttulo executivo
extrajudicial (art. 585, inc. II, CPC), implica previso de obrigao
certa quanto aos seus elementos constitutivos subjetivos e
objetivos (isto , quanto aos sujeitos ativos e passivos da relao
jurdico-material; quanto natureza de seu objeto e quanto
identificao e individualizao deste, quando for o caso)65. Ainda,
multa pecuniria pode ser inserida, com carter cominatrio e no
compensatrio, para funcionar medida de coero indireta para
influenciar o cumprimento espontneo da obrigao especfica.
O compromisso de ajustamento de conduta, enquanto instrumento de
transao, meio extintivo de obrigaes e pode ser celebrado em
qualquer fase da investigao (durante o inqurito civil) ou no curso
de ao civil pblica j ajuizada.
Poder ocorrer, contudo, que a situao lesiva aos interesses
tutelados reclame o atendimento de outras exigncias que no foram
estabelecidas no compromisso, ou, ainda, que as obrigaes impostas e
as condies do seu cumprimento sejam inadequadas recomposio do
interesse ofendido66.
Na primeira hiptese (da necessidade de serem atendidas outras
exigncias), a transao ser vlida quanto ao que consagra, mas no
impedir o ajuizamento de ao civil pblica para exigir do autor do
dano a obrigao faltante. Essa soluo decorre, basicamente, da
natureza indisponvel dos interesses, consoante disposto no par. 6o
do art. 5o da Lei 7.347/85.
64 Cfr. Fernando Grella Vieira. A transao na esfera da tutela
dos interesses difusos e coletivos: compromisso de
ajustamento de conduta. Cit. Pg. 281. 65
Cfr. Cndido Rangel Dinamarco. Instituies de direito processual
civil. Vol. IV. So Paulo: Malheiros, 2004. Pg. 210.
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Afinal, no o compromisso de ajustamento de conduta que, por si
s, implica a extino das obrigaes, mas o efetivo atendimento das
exigncias legais, no que se refere completa e integral reparao, que
libera o causador da ilicitude e/ou do dano, justamente por se
tratar de interesses indisponveis.
Na segunda hiptese (de serem as obrigaes impostas e as condies
de seu cumprimento inadequadas), existir um vcio propriamente
dito.
irrelevante a determinao da causa geradora do vcio, bastando
demonstrar a inutilidade das obrigaes pactuadas ou das condies do
seu cumprimento para que se legitime a pretenso quanto a invalidao
judicial do compromisso.
Nessa situao, a ao civil pblica deve ser ajuizada, por qualquer
dos co-legitimados, com o escopo de desconstituir o compromisso,
decorrendo o interesse processual da no participao desses
co-legitimados na transao pactuada.
Nas duas hipteses, o compromisso poder ser ignorado, pois a ao
civil pblica ou visar ao fim supletivo ou ser cumulada com o pedido
de desconstituio do compromisso.
Entretanto, pode ocorrer que o compromisso seja obtido por rgo
pblico que no tenha legitimidade para o caso concreto. Nessa
hiptese, a transao no ter eficcia jurdica, pois consiste em um ato
juridicamente inexistente, no havendo, sequer, necessidade de sua
desconstituio.
O compromisso, quando celebrado pelo Ministrio Pblico, nos autos
do inqurito civil, enseja o seu arquivamento, necessitando, para se
completar e operar efeitos vlidos, do conseqente arquivamento,
total ou parcial do inqurito civil, pelo Conselho Superior.
Por outro lado, no obstante o artigo 6, par. 5, da LACP no
preveja a participao do Ministrio Pblico quando a iniciativa do
compromisso de outro rgo
66 Cfr. Fernando Grella Vieira. A transao na esfera da tutela
dos interesses difusos e coletivos: compromisso de
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pblico, indispensvel a sua participao, j que lhe cabe,
institucionalmente, por determinao constitucional (art. 127,
caput), a defesa dos interesses sociais e individuais indisponveis.
Alis, deve-se fazer analogia com o pargrafo 1, daquele mesmo
dispositivo, que obriga a interveno do agente ministerial quando no
for parte no processo; se deve atuar no processo, onde j h a
necessidade de observar as garantias processuais fundamentais (do
contraditrio, da ampla defesa e do devido processo legal), com
maior razo, a sua participao se justifica na esfera
extraprocessual. Logo, a sua no interveno, nos mesmos moldes do
artigo 84 do CPC, compromete a validade do compromisso de
ajustamento de conduta67.
Ademais, incumbir ao rgo do Ministrio Pblico fiscalizar o
efetivo cumprimento do acordo.
Cumpridas as obrigaes pactuadas, sero elas consideradas
extintas, desde que integralmente reparado o dano, e, destarte,
desaparecendo o interesse processual (de agir) dos legitimados.
Deste modo, os demais co-legitimados, sob pena de violar o
princpio da segurana jurdica, podero ajuizar a ao civil pblica,
conforme acima analisado, somente para suprir omisso da transao (p.
ex., prestao necessria, no includa no compromisso) ou em razo de
vcio propriamente dito (p. ex., estabelecimento de obrigaes ou
condies atentatrias finalidade da lei).
Por outro lado, no cumpridas as obrigaes avenadas, o compromisso
de ajustamento tem eficcia executiva, ensejando a execuo especfica
da obrigao de fazer, no fazer ou de dar coisa certa e/ou a execuo
por quantia certa (p. ex., em razo do descumprimento da multa
cominatria68). Consiste, pois, em ttulo executivo extrajudicial,
com fundamento no artigo 585, inciso II, do CPC69.
ajustamento de conduta. Cit. Pg. 286-9. 67
Idem. Pg. 274-6. 68
A multa cominatria exigvel, a partir do descumprimento do
compromisso de ajustamento de conduta, e independentemente do
cumprimento da obrigao principal. 69
dispensvel o comparecimento de testemunhas a esse compromisso,
sendo suficiente que dele conste as assinaturas dos interessados e
da entidade legitimada para que se caracterize como ttulo executivo
extrajudicial. Neste sentido, j decidiu o STJ: Os acordos feitos
com o IBAMA, prevendo multa diria em casos de degradao do
meio-ambiente, mesmo quando no assinados por testemunhas, so ttulos
executivos extrajudiciais e podem embasar qualquer execuo. No se
aplica o CPC 585, mas o CDC 113, que, por no ter
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5. Aprimoramentos na LACP
Com vistas a aprimorar a tutela dos bens jurdicos coletivos, os
especialistas discutem a partir de duas grandes propostas
legislativas, o do chamado Cdigo Modelo de Processos Coletivos para
Ibero-Amrica e sob o Anteprojeto de Cdigo Brasileiro de Processos
Coletivos.
5.1. Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica
O Instituto Ibero-Americano de Direito Processual surgiu, em
1957, com o intuito de realizar jornadas de estudos para o
aperfeioamento do Direito Processual.
Nas jornadas realizadas em Caracas, em 1967, decidiu-se elaborar
Cdigos Modelo de Direito Processual Civil e Penal que servissem
para orientar reformas legislativas nos pases latino-americanos,
com vistas a maior integrao e uniformizao das regras existentes na
regio. A idia era formar uma referncia padronizada e considerada
internacionalmente moderna, a fim de que cada pas pudesse adaptar
tais propostas sua realidade nacional.
Tais Cdigos Modelos foram aprovados nas jornadas realizadas, no
Rio de Janeiro, em 1988. J em 1989, a estruturas e as instituies
previstas no Cdigo Modelo de Direito Processual Civil foram
adotadas no Cdigo General del Proceso de Uruguay. No ano seguinte,
modificam-se os Cdigos de Processos Civis da Costa Rica e da
Colmbia tambm seguindo solues apontadas no Cdigo Modelo70. No
Brasil, vrias reformas legislativas, como a da introduo da audincia
preliminar do artigo 331 do CPC, foram tambm inspiradas no Cdigo
Modelo.
A idia de um Cdigo Modelo de Processos Coletivos foi sugesto do
jurista brasileiro Antnio Gidi, durante o VII Seminrio
Internacional, co-organizado pela Centro di Studi Giuridici Latino
Americani, da Universit degli Studi di Roma-Tor Vergata, pelo
Istituto talo-Latino Americano e pela Associazione di Studi Sociali
Latino-Americani, em
sido vetado formalmente pelo Presidente da Repblica, ainda
permanece vlido na legislao brasileira (REsp. 213.947-MA 4 T. rel.
Min. Barros Monteiro j. 28.05.2002 pub. DJU 16.09.2002, pg.
195).
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maio de 2002, em Roma71. Nesta oportunidade, o Instituto
Ibero-americano de Direito Processual constituiu Comisso formada
pelos juristas Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antnio
Gidi, com o intuito de elaborar uma Anteprojeto de Cdigo Modelo de
Processo Coletivo para a Ibero-America.
Em outubro de 2002, durante as Jornadas Ibero-Americanas de
Direito Processual, em Montevidu, a proposta, elaborada pelos
processualistas brasileiros, foi transformada em Anteprojeto.
Entre os dias 22 a 26 de setembro de 2003, durante jornada
realizada na Cidade do Mxico, foram feitas vrias sugestes ao
Anteprojeto, tendo sido submetido a uma Comisso Revisora formada
por Ada Pellegrini Grinover, Aluisio G. de Castro Mendes, Anbal
Quiroga Leon, Antonio Gidi, Enrique M. Falcn, Jos Luiz Vzquez
Sotelo, Kazuo Watanabe, Ramiro Bejarano Guzmn, Roberto Berizonce e
Sergio Artavia. A redao definitiva foi revista pelo Professor
uruguaio Angel Landoni Sosa e foi ento aprovado, em setembro de
2004, na jornada ocorrida em Caracas.
O Cdigo Modelo, na sua origem, sofreu influncia direta no Cdigo
de Defesa do Consumidor brasileiro, embora tenha sido ainda mais
ambicioso, pois, indo alm das relaes de consumo, pretende formatar
um novo modelo legislativo para todo o processo coletivo,
desvinculando-o das regras tradicionais dos Cdigos de Processo
Civil, de matriz individual, bem como de estatutos especficos como
o do consumidor.
A Proposta do Cdigo Modelo est estruturada em sete captulos: I
Disposies gerais; II Dos provimentos jurisdicionais; III Dos
processos coletivos em geral; IV Da ao coletiva reparatria dos
danos individualmente sofridos; V Da conexo, da litispendncia e da
coisa julgada; VI Da ao coletiva passiva; VII Das disposies
finais.
Inmeras so as inovaes trazidas pelo Cdigo Modelo, em relao
legislao brasileira, destacando-se, dentre outras, as
seguintes:
70 Cfr. El Codigo Procesal Civil Modelo para Iberoamerica.
Historia-antecedentes-exposicion de motivos. 3 ed.
Montevideo: Fundacion de Cultura Universitria, 1999. Pg. 7.
71
Cfr. Exposio de Motivos do Projeto de Cdigo Modelo de Processos
Coletivos para Ibero-Amrica.
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a) Legitimidade ativa ad causam: o Cdigo Modelo amplia o rol dos
legitimados ativos, alargando o acesso justia coletiva, para
admitir, inclusive, que o indivduo, pessoa natural, ajuze a ao
coletiva.
Contudo, a ampliao da legitimao ativa veio acompanhada de
requisitos especficos para a propositura da demanda coletiva,
visando a um controle, no caso concreto, da seriedade, viabilidade
e importncia da demanda coletiva.
Para as demandas coletivas em geral, exige-se a
representatividade adequada do legitimado e a relevncia social da
tutela coletiva. Quanto tutela dos interesses individuais
homogneos, necessrio auferir a predominncia das questes comuns
sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso
especfico.
A preocupao com a representatividade adequada deriva da construo
do direito norte-americano, onde a adequacy of representation um
pressuposto de admissibilidade de toda class action. Cuida-se de
uma forma de controle judicial das qualidades do autor da ao civil
pblica, visando evitar que, pela propositura dessa ao por pessoa
desqualificada, o bem jurdico coletivo no seja tutelado
adequadamente, j que a coisa julgada salvo na improcedncia por
falta de provas erga omnes ou ultra partes.
Mais do que esta explicao processual, a representatividade
adequada tem preocupaes democrticas. Quando grupos ou instituies
sociais associaes civis, Ministrio Pblico etc atuam, em nome do
cidado, a participao deste se d de forma indireta, devendo aquelas
instituies bem representar o conjunto dos anseios populacionais na
proteo do meio ambiente, patrimnio pblico, consumidor etc, enfim,
do bem jurdico coletivo, objeto de tutela.
Como o termo representatividade adequada um conceito jurdico
indeterminado, o Cdigo Modelo procurou trazer alguns critrios para
que o juiz examine tal representao, em relao ao representante e ao
advogado, como (art. 2, par. 2): i) a competncia, honestidade,
capacidade, prestgio e experincia; ii) o histrico na proteo
judicial e extrajudicial dos interesses de grupo; iii) a conduta e
participao no processo coletivo e em outros processos anteriores;
iv) a coincidncia entre os interesses dos membros
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do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda; v) o tempo
de instituio e o grau de representatividade perante o grupo.
Da forma como o dispositivo est redigido, os critrios de
controle da representatividade adequada, pelo juiz, so
exemplificativos. No entanto, os poderes do juiz devem ser
adequadamente utilizados, sob pena de se criarem exigncias
personalssimas que tornem difcil ou impossvel a propositura da ao
coletiva, por determinado legitimado, ou, o que seria ainda mais
grave, a formao de uma corrente jurisprudencial que, legitimando
tais atuaes judiciais, reduzisse significativamente o acesso justia
coletiva, valendo-se, por exemplo, de argumentos genricos como o da
existncia de um acmulo de demandas que emperram o funcionamento do
Poder Judicirio72.
J o exame da relevncia social levar em considerao a natureza do
bem jurdico, as caractersticas da leso e o nmero de pessoas
atingidas.
Ainda, no que concerne tutela dos interesses individuais
homogneos, a exemplo do que ocorre nas class actions do direito
norte-americano (de plena aplicao ao civil pblica reparatria dos
danos individualmente sofridos73), o Cdigo Modelo exige, ainda, que
exista a predominncia das questes comuns sobre as individuais e da
utilidade da tutela dos interesses individuais homogneos, no caso
especfico74. Estes requisitos devem ser
72 Cfr. lvaro Luiz Valery Mirra. Ao civil pblica em defesa do
meio ambiente: a representao adequada dos
entes intermedirios legitimados para a causa. In: Ao civil
pblica aps 20 anos: efetividade e desafios. Coord. Edis Milar. So
Paulo: RT, 2005. Pg. 55. 73
A referida ao est regulamentada nos artigos 91 a 100 do CDC,
tambm denominada de ao de classe brasileira, foi inspirada nas
class actions for damages do direito norte-americano (rule 23 da
Federal Rule of Civil Procedure de 1966), da onde se importam os
requisitos da preponderncia e da utilidade. 74
Exemplos retirados da jurisprudncia norte-americana: 1) Caso
Cimino (Claude Cimino et alii v. Raymark Industries Inc. et alii;
j. 21.09.1998): objetivando a reparao de danos provocados pelo
asbesto, produto causador de uma srie de enfermidades como
mesotelioma, cncer de pulmo, asbestose, enfermidades da pleura.
Entendeu-se que as questes individuais predominavam sobre as
comuns, porque as conseqncias variavam de acordo com cada litigante
(tempo de exposio, intensidade do produto, enfermidade causada
etc). O argumento contra a utilidade foi os problemas que surgiam
quanto eficincia e justia da deciso, por haver uma