MATERIAL DE APOIO DIREITO CIVIL PARTE GERAL 2013.2 Apostila 01 Prof. Pablo Stolze Gagliano Temas: Personalidade Jurídica. Nascituro. Pessoa Física ou Natural 1. A Personalidade Jurídica. 1.1. Conceito. Personalidade Jurídica, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a aptidão genérica para se titularizar direitos e contrair obrigações na órbita jurídica. Neste ponto, vale transcrever a sábia preleção de RIPERT e BOULANGER, na monumental obra “Tratado de Derecho Civil” segun el Tratado de Planiol (Tomo I – Parte General, Buenos Aires: La Rey, 1988, pág. 310): “La personalidad jurídica está vinculada a la existencia del individuo, y no a su conciencia o a su voluntad. Um niño muy pequeno, o um loco, es una persona. Entre las personas físicas no se hace diferencia alguna para la atribuición de derechos civiles; por muy débil o incapacitado que esté, todo ser humano es, y sigue siendo, una persona del derecho”. A pessoa física (ou natural) e a pessoa jurídica são dotadas de “personalidade jurídica”.
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MATERIAL DE APOIO
DIREITO CIVIL
PARTE GERAL
2013.2
Apostila 01 Prof. Pablo Stolze Gagliano
Temas: Personalidade Jurídica. Nascituro. Pessoa Física ou Natural
1. A Personalidade Jurídica.
1.1. Conceito.
Personalidade Jurídica, para a Teoria Geral do Direito Civil, é a aptidão genérica para se
titularizar direitos e contrair obrigações na órbita jurídica.
Neste ponto, vale transcrever a sábia preleção de RIPERT e BOULANGER, na monumental
obra “Tratado de Derecho Civil” segun el Tratado de Planiol (Tomo I – Parte General, Buenos
Aires: La Rey, 1988, pág. 310):
“La personalidad jurídica está vinculada a la existencia del individuo, y no a su conciencia o a
su voluntad. Um niño muy pequeno, o um loco, es una persona. Entre las personas físicas no
se hace diferencia alguna para la atribuición de derechos civiles; por muy débil o
incapacitado que esté, todo ser humano es, y sigue siendo, una persona del derecho”.
A pessoa física (ou natural) e a pessoa jurídica são dotadas de “personalidade jurídica”.
1.2. Aquisição da personalidade jurídica (Pessoa Física ou Natural)
O seu surgimento ocorre a partir do nascimento com vida (art. 2°, CC-02 e art. 4º, CC-16).
No instante em que principia o funcionamento do aparelho cárdio-respiratório, clinicamente
aferível pelo exame de docimasia hidrostática de Galeno, o recém-nascido adquire
personalidade jurídica, tornando-se sujeito de direito, mesmo que venha a falecer minutos
depois.
Na mesma linha, a Res. nº 1/88 do Conselho Nacional de Saúde1 dispõe que o nascimento
com vida é a:
“expulsão ou extração completa do produto da concepção quando, após a separação,
respire e tenha batimentos cardíacos, tendo sido ou não cortado o cordão, esteja ou não
desprendida a placenta”.
Em uma perspectiva constitucional de respeito à dignidade da pessoa, não importa que o
feto tenha forma humana ou tempo mínimo de sobrevida (como se dava na redação
anterior do art. 30 do CC da Espanha).
Assim, se o recém-nascido – cujo pai já tenha morrido - falece minutos após o parto, terá
adquirido, por exemplo, todos os direitos sucessórios do seu genitor, transferindo-os para a
sua mãe, uma vez que se tornou, ainda que por breves instantes, sujeito de direito.
1.3. O Nascituro.
LIMONGI FRANÇA, citado por FRANCISCO AMARAL, define o nascituro como sendo “o que
está por nascer, mas já concebido no ventre materno”.2
Cuida-se do ente concebido, embora ainda não nascido, dotado de vida intrauterina, daí
porque a doutrina diferencia-o (o nascituro) do embrião mantido em laboratório3.
1 Cit. por DINIZ, Maria Helena, in Curso de Direito Civil Brasileiro, 25ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, pág. 198. 2 AMARAL, Francisco, Introdução ao Direito Civil, Renovar, pág. 217. 3 A título de curiosidade e de mera ilustração, ver a dicção do art. 9° § 1°, PL 90/99: “Não
se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor
A Lei Civil trata do nascituro quando, posto não o considere pessoa, coloca a salvo os seus
direitos desde a concepção (art. 2º, CC-02, art. 4º, CC-16).
Ora, se for admitida a teoria natalista, segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se
a partir do nascimento com vida, é razoável o entendimento no sentido de que, não sendo
pessoa, o nascituro possui mera expectativa de direito (VICENTE RÁO, SILVIO RODRIGUES,
EDUARDO ESPÍNOLA, SILVIO VENOSA).
Mas a questão não é pacífica na doutrina.
Os adeptos da teoria da personalidade condicional sufragam entendimento no sentido de
que o nascituro possui direitos sob condição suspensiva. Vale dizer, ao ser concebido, já
pode titularizar alguns direitos (extrapatrimoniais), como o direito à vida, mas só adquire
completa personalidade, quando implementada a condição do seu nascimento com vida.
A teoria concepcionista, por sua vez, influenciada pelo Direito Francês, é mais direta e
ousada: entende que o nascituro é pessoa desde a concepção (TEIXEIRA DE FREITAS, CLÓVIS
BEVILÁQUA, SILMARA CHINELATO).
CLÓVIS BEVILÁQUA, em seus “Comentários ao Código Civil dos Estados Unidos do Brasil”,
Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1975, pág. 178, após elogiar abertamente a teoria concepcionista,
ressaltando os seus excelentes argumentos, conclui ter adotado a natalista, “por parecer
mais prática” (sic). No entanto, o próprio autor, nesta mesma obra, não resiste ao apelo
concepcionista, ao destacar situações em que o nascituro “se apresenta como pessôa” (sic).
A despeito de toda essa profunda controvérsia doutrinária, o fato é que, nos termos da
legislação em vigor, inclusive do Novo Código Civil, o nascituro tem a proteção legal dos seus
direitos desde a concepção4.
da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei. Já o Projeto de
Reforma do CC, em sua redação original, aponta em sentido contrário: “Art. 2°. A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde
a concepção, os direitos do embrião e do nascituro” (grifos nossos). 4 A leitura da ementa referente a ADI 3510-0 (em que se questionaram dispositivos da Lei de
Biossegurança) aparentemente, em nosso sentir, reforça a teoria natalista
esso=3510), pois o Ministro afirma: “O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da
vida humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio
da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma
concreta pessoa, porque nativiva (teoria ‘natalista’, em contraposição às teorias
‘concepcionista’ ou da ‘personalidade condicional’)” (grifamos). Mas, em nosso sentir, o
embate entre as teorias, na interpretação que se faz do art. 2º do CC, ainda persistirá por muito tempo. A temática é muito polêmica. Uma pesquisa na doutrina demonstrá tal assertiva.
Nesse sentido, pode-se apresentar o seguinte quadro esquemático, não exaustivo:
a) o nascituro é titular de direitos personalíssimos (como o direito à vida, o direito à
proteção pré-natal etc.)5;
b) pode receber doação, sem prejuízo do recolhimento do imposto de transmissão inter
vivos;
c) pode ser beneficiado por legado e herança;
d) pode ser-lhe nomeado curador para a defesa dos seus interesses (arts. 877 e 878,
CPC);
e) o Código Penal tipifica o crime de aborto;
f) como decorrência da proteção conferida pelos direitos da personalidade, concluímos
que o nascituro tem direito à realização do exame de DNA, para efeito de aferição de
paternidade6.
5 O art. 7. do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que: “a criança e o adolescente têm direito à proteção à
vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”. 6 Confira-se, neste ponto, o julgado do Supremo Tribunal Federal no caso “Glória Trevis” (Rcl 2040
QUESTÃO DE ORDEM NA RECLAMAÇÃO, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Julgamento: 21/02/2002 , Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação: DJ DATA-27-06-2003 PP-00031 EMENT VOL-02116-01 PP-00129), em que podemos observar a aplicação da teoria da “ponderação de interesses”, visando a dirimir eventuais conflitos entre direitos constitucionais. Embora se buscasse, em verdade, a apuração de um crime, o fato é que o nascituro mereceria, em nosso sentir, no caso em tela, o beneficio da produção da prova pericial, para que, após seu nascimento, não houvesse que carregar o peso das circunstâncias duvidosas da sua concepção: “EMENTA: - Reclamação. Reclamante submetida ao processo de Extradição n.º 783, à disposição do STF. 2. Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. 3. Invocação dos incisos X e XLIX do art. 5º, da CF/88. 4. Ofício do Secretário de Saúde do DF sobre comunicação do Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do DF ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, autorizando a coleta e entrega de placenta para fins de exame de DNA e fornecimento de cópia do prontuário médico da parturiente. 5. Extraditanda à disposição desta Corte, nos termos da Lei n.º 6.815/80. Competência do STF, para processar e julgar eventual pedido de autorização de coleta e exame de material genético, para os fins pretendidos pela Polícia Federal. 6. Decisão do Juiz Federal da 10ª Vara do Distrito Federal, no ponto em que autoriza a entrega da placenta, para fins de realização de exame de DNA, suspensa, em parte, na liminar concedida na Reclamação. Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. Suspenso também o despacho do Juiz Federal da 10ª Vara, na parte relativa ao fornecimento de cópia integral do prontuário médico da parturiente. 7. Bens jurídicos constitucionais como "moralidade administrativa", "persecução penal pública" e "segurança pública" que se acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. 8. Pedido conhecido como reclamação e julgado procedente para avocar o julgamento do pleito
Existe, ainda, a possibilidade de se reconhecer ao nascituro direito aos alimentos.
Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do TJRS:
“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. ALIMENTOS PROVISÓRIOS EM FAVOR DO NASCITURO.
POSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM. 1. Não pairando dúvida acerca do envolvimento sexual
entretido pela gestante com o investigado, nem sobre exclusividade desse relacionamento, e havendo
necessidade da gestante, justifica-se a concessão de alimentos em favor do nascituro. 2. Sendo o
investigado casado e estando também sua esposa grávida, a pensão alimentícia deve ser fixada tendo em
vista as necessidades do alimentando, mas dentro da capacidade econômica do alimentante, isto é,
focalizando tanto os seus ganhos como também os encargos que possui. Recurso provido em parte.
(AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70006429096, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS,
RELATOR: SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES, JULGADO EM 13/08/2003)”.
Na doutrina, preleciona o Prof. Teixeira Giorgis:
“Como a regra constitucional declara a vida inviolável e o estatuto menorista assegura à gestante
o atendimento pré-natal e perinatal, não há mais controvérsia sobre o direito do nascituro a alimentos.
Então se aceita que a pesquisa da filiação seja cumulada com um pedido de alimentos provisórios para
que a mãe possa enfrentar as despesas anteriores ao parto, como os custos da pediatria, a assistência
cirúrgica, transfusões, ultra-sonografia, intervenções fetais e outras (AGI 596067629); é que a gravidez
diminui a capacidade laborativa da pessoa (AGI nº 70016977936), situação que também se aceita em
caso de união estável (AGI nºs 70017520479 e 70016977936).Para a concessão dos alimentos é
necessário haver indícios convincentes sobre a paternidade invocada (AGI nº 70018406652), não sendo
atendida a postulação quando não ocorram elementos seguros sobre a genitura ou sobre o início da
do Ministério Público Federal, feito perante o Juízo Federal da 10ª Vara do Distrito Federal. 9. Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do "prontuário médico" da reclamante”.
prenhez (AGI nº70009811027). Assim também acontece quando os cônjuges estão separados de fato por
mais de quatro meses (APC nº 587002155)”.7
E, finalmente, em 2008, fora aprovada a lei dos “alimentos gravídicos”, que reconhece, em favor
do nascituro, direito aos alimentos.
Vale a pena conferir:
LEI Nº 11.804, DE 5 DE NOVEMBRO DE 2008.
Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma
como ele será exercido e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será
exercido.
Art. 2o Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para
cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da
concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e
psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições
preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz
considere pertinentes.
Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas
que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá
ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.
Art. 3º (VETADO)
7 GIORGIS, José Carlos Teixeira, in “Alimentos para o Nascituro”
http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?idnoticia=8070, acessado em 20 de julho de
2008.
Art. 4º (VETADO)
Art. 5º (VETADO)
Art. 6o Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que
perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades
da parte ré.
Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão
alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.
Art. 7o O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias.
Art. 8º (VETADO)
Art. 9º (VETADO)
Art. 10º (VETADO)
Art. 11. Aplicam-se supletivamente nos processos regulados por esta Lei as disposições das Leis nos
5.478, de 25 de julho de 1968, e 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 5 de novembro de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
1.5. Domicílio 1.6. Pessoa Jurídica 1.7. Teoria do Fato Juridico 1.8. Negócio Jurídico (Planos de Existência, Validade e Eficácia) 1.9. Defeitos do Negócio Jurídico 1.10. Prescrição e Decadência
2. Obrigações 2.1. A Relação Obrigacional na perspectiva do Direito Civil Constitucional 2.2. Classificação Básica e Classificação Especial das Obrigações (principais tipos) 2.3. Teoria do Pagamento 2.4. Principais Formas Especiais de Pagamento 2.5. Transmissibilidade da Obrigação (Cessão de Débito, de Crédito e de Contrato) 2.6. Mora 2.7. Cláusula Penal 2.8. Teoria do Inadimplemento 3. Responsabilidade Civil (Teoria Geral e principais aspectos no Código Civil Brasileiro à luz da jurisprudência do STJ e do STF) 4. Introdução ao Direito de Família (Casamento e União Estável)
6. Textos Complementares
TEXTO COMPLEMENTAR 01 – AUSÊNCIA
A ausência é, antes de tudo, um estado de fato, em que uma pessoa desaparece de seu
domicílio, sem deixar qualquer notícia.
Visando a não permitir que este patrimônio fique sem titular, o legislador traçou o
procedimento de transmissão desses bens (em virtude da ausência) nos arts.463 a 484 do CC-
16 (correspondente aos arts. 22 a 39 do novo CC), previsto ainda pelos arts. 1159 a 1169 do
vigente Código de Processo Civil brasileiro.
E por se tratar de matéria minuciosamente positivada, sugerimos ao nosso estimado aluno a
leitura atenta das próprias normas legais.
O CC-02 reconhece a ausência como uma morte presumida, em seu art.6º, a partir do
momento em que a lei autorizar a abertura de sucessão definitiva, consoante vimos em sala de
aula.
Para se chegar a este momento, porém, um longo caminho deve ser cumprido, como a seguir
veremos.
a) Curadoria dos Bens do Ausente.
A requerimento de qualquer interessado direto ou mesmo do Ministério Público, será nomeado
curador, que passará a gerir os negócios do ausente até o seu eventual retorno.
Na mesma situação se enquadrará aquele que, tendo deixado mandatário, este último se
encontre impossibilitado, física ou juridicamente (quando seus poderes outorgados forem insuficientes),
ou simplesmente não tenha interesse em exercer o múnus.
Observe-se que esta nomeação não é discricionária, estabelecendo a lei uma ordem legal estrita
e sucessiva, no caso de impossibilidade do anterior, a saber:
1) o cônjuge do ausente, se não estiver separado judicialmente, ou de fato por mais
de dois anos antes da declaração da ausência;
2) pais do ausente (destaque-se que a referência é somente aos genitores, e não aos
ascendentes em geral);
3) descendentes do ausente, preferindo os mais próximos aos mais remotos
4) qualquer pessoa à escolha do magistrado.
b) Sucessão Provisória.
Decorrido um ano da arrecadação dos bens do ausente, ou, se ele deixou representante ou
procurador, em se passando três anos14, poderão os interessados requerer que se declare a ausência e se
abra provisoriamente a sucessão.
Por cautela, cerca-se o legislador da exigência de garantia da restituição dos bens, nos quais os
herdeiros se imitiram provisoriamente na posse, mediante a apresentação de penhores ou hipotecas
14 Esta segunda hipótese se limita à previsão do art. 23 do CC-02: “Também se declarará a
ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira, ou
não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes”
equivalentes aos quinhões respectivos, valendo-se destacar, inclusive, que o § 1º do art. 30 estabelece
que aquele “que tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo,
será excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro
herdeiro designado pelo juiz, e que preste essa garantia”15.
Esta razoável cautela de exigência de garantia é excepcionada, porém, em relação aos
ascendentes, descendentes e o cônjuge, uma vez provada a sua condição de herdeiros (§ 2º do art.30), o
que pode ser explicado pela particularidade de seu direito, em função dos outros sujeitos legitimados
para requerer a abertura da sucessão provisória16, ao qual se acrescenta o Ministério Público, por força
do § 1º do art.28 do CC-02.
Em todo caso, a provisoriedade da sucessão é evidente na tutela legal, haja vista que é
expressamente determinado, por exemplo, que os “imóveis do ausente só se poderão alienar não sendo
por desapropriação, ou hipotecar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína” (art.31), bem como
que “antes da partilha, o juiz, quando julgar conveniente, ordenará a conversão dos bens móveis, sujeitos
a deterioração ou a extravio, em imóveis ou em títulos garantidos pela União” (art.29).
Um aspecto de natureza processual da mais alta significação, na idéia de preservação, ao
máximo, do patrimônio do ausente, é a estipulação, pelo art.28, do prazo de 180 dias para produção de
efeitos da sentença que determinar a abertura da sucessão provisória, após o que, transitando em
julgado, proceder-se-á à abertura do testamento, caso existente, ou ao inventário e partilha dos bens,
como se o ausente tivesse falecido.
Com a posse nos bens do ausente, passam os sucessores provisórios a representar ativa e
passivamente o ausente, o que lhes faz dirigir contra si todas as ações pendentes e as que de futuro
àquele foram movidas.
Na forma do art. 33, os herdeiros empossados, se descendentes, ascendentes ou cônjuges terão
direito subjetivo a todos os frutos e rendimentos dos bens que lhe couberem, o que não acontecerá com
15 Ressalve-se, todavia, que o art. 34 do CC-02 admite que o “excluído, segundo o art. 30,
da posse provisória poderá, justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade
dos rendimentos do quinhão que lhe tocaria”. 16 “Art. 27. Para o efeito previsto no artigo antecedente, somente se consideram
interessados:
I – o cônjuge não separado judicialmente;
II – os herdeiros presumidos, legítimos ou testamentários;
III – os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente de sua morte;
IV – os credores de obrigações vencidas e não pagas.”
os demais sucessores, que deverão, necessariamente, capitalizar metade destes bens acessórios, com
prestação anual de contas ao juiz competente.
Se, durante esta posse provisória, porém, se prova o efetivo falecimento do ausente, converter-
se-á a sucessão em definitiva, considerando-se a mesma aberta, na data comprovada, em favor dos
herdeiros que o eram àquele tempo. Isto, inclusive, pode gerar algumas modificações na situação dos
herdeiros provisórios, uma vez que não se pode descartar a hipótese de haver herdeiros sobreviventes
na época efetiva do falecimento do desaparecido, mas que não mais estavam vivos quando do processo
de sucessão provisória.
c) Sucessão Definitiva.
Por mais que se queira preservar o patrimônio do ausente, o certo é que a existência de um
longo lapso temporal, sem qualquer sinal de vida, reforça as fundadas suspeitas de seu falecimento.
Por isto, presumindo efetivamente o seu falecimento, estabelece a lei o momento próprio e os
efeitos da sucessão definitiva.
De fato, dez anos após o trânsito em julgado da sentença de abertura de sucessão provisória,
converter-se-á a mesma em definitiva – o que, obviamente, dependerá de provocação da manifestação
judicial para a retirada dos gravames impostos – podendo os interessados requerer o levantamento das
cauções prestadas.
Esta plausibilidade maior do falecimento presumido é reforçado, em função da expectativa
média de vida do homem, admitindo o art. 38 a possibilidade de requerimento da sucessão definitiva,
“provando-se que o ausente conta oitenta anos de idade, e que de cinco datam as últimas notícias dele”.
d) Retorno do Ausente
Admite a lei a possibilidade de ausente retornar.
Se este aparece na fase de arrecadação de bens, não há qualquer prejuízo ao seu patrimônio,
continuando ele a gozar plenamente de todos os seus bens.
Se já tiver sido aberta a sucessão provisória, a prova de que a ausência foi voluntária e
injustificada, faz com que o ausente perca, em favor do sucessor provisório, sua parte nos frutos e
rendimento (art.33, parágrafo único). Em função, porém, da provisoriedade da sucessão, o seu
reaparecimento, faz cessar imediatamente todas as vantagens dos sucessores imitidos na posse, que
ficam obrigados a tomar medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu titular (art.36)
Se a sucessão, todavia, já for definitiva, terá o ausente o direito aos seus bens, se ainda
incólumes, não respondendo os sucessores havidos pela sua integridade, conforme se verifica no art. 39,
nos seguintes termos:
“Art. 39. Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão
definitiva, ou algum de seus descendentes ou ascendentes, aquele ou estes haverão
só os bens existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou
o preço que os herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos bens
alienados depois daquele tempo.
Parágrafo único. Se, nos dez anos a que se refere este artigo, o ausente não
regressar, e nenhum interessado promover a sucessão definitiva, os bens arrecadados
passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas
respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União, quando situados
em território federal.”
OBS. Olhe que interessante:
Situação interessante diz respeito ao efeito dissolutório do casamento, decorrente da
ausência, admitido pelo novo Código Civil, em seu art. 1571 § 1o :
§ 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio,
aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.
Fonte: Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, vol. I– Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Folho
(Ed. Saraiva).
TEXTO COMPLEMENTAR 02 – VISÃO DO CÓDIGO CIVIL
Outro texto que recomendamos é o do Prof. Miguel Reale, disponível no site do Jus Navigandi
(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2718), intitulado “Visão do Código Civil”, em que se
estudam os princípios básicos do Código Civil de 2002: eticidade, operabilidade, socialidade.
Vale a pena conferir!
TEXTO COMPLEMENTAR 03 – MORTE PRESUMIDA
Finalmente, segue texto gentilmente cedido pelo brilhante jurista e querido amigo Prof. Inácio de
Carvalho Neto:
A MORTE PRESUMIDA COMO CAUSA DE DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO17
Inácio de Carvalho Neto*
17 Texto que nos foi gentilmente cedido por este grande amigo e brilhante professor de
Direito Civil. * Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Unipar. Mestre em Direito Civil pela
Universidade Estadual de Maringá – UEM. Doutorando em Direito Civil pela Universidade de
São Paulo – USP. Professor de Direito Civil da Unifil, da Faccar, da Escola do Ministério
Público e da Escola da Magistratura do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos
livros Separação e divórcio: teoria e prática, ed. Juruá, 5ª. edição; Aplicação da pena,
ed. Forense, 2ª. edição; Responsabilidade do Estado por atos de seus agentes, ed.
Atlas; Ação declaratória de constitucionalidade, ed. Juruá, 2ª. edição; Abuso do
Novo Código Civil comparado e comentado, ed. Juruá, em 7 volumes (alguns em 2ª.
edição); Responsabilidade civil no direito de família, ed. Juruá; e de diversos artigos
publicados em diversas revistas jurídicas. E-mail do autor: [email protected].
O novo Código Civil, no art. 1.571, § 1º., passou a admitir a presunção de morte como
causa de dissolução do casamento18. Contraria, assim, o que dispunha o art. 315, parágrafo único, do
Código de 1916, que expressamente excluía a morte presumida como causa de dissolução do
matrimônio. Ou seja, por mais duradoura que fosse a ausência, não tinha ela o condão de dissolver o
casamento19. Com a revogação deste dispositivo pelo art. 54 da Lei do Divórcio, e não tratando esta
expressamente do tema, entenderam alguns autores ser possível a dissolução do matrimônio pela morte
presumida20.
Não obstante, entendemos que a morte presumida não tinha este condão. Posto que
não repetida expressamente a proibição do dispositivo revogado do Código Civil, não se podia requerer a
declaração de dissolução do vínculo matrimonial por morte presumida de um dos cônjuges, já que o
instituto da morte presumida se referia exclusivamente à sucessão dos bens deixados pelo ausente21.
18 “§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio,
aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente”. Igualmente dispõe
o Código Civil argentino, com a redação da Lei nº. 23.515/87, com a diferença de que a
dissolução só ocorre com o novo casamento: “Art. 213 - El vínculo matrimonial se disuelve:
1) por la muerte de uno de los esposos; 2) por el matrimonio que contrajere el cónyuge del
declarado ausente com presunción de fallecimiento; 3) por sentencia de divorcio vincular”).
Da mesma forma o Código Civil italiano: “65. Nuovo matrimonio del coniuge. – Divenuta
eseguibile la sentenza che dichiara la morte presunta, il coniuge può contrarre nuovo
matrimonio”. Igualmente dispunha o art. 59 do Projeto de Orlando Gomes. 19 Observe-se o quanto perniciosa era a regra: imagine-se a hipótese de pessoa recém-
casada, ainda nova, desaparecendo em seguida seu cônjuge. Ficaria essa pessoa para o
resto da vida impossibilitada de se casar novamente, tendo em vista a impossibilidade do
divórcio à época. 20 “Ainda que se efetuasse a sucessão definitiva, com a presunção de morte, não se
considerava dissolvido o casamento, de sorte que o cônjuge presente não podia contrair
novo casamento. Agora, porém, não há mais óbice” (PACHECO, José da Silva.
Inventários e partilhas. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 67) (grifo nosso). “Se a
lei admitiu, para efeitos patrimoniais, uma presunção de morte do ausente há mais de vinte
anos ou que completou 95 anos de idade, não se vê razão para não admitir a mesma
presunção em matéria de casamento. Se houve para um caso uma forte razão de fato a
justificar a presunção, também haverá no outro caso” (CRUZ, Guilherme Braga da. Direitos
de família. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1942, v. 1, p. 123). 21 Neste sentido a lição da doutrina majoritária: “Quanto à primeira hipótese de dissolução
da sociedade conjugal, no art. 2º., inciso I, prevista (morte de um dos cônjuges), que,
consoante esclarece o parágrafo único do mesmo artigo, também é caso de dissolução do
vínculo matrimonial - oportuno é observar -, a despeito do silêncio da lei, que não ressalva a
vigência do parágrafo único do art. 315 do CC, pelo art. 54 da Lei 6.515/77 revogado - que
continua excluída a hipótese de morte presumida (art. 10, 2ª. parte, do CC) - quer
como fundamento para a dissolução da sociedade conjugal, quer para extinção do vínculo
matrimonial” (PEREIRA, Áurea Pimentel. Divórcio e separação judicial. 3. ed. Rio de
Necessário se fazia, portanto, que o cônjuge promovesse o divórcio, o que lhe seria, inclusive, mais fácil,
já que o divórcio direto depende apenas de dois anos de separação de fato, ao passo que, para a
configuração da morte presumida, ordinariamente, se faz necessária a ausência por dez anos (art. 1.167,
inciso II, do Código de Processo Civil). Talvez por esta razão não tenha o legislador repetido a norma do
revogado art. 315 do Código Civil. Naquele, como não se aceitava o divórcio a vínculo, era necessário
deixar expresso que também não se aplicaria a presunção de morte. A partir da Lei nº. 6.515/77,
instituído o divórcio, dificilmente alguém se utilizaria desta presunção para dissolver o vínculo conjugal.
Ademais, como lembrava Yussef Said CAHALI, “ausente qualquer provisão legal que o autorize, continua
inexistindo qualquer ação direta para a declaração da ruptura do vínculo matrimonial devido à ausência
declarada ou presumida do cônjuge; nem esta ausência, ainda que declarada judicialmente, tem o
condão de produzir ipso jure a dissolução do matrimônio”22.
Mas o novo Código Civil altera esta situação, decretando, no art. 1.571, § 1º., a
dissolução do casamento pela ausência do outro cônjuge em decisão judicial transitada em julgado. Pode
agora, o cônjuge do ausente, optar entre pedir o divórcio para se casar novamente ou esperar pela
presunção de morte, que se dá com a conversão da sucessão provisória em definitiva. O divórcio,
embora mais rápido, tem a desvantagem de fazer o cônjuge perder o direito à sucessão. Com efeito,
sendo o cônjuge herdeiro ainda que haja descendentes ou ascendentes do de cujus (ou, no caso, do
ausente), nos termos do art. 1.829 do novo Código, precisará, não obstante, conservar a posição de
cônjuge até a conversão da sucessão provisória em definitiva, quando, só então, haverá realmente a
vocação hereditária. Se se divorciar antes, embora tendo a vantagem de poder se casar novamente
desde logo, terá a desvantagem de perder a capacidade sucessória do ausente.
Janeiro: Renovar, 1989, p. 22) (grifo nosso). “Assim, para o efeito da dissolução da
sociedade conjugal, não se aproveita a presunção de morte do ausente, estabelecida no art.
10, segunda parte, do CC. ...Todavia, embora omitida a limitação da eficácia da presunção
de morte, não se deduz daí terem os novos legisladores se afastado da sistemática anterior,
de modo a permitir que, com a declaração judicial da ausência, induzindo a presunção de
morte do cônjuge, decorra ipso jure a liberação do outro para novo matrimônio, no
pressuposto legal de estar dissolvido o vínculo anterior” (CAHALI, Yussef Said. Divórcio e
separação. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 69-70) (grifo no original). “O
efeito dissolutivo do vínculo se produz apenas com a morte real, provada mediante certidão
de assento de óbito do cônjuge. A presunção de morte do ausente não aproveita para o
efeito de terminação do vínculo conjugal, de modo que o caminho atual é o de que a
ausência é causa de separação judicial ou de divórcio” (FREITAS, Geralda Pedroso. A
terminação do vínculo conjugal. In: O direito de família e a Constituição de 1988.
Coord. Carlos Alberto BITTAR. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 220). 22 CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 71.
Mas a lei não resolve algumas questões que a nova norma suscita: em primeiro lugar,
em que momento se considera presumida a morte do ausente, para o fim da dissolução do seu
casamento? Interpretando isoladamente os arts. 22 e 23 do novo Código23, poder-se-ia chegar à singela
conclusão de que tal dissolução se daria tão logo se desse o desaparecimento do ausente. Mas tal
interpretação contraria a sistemática do instituto, bem como a letra do art. 6º., que dispõe: “A existência
da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei
autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Assim, é somente com a conversão da sucessão provisória
em definitiva que se presume a morte do ausente, pelo que somente essa conversão é que dissolve o
casamento do ausente.
Há quem defenda a idéia de que o cônjuge do ausente, para casar-se novamente,
deve promover o divórcio. Mas tal entendimento não pode ser aceito. Que o divórcio dissolve o vínculo
conjugal não se duvida. Entretanto, não se pode exigir o divórcio no caso em tela, pois a nova lei erigiu a
morte presumida como causa independente de dissolução do vínculo. Vale dizer: a morte é, ao lado do
divórcio, causa de dissolução do casamento; a conversão da sucessão provisória em definitiva, fazendo
presumir a morte, dissolve também o vínculo, e por si só, pelo que nada mais se pode requerer para
dissolvê-lo, pois já estará o casamento dissolvido com a sentença de conversão. Quisesse a lei que o
cônjuge do ausente promovesse o divórcio, nada precisaria ter dito, pois assim já era no sistema da Lei
do Divórcio sem qualquer texto legal.
A sentença declaratória de ausência, nos termos do art. 9º., inciso IV, do Código Civil e
do art. 94 da Lei de Registros Públicos, deve ser registrada no Registro Civil. Daí resultaria para o cônjuge
do ausente a condição de viúvo? A lei não o diz, mas é de se supor que sim, pois seria esta a
conseqüência principal do registro da sentença de conversão da sucessão provisória em definitiva. Mas:
viúvo de cônjuge vivo? Sim, porque não se pode negar que o presumido morto é um possível vivo. E
mais: uma viuvez “revogável”? Admitindo a lei o retorno do ausente até 10 anos depois da conversão da
sucessão provisória em definitiva, podendo ele reassumir seus bens (art. 39), ou, mesmo depois dos 10
23 “Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não
houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a
requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e
nomear-lhe-á curador. Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador,
quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o
mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes”.
anos (embora sem reassumir seus bens), naturalmente poderá o ausente reabilitar-se civilmente,
deixando de ser presumido morto, com o que estará revogado o estado de viúvo do seu cônjuge.
Pode o ex-cônjuge do ausente, pretendendo casar, habilitar-se matrimonialmente?
Que documentos deve apresentar? Vejamos o que diz o art. 1.525: “O requerimento de habilitação para
o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e
deve ser instruído com os seguintes documentos: ...IV - declaração do estado civil, do domicílio e da
residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; V - certidão de óbito do cônjuge
falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou
do registro da sentença de divórcio”.
De princípio, já se vê que o ex-cônjuge terá que declarar seu estado civil para casar
novamente. Declarará o estado de viúvo, com as implicações antes ditas? Ou, declarando o estado de
casado, aceitará o Oficial do Registro Civil a sua habilitação? Como ficaria, neste caso, o impedimento do
art. 1.521, inciso VI24? Mas o maior problema é que a lei não previu a juntada da certidão do registro da
sentença de conversão para fins de habilitação matrimonial. No citado inciso V só se fala em certidão de
óbito, de anulação ou de divórcio; esqueceu-se o legislador de que o nubente que foi casado pode não
ter nenhum desses documentos, mas apenas a certidão de registro da sentença de conversão,
documento que, nos termos do art. 1.571, § 1º., deve-lhe ser suficiente.
Outra conseqüência não prevista pelo legislador é o fato do eventual retorno do
ausente após o casamento de seu ex-cônjuge. Imagine-se que, após a sentença de conversão, o ex-
cônjuge do ausente se case, aproveitando-se da disposição do art. 1.571, § 1º., vindo, depois do
casamento, a reaparecer o ausente. Como fica o primeiro e o segundo casamento do cônjuge do
ausente? Dir-se-á ser simples a solução, pois o citado parágrafo diz que o primeiro casamento se dissolve
pela presunção de morte, equivalendo, portanto, ao divórcio, ou à morte real. Daí seguiria a
conseqüência de que, estando dissolvido o primeiro casamento, válido ficaria o segundo25. Mas deve-se
discutir: a presunção de morte é uma presunção absoluta (juris et de jure)? Não seria antes uma
presunção relativa (juris tantum)? Não se pode negar o seu caráter de presunção relativa, já que o
ausente pode retornar e, em conseqüência, provar que não está morto realmente. Sendo presunção
24 “Art. 1.521. Não podem casar: ...VI – as pessoas casadas”. 25 Neste sentido, escreve GONÇALVES, Carlos Roberto (Direito civil brasileiro: parte
geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 118) que se o ausente “estiver vivo e aparecer,
depois de presumida a sua morte e aberta a sucessão definitiva, com a dissolução da
sociedade conjugal, e seu cônjuge houver contraído novo matrimônio, prevalecerá o último”.
relativa, desfaz-se com a prova de que não houve morte real, ou seja, com o reaparecimento do ausente.
Então, desfeita a presunção, seria lógico se entender desfeita também a dissolução do casamento. E a
conseqüência disto seria desastrosa: o segundo casamento do cônjuge do ausente foi feito em bigamia,
sendo, portanto, nulo26. Esta a solução adotada pelo direito italiano27. Seria razoável anular o casamento
do ex-cônjuge do ausente pelo reaparecimento deste depois de tanto tempo? Melhor seria se a lei
tivesse disposição semelhante ao § 1.348 do BGB (Código Civil alemão), que dizia expressamente ficar
válido o segundo casamento nesse caso28.
Por fim, ainda um questionamento: pode o próprio ausente se beneficiar da
dissolução do casamento pela ausência? Ou em outros termos: pode o ausente, estando vivo em algum
lugar, contrair validamente um novo matrimônio? A lei não o diz, mas, partindo-se do pressuposto que a
dissolução se dá pela morte presumida, não estando o ausente morto realmente, não há dissolução do
casamento, pelo que não poderá ele validamente casar novamente. Mas aí teremos outro problema:
enquanto para o cônjuge do ausente o casamento estará dissolvido, para o ausente não, permanecendo
ele casado. Mas, casado com quem? Casado com alguém que é viúvo ou que já se casou com outra
pessoa?
De todo o exposto, concluímos que seria melhor que o legislador tivesse evitado a
disposição em comento, mantendo a não dissolução do casamento pela presunção de morte, de modo
que fosse necessário ao cônjuge do ausente promover o divórcio, evitando, assim, todas as complicações
antes enunciadas.
Referências:
CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
26 Afasta-se, contudo, as conseqüências criminais da bigamia (art. 235 do Código Penal),
tendo em vista que não houve dolo das partes. 27 “68. Nullità del nuovo matrimonio. – Il matrimonio contratto a norma dell’articolo 65 è
nullo, qualora la persona della quale fu dichiarata la morte presunta ritorni o ne sia accertata
l’esistenza. Sono salvi gli effetti civili del matrimonio dichiarato nullo. La nullità non può
essere pronunziata nel caso in cui è accertata la morte, anche se avvenuta in uma data
posteriore a quella del matrimonio”. No mesmo sentido dispunha o Projeto de Orlando
Gomes (art. 59). 28 “§ 1348. Se um cônjuge contrai um novo matrimônio depois de que o outro cônjuge foi
declarado falecido, o novo matrimônio não é nulo pela circunstância de que o cônjuge
declarado falecido ainda viva, a não ser que ambos cônjuges soubessem no momento da
conclusão do matrimônio que o cônjuge declarado falecido sobreviveu à declaração de
falecimento”. Este dispositivo, contudo, está revogado.
CRUZ, Guilherme Braga da. Direitos de família. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1942, v. 1.
FREITAS, Geralda Pedroso. A terminação do vínculo conjugal. In: O direito de família e a Constituição de
1988. Coord. Carlos Alberto BITTAR. São Paulo: Saraiva, 1989.
GONÇALVES, Carlos Roberto (Direito civil brasileiro: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1.
PACHECO, José da Silva. Inventários e partilhas. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
PEREIRA, Áurea Pimentel. Divórcio e separação judicial. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1989.
7. Fique por Dentro
No decorrer do curso, sempre cuidaremos de trazer importantes e atuais notícias e decisões,
fundamentais em sua preparação para concurso.
Destacamos, aqui, recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que manteve a
responsabilidade civil dos pais em face de um filho voluntariamente emancipado, tema que
veremos em aula:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
ATROPELAMENTO. LESÕES CORPORAIS. INCAPACIDADE. DEVER DE INDENIZAR.
REEXAME DE MATÉRIA DE FATO. REVISÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.
POSSIBILIDADE. JULGAMENTO ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
PAIS. EMANCIPAÇÃO.
1. Não cabe recurso especial por alegada ofensa a dispositivos constitucionais.
2. A emancipação voluntária, diversamente da operada por força de lei, não exclui a
responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados por seus filhos menores.
3. Impossibilidade de reexame de matéria de fato em recurso especial (Súmula 7 do STJ).
4. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso
especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou
exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária,
atendendo às circunstâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da
proporcionalidade e razoabilidade.
5. A percepção de benefício previdenciário não exclui o pagamento de pensão mensal como
ressarcimento por incapacidade decorrente de ato ilícito. Precedentes.
6. Indevidos décimo terceiro e férias, não postulados na inicial, uma vez que o autor não era
assalariado, desenvolvendo a atividade de pedreiro como autônomo.
7. Agravo regimental parcialmente provido.
(AgRg no Ag 1239557/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em
09/10/2012, DJe 17/10/2012)
Outra boa dica: Segue o link em que vocês podem encontrar os enunciados das “Jornadas de Direito Civil”: http://www.jf.jus.br/cjf/cej-publ/jornadas-de-direito-civil-enunciados-aprovados/
8. Mensagem
“Prepara-se o cavalo para o dia da Batalha, mas apenas o Senhor dá a vitória” (Sagrada Escritura)
Força e Fé, amigos!
A vitória é uma certeza que virá no tempo certo.
Façamos a nossa parte!
Se pudermos despertar em vocês o amor pelo Direito Civil, já estaremos realizados! Contem conosco!