-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
A Classificao dos Transtornos Mentais pelo DSM-V e a Orientao
Lacaniana*
Classification of Mental Disorders DSM-V and Lacanian
Orientation
Srgio Laia
Professor do Curso de Psicologia da Universidade FUMEC (Fundao
Mineira de Educao e Cultura); Pesquisador do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq, nvel 2) e do
ProPIC-FUMEC (Programa de Pesquisa e Iniciao Cientfica da
Universidade FUMEC); Doutor em Letras pela Faculdade de Letras da
Universidade Federal de Minas Gerais (FALE-UFMG) e
Mestre em Filosofia pela Faculdade de Filosofia e Cincias
Humanas (FAFICH) da UFMG; Analista Membro da Escola, pela Escola
Brasileira de Psicanlise (EBP), Membro da Associao
Mundial de Psicanlise (AMP). E-mail: [email protected]
Resumo: Este texto procura seguir a elaborao da futura verso do
Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais, j conhecida
pela sigla DSM-V e que ser lanada em 2013. Realiza, tambm, algumas
comparaes entre essa verso futura e a atual (DSM-IV). Neste
percurso, faz uma contraposio entre essa perspectiva classificatria
concebe como categoria e dimenso e o que a orientao lacaniana
tematiza como sintoma, gozo e diagnstico. Palavras-chave:
Transtorno mental; DSM-V; categoria; dimenso; sintoma; gozo;
diagnstico.
Abstract: This article seeks to follow the development of the
future version of the Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders, already known by the acronym DSM-V, which will be
launched in 2013. Performs also some comparisons between the
current and future version (DSM-IV). In this way, makes a contrast
between this perspective conceives as qualifying "category" and
"dimension" and that the Lacanian orientation thematizes as
symptoms, joy and diagnosis. Keywords: Mental disorder, DSM-V;
category; dimension; symptom; joy; diagnosis.
* Neste ttulo, DSM-V a sigla para a 5 verso do Manual Diagnstico
e Estatstico de Transtornos
Mentais, a ser lanada em 2013. Este texto produto de uma
pesquisa, ainda em curso, intitulada Rumo ao DSM-V: Manual
Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais Verso V, coordenada
por aquele que o assina. Sem os recursos e bolsas do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), da
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do
Programa de Pesquisa e Iniciao Cientfica (ProPIC) da Universidade
Fundao Mineira de Educao e Cultura (FUMEC), a investigao da qual
resulta este texto no seria possvel.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
2
A research agenda for DSM-V um livro produzido pela American
Psychiatric Association (APA) e o National Institute of Mental
Health (NIMH), dividido em seis captulos (KUPFER, FIRST &
REGIER, 2002). Sua elaborao teve incio em 1999, com o objetivo de
estimular a pesquisa e a discusso para a preparao do DSM-V,
viabilizando a integrao entre estudos com animais, a gentica, as
neurocincias, a epidemiologia, a investigao clnica e os servios
clnicos em diferentes culturas. Tomo esse livro como primeira
referncia deste artigo porque ele j evidencia, como pedra
fundamental do DSM-V a ser lanado em 2013, a incluso, nessa futura
verso, de uma concepo dimensional dos transtornos mentais. Tal
incluso far com que o DSM-V no fique mais restrito perspectiva
categorial de classificao apresentada at ento por esse Manual e por
outras referncias j existentes para diagnsticos
psicopatolgicos.
Mas o que significam, em uma classificao diagnstica estatstica
dos transtornos mentais, as noes de categoria e dimenso? Para a
elucidao dessa questo, interessante verificar alguns impasses
apresentados pela aplicao da quarta verso revisada e, at 2013,
atual, do DSM.
Proliferao de comorbidades e de categorias Sem Outra Especificao
(SOE)
Rosanville, Alarcn, Andrews, Jackson, Kendel & Kendler
(2002) explicitam que a predominncia da perspectiva categorial em
psicopatologia e mesmo na medicina em geral se deve, parcialmente,
ao fato de que essa uma caracterstica fundamental da atividade
mental humana, incorporada aos nomes do discurso cotidiano, para
reconhecer categorias de objetos (cavalos, cadeiras, planetas,
etc.) e ainda porque tradicionalmente tem sido assumido que os
transtornos mentais so tambm entidades discretas, separadas uma das
outras, e da normalidade, assim como reconhecidas por distintas
combinaes de sintomas ou por etiologias demonstravelmente distintas
(p. 12). Entretanto esse mesmos autores, apoiados em KENDLER e
GARDNER (1998), destacam tambm que, nas duas ltimas dcadas do sculo
passado, houve fortes questionamentos quanto suposio da doena como
entidade (the disease entity assumption) e notou-se que o
transtorno depressivo maior, os transtornos de ansiedade, a
esquizofrenia e o transtorno bipolar, entre outros, tinham zonas de
interpenetrao e
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
3
alguns deles chegavam at a se misturar normalidade, sem
apresentar limites naturais entre si (ROSANVILLE et al, 2002, p.
12). Alm disso, verificou-se que fatores genticos e do meio so
frequentemente no especficos no que diz respeito a essas sndromes
(ROSANVILLE et al., 2002, p. 12)1
KRUEGER e BEZDJIAN (2009, p. 3), em um artigo que contempla as
futuras edies tanto do DSM quanto da Classificao Internacional das
Doenas (CID), argumentam que, nas verses atuais dessas duas
classificaes (DSM-IV-TR e CID-10), que se pretendem globalizadas,
todos os transtornos mentais so conceitos polittico-categricos:
politticos porque so definidos por mltiplos sintomas e nem todos os
sintomas listados so necessrios para se considerar a presena de um
transtorno mental em um indivduo especfico; categricos, na medida
em que tais transtornos so conceitos binrios, do tipo ou isso ou
aquilo (either-or) e no permitem excees, nem gradaes de presena ou
de ausncia. Assim, por exemplo, se nos circunscrevermos ao
DSM-IV-TR, o Transtorno Bipolar I categorizado pela ocorrncia de um
ou mais Episdios Manacos ou Episdios Mistos2, mas se houver
ocorrncia de um ou mais Episdios Depressivos Maiores...,
acompanhados por pelo menos um Episdio Hipomanaco e sem qualquer
Episdio Manaco ou Misto, o diagnstico ser de Transtorno Bipolar II
(AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2002, p. 377 e 386).
Alm da classificao dos transtornos mentais por categorias
reiterar um modo de organizao cotidiano da atividade mental humana
(ROSALVILLE et all, 2002, p. 12), tal categorizao ao propor
diagnsticos que se tornam verdadeiras rtulos (labels) facilita a
comunicao entre clnicos e pesquisadores, bem como o pagamento de
dependentes beneficiados com aplices de seguros (third party
payments), o estabelecimento de regulamentos sobre drogas, alm de
transmitir uma grande confiabilidade (REGIER, 2007; VIETA e
PHILIPS, 2007; KRUGER e BEZDJIAN, 2009). Essa perspectiva de uso da
categorizao dos chamados transtornos mentais tanto pelas comunicaes
clnica e cientfica quanto pelos planos de sade e as aes
poltico-governamentais um fator decisivo para a manuteno, no futuro
DSM-V, de
1 Para essa referncia aos fatores genticos e do meio, foram
citados os trabalhos de BROWN et all
(1996) e KENDLER (1996). 2 Segundo o DSM-IV-TR, um Episdio Misto
caracteriza-se pela rpida alternncia de humor
acompanhada de sintomas relacionveis a um Episdio Manaco e de um
Episdio Depressivo Maior (APA, 2002).
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
4
uma diviso dos transtornos mentais em diferentes categorias.
Porm o modelo categorial de classificao no consegue responder
satisfatoriamente sobreposio (overlap) de sintomas que bem mais
comum no mbito da psiquiatria do que no campo da medicina geral
(VIETA e PHILIPS, 2007, p. 888) e, considerando que tem sido cada
vez mais destacada, por exemplo, a sobreposio nos genes de
predisposio ao transtorno bipolar e esquizofrenia (VIETA e PHILIPS,
2008, p. 887), a manuteno de uma classificao estritamente por
categorias ficaria aqum do que o futuro poder reservar-nos, segundo
os formuladores do DSM-V, quanto s descobertas provenientes de
estudos genticos sobre os transtornos mentais.
Segundo KRUEGER e BEZDJIAN (2009, p. 4), uma classificao
diagnstica exclusivamente categrica tambm no nos permite enfrentar
o problema da heterogeneidade intrnseca categoria (within-category
heterogeneity). Por exemplo, um transtorno de personalidade
obsessivo-compulsivo exige, para ser diagnosticado no DSM-IV-TR, o
mnimo de quatro sintomas em uma lista de oito e, nesse vis, dois
diferentes casos com esse mesmo diagnstico podem no ter nenhum
sintoma em comum (KRUGER e BEZDJIAN, 2009, p. 4), o que um
contrassenso metodolgico e clnico para os defensores do DSM e,
portanto, um impasse que o DSM-V visa a ultrapassar. Para a
psicanlise de orientao lacaniana que de modo algum um referencial
para os formuladores do DSM-V o que aparece como um contrassenso
tem a ver com a dimenso opaca e irredutvel do sintoma: como a noo
de categoria me parece aproximvel daquela de tipo clnico, lembraria
que, para Lacan (1973/2001, p. 557) os sujeitos de um tipo clnico
so... sem utilidade para os outros do mesmo tipo. Assim, Lacan
permite-nos sustentar que, inclusive no mbito de um mesmo tipo
clnico, de uma mesma categorizao, os sintomas de um sujeito no s
podem como so diferentes daqueles que um outro sujeito apresenta,
porque ao contrrio da abordagem defendida pelo DSM h algo na
constituio dos sujeitos e na economia libidinal de seus sintomas
que se furta classificao diagnstica e que diz respeito tanto
evanescncia do sujeito como efeito significante3, quanto ao
modo
3 A leitura que LACAN (1960) faz do imperativo freudiano Wo Es
war, soll Ich werden (onde Isso era,
Eu devo advir) uma excelente referncia para cingir a evanescncia
que caracteriza o sujeito tomado pela dimenso do verbo, ou seja,
pela linguagem: L onde isso era, estava um pouquinho entre a extino
que ainda brilha e a ecloso que tropea, [Eu] posso vir a s-lo, por
desaparecer de meu dito (p. 816). Em outros termos, tal como se d
em um ato falho, o sujeito, concebido por Lacan como efeito
significante aparece e apagado no ato mesmo de dizer porque o
inconsciente implica que, no falar, h algo que continuamente escapa
quele que fala.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
5
como essa substncia fluida que Lacan (1972-1973/1975) chamou de
gozo se imiscui nos corpos.
Outro problema localizado no modelo categrico de diagnstico que
caracteriza o DSM-IV-TR no conseguir validar a sintomatologia
subliminar (subthreshold symptomalogy): se um transtorno pode ser
diagnosticado com base na localizao de cinco sintomas em uma lista
de dez, valores de 1 a 4 so convertidos em sem diagnstico ou zero e
valores de 5 a 10 so convertidos em diagnstico presente ou um nesse
vis, presume-se que a extenso da sintomatologia no possui
significncia para a clnica e a sade pblica (KRUGER & BEZDJIAN,
2009, p. 4). Descartar o que est abaixo de um limiar de classificao
categrica pode, no entanto, provocar perdas de informaes
importantes porque, por exemplo, transtornos depressivos e
transtornos de dependncia alcolica comprovadamente no se
caracterizam por limiares abruptos e estanques, mas por fenmenos
contnuos (KRUGER e BEZDJIAN, 2009, p. 4).
Mas, na aplicao ainda em curso do DSM-IV-TR para diagnstico e
tratamento dos transtornos mentais, um dos problemas que mais
preocupam inclusive seus prprios defensores o alto ndice de
comorbidades favorecido pela classificao categorial que esse Manual
sustenta (KUPFER, FIRST & REGIER, 2002, p. 18, 116, 128,
148-154, 213 e 258; VIETA & PHILIPS, 2007; KRUGER &
BEZDJIAN, 2009). Mais recentemente, BERSTEIN (2011), assinando
nessa ocasio ainda como Presidente da mesma APA que promove a
elaborao e edita o DSM, ressaltou esse grave problema da
comorbidade nos seguintes termos:
Um grande nmero de pacientes que recebe algum diagnstico contido
no DSM-IV tambm preenche critrios para mltiplos outros diagnsticos.
Por exemplo, muitos transtornos mentais de ansiedade encontrados no
DSM-IV ocorrem concomitantemente com um transtorno de humor...;
pacientes com transtornos de personalidade... raramente recebem um
nico diagnstico de transtorno da personalidade.
Alm da alta taxa de comorbidades, outro grave problema
encontrado na aplicao do DSM-IV-TR e tambm relacionado classificao
de tipo categorial a ampla necessidade de empregar, no diagnstico
de transtornos mentais, a designao sem outra especificao (SOE).
VIETA e PHILIPS (2007, p. 886) chegam a qualificar tal designao
como uma subcategoria decepcionante e, de fato, por sua
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
6
prevalncia em vrios tipos de transtornos mentais, ela acaba
deixando muitos casos fora do sistema diagnstico. Tambm BERSTEIN
(2011) evidencia que, no mbito de prticas como aquelas com os
transtornos alimentares, transtornos da personalidade e transtornos
do espectro do autismo, essa designao inespecfica verificada como
mais prevalente que outros diagnsticos encontrados no DSM-IV.
Esse alto ndice de diagnsticos no especificados evidencia o que
eu chamaria de desaparecimento da clnica, perpetrado por aqueles
que usam e defendem classificaes como o DSM: a designao sem outra
especificao (SOE) uma categoria excessivamente vaga, em funo da sua
ampla utilizao para a categorizao de alguns transtornos mentais e
sua labilidade para a orientao de tratamentos. H, portanto, uma
ampla difuso de um diagnstico que , ele mesmo, uma espcie de
confisso da impotncia de diagnosticar com base nos parmetros
definidos pelo DSM como evidncias ou como dados estatsticos.
Deslocando para as coisas mensurveis da estatstica atual um
contraponto que PASCAL (1650) fazia com relao exatido pretendida
pelos gemetras e me valendo da concepo lacaniana de sintoma, eu
diria que precisa mensurao empreendida nas classificaes do DSM
escapa o que MILLER (2011) nos convida a tematizar como coisas de
fineza acessveis no mbito da experincia analtica e decisivas para a
abordagem dos sintomas. Assim, no excesso de categorias do tipo ...
sem outra especificao (SOE), temos a comprovao de que, mesmo
quantificados por estatsticas, esquadrinhados por scanners
altamente tecnolgicos, articulados a descobertas da gentica, os
sintomas carregam consigo o que a orientao lacaniana nos permite
designar como um irredutvel classificao e que tem a ver com as
especificidades, as sutilezas e finezas pelas quais o que Freud
chamou de pulso faz uso dos corpos para efetivar uma satisfao que
LACAN (1972-1973/1976) designa como gozo.
Dimenses
Embora os formuladores da futura verso do DSM reconheam os
impasses da classificao dos transtornos mentais propostas nas
outras verses desse Manual, tal reconhecimento no me parece
implicar uma mudana quanto multiplicao dos diagnsticos e ao
desaparecimento da clnica promovidos por esse tipo de concepo
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
7
psicopatolgica. Nesse contexto, eles visam a tratar tais
impasses com uma perspectiva
qualificada como dimensional. Um dos trunfos da utilizao de
dimenses na formulao de diagnsticos seria, ento, segundo os
formuladores do DSM-V, poder acolher a continuidade e a sobreposio
de sintomas sem dar lugar a um excesso de comorbidades e de
categorias com a lbil designao final ... sem outra especificao
(SOE). A incluso de uma perspectiva dimensional implicaria,
portanto, o contnuo desprezado e a sobreposio mal abordada pela
classificao categorial do DSM-IV-TR.
Para elucidar como a noo de dimenso acolhe o contnuo desprezado
e a sobreposio mal abordada pela classificao categorial do
DSM-IV-TR, gostaria de me referir inicialmente a dois exemplos que
no tm relao com os chamados transtornos mentais, mas esclarecem-nos
o que uma dimenso. Assim, grande, em vez de uma classe objetiva,
uma dimenso porque h um contnuo objetivo chamado altura que vai do
baixo ao alto, mas, nesse contnuo, a diferena entre pequeno e
grande quantitativa,... uma diferena mais de grau do que de tipo
(ZACHAR e KENDLER, 2007, p. 559). Um segundo exemplo o da cartela
pantone, em que verificamos a diferena entre as cores mais por uma
graduao quantitativa entre vrios e diferentes tons do que por
estabelecimento rgido de limites ou por algum tipo de diferena
qualitativa uma perspectiva dimensional apresentaria, portanto, uma
graduao quantitativa, entre vrios e diferentes transtornos mentais,
de fatores comuns que os atravessam e que possibilitariam sua
classificao sem restringi-los a limites rgidos entre uma categoria
e outra, assim como as cores, na cartela pantone, variam mais
em
funo de seus graus do que das diferenas especficas entre uma e
outra. Para vislumbrarmos o alcance pretendido pelos formuladores
do DSM-V no
que concerne introduo de uma perspectiva dimensional na
classificao dos transtornos mentais, vale citar uma posio
sustentada por BERSTEIN (2011) e que, especialmente pela analogia
nela implicada, bastante surpreendente:
alguns aspectos da psicopatologia podero ser melhor
conceitualizados em termos de dimenses quantitativas (em analogia
com presso sangunea ou medidas de gordura no sangue) que meramente
em termos de categorias descontnuas.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
8
Pautados por esse tipo de proposio, os transtornos mentais
passariam a se distinguir, tal como acontece em diferentes doenas
orgnicas afetadas pelos ndices de presso sangunea ou de colesterol,
em funo de graus e quantidades de dimenses e no apenas pelos
limites rgidos entre categorias.
Para sustentarem a perspectiva dimensional, ROSANVILLE et al.
(2002) citam tambm a afirmao feita por CLONINGER (1999, p. 174-175)
quanto falta de evidncia emprica de limites naturais entre as
sndromes principais e ao fato de perspectiva categorial ser
fundamentalmente falha. Eles ainda vo nos lembrar de que HEMPEL
(1959/1961b) observava, na segunda metade do sculo passado, que as
cincias comeam suas classificaes utilizando categorias e, medida
que se desenvolvem, substituem estas ltimas por dimenses.
Neste texto em que a elaborao do DSM-V lida segundo o
referencial da psicanlise de orientao lacaniana, vale ressaltar que
esse mesmo lgico evocado por ROSANVILLE et al. tambm citado por
MILLER (2001/2006) no mbito de uma problematizao sobre a
classificao diagnstica em sade mental, mas o interesse de Miller
pelo paradoxo que podemos encontrar em Studies in the logic of
confirmation (HEMPEL, 1945/1961a) enquanto os pesquisadores
envolvidos com o DSM-V se voltam para Fundamentals of taxonomy
(HEMPEL, 1959/1961b).
De fato, se nos limitarmos ao Hempel tomado pelos problemas
taxonmicos, veremos que ele j previa mudanas na classificao dos
transtornos mentais e que vo se efetivar, ao que tudo indica, um
pouco mais de meio sculo depois, com o DSM-V. De incio, ele
reconhece que, de um modo estrito, classificar se faz na base do
sim-ou-no, de modo que uma classe (ou uma categoria) determinada
por alguns conceitos que representam as caractersticas que a
definem, e um objeto entra ou no dentro dessa classe caso tenha ou
lhe falte essas caractersticas definidoras (HEMPEL, 1959/1965b, p.
151). Entretanto, na pesquisa cientfica, os objetos estudados
frequentemente resistem a entrar em uma apertada casa de pombo
desse tipo porque apresentam traos que so capazes de gradao, e dos
quais um dado objeto pode ser exibido desde ento como tendo mais ou
menos essas demarcaes e apresentando em alguns graus as
caractersticas de diferentes classes (HEMPEL, 1959/1965b, p.
151-152).
HEMPEL (1959/1965b, p. 152) far, ento, a ordenao se sobrepor
classificao, dando lugar a distines mais sutis e a um
procedimento
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
9
quantitativo, no qual cada dimenso representada por uma
caracterstica quantitativa, permitindo o uso de poderosas
ferramentas de matemtica quantitativa, uma vez que leis e teorias
podem ser expressas em termos de funes que conectam diversas
variveis, e consequncias podem ser derivadas da, com o propsito de
predio ou de teste, graas a tcnicas matemticas.
No contexto especfico de uma abordagem dimensional dos
transtornos mentais, encontraremos proposies como: Sintomas
psicticos (positivos), sintomas negativos, sintomas manacos,
sintomas depressivos, deficincia cognitiva, ansiedade, sintomas
obsessivo-compulsivos, uso indevido (misuse) de substncia,
impulsividade, propenso ao suicdio, problemas alimentares,
problemas de sono e problemas sexuais em uma tabela proposta por
VIETA e PHILIPS (2007, p. 889-890) so dimenses que perpassam a
maioria dos transtornos mentais e, por conseguinte, os pacientes
poderiam ser estratificados de acordo com a dimenso especfica que
lhes estiver presente com leve, moderada ou grave intensidade ou se
ela lhes for totalmente ausente. Uma observao de ZACHAR e KENDLER
(2007, p. 561) tambm esclarecedora: a compulsividade uma dimenso e
no uma categoria porque no um fenmeno do tipo ou isso ou aquilo ela
realmente existe em graus. Em um contexto similar, GAEBEL e
ZIELASEK (2008, p. 41) destacam a alta frequncia de sintomas
tipo-psicose [psychosis-like] na populao em geral.
O interesse dos formuladores do DSM-V por uma classificao
categorial-dimensional dos transtornos mentais compatibiliza-se com
as bases neurocientficas e mesmo genticas4 que eles pretendem
consolidar. Devido aos laos entre dimenso, quantidade e avaliao de
medidas e escalas5, a efetivao desse interesse no DSM-V , portanto,
mais um indicativo dessa nova ontologia que MILLER (2007-2008) pde
formular nos termos de que, atualmente, ser ser cifrado. Nesse
contexto, embora a futura verso do DSM insista, do mesmo modo que a
atual e a anterior, em se
4 Nos dias 27 e 28 de julho de 2006, pesquisadores se reuniram
em Bethesda, Maryland para uma srie de
conferncias intitulada O futuro do diagnstico psiquitrico:
aprimorando a agenda de pesquisa e dedicada aos aspectos
dimensionais do diagnstico psiquitrico. Helena Kraemer, PhD da
Stanford University (Palo Alto, Califrnia), em sua interveno,
concluiu que chegou o momento para se adicionar diagnsticos
dimensionais no DSM e... a abordagem dimensional necessria em funo
de uma preparao para a futura incluso de elementos genticos,
resultantes de imagens escaneadas (imaging) e bioqumicos, nos
diagnsticos psiquitricos (Cf. site APA). Mais recentemente,
Hudziak, Achenbach, Althoff e Pine (2007) tambm justificam a
incluso de uma perspectiva dimensional no DSM-V para que se busque,
nas psicopatologias, seu substrato (underlying) gentico e neural
(p. S22). 5 Ver: WIDGER, SIMONSEN, SIROVATKA & REGIER, 2006;
HELZER, KRAEMER, KRUEGER,
WITTCHEN, SIROVATKA e REGIER, 2008; HARKAVY-FRIEDMAN, 2009.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
10
apresentar como a-terica, enorme sua proximidade com teorias
relacionadas ao que tem sido chamado de neurocincias, uma vez que,
com a introduo da perspectiva dimensional na classificao dos
transtornos mentais, trata-se de preparar para a possvel incluso,
nos futuros sistemas relativos a diagnsticos, de sinais genticos,
bioqumicos, derivados de imagens computadorizadas, ou outros
(KRAEMER, 2008, p. 15).
A perspectiva categorial fica presa a um binarismo do tipo sinal
de presena ou sinal de ausncia, limitando a quantificao a um mais
ou a um menos que no se conjugam. Logo, a incluso das dimenses no
DSM-V permitir, segundo seus formuladores, um melhor uso da
quantificao, tal como j tem sido frequente nas pesquisas sobre
personalidade baseadas na chamada psicologia dos traos e em testes
como o NEO PI-R (FLORES-MENDOZA, COLOM et al., 2006; COSTA &
McCRAE, 2007). Em vez de uma descontinuidade entre uma categoria e
outra, poder-se- encontrar uma continuidade, mas sem que isso
implique a elevao de ndices da chamada comorbidade. A
descontinuidade em jogo na perspectiva dimensional, segundo os
formuladores do DSM-V, no deve ser confundida com o que poderia ser
tomado mais rapidamente como fluido ou mesmo falho, porque o mais
ou menos, as diferentes intensidades que ela introduz recebem um
tratamento matemtico do tipo anlise fatorial, tal como j
encontramos nas escalas utilizadas pelo NEO PI-R. Ainda a ser
efetivado por minha investigao atual, um estudo mais aprofundado
desse instrumento matemtico poder ajudar-nos a esclarecer ainda
mais a noo de dimenso que perpassar todo o DSM-V.
Os transtornos psicticos devem ganhar, com o DSM-V, nuances que
a perspectiva categorial da verso atual no consegue apreender: H
evidncia de uma contnua distribuio de sintomas positivos de psicose
na populao em geral e, assim, quando se identifica certo ponto
quanto a esse contnuo como um broto da doena, uma definio
categorial cria uma descontinuidade que pode no existir (HELZER,
WITTCHEN, KRUEGER & KRAEMER, 2008, p. 120)6. Na classificao
categorial, portanto, haveria transtorno psictico apenas quando ele
despontasse claramente, como em um surto, um delrio. O DSM-V
pretende ultrapassar tal limitao e aceder, graas incluso de uma
perspectiva dimensional, ao que pode estar latente.
6 Ver, a este propsito, o texto de ALLARDYCE, SUPPES & OS
(2008), base desta argumentao.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
11
O termo latente, sem dvida, ganhou com a obra de Freud um valor
clnico inestimvel, mas essa procedncia psicanaltica parece-me
ironizada, para no dizer desprezada, pelas aspas entre as quais
esse termo aparece, quando HELZER, WITTCHEN, KRUEGER e KAREMER
(2008) explicitam como o DSM-V vem sendo construdo, ao contrrio da
verso atual, de baixo para cima (bottom-up):
um amplo corpo de dados relativos a sintomas coletado de
respondentes na populao em geral, e a anlise estatstica usada para
determinar quais sintomas se aglomeram em sndromes (p. 122) a
principal vantagem de uma definio do tipo de baixo para cima
permitir uma sondagem mais completa da subjacente e latente
estrutura dos transtornos (p. 125, grifos meus).
Ora, na psicanlise de orientao lacaniana, j conjugamos dimenso e
categoria na aferio de diagnsticos pelo menos desde 1998 (LAIA,
2009), mas empregamos o termo categoria e, mais ainda, o termo
dimenso de maneira muito diferente do que tenho detectado na
formulao do DSM-V. Assim, a psicanlise de orientao lacaniana tem
sustentado, por exemplo, que as psicoses ordinrias so to discretas
que podem passar despercebidas por uma perspectiva binria e
categorial relacionada unicamente ausncia de uma referncia
fundamental (designada por Lacan como Nome-do-Pai) nas tramas que
constituem a vida de um sujeito (DE GEORGES, HENRY e MILLER,
1999).
O fato de a noo de dimenso, para o DSM-V, tornar-se cada vez
mais importante no se separa de uma abertura maior e, segundo seus
critrios, mais precisa, quantificao, estatstica, ou seja, a coisas
mensurveis. Entretanto, o DSM-V, mesmo pretendendo avanar com relao
aos impasses da atual verso, tender a fazer desaparecer ainda mais
a clnica medida que vai radicalizar o procedimento que LACAN
(1966/2001), em O lugar da psicanlise na medicina, j localizava
como o fim da clnica mdica. Atravs desse procedimento, o que
desaparece, como elucida LEGUIL (2011, p. 41-47) no exatamente o
corpo do paciente (que se tornar cada vez mais objeto dos
protocolos, das neuroimagens, etc, transmutando-se em coisa
mensurvel), mas o corpo daquele que deveria responsabilizar-se pelo
diagnstico e pela direo do tratamento. Assim, aquele que
diagnostica e dirige o tratamento tender a ser cada vez mais diludo
na verso do DSM que, pautada em escalas matemticas para se medir as
dimenses, poder se apresentar cada vez mais como no-autoral e
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
12
a-terica, embora seja de fato bastante comprometida com os
autores e as teorias das chamadas neurocincias.
Por sua vez, Lacan usou o termo dimenso para se referir a uma
substncia diferente da famosa substncia extensa ressaltada por
Descartes quanto ao corpo, mas que uma substncia do corpo, o gozo
como propriedade do corpo vivo porque ele se goza por ser
corporizado de maneira significante (LACAN, 1972-1973/1975, p. 26).
Mas enquanto o questionamento do binarismo presena-ausncia da
classificao categorial nos aproxima das coisas de fineza em
psicanlise (MILLER, 2011), a perspectiva dimensional do DSM-V,
derivada da quantificao e da estatstica, ainda se manter refm do
que Descartes situou como o partes extra partes da substncia
extensa (LACAN, 1972-1973/1975, p. 26).
Incomensurabilidade
Ora, na psicanlise de orientao lacaniana, a perspectiva
dimensional aquela de um modo de satisfao corporificado nos
sintomas e que, como tem elucidado MILLER (2011), no se negativiza,
no mensurvel, ainda que essa satisfao possa se comportar como uma
quantidade. A esse propsito, FREUD (1894/1976, p. 73), nos
primrdios da psicanlise, j me parece mais atual e clnico do que o
futuro DSM-V:
nas funes mentais deve ser distinguida alguma coisa uma soma de
afeto ou soma de excitao que apresenta todas as caractersticas de
uma quantidade (embora no disponhamos de meios para medi-la), capaz
de crescimento, diminuio, deslocamento e descarga, e que se espalha
sobre os traos de memria das ideias, tal como uma carga eltrica se
expande na superfcie de um corpo.
Na investigao dessas questes, meu atual projeto de pesquisa j me
permite sustentar que, mesmo deparando com problemas semelhantes e
relacionados ao que no se limita uma perspectiva categorial e
descontnua na classificao diagnstica, as solues que vm sendo
apresentadas na formulao do DSM-V so muito diferentes daquelas que
so inventadas ao longo de um processo psicanaltico. Afinal, tanto
FREUD (1911/2010, 1915/2010 e 1917/1976) quanto LACAN (1964/1973) j
nos mostravam que, sem a transferncia, sem a entrega que um
analista faz de seu corpo como um objeto onde vai se localizar o
que afeta o analisante como uma excitao
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
13
que tem as caractersticas de uma quantidade incomensurvel, no h
como tal analisante cingir o que est efetivamente me jogo na sua
economia libidinal, nos seus sintomas, na sua vida.
Os valores clnicos e ticos dessas diferenas me levam a
problematizar, tambm, as consequncias dos propsitos dos
formuladores o DSM-V de medir o que para Freud foi situado como
incomensurvel. Para tais formuladores, isso pode ser apenas um
resultado do avano da cincia, mas, para a psicanlise de orientao
lacaniana, a incomensurabilidade em jogo no gozo do sintoma no um
sinal de pouco avano cientfico: marca um real sem o qual o exerccio
da clnica torna-se mera ortopedia.
Estrutura organizacional do DSM-V e orientao lacaniana
Segundo informao recentemente divulgada no site em que
formuladores do DSM-V publicam seus avanos na elaborao desse Manual
e disponibilizam espao para comentrios e crtica, essa futura verso
apresentar uma estrutura
organizacional diferente da atual7. O propsito da mudana com
relao ao DSM-IV tornar a verso V capaz de melhor refletir os avanos
cientficos do nosso entendimento dos transtornos psiquitricos,
diagnosticar mais facilmente e ser clinicamente mais amigvel
(clinician-friendly) (AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2011).
Assim, todos os captulos do DSM-V vo ser organizados na forma da
vida em desenvolvimento (developmental lifespan fashion), comeando
com os Transtornos do Neurodesenvolvimento (frequentemente
diagnosticados na infncia), e progredindo para reas de diagnstico
que so mais comumente diagnosticadas na vida adulta (AMERICAN
PSYCHIATRY ASSOCIATION, 2011). Segundo essa mesma lgica
desenvolvimentista, em cada uma das futuras categorias dos
transtornos diagnosticados, aqueles que aparecem na infncia sero
listados primeiro. Na ordem proposta, procurou-se tambm colocar
como prximas s reas de diagnstico que tm maior relao umas com as
outras; por exemplo, foi criada a categoria especfica do
7 Para as informaes sobre o DSM-V referentes a esta parte deste
artigo, ver:
http://www.dsm5.org/proposedrevision/Pages/proposed-dsm5-organizational-structure-and-disorder-names.aspx
.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
14
Transtorno bipolar e de outros transtornos relacionados e ela
ser situada logo em seguida ao Espectro da Esquizofrenia e outros
transtornos psicticos.
Segundo essas orientaes, a estrutura dos captulos proposta :
A) Transtornos do Neurodesenvolvimento: A 00-01 Transtornos do
Desenvolvimento Intelectual A 02-04 Transtornos de Comunicao A 05
Transtorno do Espectro do Autismo A 06-07 Transtorno de Dficit de
Ateno/Hiperatividade A 08 Transtorno de Aprendizagem Especfica A
09-16 Transtornos Motores
B) Espectro da Esquizofrenia e outros Transtornos Psicticos B 00
Transtorno da personalidade esquizotpica B 01 Transtorno Delirante
(Delusional Disorder) B 02 Transtorno Psictico Breve B 03
Transtorno Psictico Induzido por Substncia B 04 Transtorno Psictico
Associado a Outra Condio Mdica B 05 Transtorno Catatnico Associado
a Outra Condio Mdica B 06 Transtorno Esquizofreniforme B 07
Transtorno Esquizoafetivo B 08 Esquizofrenia B 09 Transtorno
Psictico Sem Outra Especificao B 10 Transtorno Catatnico Sem Outra
Especificao
C) Transtorno Bipolar e seus correlatos (Bipolar and Related
Disorders) C 00 Transtorno Bipolar I C 01 Transtorno Bipolar II C
02 Transtorno Ciclotmico C 03 Transtorno Bipolar Induzido por
Substncia C 04 Transtorno Bipolar Associado com Outra Condio Mdica
C 05 Transtorno Bipolar Sem Outra Especificao
D) Transtornos Depressivos D 00 Transtorno da Desregulao da
Disrupo do Humor D 01 Transtorno Depressivo Maior Episdio nico D 02
Transtorno Depressivo Maior Recorrente D 03 Transtorno Distmico D
04 Transtorno Disfrico Pr-menstrual D 05 Transtorno Depressivo
Induzido por Substncia D 06 Transtorno Depressivo Associado a Outra
Condio Mdica D 07 Transtorno Depressivo Sem Outra Especificao
E) Transtornos de Ansiedade E 00 Transtorno de Ansiedade de
Separao E 001 Transtorno de Pnico E 00 2 Agorafobia
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
15
E 00 3 Fobia Especfica E 00 4 Transtorno de Ansiedade Social
(Fobia Social) E 00 5 Transtorno de Ansiedade Generalizada E 00
6-11 Transtorno de Ansiedade Induzido por Substncia E 00 12
Transtorno de Ansiedade Associado a Outra Condio Mdica E 13
Transtorno de Ansiedade Sem Outra Especificao - Ataque de Pnico (no
considerado como um Transtorno codificado, mas
como uma Espcie descritiva (descriptive Specifier) passvel de
ser encontrada tanto nos Transtornos de Ansiedade como em outros
tipos de Transtornos)
F) Transtorno Obsessivo-Compulsivo e seus correlatos F 00
Transtorno Obsessivo-Compulsivo F 01 Transtorno Dismrfico-Corporal
F 02 Transtorno de Acumulao (Hoarding Disorder) F 03 Transtorno de
Puxar-Cabelo (Tricotilomania) F 04 Transtorno de Escarificao
(Picking Sicking Disorder) F 05 Transtorno Obsessivo Compulsivo
Induzido por Substncia ou Transtornos Correlatos F 06 Transtorno
Obsessivo Compulsivo Sem Outra Especificao ou Transtornos
Correlatos
G) Transtorno Traumtico e de Stress e seus correlatos G 00
Transtorno de vinculao reativa G 01 Transtorno de Compromisso
Social Desinibido G 02 Transtorno de Stress Agudo G 03 Transtorno
de Stress Ps-traumtico G-04 Transtornos de Ajustamento G-05
Transtorno Traumtico ou de Stress Sem Outra Especificao e seus
correlatos.
H) Transtornos Dissociativos H 00 Transtorno de
Despersonalizao-Desrealizao H 01 Amnsia Dissociativa H 02
Transtorno Dissociativo de Identidade H 03 Transtorno Dissociativo
Sem Outra Especificao
J) Transtornos Somtico-Sintomticos (Somatic Symptom Disorders) J
00 Transtorno Somtico-Sintomtico J 01 Transtorno Hipocondraco
Ansioso J 02 Transtorno Conversivo (Transtorno Neuro-Funcional
Sintomtico) J 03 Fatores Psicolgicos Afetados por uma Condio Mdica
J 04 Transtorno Factcio J 05 Transtorno Somtico-Sintomtico Sem
Outra Especificao
K) Transtornos Alimentares e de Nutrio (Feeding and Eating
Disorders) K 00 Lambiscar (Picar) K 01 Transtorno de Ruminao
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
16
K 02 Transtorno de Ingesto Alimentar Restritiva ou de
Impedimento (Avoidant/Restrictive Food Intake Disorder) K 03
Anorexia Nervosa K 04 Bulimia Nervosa K 05 Transtorno de Compulso
Alimentar Peridica (Binge Eating Disorder) K 06 Transtorno
Alimentar Sem Outra Classificao
L) Transtornos de Eliminao: L 00 Enurese L 01 Encoprese
M) Transtornos do Sono e do Despertar M 00 Transtorno de Insnia
M 01 Transtornos de Hipersonolncia M 02 Deficincia
Narcolepsia/Hiprocretina M 03 Sndrome de Sono Obstrudo Apneia,
Hipopneia M 04 Apneia Central do Sono M 05 Hipoventilao relacionada
com o Sono M 06 Transtorno do Ritmo Circadiano do Sono e do
Despertar M 07 Transtorno do Levantar (Arousal Disorder) M 08
Transtorno de Pesadelo M 09 Transtorno do Comportamento do
Movimento Rpido dos Olhos (REM) no Sono M 10 Transtorno das Pernas
Inquietas M 11 Transtorno do Sono Induzido por Substncia
N) Disfunes Sexuais N 00 Transtorno da Ereo N 01 Transtorno
Orgstico Feminino N 02 Ejaculao Atrasada N 03 Ejaculao Precoce N 04
Transtorno Feminino do Interesse/Excitao Sexual N 05 Transtorno
Masculino do Desejo Sexual Hipoativo N 06 Transtorno da Penetrao
Plvico-Genital Dolorosa N 07 Disfuno Sexual Induzida por
Substncia/Medicao N 08 Disfuno Sexual Sem Outra Especificao
P) Disforia de Gnero P 00 Disforia de Gnero em Crianas P 01
Disforia de Gnero em Adolescentes ou Adultos
Q) Transtornos de Conduta, de Controle do Impulso e da Disrupo
(Disruptive, Impulse Control and Conduct Disorders) Q 00 Transtorno
de Desafio Opositivo Q 01 Transtorno de Exploso Intermitente Q 02
Transtorno de Conduta Q 03 Transtorno da Personalidade Dissocial Q
04 Transtorno do Comportamento de Disrupo Sem Outra Especificao
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
17
R) Transtornos de Adio e de Uso de Substncias R 00-04
Transtornos Associados ao lcool R 05-07 Transtornos Associados
Cafena R 08-11 Transtornos Associados Cannabis R 12-15 Transtornos
Associados a Alucingenos R 16-18 Transtornos Associados a Inalantes
R19-22 Transtornos Associados a Opiides R 23-26 Transtornos
Associados a Sedativos/Hipnticos R 27-30 Transtornos Associados a
Estimulantes R 31-32 Transtornos Associados ao Tabaco R 33-36
Transtornos Associados a Substncias Desconhecidas R 37 Transtornos
de Jogo
S) Transtornos Neurocognitivos S 00-02 Delirium S 03 Transtorno
Neurocognitivo Leve S 04 Transtorno Neurocognitivo Maior
T) Transtornos da Personalidade T 00 Transtorno da Personalidade
Borderline T 01 Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva T
02 Transtorno da Personalidade Aversiva T 03 Transtorno da
Personalidade Antissocial (Transtorno Dissocial da Personalidade) T
04 Transtorno da Personalidade Narcsica T 05 Transtorno da
Personalidade com Trao Especificado
U) Transtornos de Parafilias U 00 Transtorno Exibicionista U 01
Transtorno Fetichista U 02 Frotteurismo U 03 Transtorno de
Pedofilia U 04 Transtorno de Masoquismo Sexual U 05 Transtorno de
Sadismo Sexual U 06 Transtorno Travestismo U 07 Transtorno
Voyeurstico U 09 Transtornos de Parafilias Sem Outra
Especificao
V) Outros Transtornos V 01 Leses que no so autosuicidas V 02
Transtorno do Comportamento Suicida
Tomando como referncia essa estrutura organizacional e o que j
pude investigar sobre a formulao do DSM-V em contraposio noo
lacaniana de sintoma, me parece importante analisar com mais
cuidado os seguintes diagnsticos:
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
18
1) Transtorno do Espectro do Autismo: a noo de espectro , antes
mesmo da publicao do DSM-V, amplamente utilizada por quem se ocupa
desse tipo de enfermidade. A prpria BERSTEIN (2011) salienta tal
antecedncia e me permite justificar o interesse de investigar
melhor a categoria do Autismo na medida em que ela comporta uma
ampla utilizao da noo de espectro: tal noo implica uma abordagem
continusta e comporta melhor a localizao e a mensurao de dimenses,
em contraponto descontinuidade especfica de uma categoria em relao
a outra.
2) Espectro da Esquizofrenia e outros Transtornos Psicticos:
embora alguns formuladores do DSM-V e outros pesquisadores que lhe
so prximos defendam uma desconstruo da psicose (TAMMINGA,
SIROVATKA, REGIER e VAN OS, 2010), verificamos o quanto ela lhes
incontornvel, mesmo que tal desconstruo implique sua circunscrio em
uma perspectiva neurobiolgica e gentica. Nessa perspectiva,
chega-se a considerar que a lacuna (gap) entre a prtica diagnstica
corrente e o fentipo natural da psicose distribudo na populao em
geral poder ser preenchida (TAMMINGA, SIROVATKA, REGIER e VAN OS,
2010, p. XXII, grifos meus). tambm no mbito de investigaes sobre o
Espectro da Esquizofrenia que encontraremos a expresso mental
disorder in nature (transtorno mental natural) que, a meu ver,
dever ser contraposta ao que, com LACAN (1975, 1975-1976) poderemos
chamar de o real do sintoma. A orientao lacaniana, como temos
visto, tambm nos permite dar ao delrio e, por conseguinte, psicose,
uma dimenso universal sem que no entanto isso nos leve a sustentar
que ela seja natural (BATISTA e LAIA, 2010). Interessa-me, no
desdobramento de minha atual investigao sobre o DSM-V e a orientao
lacaniana, elucidar tais diferenas entre o transtorno mental in
nature e o real do sintoma.
3) Transtorno Obsessivo-Compulsivo e seus correlatos; Transtorno
Traumtico e seus correlatos Estressores; Transtornos Dissociativos
e Transtornos Somtico-Sintomticos: no que se refere a esses
diagnsticos, parece-me importante investigar como eles se aproximam
e se diferenciam daqueles de Neurose
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
19
Obsessiva e Histeria, estabelecidos singularmente por Freud, mas
h muito tempo j descartados pelo DSM.
4) Transtornos da Personalidade: BERSTEIN (2011), afirma que
ainda so poucas as concepes psicopatolgicas que utilizam espectros
e dimenses; por isso, a primeira verso do DSM-V ainda no poder
suplementar ou substituir as categorias completamente. Ora, as
dimenses j so amplamente utilizadas em pesquisas sobre
personalidade e, nesse vis, me parece fundamental evidenciar como
os transtornos de personalidade vo ser considerados no DSM-V. A
perspectiva dimensional encontrar sua principal referncia nos
transtornos de personalidade (ROSANVILLE et all, 2002, p. 12; FIRST
et all, p. 123 e ss), isto , na categoria que apresentava, no
DSM-IV-TR, um enorme ndice de atribuio diagnstica do tipo ...Sem
Outra Especificao (SOE). Assim, me parece possvel sustentar que,
com o DSM-V, assistiremos a uma transposio,
para o campo do diagnstico, de uma antigo conto de fadas: o
patinho feio vai virar cisne. Logo, como as dimenses so importantes
para o DSM-V, decisivo investigar um pouco mais os transtornos da
personalidade e averiguar em que a afirmao, proferida por LACAN
(1955-1956) de que a psicose a personalidade aponta para o que h de
real e no in nature nos sintomas.
Referncias Bibliogrficas
ALLARDYCE, J., SUPPES, T. & OS, J. (2008) Dimensions and the
psychosis phenotype. In: HELZER, J. E., KRAEMER, H. C., KRUEGER, R.
F., WITTCHEN, H.-U., SIROVATKA, P. J. e REGIER, D. A. Dimensional
approaches in diagnostic classification: refining the research
agenda for DSM-V. Arlington: APA, p. 115-64.
AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION (APA) (2002). Manual Diagnstico
e estatstico de transtornos mentais. Porto Alegre: Artmed (ed.
rev.).
AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION (APA) (2011). Proposed DSM-5
organizational structure and disorders names. Disponvel em:
http://www.dsm5.org/proposedrevision/Pages/proposed-dsm5-organizational-structure-and-disorder-names.aspx)
BERSTEIN, C. A. (2011) Meta-structure in DSM-5 process.
Psychiatric News, n. 46. Disponvel em:
http://psychnews.psychiatryonline.org/newsarticle.aspx?articleid=108259&RelatedNewsArticles=true
Acesso em: 3 de abril de 2011.
BROWN, G.W., HARRIS, T.O. & EALES, M. J. (1996). Social
factors and comorbidity of depressive and anxiety disorders.
British Journal of Psychiatry, n. 168 (suppl 30), p. 50-57.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
20
CLONINGER, C.R. (1999) A new conceptual paradigm from genetics
and psychobiology for the science of mental health. Australian New
Zealand Journal of Psychiatry, n. 33, p. 174186.
COSTA, P. T. & McCRAE, R. R. (2007) Neo PIR-R: inventrio de
personalidade NEO revisado e inventario de cinco fatores NEO
revisado NEO-FFI-R (verso curta), Manual. So Paulo: Vetor.
DE GEORGES, P., HENRY, F., JOLIBOIS, M. & MILLER, J.-A. (d)
(1999). La psychose ordinaire. Paris: Agalma.
FLORES-MENDOZA, C., COLON, R. et al. (2006) Introduo psicologia
das diferenas individuais. Porto Alegre: Artmed.
FREUD, S. (1894/1976) As neuropsicoses de defesa. In: ____Edio
standard brasileira das obras psicolgicas completas. Rio de
Janeiro: Imago, volume III, p. 85-100.
FREUD, S. (1912/2010) A dinmica da transferncia. In: ____ Obras
completas. So Paulo: Companhia das Letras, v. 10, p. 133-146.
FREUD, S. (1915/2010) Observaes sobre o amor de transferncia.
In: ____ Obras completas. So Paulo: Companhia das Letras, v. 10, p.
210-228.
FREUD, S. (1917/1976) Terapia analtica. In: ____Edio standard
brasileira das obras psicolgicas completas. Rio de Janeiro: Imago,
volume XVI, p. 523-539.
GAEBEL, W. & ZIELASEK, J. (2008) The DSM-V initiative
deconstructing psychosis in the context of Kraepelins concept on
nosology. European Archives of Psychiatry and Clinical
Neuroscience, n. 258 (supplement 2), p. 41-47.
HARKAVY-FRIEDMAN, J. M. (2009) Dimensional approaches in
diagnostic classification: refining the research agenda for DSM-V.
American Journal of Psychiatry, n. 166, p. 118-119.
HELZER, J. E., KRAEMER, H. C., KRUEGER, R. F., WITTCHEN, H.-U.,
SIROVATKA, P. J. & REGIER, D. A. (2008) Dimensional approaches
in diagnostic classification: refining the research agenda for
DSM-V. Arlington: APA, p. 115-128.
HELZER, J. E., WITTCHEN, H.-U., KRUEGER, R. & KRAEMER, H. C.
(2008) Dimensional options for DSM-V: the way forward. In: HELZER,
J. E., KRAEMER, H. C., KRUEGER, R. F., WITTCHEN, H.-U., SIROVATKA,
P. J. e REGIER, D. A. Dimensional approaches in diagnostic
classification: refining the research agenda for DSM-V. Arlington:
APA, p. 115-128.
HEMPEL, C. G. (1945/1965a) Studies in the logic of confirmation.
In: HEMPEL, C. G. Aspects of scientific explanations and other
essas in the Philosophy of Science. New York, The Free Press, p.
3-52.
HEMPEL, C. G. (1959/1965b) Fundamentals of taxonomy. In: HEMPEL,
C. G. Aspects of scientific explanations and other essas in the
Philosophy of Science. New York, The Free Press, p. 3-52.
KENDLER, K.S. (1996) Major depression and generalized anxiety
disorder: same genes, (partly) different environments - revisited.
British Journal of Psychiatry, n. 168 (suppl 30), p. 68-75.
KENDLER, K. S. & GARDNER, C. O. (1998) Boundaries of major
depression: an evaluation of DSM-IV criteria. American Journal of
Psychiatry, n. 155, p. 172-177.
KRAEMER, H. C. (2008) DSM categories and dimensions in clinical
and research contexts. In: HELZER, J. E., KRAEMER, H. C., KRUEGER,
R. F., WITTCHEN, H.-U., SIROVATKA, P. J. & REGIER, D. A.
Dimensional approaches in diagnostic classification: refining the
research agenda for DSM-V. Arlington: APA, p. 5-17.
-
CliniCAPS, Vol 5, n 15 (2011) Artigos
21
KRUEGER, R.F. & BEZDJIAN, S. (2009) Enhancing research and
treatment of mental disorders with dimensional concepts: toward
DSM-V and ICD-11. World Psychiatry, n. 8, p. 3-6.
KUPFER, D. J.; FIRST, M. B. & REGIER, D. A. (2002) A
research agenda for DSM-V. Washington, APA.
LACAN, J. (1960/1966) Subversion du sujet et dialectique du dsir
dans linconscient freudien. In: crits. Paris: Seuil, p.
793-827.
LACAN, J. (1966/2001) O lugar da psicanlise na medicina. Opo
lacaniana. So Paulo, n. 32, p. 8-13, dezembro.
LACAN, J. (1972-1973/1975) Le sminaire. Livre XX: encore. Paris:
Seuil.
LACAN, Jacques. (1973/2001) Introduction ldition allemande dun
premier volume des crits. In: Autres crits. Paris: Seuil.
LAIA, S. (2009) A psicose ordinria como programa de investigao
(notas para um trabalho em andamento). Arquivos da Biblioteca, v.
6, p. 129-137.
LEGUIL, F. (2011) As demandas contemporneas feitas psicanlise:
as condies da clnica hoje. In: Curinga, n. 33, Belo Horizonte, p.
19-48.
MILLER, J.-A. (1988/1996) Clnica irnica. In: Matemas I. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, p. 190-200.
MILLER, J.-A. (2001/2006) A arte do diagnstico: o rouxinol de
Lacan. Curinga, n. 23, novembro, p. 15-33.
MILLER, J.-A. (2007-2008) Cours de Orientation Lacanienne III,
10: Tout le monde est fou. Paris, Dpartement de Psychanalyse de la
Universit de Paris VIII (indito).
MILLER, J.-A. (2011) Perspectivas dos Escritos e Outros Escritos
de Lacan, entre desejo e gozo. Rio de Janeiro: Zahar.
PASCAL, B. (1650/1996) Pensamentos. Rio de Janeiro: Ediouro.
REGIER, D. A. (2007) International Journal of Methods in
Psychiatric Research, n. 16, p. S1-S5. Disponvel em . Acesso em
10/08/2009.
ROSANVILLE, B.J., ALARCN, R. D., ANDREWS, G., JACKSON, J. S.
KENDELL, R.E. & KENDLER, K. (2002) Basic nomenclature issues
for DSM-V. In: KUPFER, D.J., FIRST, M.B. & REGIER, D.A. A
research agenda for DSM-V. Washington, APA, p. 1-29.
VIETA, E. & PHILIPS, M. (2007) Deconstructing bipolar
disorder: a critical review of its diagnosis validity and a
proposal for DSM-V and ICD-11. Schizophrenia Bulletin, v. 33, n. 4,
June, p. 886-892.
WIDGER, T.; SIMONSEN, E.; SIROVATKA, P. J. & REGIER, D. A.
(2006) Dimensional models of personality disorders. Refining the
Research Agenda for DSM-V. Washington, APA.
ZACHAR, P. & KENDLER, K. S. (2007) Psychiatric disorders: a
conceptual taxonomy. American Journal of Psychiatry, n. 164, p.
557-566.
Recebido em Setembro de 2012 Aceito em Novembro de 2012