1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES AVM – FACULDADE INTEGRADA PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A INDEFINIÇÃO DELIMITATÓRIA ENTRE O DIGNO E INDIGNO, APLICADA AO PRINCÍPIO JURÍDICO RONALD CADAR ORIENTADOR: Prof. Jean Alves Rio de Janeiro 2015 e 2016 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL
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DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · 2016. 2. 15. · Ganhou a sua formulação clássica por Immanuel Kant, na "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" (título
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
A INDEFINIÇÃO DELIMITATÓRIA ENTRE O DIGNO E INDIGNO, APLICADA AO PRINCÍPIO JURÍDICO
RONALD CADAR
ORIENTADOR: Prof. Jean Alves
Rio de Janeiro 2015 e 2016
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Direito Penal e Processo Penal. Por: Ronald Cadar
A INDEFINIÇÃO DELIMITATÓRIA ENTRE O DIGNO E INDIGNO, APLICADA AO PRINCÍPIO JURÍDICO
Rio de Janeiro 2015 e 2016
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que ao longo da minha vida de alguma forma me
estenderam a mão. Agradeço a cada sorriso que recebi, a cada pessoa que
proferiu qualquer palavra de incentivo e também aos que me criticaram
verdadeiramente para que eu pudesse enxergar as coisas essenciais que eu
relutava em não ver.
Agradeço também a todos os professores, que me ofertaram a oportunidade do saber.
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DEDICATÓRIA
A Deus pela dádiva da viva.
Aos meus pais e minha esposa, pois sem eles eu nada seria e mesmo
que algo fosse, em uma vida solitária a alegria dos meus passos de vitoria não
teria para onde se difundir.
Para minha mãe, minha eterna gratidão.
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RESUMO
Este trabalho visa analisar, pela ótica jurídica, o princípio da
dignidade humana e seu caráter subjetivo. A falta de especificidade quando se
trata de princípios da dignidade humana, tendo em vista o caráter pessoal das
atitudes, condições e tratamentos dignos para cada indivíduo tornam cada vez
mais indefinidos os limites entre o digno e o indigno quanto à aplicação do
principio jurídico. Iremos analisar as variações do entendimento de dignidade
humana conforme as variações de classes econômicas e o nível de
escolaridade. O objetivo específico deste trabalho é demonstrar que, mesmo
após anos de pesquisa e de estudo, as doutrinas jurídicas ainda não se
encontram aptas a delimitar o conceito de dignidade humana.
Será desenvolvido através de pesquisas realizadas na forma de
entrevistas com pessoas de diferentes classes sociais e escolaridade a fim de
demonstrar o quão distintos são os conceitos de dignidade humana quando
questionamos pessoas de níveis sociais e de instrução diferentes.
.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Conceito de Dignidade 10
CAPÍTULO II
A subjetividade da Dignidade Humana 14
CAPÍTULO III
Principio da Dignidade X Direito Penal 26
CONCLUSÃO 37
BIBLIOGRAFIA 39
ÍNDICE 40
ANEXOS 41
8
INTRODUÇÃO
Atualmente, vivemos um mundo onde a discussão sobre dignidade
humana ou tratamento humano digno esta muito em voga. Talvez por conta
dos inúmeros atentados terroristas, das grandes catástrofes mundiais, das
evasões em massa dos países que enfrentam guerras, sejam elas as ditas
“santas”, sejam elas de cunho político ou ideológico, não importa. O que
importa é que o conceito de dignidade humana não é moderno.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é datada de 1948, e
já no seu início nos diz que:
Considerando que o reconhecimento da dignidade ine-rente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...). Conside-rando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...).1
Logo em seguida veio a Convenção Ameriacna sobre os Direitos
Humanos, de 1969. Que em seu art. 11, §1º:
“Toda pessoa humana tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.
A nossa Constituição, de 1988, surgiu em um contexto que visou a
defesa e a realização dos direitos fundamentais do individuo e da coletividade e
proclamou, já no seu art. 1º o seguinte:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
1 Declaração Universal dos Direitos Humanos
9
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;2
Mas, o que podemos dizer, conceitualmente, sobre o significado da
palavra Dignidade humana?
Esse conceito não é contemporâneo. Ele vem sendo muito debatido
ao longo dos anos. E é com base nessas discussões, que se perduram até os
dias atuais, que iniciamos esse trabalho.
2 Constituição Federal do Brasil
10
CAPÍTULO I
CONCEITO DE DIGNIDADE
Comecemos com uma pergunta?
O que é dignidade da pessoa humana?
Para responder essa pergunta usaremos a Declaração Universal dos
Direitos Humanos:
Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. 3
Etimologicamente a palavra DIGNIDADE é oriunda do latim dignitas,
podendo ser entendida como: Virtude, Honra e Consideração.
Podemos entender então que, qualquer desrespeito pela vida e pela
integridade física e moral do ser humano possa ser considerada como uma
violação do Principio (constitucional, não podemos nos esquecer) da Dignidade
Humana, além de haver a obrigatoriedade de condições mínimas para uma
existência digna, uma limitação do poder, reconhecimento da liberdade, da
autonomia, igualdade de direitos.
O conceito de dignidade será sempre violado quando a dignidade da
pessoa humana for violada, quando o indivíduo for rebaixado a objeto, a mero
instrumento, tratado como coisa e sempre que a pessoa for descaracterizada e
desconsiderada como sujeito de direitos.
1.1. Evolução do conceito de Dignidade
Nós bem sabemos que o conceito de dignidade não é contemporâneo.
Na Antiguidade, os filósofos consideravam que a dignidade humana
estaria diretamente atrelada à posição social que o individuo ocupava e ao grau
3 Declaração Universal dos Direitos Humanos
11
de reconhecimento por parte da comunidade onde o mesmo estaria inserido.
Desta forma, os escravos não eram considerados dignos e, além disso, era
considerado normal o tratamento diferenciado entre homens e mulheres, sem
falar naqueles indivíduos possuidores de algum tipo de deficiência que eram
considerados indignos.
Para o Cristianismo, o conceito de dignidade é oriundo das Sagradas
Escrituras, que traz em seu conteúdo a crença em um valor intrínseco ao ser
humano, que o impossibilitaria de ser transformado em um mero objeto ou
instrumento, pois o homem havia sido feito “à imagem e semelhança de Deus”
justificando dessa forma a origem da dignidade e a sua inviolabilidade.
Somente após o Iluminismo é que esse conceito assumiu dimensão
mais racional, deixando a espiritualidade de lado, passando a irradiar um
vislumbre dos atuais e conhecidos efeitos jurídicos.
Entretanto, foi somente a partir de 1948, com a Declaração Universal
dos Direitos dos Homens, que a dignidade da pessoa humana adquiriu
reconhecimento mundial.
1.2. Concepções do Conceito de dignidade da Pessoa Humana
Podemos constatar historicamente a existência de 03 (três)
concepções da dignidade da pessoa humana: individualismo,
transpersonalismo e personalismo.
1.2.1 Individualismo
É o entendimento de que cada homem, cada indivíduo, cuidando dos
seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos. Seu
ponto de partida é, portanto, o INDIVÍDUO.
12
1.2.2 Transpersonalismo
É o entendimento de que é através da realização do bem coletivo, o bem
do todo, que se salvaguardariam os interesses individuais e que quando
inexistir a harmonia espontânea entre o bem do indivíduo e o bem do coletivo,
sempre deve preponderar os valores do coletivo. Essa concepção nega o
conceito da pessoa humana como um valor supremo. Seu ponto de partida é
que a dignidade da pessoa humana se realiza no coletivo.
1.2.3 Personalismo
Essa concepção rejeita a concepção individualista e a coletivista. Nega a
existência da harmonia espontânea entre indivíduo e sociedade. Seu ponto de
partida é a preponderância do indivíduo sobre a sociedade, ou seja a
subordinação daquele aos interesses da coletividade.
1.2.4. Principio da Dignidade da Pessoa Humana
O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual
inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, e tal
constitui o princípio máximo do estado democrático de direito.
Está elencado no rol de direitos fundamentais da Constituição Brasileira
de 1988.
Ganhou a sua formulação clássica por Immanuel Kant, na
"Fundamentação da Metafísica dos Costumes" (título original em alemão:
"Grundlegung zur Metaphysik der Sitten", de 1785), que defendia que as
pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um
meio (objetos), e que assim formulou tal princípio: "No reino dos fins, tudo tem
ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser
substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de
Principio da Humanidade das Penas: O princípio da humanidade das penas
prevê a proibição da aplicação de penas que sejam desumanas ou
degradantes, impedindo, dessa forma, a instrumentalização do ser humano.
Representa, assim, um limite à intervenção punitiva no que diz respeito ao
modo de punir, e possui vinculação direta ao princípio da dignidade,
constituindo, talvez, a sua maior expressão no âmbito do Direito Penal.
3.2. O Sistema Prisional Brasileiro e a Dignidade do Preso
O que podemos verificar no nosso Sistema Carcerário é que, além da
pena imposta pelo crime que o indivíduo cometeu são impostas muitas outras
“penas” além daquela que diz respeito ao delito cometido, tais como: condições
que degradam a pessoa humana dentro da penitenciária e a esteriotipização do
ex-condenado quando volta à sociedade que o vê com preconceito, e muitas
vezes finge ser alheia a ele, nega-lhe o direito de trabalhar, de ser honesto e,
às vezes, contribui para a sua volta à criminalidade.
Contudo o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos
Humanos – Pacto de San José, realizada em São José, na Costa Rica, em 22
de novembro de 1969. Nessa Convenção foi acordado e consignado em seu
texto o propósito de consolidar dentro do quadro das instituições democráticas,
um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos
direitos humanos essenciais. E em seu art. 5º, alínea 6 diz que:
“as penas privativas de liberdade devem ter por
finalidade essencial a reforma e readaptação do
delinquente”6
Ficou evidente que o princípio da humanidade da pena tem por objetivo
principal cuidar e respeitar a dignidade do condenado; não admitindo a tortura,
as penas cruéis, os maus tratos e qualquer condição que represente violação
32
da dignidade da pessoa humana. Entretanto, a realidade é bem diferente.
Foram feitas pesquisas em presídios brasileiros, onde concluiu-se que o
sistema prisional brasileiro se compõe de unidades destinadas a todos os tipos
de cumpridores de pena, só que, a princípio, não é a falta de componentes, de
estrutura que determina fugas, motins ou outras atitudes dos apenados, mas a
grande mistura entre os diferentes tipos de condenados, de acordo com o tipo
de infração ou crime cometido, o que faz com que réus primários sejam
influenciados por criminosos contumazes e sociopatas que trazem perigo à
sociedade. Gerando o que nós conhecemos como: “as faculdades do crime”.
Os presídios não apresentam sequer condições mínimas para
ressocializar alguém. Ao contrário, dessocializam, produzindo efeitos
devastadores na personalidade da pessoa. Presídios superlotados, vida sub-
humana etc. Essa é a realidade.
O Brasil ainda está muito longe de tratar o apenado com humanidade.
Em contrapartida, a visão da maioria da sociedade é a de que o criminoso não
tem dignidade e, portanto não pode ser tratado com o mínimo de dignidade
possível.
Quanto à aplicação do principio da Humanidade das Penas no Direito
Penal, observamos que a finalidade da sanção penal é ressocializadora e
educativa, alcançando uma dimensão compatível com a dignidade humana,
uma vez que a redução da criminalidade não ocorrerá por intermédio de
punições severas e cruéis, causadoras de sofrimento físico e moral. O Direito
Penal tem o dever constitucionalmente estabelecido de selecionar quais bens
jurídicos são mais relevantes que os outros, para desta forma poder
estabelecer sanções penais que sejam compatíveis com esses bens jurídicos,
pois, caso contrário, haverá uma violação ao princípio da dignidade humana,
cabendo ao aplicador do direito a missão constitucional de reparar o excesso
legal produzido, assegurando a concretização do princípio.
6 Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José
33
3.3. O Principio da dignidade humana e sua relação com o
Direito Penal
O Direito Penal constitui uma das ferramentas que o Estado possui
para a proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à comunidade,
atuando principalmente na tutela de bens que possuem um valor extremamente
alto e que não podem ser suficientemente protegidos pelos demais ramos do
Direito. Por isso, representa a mais severa intervenção nos direitos
fundamentais, seja do ponto de vista da vítima, ao sofrer a ação criminosa, seja
do ponto de vista do agente do delito, com a punição que lhe será aplicada.
Desse modo, necessária se faz a garantia de que a intervenção penal não viole
esses direitos para que seja assegurada a condição de ser humano, devendo
ser observado na elaboração e na aplicação das normas penais, o princípio da
dignidade da pessoa humana.
Na medida em que se assegura o caráter universal da dignidade
humana, estendendo-se a todo e qualquer indivíduo, reconhece-se que mesmo
aqueles que tenham cometido atitudes indignas possuem direitos que devem
ser protegidos, não podendo ser, em virtude de suas condutas, tratados como
objetos ou animais.
[...] não se deverá olvidar que a dignidade – ao menos de acordo com o que parece ser a opinião largamente majoritária – independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos – mesmo o maior dos criminosos – são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas – ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos. Assim, mesmo que se possa compreender a dignidade da pessoa humana – na esteira do que lembra José Afonso da Silva – como forma de comportamento (admitindo-se, pois, atos dignos e indignos), ainda assim, exatamente por constituir – no sentido aqui acolhido – atributo intrínseco da pessoa humana (mas não propriamente inerente à sua natureza, como se fosse um atributo físico!) e expressar o seu valor absoluto, é que a dignidade de todas as pessoas, mesmo daquelas que cometem as ações mais indignas e infames, não poderá ser objeto de desconsideração.7
7 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advo gado, 2007, p. 45.
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Percebe-se, portanto, que há uma estreita vinculação do Direito Penal
ao princípio da dignidade da pessoa humana. Este constitui uma limitação ao
poder de intervenção do Estado na esfera individual, de forma que veda que
seja concedido ao ser humano tratamento que retire ou restrinja a sua
dignidade ao equipara-lhe a instrumento ou objeto.
Nota-se que a dignidade humana, enquanto qualidade intrínseca do
homem é atribuída de forma universal a todo e qualquer ser humano,
independentemente de raça, sexo, cor, religião ou caráter. O fato de um
homem praticar uma conduta moralmente reprovável, que mereça uma
repressão estatal, não autoriza que essa medida retire ou restrinja a sua
dignidade.
Sendo assim, antes de ser aplicada uma sanção penal deverá ser
observado o grau de intervenção nos direitos fundamentais do indivíduo que
vai sofrer a pena. Havendo uma intervenção extrema em tais direito, a ponto de
ser restringida ou retirada a dignidade do condenado, tal penalidade deverá ser
considerada inconstitucional e, portanto, não poderá ser cominada.
Sem o princípio da Dignidade Humana norteando as execuções das
penas a humanidade presenciou o espetáculo da fúria e do sofrimento, que
serviu para caracterizar uma época. Foucault (1987, p.09) inicia seu livro
“Vigiar e Punir” com a narração impressionante da execução da pena de morte
imposta a Damiens, no ano de 1757:
“Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir
perdão publicamente diante da porta principal da igreja de
Paris, aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça,
nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas
libras; em seguida, na dita carroça, na praça de Grève, e sobre
o patíbulo que aí será erguido, atenazado nos braços, coxas e
barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que
cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às
partes em que será atanazado se aplicarão chumbo derretido,
óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos
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conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e
desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo
consumidos ao fogo, reduzidos a cinza, e suas cinzas lançadas
ao vento.”8
As Constituições modernas têm demonstrado uma preocupação
constante com o problema da pena. Não mais se admite, nos ordenamentos
jurídicos do mundo democrático, que a pena tenha como meta a ser alcançada
o intenso sofrimento do condenado, refletindo como consequência, o completo
descaso com a sua condição de ser humano.
O princípio da humanidade deve acompanhar sempre a história da
pena, desde o seu nascimento, através da ameaça da lei, até o momento de
sua execução. O princípio deve estar sempre informando, limitando, dando
sustentação e legitimidade à pena, traçando os contornos necessários para
que subsista “a lembrança viva” de que o condenado é pessoa humana.
Como método penal, a pena privativa de liberdade é relativamente
recente. Com efeito, antes de chegar a esta, o Direito Penal passou pelas
penas corpóreas, que flagelavam os corpos dos criminosos, em claro anseio de
vingança/repressão.
A tortura e o tratamento desumano ou degradante vêm se revelando no
Brasil como prática corriqueira das mais atentatórias à dignidade do ser
humano. Tortura-se para obter confissões, para punir, para humilhar, para dar
exemplo a terceiros, para infundir generalizado temor. Contra presos comuns
em regra, contra presos políticos, em período de exceção, a prática infame é
largamente disseminada.
Nos últimos anos, o legislador brasileiro tem exasperado as penas dos
crimes que revelem uma maior gravidade, com o objetivo de diminuir a
criminalidade. A lei que trata dos crimes hediondos é uma prova de que se
tentou combater a criminalidade com a exasperação das penas. Mas, como
contrário, o da diminuição do grau máximo das penas privativas de liberdade e
o de sua limitação aos crimes de maior gravidade”. Como dizem Cernicchiaro e
Costa Júnior (1995), “repensar as penas excessivamente elevadas é pensar no
homem.”
37
CONCLUSÃO
Os direitos humanos e fundamentais evoluíram com grande
intensidade no sentido de proteger o indivíduo em sua dignidade, como pessoa
humana, porém, se faz necessário ampliar o conceito desses valores e
promover a emancipação da sociedade, mais um passo da raça humana no
sentido de distribuir de forma equânime o que, pelo trabalho de todos, foi e é
conquistado.
Diante a uma sociedade cuja desigualdade ainda é a marca; diante de
um contexto de vida onde o capitalismo e outras ideologias alimentam o
individualismo; diante aos reclamos da atualidade, em que valores e vidas são
constantemente depredados, pondo em risco o próprio planeta, só resta a
esperança de um projeto mais solidário para a raça humana.
De todo o exposto, resta nítida a estreita relação entre dignidade
humana e Direito Penal, onde devemos analisar em todos os seus aspectos,
mas, principalmente, sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana,
tendo em vista que a sua inobservância poderá implicar em atitudes invasivas
na esfera dos direitos fundamentais que poderão causar lesão maior do que
aquela pela qual se quer punir determinada pessoa.
Não podemos deixar de comentar que à dignidade humana atribui-se
caráter universal, sendo irrenunciável e inalienável, do que se depreende a
impossibilidade de se tentar diminuí-la ou retirá-la de alguém sob argumento de
ter este cometido atos indignos. Sendo que, também devemos nos ater ao fato
da subjetividade do conceito “digno X indigno”.
Desse modo, a dignidade constitui a base para a extração e análise
dos valores, princípios e normas penais.
Kant afirma em sua obra Fundamentação da metafísica dos costumes
“que não é possível se negar respeito mesmo a um homem corrupto, devendo
ser respeitado ao menos em sua qualidade como ser humano, mesmo que
através de seus atos ele se torne indigno deste respeito”.
Outro problema encontrado é o que podemos chamar de relativização
da dignidade, onde observamos situações concretas em que há violação da
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dignidade, pela carência social, econômica e cultural e comprometimento de
condições mínimas de existência.
Não importa qual o entendimento adotado pelo nosso ordenamento
jurídico, admitindo ou não a relativização da dignidade da pessoa humana, é
certo que esta deverá ser respeitada de modo que o ser humano jamais seja
coisificado ou instrumentalizado, mesmo que ele tenha cometido qualquer tipo
de delito. Desse modo, o princípio da humanidade das penas tem como
principal objetivo fazer com que a sanção seja aplicada de forma que respeite a
natureza humana do indivíduo, para que possa atingir a sua finalidade de, mais
do que punir, ressocializar, e não colocar o indivíduo que delinquiu totalmente à
margem da sociedade, tornando-o um pária.
Percebe-se, portanto, que Direito Penal esta, estritamente vinculado ao
princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo que subjetivamente. Este
principio constitui uma limitação ao poder de intervenção do Estado na esfera
individual, fazendo com que o condenado seja tratado com dignidade e que
nunca seja equiparado a um instrumento ou coisa. O fato de um individuo
praticar uma conduta moralmente reprovável pela sociedade onde o mesmo
esteja inserido, não autoriza o Estado e muito menos a sociedade que essa
medida ou sanção penal aplicada retire ou restrinja a sua dignidade. Sendo
assim, antes de ser aplicada uma sanção penal deverá ser observado o grau
de intervenção nos direitos fundamentais do indivíduo que vai sofrer a pena.
39
BIBLIOGRAFIA
AGRA, Walber de Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. ALVES, Cleber Francisco. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: O Enfoque da Doutrina Social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2.001. BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2.002. CASSIN, Bárbara. Aristóteles e o Logos – Contos da Fenomenologia Comum. São Paulo: Edições Loyola, 1.999. FELIPPE, Marcio Sotelo. Razão Jurídica e Dignidade Humana. São Paulo: Max Limonad,1.996. MIRANDOLA, Giovanni Pico Della. Discurso sobre a Dignidade do Homem. Lisboa:Edições 70, 2.001 _____________________. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1.988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2.001. http://www.dudh.org.br KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução: Antônio Pinto de Carvalho. Lisboa: Companhia Editora Nacional, 1964
CAPÍTULO I Conceito de Dignidade 10 1.1. Evolução do conceito de Dignidade 10 1.2. Concepções do conceito de Dignidade da Pessoa Humana 11 1.2.1 Individualismo 11 1.2.2 Transpersonalismo 11 1.2.3 Personalismo 12 1.2.4 Principio da Dignidade da Pessoa Humana 12 CAPÍTULO II A subjetividade da Dignidade Humana 14 2.1. Dignidade Humana sob várias óticas 14 2.2. Declaração Universal dos Direitos Humanos 18 CAPÍTULO III Princípio da Dignidade X Direito Penal 26 3.1. Conceitos de alguns princípios penais 28 3.2. O Sistema Prisional Brasileiro e a dignidade do preso 31 3.3. O principio da dignidade humana e sua relação com o Direito Penal 33 CONCLUSÃO 37 BIBLIOGRAFIA 39 ÍNDICE 40 ANEXOS 41
41
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> Imagens e Gráficos
Anexo 2 >> Entrevistas;
Anexo 3 >> Questionários
42
ANEXO 1
GRAFICOS
FIGURA 1
43
FIGURA 2
FIGURA 3
44
FIGURA 4
FIGURA 5
45
FIGURA 6
FIGURA 7
46
FIGURA 8
FIGURA 9
47
FIGURA 10
FIGURA 11
48
FIGURA 12
FIGURA 13
49
FIGURA 14
50
FIGURA 15
FIGURA 16
51
FIGURA 17
FIGURA 18
52
ANEXO 2
REPORTAGENS
A crise dos refugiados revela falência moral A Europa viola um princípio da Convenção dos Refugiados: se alguém foge, deve ser recebido. Ignorar isso significa ignorar todos os direitos humanos. Zoe Williams - The Guardian. 24 de Janeiro, 2016 - 15:46h
Enquanto a guerra na Síria persistir, o fluxo de refugiados não vai parar. Uma solução que se baseie no fecho de fronteiras e na fortificação da Europa vai simplesmente garantir mais dinheiro para os traficantes de pessoas
Os alemães querem introduzir um imposto pan-europeu para lidar com a crise dos refugiados. Já os dinamarqueses querem aprovar uma lei para apreender qualquer jóia com valor superior a 1.000 libras na chegada dos refugiados - exceto alianças de casamento. Aparentemente é isso que nos define como um povo civilizado: assistimos aos episódios da vida de estrangeiros e calculamos o lucro que podemos colher da tragédia alheia.
Na Turquia, traficantes de pessoas estão a cobrar mil dólares por um lugar numa jangada, 2.500 num bote de madeira, sendo que mais de 350 mil refugiados passaram pela ilha grega de Lesbos, apenas em 2015. O lucro é estimado em centenas de milhões de dólares, e a melhor resposta da UE até agora foi oferecer ao governo turco mais dinheiro, quer seja para manter os refugiados em solo turco, quer seja para reenviá-los de volta pelo caminho que vieram - o que viola acordos internacionais e o espírito todas as promessas que as sociedades modernas têm feito sobre os refugiados.
A Turquia é um país com 75 milhões de habitantes e já recebeu um milhão de refugiados, aceitando as cruéis e impossíveis exigências de um continente com mais de 500 milhões de pessoas que, supostamente, não pode ajudar devido ao risco que tal ação representaria para sua "coesão social". O Reino Unido comprometeu-se a receber 20 mil refugiados, mas apenas os respeitáveis. Nas entrelinhas, resta a mensagem de que o ato de fugir para a Europa coloca os refugiados fora do âmbito da simpatia humana, algo como vagabundos itinerantes.
Uma solução que se baseie em ignorar que pessoas estejam a afogar-se é indistinguível, eticamente, de uma solução que se compromete a afogar as pessoas deliberadamente; e isso, mais uma vez, acabará por mudar a natureza de todos os países que permitam tal realidade
As instituições e os governos representam posições cada vez mais agressivas. Os milhares de voluntários na Grécia, os leitores do The Guardian que doaram mais no Natal para instituições de assistência a refugiados do que em qualquer outra campanha, as organizações de base que surgiram em toda parte para tentar mostrar um pouco de calor humano nesta jornada selvagem em busca da segurança imaginada - nenhum destes agrupamentos são representados, politicamente, num discurso estreito que essencialmente parte da necessidade de espantar os enxames e reencaminhá-los para outro lugar.
São as ideias sonoramente neutras e supostamente baseadas em princípios económicos que entregam o jogo: se um milhão de pessoas em qualquer país europeu sofresse um desastre natural, ninguém estaria a falar sobre como criar um imposto para que a ajuda pudesse ser enviada. Primeiro nós ajudaríamos e, apenas depois, nos preocuparíamos com a organização dos recursos. Quando a UE quer resgatar um governo ou os bancos de um Estado-Membro (operação concedida a um custo drástico para o resgatado), não se cria primeiramente um "imposto de resgate".
A sugestão de que a crise atual requer um imposto próprio e especial pode muito bem ser uma tentativa de forçar os governos a enfrentar a realidade de sua estratégia atual - que se resume a não ter nenhuma estratégia. Ainda assim, ela viola o princípio subjacente à Convenção dos Refugiados: de que alguém que foge, temendo por sua vida, deve ser recebido, independente das vias económicas. Ignorar esse pressuposto significa que, essencialmente, a defesa dos direitos humanos não é mais um princípio fundamental da nossa civilização. Mas sem esse princípio organizador, os laços que unem as nações fragilizam-se: as alianças devem, no mínimo, ser fundadas sobre ideais que ninguém tem vergonha de dizer em voz alta.
Ignorar o princípio subjacente à Convenção dos Refugiados, de que alguém que foge, temendo por sua vida, deve ser recebido, independente das vias económicas, Significa que a defesa dos direitos humanos não é mais um princípio fundamental da nossa civilização
Um continente cuja comunhão é baseada na omissão de socorro aos desesperados terá o seu senso de confiança fatalmente abalado. Diante desse pano de fundo, os dinamarqueses agarram jóias e os franceses e os britânicos disputam entre si para ver quem consegue ser mais inerte frente às questões de Calais e Dunquerque e à miríade de brutalidades que ocorrem por toda a Europa; sem um propósito moral, prevalece a impotência e a indiferença.
Enquanto a guerra na Síria persistir e enquanto o Estado islâmico existir - na verdade, até que haja um surto de paz sem precedentes - certos factos permanecerão indiscutíveis. O fluxo de refugiados não vai parar. Ele não vai diminuir e as pessoas não podem ser acomodadas pela Turquia, mesmo se elas estivessem felizes de parar por ali. Uma solução que se baseie no fecho
de fronteiras e na fortificação da Europa vai simplesmente garantir mais dinheiro para os traficantes de pessoas, intensificando e fortalecendo redes de criminalidade por todo o continente, a um grau que certamente mudará a sua natureza. Uma solução que se baseie em ignorar que pessoas estejam a afogar-se é indistinguível, eticamente, de uma solução que se compromete a afogar as pessoas deliberadamente; e isso, mais uma vez, acabará por mudar a natureza de todos os países que permitam tal realidade. A negligência diante dessa questão corroerá a nossa capacidade coletiva de cooperar em qualquer aspeto. Precisamos de parar de escutar essas sugestões e pensar em saídas adequadas.
Em primeiro lugar, temos de reconhecer a legitimidade dos pedidos de asilo, com base nas rotas tomadas, nos países de origem, na extensão dos conflitos conhecidos. Muito tempo é perdido para discriminar um migrante económico de um refugiado. Podemos dizer com plena confiança que 850 mil pessoas atravessaram as águas da Turquia no ano passado e que nenhuma delas era um canalizador sul-americano à procura de melhores oportunidades.
Não é nada impossível dividir 850 mil pessoas entre nações europeias, com base no seu tamanho e no seu PIB per capita - e exigir de cada nação, como condição de adesão a União, que assuma a sua quota de responsabilidade. E tudo isso deve ser realizado sem o sentimento de vingança mesquinha que tem caracterizado a política de imigração desde a mudança de século. Todos nós precisamos defender significativamente a convenção sobre a qual muito da nossa auto-crença coletiva é baseada; ou considerar um futuro em que essa auto-confiança estará perdida.
Artigo de Zoe Williams, publicado em The Guardian a 17 de janeiro de 2016. Tradução de Allan Brum de Oliveira para Carta Maior. Termos relacionados Notícias internacional