Sistema planificado na Unio Sovitica: lies histricas e viso
atual
Irina Mikhailova
Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]
Os objetivos principais deste trabalho foram analisar o sistema
planificado na Unio Sovitica, seguir a sua evoluo desde a origem at
a desmontagem e apresentar as vises alternativas sobre
determinantes desse processo. A hiptese do trabalho gira em torno
do argumento de que o colapso da URSS no deveu s desvantagens
inerentes do prprio sistema planificado e de que as falhas do
funcionamento deste sistema advieram da excessiva politizao do
processo de planificao socialista e das tentativas fracassadas de
reformas. Procurou-se tambm revelar, baseando-se nas prprias fontes
russas, o tipo de economia ao qual a Rssia chegou vinte anos aps o
fim do sistema planificado, e como a sua populao avaliou as mudanas
ocorridas no perodo ps-sovitico.
Palavras-chave: Economia planificada; Unio Sovitica,
RssiaAbstract The main objectives of this study were to analyze the
Soviet Union planned system, to follow its evolution from the
origin to the dismount and to present the alternative views on the
determinants of this process. The hypothesis of this work consists
in the argument that the Soviet Union collapse did not occurred due
to the inherent disadvantages of the planned system and the planned
system failure was caused by the excessive politicization of the
socialist planning and by the failed attempts of its reforms. Based
on the Russian sources, we also tried to reveal to what kind of the
economy the Russia arrived twenty years after the planned system
end, and how its population evaluated the post-soviet
transformations.Key words: Planned economy; Soviet Union; RussiaGEL
classification: P21; N14; N94
rea ANPEC: rea 2 Histria Econmica
1. Introduo
No ano de 2011, completaram-se 90 anos desde o incio do sistema
planificado na Unio Sovitica (URSS) e a fundao do GOSPLAN (Comit
Estatal do Planejamento da Unio), o rgo central que coordenava todo
o processo da planificao na URSS e garantia o funcionamento da
economia socialista. Experincias da planificao sovitica foram
pioneiras na histria econmica e tornaram-se nicas. Posteriormente,
elas foram aproveitadas por outros pases socialistas e, em certa
medida, por alguns pases capitalistas. Alguns mecanismos da
economia planificada continuam demonstrando a sua eficincia. Por
exemplo, planejamento econmico na China, atualmente, abrange
elementos do perodo-base de 5 anos de tal forma que, na poca, foi
proposta pelo GOSPLAN. No mesmo ano de 2011, em dezembro,
completaram-se 20 anos desde a desintegrao da Unio Sovitica em
quinze Estados independentes, entre os quais a Rssia ficou a sua
herdeira principal. O colapso da Unio Sovitica finalizou a
desmontagem do sistema da economia centralmente planificada e
controlada pelo Estado. Durante sete dcadas soviticas o sistema
planificado percorreu o caminho que vai da sua formao original
acompanhada pela forte luta poltica, passando por reformas
econmicas, inclusive pela tentativa fracassada de Perestroika, at a
sua desmontagem. A rpida desmontagem do sistema planificado, na
ausncia de instrumentos de mercado, levou ao caos na economia e
crise transformacional profunda da dcada de 1990. Reconhece-se que
a histria da economia planificada merece maiores reflexes e anlises
do ponto de vista contemporneo. Na ltima dcada, no meio acadmico do
espao ps-sovitico acaloraram-se debates em torno da importncia de
planificao econmica. Aps a desabilitao de mecanismos de planificao
e seu desprezo total no perodo da dcada de 1990, vem crescendo a
conscincia de que instrumentos de plano e de mercado podem atuar
conjuntamente na economia. Opina-se que [...] a negao da planificao
da economia levou o pas a uma armadilha econmica [...] precisa-se
repensar e levar em conta a experincia sovitica na planificao
econmica (FELDBLUM, 2001, p.5, traduo nossa).Os objetivos
principais deste trabalho foram analisar o sistema planificado na
Unio Sovitica, seguir a sua evoluo desde a origem at a desmontagem
e apresentar as vises alternativas sobre determinantes desse
processo. A hiptese do trabalho gira em torno do argumento de que o
colapso da URSS no deveu s desvantagens inerentes do prprio sistema
planificado e de que as falhas do funcionamento deste sistema
advieram da excessiva politizao do processo de planificao
socialista e das tentativas fracassadas de reformas. Procurou-se
tambm revelar, baseando-se nas prprias fontes russas, o tipo de
economia ao qual a Rssia chegou vinte anos aps o fim do sistema
planificado, e como a sua populao avaliou as mudanas ocorridas no
perodo ps-sovitico.
O corpo do presente trabalho compe-se, alm desta introduo, de
trs sees. A primeira destas volta-se anlise do perodo inicial do
sistema planificado. Na seo subsequente, buscar-se- revelar
tendncias e compreender reformas da economia planificada desde a
dcada de 1950 at a fim da URSS. Na seo 4, apresentam-se brevemente
vises contemporneas sobre o sistema econmico na Rssia e avaliaes
subjetivas (percepes da populao russa) dos resultados de
transformaes econmicas ao longo do perodo de vinte anos sem
economia planificada. Ao final, apresenta-se uma concluso.
2. Origem e fundao do sistema planificado na Unio Sovitica A
Rssia aps a vitria da revoluo socialista, em 1917, passou
inicialmente por perodo chamado comunismo de guerra do controle
rgido estatal e da plena mobilizao de recursos durante a guerra
civil. No final da guerra civil economia russa estava praticamente
acabada: no incio da dcada 1920, em comparao do ano 1913 (pouco
antes da I Guerra Mundial), a produo industrial caiu em 80%, a
produo agrcola diminuiu em 40 %, muitas empresas pararam de
funcionar, infraestrutura produtiva e social foi destruda,
expropriao forada de produo agropecuria levou a pauperizao da
populao rural (BAYER, 2011, p.1).
Nessas condies, o governo da Rssia Sovitica comeou a construir o
sistema de planificao diretiva e centralizada como forma de gesto e
de funcionamento da economia socialista. Na dcada de 1920, muitos
profissionais formados na Rssia tzarista foram chamados para
elaborar o sistema de planificao que nunca antes foi experimentado
no mundo em nvel do Estado. Entre eles merece destaque o cientista
Nikolai Kondratiev que ficou mundialmente reconhecido pela sua
teoria de Kondratiev waves (Ondas de Kondratiev). Segundo esta,
existem grandes ciclos econmicos (ondas) com durao de 50-60 anos
provocados principalmente por inovaes tecnolgicas. Em 1920,
Kondratiev fundou e encabeou o Instituto de Conjuntura em Moscou -
a primeira fundao cientfica da rea socioeconmica na Rssia
Sovitica.
O primeiro plano elaborado, em 1920, foi o Plano GOELRO (Plano
Estatal da Eletrificao da Rssia). O Plano garantiu o monoplio
estatal sobre a produo e o fornecimento de energia e previu o
crescimento acelerado do setor energtico, entre as outras
diretrizes principais. Em 1921, em primeira vez na histria, foi
fundado o rgo estatal da planificao, o GOSPLAN. Tambm foram criados
Comits de planejamento, subordinados ao GOSPLAN, em nveis mais
baixos: OBLPAN (comit de oblast unidade administrativa) e RAYPLAN
(comit de rayon distrito administrativo de oblast). O GOSPAN
funcionava durante todo o perodo sovitico como o principal
coordenador do funcionamento da economia centralmente planificada.
A elaborao da base metodolgica da planificao socialista demorou
alguns anos. Em 1926, na resoluo do I Congresso Nacional dos comits
de planejamento foi aprovada estrutura do sistema de planos e
inter-relacionamentos entre eles. Elemento principal do sistema
passou a ser Plano Quinquenal. Foram tambm determinados os
princpios da elaborao de planos. Declarou-se o carter diretivo de
planificao, ou seja, a obrigao de cumprir planos por todas as
empresas. O primeiro Plano Quinquenal foi elaborado para o perodo
de 1928-1932. .
No entanto, j em 1921, para retirar a economia do caos
ps-revolucionrio e o da guerra civil, necessitaram-se medidas
urgentes. Decidiu-se voltar temporariamente e parcialmente aos
mecanismos da economia de mercado, permitindo a atividade de
empresas privadas em setores secundrios e liberalizando o setor do
comrcio, entre outras medidas. Esta poltica ficou conhecida como
NEP (Nova Poltica Econmica). O terico e idelogo principal da NEP
foi Kondratiev. Ele e seus proponentes defenderam a ideia da
economia mista, ou seja, de que instrumentos da planificao
centralizada e os de mercado poderiam ser utilizados juntos na
economia. A poltica da NEP permitiu reanimar a economia em poucos
anos. Conforme algumas estimativas, no perodo da NEP, a economia
cresceu em mdia 18% por ano (BAYER, 2011, p.2).
No decorrer da elaborao do I Plano Quinquenal, houve grande
discusso entre duas correntes contraditrias na economia socialista
emergente. Defensores da primeira corrente, a qual Kontratiev tambm
pertenceu, chamaram-se genticos. Eles pensavam que diretrizes dos
planos devem basear na anlise das tendncias existentes na economia,
levar em conta disponibilidade de recursos e conjuntura real
econmica. A esta corrente pertenceram, em geral, especialistas da
elite profissional e intelectual da Rssia tzarista, os quais no
eram, na maioria, membros do Partido Comunista.
A segunda corrente defendeu a abordagem teleolgica, e seus
proponentes chamaram-se telelogos. Eles consideravam a formulao de
objetivos e a elaborao das metas de desenvolvimento como a etapa
mais importante da planificao. Para o cumprimento das metas, devem
ser buscados recursos necessrios, alterada conjuntura econmica e
formadas novas tendncias. Sendo assim, o plano basear-se-ia mais
nas diretrizes centrais do que nas previses cientficas. Os
proponentes da segunda corrente foram, na maioria, membros do
Partido Comunista e aqueles economistas que prefeririam seguir pela
linha geral do Partido (ver KARR, 1990; KURNOSOV, 2010).
No final das contas, a corrente teleolgica venceu, o que
implicou a prioridade de fatores polticos sobre fatores
socioeconmicos. A partir da, formou-se a grande crena de que
[...] a econmica sovitica pode crescer num ritmo impossvel para
a economia capitalista. Planificao no deve levar em conta o
passado. Devem-se ser colocadas grandes metas e procurados meios
para seu cumprimento (BRUTSKUS, 1995, p.125, traduo nossa). No
incio do perodo do I Plano Quinquenal, a poltica da NEP foi
revogada como contraditria s ideias socialistas. Os proponentes da
NEP e defensores da corrente gentica foram reprimidos. O prprio
Kondratiev foi dispensado do Instituto de Conjuntura, em 1928,
preso, em 1930 e executado, em 1938, por ordem de Stalin. Muitos
profissionais, os quais poderiam contribuir para o desenvolvimento
cientfico da teoria da planificao, compartilharam o destino trgico
de Kondratiev. Como resultado disso, o processo de planificao
centralizada, desde o seu incio, submeteu-se esfera ideolgica,
tornando-se dependente das decises polticas, s vezes voluntaristas
e no profissionais. Em certa medida, a ideologizao e a politizao
excessiva da planificao econmica predeterminaram vrias despropores
no desenvolvimento socioeconmico em todo o perodo sovitico.
A partir do I Plano Quinquenal, a histria da economia sovitica
vinha-se apresentando como a dos perodos quinquenais consecutivos,
contando, no total, com doze perodos (com uma nica exceo, quando se
tentou, em 1959, pela iniciativa de Khrushchev, mudar o perodo base
planificado de 5 para 7 anos). Para os soviticos, surgiu o slogan
permanente: nossos planos so a lei, cumprir o plano o nosso dever,
sobrecumprir (overfulfil) o plano uma honra. I Plano Quinquenal
objetivou industrializao forada e definiu a prioridade da indstria
pesada sobre outros setores da economia. Plano foi sobrecumpido, ou
seja, cumprido em menos de 5 anos. Metas principais, previstas nas
diretrizes do plano, foram atingidos em 4 anos. A construo da base
industrial do socialismo continuou no decorrer do II Plano
Quinquenal para o perodo de 1933-1937, o qual tambm foi bem
sucedido. Conforme avaliao do Centro de Pesquisa sobre a Unio
Sovitica da Universidade de Melbourne, a qual pode ser considerada
alternativa estatstica sovitica, no perodo de 1928-1940, a indstria
da URSS apresentava taxas incrveis de crescimento, em torno de 16%
por ano (WHEATCROFF et al., 1986, p. 274). Como resultado principal
de dois primeiros planos quinquenais foi a formao da base material
do socialismo. Em 1936, o XVIII Congresso do Partido Comunista da
URSS, nomeado Congresso dos Vencedores, declarou a finalizao, em
princpio, da construo do socialismo. Naquele momento, a participao
do setor estatal na produo total e, tambm, na capacidade produtiva
total ampliou at 99%. Para comparar, os mesmos indicadores, no ano
de 1924, contavam s por volta de 35% (ABALKHIN, 1978, p.3). No
entanto, para tal sucesso da economia, os esforos e sacrifcios da
populao foram grandes. Concorda-se com H. Magdoff, que, numa
entrevista, afirmou o seguinte:
Para cumpri-lo [o plano] requeria-se, em um sentido, uma
militarizao da economia. A militarizao pode ser uma grande palavra,
mas a mobilizao econmica tomou a forma de uma economia de guerra.
Diretores fortes, pressionando as pessoas ao extremo, perseguindo
aqueles que no produzissem por vrias razes [...]. Da mesma forma,
os agricultores foram forados coletivizao (MONTHLY REVIEW, 2002,
p.2).A verdadeira militarizao da economia deu incio a partir do III
Plano Quinquenal para o perodo de 1938-1943. Este plano indicou a
prioridade de indstria blica sobre outros setores da economia. Nos
anos 1938 -1940, as taxas mdias anuais de produo industrial foram
13%, e as mesmas taxas do setor blico foram trs vezes mais altas,
ou seja, 39% por ano. Sendo assim, no incio de ano 1941, a
participao da indstria blica na indstria total sovitica chegou a
45% (SHEPOVA, 2011, p.103). O processo de construo socialista e de
execuo do III Plano Quinquenal foi atropelado, em 22 de junho de
1941, pelo incio da Grande Guerra Patritica (o nome pelo qual ficou
conhecida a participao da Unio Sovitica, de 1941 a 1945, na II
Guerra Mundial) quando a economia sovitica se dirigiu totalmente
para o caminho militar. Aps a Guerra, o planejamento diretivo, que
foi tambm interrompido, recebeu continuao. As diretrizes do IV
Plano Quinquenal (1946-1950) objetivaram a rpida recuperao da
economia ps-guerra. Depois dos perodos da militarizao forada
pr-guerra, da II Guerra Mundial e da restaurao dos prejuzos enormes
no perodo ps-guerra, ou seja, a partir da dcada de 1950, a economia
sovitica poderia voltar-se prioritariamente para os objetivos de
desenvolvimento socioeconmico junto corrida competitiva com o mundo
capitalista. Essa inteno de atingir e ultrapassar pases
capitalistas expressou-se no termo cunhado como desenvolvimento de
catch-up.
3. Evoluo do sistema planificada sovitica e sua desmontagem no
perodo de 1950 a 1991
No perodo de 1950 ao incio da dcada de 1990, a economia
socialista percorreu o caminho que vai do crescimento acelerado
estagnao, da maturidade do sistema planificado at a sua
desmontagem. A dcada de 1950 representou o perodo da culminao
econmica: a economia demonstrou o melhor desempenho e o mais rpido
crescimento na sua histria. Na expresso de um dos pesquisadores
russos principais sobre o perodo sovitico, Grigory Khanin, essa foi
a dcada de triunfo e maravilho econmico quando a URSS fazia parte
do grupo de pases com o crescimento mais rpido no mundo (KNAHIH,
2002, p.55, traduo nossa).
Nesse perodo, somente dois pases, o Japo e a Unio Sovitica,
cresciam, reduzindo o seu atraso econmico em comparao com os USA. A
tendncia de crescimento acelerado se prolongou, mesmo com menor
ritmo, at a dcada de 1960 (ver dados da tabela 1). Se no Imprio
Russo, em 1913, e na Unio Sovitica, em 1928, o seu PIB per capita
foi 30% e 20%, correspondentemente, do nvel do mesmo indicador dos
USA, ento, no final da dcada de 1960, o PIB per capita da Unio
Sovitica atingiu quase 40% do nvel dos USA (POPOV, 2008, p. 6).
Apesar do fato de que a diferena entre USA e URSS, em PIB per
capita, ainda ficar grande, a expectativa de vida da populao
sovitica aumentou at 70 anos na metade dos anos 1960, o que foi
quase a mesma do que a dos USA. Esse resultado social ficou como o
mximo histrico na URSS e nunca foi atingido depois, inclusive na
Rssia ps-sovitica.
Tabela 1 - Taxas anuais de crescimento da Renda Nacional e do
Investimento total na economia sovitica nas dcadas de 1950 a 1980
(em %, mdia no perodo)Indicadores1951 19601961
19651966
19701971 19751976
19801981
1985
Renda Nacional 10,26,57,86,34,23,5
Investimento total10,85,47,36,73,73,7
Fontes: adaptado de GOSUDARSTVENNYE ECONOMICHESKIE STRATEGII,
1998; VEDUTA, 2002, p.237. A partir da dcada de 1960, alguns
problemas da economia planificada comearam a se agravar. A
prioridade da indstria blica e a dos meios de produo, em detrimento
dos outros setores, causou a demanda no atendida com vrios bens de
consumo e servios. Nos primeiros planos quinquenais, esta
prioridade era necessria para construir a base material do
socialismo e criar fundos produtivos (osnovnye proizvodstvennye
fondy) e, assim, era considerada como sacrifcio inevitvel para
vencimentos futuros. J no perodo em questo, a existncia desses
problemas no poderia ser justificada e por isso repercutiu
negativamente sobre a motivao de trabalhadores e a produtividade de
trabalho. Alm disso, a perda da motivao para o trabalho vinha
acontecendo devido a certo nivelamento das remuneraes. O entusiasmo
sovitico, inspirado nas ideias do comunismo, tambm j havia
diminudo. Outro ponto fraco da economia sovitica passou a ser o
gradativo atraso do setor agrcola, devido ao financiamento precrio,
baixa estimulao e a condies climticas difceis. Vale a pena
mencionar, tambm, os crescentes gastos estatais soviticos com a
corrida armamentista e, tambm, com a ajuda financeira aos outros
pases, para reforar pases do campo socialista e obter novos aliados
na possvel expanso do socialismo no mundo. Todos esses custos
ideolgicos comearam a afetar o desempenho econmico da Unio
Sovitica. No entanto, o problema geral da economia planificada (e
uma das determinantes do seu colapso posterior) foi a chamada
corrida planejamentista, a qual visou ao cumprimento das diretrizes
do Plano corrente a qualquer custo e o mais rpido possvel. As
empresas que conseguiram atingir as metas do Plano Quinquenal em
perodo menor do que 5 anos, ou seja, no final do quinqunio,
ultrapassaram o nvel previsto de indicadores, receberam destaque
especial, foram beneficiadas financeiramente e privilegiadas na
distribuio centralizada de recursos para o prximo perodo. Isso
levou prioridade de indicadores quantitativos do Plano (como o nvel
de produo, a quantidade produzida, etc.) em detrimento da qualidade
dos bens produzidos e do uso racional dos recursos da sociedade.
Assim, chegou-se ao reconhecimento de que o sistema planificado
necessitava de modificaes em direo menor centralizao e a maiores
estmulos para aumento da eficincia econmica.
Em 1965, foi lanada a reforma econmica conhecida como Reforma de
Kosygin (em nome de A. Kosygin, na poca primeiro ministro da URSS).
Pela primeira vez, visou-se ligeiramente modificar a prpria base
econmica do socialismo, introduzindo alguns elementos de mercado
atravs do mecanismo de khozraschet (comercializao). A Reforma de
Kosygin objetivou a certa liberalizao de inter-relaes econmicas e a
flexibilizao do mecanismo vertical de comando e controle. Empresas,
antes consideradas como simples peas de propriedade pblica,
passaram a ser quase proprietrias do seu capital fixo (isso nada
tinha a ver com a privatizao ps-sovitica nos anos 1990). Tentou-se
fazer com que o indicador de lucro da empresa passasse a ser o
critrio principal da sua atividade. Para isso, as transferncias
obrigatrias de lucros, acima do normativo, para o Oramento Estatal
foram substitudas pelo imposto sobre o capital fixo.
Tambm a reforma pretendeu aumentar o interesse dos trabalhadores
nos resultados das empresas. Foram criados Fundos de estmulos
econmicos nas empresas, os quais dependiam dos lucros lquidos e dos
indicadores da eficincia da produo. A destinao desses Fundos era a
premiao de trabalhadores, auxlios financeiros a esses e o
financiamento de objetos da infraestrutura social das empresas.
Como resultado da Reforma, as empresas obtiveram mais recursos
financeiros para uso prprio, os quais poderiam ser alocados
conforme a sua deciso, sem diretrizes centrais. Antes da Reforma, a
relao de recursos prprios sobre os totais da empresa era em torno
de 20%, enquanto, em 1970, esse indicador ficou em quase 35 %
(VEDUTA, 2002, p. 193). Os efeitos positivos da Reforma contriburam
para melhores resultados do desempenho do VIII Plano Quinquenal,
para o perodo de 1966-1970 (ver dados da Tabela 1), no entanto,
efeitos no conseguiram prolongar-se muito.
A economia continuava a se-desacelerar. Conforme dados da Tabela
1, as taxas mdias anuais do crescimento da Renda Nacional (Produto
Nacional Lquido) gradualmente vinham diminuindo de 7,8 %, no perodo
de 1966-1970, at 3,5%, no perodo de 1981-1985, ou seja, do XI Plano
Quinquenal. Visando desacelerao acentuada, fez-se nova tentativa de
reformar a economia. Em julho de 1979, foi lanada mais uma reforma
econmica com o objetivo de aumentar a eficincia da planificao,
racionalizar o uso de recursos e elevar a qualidade de bens e
servios produzidos. A principal proposta foi modificar, mais uma
vez, os critrios de avaliao da atividade das empresas, acabando com
a prtica plano pelo prprio plano qualquer que seja o custo. Na
elaborao de diretrizes dos Planos, foi previsto substituir
indicadores da produo total pelos da produo final, estimulando a
reduo do uso de insumos de produo. Visou-se tambm maior incluso de
indicadores qualitativos e no monetrios no conjunto dos indicadores
planificados. Previa-se correlacionar o fundo da remunerao dos
trabalhadores com a evoluo da produtividade do trabalho, para
reverter a tendncia de maior aumento de salrios nominais em
comparao com o da produtividade de trabalho. As medidas da Reforma
enfatizaram a intensificao do mecanismo de khozraschet
(comercializao) nas relaes e as atividades das empresas. A inteno
foi descentralizar a planificao, fazendo com que a elaborao dos
planos se iniciasse no nvel das empresas produtoras e se baseasse
no estudo das demandas de consumidores finais. Infelizmente, a
maioria das medidas no foi implementada devido forte resistncia do
corpo executivo das empresas, burocracia e inrcia dos rgos de
controle e planejamento central . No perodo posterior Reforma
fracassada, o do XI Plano Quinquenal (1981-1985), os resultados
macroeconmicos ainda pioraram: a taxa mdia anual do crescimento da
Renda Nacional ficou em 3,5% (mais baixa do que a de 4,2%, no
perodo anterior, 1976-1980), enquanto o investimento total cresceu
em ritmo igual em dois perodos quinquenais (ver Tabela 1).
O perodo do XII Plano Quinquenal (anos 1986-1990) foi o ltimo
perodo planificado na Unio Sovitica. Porm, as diretrizes deste
plano no foram cumpridas. Na Tabela 2, visualizam-se as taxas do
crescimento dos indicadores macroeconmicos, neste perodo e no ano
de 1991. No final do perodo do ltimo plano, em 1990, o crescimento
ficou negativo, e a verdadeira crise deu-se em 1991, quando a Renda
Nacional e o Investimento Total encolheram em aproximadamente 15%.
Tabela 2 - Taxas de crescimento da Renda Nacional e do Investimento
Total na economia sovitica, no perodo de 1986 - 1991 (em % ao ano
anterior)Indicadores
198619871988198919901991
Renda Nacional102,4100,7104,5101,996,085,7
Investimento Total109,2105,9107,7104,199,984,5
Fonte: Adaptado de VEDUTA, 2002, p.237.
As diretrizes do XII Plano Quinquenal foram aprovadas j depois
da vinda do novo (e o ltimo) Secretrio Geral do Partido Comunista
da URSS, Mikhail Gorbachev, que iniciou a nova reforma da economia
socialista atravs do processo da Perestroika (literalmente,
reconstruo). Na etapa inicial da Perestroika, foram realizadas
algumas medidas administrativas. A partir de janeiro de 1987,
comearam as transformaes no mecanismo econmico. Pretendeu-se
reduzir o monoplio estatal, afrouxar o controle do Estado, liberar
a tomada das decises empresariais, descentralizar o sistema
planificado e permitir a propriedade privada em setores secundrios
de produo de bens de consumo, do comrcio varejista e dos servios no
essenciais. Essa ltima medida foi o elemento mais radical da
implementao do chamado socialismo de mercado como o novo modelo da
economia sovitica. No final da dcada de 1980, o Estado continuava
como o principal proprietrio da base produtiva, mas j existiam
inmeras microempresas e empresas de pequeno porte nas mos de
proprietrios privados. No setor da agricultura, foi permitido o
arrendamento de terras estatais por grupos familiares e indivduos.
Medidas econmicas da Perestroika foram elaboradas com vistas a
retomar o crescimento econmico e melhorar o desempenho social por
meio da reformulao dos mecanismos existentes, porm mantendo
inalterados os principais fundamentos do socialismo, conforme o
prprio termo socialismo de mercado (ver Gorbachev, 1995).No
entanto, acontecimentos polticos no pas e na Europa do Leste, no
fim dos anos 1980, travaram as realizaes das medidas econmicas
previstas pela Perestroika. A reconstruo de outras esferas da vida
sovitica na direo da descentralizao de gesto deu incio aos
movimentos nacionalistas e consequente destruio das relaes
econmicas entre elementos do sistema planificado, o qual acabou
sendo desmontado.
4. Depois da economia planificada O colapso da Unio Sovitica
finalizou a desmontagem do sistema planificada. A Rssia, junto com
outros pases do ex-campo socialista, comeou a transitar para outro
sistema poltico e econmico - o capitalismo e a economia de mercado.
A maioria dos pesquisadores ps-soviticos reconhece que, na poca,
nenhuma estratgia de transio do sistema socialista para o
capitalista foi definida. O prprio caminho de transio foi
inesperado. Entre os pesquisadores ocidentais, tambm se encontra a
viso de que a transio da Rssia para o capitalismo foi a consequncia
imprevisvel das tentativas das reformas do socialismo. Para
eles,
Policies adopted by the Soviet Union when it embarked on the
path of reforms were not intended to turn it into fifteen
independent capitalist nations. Rather, Gorbachev hoped that
perestroyka would strengthen socialism by making it more efficient
and more humane. The transition to capitalism was a largely
unanticipated consequence of the changes initiated by Gorbachev
(SCHWARZ et al, 2002, p.2).
Hoje, avaliando o caminho de vinte anos da economia russa em
transio, pode-se afirmar que resultados deste caminho tambm foram
inesperados e causaram muitos efeitos indesejveis sobre a
sociedade. Grandes custos sociais, no perodo de transio,
contriburam negativamente para avaliaes subjetivas do caminho
escolhido no pas. Conforme a pesquisa do Instituto da Sociologia da
Academia de Cincias da Rssia, em 2011, 39% da populao russa
considerava o caminho atual do pas como para lugar nenhum (sem
perspectiva), e 73% da populao tinha opinio, em princpio, negativa
sobre a desintegrao da Unio Sovitica (INSTITUT SOTSIOLOGII 2011,
p.279 e p.39). No entanto, isso no quer dizer que se duvidava da
necessidade da reformulao do socialismo. Vem-se questionando a
possibilidade de seguir outro caminho e adotar uma estratgia
alternativa de transio. No presente trabalho, defende-se a viso de
que existiram, sim, possibilidades reais de optar por outros
caminhos e estratgias alternativas de transio.
O caminho alternativo ao capitalismo poderia ser a transio para
o socialismo de mercado. Conforme Oleg Bogomolov, (um dos
economistas reconhecidos que foi convidado por Mikhail Gorbachev,
em 1989, para fazer parte do Comit Cientfico das reformas de
mercado) existiam trs verses das reformas. A primeira seria
evolutiva, de lento caminho, com modificaes cautelosas do sistema.
Na segunda verso, a ultraliberal, optara-se-ia pelo rpido caminho
ao capitalismo atravs da simultnea liberalizao de preos e do
comrcio, privatizao da propriedade estatal, entre outras medidas. A
terceira verso era moderadamente radical, ela propusera modificaes
graduais em direo aos mecanismos de mercado e a manuteno do
controle estatal sobre setores cruciais da economia. Conforme esta
verso, a implementao dos mecanismos de mercado e a privatizao
comeariam gradualmente no setor agrcola e na pequena e mdia
indstria de meios de produo para a agricultura e a de alimentos
(BOGOMOLOV, 2011, p.3).
Apresentando as verses da reforma, Leonid Abalkin, na poca o
presidente do referido Comit, avisou sobre o carter prejudicial e
os efeitos sociais imprevisveis da verso ultraliberal e recomendou
optar pela verso moderadamente radical das reformas. Esta mesma, ou
seja, a terceira verso foi aprovada com 75% de votos pelo II
Congresso dos deputados federais, em dezembro de 1989. Na resoluo
do Congresso, foi tambm aprovada a nova abordagem para a elaborao
do XIII Plano Quinquenal para o perodo de 1991-1995, ou seja, foi
dada a continuao da planificao estatal, mas com menor grau de
centralizao e de diretividade (II S`EZD NARODNYH DEPUTATOV,
1990).
A realizao da verso de reforma moderadamente radical, aprovada
pelo referido Congresso, levaria, provavelmente, ao chamado
socialismo de mercado com uma economia mista. No entanto, a
realizao desta nem conseguiu se iniciar devido a fatores polticos:
houve a diviso da elite poltica em sua atitude para com as
reformas, o que desencadeou a forte luta dentro dela e aumentou a
tenso na sociedade. Entretanto, medida que o incio das reformas
demorava, a situao poltica e econmica do pas ficava cada vez mais
incontrolvel. Em agosto de 1991, um grupo de alto, dirigentes do
pas, inclusive o Vice-Presidente, o Ministro da Defesa e o Chefe do
KGB, entre outros, organizou o (Comit Estatal para o estado de
emergncia) com o objetivo de normalizar a situao e impedir a
possvel desintegrao da Unio Sovitica. O Comit existiu por trs dias
e fracassou. Essa tentativa de golpe de Estado somente agravou a
situao e acelerou o processo de desintegrao. Mikhail Gorbachev
perdeu, de fato, o poder, o qual passou para Boris Yeltsin, que
logo assinou o decreto suspendendo a atividade do Partido Comunista
e forou a independncia das repblicas soviticas.
A partir de 1992, as reformas econmicas da Rssia seguiram o
caminho da chamada terapia de choque. Para a populao do pas, foi um
choque mesmo. No primeiro ano da Rssia ps-sovitica, o de 1992, o
PIB (Produto Interno Bruto) e o PIB industrial caram em 14, 5%, e
16%, correspondentemente, e o investimento total encolheu-se em
quase 40% (ver Tabela 3). A crise prolongou at o final da dcada de
1990. No perodo de 1991 a 1998, a profunda contrao de indicadores
macroeconmicos (ver Tabela 2) foi acompanhada pela hiperinflao: os
preos dos consumidores subiram, neste perodo, em 4458 vezes
(Minekonomrazvitiya, 2003, p.4), e pela excessiva piora de
indicadores sociais. Durante essa crise transformacional, a taxa
geral de mortalidade da populao aumentou em quase 50%, fato
assustador para um perodo pacfico (POPOV, 2007, p. 14).
Tabela 3 - Taxas de crescimento dos indicadores macroeconmicos
na Rssia, em alguns anos da dcada 1990 (em % ao ano
anterior)Indicadores19921994199619981998 em % ao ano 1991
Produto Interno Bruto85,587,396,694,760,6
PIB do setor industrial 84,079,196,094,849,8
PIB do setor agropecurio 90,688,094,986,858,6
Investimento Total60,375,781,988,024,8
Fonte: Adaptado de GOSKOMSTAT, 2001, p.37.A estratgia das
transformaes, adotada na Rssia, foi classificada como a estratgia
neoliberal de transio do socialismo para o capitalismo. Esta
estratgia inclui trs polticas. A primeira a politica de
liberalizao, ou seja, a remoo das restries governamentais sobre o
nvel de preos e a eliminao do controle estatal sobre a distribuio
de recursos. A segunda a poltica de estabilizao, ou seja, a conduo
da rgida poltica fiscal e monetria para conter a inflao causada
pela liberalizao de preos. A terceira poltica, a mais radical, a
privatizao. Alm disso, a estratgia neoliberal props a imediata
abertura comercial (KOTZ, 2000, p.3).
As polticas dessa estratgia foram conduzidas na Rssia com muita
rapidez. Desde o dia 2 de janeiro de 1992 todos os preos foram
liberados e saltaram da noite para o dia, desencadeando a
hiperinflao. A poltica monetria restritiva fez com que o indicador
de estoque da moeda sobre o valor do PIB caiu de 100%, no ano de
1990, at somente 16%, em 1994 (World Bank, 1996, p.21). Tanta
desmonetizao da economia levou at a situao na qual alguns bens
desempenharam o papel de moeda. Salrios com pagamentos atrasados
por meses ou parcialmente substitudos pelas mercadorias produzidas
na mesma empresa foram comuns na primeira metade da dcada de 1990.
Neste perodo, o valor total de pagamentos atrasados superou a
metade do valor do PIB (MOROZOV, 1997, p.4). Segundo algumas
fontes, de 70 a 80% de todas as transaes na economia, nos anos
variados, foram efetuadas nas formas no monetrias, principalmente
na forma natural via escambo (barter) (KOTZ, 2000, p.5; LEBEDEV,
1998, p.28). Finalmente, a terceira poltica de estratgia de
transio, a privatizao da propriedade estatal, foi efetuada com
velocidade inesperada e por mtodos duvidosos. Sob as condies da
desmonetizao da economia, da pauperizao da maior parte da populao e
da crescente corrupo e criminalizao da sociedade, o resultado de
tal privatizao foi a formao da nova, muito pequena, classe
oligrquica - a nica que se-beneficiou da privatizao da propriedade
pblica estatal criada pelo trabalho imenso, muitas vezes forado,
dos milhes de pessoas ao longo de sete dcadas soviticas.
Entre os problemas gerais da transio vale notar as condies
iniciais, oriundas de tais caractersticas da economia sovitica,
como militarizao do setor industrial, prioridade do setor da
indstria pesada sobre outros setores, predomnio de empresas de
grande ponte e pouco especializadas tanto no setor industrial como
no agrcola (POPOV, 2007, p.17). Na opinio de pesquisadores
americanos, no s a economia mas tambm a sociedade sovitica tinham o
estilo e a orientao militar, por isso o processo de transio do
socialismo para o mercado capitalista exigiu certa desmobilizao ,
que no foi fcil. Para eles,
In many ways the Russian transition is comparable to the
demobilization that occurred after WW II in Western European
economics. The quasi-military structure no longer applies: goods
used to sustain the empire are no longer needed. In the Soviet
Union, every industry was state owned and every worker was a
soldier in the states economic army. Now every person must be more
responsible for himself and place less reliance on higher authority
(SCHWARZ, et al, 2002, p. 4).
A estratgia alternativa de transio (logo que foi escolhido o
caminho para o mercado capitalista e no para o socialismo de
mercado) poderia ser a da transio gradativa com forte controle
estatal. David Kotz, pesquisador da University of Massachusetts,
fazendo um comparativo das duas (a estratgia neoliberal para o caso
da Rssia e a estratgia de controle estatal para o caso da China)
sumarizou os problemas da primeira estratgia e, em especial, quando
sua aplicao para a Rssia. Ele anota que a rpida desmontagem do
sistema planificado, na ausncia de instrumentos do mercado, leva ao
caos na economia; a liberalizao abrupta de preos desencadeia
inflao, a qual dificilmente pode ser coibida; a privatizao numa
sociedade onde no existe a legtima classe mdia corre o perigo de se
transformar em grande roubo de bens estatais, sem nenhum benefcio
para a prpria sociedade (KOTZ, 2000, p.9).
Concorda-se que os problemas da estratgia neoliberal, citados
acima, so muito relevantes no perodo de transio na Rssia. No
entanto, no se pode afirmar que a outra estratgia, de forte
controle estatal, se fosse adotada, levaria aos resultados
desejveis, embora ajudasse a evitar vrias perdas sociais. O assunto
continua a ser muito polmico. Reconhece-se que o perodo
transformacional na Rssia no est terminado, ao mesmo tempo, no se
pode dizer que a economia est em pura transio porque as alteraes
mais radicais do sistema j foram realizadas. Ento, a qual tipo de
economia chegou a Rssia?
Se se considerar o tipo da propriedade predominante, este o tipo
privado. O setor privado na Rssia domina hoje um pouco menos do que
dois teros do PIB. A participao do setor privado no PIB aumentou de
5%, em 1991, at 70%, em 1997, atingindo o seu mximo. Desde 1997, o
domnio do setor privado no PIB vinha diminuindo, chegando at 65%,
em 2005, e 60%, em 2010 (INSTITUT GAIDARA, 2011, p.407). No final
de 2010, foi elaborado o novo Programa de Privatizao para o perodo
de 2011-2015. Apesar do predomnio da propriedade privada, a
economia no pode ser caracterizada como a economia do capitalismo
convencional de mercado, pois o funcionamento dos mecanismos do
mercado est fraco na economia russa: este fato no est sujeito a
dvida. s vezes refere-se ao termo economia do capitalismo
perifrico. Se se concordar com o termo capitalismo, essa definio
teria algum sentido visando o papel do pas como grande exportador
de matria-prima para pases desenvolvidos, mas simplificaria a
caracterstica do tipo de economia na Rssia.
A importncia de mecanismos de modo da produo no capitalista
parece estar parcialmente recuperando-se na conscincia social. Aps
a desabilitao de mecanismos de planificao e seu desprezo total no
perodo da dcada de 1990, vem crescendo, de novo, a conscincia de
que instrumentos de plano e de mercado podem atuar conjuntamente na
economia. Conclui-se que [...] a negao da planificao da economia
levou o pas a uma armadilha econmica [...] precisa-se (queira ou
no) repensar e levar em conta a experincia sovitica na planificao
econmica (FELDBLUM, 2001, p.5, traduo nossa). Ultimamente, vrias
medidas tm sido realizadas nesta direo. No final de 2011, foi
apresentada a nova verso do projeto da Lei Federal sobre a
planificao estratgica estatal, o qual prev a elaborao do sistema de
planos de vrios nveis, entre as outras medidas (MINEKONOMRAZVITIYA,
2011).
Grigory Yavlinsky, o ex-candidato da oposio para o cargo do
presidente da Federao Russa (ele foi eliminado das eleies
presidenciais de 2012), na sua tese de doutorado definiu o tipo da
economia russa como economia mista. O termo dado entre aspas, pois
este no tem o significado que a teoria econmica lhe confere. Nas
palavras do Yavlinsky,
Isto a economia na qual [...] a prpria lgica do comportamento
ficou mista [...]. Tem segmentos com concorrncia de mercado e com
monoplio puro, mas estes segmentos no determinam a face da economia
[...]. Alguns segmentos da economia so dominados pelas forcas
criminais, outras esto sob pleno controle administrativo [...].
Hoje a atividade econmica [...] se baseia numa mistura ecltica de
instituies e relaes [...] (YAVLINSKY, 2005, p.137, traduo
nossa).
Para responder indagao do ttulo desta seo, seria interessante
revelar as percepes subjetivas da populao, a qual vivenciou essas
grandes mudanas, em torno dos eventos principais ocorridos e da sua
repercusso sobre a sociedade.
Leonid Abalkin, um dos famosos economistas j referido acima,
afirmou, na virada de milnio, que a destruio do nosso Estado [Unio
Sovitica] foi uma grande tragdia para a populao (ABALKIN, 2000,
p.3, traduo nossa). Para refletir sobre tal afirmativa, refere-se
aos resultados da pesquisa Vinte anos das Reformas sob o olhar da
populao russa, realizada pelo Instituto da Sociologia da Academia
de Cincias da Rssia. Na Tabela 4, apresenta-se a dinmica da atitude
da populao em relao desintegrao da Unio Sovitica. Vale notar que a
populao da Rssia inclui, alm de 81% de russos propriamente ditos,
dezenas de outras etnias.
Conforme os dados da Tabela 4, a atitude da maioria da populao
em relao desintegrao da URSS foi negativa em 2001. A mudana desta
atitude, em 2011, ocorreu, principalmente, em parte pelo aumento da
porcentagem da populao que no tem a resposta definitiva e,
correspondentemente, reduo da porcentagem daqueles que consideravam
o acontecimento como a catstrofe nacional.
Tabela 4 Atitude da populao da Rssia, em 2001 e 2011, em relao
desintegrao da Unio Sovitica (URSS), em %, total das verses das
respostas = 100%Verses das respostasAno 2001Ano 2011
Desintegrao da URSS foi a catstrofe global1414
Desintegrao da URSS foi a catstrofe nacional4336
H consequncias tanto positivas como negativas da desintegrao da
URSS3029
Desintegrao da URSS levou renascimento da Rssia e de outras ex-
republicas soviticas46
Desintegrao da URSS foi o acontecimento positivo no plano
global23
No tenho resposta definitiva712
Fonte: Adaptado de INSTITUT SOTSIOLOGII, 2011, p.189.Percepes em
torno dos resultados das reformas, realizadas aps a desintegrao da
URSS, foram um pouco mais positivas do que a atitude em relao
prpria desintegrao do Estado. Como consequncias positivas das
reformas para a sua vida, respondentes destacaram a saturao da
demanda por bens de consumo e servios; a diversificao da oferta
destes; algumas novas liberdades e direitos adquiridos, inclusive o
direito da livre sada para o exterior, entre outros efeitos. No
entanto, 25% da populao responderam, em 2011, que as reformas no
tiveram nenhum efeito positivo sobre a sua vida (INSTITUT
SOTSIOLOGII, 2011, p. 23). Entre os efeitos negativos, os mais
citados foram os seguintes: a perda da confiana no futuro e a perda
da sensao de segurana (foi indicada por 43% e 35% dos respondentes,
correspondentemente); o aumento da injustia social (27%); a piora
geral no padro de vida (35%); a corrupo (19%); a perda de alguns
valores morais da sociedade (18% dos respondentes), entre outros
(INSTITUT SOTSIOLOGII, 2011, p. 27).
Tambm pode-se afirmar que o modelo neoliberal da economia de
mercado no apoiado pela a sociedade. A favor deste modelo, com a
mnima participao do Estado, foi, em 2011, somente 9 % da populao.
Entretanto, 28% da populao, em 2011, acharam a melhor forma da
participao do Estado como a restaurao da regulao centralizada da
economia (INSTITUT SOTSIOLOGII, 2011, p.166). Ento, para onde
chegou a Rssia aps 20 anos do fim da economia planificada?
Chegou-se a um tipo da economia mista, em que mista um termo usado
no s no sentido convencional, que combina instrumentos de mercado e
os de regulao centralizada estatal, mas, sim, no sentido especfico
para o caso da Rssia. Chegou-se a uma sociedade onde parte
significativa da populao considera a experincia vivenciada no
perodo ps-sovitico como negativa e quase a metade da populao perdeu
a confiana no futuro. Finalmente, chegou-se ao momento quando em
que h a necessidade de novas reformas. Recentemente, foi elaborada
a Estratgia de Desenvolvimento Socioeconmico da Rssia para o perodo
at 2020. Neste documento do planejamento estratgico, reconhece-se o
modelo atual de desenvolvimento est esgotado e prope-se um novo
modelo de crescimento e uma nova poltica social atravs de novas
reformas em todas as esferas da sociedade (STRATEGIYA-2020,
2011).
5. Concluso
A planificao socialista, desde o seu incio, submeteu-se esfera
ideolgica, tornando-se dependente das decises polticas, s vezes
voluntaristas e no profissionais. A politizao excessiva da
planificao econmica impactou negativ33amente no desenvolvimento
socioeconmico em todo o perodo sovitico.
O chamado triunfo econmico, na dcada de 1950, representou a
culminncia do desenvolvimento socioeconmico, baseado no
planejamento diretivo, e demonstrou vantagens competitivas do
sistema socialista frente do mundo capitalista. Na dcada seguinte,
de 1960, esse sistema j havia dado os primeiros sinais da
ineficincia devido ao afrouxamento de estmulos econmicos junto
perda gradual do entusiasmo dos trabalhadores e da motivao
ideolgica.
A Reforma Econmica de Kosygin, lanada em 1965, flexibilizou a
gesto central, liberalizou parcialmente a tomada das decises das
empresas e tentou elevar a motivao financeira, para obter
resultados do trabalho e do uso eficiente de recursos. Os efeitos
positivos da Reforma contriburam para melhores resultados do
desempenho do VIII Plano Quinquenal, para o perodo de 1966-1970, no
entanto, efeitos no conseguiram prolongar-se muito. Fatores
negativos do desenvolvimento socioeconmico, tais como distores
estruturais e crescentes custos ideolgicos continuaram repercutir
sobre o desempenho macroeconmico.Conclui-se que a desacelerao
econmica e a estagnao posterior no final do perodo sovitico no
foram consequncia inevitvel do funcionamento do sistema
planificado. Deteriorao gradual do sistema planificado revelou-se
na chamada corrida planejamentista: cumprimento do Plano pelo
prprio Plano a qualquer custo. A mais uma tentativa de
aperfeioamento do sistema planificado na segunda Reforma Econmica,
lanada em 1979, tambm no foi bem sucedida devido forte resistncia
do corpo executivo nas empresas, burocracia e inercia dos rgos
centrais de controle e planejamento.
As mudanas cruciais da economia planificada na direo da economia
do socialismo de mercado, previstas pela Perestroika, no foram
realizadas devido ao fracasso das reformas. No entanto, efeitos da
Perestroika, como mudanas organizacionais, liberalizao das decises
de agentes econmicos, perda parcial do controle por parte do
Governo, entre outros, junto com acontecimentos polticos,
contriburam para a destruio do sistema planificado socialista.
A escolha do caminho de transio para a economia de mercado e
adoo da estratgia neoliberal de transio deveu-se vontade poltica
dos dirigentes do pas naquele momento. A rpida desmontagem do
sistema planificado, na ausncia de instrumentos de mercado, levou
ao caos na economia e crise transformacional profunda; a
liberalizao abrupta de preos desencadeou a hiperinflao; a
privatizao na sociedade, onde no existiu a legitima classe mdia,
resultou na formao da pequena classe oligrquica - a nica que
se-beneficiou da privatizao da propriedade pblica estatal, sem
nenhum benefcio para a prpria sociedade.
Hoje, mais que vinte anos do perodo de transformaes
ps-soviticas, a Rssia chegou a um tipo de economia mista em que a
denominao mista no tem s o sentido que a teoria econmica lhe
confere, mas, sim, o sentido mais amplo e especfico para o caso do
pas. Percepes subjetivas da populao em torno das reformas do perodo
ps-sovitico demonstraram significativa insatisfao da populao com as
transformaes realizadas. Reconhece-se, no pas, que os modelos
atuais do crescimento econmico e da poltica social devem ser
modificados. Referncias Bibliogrficas
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> Acesso em 1 de fev. 2012. A prpria Unio das Repblicas
Socialistas Soviticas (Unio Sovitica, URSS) foi fundada mais tarde,
em dezembro de 1922.
Sobre contribuies de Kondratiev pode ver BARNETT, 1998.
Descrio mais detalhada do I Plano Quinquenal pode-se ver em
KURNOSOV, 2010, p.p. 113-117.
Vale notar que, anteriormente, em 1957, tambm foi iniciada a
reforma econmica, conhecida como a Reforma de Khrushchev, quando
foram criados os sovnarkhozy (sovety narodnogo hozyajstva), e a
administrao de empresas passou de uma base por ramos industriais
(setores da economia) para uma regional, entre outras medidas. No
entanto, as medidas da referida reforma foram, principalmente, de
carter administrativo e no tocaram em elementos fundamentais do
sistema socialista planificado.
Pode-se ver a anlise mais detalhada da referida reforma econmica
em Voloizanova e Godzina, 2001.
Na literatura brasileira uma anlise da estratgia de reformas de
Gorbachev pode ser encontrada em MEDEIROS, 2011, p.p 20-24.
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