CONDICIONANTES GEOLÓGICO-GEOTÉCNICOS DE ESCAVAÇÃO GRAMPEADA EM SOLO RESIDUAL DE GNAISSE Alexander Magno Borges Gomes da Silva DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL. Aprovada por: ___________________________________________________________ Prof. Anna Laura Lopes da Silva Nunes, Ph. D. __________________________________________________________ Prof. Alberto Sampaio Ferraz Jardim Sayão, Ph. D. __________________________________________________________ Prof. Milton Assis Kanji, D.Sc. __________________________________________________________ Prof. Franklin da Silva Antunes, D.Sc. __________________________________________________________ Prof. Willy Alvarenga Lacerda, Ph. D. __________________________________________________________ Prof. Maurício Ehrlich, D.Sc. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL JANEIRO DE 2006
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CONDICIONANTES GEOLÓGICO-GEOTÉCNICOS DE ESCAVAÇÃO GRAMPEADA
EM SOLO RESIDUAL DE GNAISSE
Alexander Magno Borges Gomes da Silva
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA
Ocupações urbanas em encostas foram bastante comuns na Europa da Idade Média.
Neste período, a busca de sítios de implantação que propiciassem segurança, do
ponto de vista militar, valorizava, dentre outros, os topos de colinas ou de montanhas.
A partir destes locais estratégicos, a defesa era facilitada, a visão de eventuais
movimentos inimigos era completa e o acesso ficava dificultado aos invasores. Desde
o período colonial, o Brasil apresenta também inúmeras ocupações urbanas em
encostas. Herança da não distante Idade Média, a tradição de escolha de sítios
elevados, para implantação urbana, desembarcou com os portugueses.
No procedimento de investigação de estruturas geológicas dos maciços rochosos, a
meta principal é identificar e destacar as características que devem ser consideradas
no projeto de uma obra de engenharia civil. Na prática, quando um maciço rochoso
íntegro e homogêneo é encontrado, a principal preocupação deve recair sobre as
feições geológicas, ou descontinuidades. Estas representam linhas de fraqueza e de
percolação preferencial no interior das massas rochosas, ocasionada pelo
intemperismo diferencial.
Este trabalho tem como finalidade identificar os condicionantes geológico-geotécnicos
que podem interferir no desempenho de uma escavação grampeada em solo residual
de gnaisse. As investigações envolveram furos de sondagem, análise dos boletins de
perfuração para a instalação dos grampos, mapeamento e determinação das
características das descontinuidades, visando a construção de modelos geológico-
geotécnicos tridimensionais da área grampeada. Os modelos assim desenvolvidos
foram corroborados através da análise e comparação de resultados de ensaios de
rampa em laboratório, ensaios de arrancamento de grampos no campo e dados
relativos à exumação de alguns grampos ensaiados.
A área em estudo encontra-se no município de Niterói, Bairro da Boa Viagem. A
geologia é marcada pela grande diversidade de rochas dentro de uma estreita faixa de
terreno, causada por um sistema de falhamentos de direção NE-SW. Intercalam-se
gnaisses aluminosos granadíferos e kinzigíticos, quartzito e gnaisse calcissilicático,
além de veios de pegmatito, sobrepostos às rochas pré-cambrianas que formam o
embasamento da Baía da Guanabara. As rochas, na área do estudo, foram alteradas,
formando um espesso pacote de solo residual.
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A área está inserida em uma unidade morfoestrutural representativa dos terrenos
colinosos de baixa amplitude de relevo, localizados a leste da Baía de Guanabara e
compreendidos entre as planícies costeiras e baixadas fluviomarinhas e a escarpa da
Serra do Mar. A área pesquisada sofreu retaludamento, utilizando-se da técnica de
solo grampeado para a contenção do talude.
Os mecanismos de instabilização de taludes dependem da geologia, das estruturas
presentes no solo/rocha, do nível de intemperismo, da geomorfologia e da presença
de água. Este trabalho tem como finalidade identificar os principais agentes
condicionantes que interferem no desempenho das escavações
grampeadas.executadas no talude de solo residual de gnaisse O trabalho inclui a
realização do mapeamento geológico das descontinuidades da área. Foram
determinadas características geométricas e estruturais, tais como, orientação,
persistência, espaçamento, abertura, grau de rugosidade e presença ou não de
material de preenchimento das juntas. Foram executados ensaios de rampa (tilt test)
para a determinação do ângulo de atrito, os quais foram comparados com os
resultados de ensaios de cisalhamento direto obtidos por outros pesquisadores na
mesma área.
O mapeamento do talude, permitiu a construção de mapas geológicos detalhados das
escavações grampeadas.
As informações dos boletins de perfuração para a instalação dos grampos no talude,
juntamente com a análise das características mineralógicas e texturais dos materiais
provenientes dos furos e os dados dos perfis de sondagem e das observações in situ
da geologia e do solo permitiram desenvolver mapas geológico-geotécnicos em três
dimensões da área de estudo. A comparação de resultados de ensaios de
arrancamento de grampos ao longo do talude e algumas exumações de grampos
ensaiados corroboram os componentes identificados nos mapas tridimensionais.
Na estruturação desta tese, o Capítulo 1 é o de introdução e o Capítulo 2 apresenta
uma revisão bibliográfica sobre os movimentos de massa e suas classificações, as
técnicas de estabilização mais utilizadas e alguns casos históricos referentes a
instabilização de encostas.
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No Capítulo 3 são apresentados os aspectos geológico-geomorfológicos regionais e
da área do estudo, caracterizando as principais unidades geológicas e
geomorfológicas.
O Capítulo 4 apresenta a caracterização dos condicionantes geológico-geotécnicas do
talude grampeado, os dados de sondagens e boletins de perfuração dos grampos,
além dos resultados dos ensaios de rampa das juntas, ensaios de arrancamento e
exumação de grampos. São descritos os procedimentos utilizados para a construção
dos perfis, mapas e modelos geológico-geotécnicos tridimensionais da área de estudo.
Também reporta a corroboração das características dos modelos 3D com os
resultados de ensaios de arrancamento e exumação de grampos.
Finalmente no Capítulo 5 encontram-se as conclusões e sugestões para pesquisas
futuras.
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CAPÍTULO 2 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Neste capítulo é apresentado um relato sobre os movimentos de massa, seus
conceitos, as classificações mais utilizadas, as causas da instabilização e técnicas de
estabilização, além de apresentar diversos casos de rupturas condicionados pelas
características geológicas, geomorfológicas e geotécnicas, ocorridos no cenário
mundial e no Brasil.
2.1 – MOVIMENTOS DE MASSA
A superfície do planeta Terra sofre constantes transformações, envolvendo tanto a
dinâmica natural como a antrópica que caracterizam a paisagem. Em escala
geológica, essas transformações sofrem influências dos processos naturais
associados aos movimentos epirogenéticos e orogenéticos. Esses processos podem
ser intensificados pelas atividades humanas.
Os movimentos de massa fazem parte da dinâmica da paisagem. Destacam-se como
um dos principais processos geomorfológicos responsáveis pela evolução do relevo,
sobretudo em áreas montanhosas. Remobilizam os materiais ao longo das encostas,
em direção às planícies, e promovem, juntamente com os processos erosivos, o recuo
das encostas e a formação de rampas coluviais. Entretanto, quando ocorrem em áreas
ocupadas, podem se tornar um problema, causando mortes e prejuízos materiais. A
classificação é complexa, pois pode haver uma grande variedade de materiais e
processos envolvidos. Devem ser levados em conta parâmetros como: velocidade e
geometria, mecanismo do movimento, características dos materiais, padrão e
quantidade de fluxo de água.
As análises de movimentos de massa consistem em identificar as causas e as
conseqüências dos processos condicionantes, no sentido de elaborar medidas
mitigadoras que contemplem a gênese e/ou evolução.
ANTOINE (1992) divide os movimentos de massa em movimentos preparatórios
(deflexão, subsidências e abatimento com dilatância) e movimentos verdadeiros
(desmoronamentos, escorregamentos propriamente ditos, escoamentos e movimentos
complexos ou generalizados), enfocando os mecanismos geológicos que influenciam
nos movimentos.
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De acordo com FERNANDES et al. (2001), os movimentos de massas são
condicionados por uma complexa relação entre fatores geomorfológicos, com
destaque para morfologia e morfometria da encosta; fatores geológicos-geotécnicos,
englobando as características litoestruturais, fraturas subverticais e falhamentos
tectônicos; fatores hidrológico-climáticos, com ênfase sobre as poropressões positivas,
umidade do solo; fatores pedológicos, com destaque para as propriedades físicas,
morfológicas (densidade, porosidade, etc.) e hidráulicas do solo (condutividade
hidráulica saturada e não saturada); além do elemento humano, principal agente para
deflagração dos deslizamentos, devido à quebra do equilíbrio dinâmico entre os
condicionantes, acelerando a dinâmica dos processos.
O fator clima possivelmente constitui-se no principal condicionante para os
deslizamentos, devido ao aumento da saturação dos solos e a conseqüente perda de
estabilidade do maciço. FIORI (1995) afirma que os movimentos de massa são
fenômenos de modelagem da superfície terrestre estritamente ligados a condições
climáticas úmidas, ao intenso processo de intemperismo das rochas e à força
gravitacional.
Após os eventos chuvosos, o processo de infiltração efetua-se com a água chegando
à superfície do terreno, atravessando a vegetação direta ou indiretamente, e
penetrando no solo. A água continuará infiltrando até a capacidade de infiltração ser
atingida, isto é, até a total saturação do solo. A partir do instante em que todos os
poros existentes entre os grãos estiverem preenchidos, haverá a obstrução da entrada
de água, que passará a escoar superficialmente ou subsuperficialmente (COELHO
NETTO, 1994).
Os taludes ou encostas naturais são definidos como superfícies inclinadas de maciços
terrosos, rochosos ou mistos (solo e rocha), originados de processos geológicos e
geomorfológicos diversos. O termo encosta é mais empregado em estudos de caráter
regional. Talude de corte é entendido como um talude originado de escavações
antrópicas. Talude artificial refere-se ao declive de aterros construídos a partir de
materiais de diferentes granulometrias e origens, incluindo rejeitos industriais, urbanos
ou de mineração.
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2.1.1 – CLASSIFICAÇÕES DE MOVIMENTO DE MASSA
Engenheiros e geólogos, preocupados com a identificação de deslizamentos e a
avaliação do risco, desenvolveram diversos sistemas de classificação descritivos.
A primeira classificação de ampla aceitação para movimentos de massa, e que serviu
de base para muitos trabalhos posteriores, foi proposta por SHARPE (1938), citado
por BLOOM (1991). Esta classificação teve por base os seguintes parâmetros:
velocidade do movimento, tipo de material (rocha ou solo) e quantidade de água e gelo
contidos na massa. Os movimentos são divididos em duas categorias principais: fluxos
ou corridas (flows) e escorregamentos (slides), sendo que estas categorias
subdividem-se em várias outras. Todas as propostas posteriores foram, de alguma
forma, influenciadas pelo trabalho pioneiro de Sharpe. Entre elas estão as
classificações elaboradas por VARNES (1958, 1975) e por HUTCHINSON (1968).
A proposta de VARNES (1958), que se refere somente aos movimentos mais rápidos,
inclui o modo de deformação como um novo parâmetro e apresenta maior refinamento
no que diz respeito aos tipos de materiais. Além disso, classifica alguns movimentos
como complexos (combinações de dois ou mais tipos), reconhecendo assim a
dificuldade em se estabelecer limites rígidos entre um tipo de movimento e outro.
HUTCHINSON (1968) também utiliza o modo de deformação como parâmetro e
procura englobar todos os tipos de materiais envolvidos. Sua classificação inclui o
rastejo (creep), os escorregamentos (landslides) e os movimentos ligados
especificamente ao congelamento e degelo da superfície. Segundo SELBY (1990),
esta é a classificação mais completa.
COATES (1977) considera escorregamento como uma categoria de movimento de
massa que engloba queda, escorregamento e escoamento, sem considerar o
fenômeno de rastejo. Já os trabalhos de VARNES (1958, 1978), GUIDICINI e NIEBLE
(1976), TURNES e SCHUSTER (1996) destacam-se na análise dos importantes
aspectos dos sistemas classificatórios de movimentos de massa.
De maneira geral, as classificações modernas baseiam-se na combinação dos
seguintes critérios básicos:
• Velocidade, direção e recorrência dos deslocamentos;
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• Natureza do material instabilizado (solo, rocha, detritos e depósitos);
• Textura, estrutura e grau de saturação do maciço;
• Geometria das massas movimentadas;
• Tipo de deformação do movimento.
O movimento de massa admite diferentes classificações a partir das diferentes
características do movimento gravitacional do regolito. As principais características
são o tipo e a velocidade do movimento, a natureza do material envolvido e a
quantidade de água presente no material em movimento. De uma forma simplificada,
os movimentos gravitacionais do regolito associados a encostas podem ser assim
classificados:
(i) Rastejo (talus-creep, soil-creep, rock-creep) – é o movimento mais lento do regolito.
Dependendo do material em movimento, fala-se em rastejo de tálus, rastejo de solo ou
rastejo de rocha. A velocidade do rastejo, medida em milímetros por ano, é maior na
superfície e diminui gradualmente até zero com a profundidade;
(ii) Escorregamentos (landslides, rock-slide, debri-slide, slump) – as condições
essenciais para o escorregamento são a falta de estabilidade da frente das encostas e
a existência de superfícies de deslizamento. Tais condições ocasionam movimentos
rápidos e de curta duração, com velocidades medidas em metros por hora ou metros
por minuto, com planos de ruptura bem definidos entre o material deslizado e o não
movimentado;
(iii) Corridas de Massa (earth-flow, mud-flow, debris-flow) – se o solo e/ou o regolito, já
sujeitos ao rastejo, estão saturados de água, a massa encharcada poderá mover-se
encosta abaixo alguns centímetros ou decímetros por hora ou dia. A saturação da
massa de solo, causada por chuvas de intensidade elevada, pode leva-lá a comportar-
se como um fluido viscoso com deslocamentos rápidos (velocidades de metros por
segundo), ao longo das linhas de drenagem ou talvegue na forma de avalanches;
(iv) Quedas (rock fall, debris-fall) – são movimentos de blocos e fragmentos de rochas,
a partir de afloramentos verticais e salientes, em queda livre ou pelo salto e rolamento
ao longo de planos inclinados, com declividades altas, sem a presença de uma
superfície de deslizamento. Estes movimentos apresentam velocidades muito altas, da
ordem de metros por segundo.
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VARNES (1978) e CRUDEN e VARNES (1996) propõem uma classificação onde
qualquer movimento de massa pode ser classificado e descrito pelo tipo de movimento
e pelo material (Tabela 2.1). Esta classificação tem sido adotada pela IAEG
(Associação Internacional de Geologia de Engenharia).
Tabela 2.1 - Classificação dos movimentos de encostas segundo VARNES (1978).
Tipo de material Solos Tipo de movimento Rocha Grosseiro Fino
Quedas de rocha de detritos de terra Tombamentos de rocha de detritos de terra
Escorregamentos Rotacionais
ou Translacionais
Abatimento de rocha ou de blocos rochosos
Abatimento de detritos ou
de blocos de detritos
Abatimento de terra ou
de blocos de terra
Expansões laterais de rocha de detritos de terra
de detritos de terra Corridas/escoamentos de rocha (rastejo) (Rastejo de solo)
Complexos: combinação de dois ou mais dos principais tipos de movimentos
CRUDEN (1990) define genericamente as instabilizações como escorregamentos, ou
movimentos de massa, rocha, solo e detritos, encosta abaixo.
LEROUEIL et al. (1996) propõem uma classificação para movimentos de taludes
utilizando parâmetros geomorfológicos e aspectos relacionados à mecânica dos solos
e das rochas. Para esses autores, o comportamento geomecânico dos materiais não
pode ser descrito adequadamente com apenas três tipos de classes de materiais,
como na classificação proposta por VARNES (1978), sendo necessárias nove classes
de materiais.
SUMMERFIELD (1997) dividiu os movimentos de massa em seis tipos: rastejo (creep),
corrida (flow), deslizamento (slide), espraiamento (heave), queda (fall) e subsidência.
É possível notar diferenças significativas entre as várias classificações analisadas. Isto
se deve, sobretudo à falta de um critério único. Cada autor atribui maior importância a
um determinado parâmetro, seja a velocidade, os materiais envolvidos ou o modo de
deformação. Entretanto, nota-se que alguns tipos genéricos de movimentos de massa
estão presentes na maior parte das classificações. São eles: o rastejo (creep), as
corridas (flows), os escorregamentos (slides) e as quedas de blocos (rockfalls).
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Uma das normas americanas (CALIFORNIA ADMINISTRATIVE CODE, 1997)
descreve os fatores que afetam o potencial de deslizamento, de acordo com as
condições geológicas, as características de drenagem, o gradiente e a configuração
da encosta, além da remoção da vegetação. O objetivo desta norma é formular as
diretrizes para cada deslizamento, ou seja, cada categoria foi desenvolvida
principalmente pelas experiências de campo, sendo as recomendações feitas pelos
geólogos da Divisão de Minas e Geologia da Califórnia.
Segundo o CALIFORNIA ADMINISTRATIVE CODE (1997), a terminologia de
deslizamento de terra, descrita aqui, inclui os deslizamentos (translacional/rotacional),
os fluxos de terra, os deslizamentos de detritos e os fluxos de detritos. Muitos
deslizamentos são, na realidade, movimentos complexos, sujeitos a mais de um tipo
de processo.
As classificações brasileiras foram também influenciadas pelo trabalho de SHARPE
(1938). A primeira delas, elaborada por FREIRE em 1965, divide os movimentos em
escoamentos (rastejo e corridas), escorregamentos (rotacionais e translacionais),
subsidências e desabamentos (WOLLE, 1980). Esta proposta foi adaptada por
GUIDICINI e NIEBLE em 1976 e simplificada pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas
de São Paulo - IPT (1991).
Em função dos eventos chuvosos de 1966 e 1967 ocorridos na cidade do Rio de
Janeiro, BARATA (1969) considerou cinco tipos de movimentos de massa: queda,
rolamento, fluxo, escorregamentos e complexos.
COSTA NUNES (1969) classifica os movimentos como erosão lenta e rápida e
deslocamento de solo correspondendo a queda, escorregamentos e escoamentos.
AUGUSTO FILHO (1992) ajustou a classificação dos movimentos de VARNES (1978),
às características dos principais grupos de processos de escorregamento no Brasil
(Tabela 2.2).
A GEORIO (2000) estabeleceu uma classificação própria para um melhor ajuste às
descrições dos acidentes geotécnicos mais usuais nas encostas do Rio de Janeiro.
Esta classificação reuniu 13 tipos de acidentes geotécnicos, incluindo as rupturas de
estruturas de contenção, os processos erosivos superficiais e assoreamentos (Tabela
2.3).
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Tabela 2.2 - Características dos principais grandes grupos de processos de escorregamento
(AUGUSTO FILHO, 1992). Processos Características do movimento, material e geometria
Rastejo ou fluência (creep)
Vários planos de deslocamento (internos); Velocidades de muito baixas (cm/ano) a baixas e decrescentes com a profundidade; Movimentos constantes, sazonais ou intermitentes; Solo, depósitos, rocha alterada/fraturada; Geometria indefinida.
Escorregamentos (slides)
Poucos planos de deslocamento (externos); Velocidades médias (m/h) a altas (m/s); Pequenos a grandes volumes de material; Geometria e materiais variáveis:
• Planares – solos pouco espessos, solos e rochas com um plano de fraqueza;
• Circulares - solos espessos homogêneos e rochas muito fraturadas;
• Cunha – solos e rochas com dois planos de fraqueza.
Quedas (falls)
Ausência de planos de deslocamento; Movimento tipo queda livre ou em plano inclinado; Rolamento de matacão e/ou tombamento; Velocidade muito alta (m/s); Material rochoso; Pequeno a médio volume; Geometria variável: lascas, placas, blocos, etc.
Corridas (flows)
Muitas superfícies de deslocamento (internas e externas à massa); Movimento semelhante ao de um líquido viscoso; Desenvolvimento ao longo das calhas naturais de drenagem (ou talvegue); Velocidade média a altas; Mobilização de solo, rocha, detritos e água; Grande volume de material; Extenso raio de alcance, mesmo em áreas planas.
Tabela 2.3 - Descrições dos acidentes geotécnicos observados nas encostas do
município do Rio de Janeiro (GEORIO, 2000).
Tipos de Acidente Escorregamento de solo Escorregamento de solo/rocha Taludes de Corte Escorregamento de rocha
Ruptura de Aterro Escorregamento de solo Escorregamento de solo/rocha Encosta Natural Escorregamento de rocha
Queda/rolamento de blocos ou lascas rochosas Escorregamento de Tálus
Ruptura de estruturas de contenção Escorregamento de lixo/entulho
Corridas. Processos erosivos/assoreamento
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Existem ainda outras classificações de escorregamentos: quanto às condições de
amolgamento do solo (Tabela 2.4), quanto às condições de drenagem (Tabela 2.5), ou
quanto à forma ou tipo do movimento (Tabela 2.6).
Tabela 2.4 - Classificação dos escorregamentos quanto às condições de amolgamento
(GEORIO, 2000).
Escorregamentos virgens Ocorrem em geral em material indeformado, com parâmetros de resistência associados à condição de pico da curva tensão-deformação
Escorregamentos reativados
Ocorrem com material amolgado, em superfícies preexistentes, que sofreram escorregamentos anteriores. A resistência do material tende para a condição residual
NUNES et al. (1979) dividiram os deslizamentos nas encostas cariocas em:
(i) Movimentos de lascas e blocos rochosos imersos em solo residual;
(ii) Movimentos envolvendo predominantemente solo residual com planos de
ruptura sobre superfícies de rocha;
(iii) Movimentos envolvendo rocha alterada e materiais coluvionares, devido a
chuvas excepcionais.
Tabela 2.5 - Classificação dos escorregamentos quanto às condições de drenagem (GEORIO,
2000).
Condições drenadas (longo prazo) Poropressão associada a fluxo permanente no material. Dissipação total das poropressões geradas pelo cisalhamento
Parte da poropressão gerada pelo cisalhamento é dissipada
Condições não drenadas (curto prazo) Materiais com baixo valor de coeficiente de adensamento. Geração de excessos de poropressão associados ao cisalhamento do material
A instabilização de encostas pode ser causada por eventos extremos, tais como
chuvas fortes ou prolongadas, terremotos, erupções vulcânicas e derretimento de
geleiras. Na maior parte dos casos, a chuva é o principal agente deflagrador do
movimento de massa.
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Tabela 2.6 - Classificação dos escorregamentos quanto ao tipo de movimento (GEORIO, 2000).
1 – Quedas (falls): decorrentes da ação da gravidade, ocorrem com velocidades elevadas
2 – Tombamentos (toppling): rotação com basculamento de placas de material rochoso; causado pela ação da gravidade ou poropressão em fissuras
3.1.1 – Simples: uma superfície de ruptura, rasa ou profunda
3.1 – Rotacionais: em geral ocorrem com materiais homogêneos; massa instável é considerada rígida
3.1.2 – Sucessivos: mais de uma superfície de ruptura; podem ser progressivos ou retrogressivos
3.2 – Translacionais: superfície de ruptura plana, relacionada com zonas de fraqueza (falhas, contato solo/rocha, estratificação); movimento contínuo
3 – Escorregamentos (slides): movimentos com superfícies de ruptura bem definidas
3.3 – Compostas: ocorrem em taludes naturais de solos não homogêneos, com superfícies de ruptura não lineares
4.1 – Lentos (creep): também denominados fluência, ocorrem em materiais com comportamento plástico; movimentos contínuos sem superfície de ruptura definida, sob tensões totais constantes
4.1.1 – Rasos: profundidade da massa em movimento inferior a 5m 4.1.2 – Profundos: profundidade da massa em movimento superior a 5m 4.1.3 – Progressivos: movimentos com aceleração gradual com o tempo 4.1.4 – Pós-ruptura: a massa permanece em movimento após o escorregamento; movimentos usuais em tálus e materiais coluvionares
4 – Escoamentos (flows): movimentos contínuos de solos, rochas e/ou detritos com zona de ruptura bem definida; material com comportamento viscoso
4.2 – Rápidos (corridas): em forma de língua com espalhamento na base; usuais em taludes suaves; material com comportamento de fluido pouco viscoso e sob condições não drenadas
4.2.1 – Corridas de terra (flow slides): colapso de estruturas fofas de solos arenosos e siltosos, com acréscimo de poropressão devido a vibrações ou saturação 4.2.2 – Corrida de lama (mudflow): movimentos rápidos em solos moles sensitivos 4.2.3 – Corrida de detritos (debris flow): avalanches de grandes volumes de massas de blocos de rocha, solo e detritos vegetais
5 – Complexos: envolvem vários tipos de movimentos; comuns em encostas íngremes
- -
A deflagração pode também estar relacionada às condições que antecedem o evento
pluviométrico extremo. Há maior probabilidade de ocorrência de movimentos quando
um forte aguaceiro é precedido por um período de vários dias consecutivos de chuva,
que aumentam o grau de saturação do solo.
Os movimentos de massa estão também associados a fatores como estrutura
geológica, características dos materiais envolvidos, morfologia do terreno (declividade,
tipo de modelado e forma das encostas) e formas de uso da terra. A estrutura
geológica é regida pelas falhas, fraturas, bandamentos e foliações. A direção e o
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mergulho destas estruturas condicionam o surgimento de descontinuidades mecânicas
e hidráulicas, as quais contribuem decisivamente na deflagração de movimentos. A
granulometria, porosidade, permeabilidade, resistência ao cisalhamento, entre outros,
determinam a estabilidade natural do maciço e também são responsáveis pelo
surgimento das descontinuidades.
A morfologia do terreno é um dos principais fatores que condicionam a ocorrência de
movimentos. A declividade favorece o deslocamento de massas de solo e blocos de
rocha ao longo das encostas pelo efeito da gravidade. Entretanto, nem sempre os
movimentos ocorrem nas áreas mais íngremes, devido às variações de tipo de
cobertura vegetal e ao fato dos terrenos mais íngremes geralmente serem constituídos
por afloramentos rochosos.
A forma das encostas é também um fator importante. Encostas retilíneas representam
as regiões de maior risco, por apresentarem uma declividade relativamente constante
ao longo de seu perfil, o que facilita o rápido deslocamento dos materiais superficiais.
Além disso, a forma das encostas atua indiretamente, gerando zonas de convergência
e divergência dos fluxos de água superficiais e subsuperficiais.
Segundo GUIDICINI e NIEBLE (1976), os agentes deflagradores da instabilização são
subdivididos em predisponentes e efetivos. Os agentes predisponentes são o conjunto
de condições geológicas, geométricas e ambientais do movimento de massa (Tabela
2.7).
Tabela 2.7 - Agentes e causas dos escorregamentos (GUIDICINI e NIEBLE, 1976).
Complexo geológico, complexo morfológico, complexo climato-hidrológico, gravidade, calor solar, tipo de vegetação
Pluviosidade, erosão pela água e vento, congelamento e degelo, variação da temperatura, dissolução química, ação de fontes e mananciais, oscilação do freático, antrópica
Chuvas intensas, fusão do gelo e neves, erosão, terremoto, ondas, vento ação do homem
Efeito das oscilações térmicas; redução dos parâmetros de resistência por intemperismo
Mudanças na geometria do sistema; efeitos de vibrações; mudanças naturais na inclinação das camadas
Elevação do nível piezométrico em massas homogêneas; elevação da coluna de água em descontinuidades; rebaixamento rápido do lençol freático; erosão subterrânea retrogressiva (piping); diminuição do efeito de coesão aparente
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Os agentes efetivos são o conjunto de elementos diretamente responsáveis pelo
desencadeamento do movimento de massa. Os agentes efetivos são ainda
subdivididos em preparatórios e imediatos, considerando-se sua forma de atuação no
período que antecede à ruptura. As causas são definidas em internas, externas e
intermediárias, com relação ao talude.
VARNES (1978) discute os principais condicionantes e mecanismos de deflagração
dos escorregamentos, reconhecendo os fatores que aumentam as solicitações e os
que diminuem a resistência dos terrenos, com os respectivos fenômenos naturais e
antrópicos a que estão associados (Tabela 2.8).
Tabela 2.8 - Fatores deflagradores dos movimentos de encosta (VARNES, 1978). Ação Fatores Fenômenos naturais/antrópicos
Remoção de massa (lateral ou da base)
Erosão, escorregamentos Cortes Peso da água de chuva, neve, granizo Acúmulo natural de material
Sobrecarga Peso da vegetação Construção de estruturas, aterros
As Tabelas 2.9 e 2.10 permitem comparar e validar os valores de c e Ø obtidos para
taludes em solo e em rocha e servem para estimar os parâmetros de resistência de
maciços pouco conhecidos, ou para análises de estabilidade expeditas.
A persistência de uma descontinuidade corresponde à sua extensão ou comprimento,
tendo influência na resistência ao cisalhamento dos maciços rochosos. O
comprimento médio de um sistema (ou família) de descontinuidades pode ser descrito
conforme a Tabela 2.11.
Tabela 2.11 - Classificação da persistência de uma descontinuidade (ISMR, 1981).
Classe Comprimento Persistência muito pequena < 1,0 m Persistência pequena 1,0 – 3,0 m Persistência média 3,0 – 10,0 m Persistência grande 10,0 – 20,0 m Persistência muito grande > 20,0 m
As aberturas das juntas são expressas em termos da distância média do afastamento
dos blocos adjacentes ou do espaço entre as paredes das juntas. As juntas podem ser
abertas ou fechadas, preenchidas ou não. Nas juntas abertas, pode ocorrer
percolação de água, alteração e preenchimento, com profunda influência na
resistência ao cisalhamento do maciço rochoso.
A caracterização do preenchimento deve considerar, além da espessura, a descrição
da natureza e de seus constituintes, granulometria, mineralogia, textura, cor, e outras
informações importantes. O material de preenchimento pode ser argila, silte, areia, ou
material mais grosseiro, resultante de fragmentação ao longo do plano de ruptura.
Porém, em geral, apresentam baixa resistência ao cisalhamento, com ângulos de atrito
da ordem de 8 a 15º. A abertura e/ou espessura do preenchimento médio das
descontinuidades podem ser classificadas segundo a Tabela 2.12.
Segundo FIORI et al. (2001), o espaçamento ou freqüência das descontinuidades é
determinado em termos de distância entre as descontinuidades, sendo as distâncias
tomadas geralmente ao longo de linhas de varredura. A freqüência das
descontinuidades afeta a qualidade ou resistência do maciço rochoso como um todo,
ou seja, maciços com espaçamento muito pequeno adquirem um comportamento mais
próximo ao de materiais granulares (enrocamento). Por outro lado, quando o
espaçamento é grande, o comportamento do maciço rochoso é fortemente
influenciado pelas propriedades da rocha intacta.
19
Tabela 2.12 - Classificação da abertura das descontinuidades (ISMR, 1981).
Classe Abertura Grupo Muito estreita < 0,1 mm Estreita 0,1 – 0,25 mm Parcialmente estreita 0,25 – 0,5 mm
Feições fechadas
Aberta 0,5 – 2,5 mm Moderadamente aberta 2,5 mm – 10 mm Larga > 10 mm
Feições entreabertas
Muito larga 1 – 10 cm Extremamente larga 10 – 100 cm Cavernosa > 1m
Feições abertas
O espaçamento das descontinuidades tem grande influência na permeabilidade do
maciço rochoso e nas características da percolação. Geralmente, a condutividade
hidráulica de um sistema de descontinuidades é inversamente proporcional ao
espaçamento. O espaçamento das descontinuidades não é constante por toda a
extensão do maciço rochoso e, sim, irregular ou aleatório, podendo apresentar uma
distribuição em agrupamento.
LANA (2000) afirma que famílias de baixa freqüência podem definir mecanismos de
ruptura localizados, ou seja, até mesmo as descontinuidades aleatórias podem formar
blocos potencialmente instáveis em taludes. A Tabela 2.13 apresenta uma
classificação descritiva do espaçamento médio entre as descontinuidades proposta
pela ISMR (1981)
Tabela 2.13 - Classificação do espaçamento médio das descontinuidades (ISMR, 1981).
Classe Espaçamento (mm) Extremamente pequeno < 20 Muito pequeno 20 – 60 Pequeno 60 – 200 Moderado 200 – 600 Grande 600 – 2000 Muito grande 2000 – 6000 Extremamente grande > 6000
FLINN (1958) definiu a presença da orientação preferencial das atitudes dos pólos, a
partir da comparação entre diagramas de densidade de pólos e modelos de diagramas
aleatórios de pólos, utilizando testes de hipóteses. MAHTAB et al. (1972) apresentam
método de definição das famílias de descontinuidades, onde o critério utilizado para
identificar as famílias é baseado na distribuição de Poisson.
20
GROSSMANN (1988) apresenta um método de classificação das descontinuidades
em famílias, baseado no conceito da distância angular entre as superfícies das
descontinuidades. Essa distância define se as descontinuidades pertencem à mesma
família e é baseada também na distribuição de Poisson. O método admite que a
distância angular é função do número de atitudes de descontinuidades medidas,
podendo ser muito pequeno e gerar um grande número de famílias.
2.2.2 – CONDICIONANTES DO SOLO
Com o advento da Pedologia, ciência fundamentada inicialmente na Rússia por
DOKUCHAIEV em 1880, o solo deixou de ser considerado como um corpo inerte, que
reflete unicamente a composição da rocha que o originou, para ser identificado como
um material que evoluiu no tempo, por meio da alteração das rochas e de processos pedogenéticos, comandados por agentes físicos, químicos e biológicos (ANTUNES e
SALOMÃO, 1998).
O solo foi definido por JOFF em 1949 (ROSE et al., 1979), como um corpo natural de
constituintes orgânicos e minerais, diferenciados em horizontes de espessuras
variáveis, que diferem entre si na morfologia, composição física, propriedades e
composição química e características biológicas. Os solos são organizados em
camadas que diferem entre si, e também do material original, tanto nas propriedades
quanto na composição. As camadas individuais são denominadas horizontes de solo e
sua espessura pode variar desde centímetros até metros. O conjunto desses
horizontes constitui o perfil de solo.
Segundo ANTUNES e SALOMÃO (1998), dependendo dos objetivos e do enfoque
científico, tem-se interpretado o solo de maneiras diversas como um produto do
intemperismo físico e químico das rochas (Geologia); como um material escavável,
que perde sua resistência quando em contato com a água (Engenharia Civil); ou como
uma camada superficial de terra arável, possuidora de vida microbiana (Agronomia).
Nos problemas de engenharia, as rochas de resistência muito baixa que se
apresentam muito intemperizadas, são tratadas como solo, para efeito da
caracterização física e da obtenção dos parâmetros de resistência. Para efeitos de
engenharia, TERZAGHI e PECK (1962), definem o solo como agregado natural de
grãos minerais que podem ser separados por meios suaves, tais como a agitação em
água.
21
Estudos sobre solos constatam que sua origem e evolução sofrem a influência de
cinco fatores:
(i) Clima, condicionando principalmente a ação da água da chuva e temperatura;
(ii) Materiais de origem, condicionando a circulação interna da água e a
composição e conteúdo mineral;
(iii) Organismos, vegetais e animais, interferindo no microclima, formando
elementos orgânicos e minerais, e modificando as características físicas e
químicas;
(iv) Relevo, interferindo na dinâmica da água, no microclima e nos processos de
erosão e sedimentação;
(v) Tempo, transcorrido sob ação dos demais fatores.
O principal perfil de intemperismo, reconhecido pela literatura internacional e utilizado
para rochas graníticas e gnáissicas, é o de DEERE e PATTON (1971). O perfil
completo de intemperização de um granito ou gnaisse apresenta, de um modo geral,
três zonas principais:
(i) Solos residuais (zona I) – nesta zona distinguem-se duas subdivisões. Uma
camada superior (solo residual maduro – zona IA), mais antiga e em elevado
estado de intemperização, não apresentando vestígios da rocha de origem.
Abaixo desta camada, há uma zona de solo, com grau de intemperização
menor, que ainda mantém as estruturas da rocha original (solo residual jovem –
zona IB);
(ii) Rocha alterada (zona II) – esta zona pode ser subdividida, embora com limites
não bem definidos, em uma zona superior, de rocha muito alterada, e outra
inferior de rocha pouco alterada;
(iii) Rocha sã.
Ainda, segundo Derre e Patton, a seqüência de camadas de baixa permeabilidade
(IA), e de média a alta permeabilidade (IIB), possibilita o desenvolvimento de um lençol
artesiano na zona de solo residual jovem, sendo este um aspecto importante na
instabilidade dos taludes residuais.
No Brasil, nas últimas décadas, as pesquisas sobre intemperismo resultaram em um
perfil de intemperismo típico para regiões tropicais (VAZ, 1996), bastante utilizado para
22
vários tipos de rocha e de clima, assim como o proposto por WOLLE em 1985 (Tabela
2.14).
A alteração das rochas ocorre através dos intemperismos físico (desagregação) e
químico (decomposição) das rochas. Em países de clima tropical e úmido, a
decomposição é predominante, desenvolvendo pacotes espessos de solos residuais.
Os solos residuais jovens, apesar da decomposição, exibem relíquias preservadas das
descontinuidades herdadas da rocha de origem.
Tabela 2.14 – Perfil de intemperismo para regiões tropicais .
VAZ, 1996
Classificação Classes Comportamento Processos Perfil de intemperismo
WOLLE, 1985
Solo vegetal
(SV) Solo Superficial
Solo eluvial (SE)
S1 Homogêneo isotrópico Pedológicos
Solo Maduro
SO
LO R
ES
IDU
AL
Solo de alteração saprolito
(SAS)
S2 Heterogêneo anisotrópico Solo Saprolítico
Rocha alterada
mole (RAM)
R3
IntemperismoQuímico
Saprolito
Rocha alterada
dura (RAD)
R2 IntemperismoFísico Rocha Alterada
RO
CH
A
Rocha sã
(RS) R1
Dependente do Tipo de rocha
Incipientes ou
ausentes
Rocha Sã
O material proveniente da desagregação da rocha poderá permanecer no local em que
se desenvolveu, ou ser transportado para outra posição. Assim, pode-se identificar a
existência de duas grandes categorias de substrato pedogenético:
23
(i) Residual ou autóctone, formado no local, diretamente da desagregação da
rocha subjacente ao perfil do solo;
(ii) Transportado ou alóctone que, dependendo do agente responsável pelo
transporte, pode receber as seguintes denominações:
Coluvionar: ação da gravidade;
Aluvionar: ação de águas correntes;
Glacial: ação de geleiras;
Eólico: ação do vento.
Portanto, estas denominações, quando aplicadas ao substrato pedogenético, são
apropriadas apenas para se referirem à formação e disposição dos materiais
originários. No entanto, alguns autores, também as aplicam aos solos que se
desenvolveram por intemperismo, a partir desses depósitos (por exemplo: solos
glaciais, aluviais, eólicos ou residuais).
A alteração compreende também mudanças na composição química ou mineralógica
de uma rocha, produzidas pela ação de fluidos hidrotermais. Uma forma típica desse
tipo de alteração é a caulinização ou mineralização. Uma classificação descritiva do
grau de intemperismo ou da alteração do material rochoso é proposta na Tabela 2.15.
Tabela 2.15 - Classificação de rochas quanto ao grau de intemperismo (GEOLOGICAL
SOCIETY, 1977).
Classe Descrição Grau Rocha fresca ou sã Sem evidências de material de alteração IA
Rocha muito pouco alterada Descoloramento ao longo das maiores superfícies de descontinuidades
IB
Rocha pouco alterada
Descoloramento indicando alteração da rocha e das descontinuidades. Todas as rochas podem estar um pouco enfraquecidas em relação em relação ao estado fresco
II
Rocha moderadamente alterada
Menos da metade da rocha apresenta-se decomposta, formando solo. Rocha fresca ou descolorida ocorre sob a forma de corpos relativamente contínuos ou em blocos
III
Rocha muito alterada
Mais da metade da rocha apresenta-se decomposta, formando solo. Rocha fresca ou descolorida ocorre sob a forma de corpos relativamente contínuos ou em blocos
IV
Rocha completamente alterada
Toda a rocha é decomposta. A estrutura da rocha original ainda está presente em grande parte
V
Solo residual Toda a rocha é convertida em solo. A estrutura e a textura da rocha original estão destruídas. O solo não sofreu transporte significativo
VI
24
Segundo VARGAS (1971), a principal característica de um solo tropical é a
heterogeneidade, tanto a nível estrutural quanto mineralógico. Por isso, a definição de
parâmetros a serem utilizados em projetos geotécnicos, que sejam representativos
dos materiais que compõem o maciço, nem sempre é uma tarefa simples,
especialmente quando estes parâmetros dizem respeito à resistência.
A Tabela 2.16 apresenta um típico exemplo de perfil de intemperismo do kinzigito,
localizado na Avenida Niemeyer, Rio de Janeiro (GEORIO, 2000). Estes perfis de
alteração demonstram que a ação intempérica produz materiais extremamente
diferentes, mesmo para rochas idênticas, em função da localização na encosta, do
estágio de alteração e das descontinuidades estruturais. Estes fatores influenciam a
circulação da água em subsuperfície e, conseqüentemente, o avanço da frente de
alteração em profundidade. A variação do microfraturamento ao longo do perfil de
alteração do kinzigito é muito importante. Verifica-se uma variação gradativa das
fraturas ao longo do perfil de alteração do kinzigito, aliada a um aumento da abertura e
da oxidação das fissuras.
Tabela 2.16 - Perfil de intemperismo em kinzigito da Avenida Niemeyer (GEORIO, 2000)
Nível de alteração Nível de alteração correspondente
Espessura (m) Características principais
R0 Nível I 10,0
Formado por quartzo, feldspato potássico (microclina) e plagioclásio (oligoclásio), biotita (de sã a levemente alterada), granada, muscovita, sillimanita, óxidos e hidróxidos de ferro, pirita, hematita, zircão, cordierita e epidoto. Fraturas preenchidas por argilominerais e óxidos de ferro. Aspecto são em amostras de mão. Em lâmina notam-se evidências de alteração incipiente
R1 Nível II 2,0
Formado por quartzo, biotita sã e alterada (com sinais de esfoliação), microclina, anortita subordinada, sillimanita, ilmenita, magnetita, hematita, pirita, zircão e argilominerais. Cordierita totalmente alterada para argilomineral. Aumento da porosidade produzida por fraturamento
R2 Nível III 2,0
Amostra cinza amarelada, com grande concentração de óxidos de ferro e manganês. Biotita sã e alterada (com sinais de esfoliação e preenchimento das lamelas por argilominerais)
R3 Nível IV 6,0
Amostra friável, cor avermelhada, composta por quartzo, óxido de ferro e alumínio, feldspato (em menor quantidade e tamanho, principalmente nas bordas de fraturas) e biotita. Estrutura de rocha ainda preservada
SP (1 a 4) Nível V 30,0 Solos residuais
25
Nem todos as classes de intemperismo são necessariamente encontradas em um
mesmo maciço rochoso, pois são geralmente relacionadas à porosidade e à presença
de descontinuidades abertas na rocha (FIORI et al., 2001).
MARQUES (1998) afirma que não há um perfil de intemperismo para o biotita gnaisse
e para o kinzigito, mas sim uma “zona de alteração” controlada pela presença de
estruturas geológicas, por onde percolam as águas de subsuperfície, que determinam
a distribuição espacial dos níveis de alteração identificados para estas rochas. Ainda,
segundo Marques, essas transformações têm grande influência no comportamento
geotécnico da rocha ao longo de perfis de alteração (Tabela 2.17). A espessura de um
perfil de solo residual depende da intensidade dos processos associados ao
intemperismo. Portanto, fatores relacionados ao clima (rocha matriz, topografia e
tempo transcorrido) são os principais responsáveis pelo desenvolvimento do perfil.
Tabela 2.17 - Variação do microfraturamento do Kinzigito com a evolução do
intemperismo (MARQUES, 1998). Nível de alteração Características
Nível I Fraturas intragranulares mais comuns, com fraturas trans e intergranulares subordinadas, pouco oxidadas e pouco abertas.
Nível II Fraturas trans e intergranulares mais comuns com intergranulares subordinadas, oxidadas e pouco abertas.
Nível II Fraturas trans e intergranulares mais comuns com intergranulares subordinadas, oxidadas e pouco abertas.
Nível IV Fraturas intra, inter e transgranulares igualmente presentes, bastante oxidadas.
Nível V Fraturas inter e transgranulares são as mais comuns, com aberturas de até 2,0 mm.
Segundo MOREIRA (1974), nos solos residuais, a variação singular do grau de
intemperismo, devido à profundidade e as estruturas da rocha original, conduz a
variações, em todas as direções, das propriedades geotécnicas do solo. Ao longo do
perfil do solo, podem-se distinguir zonas com diferentes graus de intemperismo e,
portanto, com diferentes propriedades.
BARROSO et al. (1996) apresentam as principais mudanças mineralógicas ocorridas
com os gnaisses da série superior (kinzigito) com o avanço do intemperismo (Tabela
2.18).
26
Tabela 2.18 - Principais mudanças mineralógicas do kinzigito com o avanço do
intemperismo (BARROSO et al., 1996). Nível de alteração Características
Nível I Os minerais mantêm o brilho, a cor e a dureza originais. Não é possível arrancar grãos da matriz da rocha. Para quebrá-la são necessários vários golpes com o martelo.
Nível II A rocha apresenta sinais de alteração incipiente. Alguns feldspatos apresentam perda de brilho. As biotitas e granadas aparecem algo oxidadas. Este estágio apresenta fraturas pouco oxidadas, em direções variadas.
Nível III
Os feldspatos apresentam-se superficialmente argilizados, e é possível riscá-los através do canivete com relativa facilidade. As biotitas e granadas apresentam-se com oxidação acentuada. É possível a retirada de vários grãos da matriz e escavá-las localmente com o auxílio do canivete. A matriz apresenta-se levemente oxidada.
Nível IV
A argilização dos feldspatos é tão intensa que confere uma grande friabilidade à matriz da rocha. É possível a retirada de grãos da matriz sem dificuldade. Algumas porções da rocha podem ser escavadas com as mãos. Contudo, há também porções não escarificáveis devido à ocorrência de cimentação por óxido de ferro, oriundo da intemperização das biotitas e granadas.
Nas regiões tropicais, estes fatores encontram-se otimizados, pois temperaturas
elevadas, associadas a chuvas intensas, favorecem o intemperismo químico
(BARATA,1981). Como conseqüência, é comum encontrar perfis de solos residuais
profundos nestas regiões, podendo alcançar espessuras da ordem de 100 metros de
espessura. Os taludes em solos residuais rompem geralmente ao longo de feições
geológicas herdadas da rocha matriz. Observa-se que as análises de estabilidade,
com base em parâmetros de laboratório, e sem incluir as referidas feições, podem
indicar que o talude seja estável.
Não existe uma terminologia universalmente aceita para descrever as várias classes
de solos residuais. Termos como “solo saprolítico”; “saprolito” ou “solo residual jovem”
são, muitas vezes, utilizados para descrever o mesmo material. Outras vezes, termos
como “solos residuais tropicais” são estendidos a materiais com características
nitidamente diferentes, tais como solo laterítico, residual maduro e solo saprolítico.
A mineralogia do perfil será função do tipo de rocha matriz e do grau de intemperismo.
Na fração grossa, predominam quartzo, feldspato e as micas como os minerais mais
comuns. Na fração argila, o argilomineral predominante é a caolinita e óxidos,
especialmente nas camadas superficiais. Algumas rochas podem conter minerais
argílicos expansivos, que persistirão nas camadas menos desenvolvidas do solo
27
(residual jovem), podendo provocar expansão quando o solo é submetido ao alívio de
tensão e umedecimento.
Em gnaisses, os horizontes de solo residual jovem tendem a ser não plásticos.
Todavia, os solos micáceos, com pouca quantidade de argila, podem apresentar
plasticidade, induzindo um “índice de atividade”, fictício. A resistência ao cisalhamento
de um perfil de solo, obtida de ensaios de cisalhamento direto inundados, apresenta
uma tendência de aumento com a profundidade, à medida que o índice de vazios
diminui (SOUZA NETO et al., 2001).
2.2.3 – CONDICIONANTES HIDROLÓGICOS
As águas superficiais, formadas pelo conjunto de rios, lagoas, gelo e neve,
representam apenas 0,0002% do volume de água do planeta (UEHARA et al., 1998).
É importante ressaltar que as águas de superfície realizam o trabalho mais intenso de
desgaste das formas de relevo, além dos trabalhos de transporte e deposição de
sedimentos, originando deltas, planícies aluviais, etc.
A solução de problemas de engenharia, que envolvem o comportamento das águas
superficiais, pode ter maior eficiência quando se leva em conta a Geologia de
Engenharia. Não se pode deixar de contemplar os fatores antrópicos que alteram
significativamente o comportamento das águas superficiais, através da análise das
diversas formas de uso do solo e das condições de infiltração e de escoamento.
GUIDICINI e IWASA (1977), observaram que os deslizamentos na região Sudeste do
Brasil, onde chuvas pesadas resultantes de frentes frias polares, geralmente ocorrem
após eventos de intensidade que varia entre 12% e 18% de chuva anual. Se a
intensidade ultrapassar 20%, resulta em eventos catastróficos.
Em taludes de Hong Kong, BRAND et al. (1982) sugeriu que intensidades de chuva
acima de 70 mm/hora podem ativar deslizamentos. O aumento das conseqüências de
um deslizamento é uma função direta do aumento da intensidade e da duração da
chuva.
A água subterrânea também tem uma influência significativa na estabilidade dos
taludes. Seu efeito mais importante está, sem dúvida, no aumento da poropressão do
maciço rochoso, levando à redução dos níveis de pressão efetiva. A força que a água
28
exerce durante o escoamento pode causar instabilidade, alterando a resistência e a
deformabilidade dos maciços. Taludes naturais ou escavados podem ter a estabilidade
comprometida pela força de percolação da água em função de gradientes elevados.
As pressões da água subterrânea são em geral o fator principal em problemas de
estabilidade de taludes. A compreensão do papel da água subterrânea é, portanto
uma exigência essencial para qualquer geometria de talude (HOEK e BRAY, 1981;
BROWN, 1982). O monitoramento das pressões da água subterrânea por meio de
piezômetros é uma forma segura de estabelecer a contribuição da água subterrânea e
para conferir efetivamente as medidas de drenagem (BROWN, 1982).
TERZAGHI (1950) afirma que a água que percola no interior de um talude exerce, em
virtude de sua viscosidade, uma pressão sobre as partículas de solo, conhecida como
pressão de percolação. Esta pressão atua na direção do fluxo e sua intensidade
cresce proporcionalmente influenciando à velocidade de percolação. A presença de
água pode reduzir a resistência das rochas intactas, bem como das descontinuidades
causadas por processos de alteração, saturação e erosão do material de
preenchimento.
Em resumo, a pressão da água pode agir no sentido de desestabilizar as vertentes ao
reduzir as forças resistentes aos escorregamentos e ao aumentar as forças
desencadeadoras do movimento.
LACERDA (1989) afirma que o surgimento de poropressões elevadas em uma
camada de solo, em ciclos anuais ou semestrais, quando da ocorrência de chuvas
intensas, pode provocar a ruptura por fadiga. Após vários períodos de chuva, a
envoltória de resistência inicial do solo tende para uma envoltória de resistência
reduzida. O número de ciclos necessários para atingir a ruptura será tanto menor
quanto mais propenso for o solo à fadiga.
Segundo FIORI et al. (2001), existem dois extremos no comportamento da água
subterrânea nos maciços, um ocorrendo em solos porosos, conglomerados ou em
rochas intensamente fraturadas, e o outro extremo, em maciços rochosos muito pouco
fraturados. No maciço rochoso, com famílias de descontinuidades numerosas e muito
pouco espaçadas, a água comporta-se como em solos porosos. O grau de
conectividade entre os vazios é elevado e as variações do nível freático são graduais,
ocorrendo somente em grandes áreas. Por outro lado, em maciços rochosos pouco
29
fraturados, com poucas famílias de descontinuidades e, especialmente, onde o
espaçamento das descontinuidades é grande, a pressão da água varia
consideravelmente de uma descontinuidade a outra ou de local para local. Os níveis
freáticos erráticos podem surgir onde diques, falhas ou camadas com ângulo de
mergulho elevado atuam como aquicludes (barreiras geológicas). A percolação de
água por meio dos maciços rochosos resulta do fluxo através das descontinuidades.
Detalhes geológicos aparentemente pouco significativos podem ter efeitos apreciáveis
sobre a distribuição de pressões da água nas descontinuidades e, conseqüentemente,
sobre a estabilidade do talude (PATTON e DEERE, 1971). A determinação do nível do
lençol freático, do caminho preferencial de percolação e da pressão da água, pelo
menos de forma aproximada pode prever problemas de estabilidade ou dificuldades na
construção.
Segundo BARROSO e BARROSO (1996), o comportamento hidrogeológico nas
regiões de vertentes é bastante variável e de difícil definição, em função da variação
da geometria das encostas, da diversidade de situações geológicas existentes (capas
de colúvio sobre rocha, solo residual sobre rocha, depósito de tálus, maciço rochoso
fraturado e com diferentes morfologias de perfis de alteração) e da intervenção
antrópica (impermeabilização da superfície do terreno e retirada da vegetação).
2.2.4 – CONDICIONANTES REALATIVOS À VEGETAÇÃO
A vegetação é um dos fatores que contribuem para a evolução natural das encostas
ao longo do tempo geológico. A cobertura vegetal tanto pode ser natural (primitiva ou
secundária) quanto artificial. Em todos os casos, a cobertura exerce uma ação, maior
ou menor, de proteção contra as intempéries. PRANDINI et al. (1982) admitem que o
escoamento superficial seja, de fato, desprezível nas condições de florestas densas e
que a cobertura vegetal também dificulta a penetração profunda da água no maciço.
GRAY et al. (1982) assinalam que, em relação à cobertura vegetal, são atribuídos
efeitos favoráveis e desfavoráveis quanto à estabilidade das encostas. A longo prazo,
a retirada da cobertura vegetal é indiscutivelmente um fator importante de
instabilização.
No Rio de Janeiro, PENHA (1988) considera que a cobertura florestal atua também
como um agente limitador das áreas afetadas por escorregamentos, através do efeito
30
frenador e dissipador de energia das massas deslocadas, restringindo as áreas
afetadas e minimizando os danos em terrenos situados a jusante. As encostas sofrem,
com freqüência, escorregamentos. O fato é conseqüência da própria dinâmica de
evolução das encostas, onde massas de solo avolumam-se continuamente devido à
ação do intemperismo sobre as rochas, atingindo espessuras críticas para a
estabilidade. As florestas desempenham importante papel na proteção do solo e o
desmatamento ou abertura de clareiras pode promover, não só a erosão, mas também
escorregamentos.
O desmatamento é um tipo de uso do solo que efetivamente contribui para o
incremento na freqüência de deslizamentos nas encostas (DUNNE, 1975; KELLER,
1982).
Para avaliar a contribuição na resistência ao cisalhamento do solo pelas raízes, é
necessário considerar a interação solo-raiz. De acordo com WALDRON et al. (1981),
em um sistema solo-raiz, as raízes podem ser tratadas como se fossem elementos
flexíveis e elásticos, de resistências relativamente elevadas, inseridas no solo de
forma a aumentar a resistência contra eventuais escorregamentos nas encostas.
Os processos de instabilização de taludes e encostas tendem a se acelerar algum
tempo após o desmatamento. Logo em seguida à retirada das árvores, existe um
acréscimo na estabilidade das encostas, devido à eliminação dos efeitos negativos
como sobrecarga, efeito alavanca, etc. Contudo, este acréscimo de estabilidade tende
a se perder com o tempo, com o apodrecimento das raízes e a eliminação do efeito de
redistribuição de água de chuva (WOLLE, 1986).
WU (1995) verificou, a partir de ensaios em raízes mortas que, após quatro anos do
corte das árvores, a resistência decai para cerca de 15 a 20% da resistência das
raízes de árvores vivas. Este fato ajuda a explicar o aumento da freqüência dos
deslizamentos de solo que ocorrem em seguida à remoção da vegetação. O emprego
da análise da estabilidade de vertentes antes e depois do desmatamento pode indicar,
com mais segurança, as zonas de risco e sugerir a melhor forma de remediar o
problema.
Segundo VARGAS (1999), os efeitos do desflorestamento sobre a estabilidade dos
taludes das encostas naturais é uma questão muito discutível. Não há dúvida sobre a
evidência da degradação da cobertura vegetal coincidir com escorregamentos
31
generalizados das encostas. Entretanto, há também, casos observados de grandes
escorregamentos, deflagrados por chuvas violentas, em regiões cobertas por florestas.
BROWN e SHEN (1975) referem-se a quatro modos pelos quais a vegetação exerce
influência sobre a estabilidade:
(i) Aumento da resistência do solo causada pelas raízes;
(ii) Sobrecarga devido ao peso da vegetação;
(iii) Aumento de tensão de cisalhamento no talude, devido à ação do vento
sobre as árvores;
(iv) Modificação do solo e do nível da água subterrânea pelas alterações
sofridas pela cobertura vegetal.
Além disto, a geologia, a morfologia do talude e as características do solo podem
influenciar a vegetação, como também a distribuição dos deslizamentos de solo.
2.3 – TÉCNICAS DE ESTABILIZAÇÃO A seguir, apresenta-se, uma breve revisão sobre as técnicas de estabilização mais
comuns de taludes, além de um breve histórico sobre estabilizações realizadas no
Brasil.
2.3.1 – CONTROLE DE ÁGUAS SUBSUPERFICIAIS
As escavações de taludes, tanto em rocha como em solo, comumente atingem o
lençol freático, acarretando com isso a necessidade de remoção das águas
subterrâneas, além das pluviais, para permitir a execução das obras. Algumas das
principais técnicas de controle e drenagem são:
(i) Abertura de valetas ou cavas a céu aberto;
(ii) Drenos suborizontais;
(iii) Poços-ponteira (wellpoint);
(iv) Galerias de drenagem.
32
2.3.2 – CORTINA ATIRANTADA
São estruturas de contenção de paramento vertical ou quase vertical, feitas de
concreto armado, e que são ancorados no maciço através de tirantes protendidos. No
caso de cortes, a execução é feita a partir do topo, executando-se a obra por
patamares. Um novo patamar só é iniciado, quando o anterior já está com os tirantes
protendidos e as placas, em concreto, executadas.
Este tipo de estrutura é muito empregado em obras rodoviárias para a contenção de
cortes e aterros. Os tirantes têm por objetivo ancorar a face da cortina na massa de
solo. A força de protensão é transferida então para uma parte mais resistente do
maciço de solo por meio de barras, cordoalhas ou fios.
2.3.3 – ESTRUTURAS EM SOLOS REFORÇADOS COM GEOSSINTÉTICOS
Os geossintéticos compreendem um conjunto de materiais poliméricos, sendo
utilizados em obras de engenharia civil, particularmente as geotécnicas e de proteção
ambiental. Os polímeros mais comumente utilizados na fabricação destes materiais
são o polipropileno, o polietileno e o poliéster. Os tipos de geossintéticos mais
comumente utilizados como reforço são os geotêxteis, as geogrelhas e as tiras.
Na utilização de geossintéticos como elementos de reforço em aterros com taludes
íngremes ou em estruturas de contenção, os requisitos básicos necessários são:
(i) Resistência aos esforços de instalação;
(ii) Grau de interação entre solo e reforço, caracterizado pela adesão e ângulo
de atrito de interface;
(iii) Resistência e rigidez à tração;
(iv) Resistência à fluência adequada;
(v) Durabilidade compatível com a vida útil da obra.
33
No dimensionamento de estruturas reforçadas é recomendável que o ângulo de atrito
de pico do solo seja dividido por um fator de redução, tendo em vista os diferentes
níveis de deformação necessários para a ruptura do solo e do reforço. A durabilidade
dos geossintéticos é um fator fundamental no projeto de obras permanentes, devendo-
se evitar ambientes agressivos (muito ácido ou muito básico).
2.3.4 – TERRA ARMADA
O processo de solo reforçado, conhecido como terra armada (terré armeé), foi
desenvolvida pelo engenheiro francês Henry Vidal na década de 60. Consiste,
basicamente, na introdução de tiras metálicas em solo compactado, sendo as tiras
ligadas a painéis de concreto na face do maciço.
A terra armada tem dois componentes básicos, a saber:
(i) Volume armado: maciço de solo que envolve as tiras metálicas;
(ii) Tiras metálicas: peças lineares e flexíveis, que trabalham à tração e devem
apresentar resistência à corrosão.
As tiras de reforço são, em geral, de aço galvanizado, com dimensões iguais a 50 ou
100 mm de largura, com 5 mm de espessura. Em ambientes agressivos, devem ser
usados componentes metálicos de aço inoxidável, com as mesmas características de
resistência do aço galvanizado.
2.3.5 – MUROS DE GRAVIDADE
Nestas estruturas, a reação ao empuxo do solo é proporcionada pelo peso do muro e
pelo atrito em sua fundação. Os muros de gravidade devem ser considerados somente
para pequenas alturas, devido a aspectos econômicos advindos das suas dimensões
em grandes alturas. Podem ser de alvenaria, pedra, concreto simples ou ciclópico. De
forma geral, são feitos em formato trapezoidal. Entretanto, variações nas dimensões
podem ser adotadas, tomando como base o formato trapezoidal.
34
2.3.6 – SOLO GRAMPEADO
A técnica de solo grampeado vem sendo utilizada como reforço do solo desde meados
da década de 1970. As origens do solo grampeado remontam à técnica NATM (New
Austrian Tunneling Method) para a construção de túneis. A técnica "terre clouée" foi
denominada pelos franceses e "soil nailing" pelos ingleses. No Brasil é conhecida pelo
nome de solo grampeado ou solo pregado.
De acordo com BRUCE e JEWELL (1987), o primeiro registro da utilização de solo
grampeado ocorreu em um talude ferroviário na França, em 1972.
No entanto, ORTIGÃO et al. (1993) afirmam que a técnica de solo grampeado foi
empregada pela primeira vez no Brasil, em São Paulo, em 1970, nos emboques de
túnel no Sistema Cantareira (Figura 2.2). Nos últimos dez anos as aplicações se
multiplicaram no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas
Gerais (ZIRLIS et al., 1992 e ORTIGÃO et al., 1993).
Figura 2.2 - Contenção de talude do emboque de túnel (adaptado de ORTIGÃO et al.,
1993).
As principais características do solo grampeado são a rapidez de execução, o baixo
custo e a flexibilidade, quando comparadas a outros tipos de obras de contenção. A
técnica tem aplicação na estabilização de taludes de corte instáveis; taludes existentes
com estabilidade insatisfatória ou taludes rompidos. A partir do corte executado ou
35
existente, inicia-se a execução da primeira linha de chumbadores, aplicação do
revestimento de concreto projetado, execução da drenagem, e assim sucessivamente,
até o fundo da escavação. Se o talude já estiver cortado, pode-se trabalhar de forma
ascendente ou descendente, de acordo com a conveniência da obra.
A principal desvantagem da técnica de solo grampeado são os deslocamentos do
maciço permitidos pela flexibilidade da estrutura. Além disto, a técnica não é adequada
para escavações que não se suportem com pelo menos 1,0 m de altura e em
escavações em materiais não coesivos (areia seca ou submersa).
Durante a escavação do talude, o solo grampeado é sujeito ao descarregamento
lateral. O principal elemento de interação solo-grampo é, a resistência ao cisalhamento
mobilizada no contato entre os dois materiais.
A construção do solo grampeado é realizada em ciclos de 3 fases sucessivas, em
geral do topo para a base (Figura 2.3):
(i) Escavação de bancada com altura mínima de 1 m com comprimento
dependente do tipo de solo a ser estabilizado;
(ii) Introdução de grampos suborizontais no solo com espaçamentos horizontal
e vertical pré-calculados;
(iii) Revestimento da face, com concreto projetado, reforçado por uma malha
de aço ou com a instalação de painéis pré-moldados.
Segundo CLOUTERRE (1993), a construção do reforço em solo grampeado, envolve o
reforço de uma área escavada (encosta, por exemplo) com o uso de grampos
passivos que trabalham essencialmente por tração. Os grampos podem ser barras de
aço, barras sintéticas ou micro-estacas, de seção cilíndrica ou retangular. São
instalados, normalmente paralelos um ao outro e suborizontais, de forma a introduzir
esforços resistentes de tração e cisalhamento. Um dos parâmetros mais importantes
para o projeto de um talude reforçado por grampos é a resistência ao cisalhamento
(qs) na interface solo-grampo. CLOUTERRE (1993) recomenda que o valor de qs seja
determinado diretamente a partir de ensaios de arrancamento no campo.
36
Figura 2.3 - Fases de construção de uma parede de solo grampeado (adaptado de
CLOUTERRE, 1993).
A altura máxima a ser escavada em cada etapa depende do tipo de terreno e da
inclinação da face da escavação, que deverá ser estável durante a fase crítica que
ocorre entre a escavação, instalação do reforço e aplicação do revestimento de
concreto projetado. O material a ser escavado deve apresentar uma coesão efetiva
mínima de 10 kPa, do contrário não se pode executar a escavação (ORTIGÃO et al.,
1993). Usando este método, e trabalhando do topo para baixo, o talude reforçado é
construído gradualmente. A técnica de solo grampeado pode ser utilizada em taludes
verticais, inclinados, ou em bancadas, como ilustrado na Figura 2.4.
No caso do reforço com concreto projetado, o cálculo da espessura do revestimento
da parede depende, principalmente, do plano das faces dos grampos. Entretanto, o
volume atual de concreto projetado utilizado é freqüentemente mais alto.
A parede reforçada deve ser provida de drenos, para escoar a água que infiltra para
fora da estrutura. Em áreas sujeitas a fluxos hidráulicos internos de água, é apropriada
a instalação de drenagem, tais como drenos suborizontais, para o escoamento da
água ou, ainda, a instalação na face do talude de geomembranas, antes do
revestimento da parede.
37
Figura 2.4 – Exemplo de escavação estabilizada com técnica de solo grampeado (Foto
do autor).
2.4 – HISTÓRICO DE CASOS
Os primeiros estudos sobre escorregamentos remontam há mais de 2.000 anos, em
países como China e Japão. BRABB (1991) estima em milhares de mortes e bilhões
de dólares de prejuízos por ano, relacionados à deflagração de escorregamentos no
mundo inteiro.
2.4.1 – CASOS INTERNACIONAIS
No cenário internacional são inúmeros os casos reportando ruptura de taludes. Entre
eles, destacam-se algumas rupturas condicionadas por características geológicas,
geomorfológicas e/ou geotécnicas:
Acidente na região da barragem de Vajont (Itália), em 1963, durante o
enchimento do reservatório. A submersão progressiva dos taludes do
reservatório causou um deslizamento de 240 milhões de m3 do maciço rochoso
da encosta do Monte Toc, na ombreira esquerda, gerando uma onda de
dezenas de metros de altura que galgou a barragem e inundou a cidade de
38
Langarone, matando cerca de 2.500 pessoas. A estrutura de concreto da
barragem não foi danificada (LONDE, 1965);
Deslizamento de um corte de estrada na região de Cereixal (Espanha) em local
com intercalação de xistos e arenitos com declividade de 55º e espaçamento
das juntas de 1,0 m. O talude foi escavado com ângulo de 62º, incitando a
ruptura planar do material (WEI et al., 1986);
Rompimento da represa Saint Francis, com 55 metros de altura e 183 metros
de largura, encravada no San Francisquito Canyon (cerca de 70 km de Los
Angeles), causando uma onda de 20 m de altura, que varreu a região a jusante
em 1928. A fundação da represa foi construída sobre xistos de mica laminados
e conglomerado. O contato entre os dois tipos de rocha localizava-se ao longo
de uma falha. A ruptura ocorreu perto da falha e foi devida principalmente ao
piping do conglomerado pelo fluxo da água (LEGET e HATHEWAY, 1988);
Acidente da Barragem de Malpasset (França), ocorrido em 1959, construída
sobre um mica-xisto intensamente fraturado e preenchido por argilominerais. A
causa mais provável para o acidente foi a presença de um plano de
deslizamento, com inclinação desfavorável, além da grande deformabilidade da
rocha de fundação (LEGET e HATHEWAY, 1988);
Ruptura da seção central da Barragem de Austin (Texas, EUA), construída em
1893. As fundações foram executadas sobre argila e folhelhos pouco
resistentes e friáveis, os quais eram atravessados por uma zona de falha. O
fluxo de água provocou a erosão nos estratos mais fracos, causando a ruptura
da estrutura em 1900 (LEGET e HATHEWAY, 1988);
Rupturas do Canal do Panamá durante a escavação do Corte de Gaillard entre
1884 e 1912. As rochas encontradas no anfiteatro são xisto, arenito, diques
basálticos, aglomerados vulcânicos e tufos vulcânicos, com a presença de
numerosas fraturas e falhas. Os deslizamentos foram causados pelo intenso
fraturamento das rochas. Além disto, havia a depressão, em sinclinal, da seção
de Culebra, com 1,6 km de largura ao nível do canal. Esta depressão está
preenchida com uma argila arenosa da Formação Cucaracha, estruturalmente
fraca, e responsável pela repetição da maioria dos deslizamentos que
interferiram seriamente na construção do canal (LEGET e HATHEWAY, 1988);
Deslizamento ocorrido durante o corte do talude San Antolín, para a construção
da estrada UM-8 (Espanha). A rocha local é um quartzito, com direção de 160º
e mergulho de 80º na parte superior do talude, diminuindo para 60º na parte
mais baixa do talude. Há uma falha, visível na parte superior do talude. Sobre a
falha, a rocha apresenta descontinuidades bem espaçadas. Abaixo da zona da
39
falha, o espaçamento entre as descontinuidades é inferior a 1,0 m, e há
algumas camadas intercaladas de xistos. A transição entre estas duas zonas
resulta da orientação desfavorável das descontinuidades, que favoreceu os
deslizamentos durante a escavação (ODA et al., 1993);
Ruptura do talude El Haya, correspondente ao corte de uma seção da estrada
UM-8 que liga Santader para Bilbau (Espanha). Durante o corte do talude de
declividade de 55º, houve um deslizamento de 1.000 m3 de rochas calcáreas a
partir da crista e ao longo das juntas transversais (ODA et al., 1993);
Avalanches de rochas com volume de 100.000 m3 e blocos de rocha com mais
de 1,0 m3 no Vale de Yosemite (Califórnia, EUA), causados pela penetração
das raízes, expandindo as juntas e favorecendo as quedas das placas e blocos
de granito (WIECZOREK et al., 1995).
2.4.2 – CASOS BRASILEIROS
Os movimentos em encostas têm grande impacto na ocupação das cidades,
principalmente para aquelas que se encontram encravadas nos flancos de serras e
montanhas. No Brasil, várias são as cidades e zonas metropolitanas que apresentam
histórico de ocorrência de movimentos de massa, com vítimas fatais e danos materiais
decorrentes.
No Brasil, existem relatos tratando de escorregamentos nas encostas de Salvador
(BA), datados da época colonial (1671). Segundo AUGUSTO FILHO (1994), os
movimentos em taludes e encostas têm causado, principalmente nas últimas duas
décadas, acidentes em várias cidades brasileiras, muitas vezes com mais de uma
dezena de vítimas fatais.
AMARAL et al. (1993) apresentam um relato sobre gastos no total de 7,1 milhões de
dólares associados à execução de obras de contenção nas encostas do Rio de
Janeiro, no período de 1988 a 1991.
A literatura reporta diversos casos de ruptura condicionados a fatores geológicos,
geomorfológicos e geotécnicos. Alguns exemplos podem ser apresentados:
40
1953-2002: Escorregamentos ocorridos no talude Ponteio na BR-356, Belo
Horizonte, em função da disposição das descontinuidades, favorecendo a
ocorrência de rupturas em cunha, percolação da água seguida de erosão,
rupturas planares e tombamentos (PARIZZI et al., 2004);
1956: Escorregamento de rocha na encosta do morro Santa Terezinha, Santos
(SP), causado pela pressão da água da chuva nas fraturas do talude rochoso,
possivelmente abalado pelas explosões prévias da pedreira em operação
(VARGAS, 1999);
1966: Escorregamento na encosta do Morro do Urubu, Rio de Janeiro,
condicionado pela formação de lençol artesiano propiciado pela existência de
solo residual arenoso subjacente ao tálus argiloso (MOREIRA, 1974);
1970: Escorregamentos de blocos rochosos no km 44,7 da Via Anchieta, São
Paulo, devido ao efeito da percolação da água de chuva nas fraturas da rocha
(VARGAS, 1999);
1975-1999: Deslizamentos na estrada da Grota Funda (Rio de Janeiro),
condicionados por complexos sistemas de juntas persistentes, mal espaçadas
e abertas presentes nos seis grupos eram distintos de rochas: granitos,
migmatitos, anfibolitos, gnaisse, rochas alcalinas e olivina basaltos, que
constituem o maciço da Pedra Branca. (AMARAL, 2004);
1978: Escorregamento do talude de corte da Rodovia Washington Luiz (SP-
310) devido ao fraturamento no corpo alterado do sill de diabásio, e no plano
suborizontal pela ocorrência de brecha argilosa saturada (com lençol
suspenso) acompanhando o contato inferior arenito/diabásio (IPT, 1979);
1981: Deslizamento na encosta do Morro do Imperador, Juiz de Fora/MG,
constituída de tálus/colúvio sobre rocha gnáissica fraturada. O principal
condicionante da movimentação do solo era a infiltração no encontro
tálus/escarpa e a percolação no contato solo/rocha (FONSECA et al., 1982);
1981: Ruptura gradual da cortina construída no km 34 da rodovia Taubaté-
Campos do Jordão, São Paulo, devido à instabilidade da massa de tálus
assentada sobre rocha gnáissica, atravessada por diques e sills de diabásio.
Estes funcionavam como barreiras à percolação de água, propiciando a
formação de lençol d’água suspenso, condicionando a ruptura (PEDROSA et
al., 1982);
1988: Escorregamento de solo residual gnáissico da encosta do Licurgo, no
Rio de Janeiro, condicionado pela fluência do solo ao longo da superfície de
escorregamento. A principal causa foi a variação das poropressões, decorrente
41
da percolação da água por caminhos preferenciais, tais como, contatos
solo/rocha, camadas alternadas e fraturadas da rocha e veios de pegmatito
(RAMOS, 1991);
1988: Escorregamentos na Estrada do Soberbo, Rio de Janeiro, condicionados
à elevação dos níveis piezométricos provocada pelo barramento subterrâneo
formado por uma família de diques verticais de diabásio em um maciço
rochoso gnáissico (AVELAR, 1996);
1995: Escorregamento reativado próximo da Clínica Santa Genoveva, no Rio
de Janeiro, deflagrado pelo deslocamento de matacão rochoso formado pela
conjunção de três planos de fraturamento, pouco alterado e sem
preenchimento (AMARAL, 1995);
1996: Corrida de detritos do Quitite, na Cidade do Rio de Janeiro, devido à
existência de fortes condicionantes geológicos. A presença de um dique
gabróico condicionou, estruturalmente, o caminho do escorregamento,
funcionando como “pista” para que a corrida de detritos se propagasse
(AMARAL, 1996);
2001: Acidente durante a fase de escavação das estruturas do vertedouro da
Usina Hidrelétrica Itapebi (Bahia), representado pelo deslizamento de material
rochoso de grandes proporções, determinado pela ocorrência de feições pré-
cisalhadas do biotita-xisto (COSTA, 2003);
2001: Escorregamento do talude da RS 470 (Rio Grande do Sul), devido ao
encharcamento da massa de colúvio provocado por infiltração e escoamento
superficial de água decorrente de afloramentos nos contatos das camadas de
basalto (PERAZZOLO, 2003).
Os casos retratados acima têm o objetivo de mostrar a importância do
conhecimento geológico e da análise geomecânica dos maciços, para a prevenção
de deslizamentos e de rupturas durante a realização de obras civis.
42
CAPÍTULO 3 – ASPECTOS GEOLÓGICO-GEOMORFOLÓGICOS DA ÁREA DE ESTUDO Este capítulo apresenta as características geológicas e geomorfológicas mais
relevantes da área estudada. São descritos os aspectos em escala regional e local e
apontados os potenciais condicionantes geológico-geotécnicos da escavação
grampeada em solo residual de gnaisse em Niterói.
3.1 – GEOLOGIA REGIONAL
A área estudada situa-se no estado do Rio de Janeiro, Região Sudeste do país e, está
geotectonicamente contida na Província Mantiqueira, uma das províncias estruturais
definidas por ALMEIDA (1981). Ela cobre uma área de 700.000 km² e representa a
mais complexa província estrutural afetada pelo Ciclo Orogênico neoproterozóico -
cambriano (Brasiliano) na América do Sul.
A província estende-se do paralelo 33º S, no Uruguai, até o sul da Bahia, no paralelo
15º S, por cerca de 3.000 km de extensão e com largura média de 200 km. Está
disposta paralelamente à costa brasileira, junto às margens orientais dos crátons Rio
de La Plata e São Francisco. A Província Mantiqueira representa uma entidade
geotectônica com franca orientação nordeste instalada ao final do Neoproterozóico e
início do paleozóico, constituindo, juntamente com a Faixa Brasília, a Cunha de
Guaxupé e os metassedimentos da Faixa Alto Rio Grande, que formam o arcabouço
geotectônico do Sudeste Brasileiro.
A evolução tectônica dos terrenos pré-cambrianos aflorantes no Estado do Rio de
Janeiro tem sido, há décadas objeto, de numerosos estudos e intensas discussões no
meio acadêmico. Diversos trabalhos de cunho regional postulam que as
características tectono-termais da província são resultantes de processos de
subducção, seguido de uma ou mais colisões no Neoproterozóico, quando da
aglutinação ou colagem do Gonduana Ocidental (MACHADO et al., 1996).
43
3.1.1 – O ARCABOUÇO TECTÔNICO REGIONAL DO SUDESTE BRASILEIRO
O arcabouço geotectônico da Região Sudeste do Brasil é formado por um núcleo
estável no Neoproterozóico, designado de Cráton do São Francisco (ALMEIDA 1977,
1981). Ele é circundado por orógenos instalados no Neoproterozóico, durante a
Orogênese Brasiliana/Pan-Africana, cuja estabilização desempenhou importante papel
na aglutinação deste setor no Gonduana (FUCK et al., 1993). Esses orógenos foram
inicialmente designados de Faixa Brasília a oeste, Faixa Araçuaí a leste e Faixa
Ribeira a sul-sudeste (Figura 3.1).
Figura 3.1 – Províncias Estruturais Brasileiras (SILVA et al., 2001).
44
Para ALKMIM et al. (1993), estas faixas bordejam a denominada Placa
Sanfranciscana, cuja porção interna seria composta pelas rochas arqueanas e
paleoproterozóicas do Cráton do São Francisco e suas coberturas sedimentares
neoproterozóicas, que compõem o Grupo Bambuí.
A Faixa Brasília estende-se por aproximadamente 1.500 km na direção norte-sul,
bordejando o Cráton do São Francisco. É composta por um arranjo de nappes
transportadas para leste e sudeste (VALERIANO et al., 1998), durante a colisão dos
crátons Amazônico e São Francisco (BRITO NEVES e CORDANI, 1991). Nappes são
descritas como uma unidade rochosa tabular deslocada, por grandes distâncias, sobre
superfície predominantemente horizontal.
FUCK et al. (1993) afirmam que a identificação de associações petrotectônicas de
fundo oceânico sugere que esta colisão teria sido o ápice do processo de
convergência experimentado pelas citadas massas cratônicas, envolvendo o consumo
de litosfera oceânica em uma zona de subducção com provável mergulho para oeste.
Na concepção original de ALMEIDA (1977), a Faixa Araçuaí estende-se pelo limite
oriental do cráton do São Francisco também com orientação norte-sul. É limitada a
norte pelo próprio cráton do São Francisco e a sul por uma inflexão para a direção
nordeste-sudoeste que constitui o trend regional da Faixa Ribeira. O padrão tectônico
da faixa sugere empurrões com vergência para oeste, em direção ao cráton do São
Francisco, no período de 650 a 550 Ma (UHLEIN et al., 1999).
PEDROSA-SOARES et al. (1992) sugeriram a oceanização das margens continentais
na "Faixa Araçuaí". Estes autores afirmam que essa inversão estaria associada à
subducção da crosta oceânica para leste.
A Faixa Ribeira, segundo ALMEIDA et al. (1973), constitui uma entidade geotectônica
do Neoproterozóico. O Estado do Rio de Janeiro localiza-se na porção interna deste
cinturão. Então, a compartimentação tectônica dos terrenos que compõem a geologia
deste estado está vinculada à evolução tectono-metamórfica da "Faixa Ribeira".
HEILBRON et al. (1999) considera esta evolução orogênica como a mais nova no
cenário das colagens brasilianas/pan-africanas do segmento crustal considerado e foi
responsável pela deformação, metamorfismo, magmatismo e articulação dos diversos
terrenos.
45
O Cinturão Paraíba ou Faixa Ribeira (ALMEIDA et al., 1973), no Estado do Rio de
Janeiro, compreende um segmento com orientação NE-SW deformado e
metamorfizado no Neoproterozóico, sendo constituído por rochas ígneas e
metamórficas de alto grau de metamorfismo que bordejam a extremidade SE do
Cráton do São Francisco (TROWN et al., 2000).
A feição estrutural mais expressiva da Faixa Ribeira, corresponde a zonas de
cisalhamento dúcteis em escala regional, com disposição subparalela ao trend (termo
genérico para a direção de ocorrência de uma feição geológica de qualquer dimensão
ou natureza) geral do cinturão, visíveis em mapas geológicos em diferentes escalas,
fotos aéreas e imagens de satélite (MACHADO et al., 1993 b ). Segundo DEHLER et
al. (2002), estas zonas de cisalhamento são de baixo e alto ângulo de mergulho e
estão, associadas à expressivas faixas de milonitos.
Um considerável avanço para o entendimento da evolução tectônica local foi a
caracterização de dois eventos orogênicos sucessivos. No âmbito da "Faixa Ribeira",
foi a caracterização da Orogênese Brasiliana I (> 600 Milhões de anos (Ma)) na porção
oriental do estado e a Orogênese Rio Doce (cerca de 560 Ma) na porção litorânea
(FIGUEIREDO e CAMPOS NETO, 1993). A esses dois orógenos, mais recentemente,
somou-se a Orogênese Búzios (cerca de 520 Ma) caracterizada por SCHMITT et al.
(1999).
Todos os domínios sofreram efeitos das orogêneses neoproterozóicas, caracterizadas
pelo metamorfismo e fusão parcial das rochas supracrustais e intracrustais, pela
deformação contracional de baixo e alto ângulo de mergulho, seguida de cisalhamento
transcorrente de expressão regional, e pela colocação de diversos corpos granitóides
de dimensões variadas (Figura 3.2).
A área pesquisada faz parte do Domínio Serra do Mar, que ocupa a região centro-
oriental, correspondendo geograficamente à "Microplaca" Serra do Mar (CAMPOS
NETO, 2000). É composta por uma sucessão de arcos magmáticos com polaridade
temporal e composicional de W para E. São eles: (i) arco primitivo do tipo TTG
(associações plutônicas de tonalitos, trondhjemitos e granodioritos) a W (Arco Rio
Negro - 630-500 Ma); (ii) arco mais evoluído, do tipo cordilheirano maduro, mais a E
(Arco Serra dos Órgãos - 570-560 Ma) e (iii) um arco sincolisional, na parte mais
oriental, caracterizado por magmatismo crustal (Arco Rio de Janeiro - 560 Ma).
46
Figura 3.2 – Domínios Tectono-magmáticos do Estado do Rio de Janeiro e Áreas
adjacentes (SILVA et al., 2001)
Além da sucessão de arcos, o domínio é ainda caracterizado por supracrustais que
sofreram metamorfismo de baixa pressão/alta temperatura, na fácies anfibolito, com
abundante fusão parcial in situ (Complexo Paraíba do Sul). Essa unidade está exposta
ao longo de todo o Domínio. Na sua porção sudeste, as rochas que integram o
chamado Domínio Região dos Lagos também sofreram cavalgamento, com vergência
de topo para NW. Além disto, esse domínio apresenta um expressivo número de
plútons pós-tectônicos, circunscritos, de idade cambriana.
O Domínio Paraíba do Sul ocupa uma extensa faixa de orientação nordeste em toda a
porção centro-norte e ocidental do estado, subparalela ao corredor de cisalhamento do
rio Paraíba do Sul. É constituído por gnaisses kinzigíticos, xistos, quartzitos e
mármores do Complexo Paraíba do Sul, metamorfizados nas fácies anfibolito e
granulito, intercalados tectonicamente em rochas paleoproterozóicas representadas
47
por ortogranulitos e ortognaisses tonalíticos do Complexo Juiz de Fora, e ortognaisses
graníticos a granodioríticos da Suíte Quirino. Na cidade do Rio de Janeiro e
adjacências é reconhecida a Zona de Cisalhamento Dúctil de Niterói, entre outras que
afetam os diferentes gnaisses, milonitizando-os em espessas e extensas faixas de
direção NE-SW a ENE-WSW (HIPPERTT, 1990).
3.1.2 – O COMPLEXO PARAÍBA DO SUL
LIMA et al. (1981) empregaram pela primeira vez o termo Complexo Paraíba do Sul
para designar o conjunto de gnaisses granadíferos e kinzigitos da região costeira, do
Vale do Rio Doce ao Rio de Janeiro. Segundo SILVA et al. (2001), litotipos
anteriormente designados de leptinitos, leucognaisses, gnaisses facoidais e parte dos
migmatitos, entre outros termos, foram mapeados como granitóides do tipo-S.
A área pesquisada está inserida no Complexo Embu, suíte intrusiva Serra dos Órgãos.
As rochas mais características deste complexo são gnaisses e migmatitos com bandas
micáceas xistosas e bandas gnáissicas ou de mobilizados neossomáticos. As bandas
xistosas são negras, formadas essencialmente de biotita, com quantidade reduzida de
muscovita, quartzo e feldspato reforçando o caráter xistoso da rocha. As bandas
gnáissicas são de composição, textura e estrutura variadas, normalmente de
granulação média a fina, devido à recristalização. Ocorrem, também, numerosas
lentes, de até vários metros, de rochas calcossilicáticas e de anfibolito. As primeiras
são granoblásticas finas e de cor verde ou branca e os anfibolitos são de granulação
fina, pretos, maciços ou foliados. Ainda no âmbito do complexo, são conhecidas várias
lentes de rochas quartzíticas e alguns corpos de metabásicas. Essas litologias atestam
a presença de metassedimentos no complexo.
Rochas consideradas como metabasitos são de tonalidade esverdeada e granulação
muito fina, constituídas geralmente por plagioclásio, hornblenda, biotita e,
acessoriamente, por minerais opacos, apatita e óxido de ferro. As calcossilicatadas,
em geral, são rochas constituídas quase que exclusivamente por diopsídio, em cristais
hipidioblásticos bem desenvolvidos, com plagioclásio intersticial, formando um
mosaico granoblástico. Os quartzitos apresentam-se maciços ou pouco foliados, com
granulação variando de fina a média e coloração cinza-esbranquiçado.
A Suíte Intrusiva Serra dos Órgãos foi reconhecida pela primeira vez por LAMEGO
(1936) que a definiu como "um típico batólito intruso sob as camadas da crosta
48
arqueana, no primitivo diastrofismo que denominamos brasílico", definindo então, um
ciclo orogênico. Identificou, do mesmo modo, uma auréola de migmatitos e gnaisses
graníticos bordejando o mesmo.
Os gnaisses facoidais são as rochas dessa suíte, encontrada na área pesquisada e,
acham-se bem expostos em algumas áreas do município de Niterói (Serra do
Malheiro, Serra da Tiririca e Serra do Cala Boca). Esses gnaisses apresentam-se
deformados, com estrutura típica augen, caracterizada pelos facóides de K-feldspato
bem deformados, cuja orientação imprime uma foliação à rocha. Esta é evidenciada
também pela disposição subparalela das folhas de biotita e dos grãos alongados de
quartzo. Na região de Niterói, são comuns os núcleos métricos de coloração
esverdeada e composição charnockítica.
LAMEGO (1948) caracterizou, na cidade do Rio de Janeiro, duas fases de deformação
dos gnaisses. Reconheceu uma fase mais evidente, que consistiria de grandes dobras
com planos axiais mergulhando para norte ou para sul. Essas dobras afetaram uma
deformação anterior, representada por grandes dobras reviradas, com planos axiais de
mergulho variável, em geral de baixo ângulo.
FONSECA et al. (1998) identificaram três fases de dobramentos nessas rochas, sendo
a primeira fase responsável pela marcante trama cataclástica dos gnaisses facoidais,
transformando-os em um quase milonito-gnaisse, com orientação NE-SW. No Estado
do Rio de Janeiro, o Complexo Costeiro é representado por tipos variados de gnaisses
(bandados, facoidais, etc.), granitóides e migmatitos, com intercalações de quartzitos,
mármores e rochas calcissilicáticas. Também incluem gnaisses kinzigíticos e
charnockíticos, semelhantes aos que constituem as faixas alongadas segundo a
direção NE nas regiões do Rio de Janeiro e Niterói.
Nos gnaisses facoidais, os blastos de K-feldspato estão envoltos por uma matriz à
base de plagioclásio, quartzo e biotita, sob a forma de finos e ondulantes níveis que
bordejam os megaporfiroblastos com até 15 cm de eixo maior. Nestes níveis, é comum
a presença de fitas de quartzo, perpendiculares aos planos de foliação da rocha, que
geralmente têm coloração cinza claro a rosada. É bastante comum a presença de
inclusão de vários tipos de rochas (calcossilicáticas, leptinitos, granitos, kinzigitos,
biotita gnaisses e charnockitos), sendo mais freqüentes pequenas lentes de um biotita
gnaisse fino. Macroscopicamente, podem ocorrer aglomerados de plagioclásio que
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assumem forma de pequenos facóides confundíveis com os pórfiros de k-feldspato.
Tais plagioclásios mostram um caráter mais cálcico.
Segundo FONSECA et al. (1998), a área pesquisada encontra-se inserida na Unidade
Gnaisse Facoidal, formadas por migmatito-diatexito de estrutura oftálmica, dada por
abundantes porfiroblastos de feldspatos (rosa e cinza), contornados por uma matriz
essencialmente composta de quartzo, biotita e plagioclásio. Apresentam ainda
granada-biotita-quartzo-k-feldspato-plagioclásio gnaisses, com textura porfiroblástica e
foliação marcante. A granulação é grosseira, com cor rosada a cinza claro. Lentes de
biotita gnaisses, leptinitos, metabasitos, rocha calcossilicática e gnaisses kinzigíticos.
Enclaves sob a forma de manchas esverdeadas de composição charnoquítica.
Segundo SILVA et al. (2001), foram definidas duas faixas principais de ocorrência do
complexo. Na primeira faixa, distinguem-se três unidades informais: São Fidélis, Italva
e Itaperuna. A outra faixa, designada de Lumiar-Rio Bonito, está situada na região da
Serra do Mar e contém litotipos aqui agrupados na unidade São Fidélis.
A área pesquisada está inserida na Unidade São Fidélis, que representa a maior parte
da área de ocorrência do Complexo Paraíba do Sul, sendo constituída essencialmente
por metassedimentos detríticos, pelito-grauvaqueanos: granada-biotita-(sillimanita)
gnaisses quartzo-feldspáticos (metagrauvacas), com ocorrência generalizada de
bolsões e veios de leucossomas graníticos derivados de fusão parcial in situ e injeções
(SILVA et al., 2001). Variedades portadoras de cordierita e sillimanita (kinzigitos),
comumente apresentando horizontes de xistos grafitosos, exibem contatos
transicionais com os granada-biotita gnaisses. De ocorrência mais restrita, por vezes
são observadas intercalações de quartzitos, rochas metacarbonáticas e
calcossilicáticas, além de anfibolitos e concentrações manganesíferas (Tabela 3.1).
Os paragnaisses quartzo-feldspáticos são compostos predominantemente de quartzo,
feldspato (plagioclásio) e biotita, com percentagens variadas de granada, e são os de
distribuição mais ampla no interior do Complexo Paraíba do Sul. Devido ao notável
paralelismo entre as bandas de paleossoma (biotita-plagioclásio gnaisse) e o
neossoma (quartzo-feldspáticos), sucessivamente alternadas, qualquer que seja a
origem ou forma particular do último, essas estruturas migmatíticas adquirem uma
óbvia conotação sintectônica.
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Tabela 3.1 – Mapa geológico de parte das cidades de Niterói e Rio de Janeiro
(adaptado de SILVA et al., 2001).
Unidades Descrição
MNps
Complexo Paraíba do Sul – Unidade São Fidélis: constituído por granada-biotita-sillimanita gnaisse quartzo feldspático (metagrauvaca), com veios injetados de composição granítica. Apresenta intercalações de gnaisses calcissilicáticos, quartzitos e kinzigito
Qphm Depósitos praiais eólicos, marinhos e/ou lagunares: constituído por areias quartzosas esbranquiçadas, finas a médias, bem selecionadas, apresentado estratificações cruzadas de pequeno porte
Nγ2r Suíte Rio de Janeiro: constituído por granitóides foliados e ortognaisses peraluminosos de derivação crustal (granito tipo-S)
As estruturas sedimentares comumente preservadas correspondem aos bandamentos
primários e refletem variações nas proporções relativas de areia, argila e carbonatos.
Os porfiroclastos são abundantes, milimétricos, com forma sigmoidais, estirados ou
arredondados, e constituídos de feldspato translúcido ou branco, na maioria das
vezes, plagioclásio. O quartzo também aparece estirado, muitas vezes formando
níveis descontínuos.
GROSSI SAD e DUTRA (1988) apresentam a mesma conclusão, com base em
análises litogeoquímicas dos kinzigitos. O posicionamento intermediário entre os
campos dos folhelhos e das grauvacas é sugestivo de sedimentos originalmente
arenosos, mas com um grau relativamente baixo de maturidade textural. Os kinzigitos
são rochas de cor cinza, granulação fina a média, com uma textura blastomilonítica a
milonítica ao longo das zonas de cisalhamento. Os gnaisses estão manchados por
porfiroclastos de feldspato e por abundantes cristais de granada. Grafita e sillimanita
fibrosa ou prismática fazem parte da assembléia mineral, embora ocorram como
51
constituintes menores. O quartzo é lenticular e a biotita é de uma variedade rica em
titânio. Quando presente, o ortoclásio é mais abundante que a microclina, o
plagioclásio tem a composição de oligoclásio e a magnetita é o principal mineral
acessório.
Segundo MACHADO (1997) os gnaisses kinzigíticos deveriam corresponder na
realidade a granitos do tipo-S gnaissificados. Os granitos tipo-S são granitos com faixa
pequena de SiO2 e, em sua maioria, ricos em biotita. Têm origem a partir de rochas
sedimentares, que por sua vez são produtos de intemperismo de rochas preexistentes.
Individualmente, os corpos graníticos possuem extensão entre 50 e 110 km e largura
entre 3 e 6 km. Na região de Niterói, esta largura pode atingir até 8 km e foi designada
de Suíte Rio de Janeiro. Esta suíte, descrita como granito tipo-S, contém granada,
muscovita e biotita de granulação grossa, texturas granoblástica e porfirítica (augen),
com forte foliação transcorrente.
Muitos desses granitos foram descritos anteriormente como gnaisses kinzigíticos,
contendo enclaves de origem metassedimentar (calcissicáticas, quartzitos, biotita
gnaisses e anfibolitos) deformados, os quais conferem muitas vezes, em escala de
afloramento, uma estrutura gnáissica a estas rochas. Deste modo, os dados
geológicos e geocronológicos disponíveis até então sugerem a presença de intensa
fusão parcial de metassedimentos, associada à geração regional de granitos do tipo-S
no Neoproterozóico, cujas idades devem situar-se ao redor de 590 a 580 Ma, ou até
mais novas (TUPINAMBÁ, 1999). Os modelos tectônicos regionais vinculam estas
rochas à fase colisional brasiliana, com a geração do magma granítico sendo
relacionado a fusão parcial de metassedimentos.
Segundo MACHADO et al. (2002), os batólitos graníticos do tipo-S foram gerados
após a fase de máximo espessamento crustal (tardi-colisional), como resultado da
fusão parcial de rochas predominantemente metassedimentares. A colocação deste
magmatismo teria sido controlada por zonas de cisalhamento dúcteis de alto e baixo
ângulo, como por exemplo, a Zona de Cisalhamento Dúctil de Niterói (HIPPERTT,
1990). Neste caso, as deformações presentes nestas rochas podem ser atribuídas em
parte ao regime tectônico responsável pela exumação da faixa e, em parte pela
reativação destas estruturas ocorrida ao final do ciclo Brasiliano (≈ 570 Ma).
MACHADO FILHO et al. (1983) identificaram que as rochas calcissilicáticas constituem
numerosas e pequenas lentes e boudins. Ocorrem intercaladas ou associadas aos
52
corpos de mármores, anfibólio gnaisses e biotita gnaisses, e os protólitos devem
corresponder a sedimentos carbonáticos contendo abundantes impurezas
siliciclásticas.
GROSSI SAD e DUTRA (1988) sugeriram composições originais intermediárias entre
rochas pelíticas/argilosas/carbonáticas e grauvacas. São de coloração esverdeada a
esbranquiçada, de granulação fina, aspecto sacaroidal e estrutura maciça ou bem
foliada a bandada. A mineralogia básica compreende quartzo, plagioclásio, carbonato,
diopsídio, esfeno e apatita. Algumas variedades podem conter microclina, anfibólio,
minerais opacos, epidoto, escapolita, brucita, biotita e clorita, além de granada, zircão
e pirita.
Os quartzitos constituem corpos descontínuos, intercalados nos gnaisses devido ao
dobramento regional. Segundo GROSSI SAD e DUTRA (1988), os corpos de quartzito
são delgados, quase sempre com espessuras aparentes inferiores a 20 m. São rochas
fraturadas de granulação fina a grossa, coloração cinza esbranquiçado a amarelado e
de brilho vítreo. Por vezes, exibem passagens gradacionais ricas em micas (quartzo
xistos) ou em feldspatos (gnaisses quartzosos), exemplificando variações laterais e
verticais de fácies. Representam os metassedimentos da série com excesso de sílica
e contêm teores variáveis de micas (biotita, muscovita e/ou sericita), feldspatos
(microclina e plagioclásio, freqüentemente caulinizados), sillimanita (fibrosa ou
prismática), granada e magnetita, além de zircão, rutilo e apatita como minerais
acessórios. Os grãos de quartzo apresentam contornos angulosos, xenoblásticos e
estão imbricados, formando um mosaico de contatos nítidos.
De acordo com SILVA e FERRARI (1976), os anfibolitos são rochas freqüentemente
encontradas no interior do Complexo Paraíba do Sul, apresentando o desenvolvimento
nítido de uma estrutura planar (xistosidade). Ocorrem intercalados nos gnaisses,
mormente concordantes com a estrutura bandada dos mesmos, bem como nos corpos
lenticulares de rochas carbonáticas. As espessuras dos anfibolitos são variáveis desde
alguns poucos centímetros até várias dezenas de metros, mas comumente são
decimétricas. Os anfibolitos apresentam uma cor cinza médio a escuro, com
tonalidade esverdeada e uma granulação fina a média. São formadas por associações
mineralógicas comumente representadas por anfibólio (hornblenda), plagioclásio
(andesina), biotita e algum quartzo. Os constituintes acessórios são a apatita, titanita e
zirconita, e entre os produtos de alteração ocorrem carbonato, epidoto, sericita e
clorita.
53
3.1.3 – TECTÔNICA DO COMPLEXO PARAÍBA DO SUL
Segundo SILVA et al. (2001), durante a orogênese brasiliana um regime de
cisalhamento tangencial associado à colisão continental impôs uma estruturação
regional de direção NE-SW. As foliações geradas pela deformação tangencial exibem
dobramentos superpostos, abertos a fechados de amplitudes métricas a
decaquilométricas e com eixos de direção NE-SW.
Ainda, segundo SILVA et al. (2001), o arcabouço estrutural definido durante o Orógeno
Brasiliano foi completado com deformações impressas durante um regime
compressivo transcorrente, novamente simples e dúctil. A mais importante zona de
cisalhamento de alto ângulo, com até 10 km de largura de rochas miloníticas, e
contínua por mais de 300 km segundo a direção NE-SW, está situada, mormente no
vale do rio Paraíba do Sul e atravessa todo o estado. A partir dessa zona principal são
observadas inúmeras zonas de cisalhamento secundárias e assintóticas, que
demonstram a movimentação dextral dos blocos crustais e se ramificam em feixes
para NNE e SSW. Toda a extensão exposta do Complexo do Paraíba do Sul indica
condições metamórficas da fácies anfibolito alto a granulito. Em estreita associação
com a tectônica transpressiva, ocorreu uma fusão parcial in situ, que produziu
volumosos magmatismos sincolisionais tipo-S, e tipo-C (charnockitos).
A estabilidade da associação cordierita-sillimanita nas rochas metapelíticas, permite
considerar o metamorfismo operante no cinturão como de alta temperatura/baixa
pressão.
A datação de zircões detríticos de quartzitos, pelo método U/Pb, realizada por
VALLADARES et al. (1997), determinaram uma idade de 1,5 - 1,6 Bilhões de anos
(Ga) que sugere uma idade máxima mesoproterozóica para a abertura dessa bacia. A
idade máxima de sedimentação seria em torno de 2,0 a 2,3 Ga, ou seja, os
metassedimentos teriam se originado por erosão de rochas com idades compatíveis
àquelas que compõem o embasamento da faixa.
3.1.4 – GEOMORFOLOGIA
A notável diversificação do cenário geomorfológico do estado do Rio de Janeiro deve
ser compreendida através de uma interação singular entre os aspetos tectônicos e
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climáticos, que delinearam a atual morfologia. O registro de imponentes
escarpamentos com desnivelamentos, por vezes da ordem de 2.000 m, alternados
com depressões e bacias sedimentares tafrogênicas, reflete uma influência marcante
da tectônica na compartimentação do relevo do estado (SILVA et al., 2001).
ALMEIDA (1976) afirma que essa tectônica exerceu o rifteamento continental do bordo
sudeste do Brasil, com maior intensidade entre o Cretáceo e o Terciário Inferior, mas
com reflexos em uma neotectônica recente, registrados até o Quaternário.
Segundo SILVA et al. (2001) duas superfícies de erosão podem ser observadas no
estado em escala regional. A primeira, representada por importantes zonas
planálticas, tais como todo o reverso da serra dos Órgãos e da Serra da Bocaina,
estaria associada à Superfície Sul-Americana (KING, 1956); Pd3 (BIGARELLA et al.,
1965) ou Superfície Cimeira (AB’SABER, 1972), de idade eocênica a paleocênica. A
segunda, representada pelas depressões interplanálticas e pelas superfícies
aplainadas junto às baixadas, estariam associadas à Superfície Velhas (KING, 1956);
Pd1 (BIGARELLA et al., 1965) ou Superfície Interplanáltica (AB’SABER, 1972), de
idade pleistocênica inferior a pliocênica.
O município de Niterói situa-se no bordo S-SE do recôncavo da Baía da Guanabara. É
caracterizado pela presença marcante de maciços de rochas gnáissicas, intercaladas
por sedimentos aluviais, quando interiores, e marinhos e flúvio-marinhos, quando nas
faixas litorâneas. O condicionamento estrutural da morfologia, promove um
direcionamento NE-SW da seqüência de serras e morros alongados e dos
correspondentes vales paralelos. No município de Niterói, a drenagem pode ser
dividida em duas faixas de domínio, conforme o sentido do fluxo, uma para SW e outra
para N-NE, face ao controle estrutural e a existência de um divisor de águas que corta
o município na direção média aproximada SE-NW.
O Estado do Rio de Janeiro pode ser compartimentado em duas unidades
morfoestruturais: o Cinturão Orogênico do Atlântico e as Bacias Sedimentares
Cenozóicas. O Cinturão Orogênico do Atlântico pode ser subdividido nas seguintes
unidades morfoestruturais: Maciços Costeiros e Interiores; Maciços Alcalinos
Intrusivos; Superfícies Aplainadas nas Baixadas Litorâneas; escarpas Serranas;