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Do Fado Ao Tango

Oct 04, 2015

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Diego Galeano

Do Fado Ao Tango
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  • DO FADO AO TANGOA emigrao portuguesa para a Regio Platina

    Helena Carreiras, Andrs Malamud, Beatriz Padilla,Maria Xavier e Diego Bussola

    Introduo

    conhecida a importncia da emigrao espanhola e italiana na constituio dassociedades nacionais do cone sul da Amrica Latina; muito menos se sabe sobre oimpacto da emigrao portuguesa, especialmente nos pases de fala hispnica(Assuno, 2004; Padilla, 2004). Este artigo explora as dinmicas migratrias e ascaractersticas dos imigrantes portugueses na regio do Rio da Prata, rea queabarca a Repblica Oriental do Uruguai, as provncias do litoral Argentino e os es-tados do Sul do Brasil. Aanlise proposta resulta fundamentalmente de informaoobtida em arquivos oficiais portugueses, nos escassos trabalhos de investigao exis-tentes e de uma anlise preliminar de dados recolhidos junto a associaes de imi-grantes e descendentes de portugueses nos trs pases mencionados. Aprimeira sec-o introduz a Regio Platina e caracteriza-a histrica e culturalmente. A segundadescreve os processos migratrios que a foram povoando entre meados do sculoXIX e meados do sculo XX. Com esse objectivo, identificam-se as polticas migrat-rias na origem e destinos e periodizam-se os fluxos provenientes de Portugal. Na sec-o seguinte so revistos alguns elementos de caracterizao dos vrios ncleos deimigrantes portugueses na regio, sobretudo do ponto de vista das suas prticas e es-truturas associativas. O artigo conclui com um conjunto de reflexes comparativas.1

    A regio de destino: o Rio da Prata

    O Rio da Prata foi avistado pela primeira vez em 1516. O seu descobridor, o nave-gante espanhol Juan Daz de Sols, confundiu-o com um mar, dadas as suas enor-mes dimenses, e denominou-o Mar Doce. O que Sols no sabia era que nunca sai-ria do Prata com vida: os nativos no o permitiriam. Nem mesmo podia imaginarque havia iniciado a conquista de uma regio que, com o tempo, se transformarianuma segunda fronteira entre os dois imprios ibricos que disputavam entre si onovo mundo. Ao contrrio do resto da Amrica do Sul, onde enormes extensesvazias separavam as populaes de origem hispnica e lusitana, na bacia do Rio daPrata as frentes de conquista e explorao colonial estavam em contacto directo

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    1 Este artigo resulta de um projecto de investigao financiado pelo Programa Lusitnia(PLUS/SOC/50307/2003, FCT GRICES Instituto Cames); uma primeira verso foiapresentada no 52. Congresso Internacional de Americanistas (52ICA), Sevilha, 17-21 de Julhode 2006. Agradecemos a Ftima Carreiras pela assistncia de investigao.

  • (Corra, 2000: 29). Aqui se combateria, nos sculos seguintes, pela definio dosnovos limites entre Espanha e Portugal.

    Na sequncia do Tratado de Tordesilhas de 1494, toda a Regio Platina ficavana posse de Espanha. O enviado hispnico Pedro de Mendoza fundaria, em 1536, acidade de Buenos Aires sobre a margem direita do rio. Contudo, em 1580 os aconte-cimentos polticos na Pennsula Ibrica ocasionaram uma mudana inesperada.Dois anos antes, o rei portugus Dom Sebastio fora morto na batalha de AlccerQuibir no Norte de frica. O trono de Portugal ficou sem sucessores, o que fez comque, aps a morte do regente transitrio Dom Henrique, o rei de Espanha, Filipe II,tenha unificado sob a sua autoridade as coroas peninsulares. Simultaneamente, acidade de Buenos Aires era novamente fundada por Juan de Garay, na medida emque a primeira povoao havia sido destruda pelos nativos. Assim, o ano de 1580assinalou ao mesmo tempo o nascimento da Unio Ibrica na Europa e o da cidademais importante da Regio Platina na Amrica. Se a primeira iria durar apenas ses-senta anos, a segunda estava destinada a um futuro mais venturoso.

    A dominao espanhola sobre Portugal manifestou-se, no Rio da Prata, deuma forma paradoxalmente invertida. Com efeito, Buenos Aires foi invadida pe-los comerciantes lusitanos que captavam o contrabando proveniente das minas doPotos e introduziam os produtos ingleses na cidade, violando desse modo a regu-lamentao monopolstica espanhola (Khn, 2002: 31). Esta situao manteve-se

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    Figura 1 Mapa da Regio Platina (Argentina Litoral, Sul do Brasil e Uruguai)

  • at 1640, quando os reinos ibricos voltaram a separar-se e os portugueses foramexpulsos de Buenos Aires. Nesta circunstncia, os comerciantes lusitanos pressio-naram a corte para que fundasse um posto avanado na margem esquerda do Rioda Prata, com vista a disputar o controlo da regio aos espanhis. No entanto, a si-tuao de Portugal, em guerra com a Espanha na Europa e com a Holanda no Nor-deste brasileiro, no lhe permitiu dar uma resposta imediata s exigncias locais.Isso viria a acontecer apenas em 1680.

    Exactamente cem anos depois da segunda fundao de Buenos Aires pelosespanhis, os portugueses fundariam um assentamento estrategicamente situadoem frente da cidade porto. Colnia do Sacramento, situada no que hoje Uruguai,converter-se-ia, com o tempo, numa espcie de Alscia ou Lorena da Amrica Lati-na: ora os espanhis a conquistavam no campo de batalha, ora os portugueses a re-cuperavam na mesa das negociaes. Empreendimento patrocinado pelos grandescomerciantes do Rio de Janeiro, Colnia foi objecto de inmeros combates e acor-dos diplomticos. Este vaivm manter-se-ia at 1777, quando o Tratado de SantoIldefonso definiu a sua entrega definitiva aos espanhis. Contudo, a doutrina douti possidetis, segundo a qual a posse de um territrio confere direito de proprieda-de sobre ele, permitiu que Portugal conservasse grandes extenses de terra que, se-gundo o tratado de Tordesilhas, pertenciam coroa espanhola. Entre estes terri-trios contam-se os actuais trs estados do sul do Brasil: Paran, Santa Catarina eRio Grande do Sul. Com vista a garantir o controlo portugus sobre estes territ-rios, a coroa autorizou a entrada massiva de imigrantes aorianos em 1746. Os re-cm-chegados instalaram-se maioritariamente no estado mais austral, Rio Grandedo Sul, dando-lhe uma identidade particular que no perderia.

    O Tratado de Santo Ildefonso foi assinado apenas um ano aps a criao doVice-reinado do Rio da Prata em 1776. A nova jurisdio dividiu a Amrica Hisp-nica, fazendo de Buenos Aires a capital do vice-reinado nascente e tornando a Re-gio Platina autnoma do Vice-reinado do Peru. Por conseguinte, a regio passoua relacionar-se directamente com a Europa e permaneceu mais exposta a novasideias e correntes de pensamento. Este caldo cultural germinou em 1810, quandose iniciou o processo que conduziria independncia dos territrios espanhis.Buenos Aires tornou-se o foco dos movimentos revolucionrios, mas o seu jacobi-nismo precoce contribuiu para alienar as populaes e lderes do interior. Esta si-tuao foi aproveitada por Portugal, que voltou a invadir a Banda Oriental em1811.2 At ento, a fronteira sempre havia estado em movimento: no apenas as po-pulaes que habitavam as zonas transfronteirias atravessavam frequentementede um pas para outro, mas os prprios limites territoriais sofriam deslocaes emfuno dos acontecimentos militares, diplomticos e demogrficos. Foi a constitui-o dos estados nacionais durante este perodo que consolidou a noo de uma ri-validade histrica. Na realidade, a fronteira havia sido, at esse momento, um es-pao fluido, pouco povoado, aberto ao intercmbio e disponvel para a conquista,

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    2 O conflito entre as antigas colnias espanholas do Prata e o que seria o imprio do Brasil conti-nuaria por resolver, com guerras intermitentes, at ao fim da Guerra do Paraguai em 1870, quealinhou a Argentina, Brasil e Uruguai contra o Paraguai.

  • ora incentivada pelos governos, ora por ordens religiosas (jesutas), ou pela ambi-o pessoal de aventureiros e bandeirantes.

    Hoje em dia, a populao platina de origem maioritariamente europeia,com escassa presena de indivduos de ascendncia africana e uma reduzida com-ponente indgena. A populao autctone e os escravos trazidos de alm-mar fo-ram dizimados no sculo XIX por guerras, doenas e, nalguns casos, campanhasexplicitamente dirigidas a desloc-los ou extermin-los. Como consequncia, oshabitantes de ascendncia hispnica ou lusitana converteram-se no elemento de-mogrfico hegemnico. Os lusitanos, contudo, foram-se retraindo em direco aonorte, sobretudo a partir da derrota militar do imprio brasileiro face s ProvnciasUnidas do Rio da Prata (Argentina) em 1828. O resultado mais evidente da guerrafoi a criao da Repblica Oriental do Uruguai na margem norte do Rio da Prata.Tratou-se de uma soluo de compromisso, patrocinada pela Gr-Bretanha e aceitetanto pela Argentina como pelo Brasil. Ficava assim resolvida a questo do acesso enavegao nos rios interiores: nenhum dos beligerantes teria o controlo sobre am-bos os lados do esturio; seria um novo pas, o Uruguai, o encarregado de amorte-cer a relao entre os gigantes da regio. No entanto, o processo de consolidaodos estados nacionais no foi imediato e as foras centralizadoras do Rio de Janei-ro, Buenos Aires e Montevideu tiveram que lidar durante mais de trs dcadas comas tendncias centrfugas cujo epicentro se situava no Rio da Prata.

    Entre 1811 e 1870, quer dizer, entre as revolues independentistas e a Guerrado Paraguai, as polticas domsticas da Argentina, Uruguai e Brasil estiveram forte-mente imbricadas. As faces internas dos trs pases envolviam-se em contnuasalianas com faces afins nos pases vizinhos, seguindo o princpio de que o inimi-go do meu inimigo meu amigo. Estas interferncias mtuas nos assuntos internosseriam interrompidas, contudo, quando os trs pases uniram foras numa guerracontra o Paraguai. O conflito desenrolou-se entre 1864 e 1870 e o seu resultado favo-receu a centralizao estatal nas potncias vencedoras. Faltava apenas um passopara a definitiva fixao das fronteiras, que selaria a supremacia dos estados nacio-nais sobre a fluidez territorial at ento predominante na regio (Wilde, 2003).

    No incio do sculo XX, sob inspirao do baro de Rio Branco nessa alturaministro das Relaes Exteriores do Brasil , acordar-se-ia a delimitao definitivadas fronteiras nacionais. Apartir deste momento no existiram mais disputas territo-riais entre os quatro pases da regio. No obstante, as desconfianas nacionais man-tiveram-se e, por vezes, exacerbaram-se at limites que raiaram a parania. AArgen-tina e o Brasil comearam a crescer de costas viradas, esvaziando a fronteira e orien-tando o desenvolvimento em direco s suas regies centrais e reas metropolita-nas (Escud e Cisneros, 2000). Apenas em 1985, com o retorno dos regimes democr-ticos ao Cone Sul, foi possvel ultrapassar a velha rivalidade e substituir o isolamentomtuo e voluntrio pela cooperao regional. Aaproximao entre os quatro estadosplatinos deu lugar, em 1991, criao do Mercosul, o mais ambicioso projecto de in-tegrao at ento concebido na Amrica Latina. Entretanto, durante o sculo queantecedeu o Mercosul, a composio demogrfica da regio havia sofrido graduaismodificaes. base histrica de ascendncia espanhola (na Argentina e Uruguai) eportuguesa (no Brasil) foram-se somando camadas migratrias provenientes tanto

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  • das velhas metrpoles como de lugares mais remotos. Assim, aos imigrantes ibricosque continuavam a chegar vieram juntar-se milhares de italianos, alemes, polacos enacionais de vrios pases da Europa Central. Na Argentina, o impacto das migra-es foi enorme: segundo os correspondentes recenseamentos nacionais, a popula-o duplicou entre 1869 e 1895, voltando a faz-lo em 1914 e outra vez em 1947. Em1960 o pas contava com 20 milhes de pessoas: dez vezes mais que um sculo atrs.No Brasil e no Uruguai, o impacto migratrio sobre a composio demogrfica tam-bm foi muito forte, embora no caso brasileiro a enorme extenso territorial tenha re-sultado numa distribuio tnica menos homognea (e com uma presena significa-tiva de indivduos de origem africana).

    Esta avalanche migratria deu forma ao que se conhece como sociedadesaluvionais, pois a forma como as diferentes vagas se vo acomodando sugere oefeito da sedimentao aps inundaes sucessivas (Romero, 1978). A gradual as-similao dos imigrantes foi moldando as sociedades uruguaia, argentino-pam-peana e brasileira austral, que mantiveram, apesar de tudo, algumas caractersticascomuns das pocas em que a fronteira era mvel e as populaes locais interactua-vam com maior fluidez. Entre esses aspectos culturais, decorrentes em parte deuma geografia plana, um clima temperado e enormes distncias apenas transpos-tas por horas de cavalgada, destacam-se a tradio rural do gacho, a cerimnia doch-mate, a gastronomia baseada em carne de vaca e uma relao familiar com aEuropa, mais que com as culturas africana ou nativa.

    De Portugal ao Rio da Prata: polticas e fluxos migratrios

    As polticas de emigrao portuguesas

    Integrada na ampla onda emigratria da Europa oitocentista, a emigrao por-tuguesa em direco ao outro lado do Atlntico fundamentalmente ao Brasil insere-se no contexto de profundas transformaes socioeconmicas em cur-so tanto nas sociedades de origem como nas de destino. Do lado americano, odesenvolvimento econmico sustentado numa economia agro-exportadora,bem como o desaparecimento do trfego negreiro entre 1850 e 1870 e a definitivaproibio da escravatura, colocaram os novos pases perante a necessidade desubstituio da mo-de-obra escrava. Do lado europeu, a desagregao das es-truturas sociais do Antigo Regime e o desenvolvimento do capitalismo geraramuma enorme massa de camponeses no absorvidos pela industrializao e dis-ponveis para empreender o projecto emigratrio. A partir da segunda metadedo sculo XIX altera-se assim profundamente a natureza da emigrao europeiapara a Amrica: se at s primeiras dcadas desse sculo ela havia desempenha-do a funo de enquadramento administrativo e socioeconmico das socieda-des coloniais, passa agora a funcionar como fonte de mo-de-obra assalariadaem estados independentes.

    convico de diversos autores que tm estudado a poltica portuguesa de emi-grao que a sua principal caracterstica a ambiguidade e carcter contraditrio de

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  • que aparentemente se vem revestindo desde a fase inicial da emigrao moderna(meados do sculo XIX) at pocas recentes (Aguiar, 1970; Pereira, 2002; Rocha-Trinda-de, 2001). Na base desta anlise, uma constatao: a da persistncia de uma tradio le-gal e formal restritiva, acompanhada na prtica por uma efectiva tolerncia da qual aemigrao clandestina constitura o sintoma mais evidente (Pereira, 2002: 12).

    A partir de meados do sculo XIX, e ao contrrio do que sucedia noutros paseseuropeus como a Gr-Bretanha e a Alemanha, onde o aumento das reservas demo-de-obra resultantes da crescente industrializao e desagregao das estruturasagrrias do Antigo Regime suscitava uma atitude liberal face emigrao, em Portu-gal a tradio repressiva de conteno parece ter prevalecido at dcada de 1870. Atesse momento, naquele que poderemos considerar um primeiro perodo da emigra-o moderna, diversos factores revelam uma vontade de conteno da emigraodentro de nveis compatveis com a estrutura social e financeira do pas (Pereira,2002: 100): em primeiro lugar, a necessidade de obteno de passaporte e o condiciona-mento da sua emisso existncia de contratos de trabalho ou ao pagamento da via-gem; em segundo lugar, a obrigao de pagamento de fiana, se no cumpridas asobrigaes militares, por parte dos homens entre os 14 e os 25 anos, faixa etria queconcentrava a maioria dos candidatos a emigrar; finalmente, o facto de as mulheres ca-sadas necessitarem da autorizao dos maridos para emigrar. Esta orientao ficou adever-se prevalncia dos interesses da burguesia agrria, inquieta com a diminuiodas reservas de mo-de-obra que constituam a base das migraes internas e da esta-bilidade dos salrios, e a quem interessava dispor de vastas camadas de campesinatoempobrecido convenientes para o tipo de explorao agrcola dominante.

    Um segundo perodo coincide com o extraordinrio aumento do fluxoemigratrio a partir de 1870, em boa medida relacionado com o fim da Guerrado Paraguai e a proibio definitiva do trfego negreiro. Em Portugal, o fenme-no suscitou enorme ateno, tendo motivado inmeros debates e estudos, bemcomo a realizao de um inqurito visando apurar as suas causas e amplitude.Contudo, nesta fase, o estado portugus no manifestava j inquietao, e se nose ousava empreender uma poltica de liberdade de emigrao, afirmava-se umarelativa tolerncia da emigrao legal e clandestina. Em comparao com pero-dos anteriores e posteriores, a dcada de 1870, em particular, revelou tolerncia(na realidade associada a alguma impotncia) por parte do estado portugus rela-tivamente escalada da emigrao com destino ao Brasil. Diversos factores justi-ficavam esta nova atitude. Em primeiro lugar, as remessas dos emigranteshaviam adquirido uma importncia fundamental na poltica econmica e finan-ceira portuguesa; em segundo lugar, a reduo das reservas de mo-de-obra dei-xara de constituir um problema para a burguesia agrria, devido s transforma-es da agricultura a sul do Tejo; finalmente, a emigrao permitia controlar o ex-cesso demogrfico que o lento desenvolvimento da indstria no absorvia, evi-tando por essa via os problemas sociais decorrentes do desemprego.3

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    3 neste perodo que surge o projecto de orientar para frica a emigrao brasileira. A lei de 1887visava estimular o retorno face ao anti-lusitanismo brasileiro e desviar para as colnias a corren-te emigratria, mas tal projecto fracassou (Pereira, 2002).

  • Entre 1880 e 1930 verificou-se a grande vaga de emigrao europeia. Em Portu-gal alterou-se qualitativamente a composio do fluxo migratrio, verificando-seum aumento substancial da emigrao familiar, ou seja de reunio familiar ou parti-da em famlia. O aumento do fluxo associado a esta nova caracterstica tornou nova-mente a emigrao motivo de preocupao para os dirigentes, e a vontade de conten-o voltou a acentuar-se nos anos 1890, assumindo particularmente a forma de re-presso da emigrao clandestina e criao de polcia especial para esse efeito.

    Um terceiro perodo pode identificar-se a partir de 1930, altura em que o fluxoemigratrio afrouxou devido s restries impostas pelo Brasil sada de capitaisno contexto da crise de 1929 e da emisso de legislao que limitava a entrada deemigrantes. Segundo Pereira, tratava-se do fim de uma poca durante a qual a po-ltica de emigrao conseguira com habilidade conciliar a aparncia de respeitopelo princpio constitucional de liberdade de emigrar com as necessidades finan-ceiras do estado (Pereira, 2002: 120).

    No perodo do segundo ps-guerra, a poltica migratria do Estado Novo conti-nuou a subordinar o direito individual mobilidade aos interesses econmicos e im-periais do governo. Deste modo, leis tendentes a monitorizar e regulamentar a expor-tao da mo-de-obra estavam orientadas por trs objectivos fundamentais: garantiras necessidades laborais do pas, satisfazer os seus interesses na frica e tirar proveitodas remessas dos emigrantes (Baganha, 2000: 189). Para tais efeitos criada, em 1947,na dependncia do Ministrio do Interior, a Junta da Emigrao, qual incumbe o co-nhecimento de todos os assuntos referentes emigrao portuguesa (D-L 36.558,28-10-1947). A centralizao administrativa desenvolvida pela Junta assentava emduas medidas: por um lado, ficava proibida a interveno de engajadores de emigran-tes para a obteno de documentos e passagens (D-L36.558, art. 25); por outro lado, ospedidos de licena para emigrar deviam ser apresentados no concelho de naturalida-de ou residncia, encarregue de reencaminha-los Junta da Emigrao (D-L 36.558,art. 26) a qual passava a emitir o chamado passaporte de emigrante.

    Mas a ambiguidade na posio e polticas do governo portugus face emi-grao continua a ser um dos aspectos mais salientados relativamente a este pero-do. Alguns autores sustentam mesmo que a imposio de medidas administrativase controlo das condies de recrutamento oferecidas aos migrantes no pareceter-se enquadrado numa estratgia definida ou poltica concreta, resultando sobre-tudo de um mero exerccio de poder supostamente assente na defesa do bem-estare interesses dos futuros emigrantes (Rocha-Trindade, 2001: 140). Relativamente emigrao para as Amricas, o governo parecia assumir nas palavras de Ro-cha-Trindade uma postura de neutralidade colaborante, de harmonizao depolticas com as autoridades dos pases receptores, em que se procurava simulta-neamente aumentar ou pelo menos negociar a manuteno das quotas atribudasa Portugal, invocando ainda em certos casos razes humanitrias para o seu alar-gamento excepcional (Rocha-Trindade, 2001: 140).4

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    4 Isto aconteceu, por exemplo, em relao aos EUA aquando da erupo do vulco dos Capeli-nhos, nos Aores (1957).

  • Finalmente, j na dcada de 1960, e em virtude do redireccionamento do prin-cipal fluxo migratrio em direco Europa, alterou-se paulatinamente a polticamigratria do Estado Novo. Por um lado, estabeleceram-se acordos bilaterais comdiferentes pases (nomeadamente Frana e Alemanha) visando, entre outros objec-tivos, maximizar as remessas dos emigrantes (Baganha, 1994, 2000); por outro lado,o crescimento de um plo industrial na rea metropolitana de Lisboa passou a ab-sorver grande parte dos trabalhadores qualificados. Portanto, enquanto o xodorural era orientado para a emigrao e para as reas metropolitanas das cidades, ostrabalhadores qualificados optavam preferencialmente pelo trabalho nas inds-trias recentemente criadas (Baganha, 2000: 189-190).

    As polticas de imigrao no Rio da Prata

    Se as polticas portuguesas de emigrao se caracterizaram por alguma inopern-cia, isso deveu-se existncia de polticas de imigrao e condies econmicas fa-vorveis nos pases receptores (Pereira, 2002: 10). No caso da Amrica Latina emgeral, e dos pases do cone sul em particular, vigorou uma poltica extremamente li-beral at ao final do sculo XIX, altura em que a abundncia de mo-de-obra, oabrandamento no crescimento dos salrios reais, o alargamento da distribuiodos rendimentos, e ainda factores polticos internos vieram proporcionar a criaode algumas barreiras entrada de trabalhadores estrangeiros. No entanto, tal comosalienta Snchez-Alonso (2005), enquanto os EUA aumentaram as restries imi-grao j na ltima dcada do sculo XIX, vindo a fechar completamente as portas imigrao em massa aps a Primeira Guerra Mundial, os pases da Amrica Latinaprosseguiram uma poltica liberal at dcada de 1930.

    Quando, a partir de 1880, a Argentina, Brasil e Uruguai comearam a ter um in-fluxo macio de emigrantes, adoptaram polticas de aceitao da imigrao em massabaseadas em dois instrumentos: um negativo, a ausncia de restries legais entradade estrangeiros, e um positivo, os subsdios pagos aos trabalhadores estrangeiros.

    O caso da Argentina tem sido apresentado como um caso exemplar de umapoltica de imigrao liberal. Durante a dcada de 1920 (aquela em que se verifi-cou o maior afluxo de imigrantes de Portugal), o estado argentino deu continui-dade s polticas pr-migratrias baseadas na Constituio de 1853 e concedeuaos estrangeiros direitos civis fundamentais como a liberdade de profisso, as-sociao, religio e movimento, consagradas na lei de migraes de 1876. Ape-nas dois critrios de excluso eram previstos nessa lei: a sade e a idade. Esta po-ltica imigratria tinha como objectivo o povoamento da pampa e o correlativoaumento da capacidade de utilizao e valorizao dos abundantes recursos na-turais, mas tambm o de trazer imigrantes culturalmente superiores do Nor-te da Europa para eliminar a mentalidade colonial hostil ao desenvolvimento ecivilizar o pas (Snchez-Alonso, 2005: 104). Embora o objectivo inicial fosseo de atrair imigrantes dos pases do Norte, especialmente alemes, e se verificasseuma particular hostilidade aos espanhis, a chegada de cada vez maior nmerode imigrantes da Europa do Sul (especialmente espanhis e italianos) fez com queos argentinos transformassem a necessidade em virtude, inventando o conceito

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  • de latinidade e interpretando o resultado como um feito digno de nota do pon-to de vista cultural (Snchez-Alonso, 2005: 104).

    excepo de um decreto de Dezembro de 1923, que clarificou e ampliou al-gumas condicionantes j existentes na lei de 1876 (aumentando os requisitos buro-crticos para controle dos imigrantes considerados indesejveis), nenhuma restri-o importante foi estabelecida. Embora j desde o incio do sculo vigorassem dis-posies relacionadas com deportao aplicveis a anarquistas e socialistas, e se-melhana de quase todos os outros pases de imigrao fossem aqui aplicadas res-tries de classe (impedindo a entrada de pobres, pessoas que pudessem ficar sob atutela do estado e criminosos), a imposio de restries srias apenas veio a acon-tecer na dcada de 1930, no contexto da crise internacional e de crescentes senti-mentos nacionalistas. Estas novas medidas consistiram na exigncia de contrato detrabalho antes da chegada ou prova de existncia de meios financeiros. Passava as-sim a exigir-se uma carta de chamada para os novos imigrantes por parte de fa-miliares ou conterrneos capazes de garantir-lhes emprego e apoio. Da mesma for-ma, encontravam-se previstas medidas para a reunificao familiar. Os parentesprximos dos imigrantes residentes eram admitidos livremente, o que fez com que,no seu conjunto, estas medidas viessem reforar a dinmica das redes de contactose assistncia entre imigrantes.

    No Uruguai, pas cuja relativa marginalidade fez com que durante todo o s-culo XX se constitusse mais como destino transitrio que como destino final paramuitos imigrantes, a atitude do governo perante a imigrao caracterizou-se pelamesma abertura, mas tambm por uma declarada passividade, limitando-se a suaaco a pouco mais que a concesso de alojamento temporrio aos imigrantes(Finch, 1995: 205-206). A partir de 1930 verificou-se uma diminuio dos fluxos mi-gratrios e em 1936 a tradicional poltica de porta aberta foi abandonada. No finaldos anos 1950 o Uruguai havia entrado num perodo de estagnao econmica ecrescente instabilidade social e poltica, assistindo-se a um crescimento da emigra-o (tendo a Argentina como destino preferencial) no final dos anos 1960.

    Por sua vez, o Brasil desenvolveu a poltica de imigrao orientada para opreenchimento de espaos vazios, o crescimento demogrfico e o desenvolvimen-to agrrio (Westphalen e Balhana, 1993). Como vimos, o boom imigratrio verifi-cou-se logo aps a abolio da escravatura (1888) quando, com a crescente necessi-dade de mo-de-obra livre e barata, comearam a chegar europeus com expectati-vas de prosperidade e abundncia mas, sobretudo, atrados por um programa me-ticuloso de subsdios. O objectivo explcito da poltica de imigrao brasileira eraa manuteno de uma oferta constante de mo-de-obra para manter os salrios bai-xos (Snchez-Alonso, 2005: 109). O apoio aos imigrantes inclua medidas comosubsdio de transporte, contratos de trabalho e habitao gratuita.

    Inicialmente aberta e sedutora,5 a poltica brasileira de imigrao foi-se tor-nando progressivamente restritiva ao longo do sculo XX. De tal forma que alguns

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    5 Mencione-se, a ttulo de exemplo, que no dia 15 de Novembro de 1889, quando proclamada aRepblica, todos os estrangeiros residentes no Brasil foram naturalizados brasileiros.

  • autores consideram mesmo que nenhum outro pas na poca das migraes emmassa e durante um perodo to longo teve uma poltica de imigrao to detalha-da e selectiva como o Brasil (Snchez-Alonso, 2005: 106).

    As primeiras restries, de carcter racial, surgiram logo em 1890, impregna-das pela ideologia do branqueamento prevalecente entre as elites que acreditavamna superioridade branca e no valor da raa ariana: fomentava-se a imigrao euro-peia e proibia-se a entrada de indgenas da sia ou frica. Os no brancos noeram bem-vindos, ao contrrio dos brancos que, por via da miscigenao, repre-sentavam a oportunidade de embranquecer uma populao maioritariamente ne-gra e mestia (Fiori, 2006).

    No princpio do sculo XX surgiram novas restries, de carcter social e sa-nitrio: estavam impedidos de entrar maiores de 60 anos, possveis portadores dedoenas contagiosas e invlidos (1907). Aps a primeira guerra e igualmenteaps a revoluo de 1930, num contexto de crise econmica, as restries surgi-ram para conter o desemprego: as empresas eram obrigadas a ter pelo menos 2/3de brasileiros natos (Westphalen e Balhana, 1993).

    Em 1934, por reaco ao perigo amarelo6 por parte da bancada anti-japone-sa, foi institudo o regime de quotas,7 segundo o qual a entrada anual de imigrantesde um determinado grupo no poderia ultrapassar 2% do total de imigrantes quetivessem entrado no Brasil no decorrer dos ltimos cinquenta anos. As quotas afec-taram todos os grupos imigrantes, incluindo os portugueses.

    Durante o Estado Novo (1937-1944), Getlio Vargas acrescentou ao regimede quotas uma outra restrio, de carcter profissional: eram preferidos agricul-tores ou tcnicos de indstrias rurais (80% da quota obrigatria). Mas o que carac-terizou de forma mais marcante a poltica de Vargas foi a assimilao forada assim a chamavam as prprias autoridades: um conjunto de medidas que, inte-gradas numa poltica de nacionalizao do ensino e de valorizao da lngua por-tuguesa, proibia os imigrantes de falar as suas lnguas natais, inclusivamente noespao domstico (Fiori, 2006). Foi no contexto de tenso cultural (que incluiu va-gas de nacionalismo anti-lusitano) decorrente desta poltica, que Gilberto Freyrepartiu em defesa da cultura luso-brasileira e da figura caluniada do colonizadorportugus, elogiando a capacidade portuguesa de convvio com a diversidade,fundamental unidade de um pas continental, e os valores tradicionais portugue-ses como o necessrio lastro comum. A perspectiva luso-brasileira de Freyre tor-nar-se-ia matriz no governo Vargas e em 1939 os portugueses foram excludos doregime de quotas pelo Conselho de Imigrao e Colonizao (Fiori, 2006).

    Aesta medida seguiram-se outras que sustentariam a teoria de um modelo denao de raiz lusitana (Fiori, 2006) ou de uma brasilidade concebida no sentido lu-sitano (Schwartzman, Bomeny e Costa, 1984). Os portugueses, ao abrigo da polti-ca e legislao imigratrias, foram praticamente tornados cidados nacionais semprecisarem de abdicar da sua nacionalidade de origem (Westphalen e Balhana,

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    6 Segundo Fiori (2006), no ano de 1934 eram cerca de 175. 000 os japoneses e seus descendentesa viver no Brasil.

    7 Artigo 121. da Constituio brasileira de 1934.

  • 1993). De entre as vrias medidas desde ento implementadas podero destacar-seas seguintes: em 1949 foi exigido apenas um ano de residncia aos portugueses quequisessem naturalizar-se brasileiros; em 1950 foram-lhes concedidos vistos semquaisquer restries; em 1970 foi celebrado o Acordo de Previdncia Social/Segu-rana Social com Portugal; em 1972 assinou-se a Conveno de Igualdade de Direi-tos e Deveres entre brasileiros e portugueses e em 1988 foi permitido a todos os ori-ginrios de pases de lngua portuguesa residir apenas um ano para se tornarem ci-dados brasileiros (Westphalen e Balhana, 1993).

    A Argentina, em contraste com o Brasil, desenvolveu uma poltica no discri-minatria (embora formalmente selectiva), atraindo imigrantes dos mercados detrabalho mal pagos do Sul da Europa. Foi apenas na altura em que o Brasil iniciou aatribuio de subsdios (1888) e perante o receio de no poder competir com o seuvizinho, que a Argentina comeou tambm a pagar as viagens da Europa. Contu-do, durante todo o perodo de imigrao macia para a Argentina (1880 a 1930) ogoverno pagou as despesas de deslocao dos imigrantes apenas em trs anos(1887 a 1889). Isto significou que menos de 2% dos 6, 5 milhes de imigrantes quechegaram Argentina entre 1840 e 1930 tiveram viagens pagas pelo governo.Diversos autores sugerem que a Argentina poder ter aproveitado o programa daimigrao subsidiada para o Brasil, j que durante as primeiras dcadas do sculoXX a reemigrao do Brasil para a Argentina foi prtica habitual. Klein indica que47% dos espanhis que deixaram o Brasil nessas primeiras dcadas se dirigiu aoRio da Prata (Klein, 1996).

    Em todo o caso, a fora que realmente atraa imigrantes para a Argentinaeram os elevados salrios reais e no os subsdios. Com efeito, a Argentina, talcomo o Uruguai, tiveram os mais elevados nveis salariais durante o perodo dasmigraes em massa: Os salrios na Argentina e Uruguai foram sistematicamentemais de 200% superiores relativamente a uma mdia ponderada de Itlia, Portugale Espanha (Williamson, 1999, citado por Snchez Alonso, 2005: 112). No Brasil,pelo contrrio, a poltica de incentivo ao aumento populacional a par da manuten-o de baixos salrios teve o mais vivo apoio dos agricultores, que reagiram negati-vamente viragem desta poltica no final da dcada de 1920: As primeiras infle-xes de retraco do financiamento estatal imigrao desencadeiam em 1927 aoposio da Liga Agrcola, que critica a suspenso dos crditos governamentaispara apoio s empresas de recrutamento (Pereira, 2002: 22). Aqui, a partir do finalda dcada de 1920 verifica-se a suspenso dos subsdios e, tal como em toda a re-gio, a instaurao de uma poltica restritiva.

    As dificuldades sentidas pelos governos na orientao dos fluxos migra-trios variaram de pas para pas, tornando-se mais evidentes no caso argentino.Embora o segundo ps-guerra tenha gerado uma breve e intensa onda migrat-ria, a distncia entre normas e prtica fez com que durante o governo peronista(1946-1955) as polticas implementadas tenham tido pouca influncia. O plano doperonismo era abrir as portas imigrao e seleccion-la. Os esforos regulat-rios encontravam-se plasmados no Primeiro Plano Quinquenal que pretendiaincorporar quatro milhes de imigrantes , na criao da Delegao Argentinade Imigrao na Europa e nos acordos bilaterais com Itlia e Espanha. Contudo,

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  • segundo Devoto, a ineficincia da maquinaria administrativa que se viu ultra-passada pelo aluvio do ps-guerra e os altos nveis de corrupo fizeramcom que as normas selectivas se tornassem permeveis e, nessa medida, a ino-bservncia das disposies migratrias generalizou-se (Devoto, 2003: 405).

    Os fluxos migratrios

    Argentina, Brasil e Uruguai foram os pases latino-americanos que conseguiramatrair a maior quantidade de imigrantes europeus (Baily e Mguez, 2003; Kritz e Gu-rak, 1979). Os novos povoadores provinham principalmente de trs pases: as anti-gas metrpoles (Espanha e Portugal) e Itlia. Os italianos distriburam-se com certaproporcionalidade entre os trs pases platinos; espanhis e portugueses, em con-traste, privilegiaram os destinos em que se falava a sua lngua materna. Assim, o flu-xo de portugueses em direco ao Brasil foi, para alm de contnuo, muito maior nu-mrica e proporcionalmente que em direco Argentina e Uruguai.

    Os dados estatsticos disponveis (recenseamentos da populao da Argenti-na, Brasil e Uruguai; boletins da Junta Nacional de Emigrao; Borges, 1997) permi-tem identificar trs grandes perodos migratrios dos portugueses para a regio aolongo do sculo XX. O primeiro continua a tendncia do sculo anterior e terminapor altura da crise de 1930; o segundo inicia-se aps a Segunda Guerra Mundial edura at meados da dcada de 1960; o terceiro revela-se na sequncia da revoluode Abril de 1974 em Portugal. Enquanto os fluxos registados no primeiro perodoso parte da chamada imigrao de massas, o pico de 1950 corresponde j a umaoutra etapa. Por seu turno, o terceiro perodo, relativo segunda metade dos anos70, refere-se a um aumento ligeiro e episdico da emigrao portuguesa, sobretudoem relao ao Brasil, e reflecte a conjugao de dois fenmenos: a busca de asilo po-ltico por parte de exilados do anterior regime e a procura de novos horizontes porparte dos que deixavam a frica aps a descolonizao.

    Amaioria dos estudos sobre migraes portuguesas analisa os fluxos at 1950ou a partir de 1950. Esta temporalidade encontra-se associada criao, nessa altu-ra, da Junta Nacional de Emigrao, que centralizou a informao estatstica.No total, entre 1950 e 1969 emigraram 989.558 portugueses (BJNE). A maioria f-loem direco a Frana (34,7%) e Brasil (31,4%), enquanto outros se dirigiram aosEstados Unidos (8,4%), Venezuela (7,4%), Canad (6,2%), Alemanha (4,6%), fricado Sul (2,2%) e Argentina (1,3%). Antunes (1970) identifica dois perodos nestasduas dcadas: o perodo brasileiro at 1958 e o francs a partir de 1963.Baganha (2000) realiza uma classificao semelhante, denominando o primeirociclo migratrio transatlntico, com preponderncia do Brasil at 1950, e ao segun-do intra-europeu, em que a Frana se destaca como destino predominante.

    No Rio da Prata, 1952 foi o ano de maior emigrao portuguesa da segunda me-tade do sculo. Contudo, a origem geogrfica dos emigrantes para a Argentina e Brasildiferia significativamente. Enquanto a maioria dos portugueses que se dirigiam aoBrasil eram originrios de Viseu, Porto, Aveiro, Funchal e Bragana (BJNE), a maioriados que emigraram para a Argentina provinha dos distritos de Faro e Guarda (Borges,1997) e, a partir de meados de 1950, tambm de Viana do Castelo e Braga (BJNE).

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  • A emigrao portuguesa para o Brasil reveste-se de duas caractersticas sin-gulares relativamente aos outros grupos de imigrantes nesse pas: a regularidadedos fluxos ao longo do tempo e a forte presena numrica. Os portugueses, primei-ro como colonos sob o imprio, depois como imigrantes, sempre estiveram presen-tes na populao do territrio. Assim, em cada dcada do sculo XX e at 1980, re-presentaram pelo menos 30% da entrada de imigrantes (quadro 1 e figura 2). Dadosdo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica indicam que apenas os italianossuperaram em nmero os portugueses durante breves perodos, em particular du-rante as ltimas dcadas do sculo XIX (quando foram recrutados para substituir amo-de-obra escrava, especialmente nas roas de caf). Os portugueses constitu-ram, pois, o grupo imigrante mais significativo no Brasil ao longo do sculo XX.

    No Sul do Brasil, a imigrao portuguesa teve outras particularidades. Porum lado, os fluxos migratrios foram sempre reduzidos claramente em termosabsolutos, mas tambm em relao aos dirigidos ao Rio de Janeiro, So Paulo e scidades do Nordeste. Por outro lado, embora a ocupao e povoamento do Sul doBrasil na poca colonial tenham estado associados aco de aorianos, a partir daindependncia a situao alterou-se. Outras comunidades de imigrantes a se esta-beleceram, designadamente alemes, italianos, polacos e espanhis, pelo que osportugueses se transformaram numa comunidade mais reduzida e, portanto, me-nos visvel. Dados do recenseamento da populao do AIBGE (2000) ilustram aconcentrao de portugueses em certos estados e a sua escassa presena noutros:dos 213.000 residentes no Brasil nascidos em Portugal, apenas 9.000 (4%) habita-vam nos estados de Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, enquanto 89% seconcentravam nos estados de So Paulo e Rio de Janeiro.

    Curiosamente, tambm na Argentina a histria da imigrao habitualmenteanalisada em trs etapas (Devoto, 2003): a precoce, a de massas e a contempornea.Os portugueses, em proporo varivel, participaram nas trs. Como atrs se

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    Anos Total ImigrantesImigrantes portugueses

    N %

    1884-1890 00449.934 091.489 20,31891-1900 1.129.315 202.429 17,91901-1910 00671.351 218.193 32,51911-1920 00797.744 321.507 40,31921-1930 00840.215 286.772 34,11931-1940 00288.607 095.740 33,21941-1950 00131.128 48.606 37,11951-1960 00588.043 239.945 40,81961-1970 00163.967 62.737 38,31971-1980 00078.091 26.915 34,51971-1975 00039.408 03.869 09,81976-1980 00038.683 23.046 59,61981-1984 00011.976 03.438 28,7Total 5.150.371 1.597.771 31,0

    Fonte: AIBGE.

    Quadro 1 Entrada de imigrantes no Brasil, 1884-1984

  • referiu, desde a poca colonial existiram portugueses na regio, muitos deles liga-dos navegao ou ao comrcio. Mais tarde, na poca da imigrao de massas, osportugueses chegaram no final da etapa. Na poca contempornea, pelo contrrio,a imigrao portuguesa chegou cedo em comparao com os fluxos posterioresprovenientes de pases vizinhos.

    Desde o incio do sculo XX e at 1930, a imigrao portuguesa cresceu de for-ma sustentada. Durante esse perodo, os imigrantes provenientes dos distritos deFaro e Guarda representavam cerca de 60% das chegadas, enquanto os distritos deCastelo Branco, Viseu, Braga e Leiria contribuam com cerca de 5% cada. A dcadade 1920 constituiu a poca de ouro da imigrao portuguesa para a Argentina, aqual apenas voltou a florescer, embora em propores menores, nos primeiros anosda dcada de 1950 e entre 1958 e 1962 (quadro 2 e figura 3). Os portugueses instala-ram-se sobretudo na provncia de Buenos Aires, embora uma importante comuni-dade portuguesa tenha vindo a fixar-se na regio patagnica de Comodoro Riva-davia quando teve incio a explorao massiva de jazidas de petrleo, a conviven-do com outras comunidades imigrantes da Europa e Chile (Torres, 1995).

    A onda migratria da Europa em direco Argentina no segundo ps-guer-ra reduziu-se, segundo Devoto, a um episdio intenso mas breve entre 1947 e1951" (2003: 408). No caso dos portugueses, contudo, essa onda estendeu-se umpouco mais, j que a dcada de 1950 e os dois anos seguintes testemunharam ummovimento significativo de imigrantes (Bussola, 2005). O trabalho de campo reali-zado no mbito deste projecto confirma a hiptese de Borges (1997) no sentido emque o prolongamento desta onda se deveu, principalmente, dinmica das redesde imigrantes chegados em perodos anteriores e que se mantiveram em contactocom as comunidades de origem.

    No Uruguai, a presena portuguesa tambm data do perodo colonial. Embo-ra neste caso os dados sejam mais imprecisos, tambm neste pas se manifestaramas migraes em massa entre finais do sculo XIX e incio do sculo XX. Contudo, a

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    0

    200,000

    400,000

    600,000

    800,000

    1,000,000

    1,200,000

    1884-1890 1891-1900 1901-1910 1911-1920 1921-1930 1931-1940 1941-1950 1951-1960 1961-1970 1971-1975 1976-1980 1981-1984

    Anos

    (N)

    Total imigrantes Imigrantes portugueses

    Figura 2 Emigrao portuguesa para o Brasil, 1884-1984Fonte: AIBGE.

  • inteno de povoar o interior com imigrantes europeus fracassou, segundo Finch(1995), por vrios motivos, entre eles o predomnio do latifndio e as caractersticasdos solos.

    Os portugueses que aqui chegaram no sculo XX instalaram-se sobretudo emduas regies: nos arredores da cidade de Montevideu, sobre o Rio da Prata, e na ci-dade de Salto, na costa do Rio Uruguai, tendo-se dedicado sobretudo agricultura.Enquanto os portugueses residentes em Montevideu chegaram maioritariamentedas regies do Norte (Minho e Trs-os-Montes), os de Salto eram provenientes so-bretudo do distrito do Porto.

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    Dcadas Total (N) Faro (%) Guarda (%)1910 01.175 44,8 33,31920 19.536 31,1 26,71930 08.374 24,9 24,41940 03.911 40,6 20,81950 07.521 34,2 22,5Total 40.517 33,0 25,0

    Fonte: Borges (1997).

    Quadro 2 Emigrao portuguesa para a Argentina, 1910-1950

    0

    5000

    10000

    15000

    20000

    25000

    1910 1920 1930 1940 1950 1960

    Dcadas

    Emig

    ran

    tes

    (N)

    Figura 3 Emigrao portuguesa para a Argentina, 1910-1960Fonte: dcadas de 1910 a 1940: estimativas com base em dados das publicaes Movimento da Populao(1914-21) e Anurio Estatstico (1921, 1923-1924, 1926-1955) apresentados em Borges, 1997; dcadas de 1950e 1960: boletins da Junta Nacional de Emigrao.

  • Os imigrantes no presente: caractersticas socioeconmicase associativismo

    No que ao presente diz respeito, informao recolhida nos consulados de Portugalpermitiu contabilizar, em 2005, cerca de 12.000 portugueses residentes na Argenti-na, 210.000 no Brasil8 e 1.100 no Uruguai. Com excepo da referida comunidadede Comodoro Rivadavia, a maioria dos portugueses na Argentina residia nos arre-dores da cidade de Buenos Aires ou na extensa plancie pampeana que a circunda.No Brasil, em contraste, os portugueses residentes nos estados do Sul constituamuma minoria, sendo que apenas 800 se encontravam registados no estado de SantaCatarina, 2.500 no Rio Grande do Sul e 6.000 no Paran.

    Nos trs pases analisados, os portugueses e os seus descendentes encon-tram-se bem integrados nas respectivas sociedades, tendo mantido vivos os refe-renciais identitrios da origem atravs de uma significativa rede associativa bas-tante mais activa na Argentina ou mesmo Uruguai que no Sul do Brasil e patentena criao de meia centena de centros culturais e associativos. Em 2005, a Direc-o-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas tinha registadosnesta regio 54 centros/associaes de portugueses e luso-descendentes: 16 na ci-dade de Buenos Aires e provncia de Buenos Aires, 2 no Uruguai e 36 nos trs esta-dos do Sul do Brasil.9 Desde 1988, sob a iniciativa conjunta das comunidades daArgentina, Uruguai e o estado do Rio Grande do Sul, realizam-se anualmente osEncontros das Comunidades Portuguesas e Luso-Descendentes do Cone-Sul, que vi-sam debater problemas comuns, o fortalecimento de relaes e a dinamizaodo intercmbio desenvolvido entre os movimentos associativos dos trs pases(DGACCP, 2005).

    Como j se viu, na Argentina a grande maioria dos portugueses estabele-ceu-se na cidade de Buenos Aires e nos seus arredores. Segundo a DGACCP (2005),a comunidade portuguesa originria residia na cidade de Buenos Aires (47%), eperto de 3/4 do total de portugueses e luso-descendentes (72%) concentrava-se emtoda a rea metropolitana (para alm da cidade de Buenos Aires, sobretudo nas lo-calidades de Monte Grande, Villa Elisa, Escobar, General C. Paz, Isidro Casanova eGonzlez Catn). Assim o testemunham as redes associativas: cerca de metade doscentros portugueses esto situados na capital federal ou num raio de 100 quilme-tros. As caractersticas das associaes variaram com o tempo. Podemos, em traoslargos, classificar quatro grupos, mencionados a seguir em ordem crescente de dis-tncia desde Buenos Aires. Um primeiro grupo agrega as associaes que permane-cem na capital, o Centro Patria Portuguesa e o Club Portugus, que renem principal-mente os portugueses chegados entre as duas guerras mundiais e os seus descen-dentes. Os seus membros tm uma mdia de idades relativamente elevada e, emboraabram as suas instalaes comunidade, as actividades recreativas regulares esto

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    8 Segundo dados do ltimo censo brasileiro, vivem no Brasil cerca de 700.000 portugueses,dos quais apenas 210.000 nasceram em Portugal.

    9 Durante o trabalho de campo realizado no mbito do projecto, esta informao veio a revelar-sepouco fidedigna, devendo registar-se cerca de 1/3 na Argentina e Brasil para se obter a cifra real.

  • habitualmente limitadas aos membros. Um segundo grupo refere-se aos clubes doGran Buenos Aires (clubes portugueses de Isidro Casanova, Gonzlez Catn eEsteban Echeverra), localizados nos populosos municpios contguos capital ecaracterizados por uma grande abertura das suas instalaes, principalmente pis-cinas e reas de pic-nic, comunidade. Estas associaes datam de finais da dca-da de 1970, altura em que a valorizao cambial favoreceu novos empreendimen-tos. Os fundadores destes clubes chegaram sobretudo aps a Segunda GuerraMundial e as suas principais actividades laborais consistiam na produo de tijo-lo e materiais de construo, bem como a horticultura (Svetlitza 2002; Svetlitza eGonzlez, 2005). Um terceiro grupo abarca os centros radicados nos limites doGran Buenos Aires como o Centro Recreativo Lusitano de Escobar e a Casa de Por-tugal de Villa Elisa. Na sua maioria, renem pessoas chegadas aps a SegundaGuerra Mundial mas que, ao contrrio do grupo anterior, privilegiaram a instala-o de viveiros ou se tornaram floricultores. Finalmente, no interior da provnciade Buenos Aires e nas provncias limtrofes o perfil das comunidades variou demunicpio para municpio.10

    Por seu turno, os portugueses que chegaram inicialmente ao Sul do Brasil noforam representativos da imigrao portuguesa tradicional nesse pas. Uma com-ponente central da populao originria foi constituda pelos colonos aorianosque chegaram no sculo XVIII e se instalaram na zona que hoje Porto Alegre. Aimigrao proveniente dos Aores declinaria posteriormente at se tornar muitopouco significativa. No segundo ps-guerra chegaram novos contingentes prove-nientes do Centro e Norte do pas, que comearam a trabalhar na rea dos servios.Muitos instalaram negcios relacionados com a alimentao, em especial relacio-nados com a produo e distribuio de po. Outros dedicaram-se agricultura e pequena produo hortcola.

    Aps a revoluo de 1974 produziu-se, como vimos, um novo aumento daschegadas, embora muitssimo menor e com caractersticas diferentes do ponto devista da caracterizao socioprofissional dos imigrantes, integrando pessoas comprofisses cientficas, tcnicas, liberais e artsticas; alguns destes emigrantes re-gressariam depois a Portugal.

    Caracterizadas por actividades de teor sobretudo recreativo, as associaesportuguesas do Sul do Brasil parecem ter perdido terreno face s de outros gruposimigrantes, sobretudo italianos e alemes. Embora a maioria das associaes orga-nize um jantar anual e celebre as festividades portuguesas, muitas das tradiestm vindo a perder-se (DGACCP, 2005), os seus membros encontram-se envelheci-dos e a captao de jovens marginal.

    No Rio Grande do Sul no existe, entre os gachos, identificao com oportugus, mas com o aoriano. Se, por um lado, a histria confirma a presenaaoriana, desde a fundao da capital por casais aorianos a uma srie de hbi-tos, costumes e at linguagem difundidos pelo estado do Rio Grande do Sul, por

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    10 Em Olavarra, por exemplo, local das principais cimenteiras argentinas, a actividade principaldos portugueses relacionou-se historicamente com as fbricas de cimento, incluindo trabalhonos fornos ou prestao de servios a quem a trabalhava.

  • outro lado verifica-se uma dedicao recente causa aoriana com vrios prota-gonismos: investigadores nas universidades, secretarias de cultura estaduais emunicipais, associaes culturais e, distncia mas com um papel muito activo,o governo dos Aores, cuja poltica cultural destina todos os anos recursos paraa promoo da presena aoriana no imaginrio gacho (e catarinense). Tais re-cursos so alvo de disputa entre duas associaes: o Instituto Cultural Portuguse a Casa dos Aores do Rio Grande do Sul, ambos com um papel relevante na cons-truo desta identidade. Para alm destas associaes de cariz cultural, existeem Porto Alegre a Casa de Portugal, com uma sede na cidade e outra no campo,destacando-se por uma matriz mais recreativa e preocupada, por esta via, ematrair jovens e novos scios.

    Mais a sul, nas cidades de Pelotas, Rio Grande e Iju, existem outras associa-es activas, em particular o Clube 1. de Dezembro de Pelotas e o Centro Cultural deIju, associao dinmica e promotora da cultura portuguesa. aqui detectvel umsentimento de abandono por parte do governo portugus, contrastado com o go-verno dos Aores e os governos dos outros grupos de imigrantes no estado.11

    Em Santa Catarina, semelhana do Rio Grande do Sul mas ainda com maiorintensidade, observa-se a reconstruo de uma identidade aoriana. A Casa dosAores (de cunho tambm comercial), o Ncleo de Estudos Aorianos da Universida-de Federal de Santa Catarina, a Fundao Franklin Cascaes e o trofu Manezinho daIlha so expresses da valorizao do elemento aoriano. Destaca-se aqui tambmo papel activo do governo dos Aores na reconstruo desta identidade. Arivalida-de do catarinense em relao ao gacho manifesta-se at nesta disputa pela aoria-nidade. Anica associao portuguesa em Florianpolis a Associao Luso-Brasilei-ra, criada em 2000 com fins recreativos e sociais, e que tenta reunir a comunidadeportuguesa em jantares recreativos.

    No Uruguai, os portugueses encontram-se concentrados sobretudo na capi-tal, Montevideu, e regies limtrofes, embora exista um outro grupo importante nacidade de Salto a 600 quilmetros a norte, mais antigo e integrado maioritariamen-te por pessoas que j no podem reclamar a nacionalidade. Enquanto em Montevi-deu se podem encontrar muitos portugueses chegados j aps a Segunda GuerraMundial, no final da dcada de 1940 e primeiros anos da dcada de 1950, em Salto aesmagadora maioria dos que reclamam para si a herana da identidade lusitanaso filhos ou netos de portugueses, descendentes de emigrantes que chegaram nasprimeiras dcadas do sculo XX, ou mesmo antes.

    Deixando de lado a onda migratria mais antiga que incluiu portuguesesde origem aoriana chegados ao Uruguai atravs do Brasil no final do sculo XIX, trata-se de uma emigrao inicialmente masculina mulheres e filhos, quandoexistiam, vinham algum tempo depois de agricultores pobres oriundos do Nor-te de Portugal (sobretudo das regies do Minho, Douro Litoral e Trs-os-Montesmas tambm, em menor proporo, do Centro e Sul do pas). Apesar de alguns

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    11 Nas palavras do presidente da Casa de Portugal, entrevistado no mbito deste projecto: h umtotal descaso do governo portugus em relao aos portugueses de Rio Grande do Sul.

  • casos pontuais de empresrios bem sucedidos, a comunidade de Montevideu composta sobretudo por pequenos e mdios produtores agrcolas que possuempropriedades nos arredores da capital e se dedicam ao abastecimento dos merca-dos da zona. Existem tambm algumas bem sucedidas pequenas e mdias empre-sas industriais.

    Em Montevideu, as prticas associativas so slidas e antigas e sobressai aCasa de Portugal, constituda em 1983 como resultado da fuso da Sociedade de Bene-ficncia Unio Portuguesa (fundada em 1912 com objectivos de assistncia mdica) eo Centro Social Portugus (estabelecido em 1954). Trata-se de uma instituio social,recreativa e cultural, formada essencialmente por emigrantes portugueses e seusdescendentes, mas tambm inclui pessoas de outras origens. Entre as mltiplas ac-tividades que desenvolve, salienta-se a comemorao das datas cvicas do Uruguai(25 de Agosto) e de Portugal (25 de Abril; 10 de Junho; 5 de Outubro), a organizaode encontros de convvio, palestras e conferncias. Alm disso, mantm em activi-dade permanente um conjunto de danas regionais, o Rancho Folclrico e cursosde portugus.

    Em Salto, a Casa de Portugal foi fundada em 1882 com o nome de Sociedadede Beneficncia Portuguesa. Inicialmente tinha como objectivo a solidariedadesocial (assistncia mdica e servio fnebre). Segundo testemunhos recolhidos, apartir de 1956 entrou numa prolongada sonolncia. Nos ltimos anos, com im-pulso e apoio por parte da Casa de Portugal de Montevideu e o papel activo de al-guns dirigentes associativos, reconstituiu-se um grupo com vista a promover areunio dos portugueses e luso-descendentes atravs da realizao de activida-des recreativas e culturais. Trata-se de um grupo de cerca de 250 pessoas, na suamaioria com idade superior a 60 anos, que se rene informalmente na ausncia desede. Na sua maioria so agricultores da periferia da cidade, dedicados hor-to-fruticultura. Um dos eixos em torno dos quais se estrutura a associao tem aver com a construo e conservao do mausolu portugus no cemitrio local, oqual constitui motivo de orgulho colectivo e funciona como incentivo para o en-volvimento na associao.

    Concluso

    A presena de imigrantes portugueses na regio do Rio da Prata no incio do scu-lo XXI reflecte as caractersticas dos processos scio-histricos que moldaram osfluxos migratrios de Portugal para os pases da regio, bem como dos processosde integrao destes imigrantes nas sociedades de destino. Neste artigo procur-mos, sobretudo, descrever as caractersticas fundamentais da primeira destas di-menses, ou seja, do enquadramento scio-histrico e institucional em que se con-figuraram os processos migratrios em causa.

    Sob um pano de fundo de aspectos comuns, emergem diferenas importantesna dimenso, organizao e ritmos dos fluxos, no condicionamento e efeito das po-lticas migratrias ou ainda nas caractersticas demogrficas e socioeconmicasdos emigrantes e seus descendentes que se instalaram na bacia do Rio da Prata.

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  • Se certo que a intensificao da emigrao para esta zona aconteceu nas pri-meiras dcadas do sculo XX, coincidindo com transformaes importantes nas es-truturas sociais de origem e destino, viu-se tambm que o fluxo para o Brasil foibastante mais precoce, constante e incomparavelmente mais significativo em ter-mos da sua dimenso que o que se registou para a Argentina, sendo o caso do Uru-guai quase residual numa comparao de magnitude. Contudo, os estados do Suldo Brasil de que aqui nos ocupamos receberam uma percentagem muito reduzidados imigrantes portugueses, os quais se concentraram sobretudo em So Paulo eRio de Janeiro. Por outro lado, do ponto de vista das suas origens geogrficas emPortugal, constatou-se como as situaes so tambm diferentes: se no caso da emi-grao para a Argentina os distritos de Faro e Guarda contriburam com cerca de60% em mdia do total de emigrantes da primeira metade do sculo XX, os que sedirigiram ao Brasil eram oriundos de vrios distritos do Norte de Portugal, sobre-tudo de Viseu, Porto, Aveiro e Bragana e ainda do Funchal. Mas, uma vez mais, asituao no Sul do Brasil adquire peculiaridade, pois embora no disponhamos dedados discriminados relativos a esta varivel, so as origens aorianas dos primei-ros colonos o factor dinamizador (ainda que fruto de um accionamento simblicoposterior) da presena portuguesa na zona.

    Um dos elementos que condicionou o desenvolvimento destes fluxos foi anatureza das polticas migratrias adoptadas em ambos os lados do Atlntico.Em Portugal possvel identificar como caracterstica fundamental do posicio-namento do estado face emigrao uma atitude legalmente restritiva mas emtenso (e articulao) permanente com uma efectiva tolerncia na prtica, o quefavoreceu a continuidade dos fluxos em direco a estes pases at meados dosculo XX. Continuidade e relevncia que, no que s polticas estatais diz respei-to, ficaram provavelmente mais a dever-se ao incentivo oferecido pelas polticasimigratrias vigentes no Brasil, Argentina e Uruguai, as quais foram, pelo me-nos at dcada de 1930, marcadamente permissivas e liberais, ou at mesmo decariz assistencialista, como aconteceu no Brasil. O papel das polticas deve natu-ralmente ser observado em articulao com os factores de atraco-repulso ac-tuantes no plano socioeconmico. Se no caso brasileiro o programa de imigra-o subsidiada e a valorizao de um modelo de nao de raiz lusitana (Fiori,2006) explicam, em boa parte, o aumento da corrente migratria, no caso daArgentina este ficou a dever-se mais aos elevados salrios (e posteriormente sredes de contactos) que s polticas desenvolvidas, as quais se mostraram poucoinfluentes na orientao e regulao dos fluxos.

    No presente, um trao emergente da presena portuguesa na regio a tendn-cia para a sua progressiva eroso e esbatimento. Isto acontece por diferentes motivos.Desde logo, devido reduzida dimenso quantitativa dos residentes portugueses(mesmo que consideremos claramente subavaliados os nmeros consulares) e inter-rupo dos fluxos a partir dos primeiros anos da dcada de 1960. Se exceptuarmos ocaso do Brasil, que testemunhou um aumento episdico da imigrao portuguesa nosanos subsequentes revoluo de Abril de 1974 e que no final do sculo continuava areceber, embora em nmeros muito reduzidos, alguns emigrantes portugueses, a ten-dncia a do aumento dos luso-descendentes e do desaparecimento progressivo

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  • de residentes de nacionalidade portuguesa.12 Em segundo lugar, o predomnio deuma modalidade de integrao por assimilao no parece ter favorecido, sobre-tudo entre os luso-descendentes, o desenvolvimento ou reforo dos referenciaisidentitrios relacionados com Portugal. Se entre os designados imigrantes de pri-meira gerao se assiste ainda a uma mobilizao significativa da(s) identida-de(s) portuguesa(s) no mbito de uma intensa e relativamente participadavida associativa nos casos da Argentina e Uruguai e de uma reinveno da ao-rianeidade entre certos grupos no Sul do Brasil, a verdade que entre as gera-es mais jovens o recurso a esses quadros cognitivos parece acontecer apenas, ede forma no sistemtica, relativamente a fenmenos que mobilizam fortementeidentidades nacionais como o futebol, ou quando esto em causa motivaes ins-trumentais, como o caso do mais recente interesse em empreender projectos mi-gratrios em direco Europa.

    Contudo, no obstante esta tendncia, outro trao importante no retrato pre-sente dos imigrantes portugueses na Regio Platina ainda a persistncia de umaforte dinmica associativa, visvel sobretudo na Argentina e no Uruguai. No casodo Sul do Brasil, as associaes parecem no desempenhar um papel com idnticorelevo na mobilizao e envolvimento dos portugueses e luso-descendentes. Emtodo o caso, nos trs pases platinos observa-se um fenmeno curioso: a presenafrequente de cnjuges (ou amigos) no portugueses que se integram plenamentena vida associativa e no seu trabalho quotidiano. Esta , talvez, uma prova de quan-to os portugueses e seus descendentes se encontram efectivamente integrados.A assimilao nas sociedades locais muito forte mas preservam-se, simultanea-mente, referenciais identitrios da origem. Pode alis colocar-se a hiptese de queem sociedades social e culturalmente to plurais como as que receberam estes imi-grantes, a lgica da activao e mobilizao de quadros culturais do pas de origem atravs, por exemplo, do associativismo constituir, mais que apenas um efei-to de processos de integrao etnicizante (Pires, 2003) (decorrentes da lgica dasredes com que, de uma forma geral, se organizaram os percursos e modos de inte-grao dos emigrantes portugueses nestes pases), um recurso efectivo e eficaz deassimilao. Este um tema a desenvolver em prximas publicaes da investiga-o que serve de base a este artigo.

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    12 Apesar de significativo, o aumento de pedidos de obteno do passaporte portugus por partede muitos imigrantes ou seus descendentes com vista a viabilizar a partida para a Europa nocontexto da crise econmica que veio a afectar estes pases no inicio da dcada de 2000 no pare-ce ser de molde a inverter esta tendncia.

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    Helena Carreiras. Professora auxiliar no Departamento de Sociologia do ISCTEe investigadora no Centro de Investigao e Estudos de Sociologia (CIES-ISCTE),Lisboa. E-mail: helena. [email protected] Malamud. Investigador no Instituto de Cincias Sociais da Universidadede Lisboa (ICS-UL) e no Centro de Investigao e Estudos de Sociologia(CIES-ISCTE), Lisboa. E-mail: andres. [email protected] Padilla. Investigadora no Centro de Investigao e Estudos de Sociologia(CIES-ISCTE), Lisboa. E-mail: beatriz. [email protected] Xavier. Investigadora no Centro de Investigao e Estudos de Sociologia(CIES-ISCTE), Lisboa. E-mail: [email protected] Bussola. Investigador no Centro de Investigao e Estudos de Sociologia(CIES-ISCTE), Lisboa. Bolseiro de doutoramento da Fundao para a Cinciae a Tecnologia. E-mail: [email protected]

    Resumo/ abstract/ rsum/ resumen

    Do fado ao tango: a emigrao portuguesa para a Regio Platina

    conhecida a importncia da emigrao espanhola e italiana na constituio dassociedades nacionais do cone sul da Amrica Latina; muito menos se sabe sobre aemigrao portuguesa, especialmente nos pases de fala hispnica. Este artigo

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  • explora as dinmicas migratrias e as caractersticas dos imigrantes portuguesesna regio do Rio da Prata, rea que abarca a Repblica Oriental do Uruguai, as pro-vncias do litoral argentino e os estados do Sul do Brasil. Aps uma introduo emque se descreve a singularidade histrica e geogrfica da regio, apresenta-se umaanlise sucinta dos processos migratrios que a foram povoando entre meados dosculo XIX e o final do sculo XX. Identificam-se polticas migratrias na origem eno destino e periodizam-se os fluxos migratrios provenientes de Portugal. Em se-guida, apresentam-se alguns elementos de caracterizao dos vrios ncleos deimigrantes portugueses e luso-descendentes, bem como as respectivas dinmicasassociativas. O artigo conclui com uma srie de reflexes comparativas.

    Palavras-chave migraes internacionais, emigrao portuguesa, polticas migratrias,Portugal, Amrica Latina, Regio Platina.

    From fado to tango: portuguese emigration to the River Plate

    The significance of Spanish and Italian emigration in the constitution of the natio-nal societies of Latin Americas Southern Cone is well known; in contrast, muchless is known about the Portuguese emigration, especially in the Spanish-spea-king countries of Argentina and Uruguay. This article explores the migratorydynamics and the characteristics of the Portuguese emigrants in the River Plate, aregion that encompasses Uruguay, the littoral provinces of Argentina and threestates in Southern Brazil. After an introduction to the historical and geographicfeatures of the region, we present a succinct analysis of the migratory processesthat populated it between the midle of the XIXth century and the end of the XXthcentury. We single out the migratory policies of origin and destiny and advance aperiodisation of the migratory flows originating from Portugal. Next, we suggesta series of elements to characterize the Portuguese and Portuguese-descendentcommunities and their associative dynamics. The article ends with some compa-rative reflections.

    Key-words international migrations, portuguese emigration, migratory policies,Portugal, Latin America, River Plate.

    Du fado au tango: lmigration portugaise vers la Rgion du Rio de la Plata

    Limportance de lmigration espagnole et italienne dans la constitution des soci-ts nationales du cne sud de lAmrique Latine est bien connue; en revanche, nousen savons bien moins sur lmigration portugaise, surtout dans les pays de languehispanique. Cet article explore les dynamiques migratoires et les caractristiquesdes immigrants portugais dans la rgion du Rio de la Plata, zone qui comprend laRpublique Orientale de lUruguay, les provinces du littoral argentin et les tatsdu sud du Brsil. Aprs une introduction qui dcrit la singularit historique et

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  • gographique de la rgion, larticle prsente une analyse succincte des processusmigratoires qui lont peuple entre le milieu du XIXme sicle et la fin du XXmesicle. Il identifie les politiques migratoires dans les pays dorigine et de destina-tion et priodise les flux migratoires provenant du Portugal. Il prsente ensuitequelques lments de caractrisation de divers groupes dmigrants portugais etluso-descendants, ainsi que leurs dynamiques associatives. Larticle conclut parune srie de rflexions comparatives.

    Mots-cl migrations internationales, migration portugaise, politiques migratoires,Portugal, Amrique Latine, Rgion du Rio de la Plata.

    Del fado al tango: la emigracin portuguesa hacia el Ro de la Plata

    Es conocida la importancia de la emigracin espaola e italiana en la construccinde las sociedades nacionales del Cono Sur de Amrica Latina; mucho menos sesabe, en cambio, sobre la emigracin portuguesa, especialmente en los pases his-pano-parlantes. Este artculo explora las dinmicas migratorias y las caractersticasde los inmigrantes portugueses en la regin del Ro de la Plata, que abarca la Rep-blica Oriental del Uruguay, las provincias del litoral argentino y los estados del surde Brasil. Luego de una introduccin en que se describe la singularidad histrica ygeogrfica de la zona, se presenta un anlisis sucinto de los procesos migratoriosque la fueron poblando entre mediados del siglo XIX y fines del XX. Acontinuacinse identifican las polticas migratorias en el origen y destino y se periodizan los flu-jos migratorios provenientes de Portugal. Por fin, se presentan algunos elementosde caracterizacin de los varios ncleos de inmigrantes portugueses y luso-descen-dientes, as como las respectivas dinmicas asociativas. El artculo concluye conuna serie de reflexiones comparativas.

    Palavras-clave migraciones internacionales, emigracin portuguesa, polticasmigratorias, Portugal, Amrica Latina, Rio de la Plata.

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