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Estrutura e personalidade na neurosePsicologia USP, 2014,
v.25(1), xx-xx
Estrutura e personalidade na neurose:
da metapsicologia do sintoma narrativa do sofrimento
Christian Ingo Lenz Dunker2Instituto de Psicologia, Universidade
de So Paulo, So Paulo, Brasil
Resumo: Neste artigo, originalmente uma aula para concurso de
professor titular junto ao Instituto de Psicologia da USP, so
examinadas as noes de personalidade e de estrutura em sua aplicao
ao diagnstico de neurose, em psicopatologia de extrao psicanaltica.
Examina-se a consistncia das relaes de ordem, classe e gnero, que,
por hiptese, ao lado da concepo de causalidade, subsidiam a fora e
pertinncia de uma categoria diagnstica. Discute-se o valor da exceo
e a potncia normativa de conformao da experincia clnica
racionalidade diagnstica. Os resultados deste exame epistemolgico
preliminar nos levam a propor a tese crtica de que h menos
homogeneidade no emprego da noo freudiana de neurose do que a
recepo corrente vem admitindo. Argumenta-se que cada modelo
metapsicolgico, no qual emergem redefinies de neurose, corresponde
a uma valncia narrativa e uma forma de sofrimento distinto, sendo a
excluso da narrativa de sofrimento uma dimenso relevante para
reconsiderar a noo de personalidade e de estrutura na diagnstica
psicanaltica. Palavras-chave: neurose, psicanlise, epistemologia,
psicopatologia.
1. Introduo
O conceito de estrutura, aplicado noo de ne noo de ne noo de
nerose, o, de forma genrica, psicopatologia psicanaltica, est
asente em Fred. At mesmo Lacan emprega apenas das vezes a expresso
textal estrtra clnica (Eidelsztein, 2008). Tambm a noo de
personalidade de baixa densidade conceital em Fred. Como entender,
portanto, a poplaridade e a extenso dessas das noes tanto nos
atores qe se dedicaram a desenvolver e fixar o conceito
psicanaltico de nerose, qanto nos qe dele se serviram para formar
diagnsticas psiqitricas e psicodinmicas, inspiradas na
psicanlise?
H o caso de qe jstamente a asncia de m conceito o sa rarefao
definicional seja responsvel pela fora posterior de sa recepo e
emprego, como se aqele elemento faltante permitisse a conexo com
otros saberes e discrsos. Estas zonas de indeterminao mitas vezes
exprimem experincias e condies qe afetam o progresso de ma
teorizao, sem qe, ao mesmo tempo, sejam plenamente incorporadas na
forma de conceitos e representaes claras e distintas. Este fenmeno
especialmente presente na hermentica do malestar, do sofrimento e
dos sintomas a qe genericamente chamamos de pathos.
Um bom exemplo desta indeterminao da relao entre classe e ordem,
na composio da psicopatologia psicanaltica, pode ser encontrado em
ma das raras ocasies em qe Fred tenta organizar sa partio
diagnstica estabelecendo ma separao entre trs tipos e sintomas:
transitrios, tpicos e individuais (Fred, 1917/1988). Esta
classificao m tanto instvel por dois motivos. Primei
ro, sas categorias no so excldentes: mesmo sintomas tpicos
afetam sempre indivduos, sintomas transitrios podem ser tambm
tpicos; alm disso, existem sintomas individuais transitrios. Isso
ocorre porqe Fred compara sintomas segndo critrios distintos, a
saber, a relao do sintoma ao tempo (transitrio, permanente,
intermitente, crnico), a reglaridade social do sintoma para ma
determinada poca, cltra o contexto (tpico, atpico, nico, especfico,
genrico) e sa fno na economia intersbjetiva (individualizante,
coletivizante, prodtivo, improdtivo, criativo, empobrecedor).
Apesar de inconsistente e talvez, jstamente pela sa incapacidade
de renir m conjnto qe incla todos os casos possveis , esta
classificao revela nveis diferenciais de leitra do patolgico, nem
sempre explicitados pelos qe se dedicam a estdar a diagnstica
psicanaltica. O qe genericamente designase por sintoma esta
categoria qe fnda historicamente toda clnica possvel admite tanto o
sentido de experincia de sofrimento (sintomas transitrios), qanto o
sentido de signo patognomnico de um processo patolgico (sintoma
tpicos) e, ainda, o sentido de mal-estar ainda no reconhecido ou
nomeado coletivamente (sintomas individais). H formas de sofrimento
qe ainda no podem ser nomeadas e otras qe j no podem mais ser
reconhecidas, assim como h mitos individais e coletivos,
transitrios e permanentes, tpicos e atpicos. Isso nos habilita a
distingir o sofrimento excessivamente nomeado, codificado sob
formas jrdicas, morais o clnicas, ao modo do sintoma (Symptom)
tpico; do sofrimento (Leiden) qe se articla ao modo de ma histria
qe intercala demandas e atos de reconhecimento, bem como malestar
(Unbehagen) difso, 2 [email protected]
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expresso porventra em angstia fltante, percebido como
insuficientemente nomeado o como condio incrvel atinente a ma forma
de vida.
Levando adiante a indeterminao entre gnero e espcie, entre
predicao e narrao, na classificao frediana podemos perceber qe o
diagnstico no m simples ato de nomeao de m processo patolgico, mas
a reconstro de ma forma de vida (Dnker, 2011b), qe deve inclir o
presspor sas prprias prticas, prodtivas o improdtivas de nomeao, sa
economia social de nomeao, ses planos de articlao entre sofrimento,
sintoma e malestar, bem como sa insero em dispositivos prticos,
institcionais o discrsivos de tratamento. Uma boa intio desta
diferena aparece j na seginte considerao de Fred:
Ele [o analista] sabe qe no h apenas misria nertica no mndo, mas
tambm sofrimento real (real Leiden), irremovvel, e qe a necessidade
pode exigir qe ma pessoa sacrifiqe sa sade; e aprendese qe m
sacrifcio dessa espcie, feito por algm gera incomensrvel
infelicidade para mitos otros. Portanto, se podemos dizer qe sempre
qe m nertico enfrenta m conflito ele empreende ma fga para a doena,
assim mesmo devemos admitir qe, em determinados casos, tal fga se
jstifica plenamente, e m mdico qe tenha reconhecido a maneira como
se configra a sitao, haver de se retirar, silencioso e apreensivo.
(Fred, 1917/1988, p. 446)
Essa partio corrobora a valorizao verificada na clnica
psicanaltica, em contraste com a clnica mdica, da diagnstica
espontnea trazida pelo prprio paciente. Mesmo qe esta atodiagnstica
seja desconstrda e revertida em heterodiagnstica, mesmo qe se
revele a natreza significante, proveniente do Otro ao qal o sjeito
se aliena, este o primeiro passo incontornvel da experincia e da
diagnstica psicanaltica. por motivo semelhante qe a psicanlise
valoriza os esforos de nomeao do sintoma, na transferncia e no
discrso ao longo do tratamento (interdiagnstica). Como desenvolvi
em otro lgar (Dnker, 2011b), cada ato diagnstico depende de m
discrso qe o atoriza e cada discrso depende de ma metadiagnstica qe
oferece as condies histricas de possibilidade para qe determinadas
formas de malestar se tornem visveis o invisveis, legtimas o
ilegtimas. O trabalho seminal de Focalt (1972) sobre a locra
mostrando como esta passa de sjeito de ma experincia trgica para
objeto de ma conscincia crtica, sendo ento absorvida scessivamente
pelo discrso moral, jrdico, mdico e psiqitrico inspira nossa noo de
metadiagnstico.
Esta considerao preliminar nos faz introdzir o tempo e a
lingagem como fatores incontornveis da diagnstica psicanaltica
(Dnker, 2013). Ao contrrio dos sistemas nosogrficos (qe classificam
doenas), cja historicidade relativamente indiferente sa ontologia,
os
sintomas psicolgicos se alteram conforme se inscrevem na
lingagem e isso se d de diferentes maneiras. Devemos entender por
lingagem, neste contexto, no apenas a estrtra formal e covariante
de signos dispostos em sa diferena e negao recproca, mas os modos
de so, as prticas concretas contidas na pragmtica expressiva da
lnga em sa relao temporal com a fala. O seja, os sintomas possem o
qe os antigos chamavam de histria natral. O sofrimento afetado por
nossos discrsos, narrativas e modalizaes normativas de escrita o
simplesmente, pelo nome qe damos a ele. Assim como o psicanalista
faz parte do conceito de inconsciente (Lacan, 1964/1988), a forma
de incidncia do sofrimento na lingagem faz parte do prprio
sofrimento.
Nesta medida, a fno diagnstica est presente toda vez qe renimos
m conjnto narrativo, ma coleo de sinais o incidncias, dotados de
algma nidade por meio de m nome qe os condensa e metaforiza. O
diagnstico m caso particlar do qe Lacan chamava de fno nominativa
da lingagem (Lacan, 1964/1988). E ela pode ser exercida por m
psicanalista o m psiqiatra, pelo prprio sjeito o por sa famlia,
pela comnidade o por instncias institcionais especficas, como a
escola, a empresa o m hospital. O fato de qe isso ocorra por meio
de m cdigo normativo, qe o inscreve em m discrso, o fora dele, de
modo ficcional o realista, relativamente indiferente. Esta ideia de
qe m sintoma comporta sempre sa prpria nomeao j se encontra na
conhecida tese lacaniana de qe este possi ma estrtra de metfora
(Lacan, 1958/1988), ma vez qe a metfora envolve a prodo de m
excedente nominativo de significao2.
Para demonstrar esta ideia, examino a segir a consistncia
epistemolgica da nerose enfatizando sas relaes de ordem, classe e
gnero, qe, por hiptese, ao lado da concepo de casalidade, sbsidiam
sa fora e pertinncia como categoria diagnstica. O resltado deste
exame mostrar como h menos homogeneidade no emprego da noo frediana
de nerose do qe a recepo corrente vem admitindo, explicando assim a
importao e insero de noes como estrutura clnica e personalidade em
psicanlise. Argmento qe cada modelo metapsicolgico, no qal emergem
redefinies de nerose, corresponde a valncias diferenciais de
narrativas de sofrimento. Desta maneira, a introdo da noo de
sofrimento (Leiden), como dimenso de lingagem qe incli
narrativamente o tempo, capaz de conferir nidade desconexo entre
agrpamentos de sintoma e pode servir para reconsiderar criticamente
a noo de personalidade e de estrtra no contexto da diagnstica
psicanaltica. Por otro lado, esta dimenso narrativa introdz m
diferencial marcante entre a diagnstica psicanaltica e os grandes
sistemas diagnsticos, como o DSM e o CID, qe caracteristicamente
ignoram tanto a ordem de apresentao e conexo entre os sintomas, em
detrimento de sa presen2 a estrtra metafrica, qe indica qe na
sbstitio do significante
pelo significante qe se prodz m efeito de significao qe de
poesia o criao, o, em otras palavras, do advento da significao em
qesto (Lacan, 1957/1988, p. 519).
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a o asncia em determinado perodo, qanto a etiologia comm aos
sintomas. Esta estratgia nominalista e convencionalista da
psiqiatria contempornea no se contrape apenas a ma concepo
realista, mas tambm hiptese de qe os sintomas psicolgicos exigem ma
atodiagnstica, o ma hermentica de si, no tempo e na lingagem, para
se jstificarem.
2. Duas linhagens do conceito de estrutura
Toda clnica depende da observao de certas reglaridades na apario
de certos signos qe caracterizam o patolgico. Os sinais qe, de otra
forma, exprimem variaes insignificantes em diferentes formas de
vida, tornamse signos dotados de relevncia clnica qando podem ser
dispostos em sa distribio entre classes, ordens e conjntos segndo
relaes de inclso e diferenciao. A clnica moderna comea qando
semiologia e diagnstica condicionamse a ma etiologia, respeitando o
critrio de ma relao ontologicamente covariante e homogna entre si
(Dnker, 2011a).
Era exatamente com este objetivo, de conectar semiologia e
diagnstica, qe Wiliam Cllen, em 1794, empresta o mtodo de
classificao das espcies proposto por Line, para estabelecer a
neurose como m dos qatro tipos de doenas. Para ele, todas as doenas
podiam ser distribdas em qatro classes: (1) Pyrexiae: as desordens
febris; (2) Neuroses: as desordens dos nervos; (3) Cache-xiae:
desordens de modo geral; (4) Locales: doenas locais. H dois
critrios para a definio da ordem das neroses. O primeiro negativo,
o seja, elas constitem ma doena dos nervos, sem febre. O segndo
designa sa localizao semiolgica positiva, pois elas afetam o
movimento e a sen-sibilidade. Definida a ordem, possvel distingir
qatro classes de neroses a partir de sas respectivas famlias de
doenas: o coma, como a famlia das doenas nas qais h perda da
conscincia; as astenias, como afeces caracterizadas pelo
enfraqecimento da fora vital; os espasmos, qadro distingido pela
presena de convlso; e as vesnias, como a mania e a melancolia, nas
qais h ma pertrbao da razo.
No difcil perceber na origem terica do procedimento de Cllen, em
sa estratgia de inclso ordemespcie da noo de nerose, em sa
dependncia da noo de sintoma fndamental, como pertrbao da
sensibilidade o do movimento, bem como no critrio da asncia de
febre, a noo Aristotlica de estrtra o paradigma. Para o ator das
Categorias (2005), a estrtra o forma no apenas m elemento o ma
parte de algo. Por exemplo, a estrtra da palavra formada por slabas
e letras. A slaba BA ma coleo qe consiste de das letras e ma
estrtra. Mas a estrtra considerada ela mesma como m elemento no a
estrtra da slaba. A slaba BA consiste de dois elementos estrtrados
de certa maneira. Portanto, a sbstncia a estrtra de m objeto
composto por matria (hyl) e forma (morph). Para Aristteles,
conhecer a estrtra de algo assemelhase a definir este objeto segndo
ma seqncia de operaes de predicao afirmativa o negativa, de inclso
niversal o particlar e de atribio de existncia o no existncia. A
passagem do gnero espcie, segndo sa distino e essncia, nos remete a
ma acepo de estrtra como forma (morph) invariante sob a qal se
amolda a matria (hil). A estrtra aqi ma espcie de plano formal
essencial do objeto se ope s aparncias o fnes dinmicas de
transformaes e relaes qe ele permite. A estrtra, como forma
essencial, permanece invarivel enqanto se contedo se altera.
Esta acepo de estrtra pode ser facilmente transposta ao conceito
de nerose em Fred. A nerose definese como ma generalizao dos
achados sobre a histeria. Ses predicados inclem a diviso (Spaltung)
da consci
Tabela 1
Tipos de neurose
Tipos de Neuroses Semiologia Exemplos
Comas Perda dos movimentos volntrios Apoplexia e catatonia
Adinamias Enfraqecimento o perda dos movimentos nas fnes
vitaisAstenia, sncope, dispepsia e hipocondria
Espasmos sem febre Perda dos movimentos volntriosrios Ttano,
epilepsia, asma e histeria
Vesnias Perda da realidade, pertrbao da razo Mania e
melancolia
Nota: William Cllen (17101790). Synopsis Nosologiae
Methodicae.
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ncia exposta ao conflito, o recalcamento o a separao entre
afetos e representaes ocasionado pelo desligamento entre
representaocoisa e representaopalavra, a perda da capacidade de
recordao e rememorao, particlarmente de experincias sexais de
natreza tramtica, a fixao o regresso a certas modalidades
sbstittivas de satisfao plsional pela fantasia e o retorno
deformado simbolicamente do desejo como sintoma.
A forma estrtral da histeria permite interpretar a existncia de
certos sintomas e a inexistncia de otros, bem como a ligao entre
eles ao modo da relao entre slabas e letras na formao das palavras,
prescrevendo certas possibilidades e vetando otras combinaes.
Histeria, Nerose Obsessiva e Fobia so trs classes diagnsticas qe
pertencem a mesma ordem das neroses de defesa porqe tm em comm o
recalcamento (Verdrngung) como operao formadora de sintomas. Elas
se diferenciam pelos diferentes destinos para o afeto separado da
representao: ideia, na nerose obsessiva; objeto fbico, na fobia; e
corpo, na converso histrica.
tambm conforme esta noo aristotlica de estrtra qe se pode agrpar
Neroses, Psicoses e Perpode agrpar Neroses, Psicoses e Perverses em
ma oposio por ordens diferentes. Se nas primeiras vigoram o
recalcamento (Verdrngung) e m conflito entre e e o id, nas segndas
ocorrem a foraclso (Verwerfung) e m conflito com a realidade. Nas
perverses ocorreria ma renegao o recsa (Verleugnung) da realidade
simblica da diferena entre os sexos, o seja, ma pertrbao hbrida
tanto da percepo de realidade, agora especificamente redzida, qanto
m conflito com a plso, agora dplicado em ma diviso especfica do e e
ma transformao do objeto.
Contdo, este pareamento entre estrtras, segndo ordens homlogas e
fnes de predicao anlogas, talvez corresponda, em algma medida, a
certa psiqiatrizao da psicanlise, no qal a acepo aristotlica de
estrtra se v bem representada. Se olharmos mais de perto as
definies fredianas de nerose, veremos qe ela se decompe tambm em
variedades qe compreendem diferentes tipos de agrpamentos
sintomticos: as neroses tramticas, as neroses atais, as neroses de
gerra, as de destino. Este terceiro caso pode ser descrito como o
grpo das neroses no estrtrais, descritivas o no estrtralespecficas,
qe pode incidir transversalmente em diferentes estrtras. Elas
representam excees definio paradigmtica pelo princpio distintivo e
diagnstico da negao fndamental. Da qe nestes casos a nerose seja
definida pela compleio do e, pela economia da angstia, pela fora do
fator qantitativo o pelo clclo do gozo (Dnker, 2002).
Srgem dois problemas desta aplicao aristotlica do conceito de
estrtra em Fred. As classes, ordens e gneros estveis no se
contrariam facilmente com as excees qe obtm na experincia. Para
algm qe est fixado na oposio a priori entre nerose, psicose o
perverso, todos os casos mistos o intermedirios representam apenas
ma dificldade prtica de estabelecer o diagnstico, nnca m
qestionamento das grandes es
trtras elas mesmas. Tornandose no explicvel a sficincia do nmero
de ordens, no se pode saber at onde domina, na diagnstica, a fora
normativa da nomeao e onde comea a impercia o desconhecimento em
reconhecer e agrpar reglaridades clnicas. Disso decorre m segndo
problema. Uma vez qe as ordens e classes bem formadas no admitem
fltao definicional, indzse a perspectiva de qe as relaes verticais
entre ordens e classes (nerose e nerose obsessiva, por exemplo) so
isomrficas s relaes horizontais entre ordens (nerose e psicose) e
entre classes (histeria e nerose obsessiva).
Chegamos assim necessidade de introdzir ma segnda acepo de
estrtra qe parece ter sido forjada para sperar estes dois
problemas. Ela nos remete ao sentido moderno do termo estrtra, no
to prximo da ideia de forma, mas noo de sistema, tal como aparece
na lingstica de Sassre e na antropologia de LviStrass. Em m sistema
no qal cada elemento possi se valor e significao determinado por sa
posio diferencial em relao a todos os demais, estrtra, neste caso,
scedneo do conceito de causa. Ela m mtodo ideal para apreender
processos nos qais nem todas as possibilidades de variao esto
presentes, o qando se trata de ma variedade mito extensa de
efeitos, como se observa nos processos econmicos, nas trocas
lingsticas e nos sistemas simblicos em geral. A causa estrutural
nos remete inclso dos efeitos como eles mesmos dotados de de inclso
dos efeitos como eles mesmos dotados de determinao para novas
configraes de casalidade. Por isso, ela no apenas m conjnto de
relaes, mas m conjnto dplo de relaes entre relaes. Da qe ma estrtra
seja mais bem definida como m sistema transformativo do qe como ma
categoria qe ne forma e matria. Este conjnto, dotado de ma ordem
aberta (fonema) e ma fechada (significante), contm as determinaes
de sbalternao e contrariedade, presentes da acepo aristotlica de
estrtra, mas alm destas se acrescentar, dentro do sistema, a fno da
contradio. Como na definio de mito em LviStrass (1955/1988),
entendido como m conjnto de problemas lgicos, narrativamente
expressos e eqacionados por relaes covariantes e sbstitintes entre
ordem e classe o fno e termo. A estrtra como mtodo permite partir
de fragmentos pelos qais se poderia reconstrir a totalidade das
relaes casais. E por isso qe Lacan qis ver no procedimento analtico
de Fred o exerccio deste mtodo estrtral.
3. Um critrio metapsicolgico
Diante de ma definio psicolgica da nerose, marcada pela introdo
da ideia de personalidade e pela acepo aristotlica de estrtra,
relembremos m critrio metapsicolgico estabelecido por Fred. No
conhecido pargrafo epistemolgico inicial de Pulso e suas
Vicissi-tudes, no qal Fred (1915/2013) estabelece os critrios da
abordagem metapsicolgica de m conceito, como descrio conjgada de m
processo de modo tpico, dinmico
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Estrutura e personalidade na neurose
e econmico, o seja, em termos de sas estruturas ps-quicas, de
ses conflitos determinantes e das trocas qantitativas entre
elementos e relaes. H aqi ma terceira acepo de estrtra, corrente na
psicanlise, na qal ela se identifica com m tipo de descrio tpica,
tais como as distines metapsicolgicas entre inconsciente e
conscincia, entre e ideal e ideal do e, entre ego, Id e sperego.
nesta acepo qe algns atores falam da teoria estrtral da
personalidade, referindose s formlaes presentes, por exemplo, em O
Eu e o Isso (Fred, 1923/1988). Mas isso no implica sprimir a
diferena entre estrtra do sjeito o da personalidade e estrtra
clnica o da gerao de sintomas. Lembremos qe a metapsicologia de m
conceito fndamental (Grundbegrieffe) deve ser permanentemente
exposta e tensionada contra os fenmenos, remetida ao material
emprico e cotejada com a experincia clnica:
S depois de haver explorado mais a fndo o campo de fenmenos em
qesto possvel apreender com exatido ses conceitos cientficos bsicos
e afinlos para qe se tornem tilizveis em m campo mais amplo e para
qe ademais se tornem isentos de contradio. Ento qi tenha chegado a
hora de cnhar certas definies. (Fred, 1915/2003, p. 113)
O seja, o procedimento metapsicolgico deve contemplar
contradies, e s depois chegar a sa dissolo na forma de definies.
Ponderando a fora determinativa do nominalismo, as definies devem
vir depois da experincia e serem capazes de transformar a definio
inicial. Encontramos, assim, m critrio epistemolgico qe replica as
condies de tempo e lingagem temporal qe advogamos como diferenciais
especficos da diagnstica psicanaltica (Dnker, 1996). Este critrio
frediano violado qando retornamos concepo aristotlica, agora
aproximada da concepo psicolgica de estrtra. Se a estrtra
compreendida apenas como nidade de forma, o apenas como convenes
nominais de m discrso, os sintomas, signos e traos se tornam
legveis apenas como contedos variveis qe exteriorizam ma essncia,
elementos qe caem sob ma fno, e no ma dpla fno articlada entre
ordens e classes como qer a acepo do mtodo estrtral. No primeiro
caso, estrtra eminentemente m conceito ontolgico, descritivo e
refratrio contradio. Cada gnero incli a totalidade de sas espcies e
no h niversal qe contenha formas de existncia qe o nege como
tal.
Por otro lado, o critrio frediano parece estar mito mais bem
representado pela acepo metodolgica de estrtra. A estrtra como
lgica causal presente nos fragmentos em sa relao entre feixes de
contradio com otros feixes de contradio responde ao critrio
metapsicolgico da comparao entre posio inicial e posio final do
conceito.
O mito de dipo oferece ma espcie de instrmento lgico qe permite
lanar ma ponte entre
m problema inicial nascemos de m nico o de dois? e o problema
derivado, qe se pode formlar aproximadamente: o mesmo nasce do
mesmo o o mesmo nasce do otro? (LviStrass, 1955/1988, p. 249)
O segndo critrio de estrtra, o seja, o tempo, permite integrar
as ocorrncias passadas em contingncias ftras em m sistema de
sobredeterminao mto:
Para Fred so exigidos dois tramatismos (e no apenas m, como se
tem a tendncia a acreditar to freqentemente) para qe nasa m mito
individal em qe consiste ma nerose. (LviStrass, 1955/1988, p.
263)
Vse, assim, qe na prpria gnese do mtodo estrtral moderno, nos
primeiros textos aqi mencionados de LviStrass, a psicanlise est
explicitamente mencionada, e dela se acolhem as condies de lingagem
deste mito individal, qe o dipo e a temporalidade, derivado de se
entendimento do trama. Redefinimos, dessa forma, nossos dois
problemas anteriormente colocados. Contra ma nidade qe tende a
reificar e a hipostasiar a categoria de nerose de modo qe ela se
torne refratria a excees, casos mistos e variedades ainda no
descritas, preciso pensar historicamente a mtao dos sistemas de
transformao. na histria e nas variaes do modo de sofrimento qe se
encontrar o antdoto contra a metafsica da neurose. Metafsica, alis,
qe o termo escolhido como antimodelo sobre o qal Fred cnho a
expresso metapsicologia. Contra a acepo metapsicolgica de estrtra
necessrio valorizar o sentido metodolgico de estrtra. De acordo com
sa exigncia metapsicolgica, a pesqisa psicanaltica da nerose
deveria se orientar mais para os casos de exceo e de fracasso do
conceito do qe para ses casos de confirmao.
Ora, esta acepo de estrtra poderia encontrar sas origens em otro
emprego da noo de estrtra em Aristteles, a saber, a estrtra da
narrativa, tal qal ele descreve na Retrica e na Potica. Aqi no h
relao de elementos qe se exteriorizam conforme as regras de ma
essncia qe lhe confere identidade, mas conexo entre partes, qe
formam ma nidade. Neste caso, a nidade no incide entre forma e
matria, nem presspe pertinncia ontolgica, apenas congrncia entre ao
e mimese da realidade:
Assentamos qe a tragdia a imitao (mmesis) de ma ao acabada e
inteira, de algma extenso, pois pode ma coisa ser inteira sem ter
extenso. Inteiro o qe tem comeo, meio e fim. (Aristteles, 2004, p.
239)
A diferena qanto incidncia diferencial da transformao pode ser
agora apreciada. A tragdia emerge no sclo VII a.C. como ma expresso
dos conflitos qe a polis grega enfrentava em termos de ses
sistemas
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jrdicos e morais, no entanto, esta exteriorizao passa a fazer
parte da prpria realidade social dos cidados da polis,
transformando por ses efeitos de catarse, pela sa representao
pblica, pela participao de diferentes tipos de jzes e de
concorrncias, a prpria realidade qe ela refletia. A relao entre as
partes da narrativa e da narrativa como parte da realidade no deve
ser confndida com os elementos cja exteriorizao no transforma em
nada as relaes qe o prodziram.
4. Estrutura e personalidade
Tais consideraes nos habilitam a interpretar, de modo crtico o
circnstanciado, o conceito de estrtra qando aplicado nerose. Talvez
isso ajde a entender porqe Lacan se refere to poco nominalmente s
estrs estrs estrtras clnicas, e, ao mesmo tempo, dediqese to
extensamente anlise estrtral das neroses. Vejamos agora como a noo
de personalidade se introdz em psicanlise condicionada pela acepo
aristotlica o psicolgica de estrtra. Nerose aparece, assim, antes
de tdo como adjetivo, em contraste com linhagem psictica o perversa
da personalidade. Desta forma, a noo de personalidade mais
psicolgica do qe psicanaltica. O termo de baixa ocorrncia e de
peqena densidade conceital em Fred. O termo personalidade foi
empregado principalmente para integrar os achados psicanalticos com
a psicopatologia psiqitrica e com teorias psicolgicas as mais
diversas.
Faamos ma peqena inspeo histrica sobre as incidncias do conceito
estrtral de personalidade de modo a indicar como a acepo
fncionalpsicolgica de estrtra qe se imps acepo
metapsicolgicametodolgica do conceito. No seria por otro motivo qe
Lacan, j no incio de sa obra, condiciona a teoria da personalidade
anlise dos sintomas:
A psicose paranoica, qe parece transtornar a personalidade,
prendese a se prprio desenvolvimento, e nesse caso, a ma anomalia
constitcional, o a deformaes reacionais? O ser a psicose ma doena
atnoma qe remaneja a personalidade? . . . Para a solo deste
problema, o estado atal da cincia no nos oferece nenhma otra via a
no ser a anlise dos sintomas clnicos. (Lacan, 1932/1988, p.
353)
Contdo ma tendncia inversa, o seja, transformar a personalidade
em conceito primitivo qe se torno a concepo dominante,
particlarmente no psgerra, com a ascenso do modelo psicopatolgico
proposto por Oto Fenichel:
Visto qe o fncionamento normal da mente governado por m aparelho
de controle qe organiza, condz e inibe foras arcaicas mais profndas
e mais instintivas do mesmo modo qe o crtex organiza, condz e inibe
os implsos dos nveis mais
profndos e arcaicos do crebro possvel afirmar qe o denominador
comm de todos os fenmenos nerticos ma insficincia do aparelho de
controle. (Fenichel, 1945/1999, p. 16)
O deslocamento da definio de nerose para o qadro de ma
incorporao do fncionamento normal, para m sistema de controle e
para a analogia com os implsos reflexos do crebro, prepara o solo
no qal a psiqiatria dos anos 1960 aprofndar a definio de nerose
como manifestao de comportamentos. Lembremos qe a ideia de
manifestao ma apropriao teolgica, de desenvolvimento notadamente
medieval, da noo essencialista de estrtra em Aristteles. E por meio
dela qe Henry Ey definir os sintomas nerticos como:
Pertrbaes dos comportamentos, dos sentimentos o das ideias qe
manifestam ma defesa contra a angstia e constitem relativamente a
este conflito interno m compromisso do qal o indivdo, na sa posio
nertica tira certo proveito (benefcio secndrio da nerose). (Ey,
1963, p. 145)
Uma definio assim expressivista da nerose nos levar partio entre
a estrtra dos sintomas e a estrtra do e, como completa o inventor
do organodinamismo: Pelo carter nertico do Ego. Este no pode
encontrar na identificao do se prprio personagem boas relaes com
otrem e m eqilbrio interior satisfatrio (Ey, 1963, p. 145).
Est aqi a origem da distino, posteriormente consagrada pelos DSM
e pelo CID, entre transtornos de primeira ordem (sintomas) e
transtornos de personalidade. Se o sintoma tem ma estrtra e o e tem
otra, tornase necessrio enriqecer o ampliar a noo de e, introdzindo
o conceito de personalidade, de tal forma qe esta contemple todo o
campo de relaes do sjeito, ses papis e sas dinmicas intersbjetivas.
Mesmo a noo de fno simblica facilmente se degrada neste
entendimento por meio de leitras qe fazem, por exemplo, algm real
encarnar o ocpar ma fno simblica, assim como m ator desempenha m
papel, assmindo sa personagem. Isso abre espao para qe pensemos qe
os sintomas so transtornos no relacionais, e as afeces de
personalidade so transtornos relacionais. Est dada a partilha entre
psicanlise e psiqiatria. Esta estratgia encontrar sa expresso na
psicanlise francesa, inicialmente em Daniel Lagache (1961), e
sbseqentemente em Bergeret (1974) e Widlcher (1994), consagrando o
dalismo da estrtra entre a personalidade sobre o sintoma: [estrtra
da personalidade] . . . modo de organizao permanente mais profndo
do indivdo, aqele a partir do qal desenrolamse os ordenamentos
fncionais ditos normais, bem como os avatares da morbidade. (p.
15), . . . a sintomatologia tornase simplesmente o modo de
fncionamento mrbido de ma estrtra qando esta se descompensa. (p.
10), sendo qe o sintoma no nos permite jamais, por si s, prejlgar
acerca de m diagns
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Estrutura e personalidade na neurose
tico da organizao estrtral profnda da personalidade (Bergeret,
1974, p. 46).
Vse assim qe a noo de personalidade assme a fno de essncia para
a qal a estrtra fnciona como manifestao. O seja, o sintoma deixa de
ser a realizao de m caso particlar previsto e condicionado pelas
leis de estrtra. A estrtra no se dedz mais do sintoma, mas da
personalidade entendida como organizao permanente e profnda do
indivdo. Os sintomas so pertrbaes desta forma estvel da
personalidade, no ma derivao necessria de sa prpria estrtra.
Bergeret categrico: do sintoma no se infere a personalidade. Temos
ento a personalidade e a estrtra como eqivalente de sa forma, o de
sas invarincias, e s qando esta estrtra se des-compensa qe srge o
processo mrbido. O seja, h ma clara separao entre o normal, a
personalidade como estrtra eqilibrada, e o patolgico, o sintoma
como expresso do deseqilbrio da estrtra. Isso aproxima o conceito
de estrutura da personalidade da acepo aristotlica de essncia, a
saber, predicado necessrio o sficiente de m niversal, forma e modo
de casa, parte da realidade entre essncia e existncia (Ferrater
Mora,1982, p. 136).
Ocorre qe a psicanlise desenvolvese inicialmente como ma
psicopatologia intermediria entre o consenso germnico de qe as
grandes sndromes eram resltado da intrso de m processo mrbido
(melancolia, paranoia, esqizofrenia), contra o qal a personalidade
reagia, de maneira a compensar e adaptarse a doena e a concepo
francesa de qe a patologia nada mais era do qe a evolo de ma
personalidade mrbida (paranoica, esqizofrnica, histrica etc.). Esta
diferena permanece at hoje, como mencionado anteriormente, nas
verses do DSM, representada pela oposio entre as grandes sndromes
do primeiro eixo, como as psicoses, os transtornos de hmor o as
fobias, e os transtornos de personalidade, qe aparentemente os
replicam (personalidade esqizotpca, personalidade histrica,
personalidade esqiva). Para a psicanlise, pelo menos se nos
concentramos em Fred e Lacan, o campo do patolgico formado tanto
pela hiptese de m objeto intrsivo, como a sexalidade o o trama, ao
qal a personalidade reage gerando sintomas, qanto pela hiptese de
ma desreglao interna ao aparelho psqico, na qal certas disposies,
fixaes o organizaes plsionais, qe constitem o sjeito, diante de
conflitos concorrem para a prodo de respostas defensivas casando
sintomas positivos e negativos. O seja, a leitra corrente da
estrtra da personalidade, como essncia qe se exterioriza em
sintomas, redz o dalismo etiolgico da psicanlise, manifesto no
relato de sintomas, a apenas das narrativas: a da intrso de m
objeto mrbido (defesa do e contra angstia) e a desreglao interna do
esprito (transtornos no desenvolvimento do e).
O ganho representado pela noo de estrtra da personalidade, assim
caracterizada, permite nificar os sintomas conferindolhes a
consistncia como ordem e distino como fno, segndo ma casa comm.
Diante disso, as classes de personalidade e os tipos de
sintomas
podem ser relacionados de forma reglar e coerente. No entanto, a
introdo desta noo, estranha ao repertrio frediano original,
obscrece a verificao da diferena entre o carter nominalista e o
carter realista do diagnstico. O seja, a partir disso no mais
possvel separar o qe seria recognoscvel como realidade do fenmeno
patolgico por qalqer clnico, seja ele psicanalista o no, e o qe
depende da maneira como nomeamos m conjnto de signos clnicos
agrpando de modo casal e coerente se ordenamento e apresentao no
contexto de m consenso terico. Talvez o qe falte aos continadores
de Fred seja exatamente ma solo mais eficaz para a relao entre
nominalismo e realismo qando se trata de decidir a relao entre a
ontologia do sofrimento e sa relao com o tempo e a lingagem.
4. A indeterminao freudiana da noo de neurose
Contrariamente tendncia histrica do conceito, qe a de
estabilizar a noo genrica de nerose como estrtra da personalidade,
das qais as otras formas de personalidade e de patologia seriam
dedtveis o deficitrias, mostraremos agora como Fred exerce os
critrios de se mtodo empregando ma noo de nerose mito mais fltante
e narrativa do qe estamos acostmados a encontrar. Em otras
palavras, a nidade do conceito de nerose, pressionada pela
incorporao psiqitrica da psicanlise, especialmente em solo
anglosaxnico, obscrece a hiptese de qe Fred tenha descrito no
apenas ma entidade clnica, sbmetida ao progresso crescente e
convergente de sas descobertas, mas qe ele tenha se apoiado em
diferentes perspectivas definicionais qe faziam da nerose m fato
clnico ligeiramente diferente ao longo do tempo, conforme Fred
empregava ma variao de paradigmas narrativos para definila.
Acompanhamos aqi tanto os estdos de Ramos (2008), qe sgere qe a
histeria no incio da pesqisa frediana era m paradigma diagnstico
mito mais vasto do qe aqilo qe hoje chamamos de histeria, qanto os
argmentos de Van Hate e Geyskens (2010) de qe a edipianizao do
diagnstico frediano dese mito mais tarde do qe se pensa. O seja, a
confiana na solidez de oposies diagnsticas de primeira ordem, como
entre nerose e psicose, o de segnda ordem, como entre histeria e
nerose obsessiva, devese mito mais psiqiatrizao da psicanlise,
notadamente at os anos 1960, do qe realidade clnica e textal de sa
psicopatologia. Uma declarao de Lacan, no final de se ensino, pode
servir para sintetizar este problema:
Qe os tipos clnicos decorrem da estrtra, eis o qe j se pode
escrever, embora no sem fltao. Isso s certo e transmissvel pelo
discrso histrico. nele, inclsive, qe se manifesta m real prximo do
discrso cientfico. Convm notar qe falei de real, e no da natreza.
(Lacan, 1975/2003, p. 554)
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O seja, os tipos clnicos, como a histeria, a nerose obsessiva e
a fobia, so dedtveis de ma estrtra, como a nerose, mas com fltaes.
Logo, possvel conceber passagens de m tipo a otro: ma histeria pode
formar sintomas obsessivos, ma obsesso pode formar sintomas fbicos.
O mesmo no se aplica passagem entre nerose e psicose. Tal relao de
inclso do tipo na estrtra o da espcie ao gnero, alm de mvel, s pode
formar m consenso se lemos o problema a partir do discrso histrico.
Ocorre qe o paradigma histrico vasto e relativamente indeterminado
se pensamos na evolo da obra frediana. segndo este paradigma da
histeria tomada como discrso, e no por otro qalqer, qe o real,
neste caso o real de pathos, pode se transmitir ao modo aparentado
cincia. Isso significa admitir qe a psicopatologia psicanaltica ma
psicopatologia histrica, o seja, nerticocntrica. E m bom exemplo
disso se d qando identificamos a histeria simltaneamente como m
tipo e como ma estrtra clnica. Ela simltaneamente m tipo de nerose,
dividida entre histeria de reteno o de defesa, e a lnga e o caso
fndamental da nerose, do qal se dedz o fncionamento da fobia o da
nerose obsessiva.
Comecemos por salientar como a noo de neurose sobrepjo sas
concorrentes, tornandose modelo psicopatolgico hegemnico dentro da
psicologia, j nos anos 1920, e na psiqiatria do DSMI (1952) e DSMII
(1968) de inspirao psicodinmica. Mesmo qe desaparecida nominalmente
no DSMII (1977), ainda qe presente no CIDX at hoje, as principais
distines entre as classes de transtornos: de hmor, de ansiedade, os
tipos de sintomas e os tipos de personalidade, so de extrao
psicanaltica. Vejamos agora como o scesso da noo de nerose, como
organizador psicopatolgico pode se ligar mais sa capacidade de
fltao entre diferentes narrativas de sofrimento do qe sa potncia de
integrar processos em ma casalidade psicolgica nica.
Inicialmente Fred tinha qe jstificar a pertinncia diagnstica da
Nerose Histrica contra a psicastenia de Janet e contra a
neurastenia de Beard. Lembrando qe Fred era antes de tdo m mdico,
depois pesqisador em nerologia com ma formao algo rdimentar em
psiqiatria, crioso observar qe a teoria frediana das neroses, como
generalizao dos achados sobre a histeria, ma teoria psicolgica qe
narrativiza as categorias de Cllen. Ainda qe definida como ma
nerose sem leso, o m trama dinmico (Fred, 1893/1988), a nerose
histrica faz convergir as qatro afeces nerolgicas, dos movimentos e
da sensibilidade, sem febre. Nos casos primrios de Fred, observase
a recorrncia de sintomas ligados perda da conscincia, como nos
desmaios e estados de asncia (coma), perda do controle volntrio
como nos ataqes histricos, (espasmos), alterao da fora vital como
nas astasias, abasias e nos estados de hiper o hipossensibilidade
corporal (fraqezaastenia) e modificao da relao de representao para
com a realidade (vesnias). Isso foi freqentemente atribdo herana do
trabalho de separao entre histeria e epilepsia, levado a cabo pelos
desen
volvimentos semiolgicos de Charcot (1887/2003), contdo isso
deixa de lado qe o prprio Charcot segia o esqema diagnstico de
Cllen. O seja, a categoria de nerose antecede a partio entre
nerologia e psiqiatria (Costa Pereira, 2010). Antes de debaterse
com a oposio entre o psqico e orgnico, entre psiqiatria o
nerologia, Fred considero o discrso sobre as casas do malestar,
prodzido pelo prprio paciente, como parte estrtral dos prprios
sintomas, por isso ele precisava inclir todas as classes descritas
por Cllen. A nerose no era apenas exteriorizaes o manifestaes
andinas a serem remetidas a casas exteriores s sas representaes,
mas efeitos qe devem ser reintegrados s casas estrtrais. E casas
estrtrais exigem a tentativa de apreender a totalidade de m conjnto
de possibilidades. Talvez seja isso qe Lasge tenha observado contra
o trabalho de Charcot ao afirmar qe: a histeria jamais foi definida
e certo qe nnca o ser; ses sintomas no chegam a ser constantes,
semelhantes o igais em drao e intensidade para qe m tipo descritivo
compreenda todas as sas variedades (Bercherie, 1983, p. 61).
Enqanto a psicastenia de Janet era m qadro restrito narrativa da
alienao da alma e sa conseqente diviso da conscincia, e enqanto a
nerastenia de Beard era m qadro restrito ao excesso de estmlos
intrsivos casados pela agitao da vida moderna, a histeria , ao
mesmo tempo, alienao da alma (tramadiviso sbjetiva), efeito da
incidncia de m objeto intrsivo (recalqe da sexalidade infantil),
violao de m pacto (o conflito edipiano e a angstia de castrao) e
perda da nidade do esprito (a repetio e o poder corrosivo da plso
de morte). Fred teria assim conciliado o paradigma narrativo
germnico, absorvido pela fonte de Meynert, segndo o qal o patolgico
se dedz de m qadro clnico como a amentia, com o paradigma narrativo
francs, recebido de Charcot, segndo o qal a histeria prodzida pela
intrso de m trama dinmico, m trama sem leso. Em m segndo momento,
esta tenso entre hipteses etiolgicas teria sido integrada nas
formlaes sobre o dipo, o seja, em ma espcie de estrtra capaz de
renir tanto a diviso do sjeito, entre a identificao e escolha de
objeto, qanto o carter tramtico da sexalidade incestosa, endogmica
e parricida. A teoria da alienao, estrtralmente ligada diviso do
sjeito, conjgase assim com ma teoria da negao do desejo, originando
a concepo de qe a violao de m pacto simblico simltaneamente ma
negao do carter niversal da lei do desejo e ma perda qe aliena este
desejo ao Otro. A ideia de qe sofremos como ma reedio da tragdia
edipiana, atalizando nossa experincia particlar de confronto com a
lei com ma experincia niversal diante da falta, integra dois
paradigmas narrativos mais simples sobre nosso modo de sofrer, o
seja, de qe sofremos porqe perdemos nossa alma ao nos alienarmos ao
desejo do Otro, qe se torna desde ento nossa lei inconsciente, e
tambm sofremos porqe no consegimos sportar o retorno do estrangeiro
qe nos habita.
A teoria lacaniana da estrtra tem o mrito de retomar tanto os
primeiros alienistas, como Pinel, qe viam
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852014 I volume 25 I nmero 1 I 77-96
Estrutura e personalidade na neurose
na cra ma espcie de reconciliao da razo do desejo com sa prpria
alteridade, como incorporar o esqema psicopatolgico alemo, de
Kraepelin, Kretschmer e Jaspers, qe via no processo mrbido a
expresso das leis de ma estrtra mais fndamental e estranha
personalidade. s em m segndo momento qe o problema da niversalidade
da lei ser posto em qesto, gerando ma reviso tanto da teoria da
sexalidade, expressa pela noo de sexao, qanto ma reviso da teoria
do reconhecimento, efetivada na teoria dos qatro discrsos. A famosa
virada dos anos 1960, representada pela introdo do conceito de
objeto a, casa de desejo (Safatle, 2006) pode ser entendida como m
correlato da virada frediana dos anos 1920, com a introdo da plso
de morte. Ambas levam adiante o problema fndamental da nidade e sa
dissolo, assmindo definitivamente ma psicopatologia da no
identidade. Esta psicopatologia, qe em Fred se mostra pela ideia de
fso e desfso das plses, e em Lacan aparece como a teoria do Real,
no fndo compreende ma nova narrativa para fazer reconhecer o
sofrimento, ma narrativa da dissolo da nidade do esprito. Como se
as partes no encontrassem mais se lgar o se feixe de relaes com
otras partes, em ma espcie de perda o anomia da Lei, qe confere
nidade ao aparelho psqico, esta nova narrativa no exprime apenas o
sofrimento decorrente da ameaa contra a identidade, apresentando
soles de recomposio pela extrso o abreao do objeto patgeno, nem
pela simbolizao da diferena negada, o ainda pelo reconhecimento do
carter simblico, vale dizer niversal da lei edipiana. Agora a
prpria identidade, do desejo o do Otro, qe aparece como m sintoma,
como ma solo precria a ser defendida intilmente. Esta experincia de
atodissolo o de noidentidade a si o qe Lacan chamo de gozo, e qe
exprimia, nos termos da diagnstica frediana o fato qantitativo
capaz de determinar tanto as expectativas de cra qanto a fora
gerativa dos sintomas (Dnker, 2002).
Um fenmeno homlogo de fltao narrativa qe apresentei
anteriormente pode ser encontrado nas formlaes de Lacan sobre a
histeria. Ela foi scessivamente descrita como ma qesto sobre a
feminilidade (Lacan, 1955/1988), m tipo de desejo, o desejo
insatisfeito (Lacan, 1958/1988), como ma modalidade de identificao
o de fantasia (Lacan, 1964/1988) e como forma de discrso, o
discurso da histeria (Lacan, 1969/1988).
Qando Lacan (1955/1988) desenvolve sa hiptese de qe a estrtra da
nerose homloga a m mito individal, ele considera qe m mito ma
composio entre pares opostos de qestes em si mesmas insolveis.
Baseado no modelo qe LviStrass (1955/1988) desenvolvera para
formalizar a estrtra antropolgica dos mitos, primeiro a nerose
obsessiva do Homem dos Ratos e depois a histeria de Dora so
redescritas como ma questo histrica, o seja, ma geratriz de
problemas envolvendo o nexo simblico de passagem entre geraes
(filiao), a definio de si em relao aos ses semelhantes
(narcisismo), a assno de m tipo especfico de gozo (masclino o
feminino) e a lei (morte). Ora esta primeira narrativa pensa a
histeria como ma qesto sobre a feminilidade, e pensa a feminilidade
como ma qesto sobre a conflncia improvvel entre o corpo e a
reprodo. Neste momento, Lacan (1951/1988) recorre a Hegel para
apresentar a histeria como a bela alma, qe no consege reconhecerse
na desordem de sa prpria feminilidade. A histeria ento ma alienao
redobrada, ma alienao em estado crtico.
Percebese qe j em 1958 a descrio da histeria se altera m poco.
Ela passa a ser definida por m desejo, o desejo insatisfeito
(Lacan, 1958/1988). Neste caso, a alienao passa a ser presmida como
m atribto do sjeito em geral, sendo especfico da histeria a relao
privilegiada ao falo. Ser o falo, identificarse ao falo, fazendo
assim qe a falta recaia sobre o Otro, assim como a diviso
localizese no sjeito, redefine a histeria como m tipo de desejo e
no mais m estado paradigmtico e excessivo de alienao do desejo. O
falo, como lgar de identificao do sjeito, condz hiptese de qe a
castrao paterna ma condio inarredvel para a sstentao do desejo
histrico. Ele , portanto, m desejo estrtrado como ma negao, m
desejo qe se apresenta como sintomtico em sa estrtra de condensao o
de metfora. O qe a histeria no consege elaborar jstamente sa condio
de objeto para o desejo do Otro. Este desejo ento significado como
intrsivo e indefinidamente metaforizado, o seja, negado. neste
momento qe Lacan insiste na importncia do sonho da bela aogeira
como exemplo paradigmtico de qe o qe define a histeria a
identificao com o desejo do Otro.
Em 1964, Lacan incorporar a teoria da alienao da histeria ao
desejo do Otro, cja mxima kojeviana o de-sejo do sujeito o desejo
do Outro, bem como sa releitra estrtral sobre o papel do pai como
encrzilhada estrtrante do sjeito, em termos de identificao, com m
novo entendimento de identificao. A histeria sofre, sobretdo, porqe
ela encontrase como casa constante de violao da lei. Ela ma espcie
de exceo permanente, para a qal se desejo a atrai, e em torno do
qal ela investiga o desejo em se estado nascente. Tdo se passa como
se Lacan invertesse a ordem etiolgica da histeria. No mais qe m
objeto intrsivo tenha determinado a alienao do desejo do sjeito ao
desejo do Otro. Agora a histeria, e a nerose por conseqncia,
definida pela fno de casa assmida por m objeto qe , a m s tempo, no
sjeito e no Otro, ncleo mximo da identidade e de sa dissolo,
niversal da lei de m sjeito e mxima particlar qe comanda sa
fantasia fndamental. No fndo, tanto a castrao qanto o incesto so ma
fantasia, o seja, a violao de ma possibilidade imaginria, investida
de valor simblico para o desejo, mas impossvel, o real, do ponto de
vista de sa realizao emprica. A cra passa a ser a cra o a travessia
desta identificao histrica (Lacan, 1964/1988).
Finalmente, entre 1968 e 1970 (Lacan 1968, 1970/2003) a histeria
tratada como m tipo de discrso, o discurso histrico a ser
contraposto ao discrso do mestre, ao da niversidade e ao do
psicanalista. Os discrsos so tambm formas de estrtra, mas estrtras
do lao social,
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dedzidas do malestar, da impossibilidade (de governar, de edcar,
de desejar, de analisar), o seja, estrtras definidas a partir do
real. Aqi a histeria tomada como paradigma psicopatolgico, mas no
em relao psicose o perverso, e nem mesmo em relao nerose obsessiva
o fobia. Isso permite qe ela seja pensada mais alm da relao ao Pai,
como scedneo da lei, e mais alm do falo, como coordenador do
sistema de identificaes do sjeito. A histeria incorpora das
definies anteriores a ideia de qe sa verdade insportvel sa condio
de objeto a (narrativa do objeto intrsivo), e qe, no lgar do agente
qe comanda se discrso, encontrase m sjeito dividido (narrativa da
alienao da alma). Mas diferentemente da identificao do Pai ao lgar
do Otro, na histeria definida como discrso, no lgar do Otro est o
mestre (S1). E deste mestre qe a histeria extrai o se amaisdegozar
qe caracteriza sa prodo discrsiva, como demanda de saber. Se os
discrsos so formas de lao social e se o lao social coordenado tanto
pela lei qe o torna possvel qanto pelo gozo impossvel, qe prodz ses
efeitos entrpicos, a histeria no tanto m problema de violao de m
pacto qanto de m gozo qe corrompe a identidade necessria para todo
e qalqer lao social. Isso abrir caminho para ma definio negativa da
histeria em relao feminilidade, qe se desenvolver em torno da
teoria da sexao e da diferena entre o gozo flico (presente na
histeria) e o gozo feminino (presente na mlher mais alm da
histeria).
O seja, tambm em Lacan cada modelo metapsicolgico est
condicionado por ma narrativa clnica de referncia, e estas esto em
contradio relativa entre si. A narrativa da alienao da alma afirma
qe o malestar vem de si enqanto a narrativa do objeto intrsivo
afirma qe o mal vem do Otro. A localizao do sofrimento na violao do
pacto simblico nega e afirma as das anteriores, afirmando qe o mal
vem de si e do otro. Finalmente, a narrativa da dissolo da nidade
do esprito nega o princpio de identidade qe se encontra em vigor
nas das primeiras narrativas, da perda da ama e da intrso do
objeto, o se apresenta sob forma de contradio ordenada na narrativa
edipiana. Agora a nidade qe se encontra sob risco e a indeterminao,
da identidade e de sa negao, qe colocada como fator de indo do
sofrimento. Em Fred, o apoge da histeria, depois da nerose
obsessiva e finalmente das neroses narcsicas, no deve ser
considerado ma evolo natral com ganhos de generalizao crescente.
Descrita segndo paradigmas narrativos diferentes, a nerose no ma
mesma doen, a nerose no ma mesma doena qe se exterioriza em variaes
patoplsticas de sas manifestaes, mantendo m ncleo comm em sa
estrtra de personalidade.
5. Modelos metapsicolgicos e variaes nar-rativas
Vejamos agora como certas variaes narrativas afetaram os modelos
metapsicolgicos de Fred e de como
estes alteraram sensivelmente a diagnstica das neroses ao longo
do tempo.
A determinao da nerose como estrtra decorrente do tramasexal
ligase nerose como m dispositivo de diviso e alienao do sjeito,
particlarmente entre os anos 1894 e 1905. Aqi, as Psiconeuroses de
Defesa (histeria, nerose obsessiva, fobia e paranoia) opemse s
Neuroses Atuais (nerastenia, hipocondria e nerose de angstia). Isso
sem mencionar a histeria de reteno o a histeria hipnoide qe opnha
Fred e Breer como paradigma para Estudos sobre Histeria (Fred &
Breer, 1893/1988). Contdo, a maior parte dos casos disctidos
corresponde aos tipos combinados, o neroses mistas. Isso decorria
da dificldade qe o modelo apresentava para interpretar a origem do
sintoma da angstia. O seja, j na primeira partilha diagnstica
frediana este no consege estabelecer tipos pros.
O ponto de vista qe se sege, portanto, parecia ser o mais
provvel. As neroses qe commente ocorrem devem ser classificadas, em
sa maior parte, de mistas. A nerastenia e as neroses de angstia so
facilmente encontradas tambm em formas pras, especialmente em
pessoas jovens. As formas pras de histeria e nerose obsessiva so
raras; em geral, essas das neroses combinamse com a nerose de
angstia. A razo por qe as neroses ocorrem com tanta freqncia qe ses
fatores etiolgicos se acham mitas vezes entremeados, s vezes apenas
por acaso, otras vezes como resltado de relaes casais entre os
processos de qe derivam os fatores etiolgicos das neroses. (p.
261)
Um trabalho crcial para entender este primeiro modelo
metapsicolgico das neroses Psiconeuroses de Defesa
(Abwehr-Neuropsychosen) (Fred, 1894/1988). Se sbttlo j indica a
precariedade da generalizao postlada: Ensaio (Versuch) de uma
teoria psicolgica da histeria adquirida, de muitas fobias (vieler
Phobien) e represen-taes obsessivas (Zwangvostellungen) e certas
psicoses alucinatrias. O seja, tratavase de apenas ma classe das
histerias, as adqiridas, exclindose as hereditrias, muitas fobias,
mas no todas e muitas das representaes obsessivas. Isto , a nerose
obsessiva tomada aqi por se sintoma mais significativo, a obsesso,
e no como estrtra qe agrega todos os sintomas sob ma casa comm.
Prova disso a ostensiva indeterminao da relao entre casa
tramticosexal e efeito sintomtico, ma vez qe o mesmo evento:
levo a vrias reaes patolgicas qe prodziram o a histeria, o ma
obsesso, o ma psicose alcinatria. A capacidade de promover m desses
estados qe esto todos ligados a ma diviso da conscincia atravs de m
esforo volntrio desse tipo deve ser considerada como manifestao de
ma disposio patolgica, embora esta
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Estrutura e personalidade na neurose
no seja necessariamente idntica degenerao individal o
hereditria. (Fred, 1894/1988, p. 68)
Finalmente, inclemse na classe das psiconeroses as psicoses
alcinatrias, derrogando francamente a oposio, posteriormente
consolidada, entre nerose e psicose. A condio de formao de signos
patolgicos a diviso da conscincia, mas ela mesma no explica porqe
temos m o otro tipo de sintoma. No a separao da libido o a formao
de m grpo psqico separado qe explica o sintoma, mas o destino da
libido, o retorno do qe foi apartado. possvel argmentar qe neste
primeiro momento Fred se tiliza sistematicamente de noes como a
etiologia da nerose, o prtonpsedos histrico, o trama originrio, o
ncleo patgeno, porqe se paradigma narrativo presme qe o sofrimento
decorre da apario de m objeto intrsivo, aqi representado pela
sexalidade. Este o prottipo realista o fantasiado da fantasia de
sedo qe constiti falso incio (prton pseudos) da histeria ma sitao o
cena qe lembrada posteriormente como m encontro prematro, em m
momento em qe o aparelho psqico ainda no se encontrava preparado
para tramitar o simbolizar tamanho montante de intensidade
libidinal. Esta sobrecarga, gerada pelo despreparo o inadvertncia
do psiqismo histrico, sempre colhe o sjeito em posio passiva, ao
contrrio da nerose obsessiva, no qal este aparece em posio
ativa.
As neroses so m caso ampliado desta intrso, por isso elas so
definidas pela defesa contra ideias inconciliveis (Unvertrglich),
qe ocasionam ma diviso psqica (Spaltung), qe separa afetos de sas
representaes, gerando m recalcamento (Verdrngung), cjo retorno
deformado, qer no corpo, qer em ideias sbstittivas o objetos, forma
sintomas. Acresce este modelo o caso de ma: modalidade defensiva
muito mais enrgica e bem suce-dida qe consiste na foraclso
(verwerfen) da represen
tao insportvel jnto com o afeto e se comporta como se a
representao nunca houvera acontecido (Fred, 1894/1988, p. 69).
A afirmao encontrase em contradio com a afirmao do prprio texto
de qe o aparelho psqico no pode tomar qalqer experincia como se
tivesse sido non arriv. Temos ento a seginte distribio diagnstica,
na qal se verifica qe a grande oposio se d entre psiconeroses de
defesa e neroses atais:
Entre 19051914 este modelo sbstitdo pela hiptese de qe a nerose
pode ser mais bem compreendida como recalqe da infncia, no interior
da qal se do as experincias tramticas. Deslocase a fora
determinativa do acontecimento para sa lembrana e da sexalidade
para sa fantasia. Este perodo compreende a redescrio das
modalidades de organizao plsionais em relao com as possiblidades de
desvio de objeto, de objetivo, de fixao o de regresso da plso. A
nerose cada vez mais aproximada de formaes narrativas como: teorias
sexais infantis (Fred, 1908), romance familiar do nertico (1909),
prticas religiosas (1907). assim qe a nerose aparece como m
dispositivo de defesa contra o desejo inconsciente, ma forma de
negao simblica qe se articla com o carter, como identificaes
abandonadas bem como na condio de exigncias dos sintomas.
Na apresentao do caso do Homem dos Ratos encontramos m so raro
da noo de estrtra por Fred:
Confesso qe at hoje no consegi penetrar acabadamente na complexa
montagem de m caso grave de nerose obsessiva, e qe na exposio da
anlise no seria capaz de evidenciar para otros, atravs das
jstaposies do tratamento, esta estrtra discernida analiticamente, o
vislmbrada. (Fred & Breer, 1909/1988a, p. 124)
Tabela 2
A narrativa da perda da alma (alienao)
A Neurose como Diviso da Conscincia (1894-1905)
Psiconeuroses de Defesa Neuroses Atuais
Amentia (Meynert) HisteriaNerose ObsessivaFobia Paranoia
Nerose de AngstiaNerasteniaHipocondria
Psicastenia (Janet)
Nerastenia (Beard)
Histeria de Reteno (Breer)Histeria Hipnide (Breer)Histeria
Tramtica (Charcot)
Nerose Mista
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O seja, h m discernimento analtico da estrtra, qe se pode obter
no contexto de ma nerose grave como esta. E este discernimento no
se separa das jstaposies envolvidas no tratamento. neste momento qe
Fred sa a prpria metfora dos sos da lingagem para designar o
parentesco entre nerose obsessiva e histeria:
O meio pelo qal a nerose obsessiva expressa ses pensamentos
secretos, a lingagem da nerose obsessiva, por assim dizer m dialeto
da lingagem histrica, mas em relao ao qal se deveria consegir mais
facilmente empatia, pois se aparenta mais com o dialeto histrico do
qe com nosso pensar consciente. (Fred & Breer, 1909/1988 a, p.
124)
H ento trs termos de comparao, o nosso pensar consciente
ordinrio e comm, ao qal a nerose obsessiva se assemelha, e depois h
o parentesco qe torna a nerose obsessiva m dialeto desta lnga
fndamental da nerose qe seria a histeria.
No entanto, com a descoberta do narcisismo, em 1911, e a
importncia crescente atribda ao problema da gnese e das pertrbaes
do e, Fred passa a deslocarse no pantanoso terreno das psicoses. No
perodo de sa mais estreita colaborao com Jng e Bleler, no contexto
da escola Sa de psiqiatria, as ideias diagnsticas de Fred, como a
noo de diviso (Spaltung), de regresso e de fixao comeam a ser
importadas para a descrio do qadro esqizofrnico, e do atismo,
derivado do atoerotismo. Tal desenvolvimento tem por oposio a
escola psiqitrica de Mniqe, liderada por Kraepelin, na qal o
entendimento das formas psicopatolgicas est mito mais perto do
conceito de doena do qe da noo de estrutu-ra de linguagem. Unindo
as das vertentes encontrase a noo de defesa (Abwehr), a partir da
qal as diferentes patologias poderiam ser comparadas.
Alteramse ento as oposies diagnsticas. As neuroses de
transferncia (histeria de converso, nerose obsessiva e histeria de
angstia), opemse s neuroses narcsicas (parafrenia, paranoia,
esqizofrenia, melancolia). A primeira acepo enfatiza a nerose como
narrativa de alienao, identificao, transferncia e repetio ao otro.
J a segnda definio salienta a gnese do e, sas regresses e fixaes,
ao modo de defesas evoltivas o involtivas. Registremos qe a
primeira acepo ressalta a lingagem e a memria, e a segnda, o tempo
e sas modlaes. Articlando ambas as verses de nerose encontramos a
noo de fantasia. por isso qe ma das definies mais amplas e
recorrentes de nerose, neste perodo, afirmar qe: as neroses so,
podese dizer, o negativo das perverses (Fred & Breer,
1905/1988, p. 165)
A definio da nerose como defesa contra a fantasia perversa traz
m srio inconveniente para a prpria definio de perverso, ma vez qe
esta corresponderia a m conjnto de disposies qe realizam fantasias
nerticas o a m conjnto de comportamentos qe se dedzem da
normalidade genital, violando o princpio propriamente
diagnstico da psicanlise. Ora, isso introdz ma disparidade bvia
na noo de estrtra qando aplicada entre nerose e psicose, e qando
aplicada entre nerose e perverso. Neste sentido, as narrativas do
trama e da alienao da alma so simplesmente dispensveis para definir
a perverso. Ora, a teoria da defesa no fndo ma concepo mais genrica
do qe a ideia de trama, qe depende de ma narrativa ligada alienao
da alma, mas agora conjgada com a concepo qe bsca ma etiologia dos
sintomas baseada no modelo de m elemento intrsivo, ma alteridade qe
no pode ser reconhecida pelo prprio aparelho psqico qe dele se
defende. Por isso ela pensada segndo atos de negao, de operaes de
retorno do recalcado, de divises e recomposies sintomticas da
sbjetividade.
Temos aqi o crzamento entre a experincia infantil do drama
edipiano e o mito moderno formlado por Fred em Totem e Tabu
(1914/1988). O pai aterrador e indtor de angstia confndese temporal
e narrativamente com o pai ancestral canibalizado e totmico. Aqi a
nerose poderia ser redescrita como ma operao de reconstitio da fora
simblica da paternidade, derrogada pela hostilidade prodzida pelo
drama infantil. Em Anlise da Fobia de uma Criana de Cinco Anos, o
caso do Peqeno Hans, (Fred, 1909/1988) a fno do pai passa a ser
decisiva. A teoria de dipo e se complexo nclear de castrao nos
remete ao conflito crzado envolvendo atos de escolha de objeto e de
reformlao de identificaes. Se referente a angstia como articlador
da falta entre o objeto e identificao, entre imaginrio e simblico.
As oposies entre narcisismo e amor de objeto so tematizadas no
mbito da noo de lei simblica (ofensa corporal, perda de amor,
diferena entre os sexos).
O esqema etiolgico se mltiplica. As acepes de nerose variam
segndo sa incidncia no tempo (fixao, regresso, reteno) e na
lingagem (mito, teoria, romance). A neurose infantil m momento
estrtrante da experincia infantil associvel ao Complexo de dipo,
definida como o negativo da perverso, exprimindo ainda ma ligao
reglar entre sintomas e fantasias. Esta acepo de nerose deve ser
distingida e conectada com a neu-rose desencadeada no adulto: prodo
de novos sintomas a partir da reativao da nerose infantil. Ligando
as das apresentaes temporais da nerose, encontramos ainda a neurose
de transferncia, como reprodo artificial e miniatrizada da nerose
no interior do tratamento psicanaltico dos sintomas qe assim podem
ser tratados. Agora a oposio diagnstica decisiva passa a ser entre
as neroses qe fazem transferncia e as neroses qe fracassam em
investir objetos sbstittivos na fantasia:
Entre 19151924 a nerose reconsiderada com a hiptese ascendente
da violao do pacto edipiano e correlativa emergncia da angstia. A
retomada da teoria do trama e a reconsiderao da gnese da angstia
levam Fred a redescrever o conflito edipiano agora com a nfase em m
tipo especial de angstia, a nertica. O processo de indo da clpa e
da ampliao da angstia, antes pensada como efeito do fracasso
circnstancial do recalca
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Estrutura e personalidade na neurose
mento agora reformlada como a casa do recalqe. Uma encrzilhada
capital para este giro narrativo em Fred o caso do Homem dos Lobos
(Fred, 1918/1988). A investigao cerrada e detalhadamente
reconstrtiva sobre sa nerose infantil, de natreza fbica, contrasta
com sintomas de nerose obsessiva na vida adlta e a apario de ma
paranoia hipocondraca no perodo pstratamento. Nele se crzam a
hiptese da sedo infantil, a fantasia de castrao (cena primria) e as
vicissitdes da fixao e da regresso ao erotismo anal. O tema do
pacto edipiano e de sa violao domina toda a apresentao narrativa do
caso. Aqi se mltiplicam as imagens sobre as vassalagens do e (entre
realidade, spere e id), das mltiplas procedncias da angstia (perda
de amor, ameaa real, castrao), das vrias procedncias da resistncia
e do compromisso entre exigncias mltiplas:
A nerose extraordinariamente rica em se contedo, pois abarca os
vnclos possveis entre o e e o objeto, tanto aqeles qe este
conserva, como otros, qe ele renncia o erige em se interior, e
assim tambm os vnclos conflitivos entre o e e se ideal de e. (Fred,
1920/1988, p. 136)
Na verdade, a violao do pacto edipiano rene a narrativa da
alienao da alma (identificaes e escolhas de objeto) com a narrativa
da intrso de objeto mrbido (crise narcsica, angstia de castrao)
adicionando explicitamente m novo ingrediente: o processo de
socializao do sjeito. As das narrativas anteriores so casos
particlares, o restritos, de m processo mais geral qe definiria a
nerose como bloqeio de relaes de reconhecimento. O ponto chave para
esta mdana a introdo do spere, em 1920, jstamente como este
operador da lgica das trocas, dos compromissos, dos dons e dos
sacrifcios para o sjeito. Esta ideia da troca, compromisso e
sbstitio ser amplamente empregada para definir a nerose em
contraste com a psicose:
na psicose fga inicial sege ma fase ativa de reconstro; na
nerose, a obedincia inicial segida por ma posterior (nachtrglich)
tentativa de fga... . a nerose no desmente a realidade, se limita a
no qerer saber nada dela; a psicose a desmente e procra sbstitla. .
. . assim para ambas no conta apenas o problema da perda da
realidade, seno o sbstitto da realidade. (Fred, 1924/1988, pp.
195197)
Isso altera sbstancialmente a economia das oposies diagnsticas.
As neroses de defesa (histeria, nerose obsessiva, fobia) opemse
externamente s neroses narcsicas e internamente aos sbtipos de
neroses definidas como grpo de sintomas (nerose tramtica, nerose de
gerra, nerose de destino, nerose de carter). Aqi as relaes
comparativas parecem se estabilizar, mas talvez isso ocorra
jstamente porqe Fred procra elementos conceitais qe explicam a
mltiplicao de sas oposies clnicas. Para alm das oposies
inicialmente descritas entre regresso e fixao o entre negaoaceitao,
agora se inclem as oposies entre masclinidade e feminilidade,
atividade e passividade, realidade e fantasia, flico e castrado,
sadismo e masoqismo: S se pode apreciar retamente a
significatividade do complexo de dipo [na determinao da nerose], se
por sa vez levamos em conta sa gnese da fase do primado do falo
(Fred, 1923/1988, p. 147).
As neroses atais so integradas ao estatto de sintomas
preferenciais das neroses estrtrais, a histeria com a nerose de
angstia, a nerastenia com a nerose obsessiva e a hipocondria
assimilada paranoia. Novamente o Complexo de dipo, entendido como m
sistema de trocas e eqivalncias simblicas qe explica a aptido para
ma o otra prtica sexal no qadro da relao entre frstrao, renncia e
castrao.
Do ponto de vista narrativo a nerose aproximada da antiga relao
religiosa com os demnios.
Tabela 3
A narrativa do objeto intrusivo
A Neurose como Recalque da Sexualidade Infantil (1905-1914)
Neuroses de Transferncia Neuroses Narcsicas
Histeria de Converso
Nerose Obsessiva
Histeria de Angstia (Fobia)
Esqizofrenia (Parafrenia)
Paranoia (Parafrenia)
MelancoliaPerverso Nerose Infantil
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No precisamos ficar srpresos em descobrir qe, ao passo qe as
neroses de nossos poco psicolgicos dias de hoje assmem m aspecto
hipocondraco e aparecem disfaradas como enfermidades orgnicas, as
neroses daqeles antigos tempos srgem em trajes demonacos. (Fred,
1923/1988, p. 73)
Esta relao, estdada no artigo acima, mediada por m pacto. Um
contrato no qal o demnio recebe a alma do contratante e em troca
lhe oferece servios para se desejo. Ganha nova importncia a noo de
sries complementares, por meio da qal m fator etiolgico compensado
pela emergncia proporcional de otros. Portanto a narrativa do pacto
no se d apenas intersbjetivamente, mas tambm intrassbjetivamente. A
articlao entre conflitos postos em ma espcie de hierarqia,
centralizada pelo dipo, dentro deste pelo falo e ainda em se
interior pelo complexo de castrao explica a profnda afinidade deste
momento narrativo com a sedimentao das oposies diagnsticas,
principalmente entre nerose e psicose. A nerose o resltado de m
conflito entre o e e se id, enqanto qe a psicose o desenlace anlogo
de ma similar pertrbao nos vnclos entre o e e o mndo exterior
(Fred, 1924/1988a, p. 125).
Do ponto de vista dos tipos interiores nerose este tambm o
perodo em qe se mltiplicam as formas de neroses no clssicas,
definidas por grpos de sintomas mais o menos estveis, mas sem forte
correlao estrtral. Isso acontece tanto pela anexao as neroses atais
s neroses histrica e obsessiva, e ainda da hipocondria psicose,
qanto pelo so livre da nerose em qalificativos como: nerose
demonaca, nerose de destino, tipo de
escolha de nerose, disposio nertica, tipos de carter nerticos, e
assim por diante.
Finalmente, no perodo qe vai de 1923 a 1939, o paradigma casal
se altera, assmindo o processo de fso e desfso das plses, com a
correlata clivagem do e, a tarefa de conciliar na estrtra dos
sintomas o e. Aqi a nerose considerada como repetio, perda e
recomposio de nidade.
o sperego srge de ma identificao com o pai . . . cja conseqncia
a dessexalizao o sblimao da atividade plsional propiciando ma
desfso. Deste modo, o componente ertico no capaz de nir a
agressividade qe anteriormente encontravase combinada fazendo com
qe esta seja liberada sob a forma de ma inclinao agresso e destrio.
Esta desfso seria a fonte do carter de severidade do sperego.
(Fred, 1923/1988, p. 67)
Lembremos qe a partir de Mal-estar na Civili-zao a fora e
severidade do spere qe determinam qantitativamente a fora e
intensidade dos sintomas e da clpa. Depois do dipo, a atoridade
internalizada forma o spere, este transforma em conscincia o
sentimento de clpa, qe srge como ma permanente infelicidade
interna. Clpa e angstia so resltado de ma renncia (Versagung)
plsional, a mais originria em conseqncia do medo da agresso externa
e posteriormente em virtde do medo da atoridade interna
representada pelo spere.
Se a dissolo da nidade explorada do ponto de vista da plso pelas
combinaes e desfses, ainda qe sblimatrias, entre plso de morte e
plso de vida, o estdo comparativo da nerose deslocase da psicose
para
Tabela 4
A narrativa da violao de um pacto
A Neurose como Complexo Edipiano (1915-1924)
Neurose como Estrutura Neurose como Grupo de Sintomas
Psicose
Paranoia
Esqizofrenia
Histeria
Nerose obsessiva
Fobia
Nerose de angstia
Nerastenia
Hipocondria
Melancolia Nerose Tramtica
Nerose de Gerra
Nerose de Destino
Nerose de Carter
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Estrutura e personalidade na neurose
a perverso. E de fato na perverso qe encontramos ma srie de
fenmenos clnicos ligados prodo de excessiva nidade da meta plsional
(fixao) o de se objeto (fetichismo).
Os fatos dessa ciso do ego (Ichspaltung), qe acabamos de
descrever no so to novos o estranhos como podem parecer a princpio.
Ela , na verdade, ma caracterstica niversal da nerose qe est
presente na vida mental dos sjeitos, e qe se relaciona a m
comportamento pecliar, a das atitdes diferentes, contrrias entre si
e independentes ma da otra. (Fred, 1927/1988, p. 151)
Tratase, portanto, de otra narrativa de sofrimento, o seja,
aqela qe se organiza em torno da perda da relao entre as partes e a
nidade, dissolo da identidade pela diferena, corrpo do esprito e de
sas fnes. Neste ponto a nerose como estrtra (histeria, nerose
obsessiva e fobia) oposta s psicoses (esqizofrenia, paranoia,
melancolia). Contdo, a nfase colocada em processos inicialmente
descritos para a perverso (Verleugnung) qe permitem explicar tanto
fenmenos psicticos (alcinao negativa) qanto sintomas nerticos
(clivagem do e).
A fno sinttica do e, qe possi ma importncia to extraordinria,
tem condies particlares e scmbe a toda ma srie de pertrbaes. [O
fetiche] no contrario simplesmente sa percepo, ele no alcino m pnis
ali onde no via nenhm, somente empreende m deslocamento
(descentramento) de valor, transferindo o significado do pnis para
otra parte do corpo. (Fred, 1940/1988, p. 277)
Portanto, tanto a sntese do e qanto a sntese das plses, enqanto
tendncia de Eros a prodzir nidades e ligaes, qe se v qestionada. J
em Inibio, Sintoma e Angstia (Fred, 1926/1988), esta disparidade
entre os processos indtores de sintoma e indtores de angstia havia
sido verificada. Mas naqela ocasio a solo foi tentar descrever ma
espcie de tipologia da angstia. Depois de 1924 parece srgir m novo
entendimento etiolgico de nerose, agora baseado nas articlaes
problemticas entre masoqismo e narcisismo, bem como nas relaes de
fso e de desfso entre as plses, notadamente a plso de morte. Mas
seno, vejamos: no qe a realidade perdida na psicose e conservada na
nerose, sa perda comm a ambas, ainda qe no da mesma forma. Contdo a
perda da realidade, antes tratada como m assnto de negociao e
sbstitio, agora qestionada mais radicalmente do ponto de vista de
sa sporta e dada nidade. Novamente encontramos a narrativa
hobbesiana do choqe com o perigo e da lei como proteo contra a
dissolo de si:
Assim o perigo de desamparo psqico apropriado ao perigo de vida
qando o ego do indivdo imaperigo de vida qando o ego do indivdo
imatro; o perigo da perda de objeto, at a primeira infncia, qando
ele ainda se acha na dependncia de otros; o perigo de castrao, at a
fase flica; e o medo do se sperego, at o perodo de latncia.
No obstante, todas essas sitaes de perigo e determinantes de
ansiedade podem resistir lado a lado e fazer com qe o ego a elas
reaja com ansiedade nm perodo lterior ao apropriado; o, alm disso,
vrias delas podem entrar em ao ao mesmo tempo. possvel, alm disto,
qe haja ma relao razoavelmente estreita entre a sitao de perigo qe
seja operativa e a forma assmida pela nerose resltante. Qando, nma
parte anterior desta apreciao, verificamos qe o perigo da castrao
era de importncia em mais de ma doena, ficamos alerta contra ma
sperestimativa desse fator, visto qe ele poderia no ser decisivo
para o sexo feminino, qe indbitavelmente est mais sjeito a neroses
do qe os homens. (Fred, 1926/1988, p. 107)
Assim como em Mal-estar na Civilizao (1929), a nerose ser
repensada a partir dos processos de clpa e de masoqismo, internos
disjno entre a plso de morte e de vida e o retorno da agressividade
contra o prprio e. O e defendese se colocando de forma masoqista
como m objeto para o sadismo do spere. Esta a frmla no da indo de
sintomas, mas da explicao de por qe certos sintomas casam maior o
menor sofrimento. Aparentemente Fred inti a fora do malestar na
civilizao como m paradoxo de nomeao, qe ao redzir o sofrimento,
permitindo tcnicas para mitiglo, acaba prodlo, acaba prodlo, acaba
prodzindo novas regras e imposies ao e, amentando assim se
sofrimento. Disso decorre qe a nerose deixa de ser comparada apenas
com otras estrtras clnicas e abordada tambm como ma tcnica para
evitar o sofrimento. Ao lado da solido dos qe se retiram do mndo,
daqeles qe se organizam em ma comnidade para dominar a natreza, dos
qe recorrem aos mtodos de intoxicao e anestesia, dos qe se dedicam
sblimao o ao clti sblimao o ao clti sblimao o ao cltivo esttico da
existncia, dos qe se consagram ao cltivo das ilses delirantes o no,
dos qe bscam a felicidade na realizao amorosa, dos qe fogem para a
realidade do trabalho o da fantasia, aparecem os nerticos: Como
ltima tcnica de vida, qe lhe promete menos satisfaes sbstittivas,
se lhe oferece o refgio na nerose, refgio qe na maioria dos casos j
se consma na jventde (Fred, 1929/1988, p. 84).
Portanto, a cada deslocamento da nfase clnica de fato se
correlaciona com ma reformlao da diagnstica frediana da nerose. As
alteraes do tipo de narrativa de sofrimento qe Fred adota em cada
momento prodzem transformaes metapsicolgicas e ao mesmo tempo so
prodzidas por estas.
Percebese assim as profndas reorganizaes das relaes de ordem e
classe atinentes ao so da noo de nerose em Fred. Elas no so
constantes, nem concordantes, variando profndamente sa nomeao
conforme o princpio casal qe se lhe atriba. Contdo tal varincia
pode no ser m problema a ser resolvido de forma nominalista pela
fixao do sentido convencional de nerose. Esta fltao exatamente o qe
permite entender como
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diferentes paradigmas narrativos condicionam a diagnstica
frediana mito alm de ma acmlao de resltados. A distino entre
malestar e sofrimento, poco tematizada nos primeiros
desenvolvimentos de Fred, e ganha fora nos dois ltimos paradigmas
narrativos: da dissolo do e e do pacto edipiano. Isso ocorre porqe
cada qal desp-sicologiza o sofrimento, tornandoo, no segndo caso, a
expresso de sspenso das relaes de troca plsional e desejante e, no
primeiro caso, ma decorrncia da estrtra ontolgica das plses. A
condio histrico antropolgica trazida pelo Complexo de dipo e a
condio existencial qe carrega a noo de plso de morte convida a ma
reformlao diagnstica qe incla, para alm do sintoma, o malestar
(Unbehagen) e o sofrimento (Leiden). A indeterminao da relao entre
os sintomas, em sa sposta identidade diagnstica, e as narrativas,
qe lhes conferem articlaes de reconhecimento, talvez no seja
erradicvel. As noes de estrtra em acepo aristotlica e de
personalidade, em conotao psicolgica, realizam esta fno de maneira
inadvertida. Isso por si s no jstifica a atitde desconexionista da
psiqiatria de nossa poca, qe tende a isolar os sintomas ignorando
sas relaes de ordenamento temporal e sa potencial contradio como
classe.
6. Concluso
Partimos da distino entre das acepes de estrtra para
caracterizar o emprego psicanaltico da noo de nerose: a estrtra
(aristotlica) como essncia qe se exterioriza em ses efeitos e a
estrtra (moderna) como concepo sistmica de casalidade. Vimos qe a
primeira acepo de estrtra nertica carrega o risco de impor sas
caractersticas realidade clnica, tornando a nerose ma categoria
hipertrfica qe serviria de modelo ideolgico para normalidade.
Observamos em segida como ma segnda acepo de estrtra nertica atende
os critrios metodolgicos fredianos de possibilidade de contradio e
de posterioridade com relao experincia. Chegamos assim necessidade
clnica de historicizao do conceito
de nerose, para a qal propsemos a noo de narrativas de
sofrimento.
Examinamos as incidncias do conceito de per-sonalidade em
associao com a noo de neurose e confirmamos ma tendncia a pensar a
estrtra como articlao psicolgica de modos de reao o controle qe se
exteriorizam em sintomas. Derrogase assim qe a noo de sintoma
talvez seja mais importante do qe a de estrtra. Verificamos,
depois, como o scesso da noo de nerose como paradigma
psicopatolgico, at os anos 1970, pode ser atribdo fltao de
paradigmas narrativos. Vimos tambm como esta fltao de narrativas
sobre o sofrimento associase, consistentemente, tanto s reformlaes
diagnsticas de Fred qanto s sas alteraes metapsicolgicas.
Conclise qe preciso algm cidado com a potncia integrativa e
etiolgica do conceito de nerose. Se papel potencialmente
generalizante pode sofrer infiltraes ideolgicas qe o aproximem da
normalopatia, constitindose as otras estrtras em dedes deficitrias
da estrtra nertica. Talvez o melhor antdoto para isso seja manter a
ateno s fltaes introdzidas por novas narrativas de sofrimento.
A postlao da nerose como ma nidade etiolgica, contrariamente
fragmentao sindrmica de sintomas desconectados, qe reconhecemos em
m sistema diagnstico como o DSM, pode ser agora redefinida. No se
trata apenas de opor nidade casal e descrio semiolgica, mas de
perder, pela spremacia da noo psicolgica de estrtra, a
possibilidade de contradio e de redescrio exigida pela
metapsicologia. Contdo esta nidade no precisa ser definida pelo
nexo fixo e reglar entre sintomas e casas, ma vez qe ela envolve
ainda a fno narrativa do sofrimento, como ma espcie de histria,
ainda qe cortada, qe ne e articla os sintomas conferindolhe
valncias de sofrimento, o, em caso contrrio, impedindo e bloqeando
o reconhecimento de certas formas de sofrimento. Qem advoga a
importncia do conceito de nerose deve estar advertido do problema e
dos riscos de hipertrofia desta noo.
Tabela 5
A narrativa da perda da unidade do Esprito
A Neurose como Repetio (1923-1939)
Neurose Psicose Perverso
Histeria Esqizofrenia Masoqismo
Nerose Obsessiva Paranoia Sadismo
Fobia Melancolia Fetichismo
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Estrutura e personalidade na neurose
Aqi cabe m esclarecimento secndrio sobre os possveis motivos qe
levaram ampla disseminao das noes de estrtra e de personalidade.
Principalmente no psgerra a nerose tornase sinnimo de normalopatia,
exprimindo assim o nerticocentrismo prprio de ma acepo psicolgica
da noo de estrtra. O seja, o modo prevalente de nomear o malestar,
de narrar o sofrimento e de inclir o sintoma em discrsos para a
nerose.
Vemos assim qo desencaminhada a discsso lacaniana sobre o nmero
possvel de estrtras existentes, se o fncionamento borderline ma
estrtra, o se o autismo ma estrtra o qe nos leva a reconhecer, por
otro lado, o problema crcial da historicidade das formas de
sofrimento. Lacan afirmava qe: o declnio da fno social da imago
paterna trar ma sbstitio da forma nertica de sofrimento pela forma
caracterial (narcsica) (Lacan, 1938/2006, p. 45).
No se pode ignorar a incidncia da expresso so-frimento, nesta
passagem crcial de Lacan, tantas vezes
lida e reinterpretada como chave de entendimento para a
transformao social dos sintomas. Seria esta tese, agora considerada
lz da hiptese narrativa do sofrimento, reaplicvel para as otras
formas de conexo entre o malestar, caracterizado pelo dficit de
experincias improdtivas de indeterminao, e os sintomas,
caraterizados pelo excesso dessas experincias? Para tanto, seria
preciso mostrar como a narrativa do sofrimento ma categoria capaz
de articlar o carter refratrio da nominao, prprio do malestar
(Unbehagen) como a disposio prevalente dos sintomas sa nomeao
metafrica. Por exemplo, a expanso da imago da criana trar ma
sbstitio das neroses depressivas por novas formas de sofrimento
tramaticamente organizadas? O ainda, a expanso social do lao social
organizado pelo spere orientado para o consmo trar novas patologias
manacas o implsivas determinadas pela impossibilidade de lto?
Tabela 6
Narrativas de sofrimento e modelos etiolgicos
Concepo Etiolgica Narrativa Metapsicologia
Trama e
Diviso Sbjetiva
(1894-1905)
Alienao da alma Inconsciente
Fantasia
Sexalidade Infantil
(1894-1905)
Objeto intrsivo Recalqe
Plso
Conflito edipiano
e a angstia
(1915-1923)
Violao de pacto Castrao
Narcisismo
Desfso
e Fso das Plses
(1923-1941)
Perda da nidade Plso de Morte
Repetio
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Psicologia USP I www.scielo.br/pusp94
Christian Ingo Lenz Dunker
Neurosis and structure of personality: Aethiological models and
narrative paradigms
Abstract: This article is a modificated version of the given
class from the author in the concourse to Full Professor at
Psychology Institute in University of So Paulo. The notions of
personality and structure are examined in relation to the diagnosis
of neurosis, considering psychoanalytical psychopathology. The
categories of order, class and genre, as taken hypothetically,
along with the notion of causality, as the subsidize force to
evaluate the consistence of a diagnostic category. The article
discusses the value of exceptions and the constrain of normativity
in order to conform clinical experience into a given diagnostic
rationality. The preliminary results of this epistemological
evaluation leads us to propose the thesis that we have much less
consistency in the Freudian category of neurosis then the
historically reception could admit. We propose the idea that each
methapsychological model, within emerged neurosis definition, is
embedded in specific narratives of suffering. This is an important
dimension to be taken in order to reconsider the clinical use of
structure and personality in psychoanalytical diagnostic. Keywords:
neurosis, psychoanalysis, epistemology, psychopathology.
Nvroses et Structure de la personnalit: modles tiologiques et
modalits Rcits
Resum: Dans cet article, lorigine un collectif pour contester un
professeur titulaire lInstitut de psychologie de lUSP, examine les
notions de structure de la personnalit et de son application au
diagnostic de la nvrose, de lextraction de la psychopathologie
psychanalytique. Examine la cohrence des relations dordre, classe
et sexe,qui, par dfinition, une partie de la conception de la
causalit, subventionnent la force et la pertinence dune catgorie de
diagnostic. Il traite de la valeur de lexception et le pouvoir
normatif conformation de lexprience clinique de raisonnement
diagnostique. Les rsultats de cet examen prliminaire pistmologique
nous conduit proposer la thse critique quil ya moins de cohrence
dans lutilisation de la notion freudienne de la nvrose de la
rception actuelle est dadmettre. Il fait valoir que chaque modle
mtapsychologique, dans lequel mergent rinitialise nvrose correspond
une souffrance distincte de la mode narratif et valence, lexclusion
du rcit de la souffrance, une dimension pertinente reconsidrer la
notion de personnalit et la structure en diagnostic
psychanalytique.Mots-cls: nevrose, psychanalyse, pistmologie,
psychopathologie.
Las neurosis y estructura de la personalidad: Modelos etiolgicos
y modalidades Narrativas
Resumen: En este artculo, originalmente una leccin de un
concurso de profesor titular del Instituto de psicologa de la USP,
se examinan los conceptos de personalidad y la estructura en su
aplicacin al diagnstico de neurosis, en psicopatologa psicoanaltica
de extraccin. En el informe se examinan la coherencia de las
relaciones de poder, de clase y de gnero, que, por hiptesis, junto
a la concepcin de la causalidad, subsidia la fuerza y la
pertinencia de la categora de diagnstico.Palabras clave: neuroses,
psicoanalisis, epistemologia, psicopatologia.
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