Ceu, inferno o sincretismo faz-se na cabeca de Evandro e S(lvlll, que, nao a rindo rigorosamente a nenhum dos culte I podem com maier desenvoltura armar esquemas de S(JlI bolos e meraforas que transitam pelos dois universos e (I a br ac am c om 0 b ri lh o s ed ut or da s im ag en s: a ssi rn , Di nisos transformado em pao e vinho, e 0 Cristo da eucari si h i disrribuida aos pobres. Alias, e muito bela a intuic o de IIIt culto em que todos comungam, fraternos, a santidadc d n trigo e da uva, superando, deste modo, a fase selvagern d \l a nt ro p of a gi a e d a e sc ra vi da o, p ra ti ca s q ue r er na ne sc em d l' ur n m und o ar ca ico e v iol en to. Se a s p ri mi ti va s ba ca nte s (111I de li ri o ma ta vam a d en ta das to ur os e v ac as e comiam CI 't! I a s s ua s c ar nes , a s c om un id ade s o rfi ca s p os te rio re s, i gL I1 d mente sagradas a Dionisos, guardavam 0 jejum e absl n ha rn- se e sc rup ul osa me nt e de i ng er ir c arn e. O rf eu cantu, purifi ca , liberta. F ic a a ss im a da ra do ( em p art e, c re io ) 0 simbolismo e l n ti tulo cent ral: Sol subterrdneo. E t od o u rn m ov ir nen tu II sentido que se reconhece na imagem fe ita de 1uze treva, II o pr es sa o e espe ra n c; : a,A p ar ti r d el a t al vez s e i lu mi ne m III I lhor os caminhos deste narrador surpreeridente que III oitenta anos ainda nos delta frutos tao doces e tao fres 'II~ Um prirneiro caminho que foi sendo balizado pela obsc sao do carcere e pelas marcas de medo e angustia q m: II correm no dia-a-dia do suspeito, do perseguido, do pn:liIIl do exilado, numa palavra, do hOJ11emque vive em esm III subrerraneo. E urn outro caminho, de saida, que ja n5tl I b as ta co m 0 ceu do presente, mas quer abracar urn lllw'lo d e se r l ivr e mo de lar me nt e a rr ib ui do ao ci da dao a nt igo "d urn tempo em que os ritos do povo falavam no advento 'Iii ur n re in o d e ju st ic a, 98.. "A maquina do mundo" entre 0 simbolo e a alegoria "N . atu re,enchantere sse sans pi tie, riva le touj ours vicr orie use , lais se-moi! C es se d e t en te r m es d es ir s et rnon orgu eil!" Charles Baudelaire , "Le confiteor de I' artiste", e m L e s pl ee n d e P ar is o primeiro contato com '~maquina do mund " m u de Car. lo s Drummond de Andrade. c id 0 Pl°~- , onV1 a a u ma .el~ turu metafisica . Desde 0 titulo u ni ve r sa l n b A I "l'. ,. a sua a rangen- .1 , I . " ee se ao em I JI lt ra po nt o, p as san do p el o t om gr av e d e a da gi o f il os of i- I ) que longamente 0 sustenta. S eo c rf ti co e versado nas correnres fenomenol6gica s tCl.1ta<;:ao ed. retomar 0 exernplo de He'd' . I' tl HI' '. . 1 egger que, en- o oe derlin, inte preta as seus poem "0 '" II I n b'" . as retorno e -;:.? ,em, ranca com~ citras d e u ma r el ac ao e nt re 0 Ser-aqui Damn) e 0 s eu h or rz on te o ll to 16 gi c o, t ra ns pe s soa l, l 0 pr o- D r~ ff im ~( nd t al ve z n os e nc or aj as se a t ri lh ar e ss e c ar ni - ao sit uar :A . maquina do mundo" entre as "'T . lentatrvas l l~ ~2 ~a rt in H ei de gg er , A p pr oc he d e H o e! de rl in , Par is, Gall i~
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o sincretismo faz-se na cabeca de Evandro e S(lvlll,
que, nao aderindo rigorosamente a nenhum dos culte I
podem com maier desenvoltura armar esquemas de S(JlI
bolos e meraforas que transitam pelos dois universos e (I
abracam com 0 brilho sedutor das imagens: assirn, Di
nisos transformado em pao e vinho, e 0Cristo da eucarisi h idisrribuida aos pobres. Alias, e muito bela a intuicao de IIIIt
culto em que todos comungam, fraternos, a santidadc d n
trigo e da uva, superando, deste modo, a fase selvagern d \l
antropofagia e da escravidao, praticas que rernanescem d l'
urn mundo arcaico e violento. Se asprimitivas bacantes ( 1 1 1 I
delirio matavam a dentadas touros e vacas e comiam CI't! I
as suas carnes, as comunidades orficas p os te rio re s, i gL I1 d
mente sagradas a Dionisos, guardavam 0 jejum e absl
nharn-se escrupulosamente de ingerir carne. Orfeu cantu ,
purifica, liberta.
Fica assim adarado (em parte, creio) 0 simbolismo e l ntitulo central: Sol subterrdneo. E todo urn movirnentu IIsentido que se reconhece n a im ag em fe ita de 1uze t re va , I I
opressao e esperanc;:a,A partir dela talvez se iluminem IIII
lhor os caminhos deste narrador surpreeridente que III
oitenta anos ainda nos delta frutos tao doces e tao fres 'II~
Um prirneiro caminho que foi sendo balizado pela obsc
sao do carcere e pelas marcas de medo e angustia qm: II
correm no dia-a-dia do suspeito, do perseguido, do pn:l iIIl
do exilado, numa palavra, do hOJ11emque vive em esm III
subrerraneo. E urn outro caminho, de saida, que ja n5tl Ibasta com 0 ceu do presente, mas quer abracar urn lllw'lo
de ser l ivre modelarmente arribuido ao cidadao antigo"d
urn tempo em que os ritos do povo falavam no advento ' I i iurn reino de justica,
98..
"A maquina d o m u nd o"
entre 0 s im b olo e a a leg oria
"N. ature,enchanteresse sans pitie,
rivale toujours vicrorieuse, laisse-moi!
Cesse de tenter mes desirs et rnon orgueil!"
Charles Baudelaire, "Le confiteor
de I'artiste", e m L e s pl ee n d e P ar is
o primeiro contato com '~maquina do mund "
m u de Car.lo s Drummond de Andrade. c id 0 Pl°~-, onV1 a a uma .el~turu metafisica. Desde 0 titulo universal n b A
I"l'. ,. a sua a rangen-
.1 , ate as nguras do eu e do mundo que n I d-. " ee se ao emIJIltraponto, passando pelo tom grave de adagio filosofi-
I)que longamente 0 sustenta.
Seo crftico e versado nas correnres fenomenol6gicas
tCl.1ta<;:aoed. retomar 0exernplo de He'd' . I'tl HI' '. . 1 egger que, en-o oe derlin, interpreta as seus poem "0 '"
II I n b'" . as retorno e -;:.?
,em, ranca com~ citras de uma relacao entre 0Ser-aqui
Damn) e 0seu horrzonte ollto16gico, transpessoal,l 0 pro-
Dr~ffim~(nd talvez nos encorajasse a trilhar esse carni-
ao situar :A . maquina do mundo" entre as "'T .lentatrvas
ll~~2~artin Heidegger, A p pr oc he d e H o e! de rl in , Paris, Galli~
a rnaquina do mundo; e carpir-se pelo fato de ° ter deseja-do outrora. Carpir-se: a palavra e forte, quer dizer "lamen-tar-se", "chorar de arrependimenro"; e, se a lermos no sell
registro arcaizanre, que, de resto, afina com a diccao do pot:..
ma, vale "arrancar os cabelos de dar" , como 0azem as car-
pideiras no velar do morto. Mais adiante, 0 poeta recorda
108
"A rnaquina do mundo" entre 0 s imbolo e a alegoria ~~~c.lLL
.\ru - l b z n CGu--~ '(rS7 Q_J
r a as "defuntas crencas" em uma realidade que seja inteli-
gIvel para 0 homern.
Hi, pois, uma hist6ria por tras desta oferta a prirnei-ra vista gratuira e rnisteriosa; e e uma historia de esqui-vancas e de malogros reiterados,
'V.ffJ j , , 1 . 1 1 "l~ &;)
Da aber tu r a a o co n v it e c - /, 0 t,CL~Ln ~~~
~<A ...._ 'VV\ 'VV\p "V\.J___.:_
o s e rmo su bl im i s convem a este relance de figuracao
'osmica, cujo rnodelo aha na tradicao de nossa lingua se
encontra no canto X de Os lu sf a da s ; e 0momenta em que a
d 'usaTetis descortinaa Vasco da Gamaavisao do Universe:
"Aqui um globo veern no ar, que 0 lume
Clarissimo por de penetrava,
De modo que 0 seu centro esta evidente,Como a sua superHcie claramente"
(X, 77)
< 'Uniforrne, perfeito, em si sus t ido ,
Qual, enfim, a Arquetipo que 0 eriou"
(X, 79)
C O V e s a q u i a grande maquina do Mundo,
Eterea e elemental, que fabrieada ~=-
Assim foi do Saber, alto e profunda,
Que e sem principio e metalimitado."
( X, 8 0)
~ o que diz 0 epiteto "rnajesrosa", atribuldo a maqui-
III, U I 1 l predicado novo, drummondiano, se acresce ao da
Ihl Imponencia: ela e tambern "circunspecta": espia, aten-
III IIIn "esforco de compreender" a Coisa, mas esta e "inter-" "B . h d i b "II I IIIre , arra 0 carrun .0 e me Ita, 0 scura.
EuCt'etal1to, por urn ato de absoluta gratuidade, que
Ilnnn 0arbftrio onipotente do outro em vez de resgata-
In . Imdquina do mundo chama "os sentidos" e "as intui- >, ~ d t ! viajante "a se aplicarem sabre 0 pasta inedito da
II" l ' ' 1 , U mitica das coisas",
t) 'Clnvidado ji rodara nos "mesmos sem roteiro tr is-c _ , . . , 1
p 1 , 1 ' i p los" , exp ressao densa do drculo vicioso, aparente-
III
N imsaldas, eterno retorno do mesmo on de se move VI ' l l , l t e l indagador ate a exaustao, Nessa altura, a miquina
I I , i " , I I 1 ' n s sintomaticamente sern voz. A sua convocacao rI I I I d I, nao passa p e lasrotas da intersubjetividade: um dia- IfI,ll, impossiveis, pois nern a Coisa emite som algum, nern _
C a u , Inferno " A m O ( lU ln o d o rnUlldo" entre 0 simbolo e a alegoria
i~ " ,I,.:l" " [ " ' r ~ ~ " " i ( . ,< . . ~ C _ C _ ~ ~ ~
H I' 1I11i ,to, permanece exterior a vontade faustica: e 0 enig-1 1 1 1 1 ,'lira 0 qual aponra a alegoria da miquina do rnundo.
A descr ic ao, arnpla, desdobra-se por sete tercetos en-
Illdlidos, Nao se trata de uma figurac;:ao organics do Uni-
I~I"r na s d .e uma sucessao de atr iburos que se perfilarn em
Ihlm :l i rn a generalidade, .A scdac ;: ao junta abstrato com abstraro, 0 proeesso de
1IIII1l.cnU e curnulativo, e tudo vai submetendo a estruturaI W I I '[ ' sea da Coisa que, afinal , e sumariada sob a expres-IIIIlpldar de ' •
"estranha ordem geornetrica de tudo." / \D1 S "a:
A Imilise dos termos que nomeiam os elementos do
II III ' iseema poe a nu a carencia dos seus liames com 0
j ·1 , / ' 0 " d e narrador, Nao hi nesse discurso "muita exigen- ?~
II'~II' I @ detalhe", precisamenre 0 que observou Benjamin ':::
".III 'I' ve r os modos estilfsticos da alegoria, Os aspectos &I ' t IIu l n r e s nQS q uais a vida universal se prismatiza sao (
It I , " d u 5 ; reduzidos, enfim supressos em favor de uma ;;
I J 1l,1~'n(1) generica (designatio: significas:ao de cirna para '~
Ill. que rudo abraca e nada estreita em suas malhas ex- I;:- 'Illllf'l~celargas: ;;, ; i . L f ~('f1.C( 0 -1,III'II'los.ciefimdores tam am 0 lugar de Imagens capa-
I! I t 'ol'ciar lernbrancas no espectador, 0 sangue dos
IlItI'IIIN e dos dias, que corre nas veias da Hist6ria dan-
I 1111'CU I ' e calor, dessora-se em frases vagas como: )
"0 que nas oficinas se elabora," , ~
H r - r d cl ! o 1"I~ Gluepensado foi e logo atinge
dL~ti!1.nciauperior ao pensamento,"
, b I!vV7 c_b~. ~.~~<I 1 13 (
o "noturno" reintroduz a simbologia da abertura,
Quanta ao estado "miseravel" do homem perante a
i m ag o m u nd i, volta em textos de filosofias diversas,
Misero e 0 naura cristae representado na epopeia d G
Camoes, a que nao falta urn veio de Idade Media outonal:
"Faz-te merce, varao, a Sapiencia
, g i L s" c",F . ~s Suprema de, co'os olhos ~or~or~is,
~veres 0quenao pode a vacl~~,Cla
Dos errados e miseros mortals
(X, 76)
Misero e 0 Islandes que, no dialogo de Leopardi , foge
sem cessar de uma Natureza indemente de fogo e neve.
Misero, sareastieamente misero, e 0 sujeito do delirio nas
Memorias P ostu m as d e Brds Cubas , que, arrastado pel os c a-
belos ate a . origem dos seculos, ouve de Pandora a declare
Mlet.. <;:aodo seu nada. '"" .Em Drummond, a percepr; :aodo intervaleentre a n1[1-
quina do mundo e a seu espectador e tao aguda que s6 (I
. ..1silencio pode significa-la, 0 silencio de ambos marca a C I . 1 '
~a~legOria no poema.
i ;~~cJ)~I
o mundo a lego ri zado
. 1 . E, no entanro, hi 0 discurso. Urn so perlodo cerradu
' . J , em si mesmo, Pelo seu teor pode-se reconstituir a que 1(
-t ria sido 0 objero da "pesquisa ardente" em que se consu
S ):- 'mira a viajor, ' Iudo quanta ele, "ser restri to", desejou corn
~ preender em tentativas frustradas, rende-se agora na I 1 1 l l~ ,~f\ insolita das ofertas, 0 dom, enquanto gratulto e porqm
o que seria peculiar a existencia dos homens, 0 qUt"
na o se totaliza nunea em razao da variedade inesgotavel dONI
seus perfis, e subsumido no mais alto grau de abstracio
("essa total explicacao da vida", "esse nexo p r ime i ro e si n
gular"), au achatado ate 0nivel das plantas e dos animaln
"tude que define 0 ser terrestre".Prevalecem formas gramaticais neutras, genericas: (.1
que, tudo que.
Uma so metafora revolve as rafzes familiares do pOCllI.
e muda a registro alegorico em simbolo animista:/)
~ "0 sono rancoroso dos minerios." ./1./)
Par essa unica fenda, entreaberta em urn atimo, e po s
sfvel divisar as Minas, hahira e suas pedras, 0 subsolo d e
orgulho, a dar da memoria. Mas 0conjunto, uniforrne e m
seu matiz de cinza, afasta qualquer conotacao intimisra . .A
enfase e dada ao tema do "absurdo original e seus enigmas,/
suas verdades alras mais que todos/ monumentos erguidos
1a verdade".
~~ Quando 0 discurso passa da linguagem cognitiva (ex
~
p ii ca (f io , n ex o, e ni gm a , v er da de s, v er da de ) a u~a referenda
a vida, esta e neutralizada em suas celulas, pOlS0 que flo.
~
iesce no caule da existencia e 0 "solene sentimento de mot-
~ ~ te". Que reino e este, qualificado como augusto pela s u n
1 majestade, mas que, exposto em procissao de apoteose, c i d :
\ i\ sinais da propria agonia? A ordem que tern por funda-
mento uma simetria irnplacavel e , niio por acaso, tida par
1estranha.
. Walter Benjamin, empenhado em resgatar a potencia-
, b lidade dialetica de toda alegoria, entreviu no~ seus meca-
. .. .. _ iv . tnismos de reificacao vestigios de opress6es milenares:
- r : : i~p:s -
"3
"A r naquina do mundo" ent re 0 simbolo e a alegoria
"Apersonalizacao aleg6rica dissimulou sempre a
f a t e > de que a sua missao nao era personalizar alga pro-
I 'l 'ioda coisa, mas, ao contrario, dar a s coisas uma
fMma mais imponente, arrnando-a como pessoa."3
o poeta sabe d isso , por suas proprias vias, quando topa
u o meio da estrada com a Coisa , e a converte em alegoria:
Ih N \ll'a e renitente ate mesmo no ato de oferecet aos rnor-
lit! us seus tesouros. "A natureza inteira e personificada, nao
! I . ' I L s e r interiorizada, mas para ser -- desalrnada.r ''
~
A recusa htLiD ~C\ a : 0 ~ C £ )
o rnundo sob a forma de emblema e 0 teatro da alte-,Id.lle, e aqui assiste razao a Lukacs quando, na esteira de
(iu the, trava alegoria e transcendencia no mesmo proces-_1 1 intelectual.?
Na historia interna da obra poetica de Carlos Drum-
umnd de Andrade, a consciencia sempre reclamou, em face
II!numdo, os seus direitos. Dai, a forca de negatividade
1 1 1 1 ! (trompe em versos como estes, que nem 0 embalo da
Illluiga a lc an ca d i sf ar ca r:
"Que diz a boca do munda?
.3 Walter Benjamin. O ri ge m d o d ra ma b ar ro co a le mi io , a pu dG e or g1 1 I 1 ( t l . c ~ , .Esttftica, Barcelona, Grijalbo, 1967, vol. 4, P: 462.
4 Frase de Cysarz, estudioso da [Irica barroca; Benjamin a trans-
IIvena obra mencionada.
5 Georg Lukacs, "Alegorla y sirnbolo", in Estetica; pp. 423-74 .