1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por finalidade contribuir com as produções teóricas relacionadas ao problema do câncer do colo do útero. O estudo nasceu em decorrência de nossa atividade profissional como assistente social do Hospital do Câncer II 1 do Instituto Nacional do Câncer – INCA 2 , unidade hospitalar especializada no tratamento do câncer ginecológico, no Rio de Janeiro. É fruto da indignação com o sofrimento das mulheres com câncer do colo do útero, especialmente daquelas que apresentam estadiamento de doença avançada, para as quais as repercussões de ordem física, psíquica e social são muito graves. O envolvimento com a questão deriva do cotidiano de trabalho institucional que, nos últimos anos, nos aproximou da realidade de vida de mulheres com essa neoplasia; dos questionamentos sobre a temática; do interesse em transmitir o conhecimento adquirido e dos nossos pressupostos sobre o problema que foram se estruturando na relação de trabalho com as usuárias do serviço. Atendemos, sistematicamente, a um contingente de mulheres em busca de tratamento para o câncer do colo do útero, muitas delas em condições de doença avançada. No acompanhamento a essas mulheres, é possível verificar que elas têm uma inserção social semelhante e expressam experiências de vida muito parecidas. Observa-se 3 que as mesmas pertencem ao estrato da população que apresenta aspectos de evolutiva pauperização. São mulheres pobres. E a pobreza impõe restrições severas aos indivíduos (e às famílias) na escolha e acesso a bens e serviços. Por nossa experiência de trabalho e a partir deste estudo podemos afirmar que as precárias condições de vida dessas mulheres representam limites concretos para assumirem controle sobre sua saúde. Nesse contexto, se constituem os impeditivos para o acesso a serviços 1 - Antigo Hospital de Oncologia, do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Em 1992 é incorporado ao INCA pela Portaria 968 de 10/04/92 do Ministro Adib Jatene. 2 - O INCA é órgão vinculado à Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde (MS), responsável pela formulação e desenvolvimento da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), no Brasil. 3 Em 2000, no HCII, foi realizado um levantamento nas Folhas de Avaliação Social de 236 prontuários. Através de variáveis como faixa etária, escolaridade, ocupação e vínculo empregatício/previdenciário foi traçado um panorama das precárias condições sócio-econômicas das mulheres com câncer do colo do útero. “O momento em que vivemos é um momento pleno de desafios. Hoje, como nunca, é preciso ter coragem, é preciso ter esperança para enfrentar o presente. É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los dia a dia, tendo como horizonte novos tempos mais humanos, mais justos e mais solidários.” Marilda Iamamoto
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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por finalidade contribuir com as produções teóricas relacionadas ao
problema do câncer do colo do útero. O estudo nasceu em decorrência de nossa atividade
profissional como assistente social do Hospital do Câncer II1 do Instituto Nacional do Câncer –
INCA2, unidade hospitalar especializada no tratamento do câncer ginecológico, no Rio de Janeiro.
É fruto da indignação com o sofrimento das mulheres com câncer do colo do útero, especialmente
daquelas que apresentam estadiamento de doença avançada, para as quais as repercussões de
ordem física, psíquica e social são muito graves.
O envolvimento com a questão deriva do cotidiano de trabalho institucional que, nos
últimos anos, nos aproximou da realidade de vida de mulheres com essa neoplasia; dos
questionamentos sobre a temática; do interesse em transmitir o conhecimento adquirido e dos
nossos pressupostos sobre o problema que foram se estruturando na relação de trabalho com as
usuárias do serviço.
Atendemos, sistematicamente, a um contingente de mulheres em busca de tratamento para
o câncer do colo do útero, muitas delas em condições de doença avançada. No acompanhamento
a essas mulheres, é possível verificar que elas têm uma inserção social semelhante e expressam
experiências de vida muito parecidas. Observa-se3 que as mesmas pertencem ao estrato da
população que apresenta aspectos de evolutiva pauperização. São mulheres pobres. E a pobreza
impõe restrições severas aos indivíduos (e às famílias) na escolha e acesso a bens e serviços.
Por nossa experiência de trabalho e a partir deste estudo podemos afirmar que as
precárias condições de vida dessas mulheres representam limites concretos para assumirem
controle sobre sua saúde. Nesse contexto, se constituem os impeditivos para o acesso a serviços
1- Antigo Hospital de Oncologia, do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Em 1992 é incorporado ao INCA pela Portaria 968 de 10/04/92 do Ministro Adib Jatene. 2- O INCA é órgão vinculado à Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde (MS), responsável pela formulação e desenvolvimento da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), no Brasil. 3 Em 2000, no HCII, foi realizado um levantamento nas Folhas de Avaliação Social de 236 prontuários. Através de variáveis como faixa etária, escolaridade, ocupação e vínculo empregatício/previdenciário foi traçado um panorama das precárias condições sócio-econômicas das mulheres com câncer do colo do útero.
“O momento em que vivemos é um momento pleno de desafios. Hoje, como nunca, é preciso ter coragem, é preciso ter esperança para enfrentar o presente. É necessário alimentar os sonhos e concretizá-los dia a dia, tendo como horizonte novos tempos mais humanos, mais justos e mais solidários.”
Marilda Iamamoto
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(já insuficientes) de prevenção4 e detecção precoce do câncer do colo do útero. Esses
impedimentos passam, necessariamente, por uma série de determinantes sociais, econômicos,
políticos e culturais que impõem condições de empobrecimento contínuo e exclusão aos bens e
serviços necessários à satisfação de necessidades básicas. Esses impedimentos constituem,
portanto, questões que precisam ser aprofundadas no debate sobre o problema de câncer do colo
do útero, nas quais se incluem as já conhecidas deficiências dos serviços de saúde. Ou seja, o
cotidiano institucional de tratamento das mulheres com câncer do colo do útero deixa patente a
existência de um conjunto de demandas particularizadas, cujo desvelamento remete a discussão
para o âmbito da natureza e das formas de inserção social das usuárias.
O câncer do colo do útero é uma doença para qual os conhecimentos técnico-científicos
construíram mecanismos efetivos, de fácil execução e de baixo custo, para prevenção, detecção e
tratamento precoce da doença, possibilitando a cura em 100% dos casos, quando diagnosticados
em fase inicial (Brasil:2000).
Paradoxalmente, em nosso país, o diagnóstico da doença, na maioria dos casos, é feito
muito tardiamente, como no caso de mulheres em tratamento no HCII. As estatísticas demonstram
o quadro alarmante do câncer do colo do útero, registrando que as taxas de incidência e
mortalidade se mantém elevadas, sendo reconhecido como um problema de saúde pública.
Segundo informe do Programa Viva Mulher (2002)5 morrem hoje, no Brasil, dez mulheres por dia
vítimas dessa doença. Isso significa que um segmento expressivo de mulheres não tem acesso
aos serviços de prevenção e detecção precoce do câncer do colo do útero.
A principal razão apontada para esse panorama, no país, é a reduzida cobertura das
ações de prevenção da doença, sendo este o maior problema para superação dos altos índices de
morbimortalidade por esse tipo de câncer, uma questão que vem sendo enfrentada pelo Ministério
da Saúde, através do Programa Viva Mulher.
Entretanto, entendemos que o programa de prevenção e controle da doença precisa contar
com outros instrumentos de análise do problema, dentre os quais destacamos estudos que
aprofundem a compreensão sobre a realidade da vida das mulheres mais vulneráveis à doença,
àquelas que pertencem aos segmentos menos favorecidos da classe trabalhadora6.
4 Embora o nosso foco de analise deste estudo seja a questão do câncer do colo do útero, a concepção de prevenção aqui adotada não se resume às ações voltadas somente para essa patologia. 5 http://www.org.br/viva_mulher - Março/2002. 6 Por classe trabalhadora entendemos de acordo com Antunes – a classe-que-vive-do-seu-trabalho, que engloba os diretamente explorados, através da inclusão no processo de produção, e os indiretamente explorados, a massa de trabalhadores excluídos do trabalho formal ( apud Vasconcelos: 2002).
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Partindo dessas considerações, tomamos como objeto de estudo as condições de vida de
mulheres com câncer do colo do útero avançado7, em tratamento no HCII – INCA, procurando
compreender os determinantes do diagnóstico tardio da doença. Procuramos extrair elementos
significativos para pensar as condições sociais, econômicas e culturais das mulheres dos
segmentos subalternizados das classes trabalhadoras, as mais vulneráveis a esse tipo de câncer.
Buscamos subsídios que possam contribuir para o programa de controle do câncer do colo do
útero no Brasil e que instrumentalizem os profissionais de saúde, especialmente assistentes
sociais, na compreensão da realidade social dessas mulheres.
Dessa forma, este estudo analisa o problema do câncer do colo do útero como expressão
da questão social, o que implica ultrapassar a dinâmica do cotidiano dessas mulheres, que se
expressa no espaço particularizado da assistência oncológica e revelar as determinações
estruturais da realidade brasileira, sob as quais se condicionam as desigualdades sociais, a
pobreza e a institucionalização das políticas sociais e da política de saúde. A área da saúde
constitui-se em um espaço privilegiado para reflexão sobre a questão social, pois traduz
dimensões universais e particulares da questão social, condensadas na história de vida de cada
sujeito que demanda atendimento para uma necessidade de saúde. Neste caso, mulheres
buscando atendimento para o câncer do colo do útero.
O trabalho está estruturado em três partes. No primeiro capítulo, fundamentamos a
relevância da temática, abordando o problema do câncer do colo do útero no Brasil, apresentando
dados epidemiológicos e aspectos históricos da prevenção e controle da doença no país.
Procuramos correlacionar dados do HCII ao cenário nacional, entendendo que, na questão do
câncer do colo do útero, a particularidade do HCII expressa a realidade nacional do problema,
podendo ser tomada como referência de estudo. Apresentamos as ações que vêm sendo
desenvolvidas atualmente pelo Ministério da Saúde para enfrentamento ao problema, através do
Viva Mulher – Programa Nacional de Controle do Câncer do colo do útero. Dentro desse contexto,
situamos a nosso objeto de estudo: as condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer
do colo do útero avançado.
No segundo capítulo apresentamos referências que dão suporte para a compreensão do
problema do câncer do colo do útero, o qual envolve uma complexa relação com a questão social,
com o Estado, com as políticas sociais, com a organização da política de saúde e com as
demandas dos usuários. A questão social - entendida como indissociável do processo de
desenvolvimento capitalista - e suas refrações contemporâneas, se expressam no acirramento das 7 . Conforme orientação dos ginecologistas oncologistas do HCII, estamos considerando câncer avançado os casos a partir do estadiamento IIb, para os quais limitam-se as possibilidades de tratamento (que deixa de ser cirúrgico), aumentam as complicações e diminuem as chances de cura e a sobrevida das enfermas. Em câncer, o estadiamento do tumor é fundamental para definir a melhor forma de tratamento e o prognóstico. O Ministério da Saúde segue a normatização de estadiamento da TNM – Classificação dos Tumores Malignos – União Internacional Contra o Câncer (UICC), 5ª edição-1998.
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desigualdades sociais e da pobreza na sociedade brasileira. A compreensão das transformações
societárias das últimas décadas e do seu impacto nas políticas sociais e na política de saúde é
fundamental para entendermos a realidade das mulheres estudadas, pois sua condição de vida, o
processo de doença e o diagnóstico tardio estão influenciados pela conjuntura das décadas de 80
e 90. Em seguida, situamos o processo de desenvolvimento das políticas sociais e a política de
saúde no Brasil, desdobrando para a especificidade da Política Nacional de Prevenção e Controle
do Câncer no país (PNPCC), na qual se incluem as estratégias de enfrentamento ao problema do
câncer do colo do útero.
Na terceira parte, denominada “Condições de vida de trabalho e de saúde de mulheres
com câncer do colo do útero em tratamento no HCII”, introduzida pelos objetivos do estudo e do
seu desenho metodológico, apresentamos os resultados do estudo. Os depoimentos das mulheres
expressam “razões” sobre sua situação de doença e apontam novas questões que, com certeza,
poderão contribuir no planejamento e realização da prevenção e controle do câncer do colo do
útero.
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CAPÍTULO 1 - O PROBLEMA DO CÂNCER DO COLO DO ÚTERO NO BRASIL
1.1. Aspectos históricos da prevenção e controle do cânc er do colo do útero no país
No Brasil, o câncer continua ocupando um lugar de destaque entre as causas de morte na
população, configurando-se como um problema de saúde pública de dimensões nacionais. Os
dados epidemiológicos disponíveis apontam as neoplasias malignas entre as primeiras causas de
morte, junto às doenças cardiovasculares, óbitos por causas externas, doenças do aparelho
respiratório, afecções do período peri-natal e doenças infecciosas e parasitárias. Apesar dos
avanços alcançados, no quadro sanitário brasileiro observa-se a ocorrência de doenças ligadas à
pobreza, típicas de países em desenvolvimento, e doenças crônico-degenerativas, características
dos países desenvolvidos8. Quadro que reflete políticas descontínuas e as contradições do
processo de desenvolvimento do país.
Dados do Ministério da Saúde apontam o câncer como a segunda causa de mortalidade
por doença no Brasil. Em 2000, foi responsável por 12% dos 946.392 óbitos registrados.
Processando a análise por sexo temos que 53,97% dos óbitos por neoplasias ocorreram entre os
homens e 46,01% entre as mulheres9. Para 2003, em todo o Brasil, estimou-se a ocorrência de
402.190 casos novos e 126.960 óbitos por câncer, sendo 186.155 casos novos e 68.350 óbitos
para o sexo masculino e 216.035 casos novos e 58.610 óbitos para o sexo feminino (Brasil: 2003).
A emergência do câncer está vinculada ao processo de desenvolvimento do país. Através
da industrialização e da urbanização se estabeleceram uma série de mudanças nos hábitos e
estilo de vida da população e a introdução e a persistência desses novos hábitos pode propiciar o
8 http://inca.org.br/epidemiologia/cancer_no_brasil.html. Outubro de 2003 . 9 Idem, nota 7.
“Eu creio que não posso botar a culpa em ninguém. Acho que foi relaxamento meu. Também eu não sentia nada. (...) E trabalhei muito tempo, a agitação do trabalho. Fiquei viúva bem cedo, tive que criar dois filhos, aí me preocupava mais com eles, com a casa, mais do que com minha própria saúde. Quando meu marido morreu, meu filho estava com 12 anos e a minha filha com 13. Quer dizer, eu fui o homem e a mulher dentro de casa. Não me ligava e nunca me liguei em procurar o médico. (...) Eu achava que tinha boa saúde, aí não procurava fazer o preventivo porque tinha o estresse do trabalho. Trabalhava de dia e de noite, só tinha, às vezes, o sábado. Aí ficava difícil. (...)”
(Mulher entrevistada – 48 anos – HC II/INCA/RJ)
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risco de desenvolvimento do câncer. A expectativa de vida10 ao nascer, que foi aumentando
progressivamente no século XX, é outro fenômeno que vem alterando o perfil epidemiológico,
significando possibilidade de maior exposição da população aos riscos das doenças crônico-
degenerativas. Ou seja, o envelhecimento da população significa que as pessoas têm mais tempo
de latência para desenvolver doenças como o câncer. Os avanços tecnológicos na área da saúde
também estão relacionados com o aumento das taxas de mortalidade por câncer, pois sua
utilização contribuiu para o declínio das taxas de mortalidade por enfermidades controláveis e
maior acuidade para o câncer. A dimensão do problema do câncer e a sua tendência crescente
caracterizam a necessidade de uma política pública de caráter nacional, para o controle da
doença, que vem sendo realizada pelo Ministério da Saúde.
A neoplasia do colo do útero é um dos tipos de câncer mais relevantes no mundo,
apresentando altas taxas de incidência e mortalidade, sendo uma das neoplasias que mais afetam
as mulheres nos países em desenvolvimento11. O Brasil figura em nono lugar entre as quinze
maiores taxas de mortalidade por câncer do colo do útero no mundo (Brasil: 2002a).
Em nosso país, estima-se que o câncer do colo do útero seja o terceiro mais comum na
população feminina (10% de todos os tumores malignos em mulheres), sendo superado apenas
pelo câncer de pele (não melanoma) e pelo câncer de mama. Constitui-se na quarta causa de
morte por câncer na população feminina, superada apenas pelo câncer de mama, pulmão e
cólon/reto12. A maior incidência da doença ocorre em mulheres entre os 40 e 60 anos de idade,
que não são rastreadas pelo sistema de prevenção de forma regular. Em 1998, 16% das mortes
por neoplasias, em mulheres brasileiras, entre 35 e 49 anos, foi devido ao câncer do colo do
útero13. Em relação ao ano de 2000, dados do INCA sobre a incidência e mortalidade por câncer
apontam que essa neoplasia foi responsável pela morte de 3.953 mulheres14.
Segundo os dados do Ministério da Saúde, em 1979, a taxa de mortalidade por câncer do
colo do útero era de 3,44/100.000, enquanto em 1999 era de 4,67/100.000, uma variação
percentual relativa de 33.1%, demonstrando que, sob o ponto de vista temporal, as taxas vem
aumentando. De acordo com as estimativas do MS – INCA, para 2003 (Tabela 1):
“os números de óbitos e casos novos esperados para 2003 foram, respectivamente, 4.110 e 16.480. Esses
números esperados correspondem a taxas brutas de mortalidade e incidência de 4,58/100000 e 18,32/100000,
respectivamente” (Brasil: 2003).
10 A expectativa de vida ao nascer, no Brasil, vem aumentando progressivamente. Ao início do Século XX, o brasileiro tinha uma expectativa de vida de menos de 35 anos e, ao final dele passou para 68 anos de idade. A redução das taxas de natalidade e das de mortalidade tem modificado a estrutura etária da população, tornando-a mais velha, do ponto de vista demográfico. http://inca.org.br/epidemiologia/aumento_vida.html. Novembro de 2003. 11 As estatísticas referentes aos países em desenvolvimento apontam que 80% dos casos novos ocorrem nessas localidades. (Parkin 2001 apud Brasil: 2003). 12 http://www.inca.org.br/cancer/utero - Novembro/ 2003. 13 http://www.inca.org.br/prevenção/programa/viva_mulher - janeiro/2004. 14 Idem nota 12
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TABELA 1
Estimativa para o ano de 2003 das taxas brutas de i ncidência e mortalidade por 100.000 e de número de casos novos e de óbitos por câncer, em mu lheres, segundo a localização primária.
BRASIL Estimava dos casos Novos Estimativa de Óbitos
Estado Capital Estado Capital Localização Primária Neoplasia Maligna
O câncer do colo do útero é uma doença que tem sua história de evolução biológica bem
conhecida. Pode ser prevenido, pois tem uma evolução lenta15, sendo considerado de bom
prognóstico se diagnosticado e tratado precocemente. A figura 1 mostra o processo de evolução
da doença.
FIGURA 1 Processo de evolução do câncer do colo do útero
Seqüência típica de eventos na história natural do câncer do colo do útero Fonte WHO, 1998 (Brasil: 2002b;30)
As ações para o controle do câncer do colo do útero contam com tecnologias conhecidas,
de fácil execução e de baixo custo para o Estado. A estratégia reconhecida é a detecção precoce
15 Na maioria dos casos, a evolução do câncer do colo do útero é lenta, passando por fases pré-clínicas detectáveis e curáveis (lesões precursoras). Dentre todos os tipos de câncer, é o que apresenta um dos mais altos potenciais de cura (Brasil: 2000a).
3 a 8 anos
NIC I e NIC II NIC III
10 a 15 anos
10 a 15 anos
CARCINOMA INVASOR
CARCINOMA MICROINVASOR
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por meio do exame, periódico, de Papanicolau16 para diagnóstico precoce do tumor e de suas
lesões precursoras, permitindo o tratamento e a cura em 100% dos casos quando diagnosticados
em fase inicial (Brasil: 2000).
Apesar disso, por diferentes motivos, apenas uma parcela reduzida da população feminina
tem tido acesso a este exame. As taxas brasileiras de incidência e mortalidade mantêm-se
elevadas porque os casos da doença, em geral, são diagnosticados tardiamente. Isso significa que
os progressos na efetivação da prevenção, detecção e tratamento precoce desta neoplasia têm
sido muito limitados. Em nosso modelo de assistência à saúde tem persistido uma dicotomia entre
ações de prevenção e ações curativas, com desvalorização das ações de caráter coletivo,
preconizadas pelas propostas de saúde pública. Um modelo, cujas ações não têm interagido com
as características sociais, econômicas e culturais da população, como preconizado pelo Projeto da
Reforma Sanitária.
A realidade nacional do câncer do colo do útero demonstra que o diagnóstico da doença é
feito tardiamente. Dados de Registro Hospitalar de Câncer (RHC) de hospitais referência, de
algumas regiões do país que registram nos prontuários o estágio de doença, apontam que mais
ou menos 70% das usuárias apresentam doença avançada, como pode ser observado na tabela 2.
A metade dessas mulheres tem diagnóstico inicial em estádio III e IV (Brasil: 2003).
TABELA 2
Distribuição dos Casos de Câncer do Colo do Útero S egundo o Estadiamento
Estadiamento (%) HOSPITAL 0 – I II – III - IV
Hospital do Câncer de Barretos – 1994 32,5 67,5 Hospital do Câncer de Barretos – 1995 31,5 68,6 Hospital do Câncer de Barretos – 1996 37,7 62,3 Hospital do Câncer de Barretos – 1997 44,7 55,2 Hospital do Câncer de Barretos – 1998 43,3 57,7 Hospital do Câncer de Barretos – 1999 43,5 56,5 Hospital Santa Rita – 1994 14,1 85,9 Hospital Santa Rita – 1995 16,2 83,8 Hospital Santa Rita – 1996 14,6 85,4 Hospital do Câncer – 1994 30,7 69,3 Hospital do Câncer do Ceará – 1992 a 1996 10,0 90,0 Hospital Erasto Gaertner – RHC, 1990 a 1996 32,1 67,9 Hospital Ofir Loiola – 1994 35,1 64,9 Hospital Aristides Maltez – 1994 10,2 89,8 Hospital Araújo Jorge – 1991 26,4 73,6
Fonte: Publicações dos Registros Hospitalares dos respectivos hospitais Brasil. MS.SAS INCA 2002b; 19).
16 A detecção precoce do câncer do colo do útero por meio do exame citopatológico (Papanicolau), é capaz de interromper seu curso, apresentando relação custo benefício vantajosa em todos os sentidos. O exame é de fácil execução e de baixo custo, podendo ser realizado na maioria dos municípios brasileiros. O Brasil foi um dos primeiros países no mundo a introduzir o exame de Papanicolau, na rede pública de saúde (Brasil:2000a).
9
No estado do Rio de Janeiro, embora seja uma unidade da federação cuja estrutura dos
serviços de saúde têm uma melhor ordenação, especialmente na capital, as estimativas de casos
novos e de óbito por câncer do colo do útero também são significativas e comparáveis aos dados
nacionais. É o terceiro tipo de câncer mais incidente e o quinto tipo de câncer responsável por
óbito em mulheres, como demonstrado abaixo.
TABELA 3
Estimativa para o ano de 2003 das taxas brutas de i ncidência e mortalidade por 100.000 e de número de casos novos e de óbitos por câncer, em mu lheres, segundo a localização primária.
RIO DE JANEIRO E RIO DE JANEIRO
Estimava dos casos Novos Estimativa de Óbitos
Estado Capital Estado Capital Localização Primária Neoplasia Maligna
Na Tabela 4, traçamos um panorama dos casos de câncer do colo do útero tratados nos
Hospitais do INCA, a partir de 1991, com base nos dados do RHC, aos quais agregamos dados
levantados em 2002, no HCII, demonstrando que no Rio de Janeiro se reflete a realidade nacional
do diagnóstico tardio da doença. O Hospital do Câncer II17 é uma das unidades de referência para
o tratamento do câncer ginecológico no estado do Rio de Janeiro, onde se constata que mais de
70% das matriculas na Ginecologia18 são de mulheres com câncer de colo do útero, sendo que
destas, cerca de 50% chega para tratamento com doença em estágios II,III e IV.
17- A partir de 1999 o Hospital do Câncer II concentra o tratamento do câncer ginecológico. Devido do processo de reestruturação interna do INCA, houve fusão dos serviços assistenciais que eram duplicados ou triplicados nas três unidades hospitalares. O Hospital do Câncer III ficou responsável pelo tratamento do câncer de mama e o Hospital do Câncer I responsável pelo tratamento dos demais tipos de neoplasias. 18 Levantamento de casos distribuídos por patologia, realizado nos meses de Janeiro a Julho de 2002 mostrou que de 1023 prontuários de mulheres matriculadas na Unidade, 28 (2,7%) foram de tumor de vulva; 3 (0,3%) com tumor de vagina;146 (14,3%) com tumor de ovário; 134 (13,1%) foram de tumor de endométrio e 712 (69,67%) foram de tumor do colo do útero.
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TABELA 4
Câncer do Colo do Útero Distribuição por Estadiamento Clínico – INCA
Estadiamento INCA * 1991-1999
HCII ** 2000
HCII ** 2001
HCII*** 2002
Estádio 0 / Ca in situ 1747 29% 217 27,2% 170 25,2 353 49,6% Estádio I 843 14% 147 18,4% 89 13,2 40 5,6% Estádio II 1446 24% 187 23,4% 132 19,6 146 20,5% Estádio III 1807 30% 210 26,3% 203 30,1 142 19,9% Estádio IV 30 3% 20 2,5% 64 9,5 11 1,5%
* Fonte RHC – INCA - 2002 ** Fonte RHC – HC II – 2002 *** Dados computados pela secretaria do Serviço de Ginecologia – Matrícula dos meses Janeiro a Julho de 2002.
Comparando-se os dados do INCA e do HCII no Rio de Janeiro aos de outros hospitais
referência no Brasil, observa-se um percentual relativamente menor de casos avançados,
possivelmente porque, conforme Sampaio (2002)19, a partir de 1992, os hospitais do INCA
passaram a ser referência para casos de Ca in situ20 diagnosticados pelo Sistema Integrado de
Tecnologia em Citopatologia (SITEC), aumentando o número desses casos registrados pelo RHC.
Como podemos observar na Tabela 5, conforme o estádio da doença aumenta,
inversamente, reduzem-se às possibilidades de tratamento e cura da doença. Por outro lado,
diminuem, potencialmente, os anos de vida, na proporção inversa do aumento dos custos com o
tratamento. Assim, quanto mais avançada a doença, maiores são as possibilidades de seqüelas e
as repercussões de ordem física, psíquica, social e econômica tornam-se ainda mais graves. Além
do sofrimento imposto pela doença e tratamentos agressivos, está presente o risco de vida. Um
quadro que traz, também, sérios comprometimentos para a família, significando mudanças radicais
na dinâmica familiar: pelo sofrimento imposto pela doença; pelo comprometimento à atividade
laborativa da mulher e de outros membros da família; pela redução do poder aquisitivo
(especialmente se a mulher enferma for chefe da família); pela alteração de papéis de seus
membros; pela necessidade de definir um cuidador21; dentre outros problemas.
19 O autor refere ainda que a introdução da técnica de Cirurgia de Alta Freqüência (CAF) na instituição, em 1992, também vem contribuindo para o aumento do número de diagnósticos de casos na fase da doença Ca in situ.. 20 Ca in situ = Carcinoma in situ – doença pré-invasiva. Estadiamento Clínico Fédéretion Internacionale de Ginécologie et d’Obtetrique (FIGO) - TNM - Classificação dos Tumores Malignos - União Internacional Contra o Câncer /UICC, 5ª edição, 1998. 21. O debate sobre a questão do cuidador envolve questões complexas: por um lado coloca a questão da humanização e a importância das relações familiares para as pessoas nos momentos de vulnerabilidade. Por outro, aponta o processo de refamiliarização da assistência que significa devolver à família a responsabilidade com os cuidados aos enfermos, idosos, crianças, etc, na contrapartida da ausência do Estado. Nesse processo não são consideradas as dificuldades e limites das famílias, especialmente as mais pobres, para prestar esse cuidado.
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TABELA 5
Relação entre o benefício e o custo direto das açõe s de controle do câncer cérvico-uterino
Estágio da Doença % de Cura em 6 Anos* Custo em US$**
NIC I 100 18,75 NIC II 100 50,49 NIC III 100 399,41
124,39 (RT anti-hemorrágica * União Internacional Contra o Câncer – UICC – 1969 ** Sistema Único de Saúde – Ministério da Saúde – 1994 HTA = Histerectomia Total Abdominal CWM = Cirurgia de Wertheim-Meigs RT = Radioterapia Fonte: Brasil/ MS/ INCA (1999)
Esses dados evidenciam a existência de importantes lacunas entre os avanços técnico-
científicos para a prevenção e controle do câncer do colo de útero e o acesso de grande parcela
da população feminina a eles. Considerando-se o longo período pré-clínico detectável do câncer
do colo do útero, a estabilização das taxas de incidência e mortalidade revela que a cobertura do
exame preventivo, para a população feminina, tem sido muito baixa.
No Brasil, temos poucos estudos relativos à cobertura das ações de detecção precoce do
câncer do colo do útero, anteriores ao Programa Viva Mulher22, implantado em 1998. Em pesquisa
realizada pelo IBOPE/1994, 36% das mulheres entrevistadas nunca haviam feito preventivo na
vida, numa variação que vai de 31% na Região Sudeste a 42% na Região Nordeste(Brasil: 2002b).
Na Campanha de 1998, do Programa Viva Mulher, das mulheres usuárias da rede SUS que
compareceram para realização do exame citopatológico, 38,6% nunca tinham feito o exame. Na
fase de Consolidação do programa – 2000/2001 – esse percentual passou a 17,5% e na
Campanha de 2002 foi estimado em 19% (dados sujeitos a revisão). (Brasil: 2002). Além disso,
apenas 30% das mulheres submetem-se ao exame de Papanicolau pelo menos três vezes na vida
e grande parte dos exames citopatológicos refere-se às mulheres com menos de 35 anos. (Brasil:
2002) Em geral, as mulheres mais jovens procuram mais os ginecologistas, possivelmente porque
os eventos como gravidez, a necessidade de contracepção e o cuidado com as crianças sejam
22 O Programa Viva Mulher foi concebido a partir da Conferência Mundial da Mulher, na China, em 1995. O governo brasileiro passou a investir esforços na organização de uma rede nacional, reconhecendo a necessidade de um programa de âmbito nacional visando o controle da doença. Implantado em 1997, em cinco cidades, através de um plano piloto, passou por fases de intensificação e consolidação. Atualmente encontra-se implantado em vinte e sete unidades da federação. (www.inca.gov.br.viva_mulher. Março/2002. Podemos entender a concepção do Programa Viva Mulher, que se estrutura sob os princípios e diretrizes do SUS, dentro de uma conjuntura de privatização da saúde nos anos 90, como resultado de pressões internacionais diante da magnitude das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero no país.
12
mais freqüentes nessa faixa etária. Fica presente a questão do porque, passada essa fase, as
mulheres deixam de procurar23 os serviços de saúde para a realização do preventivo.
No Brasil, até a implantação do Viva Mulher, as ações de controle da doença foram
desenvolvidas de forma isolada e pontual, em alguns estados e municípios, muitas vezes por
organizações não governamentais, não sendo assegurada uma conexão com as políticas
nacionais de saúde. Tais iniciativas basearam-se em campanhas periódicas e de limitada
abrangência, refletindo as dificuldades para implementarem-se programas de prevenção24 de
caráter efetivo, com base no princípio da integralidade das ações de saúde (Brasil: 2000a). Isso
resultou numa má articulação dos serviços, dificuldades de acesso aos cuidados, falta de recursos
materiais e humanos e o desconhecimento das usuárias e dos próprios profissionais de saúde
sobre a prevenção, não se registrando impacto sobre o quadro de morbimortalidade por essa
doença no país.
O problema do câncer do colo de útero no Brasil é um dos exemplos da contradição em
que vivemos, pois os avanços tecnológicos e o conhecimento científico não têm se traduzido em
melhoria das condições de vida e do acesso aos serviços de saúde para a população como um
todo. Ou seja, a apropriação desse desenvolvimento não tem sido, equanimente, acessível a toda
população, afetando, no caso do câncer do colo do útero, especialmente as mulheres dos
segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora.
Apesar desse panorama bastante sombrio não se pode dizer que não houve algum avanço
na prevenção e controle do câncer do colo do útero no Brasil. Em recente estudo25 Koifman et al
(2002), analisando o período de 1980/1997, sugerem que há uma tendência de queda das taxas
de mortalidade por câncer do colo do útero, no conjunto das capitais brasileiras.
1.2. O controle do câncer do colo do útero na atualidade – O Programa Viva Mulher –
INCA/MS
Atualmente, o problema do câncer do colo do útero está sendo enfrentado no Brasil pelo
Ministério da Saúde, através do INCA, que vem desenvolvendo ações e buscando parcerias para
superar o quadro da doença no país. O Programa Nacional de Controle do câncer do colo do útero
e de Mama – Viva Mulher – implantado em 1998, vem sendo uma importante estratégia para o
23 É interessante observar, como veremos no Capítulo 3, que as mulheres estudadas, embora não realizando ou fazendo poucas vezes o exame preventivo, transitavam pelo sistema de saúde tratando outros problemas de saúde. 24 De acordo com Zeferino et al (1999) as primeiras iniciativas para implantar a prevenção do câncer do colo do útero ocorreram no final da década de 60, com progressos limitados ao longo da década de 70. Em meados dos anos 80 é instituído o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) pelo Ministério da Saúde (MS). Um de seus objetivos era aumentar a cobertura e a resolutividade dos serviços de saúde na execução das ações preventivas do câncer do colo do útero. 25 Os dados desse estudo são significativos pois se referem ao período anterior ao Viva Mulher, instituído a partir de 1997.
13
controle da doença, configurando-se como um programa de ações sistematizadas e integradas,
em âmbito nacional.
O Programa foi estruturado, de início, para responder à questão do câncer do colo do útero
por meio da oferta de serviços para prevenção e detecção em estágios iniciais da doença e para
tratamento e reabilitação das mulheres. Posteriormente, incorporou ações relacionadas ao câncer
de mama26. As diretrizes e estratégias traçadas para o programa, dentro do contexto do SUS,
contemplam a formação de uma rede nacional integrada, com base em um modelo geopolítico
gerencial, sediado no município. As ações se articulam em nível nacional, com base em convênio
firmado entre o INCA e as Secretarias de Estado, os municípios e o Distrito Federal, tendo um
coordenador nas instâncias estaduais.
O Programa tem por objetivo reduzir a mortalidade e as repercussões dos cânceres do colo
do útero e de mama na mulher brasileira. Em relação ao câncer do colo do útero propõe ser uma
resposta para o controle da doença, através de uma Política Nacional, que permita a articulação
de diferentes etapas de ações continuadas, criando mecanismos pelos quais “mulheres motivadas
a cuidar de sua saúde, encontrem uma rede de serviços quantitativamente e qualitativamente
capaz de suprir essa necessidade, em todo o país” (Brasil: 2002)27.
Focalizando o câncer do colo do útero, entendemos que o Programa representa grande
avanço na perspectiva do controle da doença no país. Ao longo de sua estruturação foram se
estabelecendo ações de caráter nacional, com o objetivo de formar uma rede hierarquizada de
assistência para o controle dessa neoplasia, envolvendo as três esferas de governo. A ênfase nas
ações do município, reforça que é esta esfera que capta a população feminina para o Programa.
Outro ponto importante do Programa é o caráter de continuidade das ações. Desde a
implantação do seu Projeto Piloto, em 1997, em cinco capitais, diversas ações foram se
efetivando. Passou-se a 1ª Fase de Intensificação do Programa, em 1998, através de campanha,
incentivando, prioritariamente, mulheres de 35 a 49 anos (faixa etária de maior incidência) a
realizarem o exame preventivo. A partir daí, foi se processando a qualificação da rede de coleta de
material e da rede de laboratórios para exames citopatológicos no país e, também, a ampliação e
qualificação da rede para tratamento, com fornecimento de equipamento para Cirurgia de Alta
Freqüência (CAF) para formação dos pólos de referência.
Durante os anos de 1999 e 2000, na Fase de Consolidação, várias ações reforçam o
caráter de continuidade e de abrangência nacional do Programa, mantendo ativo o rastreamento
do câncer do colo do útero. Destacam-se ações que envolvem estratégias de motivação da mulher
26 A estruturação funcional e técnico-gerencial para o controle do câncer de mama tem início em 1999. 27 http://www.inca.org.br/viva_mulher. Março/ 2002
14
para realização do preventivo; estruturação dos serviços e a capacitação dos recursos humanos;
estruturação do sistema de informação adequado e garantia de financiamento dos procedimentos
envolvidos; monitoramento das ações por estado; implantação do Sistema de Informação do
Câncer do Colo do Útero (SISCOLO) em todos os laboratórios de citopatologia no país;
monitoramento dos registros no Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA/SUS) dos exames e
do seguimento.
Em 2001 e 2002, o Programa avança com o planejamento e implantação da 2ª Fase de
Intensificação (nova campanha), contando com a participação de 97% dos municípios. Atualmente,
de acordo com informe do Programa Viva Mulher (2003)28, as principais estratégias para o controle
da doença no Brasil baseiam-se na “disponibilização” de exame citopatológico (Papanicolau) para
as mulheres brasileiras entre 25 e 59 anos, no tratamento adequado da doença e de suas lesões
precursoras em 100% dos casos e no monitoramento da qualidade do atendimento às mulheres,
em todas as suas etapas. A hierarquização da rede, com o fortalecimento dos pólos secundários
ambulatoriais de assistência, vem favorecendo a desospitalização de procedimentos diagnósticos
e terapêuticos das lesões precursoras do câncer do colo do útero, o que vem sendo fundamental
para o avanço do programa.
Tomando como referência a tendência de redução das taxas de mortalidade apontadas
pelo estudo citado (Koifman,et.al: 2002), podemos inferir que, com a efetiva implementação das
ações preconizadas pelo Programa Viva Mulher, mantendo seu caráter de continuidade e
abrangência nacional, essa tendência de diminuição das taxas de mortalidade possa acentuar-se.
Entretanto, entendemos que para alcançar-se, efetivamente, o objetivo do Programa, que é
o controle do câncer do colo do útero no país, questões que envolvem o cotidiano de vida das
mulheres mais vulneráveis aos riscos de desenvolvimento desse tipo de câncer, bem como as
características dos serviços de saúde destinados a elas, precisam ser mais amplamente
discutidas.
1.3. Condições de vida de mulheres com câncer do colo do útero avançado como objeto
de estudo
Os estudos sobre o problema do câncer do colo do útero têm primado por uma abordagem
técnica sobre: a história biológica da doença, seus fatores de risco, as tecnologias para prevenção,
detecção precoce e tratamento e sobre estudos epidemiológicos que apontam a magnitude do
problema no país, evidenciando os limites para o controle da doença.
Constata-se, ainda, o reconhecimento da relação deste tipo de câncer com o baixo nível
sócio-econômico das mulheres. Porém a literatura pouco contempla a análise das condições de
vida das mulheres pobres, as mais vulneráveis aos fatores de risco para desenvolvimento desse
tipo de câncer. Ou seja, embora sinalizando as mulheres com baixo nível sócio-econômico como
as mais vulneráveis, não se tem aprofundado a análise das condições sociais, econômicas e
culturais que atravessam o cotidiano de vida dessas mulheres e que comprometem, ou mesmo
impedem a promoção da saúde e a prevenção de doenças, em especial a prevenção do câncer do
colo do útero como rotina em suas vidas. Não se encontra na literatura, por exemplo, uma análise
das dificuldades de acesso dessas mulheres aos serviços de saúde, das características desses
serviços e do processo de trabalho desenvolvido nas unidades de saúde, no sentido de fortalecer
o vínculo delas aos programas de prevenção.
No próprio Programa Viva Mulher, o único indicador social considerado é o nível de
escolaridade das mulheres que, embora significativo, ao nosso ver, é insuficiente para dimensionar
o cotidiano de vida dessas mulheres. Ou seja, entendemos que o Programa não vem ampliando o
debate sobre as marcantes diferenças sócio-econômicas e culturais que condicionam as precárias
condições de vida da maioria dessas mulheres, o adoecimento por câncer do colo do útero e o seu
diagnóstico tardio. Assim podemos dizer que, apesar do Programa Viva Mulher conjugar o câncer
do colo do útero e o câncer de mama, a sua efetivação ainda está longe da perspectiva de
atenção integral, como definida na Constituição de 1988 e regulamentada na Lei Orgânica da
Saúde29.
Dentre os fatores de risco identificados para o câncer do colo do útero, a infecção por vírus
do papiloma humano – HPV tem sido apontada como fator principal, mas ela não é suficiente
para que câncer do colo do útero ocorra. Outros co-fatores se associam para o desenvolvimento
da doença: a idade prematura de início da vida sexual, a multiplicidade de parceiros sexuais,
múltiplos partos, o tabagismo, o uso de contraceptivo oral e baixa ingesta de vitamina A e C
(Brasil: 2000a).
Podemos observar, que a maior parte dos fatores de risco para o câncer do colo do útero
aponta uma relação importante com a pobreza. Sanjosè (1997) afirma que “uma característica
marcante do câncer do colo do útero é sua consistente associação em todas as regiões do mundo,
com o baixo nível sócio-econômico , ou seja, com os grupos que têm maior vulnerabilidade
social” (apud Brasil: 2000a) (Grifos nossos). Ou seja, se reconhece que nos segmentos de
29 Constituição Federal, Título VIII Da Ordem Social; Cap II Da Seguridade Social; Seção II Da Saúde – artigos 196 a 200. Lei 8080/90 – Artigos 2º e 3º.
16
mulheres pobres se concentram as maiores barreiras de acesso a serviços para detecção e
tratamento precoce da doença, advindas de dificuldades econômicas e geográficas, insuficiência
de serviços e questões culturais (Brasil: 2000a). Segundo Cárceres, (2000) vulnerabilidade social
significa:
“ (...) a relativa desproteção na qual se pode encontrar um grupo de pessoas ( por exemplo, migrantes, pessoas
pobres, grupos de jovens, mulheres , as minorias sexuais, as pessoas com menor nível educativo e outros
grupos que vivem à margem do sistema), frente a potenciais danos de saúde e ameaças à satisfação de suas
necessidades básicas e seus direitos humanos, em razão de menores recursos econômicos, sociais e legais”
(p.10) (Gripo nosso).
Pearce (1997) assinala que, “na maioria dos países industrializados, os estudos têm
encontrado, reiteradamente, forte associação entre classe social e câncer, com quase o dobro do
risco relativo de câncer, quando se compara o grupo menos favorecido com o mais favorecido”
(p.121). O autor faz essa associação considerando o câncer de modo geral. Se destacarmos o
câncer do colo do útero, que já está relacionado com o baixo nível sócio-econômico em todas as
regiões do mundo, fica mais evidente a questão de classe, que condiciona a pobreza,
principalmente considerando a condição do Brasil, país em desenvolvimento.
A Lei Orgânica da saúde - Lei 8080/90 que regulamenta as ações relativas aos direitos à
saúde, assegurados na Constituição federal de 1988, Título VIII - Da Ordem Social, define como
princípios e diretrizes gerais:
Art. 2° A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1° O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e
sociais, que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos, e no estabelecimento de condições
que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 3° A saúde tem como fatores determinantes e co ndicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o
saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos
bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do
País. (Lei Orgânica da Saúde 1990 apud CRESS: 2000).
Confrontar as condições de vida das mulheres vulneráveis ao câncer do colo do útero às
determinações constitucionais para a saúde, é discutir a política de saúde no país, seus
desdobramentos para a área oncológica, e neste estudo, mais especificamente, as perspectivas
do Programa de Controle do Câncer do Câncer do Colo do Útero, considerando-se os mínimos
investimentos do Estado na área social e os níveis de desigualdade social, econômica e cultural a
17
que está exposta uma grande parcela da população brasileira. Para esse segmento da população
os fatores determinantes e condicionantes para a saúde revertem-se em grandes determinantes e
condicionantes de doenças, pois esse segmento vivencia um processo de exclusão aos bens e
serviços necessários à satisfação de necessidades básicas.
Poderíamos afirmar que essas mulheres pertencem a estratos da população que vivenciam
um quadro de “pobreza, exclusão30 e subalternidade” que, segundo YasbeK (2001) expressa:
“indicadores de uma forma de inserção na vida social, de uma condição de classe e de outras condições
reiteradoras da desigualdade (como gênero, etnia, procedência e etc.), expressando as relações vigentes na
sociedade. São produto dessas relações, que produzem e reproduzem a desigualdade no plano social, político,
econômico e cultural, definindo para os pobres um lugar na sociedade. (...) Este lugar tem contornos ligados à
própria trama social que gera a desigualdade e que se expressa não apenas em circunstâncias econômicas,
sociais e políticas, mas também nos valores culturais das classes subalternas (...)” (ps. 34/35).
É nessa perspectiva que este estudo se realiza, tomando como objeto as condições de vida
de mulheres com câncer do colo do útero avançado, mulheres pertencentes aos segmentos
menos favorecidos da classe trabalhadora. As condições de vida dessas mulheres evidenciam
parâmetros mínimos de qualidade de vida, que emergem pela situação de pobreza, resultante de
relações sociais desiguais que se gestam na sociedade capitalista e que têm implicações diretas
para a saúde desse segmento da população.
A análise das condições de vida e de trabalho dessas mulheres, como um diferencial para
os riscos de desenvolvimento desse tipo de câncer e de seu diagnóstico tardio, implica uma
reflexão sobre os condicionantes das precárias condições de vida das mulheres dos segmentos
mais explorados da classe trabalhadora. Exige apreender questões centrais do cotidiano de vida
dessas mulheres, que comprometem os cuidados com a saúde e que estejam impedindo,
comprometendo a sua adesão a programas de prevenção do câncer do colo do útero. Exige
pensar aspectos pertinentes ao acesso aos serviços de saúde bem como a forma como estão
estruturados para a atenção à saúde da mulher, pois esses serviços têm papel fundamental no
fortalecimento do vínculo das mulheres à prevenção. São questões que precisam ser consideradas
e que podem contribuir para o avanço das as ações do Programa Viva Mulher.
Implica reconhecer que o problema do câncer do colo do útero está, dialeticamente,
relacionado às refrações da questão social31, cujas expressões vêm forjando a vida material, a
30-O conceito de “exclusão”, no âmbito deste trabalho é tomado na dimensão contraditória da inclusão desses grupos à sociedade capitalista, ou seja, a proposital inclusão precária e instável, marginal, das pessoas ao funcionamento da ordem política e econômica aos interesses dominantes. Logo, uma das formas de pertencimento, de inserção na vida social pela via de exclusão, pela não participação e pelo mínimo usufruto da riqueza socialmente construída. “É uma exclusão integrativa” Martins (1997). 31 - Para Iamamoto (1986): questão social significa: “(...) as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário público da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, do cotidiano da vida
18
cultura, a sociabilidade, as reais condições de vida dos segmentos subalternizados e as
desigualdades relativas à saúde, aqui em destaque, a Política Nacional de Prevenção e Controle
do Câncer do Colo do Útero, questões que serão discutidas nos capítulos seguintes.
social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e repressão”. (p.77) Este conceito será abordado no Capítulo 2.
19
CAPÍTULO 2 - QUESTÃO SOCIAL, POLÍTICA SOCIAL E POLÍTICA DE S AÚDE NO
BRASIL
2.1. A Questão Social
A reflexão sobre a questão social, desdobrando a discussão sobre desigualdade social e
pobreza no Brasil é fundamental para este estudo, na perspectiva do desvelamento das condições
de vida, de trabalho e de saúde das mulheres com câncer do colo do útero.
O campo da saúde constitui-se num espaço privilegiado para reflexão sobre a questão
social, em seus rebatimentos no cotidiano de vida da população, pois esse campo traduz
dimensões universais e particulares da questão social, condensadas na história de vida de cada
sujeito que demanda atendimento para uma necessidade de saúde. No nosso caso, mulheres
buscando tratamento para o câncer do colo do útero.
Tentar explicitar o quadro de vida dessas mulheres, sob o entendimento de que representa
“uma expressão da questão social”, implica ultrapassar a dinâmica do cotidiano que se revela no
espaço particularizado da assistência oncológica, desvelando as determinações estruturais da
realidade, percebendo, nos processos sociais singulares, a dialética inclusão/exclusão de milhões
de brasileiros. Para Iamamoto (2002):
“importa ter clareza que a análise macroscópica sobre a questão social (...) expressa uma realidade que se
materializa na vida dos sujeitos. Este reconhecimento permite ampliar as possibilidades de atuação (...) do
Assistente social, porque ele não trabalha com fragmentos da vida social, mas com indivíduos sociais que
condensam a vida social” ( p.31).
Portanto, analisar o problema dessas mulheres implica pensar a lógica societária sob a
qual se estabelecem os determinantes da desigualdade social e da pobreza no Brasil; os
parâmetros de precariedade a que estão expostas grandes parcelas da população brasileira.
Quadro em que se cristalizam as dificuldades históricas da cidadania para todos, aprofundam-se
Democracia? É dar, a todos, o mesmo ponto de partida.
Mario Quintana
20
os níveis de pobreza e "exclusão social" significando precarização contínua da qualidade de vida
para esses estratos da população.
A condição de vida dessas mulheres espelha um cenário de desigualdades e antagonismos
“fabricados” em nosso processo de desenvolvimento econômico e social, enquanto país que ocupa
uma posição periférica e dependente na ordem econômica mundial, ao qual se agregam as nossas
particularidades históricas de formação cultural que foram estruturadas por políticas dominantes
de caráter conservador. Constituiu-se, assim, um padrão de sociedade onde o desenvolvimento
econômico e o fortalecimento do Estado caminham em descompasso com o desenvolvimento
social.
O Estado brasileiro tem papel central na reprodução da questão social, cujo padrão de
intervenção não contribuiu para a redução das desigualdades sociais. Se pensarmos as políticas
públicas como a possibilidade, não só de redistribuir renda, mas, sobretudo, de garantir a
igualdade na oferta de bens e serviços públicos – em termos do acesso a um padrão mínimo de
qualidade de vida para a população como um todo – a ação estatal não estabeleceu mecanismos
para superação da pobreza; apenas limitou-se a paliar suas manifestações. As políticas sociais32,
como expressão da intervenção pública sobre os problemas sociais, foram historicamente
caracterizadas pela regressividade, tanto do ponto de vista do seu financiamento como de seus
benefícios e serviços.
2.1.1. A emergência da questão social
A questão social toma significado histórico a partir das transformações desencadeadas pelo
processo de industrialização do Século XIX, na Europa Ocidental, constituindo-se num conjunto de
problemas vinculados às modernas condições de trabalho urbano. A pobreza já existia
anteriormente, fruto da falta ou do pouco desenvolvimento do trabalho, mas nesse período, é
radicalmente nova a dinâmica desse fenômeno, que então se generaliza. Torna-se um “problema
social” a partir das grandes transformações sociais, políticas e econômicas, trazidas pela
revolução industrial, como parte do processo mais geral do desenvolvimento capitalista.
O que marca então a pobreza na sociedade capitalista é que ela é conseqüência do auto-
desenvolvimento das forças produtivas sociais, onde se constituía o paradoxo da sua produção
32 Em nossa argumentação, o termo política social é entendido, de acordo com Pereira (1994), como uma forma de política pública, como um programa de ação que visa atender necessidades sociais, que requer decisões que extrapolam o privado e o individual para englobar decisões coletivas, garantidoras de direitos. Diz respeito à atuação e provisão estatal para garantir o bem de todos e não se restringe apenas à interferência estatal, mas supõe decisão, participação e controle dos cidadãos.
21
nas próprias condições em que se gestavam as possibilidades de sua superação. Ou seja, o
pauperismo como um fenômeno socialmente produzido na contradição entre a produção social e a
apropriação privada da riqueza. Como nos diz Netto (2001) “a pobreza crescia na proporção direta
em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas” (p.42).
A pobreza é reconhecida, impondo uma reflexão política e uma inversão da lógica de como
se pensava a sociedade até então. Constatava-se o abismo entre o crescimento econômico e o
aumento da pobreza. Buscava-se outros fundamentos explicativos para essa nova ordem social
que dava origem a processos de constituição de novas classes. Atores coletivos exigem a
constituição de diferentes padrões de incorporação das demandas emergentes.
A questão social refere-se, então, à visibilidade que é dada às desigualdades na vida
social, através do protagonismo de novos atores sociais, que não encontravam o seu lugar de
cidadãos, a partir da nova organização do trabalho, o centro dessa ordem social em construção. A
pressão desses atores coloca em xeque a ordem instituída, apontando as contradições de uma
sociedade formada por cidadãos iguais em direitos, mas dilacerada pelo “espetáculo” da miséria.
O pauperismo passa, então, a ser designado como questão social que, pela luta de classes
protagonizada, especialmente, pelos operários, constitui-se numa ameaça à ordem vigente. A
questão social vai ser, inicialmente, tratada pelo ângulo do poder como caso de polícia. Segundo
Iamamoto (2002), a questão social:
“tem sua gênese no caráter coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade
humana – o trabalho –, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável
da emergência do “trabalhador livre” que depende da venda de sua força de trabalho como meio de satisfação
de suas necessidades” (p.26).
A questão social tem, assim, uma relação direta com a emergência da classe operária e
seu ingresso no cenário público, partindo das lutas desencadeadas em prol dos direitos
relacionados ao trabalho, exigindo seu reconhecimento como classe e a intervenção do Estado
para garantia desses direitos. Um quadro que demarca a transição do proletariado de “classe em
si” para a “classe para si”. De acordo com a autora citada (2001),
“foram as lutas sociais que romperam o domínio privado nas relações entre capital e trabalho, extrapolando a
questão social para a esfera pública, exigindo a interferência do Estado para o reconhecimento e a legalização
dos direitos e deveres dos sujeitos envolvidos” (p.17).
É a partir desse reconhecimento que se origina uma legislação, cobrindo uma ampla esfera
de direitos sociais relacionados ao trabalho, assentada no direito e na responsabilidade pública,
22
consubstanciados através de serviços e políticas sociais, para atendimento às necessidades
básicas da classe operária e outros segmentos da população.
Esse processo vai fundamentar e desencadear o desenvolvimento do Welfare State, do
Estado Providência ou Estado Social, nos países centrais. Medidas que se concretizam no pós-
guerra quando se vivia uma grande ameaça à coesão social, um ambiente propício para se
redefinir a idéia de solidariedade, projetando-se uma sociedade “pactuada” para diminuir as
desigualdades sociais. É a decisiva responsabilização do Estado pelo bem estar dos cidadãos,
através de medidas regulamentadoras, que vão desde as leis trabalhistas até a garantia de acesso
do cidadão comum a bens e serviços de natureza pública. Constituiu-se a idéia de seguridade
como expressão de um pacto social e político de compatibilização entre capital e trabalho, sob um
processo contraditório em que se assegura o desenvolvimento capitalista na contrapartida da
garantia de direitos de cidadania.
2.1.2. Polêmicas sobre a questão social na atualida de
Atualmente, levanta-se uma polêmica entre diversos autores sobre a questão social, sendo
o cerne da discussão o fato de, para alguns, existir uma “nova questão social”. Autores, como
Iamamoto e Netto, nos marcos da teoria social crítica, se posicionam contrários a essa idéia,
embora reconhecendo uma série de diferenciações de expressão da questão social, sob o ponto
de vista do desenvolvimento histórico da sociedade capitalista contemporânea.
Castel (1997) é um dos autores que discute a “nova questão social”. Ele toma como matriz
de análise a sociedade salarial, apontando para a dificuldade que as sociedades em geral
enfrentam para realizar a coesão social, como um conjunto articulado por relações de
interdependência. A “nova questão social”, reprodução inovadora da questão social do passado,
questiona a função integradora do trabalho na sociedade e ameaça a coesão social.
O autor (1997) define a questão social “como uma aporia fundamental, uma dificuldade
central, a partir da qual uma sociedade se interroga sobre sua coesão e tenta conjurar o risco de
sua fratura”. (p.164) Nessa ótica, o que está presente é a visão da questão social como uma
situação “patológica”. O ponto chave da discussão é o reforço da coesão em detrimento da crise,
da fratura, das tensões. Vive-se uma desmontagem do sistema de proteção e garantias de
emprego, cujos efeitos são a desordem do trabalho, uma desestabilização que avança para outras
esferas da vida social.
Ele vê a questão social na ótica da anomia, na ótica do perigo, perigo de desarmonização
das relações sociais. Uma ótica que é totalmente divergente do pensamento de Marx, que orienta
23
a compreensão da questão social como indissociável do regime de produção capitalista. A questão
social não é uma deficiência que coloca em risco a coesão social, mas é inerente à própria
contradição do sistema. É produzida por ele e para superá-la torna-se necessário ultrapassar a
ordem capitalista. É nesta lógica que Iamamoto (2001) considera a questão social:
“indissociável do processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras,
o que se encontra na base da exigência de políticas sociais públicas. Ela é tributária das formas assumidas
pelo trabalho e pelo Estado na sociedade burguesa, e não um fenômeno recente, (...)” (p.11).
Também para Netto (2001), não existe uma “nova questão social” mas sim a necessidade
de se desvelar a relação entre as expressões emergentes e as novas modalidades de exploração.
O que está presente na ótica deste autor é a compreensão da questão social a partir da “Lei Geral
da Acumulação Capitalista” de Marx, pela qual é possível entender que,
“o desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a questão social. Diferentes estágios capitalistas
produzem diferentes manifestações da "questão social"(...): sua existência e suas manifestações são
indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. A “questão social é
constitutiva do desenvolvimento do capitalismo(...)” (p.45).
Ele sinaliza a necessidade de se considerar a relação da “Lei geral da acumulação
capitalista” às particularidades históricas, culturais e nacionais onde se concretiza, para dar conta
de entender as refrações contemporâneas da questão social. Essa análise possibilita o
entendimento de que a questão social está sempre presente, como traço distinto do regime
capitalista.
Para estes autores, então, a questão social contemporânea está constituída na perspectiva
da mesma “velha dominação capitalista”, inscrita na contradição fundamental entre capital e
trabalho. É constitutiva das relações capitalistas, sob as quais mantém-se a subordinação de
parcelas consideráveis da população mundial às necessidades do capital, impedindo-as de
situarem-se como iguais nas sociedades divididas em classes. A questão social é apreendida
como expressão ampliada das desigualdades sociais.
Assim, o que está no cerne da questão social, na atualidade, é o quadro determinado pelo
secular confronto entre forças produtivas e relações de produção – a divisão da sociedade em
classes –, permanecendo a mesma questão da luta pela apropriação da riqueza socialmente
produzida. Portanto, não existe uma “nova questão social” e sim manifestações contemporâneas
da questão social que, engendradas pelas contradições fundamentais da sociedade capitalista,
respondem pelo velho fenômeno da desigualdade social e da pobreza, hoje mais acirrado.
24
De uma perspectiva marxista, Soto (2003) afirma que a pobreza não pode ser entendida
apenas como a situação de privação vivenciada por parcelas da população, mas como um
processo de empobrecimento da classe trabalhadora, o qual se encontra relacionado à produção
da riqueza social. É, portanto, um processo relacional que dá conta das desigualdades da
sociedade burguesa, pois as mesmas relações que produzem a riqueza, também produzem a
miséria. Assim, a pobreza é base e fonte da sociedade capitalista e só se explica entendendo a
sociedade como um todo.
2.1.3. As transformações societárias nas últimas dé cadas: questão social e pobreza no
Brasil
A partir das transformações societárias ocorridas nas últimas décadas, a questão social se
expressa num processo constituído pela ordem da globalização capitalista. Processo que trás
como eixos: a financeirização, enquanto perspectiva de acumulação, em detrimento dos
investimentos na produção; a exaustão do padrão “rígido” de acumulação do fordismo/taylorismo e
a mudança para o padrão “flexível” (Harvey: 1993)33 na esfera da produção; a emergência do
neoliberalismo, estabelecendo mudanças nas relações entre Estado e sociedade civil,
pressionando para a redução da intervenção do Estado frente à questão social; e a ênfase na
liberdade do mercado como mecanismo de regulação da vida social, na lógica do “cidadão
consumidor” (Mota: 1995).
Essas mudanças vêm atingindo diretamente à classe trabalhadora pois a flexibilização da
economia traz em seu âmago a financeirização do capital, retirando investimentos da produção,
passando-os ao “soberano mercado”, trazendo consigo a flexibilização das relações e vínculos de
trabalho, extrapolando a esfera da produção. Busca-se dissolver antigas identidades sociais
(classistas), desqualificando a ação dos sindicatos, despolitizando as demandas democráticas.
“Sataniza-se” o Estado com vistas a minimizá-lo; “valoriza-se” a sociedade civil, transferindo-se a
ela as responsabilidades da ação estatal. Desse modo aumenta, cada vez mais, a distância entre
o mundo rico e o mundo pobre, a desigualdade social afetando mais aos países periféricos.
Assim, a questão social se situa no contexto dos padrões de regulação sócio estatal, com o
qual se defrontam as políticas sociais na sociedade capitalista contemporânea, onde é patente o
domínio do mercado. Um contexto de "crise" que se explica nos marcos da redefinição do
processo de reprodução do capital. As novas tendências de acumulação são contrárias ao pleno
emprego, ao sistema público de proteção social, à regulação social e aos pactos sócio-políticos.
33 Harvey (1993) assinala que o padrão de acumulação “rígido” fordista passa para um padrão “flexível”, implicando um novo modo de regulação, apoiando-se na flexibilização dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo.
25
Isso significa uma série de novas implicações sócio-econômicas, políticas e culturais para a
população mundial, como o aumento do contingente de pobres e miseráveis, com acento de
perversidade para os países periféricos, como o Brasil.
O paradigma neoliberal entra em cena questionando o papel do Estado, esvaziando os
mecanismos de proteção social. Ou seja, há um redimensionamento do papel do Estado em suas
relações com a sociedade civil, minimizando sua ação reguladora na “ruptura” do pacto sócio-
político de compatibilização do capitalismo com o Welfare State. Isso significa redução do Estado
no âmbito social e subordinação das políticas sociais à política de estabilização econômica.
As formas produtivas flexibilizadas apresentam tendências que acentuam os elementos
destrutivos que presidem a lógica do capital. Pleno emprego e sistemas de regulação sócio-estatal
são antagônicos às novas tendências de acumulação mundialmente organizadas. O resultado
dessas transformações é brutal e fragmenta a classe trabalhadora que, na compreensão de
Antunes (1999a), é a marca da sociedade dual do capitalismo avançado. Essa fragmentação se
dá pela:
“ expansão sem precedentes (...) do desemprego estrutural que atinge o mundo em escala global. (...) há uma
processualidade contraditória que, de um lado reduz o operariado industrial e do outro aumenta o
subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento do setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e
exclui os mais jovens e os mais velhos. Há, portanto, um processo de maior heterogeneização, fragmentação
e complexificação da classe trabalhadora” (p. 41/42) (grifos no original).
Nessa mesma linha, Yazbek (1998) situa a questão social no que ela denomina
vulnerabilização das relações de trabalho, que expressa a insegurança dos trabalhadores e a
perda da proteção social, advinda das conquistas relacionadas ao trabalho. Isso significa aumento
do desemprego e diminuição dos postos de trabalho, seguindo a linha da flexibilização com
precarização das relações de trabalho, na ordem da acumulação capitalista. A autora afirma que:
“(...) nesse contexto de precarização e subalternização do trabalho à ordem do mercado, a questão social se
expressa na insegurança do trabalho assalariado e na penalização dos trabalhadores. Pois é do trabalho, de
sua proteção e garantia que se construíram, em um processo de conquistas, os direitos sociais, a Seguridade
Social” (p.52).
Ainda para a mesma autora (1998), com base em Harvey (1992) e Draibe (1997):
“o paradigma tecnológico da flexibilização produtiva e as novas regras de organização do trabalho ampliam a
insegurança dos trabalhadores, com graves implicações para o tecido social que se fragmenta entre grupos
cada vez menores dos que trabalham e são protegidos e os desempregados ou apenas precariamente
vinculados, que contam com baixa ou nenhuma proteção social - os velhos e os novos excluídos do progresso
social” (idem:p.51/52).
26
Esse contingente da população passa a demandar mais serviços sociais que, por sua vez,
estão se extinguindo. Os direitos sociais conquistados, ao longo do processo de modernização da
sociedade, encontram-se em questão. Isso significa a perda de proteção contra a “exclusão
social”, destruição dos vínculos que atavam um grande número de pessoas às engrenagens de
uma sociedade que se pretendia integradora, com efeitos perversos para a dignidade das pessoas
e a qualidade de vida de uma crescente fatia da população mundial.
No Brasil, especialmente a partir da ditadura, constituiu-se a idéia de que o crescimento
econômico geraria por si só o desenvolvimento social, mas o que se evidencia, em toda a nossa
trajetória histórica, é um grande hiato entre o grau de desenvolvimento das forças produtivas e os
padrões de consumo de grande parte da população. Se, por um lado, alcançamos patamares de
uma sociedade industrial moderna, dinâmica, com níveis de prosperidade em determinadas
esferas da sociedade, por outro, as nossas desigualdades históricas não se reduziram. Pelo
contrário, reiteram-se e agravam-se num descompasso entre o desenvolvimento econômico e
social (Ianni: 1993). Temos um processo de concentração de renda, uma distribuição desigual que
tende a se reiterar ao longo da nossa história. Um processo ativo e determinado pelo padrão de
acumulação capitalista.
As medidas de pobreza e desigualdade social no Brasil indicam padrões muito
diferenciados. É alto e persistente o nível de desigualdade relativa na distribuição da renda
nacional. Os rendimentos médios crescem mais nas faixas de renda mais alta, ampliando-se a
distância econômica entre os ricos e os pobres, sendo 32 vezes a diferença entre a renda dos 10%
mais ricos e os 40% mais pobres (IBGE: 2001). Além disso, devemos levar em conta a grande
heterogeneidade de formas de pobreza, devido às disparidades regionais.
Nesse processo se determinam as carências sociais da população mais pobre, conforme
Laurel (2002), referindo-se especificamente ao Brasil:
“a precária situação do emprego e o baixo nível do salário ou de outras formas de renda – que constituem o
mecanismo regular de satisfação das necessidades sociais – traduzem-se em graves deficiências nas
condições de vida: alimentação, habitação, saneamento básico, educação e saúde. Desta forma, grandes
parcelas da população não tem suas necessidades sociais básicas atendidas, nem contam com proteção contra
as contingências sociais” (p.159).
A repercussão de tudo isso é a marca da violência social, da permanente degradação das
condições de vida dos trabalhadores brasileiros mais pobres, em geral “excluídos” do mercado de
trabalho formal, vinculados ou não ao setor informal e daqueles sem acesso a bens e serviços. Um
processo que se expressa na proliferação da miséria de segmentos da população na condição de
indigência; na sub-habitação; na mortalidade infantil; no abandono de crianças, jovens e idosos;
27
em milhares de crianças fora da escola; na ignorância; na fome e na desnutrição aguda; no retorno
de doenças já erradicadas; num contingente cada vez maior de doentes sem assistência devido às
restrições dos serviços públicos de saúde, entre outros problemas.
O nosso mercado de trabalho é caracterizado por baixos salários, onde sempre
predominou uma inserção ocupacional precária, a maioria dos “empregos” concentrados no setor
informal. A forma de inserção no mercado de trabalho é uma condição que compromete
diretamente a sobrevivência do indivíduo e de sua família. Nas formas precárias de inserção no
trabalho estão ausentes as normas reguladoras de proteção da legislação vigente, com relação a
salários, condições de trabalho e seguridade social.
Nessa estrutura de desigualdade social, pobreza estrutural e ineficiência das políticas
sociais, o Brasil vai sofrer o impacto das chamadas políticas de ajustes estruturais de caráter
neoliberal. Dada a fragilidade do país, do ponto de vista da desigualdade estrutural, esse impacto
foi mais grave do que para os países desenvolvidos.
Esse impacto social é duplamente perverso, pois significa o agravamento da desigualdade
e pobreza já existentes e o surgimento de uma “nova pobreza” – configurando “novas” expressões
da questão social –, de enormes dimensões e complexidades. Isso quer dizer que aos nossos
antigos problemas não resolvidos – à “dívida social” – foram acrescidos novos problemas, cuja
combinação expressa a justaposição de formas tradicionais com situações mais recentes de
precariedade, significando um processo de pauperização contínua.
Nos anos 90, a idéia de que a estabilidade econômica e o fim da inflação seriam os
elementos fundamentais para alavancar o desenvolvimento demonstrou ser uma falácia, pois o
crescimento não gerou distribuição de renda e a estabilização da moeda não levou ao
desenvolvimento anunciado. Pelo contrário, desencadeou-se um processo recessivo, do ponto de
vista econômico, o que provocou desemprego e precarização das condições de trabalho sem
precedentes, agravando a desigualdade social e gerando um empobrecimento generalizado. Com
o neoliberalismo, na sua versão brasileira, a expansão do desemprego e dos empregos precários
significou a elevação dos salários baixos e redução das possibilidades de acesso a direitos sociais.
O desemprego torna-se estrutural, o longo período de desemprego agrava a condição de
vida das famílias pobres, inclusive jogando famílias da classe média também na pobreza, o que
seriam “os novos pobres”, fazendo emergir novas situações de instabilidade para aquelas vítimas
diretas do desemprego.
Como a maior parte da população vive do seu trabalho, não tendo outra fonte de renda,
esta condição afeta a todos que dele dependem. Obviamente, os mais pobres são os mais
28
prejudicados, tornando-se ainda mais vulneráveis e sem possibilidades de romper/superar sua
condição de pobreza, sendo os mais atingidos os jovens, os velhos, as mulheres e os doentes.
O Censo 2000 (IBGE) indica que o Brasil tem hoje 48,2 milhões de famílias, sendo 26,7%
chefiadas por mulheres. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD do
IBGE 2001), as mulheres têm remuneração mais baixa (historicamente inferior à do homem).
Embora com certo índice de melhora, o rendimento feminino é 69,1% do rendimento masculino,
mesmo em atividades semelhantes ou equivalentes às dos homens.
Os dados do Censo 2000 (IBGE) mostram a taxa de 54,8% de pessoas ocupadas em
relação à população economicamente ativa. Em relação à renda, 1 em 4 trabalhadores recebe até
um salário mínimo por mês. Pouco mais da metade da força de trabalho do país ganha até dois
salários mínimos mensais (população ocupada). Apenas 2,6% da população recebe mais de 20
salários mínimos. Em relação às mulheres, a situação é ainda mais grave: apenas 1,7% delas
ganha mais de 20 salários mínimos e 38,9% ganha menos de 1salário mínimo, permanecendo o
corte por gênero. Dentre os setores com remuneração mais baixa estão os serviços domésticos,
setor de grande inserção feminina.
Quanto aos índices de educação e analfabetismo, o Censo 2000 aponta que houve
melhorias. Entretanto, revela que 31% da população é analfabeta ou analfabeta funcional34. A
PNAD 2001 reafirma que o nível de instrução da população aumentou, mas mostra que, entre as
pessoas de 10 anos ou mais de idade, apenas 20,01% dos homens e 23,2% das mulheres têm o
ensino médio concluído. Quanto às mulheres responsáveis por domicílios, estas têm, em média, 5
a 6 anos de estudo (IBGE - Censo 2000). Entretanto, 37,6% dessas mulheres tem até 3 anos de
estudo, nível educacional considerado muito baixo. Mesmo no Sul e no Sudeste, somente cerca de
8% das mulheres responsáveis por domicílios alcançam 15 anos ou mais de estudo. No Norte e no
Nordeste esta proporção é de 4,4%.
O “Perfil das Mulheres responsáveis pelos domicílios no Brasil”, baseado nos dados do
Censo 2000 e na PNAD 2001 (IBGE: 2002) aponta que um terço das mulheres responsáveis pelos
domicílios tem mais de 60 anos35, são viúvas, em sua maioria, demonstrando que o aumento da
expectativa de vida feminina36 influi neste aspecto. No outro extremo, estão 27% de mulheres na
faixa etária de 15 a 19 anos como responsáveis por domicílios. O próprio IBGE conclui que neste
grupo etário há muitas mães solteiras arrimo de família, principalmente em áreas mais carentes.
34 Não completou a quarta série do ensino fundamental. 35 Em geral aposentadas ou pensionistas do INSS. Em muitos casos a renda dessas mulheres constitui-se o único ganho fixo da família. 36O IBGE aponta o crescimento do número de idosos no Brasil, revelando o paulatino envelhecimento da população pela redução da fecundidade associada a queda na mortalidade. De 1992 para 2001, a participação do grupo de 60 anos ou mais de idade passou de 7,9% para 9,1%. Como resultado da mortalidade diferenciada por gênero, constata-se um excedente feminino na composição da população, mais evidente nas idades mais elevadas. Em 2001, a parcela feminina representava 55% do contingente de pessoas nessa faixa etária.
29
Na faixa que vai dos 30 a 50 provavelmente estariam as mulheres com casamento dissolvido.
Sinaliza ainda que o aumento de domicílios chefiados por mulheres é um fenômeno tipicamente
urbano, com mais de 90% dele nas cidades, sendo que as regiões Sudeste (46,4%) e Nordeste
(28%) registram o maior número de mulheres responsáveis por domicílios. De acordo com o IBGE,
esses dados refletem fenômenos culturais como também a migração nordestina das últimas
décadas e a alta freqüência de dissoluções conjugais.
A partir dos dados do Censo, Soares (2002)37 sintetiza algumas características das famílias
pobres no Brasil (que identificamos nas condições de vida e de trabalho das mulheres com câncer
do colo do útero em tratamento no HCII, sujeitos do nosso estudo):
- tendem a ser mais numerosas, mas já apresentam uma diminuição do seu tamanho (o número
médio de componentes é de 3,5 pessoas - dados do IBGE – senso 2000). Esta diminuição é
combinada com a incorporação de todos os membros em alguma ocupação ou atividade que gere
renda – estratégia para a manutenção da renda familiar;
- a renda depende mais dos ganhos dos chefes de família;
- os chefes de família pobres são relativamente mais jovens;
- a maior proporção das famílias chefiadas por mulheres é pobre;
- os chefes de família que se declaram de cor preta (ou parda) são proporcionalmente mais
numerosos entre os pobres;
- os chefes de família pobre estão mais submetidos a relações informais de trabalho, desenvolvem
serviços domésticos ou exercem proporcionalmente mais atividades por conta própria em
pequenos negócios;
- as atividades econômicas dos chefes de família pobres tendem a concentrar-se nos setores de
baixa produtividade e renda;
- os níveis educacionais dos chefes de família são muito baixos.
Devido à vulnerabilidade pela instabilidade do trabalho, o risco de desemprego, a
precariedade das condições de vida para garantir a sobrevivência e escapar das fronteiras do
pauperismo e não cair na indigência, pelo menos mais de um dos membros da família deve
contribuir com seu trabalho para o sustento da família, pois contar só com a renda do chefe da
família pode significar condições bastante difíceis. Torna-se necessário maior participação das
mulheres e filhos na composição da renda familiar, compartilhando o sustento da família. 37 Conforme anotações de aula – Disciplina Desigualdade e Política Social, ministrada pela Profª Laura Tavares Soares – Instituto de Medicina Social – IMS – UERJ.
30
Fica evidente que a precariedade de inserção no trabalho tem sido um dos agravantes das
condições de consumo e estilo de vida. As condições vigentes no mercado de trabalho cristalizam
as desigualdades (mantém a discriminação por gênero, raça e idade) e repercutem na família,
afetando sua sobrevivência, bem como alterando sociabilidades, identidades e representações
sociais acerca dos papeis sociais e do trabalho.
No Brasil, os níveis de desemprego e subemprego acentuam-se continuamente. Muitos
trabalhadores estão fora do mercado formal e mesmo informal de trabalho. Outros, para garantir
seu “emprego”, são obrigados a abrir mão de direitos e benefícios que se originaram da relação
trabalhista, que os protegiam em eventos comprometedores à capacidade laborativa. Isso significa
que, para uma efetiva flexibilização do aparato produtivo, é imprescindível a flexibilização dos
direitos dos trabalhadores: direitos flexíveis, que possibilitam a desconstrução dos direitos formais
já adquiridos.
No caso das famílias pobres chefiadas por mulheres, a vida familiar passa a girar em torno
da mulher, acarretando o que alguns estudos denominam “feminilização da pobreza”, diante das
condições de vida dessas famílias. São famílias que enfrentam situações de extrema
precariedade, tendo em vista o trabalho desqualificado, instável e mal remunerado de mulheres
chefes de família. A sobrecarga das despesas e dos cuidados domésticos aliada à quase
inexistência de políticas públicas que privilegiem o recorte de gênero, acabam por fragilizar ainda
mais essas famílias.
Antunes (1999a), afirma que a mulher trabalhadora, em geral, exerce sua atividade de
trabalho “dentro e fora da fábrica”. Ou seja, ela é duplamente explorada pelo capital, no âmbito
fabril e no âmbito da vida privada, pois ela consome horas decisivas no trabalho doméstico, com o
que possibilita (ao mesmo capital) a sua reprodução e de sua família. É nessa esfera de trabalho
não mercantil que se criam às condições indispensáveis para reprodução da força de trabalho de
seu companheiro, de seus filhos e dela própria. Situando a inserção da mulher no mercado de
trabalho, a partir da reestruturação produtiva, o autor afirma que “a mudança na estrutura e no
mercado de trabalho possibilitou também a incorporação e o aumento da exploração da força de
trabalho das mulheres em ocupações de tempo parcial, em trabalhos domésticos” (p. 45).
Além de estarem mais inseridas no setor informal, muitas mulheres desenvolvem
ocupações no seu espaço doméstico, isto é, no próprio domicílio, realizando atividades para
obtenção de algum tipo de renda. São diversas formas de trabalho a domicílio contratadas por
empresas: atividades como produção e venda de produtos diversos, serviços de costuras etc e
outras atividades “por conta própria” como manicure, produção e venda de salgados e doces,
realizadas em suas próprias casas. Isso reafirma a inserção de mulheres em atividades não
31
qualificadas, em trabalhos precários, de tempo parcial e subcontratado, vinculadas à economia
informal, na tendência dada pela “subproletarização do trabalho” (Antunes: 1999), submetendo-se,
portanto, às relações de trabalho nas quais, muitos direitos sociais conquistados, ficam de fora.
Nos anos 90, as alternativas de enfrentamento à questão social são engendradas a partir
da relação entre as políticas de ajustes estruturais da economia à ordem capitalista internacional e
os investimentos sociais do Estado Brasileiro. Uma opção política e econômica que não prioriza as
necessidades da maioria dos trabalhadores. Sob a lógica neoliberal se desloca a ação estatal
institucionalizada de proteção social para ação de solidariedade da sociedade civil, da família, das
organizações sociais e da comunidade, reduzindo-se e mesmo retirando do Estado a
responsabilidade sobre a questão social.
Estabelece-se uma relação entre sociedade, Estado e o mercado, num arranjo “moderno”
para uma sociedade civil ativa e provedora de bem estar. Redimensiona-se o papel do Estado
quanto aos mecanismos de proteção social, privatizam-se as políticas públicas e desmontam-se os
direitos sociais, enquanto o mercado assume o eixo regulador da vida social. As respostas à
questão social passam, então, pelos mecanismos de regulação do mercado e para as
organizações privadas, filantrópicas, religiosas, voluntaristas. Para Yazbek (2000):
“a opção neoliberal passa pelo apelo à filantropia e à solidariedade social, respondendo a lógica que subordina
as políticas sociais à política de estabilização econômica. Apresentam-se, então, alternativas e estratégias
refilantropisadas para o (pseudo) enfrentamento da pobreza e da exclusão. O cenário público é tomado pelo
discurso humanitário da filantropia” (p.29).
Está presente a idéia de que o enfrentamento da desigualdade é tarefa da sociedade, com
mínima participação – complementação do Estado – e sua saída do financiamento das políticas
sociais voltadas ao conjunto dos trabalhadores. As políticas sociais assumem um caráter residual,
casual, de seletividade e focalização, desobrigando o Estado do estabelecimento de mínimos
sociais como direito (Pereira: 1999).
Nesse projeto se reconhece o dever moral de prestar socorro aos pobres, aos
“inadaptados” à vida social. Tudo isso se traduz em propostas imediatistas para enfrentamento à
questão social que, a partir de uma análise fragmentada, não revela a trama de relações que
produz e reproduz as desigualdades sociais, colocando nos sujeitos a responsabilidade por sua
condição de vida. Por essa lógica, articulam-se estratégias de assistência focalizada e repressão
no “combate à pobreza”, despolitiza-se a questão social brasileira e o seu reconhecimento com
questão pública, como questão política e como questão nacional.
32
2.2. Política social e política de saúde no Brasil
Pensar o quadro alarmante do câncer do colo do útero implica compreender o
desenvolvimento da política de combate ao câncer, enquanto desdobramento da política de saúde,
no processo histórico de institucionalização das políticas sociais no Brasil, como resposta do
Estado à questão social. Implica compreender o complexo processo das relações do Estado,
sociedade e a economia em cada momento histórico, tomando, como referência, o processo de
acumulação e o contexto de enfrentamento de interesses de blocos que disputam hegemonia, bem
como a nossa peculiaridade histórica de dependência e subordinação à ordem capitalista
internacional.
A questão da saúde, no Brasil, foi sempre um viés de resposta do poder central à questão
social. O Estado implementa políticas de saúde para minimizar as desigualdades gestadas pelas
contradições do capitalismo brasileiro. A política de saúde foi uma das maneiras de fazer frente a
essas contradições e de enfrentar a questão social.
Foram as demandas dos trabalhadores e dos diversos movimentos sociais, perpassando
todo o processo de ação estatal, que forçaram a formulação de políticas sociais38 e, nesse bojo, a
política de saúde. Em cada momento conjuntural de nossa história, o Estado, de acordo com a
correlação de forças, apresentou respostas mais “favoráveis” aos trabalhadores, mais sempre
preservando os interesses da burguesia brasileira e os interesses capitalistas internacionais. A
saúde, com todas as suas contradições, ora é colocada como bem público e de direito, ora
privilegiando interesses privados.
O conteúdo das políticas sociais expressa a correlação de forças das classes sociais e sua
inscrição num período da história, do tempo e da particularidade da formação histórico-cultural de
cada país. É impensável considerar uma política social distante dos processos sociais. A
implementação de uma política para satisfação de necessidades é, antes de tudo, um movimento
contraditório de conflito e consenso, de embate político, de pressão dos trabalhadores para
atendimento de suas demandas e, ao mesmo tempo, resolução/regulação dos conflitos e tensões
sociais por parte do Estado.
38 O marco das políticas sociais mais abrangentes, data do final do século XIX – período das primeiras legislações e medidas de proteção social com destaque para a Alemanha e a Inglaterra. Políticas que se estruturam, ao longo do século XX, nos países centrais. Sua generalização se dá principalmente no pós-guerra, em face à necessidade de respostas às demandas da classe trabalhadora. O Estado tem que intervir, sistematicamente, e regular a sociedade para além dos critérios de livre mercado. Essa estrutura de proteção é conhecida como “welfare state”. Essas políticas foram produzidas como respostas às demandas da classe trabalhadora, mas, contraditoriamente, respondem, também, aos interesses de ordem capitalista, assegurando a sua sobrevivência. (Behring:2000)
33
2.2.1. Desenvolvimento da política social e da polí tica de saúde no Brasil
No Brasil, nas primeiras décadas do século XX a política social é insipiente, a questão
social é tratada como questão de polícia, havendo uma ação repressiva por parte do Estado para
controle dos problemas sociais. A questão da saúde emerge nesse contexto, evidenciada no
quadro sanitário das epidemias, potencializando a questão social. As ações de saúde tomam uma
perspectiva mais assistencial, de ordem filantrópica. O papel do Estado é residual, com ações
pulverizadas de caráter imediatista e repressivo.
Ressalta-se a preocupação com o saneamento dos espaços de circulação de mercadorias.
O Estado, pressionado pelo comércio exterior passa a assumir uma atitude de combate às
doenças epidêmicas, procurando melhorar as condições sanitárias. As medidas de controle
sanitário não refletiam preocupações com a saúde da população, mas com os interesses
econômicos presentes no período.
O direito à assistência à saúde institui-se no Brasil vinculado ao seguro social, com as
Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), através da Lei Elói Chaves, em 1923. Esta Lei
instituiu um fundo especial de aposentadorias e pensões, prestação de serviços médicos,
fornecimento de medicamentos e auxílio funeral, para algumas categorias profissionais urbanas,
não se dirigindo aos trabalhadores em geral. As CAPS eram organizadas como instituições
privadas, financiadas pelos trabalhadores, pelo patronato e o Estado, supervisionadas pelo
governo.
Nos anos 30, as alterações ocorridas na sociedade brasileira, como reflexo da crise
mundial do capitalismo, têm como indicadores mais visíveis: o processo de industrialização como
alternativa de crescimento econômico, a redefinição do papel do Estado e o surgimento das
políticas sociais. A urbanização acelera-se e amplia-se a massa trabalhadora assalariada nas
cidades, acentuando-se as disparidades regionais. Começa a equacionar-se a questão social
como problema político no âmbito do Estado, o que significa o reconhecimento da existência
política do operariado e de suas reivindicações. Daí a institucionalização das políticas sociais
como forma de regulação social que, através da ordem jurídico-política, procura consolidar
determinada ordem sócio-econômica, associando política trabalhista39, política sindical e política
previdenciária.
Nessa conjuntura, a política é direcionada no sentido de transformar as relações Estado e
sociedade para a modernização. O projeto previdenciário de Vargas atrela-se a um conjunto de
39 O Ministério do Trabalho é criado em 1930 e as leis trabalhistas se consolidam, em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho.
34
medidas sociais para atender a necessidade de investimentos do Estado em setores básicos da
economia, para sustentação do processo de industrialização – a estratégia política estatal
desenvolvimentista. O desenvolvimento da industrialização, induzido pelo Estado, vai assumindo o
modelo de substituição das importações.
São criados os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), em 1933, organizados por
setor de atividade econômica, constituindo-se como autarquias públicas, logo, mais centralizadas.
Com os IAPs regula-se a extensão dos benefícios sociais a determinados setores dos segmentos
assalariados urbanos40, instituindo o sistema de proteção social com base no seguro social, de
caráter compulsório.
Esse seguro social tem base na contributividade, guardando uma reciprocidade com a
contribuição efetuada, sendo instituído de forma tripartite. Um modelo corporativista, não levando
em conta as relações sob o prisma da cidadania41, desencadeando o padrão histórico das políticas
sociais no Brasil, de caráter seletivo, setorizado, desigual na implementação dos benefícios e
excludente, cujo eixo central reside na previdência social. Institui-se um sistema de proteção social
de cunho meritocrático, na lógica do seguro social e não da seguridade. Fica evidente que o
atendimento às necessidades sociais deixou de fora grande contingente da população, não
inserido no mercado formal de trabalho.
Está presente, nessa lógica, a idéia da regulação dos conflitos sociais, da coesão social,
marcando a idéia de colaboração entre as classes, a par do aparato de repressão estatal. O
Estado interfere nas relações capital/trabalho procurando antecipar demandas dos trabalhadores,
mas sem descuidar-se dos interesses da acumulação capitalista.
Esse padrão de proteção social estabelece uma clara distinção entre previdência e
assistência social. A assistência social, nesse período, tem uma relação direta com o
assistencialismo na distribuição de bens e serviços, através da articulação do Estado42 com as
entidades filantrópicas, na maioria religiosas, e por ações das primeiras-damas que ficam
responsáveis pelos “destituídos da cidadania”.
Como parte integrante da questão social, a saúde passa a ser objeto de ação efetiva do
Estado e, enquanto política de caráter nacional, vai organizar-se em dois subsetores: a saúde
pública e a medicina previdenciária, estabelecendo a dicotomia entre saúde coletiva e saúde
40 Os trabalhadores rurais estão excluídos desse processo, quadro que se mantém até os anos 70. 41 Os direitos sociais no Brasil aparecem marcados pela “cidadania regulada” ( Santos; 1979), vinculados à condição de trabalhador com carteira assinada. O modelo de proteção social implantado nesse período vai assinalando um pacto das elites como resposta às lutas sociais. Foi um modelo que não contemplou o conjunto dos trabalhadores. A perspectiva da universalização dos direitos só será “efetivamente conquistada”, pelo menos inscrita na Lei, com a Constituição de 1988, a partir de uma ampla mobilização da sociedade. 42 Em 1942 é criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA) para atender às famílias dos pracinhas, passando depois a dedicar-se à maternidade e à infância.
35
individual. A saúde publica43 vai focalizar as condições sanitárias mínimas para as populações
urbanas, negligenciando a população rural. Tem como características a centralização do processo
decisório, estilo campanhista e repressivo de intervenção sobre a população.
A assistência à saúde fica vinculada aos IAPs, na lógica da assistência médica individual.
Isso significa que o direito à saúde constitui-se pela vinculação à ocupação exercida no mercado
de trabalho formal, sendo, a carteira de trabalho, o certificado legal que garante o direito à saúde.
Esse é o modelo de política social que predomina até o golpe de 1964, marcado por
medidas de cunho antecipatório às demandas e pressões sociais, em troca do controle social das
classes trabalhadoras, mesmo considerando-se o processo de democratização vivido no país a
partir de 1946. As camadas populares são alijadas das decisões, num contexto político populista
de cooptação no plano ideológico. De acordo com Faleiros (2000), “objetivava-se a adesão das
massas, quer seja ao nacionalismo de Vargas, ao desenvolvimentismo de Kubtscheck, ao
moralismo de Quadros, seja ao reformismo de Goulart” (p.46), não se alterando a lógica da
“cidadania regulada”. Em 1960, a aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) unifica
os benefícios de vários institutos e contempla uma série de benefícios e serviços. Acontece a
incorporação dos autônomos à previdência social.
O sistema de proteção social, de molde meritocrático, obedece a uma lógica
eminentemente econômica que se sobrepõe à dimensão de política social no atendimento às
necessidades da população. Na saúde, fica evidente o hiato na interligação entre as ações de
saúde e as condições gerais de vida da população.
A partir de 1950, e em alguns momentos pontuais (1950, 1956, 1963), como destaca Bravo
(2000), ampliaram-se os gastos com saúde, havendo melhoria nas condições sanitárias. Em 1953
é criado o Ministério da Saúde, o que confere um novo status aos problemas sanitários do país.
Entretanto, não se consegue mudar o quadro de morbimortalidade por doenças infecto-
contagiosas e parasitárias, especialmente infantil. A assistência médica hospitalar vai se
estruturando, cristalizando a constituição de um setor privado que passa a ter seu mercado
garantido pelo Estado, por meio da política de seguro social (Cohn: 2002).
Com o golpe militar de 1964, instaura-se o período da ditadura que vai conduzir a um novo
ciclo de acumulação de capital, pela associação entre segmentos da burguesia nacional, o Estado
e o capital estrangeiro, paralelo a uma violenta repressão às manifestações populares.
Desenvolve-se a modernização da economia com o aumento da produtividade e crescimento
econômico. Amplia-se a concentração da riqueza e, conseqüentemente, o empobrecimento dos
43 A responsabilidade pela saúde pública cabe ao Ministério da Educação e Saúde, criado em 1934.
36
trabalhadores. Desdobra-se um contexto de falsa democratização onde o “bloco militar-
tecnocrático-empresarial" procurou obter o apoio da população com certas medidas sociais
(Faleiros: 2000). Ocorre uma ampliação das políticas sociais por um processo acelerado de
privatização nos setores de bens de consumo coletivos, como é o caso da saúde e da educação.
A política social vai integrar o conjunto das estratégias de gestão e regulação estatal dos
conflitos sociais. Em 1966, é criado Instituto Nacional de Previdência Social (INPS)44 unificando –
de cima para baixo – os institutos de previdência, mantendo-se a política de centralização do
governo federal. Amplia-se o acesso de trabalhadores à previdência social, como os trabalhadores
rurais, domésticos e outros. Idosos com mais de 70 anos foram beneficiados, independentemente
de seu vínculo com o sistema, com a garantia de um salário mínimo de aposentadoria.
Na área da saúde, o setor privado é privilegiado, havendo um amplo financiamento de
serviços privados de saúde pelo Estado, que depois compra os serviços desse setor para
atendimento à população, através dos convênios com o INPS. Nesse período, a privatização da
assistência médica promovida pelo Estado é consolidada no país através do sistema de proteção
social. O direito à saúde mantém-se pela vinculação à previdência social, excluindo milhões de
brasileiros não contribuintes. Grandes contingentes da população ficam, assim, sem assistência à
saúde.
Essa realidade evidencia os efeitos do fortalecimento da assistência médica previdenciária
(de caráter curativo) em detrimento de ações de saúde pública, que são relegadas a segundo
plano, sendo as ações de promoção e prevenção totalmente desvalorizadas. A partir da década de
60 tivemos um intenso controle da industria farmacêutica multinacional sobre o que se chamou
“modernização do ato médico”, entendido então como a obtenção de maior eficácia dos atos
curativos, o que aumentava os custos da assistência à saúde e modificava a prática médica, além
de priorizar os serviços hospitalares. As ações curativas tomam conta da prática médica, com
ênfase na assistência clínica individualizada. Há um amplo desenvolvimento tecnológico do setor
privado na saúde, progressivamente se transformando num setor de acumulação de capital.
O modelo de atenção médica mantém-se desvinculado da realidade sanitária da população
e do que ela traz como necessidades, estabelecendo-se uma medicina tecnificada e privilegiadora
de complexas intervenções e do financiamento e construção de hospitais para esse fim.
44 Com o INPS, os trabalhadores ficam totalmente destituídos do relativo poder de interferência na gestão da previdência, o que possuíam nas CAPs e nos IAPs.
37
2.2.2. Década de 80: novas propostas para as políti cas sociais e para a saúde – a
construção do Projeto da Reforma Sanitária
O início dos anos 80 tem como marco a agudização da crise econômico-social45. Desdobra-
se uma conjuntura de inflação e dívida pública acentuada. A recessão econômica, com medidas
de contenção do déficit público, resultou em marcos de piores condições de vida para a população,
especialmente os mais pobres. É o fim do milagre econômico que garantiria a todos "uma fatia do
bolo", mas que foi tão concentrador que ampliou a desigualdade social.
Por outro lado, avança a mobilização da sociedade contra o regime autoritário, no processo
de transição democrática iniciado em meados da década de 70. Vários setores se manifestam
numa conjunção de lutas que vai rompendo com a ditadura. A luta dos trabalhadores ganha
espaço com destaque para o movimento do ABC paulista. Em 1980, é criado o Partido dos
Trabalhadores. Há um fortalecimento do movimento da organização sindical.
Aprofunda-se a discussão política sobre as grandes questões nacionais, com diversos
setores sociais defendendo a construção da esfera pública no âmbito das políticas sociais,
envolvendo a participação ativa da sociedade na sua definição, implementação e formas de
controle. Está em jogo a construção de um novo projeto societário para a sociedade brasileira.
Nesse cenário, emerge o Movimento Sanitário, caracterizado como oposição ao instituído
no país em termos de política de saúde (centralização, dicotomia entre ações preventivas e
curativas, privilegiamento do setor privado, etc), trazendo para a discussão a questão social. O
movimento desenvolve uma proposta de reorganização da área da saúde, com base em políticas
mais eqüitativas e justiça social. Propõe um sistema único de saúde, descentralizado,
fundamentalmente estatal, tendo o setor privado como complementar, sob controle público.
Conforme aponta Bravo (2001), o que está em discussão é a universalidade do acesso; a
superação da dicotomia entre assistência médica e as ações coletivas de saúde; a
descentralização das instâncias de ação e decisão das políticas; novos mecanismos de gestão
pressupondo o controle social e o financiamento efetivo das políticas de saúde.
As propostas do Movimento Sanitário vão ser à base da VIII Conferência de Saúde, em
1986, e suas deliberações vão sustentar a formulação da política de saúde na Constituição de
1988, como uma política de seguridade social. De acordo com Bravo (1996), destaca-se a
construção de um conceito amplo de saúde, que passa a ser entendida como:
45 Recessão imposta pela crise do capitalismo nos países centrais.
38
“resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
emprego, lazer, liberdade, acesso à posse de terra e acesso a serviços de saúde. (...) A saúde não é um
conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu
desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas” (p.77).
No início da década de 80, constatava-se uma completa desorganização na rede de
serviços de saúde, com baixa produtividade e resolutividade. A crise instalada no setor dirige o
reformismo dentro da ordem autoritária, canalizando algumas reivindicações populares como as
Ações Integradas de Saúde (AIS), que estabeleciam uma forma de articulação dos níveis de
atendimento e a interiorização das ações de saúde. As AIS tiveram um campo de ação limitado,
não se caracterizando como uma redefinição político-institucional da saúde. A previdência social
passa por um momento de crise aguda como reflexo da política de recessão. O setor privado
continua hegemônico na prestação de serviços de assistência médica, criando impedimentos para
a implantação de um sistema de saúde como dever do Estado.
A partir de 1985, com o início do governo de transição, foram tomadas algumas medidas a
fim de alterar-se a política privatizante e fortalecer o setor público na prestação de assistência
médica, buscando integralizar-se as ações municipais, estaduais e federais no âmbito da saúde.
Em 1987, é criado o Sistema Único Descentralizado de Saúde (SUDS) visando desenvolver
qualitativamente as AIS e promover a descentralização, efetivando a política de municipalização
dos serviços de saúde. Com o SUDS o direito à assistência à saúde é desvinculado de qualquer
contribuição direta.
Em 1988, é promulgada a Nova Constituição Federal, consolidando conquistas e ampliando
direitos sociais, principalmente no campo dos direitos trabalhistas, com a inclusão de uma
concepção moderna e democrática de seguridade social, que compreende direito universal à
saúde, à previdência e à assistência social, esta, caracterizada como política pública, para aqueles
que dela necessitarem, sem exigência de contribuição prévia. Os direitos assegurados na
Constituição “contrapõem-se” ao conceito de “cidadania regulada”. Saúde, previdência e
assistência social passam a ser assumidas como responsabilidade do Estado. Reafirma-se o
modelo não mercantil, a gestão pública e financiamento das políticas sociais através de
contribuições sociais. Fica bem delimitado o tamanho e o papel do Estado com relação às políticas
sociais, implicando na democratização e na alteração das relações entre Estado e sociedade.
O município é reconhecido como ente autônomo transferindo-se, para o âmbito local, novas
competências e recursos públicos na perspectiva do controle social e da participação da sociedade
civil. É a possibilidade de democratização do poder local, mediante novos mecanismos e formas
39
de gestão. O princípio da descentralização está diretamente relacionado com o da
municipalização, no âmbito das políticas públicas.
Ficam instituídos os Conselhos de política pública e de direitos como instrumento de gestão
democrática, descentralizada e participativa que, especialmente na esfera municipal, garantiria o
incremento das políticas públicas pela participação e controle direto da sociedade.
A saúde passa a ser entendida como um processo de convergência de políticas,
estruturada em um Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios fundamentais se voltam para
a questão da universalidade, da equidade, da uniformidade, da equivalência, da irredutibilidade
dos valores dos benefícios, da gestão democrática, descentralizada e participativa e do controle
social.
A proposta do SUS vai indicar novas formas de acesso à saúde enquanto direito. O modelo
assume a perspectiva de integralidade das ações de saúde (não mais colocada só no campo da
assistência médica), através de uma rede hierarquizada e regionalizada de serviços,
descentralizando as ações para a esfera estadual e municipal, delegando poderes para que estas
esferas formulem a política de saúde de acordo com as prioridades locais. O setor privado tem
caráter complementar no sistema.
2.2.3. Década de 90: o impacto das transformações s ocietárias nas políticas sociais e de
saúde
Enquanto no Brasil alcança-se uma perspectiva de conquistas com a promulgação da
Constituição, nos países centrais há uma intensa polêmica em torno do papel e tamanho do
Estado que vem, desde a década de 70, gerando questionamentos ao Estado de Bem Estar. Este
é colocado em oposição à economia capitalista, pondo em questão o sistema de seguridade
social46 consolidado no pós-guerra como sustentáculo da cidadania. Assim, o Estado de Bem
Estar, por sua “generosidade e protecionismo47, passou a ser apontado como causa da “crise” nos
países centrais. “Crise”48 que tem base no esgotamento do padrão de acumulação do
fordismo/keynesianismo49, que dava sustentação a esse modelo.
46 Esse sistema de seguridade social representa a garantia de segurança às pessoas em situações adversas. Os riscos de vulnerabilidade, aos quais qualquer pessoa pode estar sujeita, deixam de ser problema do indivíduo para ser responsabilidade pública. Esse modelo de seguridade representou importante elenco de conquistas sociais e melhoria da qualidade de vida das populações, embora constituídos pela sociedade capitalista na lógica da regulação dos conflitos sociais na luta pelo acesso às riquezas. 47 Conforme Laurel (2002), os neoliberais sustentam que o intervencionismo estatal é antieconômico por provocar crise fiscal do Estado e revolta nos contribuintes, além de desestimular o capital a investir e os trabalhadores a trabalhar. Desse modo, a solução da crise consiste em reconstruir o mercado, a competição e o individualismo. 48 A “crise” econômica mundial, no final dos anos 70/início dos anos 80, marca o ponto de partida para a supremacia do mercado sobre a vida das pessoas, rechaçando o conceito de direitos sociais e a obrigação do Estado em garanti-los. 49 Conforme assinala Harvey (1993), a exaustão desse padrão de acumulação “rígido” passa para um padrão “flexível, implicando um novo modo de regulação, apoiando-se na flexibilidade dos processos e dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo”.
40
Embora se afirme, que no Brasil, “nunca”50 se tenha constituído um Estado de Bem Estar,
pela fragmentação das políticas sociais, esse referencial político vai impactar o nosso sistema de
proteção social. É assim que aparece a tendência conservadora da reforma – contra-reforma51 –
que vem acompanhada de profundas mudanças na relação Estado/sociedade, exigidas pela
“política de ajuste” recomendada pelo “Consenso de Washington” (Iamamoto:1995),
consubstanciando um novo padrão de regulação, em moldes neoliberais.
Assim, as mudanças na intervenção do Estado estão marcadas pela emergência do
neoliberalismo52 que, pela relação com as novas exigências na esfera produtiva vai implicar no
redimensionamento dos mecanismos de regulação da força de trabalho, alterando as relações
entre o Estado, sociedade e mercado.
Esse modelo defende a reforma do Estado no âmbito econômico com fortalecimento do
mercado e privatização; a reforma fiscal na busca de equilíbrio fiscal para não gerar inflação; a
reforma previdenciária; a reforma político-administrativa (todas subjugadas ao mercado). Essas
mudanças se concretizam em medidas de ajustes e de reformas institucionais que vão atacar os
direitos sociais, pressionando por reformas na política de seguridade social e privatização para
atender aos interesses do capital.
Já em 1989, no Brasil, inicia-se o processo de privatização, as propostas de redução do
Estado, a ampliação do mercado e o ataque aos direitos sociais, com propostas de mudanças na
Constituição53 atingindo diretamente os trabalhadores. Esse processo representa a redução dos
investimentos sociais, especialmente focalizados nas políticas sociais, através do corte de verbas,
o que vai trazer um alto custo social com rebatimentos diretos para a área da saúde. A lógica é
que ao Estado não cabe a responsabilidade pública na garantia dos direitos sociais aos cidadãos.
No início dos anos 90, as idéias neoliberais vão sendo assumidas como a grande saída. O
Estado deixa de ser o responsável pelo desenvolvimento econômico e social, transferindo para o
mercado essa função, permanecendo apenas com a responsabilidade de promoção e regulação.
O processo de ajuste visa diminuir o ônus do capital no esquema geral da reprodução da força de
trabalho, o que significa “Estado mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital”.
(Netto:1999)
A política de ajuste tem como eixos centrais a estabilização macroeconômica, a
desregulamentação e a privatização das empresas estatais e como metas a redução dos gastos
50 Entretanto, como Sonia Draibe (1993), outros autores defendem a idéia de um Estado de Bem Estar Brasileiro. 51 Termo cunhado por Bravo e outros autores apontando que a reforma do Estado se caracteriza como uma estratégia de contra-reforma pois significa a desresponsabilização do Estado para com as políticas sociais. Na saúde vem na contramão da Reforma Sanitária, questionando as proposições de saúde como direito e o SUS. (Bravo e Matos:2001) 52 O ideário liberal conservador – o neoliberalismo – surge especialmente com Reagam nos EUA, Thatcher na Inglaterra e Kohl na Alemanha, na década de 70. 53 É disseminada a idéia de que a Constituição tornava o país ingovernável.
41
públicos, a ampliação do setor privado e o desenvolvimento de políticas focalizadas na pobreza.
Nesse sentido, muitos dos dispositivos constitucionais demoraram a ser regulamentados. A Lei
Orgânica da Saúde LOS (Leis Nº 8080/90 e 8142/90), que regulamenta o SUS, será promulgada
em 1990. A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) só será aprovada em 1993. A LBA e o
INPS foram extintos no contexto da descentralização e é criado o Instituto Nacional de Seguro
Social (INSS).
Para Viana (2001), a seguridade social no Brasil ficou apenas sinalizada, evidenciando um
claro retrocesso no que concerne à construção de um sistema de proteção social. Os limites
impostos pelas agências multilaterais ao crédito externo obrigam o enxugamento do Estado e sua
desresponsabilização pelos benefícios e serviços coletivos, condicionantes que foram aceitos por
nossos governantes.
Segundo a autora, três mitos são plantados pela retórica neoliberal que, “se transformaram
em ferramentas insidiosas de desmonte, minando as já frágeis bases de sustentação de um
projeto coletivo e de proteção social” (p.176). O “mito tecnicista”, que despolitiza a seguridade
social; o “mito naturalista” que atribui à seguridade a condição de “doente terminal”; e o“mito
maniqueísta”, pelo qual as soluções para os problemas são apresentadas como mutuamente
excludentes. Esses três mitos associados atingem a concepção universalista, democrática e
distributiva e não estigmatizadora da seguridade social, gravada na Constituição de 1988.
Com o governo de Fernando Henrique Cardoso integram-se, efetivamente, à agenda
governamental, as propostas neoliberais de estabilização da moeda para o crescimento
econômico, seguindo à risca o receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI). Netto (1999),
referindo-se ao 1° Governo FHC, coloca que o proje to do governo volta-se:
(...) para ferir a Seguridade Social porque nela está o nervo das políticas centrais par a as massas
trabalhadoras (...) em duas orientações gerais: a privatização e a mercantilização; ambas, porém sinalizam,
(...) a desresponsabilização do Estado em face da socieda de”. (p.87)
Seguindo essa lógica, inicia-se a reforma da previdência54 que é estruturada como seguro,
não como seguridade, atingindo diretamente aos trabalhadores. Benefícios são reduzidos e outros
extintos, alterando-se o tempo para aposentadoria e um ataque frontal aos direitos dos
funcionários públicos. A previdência privada é fortalecida para assegurar o ajuste fiscal.
Quanto à assistência social, a proposta é a redução do campo de ação estatal, atribuindo
responsabilidades à sociedade civil, reforçando-se as ações pontuais, focalizando os mais pobres.
54 A reforma da previdência responde às pressões do FMI para fazer o ajuste fiscal. Foi é aprovada em 1999, após quase 4 anos de tramitação, consolidando-se na Emenda Constitucional nº 20, regulamentada pela Lei nº 3.048 de 06/05/99, alterada pela Lei nº 3625 de 29/11/99.
42
Incentivam-se parcerias com órgãos não governamentais, entidades filantrópicas e religiosas,
apelo a ações voluntárias e à família, numa ótica de solidariedade em que o Estado fica
praticamente de fora. Esse mesmo Estado que, ao intervir na economia, desregulamenta as leis
trabalhistas, numa conjuntura de desemprego estrutural e precarização das relações de trabalho.
O projeto neoliberal vai estimular as pessoas a buscarem no mercado a satisfação de suas
necessidades, na lógica do “cidadão consumidor”55 (MOTA;1995), pois os direitos sociais foram
“lançados no mercado”. Contraditoriamente, grande parcela de trabalhadores passa a buscar
assistência social, pela conjuntura de desemprego, subemprego e eliminação de postos de
trabalho, embora esses trabalhadores não sejam reconhecidos, pelos moldes tradicionais da
assistência, como isentos da obrigação do trabalho.
De acordo com Bravo e Matos (2001), identificam-se na década de 90, com reflexos atuais
na realidade brasileira, formas diferenciadas de gestão das políticas sociais que são norteadas
pelo “confronto entre dois projetos societários antagônicos: o da sociedade sustentada em uma
democracia restrita que diminui os direitos sociais e políticos e o de uma sociedade fundada na
democracia de massas, com ampla participação social (...) ”. (p.198)
Seguindo a análise dos autores acima, esse confronto se expressa na saúde entre o
fortalecimento do projeto da Reforma Sanitária, pautado no Estado democrático e de direito –
tendo como uma de suas estratégias o SUS – e o projeto saúde articulado ao mercado ou de
reatualização do modelo médico assistencial privatista, pautado na política de ajuste neoliberal.
Com o projeto privatista, coloca-se em jogo a consolidação e o alargamento das premissas
coletivas e universais do projeto da Reforma Sanitária, inscritas na Constituição, em que o Estado
é responsável pelas políticas sociais e, conseqüentemente, pela saúde, em íntima associação com
as necessidades sociais da população e a melhoria da qualidade dos serviços; o fortalecimento do
modelo assistencial pautado na integralidade e equidade das ações; a saúde como direito de
todos e dever do Estado. De acordo com Costa (1996) as principais proposta do projeto voltado
para o mercado são: “caráter focalizado para atender às populações mais vulneráveis, através de
um pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estimulo ao seguro privado,
descentralização dos serviços em nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao
financiamento”. (apud Bravo: 2001:200)
O projeto privatista vai focalizar a contenção dos gastos na saúde através da racionalização
da oferta, cabendo ao Estado garantir um mínimo aos segmentos mais pauperizados e
estimulando o setor privado para o atendimento às camadas com acesso ao mercado. Aos
55 A expressão “cidadão consumidor” traduz a idéia de que cada indivíduo deve ser responsável pelo seu bem estar, que ele vai comprar no mercado, se puder.
43
defensores desse projeto interessa que os serviços públicos de saúde não funcionem a contento e
se desqualifiquem, o que vem acontecendo, como resultado da redução do investimento do
Estado. Esses serviços vêm sendo literalmente sucateados pelo descompromisso do Estado em
investir no setor público, desde os recursos de infra-estrutura até a qualificação dos recursos
humanos56.
Portanto, na década de 90, uma nova racionalidade sanitária foi se constituindo. Conforme
Nogueira (2002), constitui-se toda uma lógica gerencial pela qual se estabelecem parâmetros de
eficácia e eficiência para a organização estatal em relação à saúde. Impera a racionalidade
econômica, difundida pelas principais agências de fomento e financiamento internacionais. Por
essa lógica, assiste-se a uma nova conjugação sobre a descentralização que pode servir a outros
propósitos que não os constitucionais.
A proposta de contra-reforma do Estado brasileiro, na década de 90, incorporou as
premissas dessas proposições, tendo como estratégias o reenquadramento da sociedade civil e a
refamiliarização da atenção à saúde, que serve, exatamente, para compensar a progressiva
alteração das funções públicas no setor saúde.
A contra-reforma do Estado na saúde vem trazendo sérias implicações para a área,
atacando diretamente o Sistema Único de Saúde. O princípio da universalidade vem sendo
colocado em cheque. Na prática, a universalidade tem sido bastante excludente. As camadas
populares têm acesso limitado aos serviços públicos de saúde e as camadas médias são
excluídas, pela difusão dos planos de saúde e a prestação privada de serviços hospitalares. Nessa
perspectiva, as ações de promoção e prevenção são negligenciadas, reforçando-se as ações
médicas curativas.
Desde o momento de sua regulamentação nas Leis 8080/90 e 8.142/90 que constituem a
Lei Orgânica da Saúde, o Sistema Único de Saúde vem alcançando algum êxito, porém ainda
enfrenta desafios para sua consolidação. A LOS regulamentou os dispositivos constitucionais,
estabelecendo o processo de gestão descentralizada do sistema de saúde para garantir a
universalidade do acesso e a integralidade das ações de saúde. Definiu critérios de gestão, de
financiamento e transferência de recursos (de cada esfera de governo) para a implementação das
ações de saúde. Entretanto, a Lei, por si só, não garantiu a operacionalidade do SUS como consta
na Constituição de 1988.
56 Desde a promulgação da Constituição de 1988 até hoje, não houve um programa sistemático de desenvolvimento de recursos humanos no âmbito do SUS. A ausência de uma política de recursos humanos para a saúde compõe hoje, com a escassez de recursos, os dois maiores obstáculos ao desenvolvimento do SUS (MS/CNS:2002)
44
Nesse sentido, Normas Operacionais do SUS (NOB-SUS) vêm sendo editadas, pelo MS,
desempenhando um papel central na descentralização político-administrativa, no sentido da
viabilização da gestão pública do SUS. Essas normatizações, obviamente, sofrem influência das
propostas de reforma do Estado que têm o setor saúde como um dos seus focos mais prementes.
Foram editadas NOBs em 1991, 1993 e 1996. As duas últimas, especialmente, focalizaram a
integração das ações entre as três esferas de governo e a intensificação do processo de
descentralização, transferindo para os estados e, principalmente, para os municípios, um conjunto
de responsabilidades e recursos para a operacionalização do sistema.
Com a NOB-SUS/93 inicia-se a transferência de recursos fundo a fundo. Alguns avanços
se fazem notar em relação ao repasse de recursos, no sentido de uma ampliação do sistema de
gestão e da possibilidade de organização do sistema de saúde de acordo com a realidade e as
demandas locais. São criadas as Comissões Intergestores57: as Tripartites (CIT) e as Bipartites
(CIB) com função de colocar em prática o funcionamento do processo de descentralização.
A partir da NOB-SUS 96, efetivamente, altera-se o modelo assistencial, privilegiando a
atenção básica. Sua finalidade primordial é consolidar o pleno exercício do município enquanto
gestor responsável imediato pela atenção à saúde, na medida em que define: os papéis de cada
esfera de governo; os instrumentos gerenciais para estados e municípios; os mecanismos e fluxo
de financiamento fundo a fundo, com base em Programação Pactuada e Integrada (PPI); o
acompanhamento, controle e avaliação, valorizando os resultados que tenham por base
programações com critérios epidemiológicos e de desempenho com qualidade; os vínculos dos
serviços com os usuários, na perspectiva de uma efetiva participação e controle social.
Para o processo de municipalização estabelece duas formas de gestão: gestão plena do
sistema de saúde e gestão plena de atenção básica. Na gestão plena do sistema de saúde o
município recebe diretamente do Fundo Nacional de Saúde (FNS) os recursos relativos à
totalidade das ações e serviços de saúde existentes em sua área de abrangência (atividades
ambulatoriais e hospitalares). Na gestão plena de atenção básica o município recebe diretamente
do FNS os recursos correspondentes ao Piso de Atenção Básica (PAB)58.
De acordo com Bravo (2001), essa normatização prioriza a atenção básica desarticulada da
atenção secundária e terciária. Para a autora, isso significa a divisão do SUS em dois: o hospitalar
(de referência) e o básico, através de programas focais. Ou seja, “deixa subentendidos dois
sistemas: um SUS para os pobres e outro sistema para os consumidores”.(ps.209/210)
57 As Comissões Intergestoras constituem-se em colegiados de negociações. A CIT é composta, paritariamente, por representação do MS, do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). A CIB também é composta de forma paritária e integrada por representação da Secretaria de Estado de Saúde (SES) e do Conselho Estadual de Secretários de Saúde (COSEMS), 58 O PAB é um valor per capita que incorpora o financiamento das ações de prevenção em saúde e os procedimentos médicos básicos.
45
Apesar dos avanços na descentralização, promovidos pelas NOBs-SUS 93 e 96, ainda
persistiam obstáculos decorrentes: da peculiar estrutura político-administrativa do Brasil, com a
autonomia das três esferas de governo; da heterogeneidade dos municípios em termos de
recursos, de sua capacidade gerencial e técnica; da dificuldade de administrar o acesso à média e
à alta complexidade, concentradas nos centros urbanos e do progressivo desfinanciamento do
setor saúde.
Tentando superar esses problemas, é editada a Norma Operacional de Assistência à
Saúde NOAS-SUS/200159 que contém novas diretrizes para a regionalização60 da saúde. Esta
norma amplia as responsabilidades dos municípios na atenção básica; define o processo de
regionalização da assistência; cria mecanismos para o fortalecimento da capacidade de gestão do
sistema único de saúde e procede à atualização dos critérios de habilitação de estados e
municípios.
A NOAS objetiva o aprofundamento da descentralização com ênfase na regionalização,
buscando a organização de sistemas de saúde funcionais em todos os níveis de atenção sob a
responsabilidade da Secretaria de Estado de Saúde (SES). A perspectiva é a organização de
redes de assistência à saúde, regionalizadas, hierarquizadas e resolutivas, organizadas por níveis
crescentes de complexidade. Compreende as noções de territorialidade na identificação das
prioridades de intervenção e de conformação de sistemas funcionais de saúde, para garantir o
acesso dos cidadãos a todas as ações e serviços necessários para a resolução dos seus
problemas de saúde, otimizando os recursos disponíveis. O Plano Diretor de Regionalização do
Estado (PDR) é instituído como instrumento normativo para o ordenamento do processo de
regionalização da assistência em cada estado e no Distrito Federal. A NOAS fortalece a função
reguladora das SES.
Ao município é atribuída a responsabilidade por um conjunto de ações estratégicas
mínimas de saúde, ampliando o conceito de gestão plena de atenção básica. O gestor estadual é
responsável pelas ações que envolvem a média complexidade. A PPI é o principal instrumento
para orientar a alocação de recursos e definição dos critérios financeiros para os municípios. Os
serviços de alta complexidade e a garantia de acesso aos mesmos ficam como responsabilidade
compartilhada entre o MS e as SES, sendo que o gestor estadual é o responsável pela gestão da
alta complexidade no âmbito do estado.
59 A NOAS-SUS/2001 foi reeditada como NOAS01/2002 – portaria MS/GM Nº 373 de 27/02/2002, contendo alterações que não desfiguram as linhas gerais de 1º documento e acentua a finalidade central que é a de acelerar a descentralização e a regulação da assistência à saúde. 60 A regionalização é uma estratégia de organização do sistema de saúde baseada na definição da população a ser atendida e na hierarquização dos serviços, que devem ter a capacidade de oferecer à população da região todas as modalidades de assistência.
46
Nogueira (2002) aponta algumas críticas a NOAS. Para a autora, a partir da definição das
competências das esferas de governo, ocorre uma retomada da competência regulatória do nível
estadual, subordinada, entretanto, às exigências do governo federal. A alocação dos recursos
passa a ser definida pelo desempenho, com preocupação excessiva em relação à eficiência
econômica e critérios mais rígidos de inclusão, com ênfase em aspectos quantitativos, em prol do
assistencial. Há uma expansão da capacidade de controle do nível central do sistema,
fortalecendo o papel regulador do MS, restringindo as possibilidades de autonomia dos municípios
e dos estados.
Na atualidade mantêm-se os desafios para a efetivação do sistema único de saúde. No
governo Lula a saúde é entendida como direito fundamental e há compromisso em garantir os
princípios de universalidade, equidade e integralidade nas ações e serviços de saúde. Algumas
ações e estratégias positivas do MS se fazem notar nesse sentido, sendo orientadas pelo
compromisso com a concepção da Reforma Sanitária. Por outro lado, outras ações comprometem
a política de saúde, especialmente o corte de verbas e a não articulação das políticas de
Seguridade Social. Verifica-se, de acordo com Bravo e Matos (2004) “que a política
macroeconômica do governo anterior foi mantida e assim as políticas sociais estão fragmentadas e
subordinadas a lógica econômica”. Nesse sentido os autores consideram que “mantém-se, na
atualidade, a disputa entre o Projeto da Reforma Sanitária e o projeto privatista. “O atual governo
ora fortalece o primeiro, ora mantém a focalização e o desfinanciamento, características do
segundo projeto.” (p.19/20)
2.2.4. Política nacional de controle do câncer no B rasil
A dimensão do problema do câncer no Brasil – suas altas taxas de incidência e mortalidade
– e, especificamente, do câncer de colo de útero, têm relação direta com o processo histórico da
política de saúde, no qual se estabeleceu a dicotomia entre atenção médica individualizada
(privilegiamento das ações curativas) e saúde pública (ações de promoção e prevenção),
evidenciando o permanente conflito entre interesses públicos e privados na saúde.
Conforme destaca Bodstein (1987), a política de combate ao câncer no Brasil foi sofrendo
ingerências de acordo com as circunstâncias políticas e econômicas do país. Por um lado, toma-se
o problema do câncer como questão de saúde pública, devendo o Estado tomar a
responsabilidade das ações de controle da doença, na educação, ensino, prevenção e assistência.
Por outro lado, a complexidade e o alto custo exigidos para o tratamento do câncer despertam
47
interesses mercantilistas dos serviços médicos privados, das indústrias de medicamentos e de
equipamentos hospitalares.
Na luta contra o câncer, desde a década de 30, foram empreendidos esforços para o
combate à doença. No entanto, apesar dos avanços técnico-científicos conquistados – em termos
do conhecimento sobre os fatores de risco para vários tipos de câncer e apesar do domínio de
tecnologias para prevenção e diagnóstico precoce da doença - mais de 70% dos casos chegam
aos hospitais com doença avançada, casos praticamente incuráveis. Isso significa que as ações
de combate ao câncer no Brasil não têm alcançado grande êxito, o que está diretamente
relacionado à forma como a questão saúde vem sendo tratada no Brasil.
Desde o início do século, o câncer desperta atenção, pois já se evidenciavam sinais de
crescimento das taxas61 de mortalidade pela doença, em vários centros urbanos, mas as ações
governamentais são reduzidas nesse campo. As iniciativas de combate à doença são tomadas por
médicos especialistas, tendo caráter individualizado e mais ligadas ao campo filantrópico. São
orientadas, quase exclusivamente, para o diagnóstico e tratamento, pois o conhecimento sobre a
etiologia do câncer era incipiente. Pioneiros apontam a necessidade de ações governamentais
mais efetivas62, para o combate à doença.
A política nacional de combate ao câncer vai tomar forma a partir dos anos 30,
especialmente em 1937, havendo tentativas importantes de centralização das instituições voltadas
para o câncer, refletindo a tendência nacional. É criado o Centro de Cancerologia que vai funcionar
no Distrito Federal, com a finalidade de fornecer tratamento e assistência médica. Paralelamente,
floresciam, desde 1929, as Ligas Contra o Câncer que vão ter papel relevante na luta contra a
doença. Em 1940 a Campanha Nacional Combate ao Câncer (CNCC) começa a esboçar-se com
auxílio das autoridades públicas e privadas e, em 1941, é criado o Serviço Nacional do Câncer
(SNC), com o objetivo de organizar, orientar e controlar as ações de combate ao câncer, em todo o
país.
Segundo Bodstein (1987), avança a preocupação com a prevenção e o diagnóstico
precoce do câncer, pois já se tinha a concepção que quanto mais precoce o diagnóstico e o
tratamento, melhor seria o prognóstico dos doentes.
61 Conforme Bodstein (1987) as estatísticas da época já colocam o câncer como importante causa de morte. Comparava-se o aumento do câncer com o declínio da tuberculose nos principais centros urbanos. Nesse período, o câncer ainda é uma doença de etiologia desconhecida que escapava à compreensão médica. Considera-se o câncer uma doença contagiosa e transmissível, tomando um caráter ameaçador, devendo as informações sobre a doença serem controladas pela Inspetoria de Lepra e Doenças Venéreas. Essas considerações sobre a doença eram compartilhadas por médicos de todo o mundo. 62 Segundo Bodstein , a primeira iniciativa oficial de combate ao câncer vem incluída na Reforma Carlos Chagas – cap. II – Artigo 476, de 1921.
48
“(...). Essa interpretação colocava o câncer como problema de saúde pública, onde somente o Estado teria
condições de assumir uma estrutura capaz de ampliar, (...) a prevenção: ao poder público cabia enfrentar a
doença e assumir responsabilidades que não poderiam ser relegadas à iniciativa privada”(p.48)
A preocupação com a urbanização, a imagem do país no estrangeiro e a associação ao
câncer, como uma doença da modernização, são enfatizadas como justificativa para que o Estado
assumisse a responsabilidade sobre o combate à doença. Na conjuntura desenvolvimentista, os
ideais nacionalistas e centralizadores vão estar presentes na questão do câncer, fortalecendo a
política de combate à doença sob o argumento de que, quanto mais desenvolvido um país, maior a
incidência de neoplasias malignas.
O Ministério da Saúde, criado em 1953, vai manter as estruturas de combate ao câncer,
mas a política de controle da doença vai ser marcada por importantes modificações na década de
50. Especialmente, a partir da década de 60, a expansão da indústria químico-farmacêutica e dos
equipamentos hospitalares foi determinante para a área do câncer. Dada a complexidade
requerida para o diagnóstico e tratamento do câncer, a “modernização do ato médico” teve
rebatimento direto na área, numa crescente medicalização da atenção, dando prioridade aos atos
curativos.
O câncer vai tendo sua importância ampliada na área de saúde. Os cancerologistas faziam
pressão para que o Estado assumisse o controle da doença. Nessa ótica, perseguem a idéia de
um grande Hospital-Instituto, que será inaugurado em 195763. Reconhecido oficialmente em 1961,
passa a ter a denominação de Instituto Nacional de Câncer, tendo como competências:
assistência, pesquisa e ensino.
De acordo com Bodstein (1987), em 1967, institucionalizou-se a Campanha Nacional de
Combate ao Câncer64, tendo como objetivo: “intensificar e coordenar, em todo o território nacional,
as atividades públicas e privadas (...) relacionadas com as neoplasias malignas, em todas as suas
formas clínicas, com a finalidade de reduzir-lhes a incidência”. (p.114). Tudo isso girava em torno
da recuperação e fortalecimento da política de combate ao câncer, comprometida pela falta de
recursos financeiros.
Em 1970, há alteração na organização do MS sendo o SNC transformado em Divisão
Nacional de Câncer (DNC), responsável pelo Plano Nacional de Combate ao Câncer (PNCC). O
plano defendia a organização dos serviços de cancerologia por meio da integração das diversas
instituições federais, estaduais e municipais, buscando a regionalização e hierarquização desses
serviços. 63 O Hospital- Instituto fica então situado na Praça Cruz Vermelha, no Rio de Janeiro, onde funciona hoje o Instituto Nacional do Câncer – INCA e o Hospital do Câncer I. 64 A institucionalização sob a forma de Campanha dá maior flexibilidade financeira e administrativa à luta contra o câncer.
49
Em 1975, outro plano é proposto na tentativa de efetivar o entrosamento na área do câncer
– o Programa de Controle do Câncer (PCC) – que foi fruto de um convênio firmado entre o MS e o
Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). Esse plano propunha universalizar os
procedimentos relativos ao controle do câncer e instituía comissões de Oncologia de âmbito local,
regional e nacional, com vistas a ações integradas no controle do câncer. Durante o
desenvolvimento deste programa a DNC foi extinta administrativamente, sendo criada a Divisão
Nacional de Doenças Crônico-degenerativas (DNDCD).
Esses dois planos: o primeiro, vinculado ao MS, ficou responsável pelo financiamento de
equipamentos para a rede filantrópica e pela capacitação e treinamento de recursos humanos; o
outro, ligado à Previdência Social, ficou responsável pela articulação e regionalização dos diversos
níveis de atenção do setor. Entretanto, esses planos não trouxeram avanços para a área do
câncer.
O período que vai até a metade da década de 70 é marcante para a política de combate ao
câncer, pois se estabeleceu um forte embate entre estatização e privatização das ações65 voltadas
para o câncer, acompanhando as reorientações do processo de acumulação e a política
econômica do país. O INCA é alvo das propostas de política de descentralização e privatização da
assistência médica, alegando-se que o câncer constituía problema de assistência individual e não
de saúde pública.
No início da década de 80, como reflexo da crise no modelo de organização do sistema de
atenção à saúde, a situação das instituições de câncer agrava-se. Surge a “Cogestão”66 entre o
MS e o MPAS como proposta para resolver a crise financeira que afetava os Ministérios da Saúde
e da Previdência. Essa estratégia traçava, como alternativa, uma redefinição da rede hospitalar
entre os dois ministérios. Um processo de co-participação gerencial e administrativa envolvendo
recursos humanos, materiais e financeiros. Com esse aporte de recursos, o INCA projetou-se
como centro nacional de referência para todas as instituições voltadas para os tratamentos do
câncer no país.
Novamente a alternativa foi a CNCC, utilizada como instrumento que possibilitou a
operacionalidade da “Cogestão”, repassando a verba para o Instituto. A CNCC fica como gestor
técnico-administrativo dos recursos para o desenvolvimento do programa de ações integradas
CNCC/INAMPS. O INCA fica como agente operacional do Programa, através da prestação de
serviços médico-hospitalares, atividades dos centros de pesquisa e ensino. A partir daí, pode-se
65 O MS perde influência na direção das políticas de saúde no país tendo redução importante no seu orçamento, na contrapartida do crescimento dos recursos da Previdência Social, fortalecendo o caráter lucrativo das ações assistenciais curativas e individuais. Emerge uma proposta radicalmente privatista para o setor saúde, consubstanciada no Plano Nacional de Saúde ( PNS). 66 A CNCC foi utilizada como instrumento que possibilitou a operacionalidade da “Cogestão”, como gestor técnico-administrativo dos recursos para o desenvolvimento do programa de ações integradas INCA/CNCC/INAMPS repassando verba para o Instituto.
50
pensar na reorganização de todo o setor relacionado com a Cancerologia no Brasil,
estabelecendo-se novos critérios de desenvolvimento de uma política nacional de combate ao
câncer.
Tem-se o reconhecimento de que as ações de controle do câncer voltadas para o
diagnóstico e tratamento (de caráter individualizado), dissociadas das ações de cunho coletivo
(prevenção e diagnóstico precoce) não alterariam o perfil de mortalidade por câncer no Brasil.
Nesse sentido é criado, pela CNCC, em 1983, o Sistema Integrado de Controle do Câncer (SICC),
como estratégia para viabilizar as ações de controle do câncer. Em 1987 é institucionalizado o
Programa de Oncologia – Pro-Onco67, através de convênio assinado entre a CNCC e o INAMPS,
com o objetivo de implantar as ações previstas no SICC, estabelecendo-se novos critérios de
desenvolvimento de uma política de controle do câncer, de caráter nacional.
A partir de 1986, surge a idéia de criar um serviço68 de Suporte Terapêutico Oncológico
(STO), para doentes com câncer avançado. Um projeto piloto é instituído no Hospital de Oncologia
por profissionais voluntários. Projeto que vai motivar a criação do Grupo Especial de Suporte
Terapêutico Oncológico (GESTO)69 que, posteriormente, estende o STO para o INCA.
Em 1990 o INCA é referenciado na Lei N° 8080/90 – q ue regulamenta o funcionamento do
SUS, conforme artigo 41:
“as ações desenvolvidas pela Fundação das Pioneiras Sociais e pelo Instituto Nacional do Câncer,
supervisionadas pela direção nacional do Sistema Único de Saúde, permanecerão como referencial de
prestação de serviços, formação de recursos humanos e para transferência de tecnologia”
Na década de 90, o INCA passa a ser um órgão da administração direta do MS70, vinculado
à Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), tendo como competência o desenvolvimento de ações
nacionais de controle de câncer. Entre as atribuições do INCA estão: a atuação em áreas
estratégicas como a prevenção e detecção precoce, ensino e divulgação científica, pesquisa,
vigilância epidemiológica e assistência oncológica71, integral e integrada, incluindo os cuidados
paliativos. Todas as atividades do INCA têm como objetivo reduzir a incidência e a mortalidade
causada pelo câncer no país.
67 O Pro-Onco, serviço vinculado à CNCC, foi transferido para o INCA, em 1990. 68 Em Congresso realizado em 1986, profissionais ligados à Cancerologia concluem que os usuários com doença avançada não tinham atendimento adequado nos serviços especializados, nos hospitais de apoio e nas emergências dos Hospitais públicos. 69 Entidade de utilidade pública que fez convênio com o MS, possibilitando a contratação de profissionais. 70 Regimento do MS aprovado pelo Decreto Presidencial nº 109 de 2 de Maio de 1991, reafirmado pelo Decreto nº3496 de 01 de Junho de2000. 71 Através das suas cinco unidades hospitalares: HCI, HCII, HCIII, Centro de Suporte de Tratamento Oncológico (CSTO) e o Centro de Medula Óssea (CEMO)
51
Em 1992/1993, passam a compor o INCA: o Hospital de Oncologia72, atualmente chamado
Hospital do Câncer II, o Hospital Luisa Gomes de Lemos73, atualmente Hospital do Câncer III.
Amplia-se o quadro de profissionais do INCA através de contratação pela Fundação Ary Frauzino
para Pesquisa e Controle do Câncer (FAF)74.
A assistência em cuidados paliativos aos portadores de câncer avançado se amplia a partir
incorporação dos profissionais do GESTO ao INCA, através de contratação pela FAF. Em 1998 é
inaugurado o Centro de Suporte Terapêutico Oncológico (CSTO), estruturado para prestar
assistência ambulatorial, de internação e atendimento domiciliar, com ênfase na formação
profissional.
Em 1997, foi implantado o Programa Nacional de Controle do Câncer de Colo do Útero –
Viva Mulher – pelo MS75.
Em sua dinâmica de atuação, o INCA expressa, como linhas norteadoras, as bases
conceituais do SUS, as diretrizes da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer
(PNPCC), e as metas operacionais do Programa de Prevenção e Controle do Câncer e Assistência
Oncológica que constituem o Plano Plurianual 2000/2003 do governo Federal. As ações avançam
dentro da lógica de integralidade do SUS. Vem se buscando a participação das secretarias dos
estados e dos municípios e das entidades filantrópicas, o comprometimento dos gestores
estaduais e municipais e dirigentes de entidades privadas, em nível nacional, para a
implementação e execução das ações de prevenção e assistência na perspectiva da integralidade
As estratégias de descentralização e ações conjuntas com órgãos públicos e privados vêm
sendo efetivadas e, em 2001, o INCA consolidou parcerias em todas as suas áreas de atuação,
especialmente com as secretarias estaduais e municipais. Entre as ações apontamos: o
desenvolvimento do Programa de Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Doenças, as ações
continuadas do Programa Viva Mulher e o aperfeiçoamento do Programa de Epidemiologia e
Vigilância do Câncer e Seus Fatores de Risco, criado para dar suporte aos demais programas
através da avaliação permanente dos dados, estado por estado.
Destaca-se a estruturação do Projeto de Expansão da Assistência Oncológica (PROJETO
EXPANDE)76, pelo qual novos Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON)77 estão
72 Os funcionários desse Hospital passam a compor o quadro de pessoal de INCA. 73 Da Fundação das Pioneiras Sociais. Também os funcionários dessa instituição passaram para o quadro do INCA. 74 Entidade privada sem fins lucrativos, criada em 1991, com a finalidade de colaborar com o INCA em todas as suas áreas de atuação. A principal receita da FAF advém do SUS, que remunera os serviços de assistência oncológica prestada pelo Instituto. As atividades e aplicações dos recursos da FAF são reguladas pelas determinações da Resolução 68/79 do Ministério Público do Rio de Janeiro (legislação específica que dispõe sobre as Fundações do Estado). 75 Vide Capítulo 1: 1.2. 76 Desencadeado em 1998 pelo MS – Portaria GM/MS nº 3335 de 02/09/1998. o Projeto Expande está sendo implantado desde 2000. Tem como objetivo principal aumentar, até 2004, a capacidade instalada de assistência integral para 14 milhões de brasileiros com a criação ou melhoramento de instalações de centros oncológicos, em vários centros do país.
52
sendo implantados em todo território nacional, descentralizando e efetivando a assistência
oncológica. Com os CACONs objetiva-se garantir o acesso mais eqüitativo da população à
assistência oncológica a partir da realidade epidemiológica, corrigindo a oferta inadequada e
geograficamente mal distribuída dos serviços oncológicos, estimulando o crescimento ordenado, o
que só será alcançado através da integralidade das ações, integração dos serviços e articulação
pactuada de todos os envolvidos.
O projeto EXPANDE e demais projetos do MS/INCA seguem a normatização NOAS/SUS
2001/2002, onde se destacam: a ampliação das responsabilidades dos municípios na atenção
básica, a definição da regionalização da assistência de média e alta complexidade e atualização
dos critérios de habilitação da NOB 96. A lógica da descentralização pautada na NOAS2001/2002,
define um conjunto de ações necessárias para o atendimento dos problemas de saúde da
população, através da pactuação entre os três níveis de gestão, visando a organização e o
aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde.
O Programa de Prevenção e Controle do Câncer do Colo do Útero está contemplado78 na
NOAS, caracterizado como uma das ações da saúde da mulher dentro do elenco de
responsabilidades e ações estratégicas mínimas de atenção básica, de responsabilidade dos
municípios, financiadas pelo PAB. Essas ações se efetivam através de atividades de rastreamento
de casos de câncer do colo do útero; de coleta de material para exame de citopatologia; da
realização ou referência para o exame citopatológico; da alimentação dos sistemas de informação.
O tratamento dos casos da doença vai ser efetivado através das ações de atenção de média e de
alta complexidade, também definidas pela NOAS, compreendendo um conjunto de serviços
ambulatoriais e hospitalares especializados com estrutura tecnológica de apoio diagnóstico e
terapêutica, que devem ser garantidos no âmbito regional ou mesmo estadual, através da
referência dos municípios de menor complexidade para os de maior complexidade, de acordo com
o PDR do estado e acordado no processo de Programação Pactuada e Integrada (PPI) entre os
gestores.
A partir da década de 90, evidencia-se que o MS/INCA vem tentando dinamizar suas ações
tomando como prisma o câncer como problema de saúde pública, tendo por base a lógica da
integralidade das ações e a equidade de acesso aos serviços. Poderíamos assim dizer, que a
política de controle do câncer está pautada nos princípios do Projeto da Reforma Sanitária.
Entretanto, se considerarmos a lógica maior desse projeto que é pensar a saúde como um
77 CACONs são unidades hospitalares públicas ou privadas que devem dispor de todos os recursos humanos e tecnológicos necessários à assistência integral do paciente de câncer, em uma mesma estrutura organizacional, ou articulada em rede de serviços. 78 Os procedimentos de efetivação da prevenção e controle do câncer do colo do útero, assim como outros ligados ao setor de oncologia passaram a ser financiados e coordenados diretamente pelo MS, dentro da rubrica da Fração de Atendimento Especializado e Compensação, dentro das propostas de Ações Estratégicas, além do financiamento usual da Alta Complexidade.
53
processo de convergência de políticas, como colocado na Constituição, ainda se está longe de
alcançar este patamar.
A condição de pobreza, que compromete a satisfação de necessidades básicas da
população (condição para a saúde), embora assinalada e compreendida na relação com vários
tipos de câncer, (como se destaca no câncer do colo do útero) não é enfatizada como de
necessária intervenção pela política de saúde. Discute-se e define-se a necessidade de
informação e educação da população e a criação e estruturação de serviços para prevenção,
detecção precoce, tratamento e cuidados paliativos, mas pouco se avança, especialmente, na
questão da promoção da saúde, ou seja, no enfrentamento aos determinantes sociais, econômicos
e culturais em que se gestam as condições de saúde/doença da população e as especificidades
relativas ao adoecimento por câncer.
Além disso, grande parcela da população tem acesso muito limitado aos níveis de atenção
primária e secundária para prevenção, detecção e tratamento precoce do câncer. Muitos casos de
câncer podem ser evitados e outros devem ser tratados em serviços de nível ambulatorial.
Entretanto, esses serviços vêm sofrendo reflexos do sucateamento do setor público, pelo
descompromisso do Estado em investir na área, desde os recursos de infra-estrutura, até a
qualificação dos recursos humanos. Portanto, não é por acaso que 70% dos casos de câncer
chegam aos hospitais especializados com doença avançada.
Na década de 90, como foi visto, gestam-se novas condições para a supremacia do setor
privado, pela exaltação do mercado para atender a todas as necessidades. Afetando diretamente a
saúde, o projeto privatista perpassa toda a lógica da política de câncer. Podemos citar a questão
dos medicamentos e a sofisticação tecnológica para diagnóstico e tratamento do câncer. O
interesse do setor privado em tratar câncer se deve ao seu custo elevado, pois o tratamento do
câncer demanda alta tecnologia. Há uma intensa lucratividade com o tratamento para o câncer -
até certo ponto - tanto para profissionais, quanto para empresas médicas e planos de saúde, e
também para laboratórios e indústria de instrumental hospitalar.
Muitos serviços privados tratam câncer, mas suas prioridades são as ações terapêuticas
individuais, com grande percentual de leitos para a assistência, consumindo muitos recursos,
permanecendo desvinculados das ações de prevenção, que têm baixa lucratividade. Mesmo que o
Estado mantenha o controle sobre a política de câncer e que efetivamente se universalize o
acesso à prevenção, ao diagnóstico e tratamento precoce, a área do câncer continuará sendo de
grande domínio privado e de muito interesse multinacional, que se deve, também, à nossa
dependência tecnológica. Isso significa que, apesar da ênfase do câncer como problema de saúde
54
pública, o interesse privado, focalizando o câncer como uma questão clínica individualizada, ainda
é muito prevalente.
Com o esforço de muitas gerações temos, hoje, uma Política Nacional de Prevenção e
Controle do Câncer que se estrutura com base na prevenção e assistência, ensino, pesquisa e
vigilância epidemiológica, como idealizada há muitas décadas. Mas ainda há muito que ser feito
para a redução das taxas de incidência e mortalidade por câncer que vêm aumentando. Uma
política que não poderá ser eficaz se não forem levadas em conta as questões estruturais e
conjunturais que vivemos, que extrapolam a área da saúde. Mais um grande desafio para o MS no
governo Lula.
55
CAPÍTULO 3 - AS CONDIÇÕES DE VIDA, DE TRABALHO E D E SAÚDE DE
MULHERES COM CÂNCER DO COLO DO ÚTERO AVANÇADO EM TR ATAMENTO NO
HCII/NCA/RJ
“O dia a dia da vida muito atarefada, porque eu sempre tive uma vida atarefada. Eu criei meus irmãos. Eu fiz um casamento errado, meu marido era um... Eu fui morar com meu pai que estava doente. Então eu acabei de criar o meu casal de irmãos, criando os meus filhos, tudo sozinha; eu que era tudo em casa, e ainda com uma filha deficiente e tudo. Trabalhava num hospital, pegava a meia noite e saia às 6,00 hs, fazendo serviço geral. Trabalhava de dia e de noite para os meus filhos poderem estudar. E teve esse meu filho de 32 anos, que quando ele tinha dezesseis anos ele se envolveu com drogas e a minha vida ficou assim. E eu pensava assim: eu estou bem, estou bem, e fui deixando, deixando. Agora é que eu comecei, porque deu uma dor na perna, porque antes eu não sentia nada, aí fui no médico e no ginecologista. Aí deu esse resultado”. Mulher entrevistada -63 anos- HCII/INCA/RJ)
3.1. Pressupostos teórico-metodológicos
O ponto de partida para a realização deste estudo foi um levantamento bibliográfico
referente às temáticas que envolvem a questão do câncer do colo do útero. As leituras realizadas
nos permitiram encontrar uma discussão significativa na área da medicina, especialmente estudos
sobre a história biológica da doença e sobre fatores de risco associados a essa neoplasia; sobre
os avanços científicos para prevenção, detecção precoce, tratamento e cura da doença e estudos
epidemiológicos que apontam a magnitude do problema do câncer do colo do útero no Brasil. É
importante ressaltar que todo o debate em torno do câncer do colo do útero evidencia a
contradição entre o grande potencial de prevenção da doença e os limites encontrados para o seu
controle no Brasil. Entretanto, a pesquisa bibliográfica permitiu-nos identificar, também, a escassez
de estudos que aprofundem o debate com relação aos determinantes sociais, econômicos e
culturais que condicionam o problema do câncer do câncer do colo do útero no Brasil.
Desse modo, este estudo visa, através do levantamento e análise das condições sociais,
econômicas e culturais de mulheres com câncer do colo do útero avançado, em tratamento no
HCII/INCA/RJ, discutir s dificuldades de vida de mulheres dos segmentos menos favorecidos da
classe trabalhadora, as mais vulneráveis aos fatores de risco de adoecimento por câncer do colo
do útero. Entendemos que o debate sobre esse tipo de câncer implica pensá-lo, necessariamente,
em sua relação com as precárias condições de vida das mulheres dos segmentos mais explorados
56
da classe trabalhadora. A nossa finalidade, portanto, é apontar questões que precisam ser
consideradas no processo de desenvolvimento das ações de prevenção e controle do câncer do
colo do útero, o que implica discutir essas questões na interface com as relações sociais vigentes.
Para tanto, utilizamos uma abordagem teórico-crítica, entendendo que o fenômeno do
câncer de colo do útero não se dá de forma isolada, mas dentro de um contexto sócio-histórico.
Nesse sentido, consideramos que o problema do câncer do colo do útero precisa ser entendido
como uma das expressões da questão social e de seu reflexo no cotidiano de vida das classes
subalternas.
A pesquisa79 teve um caráter exploratório, objetivando uma aproximação maior à realidade
de vida desse segmento da população feminina, esperando que as informações e os depoimentos
das mulheres estudadas nos revelassem aspectos do seu cotidiano de vida. No nosso
entendimento, mulheres com câncer do colo do útero avançado constituem um grupo social
relevante para pensarmos as dificuldades que determinado segmento de mulheres enfrenta para
incorporar a prevenção e, mais especificamente, o exame preventivo do câncer do colo do útero
como rotina em suas vidas. Dificuldades que também têm relação com a estruturação da política
de saúde no país e seu desdobramento para a política de controle do câncer.
3.1.1. Procedimentos metodológicos
Para a realização da pesquisa, utilizamos uma abordagem que combina as análises
quantitativa e qualitativa, levantando dados sobre as condições de vida e de trabalho e de saúde
das mulheres estudadas e seu estilo de vida, bem como suas dificuldades para acessarem os
serviços de saúde. Procuramos apreender a compreensão que elas, a partir de sua realidade de
vida, têm sobre a patologia e sua própria condição de doença. Ou seja, buscamos detectar dados
concretos sobre sua realidade de vida e as “explicações” que elas “encontram” para sua situação
de doença. As informações obtidas sobre as condições de vida de trabalho e de saúde das
mulheres estudadas foram analisadas considerando-se: indicadores sociais do IBGE, dados
epidemiológicos sobre o câncer do colo do útero, a política de saúde e a política de controle do
câncer. Em relação à coleta de dados utilizamos como instrumento de pesquisa entrevistas
estruturadas, combinando perguntas fechadas, abertas e semi-abertas, aplicando um formulário
com roteiro previamente estabelecido (Anexo Nº1). A entrevista foi o instrumento escolhido pois,
conforme Minayo (1996) constitui-se num:
79 O projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional do Câncer e encaminhado ao CONEP-MS
57
“instrumento privilegiado de coleta de informações para as ciências sociais devido à possibilidade de a fala ser
reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos sendo ela mesmo um deles (e
ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta voz, as representações de grupos
determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas” ( p109-110).
As informações obtidas nas entrevistas constituíram um conjunto de variáveis que
expressam categorias, que nos permitiram traçar um panorama geral sobre o cotidiano dessas
mulheres. A partir da categorização das variáveis tentamos responder às questões fundantes
deste estudo, na perspectiva de uma compreensão mais próxima da realidade de vida dessas
mulheres, não perdendo de vista que o resultado é sempre provisório e sempre traduz uma
“aproximação” da realidade.
O conjunto das variáveis foi dividido em três eixos. No primeiro eixo procuramos
caracterizar o padrão de vida das mulheres estudadas, a partir informações que geraram a
constituição de um perfil sócio-econômico. Levantamos uma série de variáveis objetivas que dizem
respeito às condições sócio-econômicas, como: faixa etária, escolaridade, estado civil,
profissão/ocupação, nível de renda pessoal e familiar, naturalidade e procedência no Estado do
Rio de Janeiro, composição familiar, chefia da família, religião e condições de moradia. A análise
dessas variáveis nos permitiu um aprofundamento do que é definido como “baixo nível sócio
econômico” dessas mulheres, apontado como um dos fatores de risco associados ao câncer do
colo do útero.
No segundo eixo de variáveis, buscamos analisar dados relativos a outros fatores de risco
para o câncer do colo do útero, que têm relação com o estilo de vida e comportamento sexual,
verificando a presença de alguns desses fatores na vida dessas mulheres: o início precoce da
atividade sexual, multiplicidade de parceiros sexuais, o número de partos, fumo e uso de
contraceptivo oral. Também levantamos a história de câncer e, mais especificamente, de câncer
do colo do útero na família. Com esse eixo de análise pretendemos discutir esses fatores de risco
– que não raro são abordados com um sentido de responsabilização das mulheres por sua
condição de doença –, relativizando-os frente às condições sócio-econômicas e culturais,
resultantes da pobreza.
No terceiro eixo de variáveis, procuramos analisar a prevenção e o diagnóstico do câncer
do colo do útero na vida dessas mulheres. Exploramos questões relativas à concepção que essas
mulheres têm sobre saúde; sua compreensão sobre seu processo de doença, implicando aí o
conhecimento sobre prevenção do câncer do colo do útero e suas demandas em relação ao
exame preventivo. A viabilidade e as dificuldades que colocam para realização do exame
preventivo, a inserção delas nos serviços de saúde e a avaliação que fazem dos serviços onde
58
procuraram atendimento (quando o fizeram) para fazer preventivo. Procuramos detectar as
circunstâncias de descoberta da doença, se elas têm outros problemas de saúde, como se dá a
demanda de assistência médica para esses problemas e as respostas encontradas, relacionando
essas questões à realização ou não da prevenção do câncer do colo do útero.
No processo de análise80, trabalhamos com cruzamento de variáveis buscando, na inter-
relação dos dados de realidade que elas trazem nos seus depoimentos, apreender a complexidade
das condições de vida dessas mulheres. Procuramos obter dados relevantes para entender suas
trajetórias até chegarem ao diagnóstico – tardio – do câncer do colo do útero, estabelecendo a
relação entre o perfil sócio-econômico e cultural, os fatores de risco para o câncer do colo do útero
e o acesso a serviços de saúde, sem perder de vista o “lugar social” dessas mulheres.
3.1.2. Objetivos do estudo
Geral: Identificar características sócio-econômicas e culturais das mulheres com câncer do
colo do útero avançado em tratamento no HCII, estabelecendo a relação dessas características
com o processo de adoecimento e diagnóstico tardio da doença, buscando contribuir para o
controle de do câncer do colo do útero.
Específicos:
- Identificar variáveis sociais, econômicas e culturais presentes nas condições de vida e de
trabalho das mulheres com câncer do colo do útero avançado, correlacionando-as aos fatores de
risco associados ao câncer do colo do útero.
- Identificar a compreensão das mulheres sobre seu processo de adoecimento; como
expressam sua condição de doença.
- Identificar os determinantes que as mulheres colocam para o não acesso aos serviços de
prevenção e/ou detecção precoce do câncer do colo do útero.
- Correlacionar as condições de vida e de trabalho e estilo de vida dessas mulheres ao
contexto sócio-econômico, político e cultural atual da sociedade brasileira.
80Na análise dos dados o programa de estatística utilizado, quando elabora os gráficos, faz arredondamento automático (aproximação decimal) dos percentuais para torná-los inteiros, daí a possibilidade de alguns gráficos não alcançarem 100%.
59
3.1.3. O trabalho de campo
O trabalho de campo organizou-se dentro da estrutura de assistência ambulatorial do HCII,
unidade hospitalar que se caracteriza como um dos pólos de atendimento secundário e terciário
para o câncer ginecológico no estado do Rio de Janeiro. As mulheres, com diagnóstico de câncer
ginecológico, são encaminhadas ao HCII para tratamento especializado (em alguns casos por
demanda espontânea), obedecendo a alguns critérios81. No caso do câncer do colo do útero elas
já vêm encaminhadas por serviços de saúde da rede82, onde foi diagnosticada a doença.
No processo de atendimento no hospital as mulheres passam pela triagem médica e,
estando dentro dos critérios, são encaminhadas para matrícula e abertura do prontuário. A partir
daí, elas entram num fluxo de seguimento que obedece à perspectiva terapêutica, que tem relação
com a patologia e o seu estadiamento. Podem seguir o fluxo de cirurgia ou de radioterapia
(combinada ou não com quimioterapia).
No caso das mulheres com câncer do colo do útero, com estadiamento II, III e IV (mulheres
em foco no nosso estudo), são orientadas para o fluxo de radioterapia (combinada ou não com
quimioterapia)83. Neste fluxo estão organizados os exames necessários para confirmação do
diagnóstico e indicação do tratamento, o acompanhamento pela enfermagem e pelo Serviço
Social. No dia da triagem ela é matriculada e recebe a programação de exames, orientada por um
profissional da enfermagem e é atendida pelo Serviço Social, que faz uma pré-avaliação das
condições sociais das usuárias.
Nesse primeiro atendimento abordamos as mulheres, propondo a participação na pesquisa.
Nossa intenção era que as entrevistas com as mulheres acontecessem antes que elas entrassem
na rotina do Hospital, antes de qualquer intervenção, propriamente dita, inclusive do Serviço
Social. Assim, buscamos evitar o comprometimento de algumas respostas.
Tínhamos clareza de que nessa abordagem as usuárias nos trariam muitas questões, tal é
o nível de ansiedade e tensão que perpassa a chegada ao hospital, envolvendo a confirmação do
diagnóstico e toda uma expectativa quanto ao tratamento. É grande o sofrimento e a angustia
frente ao desconhecimento sobre o que está acontecendo com seu corpo e o que vai acontecer
dali em diante com a sua vida. Não podemos esquecer que o simples fato de entrarem numa
unidade hospitalar, que traz em sua entrada a identificação de um serviço que trata câncer,
81 São elegíveis para o atendimento na triagem, usuárias com encaminhamento específico para a unidade ou mesmo através de demanda espontânea, com suspeita ou indicação de tratamento especializado em ginecologia oncológica. No caso da neoplasia maligna do colo do útero a matrícula é feita mediante laudo histopatológico comprobatório, independente do estadiamento, com indicação de tratamento cirúrgico ou radioterápico. 82 O tratamento especializado para o câncer do colo do útero no HCII segue o fluxograma proposto para o atendimento no Viva Mulher – Módulo Câncer do Colo do Útero (Vide Anexo 3). 83 A partir do mês de Julho 2003 iniciou-se o protocolo combinado de Radioterapia e Quimioterapia (para as pacientes em boas condições clínicas e função renal preservada). De acordo com os ginecologistas oncologistas do HCII, esse protocolo é apontado na literatura especializada como a tendência mundial de tratamento para o câncer do colo do útero em estágio avançado.
60
acarreta expectativas carregadas de medos, tensões e dúvidas frente ao seu prognóstico,
especialmente, se considerarmos o imaginário social de finitude ligado ao câncer, ainda fortemente
presente em nossa sociedade.
Nessa abordagem, observávamos as condições das mulheres para participarem do estudo,
colocando os objetivos da pesquisa, tendo a preocupação de perceber qual era a compreensão
que elas tinham sobre o diagnóstico de câncer. Entendíamos que para participar da pesquisa era
necessária uma compreensão clara do diagnóstico, estarem em condições clínicas e, claro, terem
interesse em participar do estudo. A partir da concordância, agendamos as entrevistas84 em dia e
horário que elas tivessem algum procedimento a realizar no hospital, procurando evitar outras
vindas e mais gastos para elas, pois não foi previsto orçamento para cobertura desses custos.
Tivemos o cuidado de reforçar que fazíamos parte do corpo de funcionários da instituição e
de que estávamos ali para prestar-lhes assistência e que todo o processo de atendimento poderia
ser esclarecido por nós. Saberem que fazíamos parte do Hospital, pode ter contribuído para a sua
decisão de participar. Procuramos deixar claro que a participação na pesquisa não iria interferir no
seu esquema de tratamento e que elas poderiam ter todas as suas dúvidas e preocupações
esclarecidas por nós. Saberem que teriam liberdade de expor suas dúvidas e que as suas
demandas teriam os esclarecimentos e encaminhamentos que se fizessem necessários, parece ter
dado a elas muita tranqüilidade e confiança para participar do estudo.
Em geral, percebe-se nas usuárias grandes “lacunas” de informações, que se originam no
desconhecimento sobre a evolução da doença, nos estigmas que a cercam e numa série de
informações equivocadas que se agregam e que não são dirimidas no processo de atendimento,
desde a unidade básica de origem até chegarem ao serviço especializado. Ou seja, elas chegam
com muitas indagações sem resposta, o que representa um alto nível de tensão e angustia para
elas e os seus familiares. Assim, durante as entrevistas, tivemos que intervir, atendendo às
solicitações e dúvidas postas pelas usuárias (algumas suscitadas até mesmo pela entrevista), no
sentido de trazer-lhes a maior tranqüilidade possível para lidarem com sua situação.
As entrevistas ocorreram em local onde foi possível manter-se a privacidade necessária
para o bom andamento das mesmas. Todas as entrevistas foram gravadas para posterior
transcrição (dando-se um número para cada usuária para identificação da fita correspondente),
com o devido consentimento das usuárias, após leitura do termo de consentimento livre e
esclarecido assinado. O documento era apresentado inclusive aos familiares, quando se faziam
presentes por solicitação delas, sendo que solicitávamos que se retirassem durante a entrevista, o
que acontecia sem qualquer constrangimento. 84 Em geral, as entrevista aconteceram nos dias em que realizavam exames radiológicos, de ultra-som ou eletrocardiograma, que são exames mais leves.
61
As entrevistas foram realizadas no período de Julho a Setembro de 2003, com mulheres
com diagnóstico de câncer do colo do útero - estadiamento II, III e IV - matriculadas nos meses de
Julho e Agosto num total de 63 mulheres. Consideramos esta amostra85 satisfatória, pois o
levantamento realizado nos meses de Janeiro a Agosto de 2003 mostrou que tivemos 303
mulheres matriculadas com esses estadiamentos.
De um total de 86 mulheres matriculadas, de julho a agosto, apenas 23 (26%) não
participaram da pesquisa. Esse grupo de mulheres foi excluído pelos seguintes motivos: Seis (6)
mulheres recusaram-se a participar, expressando muita dificuldade em falar da doença ou por
acatar a negativa da família. As demais não se encontravam em condições de participar: doze (11)
por encontrarem-se em precárias condições clínicas (alguns casos exigindo internação); três (3)
devido a limites de compreensão da doença ou dificuldade de expressão; três (3) também foram
excluídas por terem sido matriculadas apenas para realizar braquiterapia86.
É importante destacar a disponibilidade das mulheres para participar da pesquisa. Apesar
do momento de profundo sofrimento físico e emocional, em função do diagnóstico de uma doença
grave, de um ideário social estigmatizante e da perspectiva de um tratamento bastante agressivo,
essas mulheres quiseram participar da pesquisa.
As entrevistas trouxeram elementos fundamentais para a discussão do nosso objeto de
estudo. Ao mesmo tempo, mobilizaram as mulheres e elas falaram da sua dor, do seu sofrimento,
do impacto frente à revelação do diagnóstico de câncer e do seu medo em relação à doença,
expressando o forte estigma da doença, como se pode notar nos depoimentos abaixo.
“Eu fiquei muito apavorada, muito triste. O pessoal fala que essa doença mata; não sei em quanto tempo vou morrer, meus parentes estão todos apavorados” (52 anos).
“Essa doença é uma doença muito ruim, que antes da dor dela aparecer, aparece a dor no coração” (26 anos.
“Eu acho assim: depois que eu fiquei sabendo que eu estou doente, tudo mudou para mim. Para mim não tem mais esperança de nada, para mim eu acho que não vai curar. Porque eu sou hipertensa, eu tenho angina, sou diabética, sempre estava tratando e agora vem aparecer essa doença pior. Aí eu acho assim: vou tratar do resto pra que? Porque esses outros problemas que eu tive eu ia relevando, tomava remédio todo dia. Mas agora apareceu isso e eu sou uma pessoa que acredito assim que isso não tem cura. Quando eu fiquei sabendo eu pensei que ia morrer” (57 anos)
85 Referendamos a validade dessa amostra nos dados do Registro Hospitalar de Câncer (RHC) – ano base 2001 – quando tivemos um total de 568 mulheres matriculadas no HCII com diagnóstico de neoplasia do colo do útero nos estadiamentos II, III e IV. Assim, o número de 63 mulheres corresponde a mais de 10% desse total. 86A braquiterapia refere-se à 2ª etapa do tratamento radioterápico. Essas mulheres foram atendidas em outros pólos de atendimento do estado, serviços onde realizaram a primeira etapa do tratamento radioterápico (teleterapia). Esses serviços, em geral, não possuem braquiterapia e os que possuem estão com aparelhagem sem funcionamento. Por isso são encaminhadas ao INCA para complementar tratamento radioterápico. Nesse caso, entendemos que essas mulheres já tinham passado por todo um processo de atendimento em outro serviço especializado, pelo qual, acreditamos, obtiveram uma série de informações que poderiam alterar suas respostas.
62
Demonstrando compreensão da gravidade da doença, elas expõem o significado da
doença em suas vidas. Sabem que estão com doença avançada, que terão de submeter-se a um
tratamento agressivo e revelam a preocupação com o resultado do tratamento, e toda uma luta
para enfrentar a doença e acreditar na possibilidade de cura, como podemos observar nos
depoimentos a seguir:
“Eu estou muito preocupada com o tratamento, essa radioterapia, a quimioterapia, a preocupação com a queda do cabelo, tudo isso me assusta muito...” (65 anos)
“Eu queria saber se depois disso tudo eu vou ficar boa. É isso que me preocupa, porque fazer essa caminhada longa aí e chegar no fim e não ver resultado?” (34 anos)
“Eu queria dizer que por pior que seja, tem que ter coragem e se cuidar mais, tem que encarar, ter coragem e se cuidar” (65 anos)
Por outro lado, elas expressam preocupação com outras mulheres, no sentido de que não
precisem passar pelo sofrimento que elas estão vivenciando. E no momento final da entrevista,
muitas delas deixam uma mensagem, no sentido de que as mulheres devem valorizar-se, devem
preocupar-se mais consigo mesmas, cuidar da sua saúde, procurarem se prevenir de doenças e
vencerem as dificuldades para fazer o exame preventivo.
“Eu acho que a coisa mais importante na vida da gente é a saúde e por isso a gente tem que se cuidar, tem que se gostar, porque se a gente não se gostar, quem vai gostar da gente?” (46 anos)
“Queria que todas as mulheres não fossem relaxadas que nem eu, descuidada, caçassem sempre um ginecologista, estivessem fazendo sempre o seu exame, pra evitar, porque eu poderia ter evitado esse problema, porque é melhor evitar do que remediar...” (40 anos)
3.2. As mulheres com câncer do colo do útero avançado: n as suas razões, novas
questões
3.2.1. Características sócio-econômicas
As mulheres estudadas encontram-se com o câncer do colo do útero em estadiamento
avançado: estadiamento II - 34,9 %, estadiamento III - 52,4% e estadiamento IV- 12,7 %. A partir
desse diagnóstico todas tiveram indicação de tratamento por radioterapia exclusiva ou combinado
com quimioterapia - tratamentos agressivos e que apresentam grandes possibilidades de
seqüelas. Á medida que a invasão da doença progride, a cura passa a ser mais difícil e os custos
sociais para as mulheres, para a família e para a sociedade são cada vez mais elevados.
Essa condição de doença implica em mudanças, muitas vezes radicais, pois essas
mulheres terão seus papéis familiares e sociais comprometidos. A maioria das entrevistadas
encontra-se em faixa etária economicamente ativa, sendo que a sua condição de doença e o
63
tratamento necessário podem implicar no afastamento (temporária ou definitivamente) de suas
atividades laborativas, comprometendo o poder aquisitivo da família, especialmente quando é sua
a chefia da família, o que será analisado mais a frente.
Gráfico 1 Idade
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Acima de 5040 a 49 anos30 a 39 anos20 a 29 anos
%
50
40
30
20
10
0
4444
8
3
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
Em relação à idade, encontramos mulheres de diversas faixas etárias (Gráfico 1), desde
jovem - com 24 anos -, até idosa - com 68 anos de idade. A média de idade ficou em 49 anos e a
mediana em 48 anos. A concentração ficou nas faixas de idade entre 40 e 49 anos com um
percentual de 44%, seguida de 44% de mulheres acima dos 50 anos. Esse percentual reflete os
dados da literatura que registram maior incidência do câncer do colo do útero em mulheres entre
40 60 anos. (Brasil:2002b). Entretanto, não podemos desprezar, ainda que pequeno, o percentual
de mulheres jovens87 com menos de 30 anos (3%), com a doença e em condições avançadas.
87 Embora o percentual de mulheres jovens seja pequeno, não podemos deixar de salientar que vêm aparecendo cada vez mais casos de jovens com lesões precursoras e mesmo com doença avançada. Esses casos chamam a atenção e nos perguntamos o que possa estar acontecendo, considerando-se que a literatura aponta que o câncer do colo do útero leva em torno de 10 a 15 anos para atingir um grau invasivo. Nesse sentido, deduzimos que, para essas mulheres, o processo de evolução da doença iniciou-se na adolescência, o que indica a necessidade de ações dirigidas a esse público alvo.
64
Gráfico 2 Escolaridade
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
9 a 11 anos5 a 8 anos1 a 4 anossem instrução
%
60
50
40
30
20
10
0
6
33
54
6
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
No tocante à escolaridade (Gráfico 2), praticamente a totalidade das mulheres (93%) não
ultrapassou o nível fundamental de ensino (8 anos de estudo), sendo que 60% delas sequer
alcançaram o 1º seguimento desse nível (4 anos de estudo), o que significa um nível de
escolarização precário. Apenas 6% tiveram acesso ao nível médio (9 a 11 anos de estudo - antigo
2º grau). Esse nível de escolaridade tem grande impacto na inserção das mulheres no mercado de
trabalho, a qual se dá em ocupações ou funções subalternas e de pouco aprimoramento
intelectual, como veremos adiante.
Comparando esses dados aos índices de educação do IBGE para a população brasileira,
encontramos uma estreita correlação. Dados da PNAD 2001/IBGE revelam que apenas 23,2% das
mulheres têm o ensino médio concluído e, em relação às mulheres chefes de família, essa
questão é bem mais séria, pois 37,6% das mulheres têm até 3 anos de estudo.
A escolaridade88 tem sido um indicador destacado nos estudos relacionados ao câncer do
colo do útero. O fator educacional pode ser uma questão importante, pois os limites educacionais
podem comprometer a compreensão das mulheres quanto à prevenção de doenças,
especificamente do câncer do colo do útero, o processo de evolução da doença e a adesão das
mulheres aos programas de prevenção. Silva (2003), no estudo citado (vide nota 89) registra que
88 Estudo realizado no HCII, em 2002, com 96 mulheres submetidas à Cirurgia de Alta Freqüência (CAF) mostra baixo nível de escolaridade no grupo de mulheres estudadas, com uma mediana de 5 anos de estudo. (Silva e Rodrigues:2002) Outro estudo realizado no Pólo de Referência de Patologia Cervical da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, com mulheres com patologia cervical, que foram encaminhadas para tratamento, no período de janeiro de 1998 a março de 2000, apresenta o mesmo padrão de escolaridade: 78% das mulheres tinham apenas o ensino fundamental e somente 3% possuíam nível superior. (Silva: 2003) Esses dois estudos são significativos para nossa análise, pois eles nos mostram que a maioria das mulheres, atendidas nesses dois Pólos, apresenta parâmetros educacionais idênticos aos das mulheres de nosso estudo. Nos parece, portanto, que pertencem ao mesmo universo social da população.
65
houve uma perda significativa das mulheres ao longo do tratamento, sendo que a maioria dessas
mulheres tinha nível elementar de escolaridade.
Gráfico 3 Idade/Escolaridade
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
9 a 11 anos - 6%
5 a 8 anos -33%
1 a 4 anos - 54%
Sem instrução - 6%
%
120
100
80
60
40
20
0
Faixa etária
20 a 29 anos -3%
30 a 39 anos - 8%
40 a 49 anos - 44%
Acima de 50 - 44%7
4339
117
18
71
40
60
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
Analisando-se a relação entre idade e escolaridade, vamos perceber que 100% das
mulheres da faixa de 20 a 29 anos têm de 5 a 8 anos de estudo e as mulheres de 30 a 39 anos
concentram-se nas faixas de 1 a 4 anos (60%) e 5 a 8 anos (40%) de estudo. Entre as mulheres
de 40 a 49 anos 71% têm de 1 a 4 anos de estudo. Nas faixas de idade acima de 40 e 50 anos é
que aparecem mulheres que não têm instrução e também as poucas mulheres com melhor nível
de instrução. Estes dados mostram que, no grupo estudado, não são as mulheres mais jovens as
que têm melhores níveis de escolaridade.
66
Tabela 6 Estado de Nascimento
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Estado de Nascimento Freqüência % %
Cumulativo
Rio de Janeiro
Minas Gerais
Pernambuco
Sergipe
Pará
Bahia
Ceará
Paraíba
Rio Grande do Norte
Total
41
9
3
3
1
2
1
2
1
63
65,1
14,3
4,8
4,8
1,6
3,2
1,6
3,2
1,6
100,0
65,1
79,4
84,1
88,9
90,5
93,7
95,2
98,4
100,0
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
A Tabela 6 mostra que a maioria das mulheres é natural do estado do Rio de Janeiro –
(65,1%), seguida de 14,3% de mulheres nascidas em Minas Gerais. Somando esses valores,
temos 79,4% oriundas da Região Sudeste. Não foi tão significativo o número de migrantes da
Região Nordeste (17,6% agrupando todos os estados da região), como pensávamos. Das
mulheres migrantes, a média de tempo no estado do Rio de Janeiro é de mais ou menos 30 anos,
o que é um tempo muito significativo e praticamente anula a questão da migração.
Gráfico 4 Procedência no Estado do Rio de Janeiro
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Região Medio Paraiba
Região Centro Sul
Baixada Litorânea
Metropolitana II
Netropolitana I
% 80
60
40
20
08
5
11
75
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
67
Da procedência das mulheres dentro do estado do Rio de Janeiro (Gráfico 4) temos que a
grande maioria 85% vive na Região Metropolitana (I e II).
Tabela 7 Município de procedência – Região Metropolitana
Mulheres com câncer do co lo do útero HCII/INCA/RJ
Município Freqüência % % Cumulativo
Rio de Janeiro
Duque de Caxias
Niterói
Nova Iguaçu
Itaboraí
Mesquita
Belford Roxo
Nilópolis
São João de Meriti
São Gonçalo
Total
Outras Regiões
Total
25
10
3
4
3
1
2
2
1
3
54
9
63
46,3
18,5
5,6
7,4
5,6
1,9
3,7
3,7
1,9
5,6
100
46,3
64,8
70,4
77,8
83,3
85,2
88,9
92,6
94,4
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
Da procedência da região Metropolitana destacam-se os municípios do Rio de Janeiro com
46,3% e o município de Duque de Caxias com 18,5 %, como pode ser visto na Tabela 7.
Os dados relativos à naturalidade e procedência são extremamente relevantes. Se
considerarmos a Região Sudeste e a Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro,
caracterizadas como de importante grau de urbanização e industrialização no cenário do país,
esse padrão não se traduziu em melhores condições de vida, de trabalho e de acesso aos serviços
de saúde para esse segmento da população. Por outro lado, há de se considerar que o maior
índice de urbanização pode ter favorecido a adoção de hábitos, como o tabagismo, que é um dos
fatores associados ao câncer do colo do útero, o que será comentado mais à frente.
68
Gráfico 5 Estado Civil
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
ViúvaDivorciadaDesquitadaCasadaSolteira
%
50
40
30
20
10
0
22
33
40
32
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho do mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
Em relação ao estado civil (Gráfico 5), destacamos que 32% das mulheres são solteiras,
40% são casadas e 22% são viúvas. Na situação conjugal, um dado importante é que 45% das
mulheres não têm marido/companheiro, o que é um fator importante para a análise relativa à
condição sócio-econômica, pois um número considerável das mulheres (35%) é chefe de família,
como se verá mais adiante.
Tabela 8 Religião
Mulheres com câncer do col o do útero HCII/INCA/RJ
Religião Freqüência %
Católica
Evangélica
Testemunha de Jeová
Sem religião
Total
35
24
2
2
63
55,6
38,1
3,2
3,2
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003.
Neste estudo, a religião (Tabela 8), foi identificada para avaliarmos se haveria
predominância de uma ou outra religião no conjunto das mulheres. Porém, evidenciou-se uma
69
relativa homogeneidade entre as religiões católica (55,6%) e evangélicas89 (38,1%), com uma
certa predominância de católicas. Assim, não percebemos a questão da religião como um dado de
influência para o estudo.
Gráfico 6 Profissão
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Outros
Vendedora ambulante
Costureira
Auxiliar de serviços
Comerciária
Dona de casa
Doméstica, faxineira
%
60
50
40
30
20
10
0
14
3566
13
52
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
No que diz respeito à atividade laborativa das mulheres (Gráfico 6), predominam
ocupações90 em nível doméstico, quer seja em domicílios de terceiros, como doméstica, faxineira,
etc (52, %), ou no próprio domicílio, como costureiras e outras; 13% são do lar (dona de casa).
89 Dentre as evangélicas não foram apresentadas distinções entre as diversas congregações, todas se colocando dentro desse universo de referência. 90 A maioria dessas funções se concentra em setores de baixa produtividade e renda, com vínculo precário e informal de trabalho.
70
Gráfico 7 Profissão/Trabalho no próprio domicílio
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Outros - 14%
Vend ambulante 3%
Costureira
Aux. s. gerais 6%
Comerciária -13%
Dona de casa -13%
Doméstica, fax. 52%
%
60
50
40
30
20
10
0
Trabalha em casa
Sim - 19%
Não
14
88
16
53
17
8
25
50
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Como observado, anteriormente, essas mulheres estão inseridas em atividades de baixa
qualificação e rendimento, 19% trabalhando no próprio domicílio. Destacamos do Gráfico 7 que
ambulante) realizam algum trabalho no domicílio concomitante à atividade do emprego. As
costureiras (25%) realizam seu trabalho em casa. Isso nos leva a estimar a sobrecarga de trabalho
na vida dessas mulheres, especialmente, se considerarmos as atividades de empregada
doméstica/faxineira que, em geral, são muito pesadas e desgastantes. Não podemos esquecer
que à todas essas atividades associam-se às que têm como “dona de casa”.
91 São atividades como lavar e passar roupa, produção e venda de doces e salgados, manicure e etc.
71
Gráfico 8 Situação de trabalho atual/Profissão
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Outros 14%
Vend. ambulante 3%
Costureira 5%
Aux.s.gerais 6%
Comerciária 6%
Dona de casa 13%
Doméstica, fax. 52%
% 120
100
80
60
40
20
0
Situação de Trabalho
Do lar - 40%
Em atividade -16%
Desempregada -35%
Aposentada 8%
Auxílio doença -1%
100
2020
60
999
68
20
10
20
10
40
128
32
44
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho d e mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Em relação à situação de trabalho atual (Gráfico 8), é importante destacar que 16% das
mulheres continuam trabalhando (40% são empregadas domésticas, 20% são costureiras,10% são
comerciarias, 10% são vendedoras ambulantes e 20% têm outras atividades) possivelmente pela
necessidade de garantir a renda da família. Das que se colocam atualmente como do lar92, além
das donas de casa (32%), 44% são domésticas/faxineiras, 2% têm outra atividade e 8% são
auxiliares de serviços gerais. Estas mulheres, provavelmente, situam-se desta forma por estarem
desempregadas. Entre as que se intitulam como desempregadas (trabalho formal e informal)
destaca-se que 60% são empregadas domésticas e um pequeno percentual de comerciaria,
auxiliar de serviços e outras funções. Destaca-se que apenas 1% encontra-se em auxílio doença.
Pelo quadro de doença que apresentam todas teriam indicação de auxílio doença, mas nem
sempre isso acontece, devido à precariedade dos vínculos empregatícios que não garantem
direitos previdenciários, como veremos a seguir.
92Acreditamos que nesse grupo estão mulheres que se colocam nessa condição por não estarem trabalhando fora no momento. Também é possível que o afastamento das atividades laborativas tenha relação com a situação de doença, pois devido aos sintomas, não têm condições de trabalhar.
72
Tabela 9 Vínculo previdenciário
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Vínculo previdenciário Freqüência %
Funcionário público
CTPS
Autônomo
Sem vínculo
Pensionista
Aposentada
Total
1
1
9
37
10
5
63
1,6
1,6
14,3
58,7
15,9
7,9
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho d e mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Na questão do vínculo previdenciário (Tabela 9), verificamos que 58,7% das mulheres não
têm vínculo. Das que têm vínculo, 14,3% são autônomas, seguidas de um percentual importante
(23,8%) cujo vínculo previdenciário se estabelece pela condição de pensionista (15%) ou
aposentada (7,9%) sendo que a remuneração delas pode constituir-se como única renda fixa da
família. Apenas 1,6% têm carteira assinada e 1,6% tem vínculo como funcionária pública.
Gráfico 9 Vínculo Previdenciário/Situação de trabalho atual
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Aposentada - 8%
Sem vínculo - 59%
Pensionista -16%
Autônomo - 14%
CTPS - 1,5%
Func. Publico 1,5%
%
120
100
80
60
40
20
0
Situação de Trabalho
Do lar - 40%
Em atividade - 16%
Desempregada -35%
Aposentada
Auxílio doença -1%
100 100
64
23
14
30
60
10
80
20
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
73
Quando relacionamos a situação atual de trabalho com o vínculo previdenciário (Gráfico 9),
verifica-se que 60% do grupo que está em atividade têm vínculo como autônomo. Essas mulheres
poderiam estar em auxílio doença pelo INSS. Por que ainda estão trabalhando? Porque o
rendimento cai em função do benefício? Ou porque não93 foram orientadas quanto aos seus
direitos? Das mulheres do lar (80%) não têm vínculo previdenciário e 20% delas são pensionistas.
Dois destaques são importantes: o primeiro é que 30% das que continuam em atividade não têm
vínculo, assim, pressupomos que têm que continuar trabalhando para garantir a sua subsistência
e da família, pois não têm direito ao benefício; o segundo é que 64% das mulheres
desempregadas, também não têm vínculo. Esse quadro é extremamente relevante, pois significa
que as mulheres que exerciam alguma atividade remunerada, ao adoecerem, não contam com
qualquer proteção social. Deixam de ter renda e passam a depender de terceiros (família, amigos,
etc) para sua subsistência, o que tem relação direta com a inserção dessas mulheres no mercado
de trabalho (Vide capítulo 2).
Gráfico 10 Renda Própria
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
4 a 5 Salário Mínim
o
3 Salário mínim
o
2 Salário mínim
o
1 Salário Minim
o
Menos de 1 salário m
0 Salário mínim
o
%
70
60
50
40
30
20
10
08
24
5
57
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
No que tange à renda das mulheres estudadas (Gráfico 10), verificamos que 57% delas
não têm renda própria e 29% ganham até um salário mínimo. Apenas 8% têm renda em torno de
93 Em geral as mulheres chegam à Unidade sem orientação nesse sentido. A partir da sua inserção no Hospital ela será orientada e encaminhada ao INSS.
74
quatro a cinco salários mínimos. Esses dados se aproximam aos apontados pelo Censo 2000
(IBGE) que registra que 38,9% das mulheres brasileiras ganham menos de 1 salário mínimo.
Do salário depende a satisfação de necessidades básicas como alimentação, moradia,
acesso a outros bens e serviços. Para essas mulheres, mesmo quando trabalhando, a renda é
baixa. Como já assinalamos, é possível que parte delas esteja sem renda por não estarem
trabalhando em função da doença/tratamento e pela ausência de vínculo previdenciário. Se elas
tinham alguma renda, deixaram de tê-la, havendo perda do poder aquisitivo da família.
Gráfico 11 Chefia da Família
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
OutrosMarido / companheiroA própria
%
60
50
40
30
20
10
0
13
52
35
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
À questão da renda relaciona-se a presença feminina na chefia das famílias. No Gráfico 11
observa-se que 35% das mulheres estudadas são chefes de família94, o que corresponde aos
dados do Censo 2000 do IBGE, que registram a crescente presença da mulher na chefia familiar,
já representando 26,7% das famílias brasileiras. Como assinalado no Capítulo 2, a chefia feminina
nas famílias pobres agrava a condição de pobreza, pois a vida familiar passa a girar em torno da
mulher e esta tem condições de trabalho e renda muito precárias, para garantir a subsistência da
família.
94 É interessante notar que quando as mulheres apontam que a chefia da família é de outros, aí também se inserem outras mulheres que são as mães, irmãs, filhas, com quem elas vivem há muito tempo ou no momento da pesquisa, em função da doença .
75
Gráfico 12 Renda Familiar
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não sabe informar
Acima de 8 S M
6 a 8 S M
3 a 5 S M
1 a 2 S M
Menos de 1 S M
% 60
50
40
30
20
10
0
8
3
27
54
6
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Com relação à renda familiar - incluindo-se aí a renda da mulher (Gráfico 12), temos que
6,% das famílias vivem com menos de 1 salário mínimo e 54,% têm renda de 1 a 2 salários o que
perfaz um total de 60% vivendo com renda de até 2 a salários mínimo. Somente 27% das famílias
têm renda em torno de 3 a 5 salários e apenas 3% têm renda acima de 8 salários mínimos. Um
grupo (8%) de mulheres não sabe informar a renda familiar, especialmente os casos em que
moram com filhos ou outros parentes. Esse quadro demonstra o grau de dificuldades que a
maioria das famílias tem para garantir a satisfação de suas necessidades básicas.
Gráfico 13 Chefia da família/Renda familiar
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não sabe -8%
Mais de 8 SM
-3%
6 a 8 SM -2%
3 a 5 SM-27%
1 a 2 SM- 54%
Menor 1 SM
6%
%
60
50
40
30
20
10
0
Chefia da família
A própria - 35%
Marido/companh - 52%
Outros -13%
25
1313
50
63
30
55
655
27
55
9
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
76
Analisando–se a relação entre a chefia da família e renda familiar (Gráfico 13), verifica-se
que 55% das mulheres chefes de família têm renda entre 1 e 2 salários mínimos e que 9% delas
têm renda inferior a 1 salário mínimo. Destaca-se a paridade na renda familiar quando a mulher é
chefe de família ou a chefia é do marido ou companheiro.
Tabela 10 Composição familiar
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Composição Familiar Freqüência %
1 a 3 pessoas
4 a 6 pessoas
Acima de 7 pessoas
Total
32
24
7
63
50,8
38,1
11,1
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Quanto à composição familiar (Tabela 10) nota-se que, praticamente, a metade das
famílias (49,2%) é composta por mais de 4 pessoas, superando em parte o que registra o IBGE
em relação à composição familiar (Vide Capítulo 2).
Gráfico 14 Composição familiar/Renda Familiar
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não sabe -8%
Mais de 8 SM
-3%
6 a 8 SM-2%
3 a 5 SM-27%
1 a 2 SM -54%
Menor 1 SM
-6%
% 80
60
40
20
0
Composição familiar
1 a 3 - 51%
4 a 6 - 38%
Acima de 7 -11%
14
71
14 13
4
17
63
4
25
56
9
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
77
Se considerarmos a renda familiar em relação à composição familiar95 (Gráfico 14),
observamos que, das famílias com 1 a 3 pessoas, 56% vive com 1 a 2 salários mínimos e 25%
vive com renda de 3 a 5 salários mínimos. Nas famílias com 4 a 6 pessoas, 63% vive com renda
de 1 a 2 salários mínimos e das famílias com mais de sete pessoas 14% também vivem com essa
renda. Não é desprezível o percentual (9%) de famílias que vivem com menos de 1 salário mínimo.
Dados do estudo do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), (Jornal O Globo:
Janeiro de 2004) sobre a pobreza e a indigência no Estado do Rio de Janeiro, aponta que houve
aumento de 14% na indigência na Região Metropolitana96 do estado entre 1991 e 2000. Esse
estudo considera pobre quando a renda per capita, em 2000, estava abaixo de R$75,50 e
indigente quando a renda per capita era menos de R$37,50. Tomando como referência esse
estudo, poderíamos dizer que, das famílias das mulheres estudadas, a maioria encontra-se em
situação de pobreza pois a renda per capita fica entorno de ¼ a ½ do salário mínimo. As famílias
que vivem com menos de 1 salário mínimo (6%) se aproximam da situação de miserabilidade.
Gráfico 15 Filhos dependentes
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Acima de 31 a 20
% 70
60
50
40
30
20
10
06
59
35
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Embora 35% das mulheres não tenham filhos dependentes, é importante destacar que 65%
delas têm filhos dependentes (Gráfico 15), sejam estes menores de idade, deficientes ou mesmo
adultos que estão dependentes, possivelmente em função de desemprego.
95 Número de pessoas morando no mesmo domicílio 96 Conforme os dados levantados, a maioria das mulheres estudadas reside nessas regiões (Vide Gráfico 4 e Tabela 7).
78
Analisando as condições de moradia, 65,1% das mulheres informam que residem em
domicílio próprio, porém é necessário salientar que as condições das habitações, em geral, são
muito precárias e, o critério de propriedade, também não fica claro. Outro dado significativo é o
número de domicílios cedidos (17%) que é maior do que os domicílios alugados (13,%),
significando que uma parte das mulheres e suas famílias dependem de terceiros para ter um lugar
para morar.
Gráfico 16 Composição Familiar/Nº de Cômodos
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Acima de 5 - 2%3 a 4 - 46%1 a 2 - 52%
% 70
60
50
40
30
20
10
0
Composiçao familiar
1 a 3 - 51%
4 a 6 - 38%
Acima de 7 -11%
14
57
29
5050
41
59
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
A maioria das mulheres (82,5%) afirma que mora em casa. Das residências, 52,4% têm até
dois cômodos (quarto e sala) e 46% têm três a quatro cômodos, considerados por elas, muito
pequenos. Se relacionarmos o número de cômodos à quantidade de pessoas que convivem sob o
mesmo teto (Gráfico 16), destacamos que 50% das famílias com 4 a 6 pessoas e 29% das com 7
pessoas vivem em casas de um a dois cômodos. Podemos dimensionar os limites que se colocam
à privacidade, à individualidade e `a qualidade de vida dessas pessoas.
79
Tabela 11 Condições de infra-estrutura
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Freqüência % Freqüência % Condições de infra-
estrutura Sim Não
Água encanada 56 7 88,9 11,1
Luz elétrica 62 1 98,4 1,6
Esgoto sanitário 54 9 85,7 14,3
Coleta de lixo regular 58 5 92,1 7,9
Acesso fácil à condução 54 9 85,7 14,3
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Em relação à infra-estrutura (Tabela 11) apresenta-se um quadro satisfatório visto que
80,0% das residências têm água encanada e esgoto sanitário e 98,4% possuem luz elétrica.
Quanto à coleta de lixo, 92,1% referem ter esse serviço regular. Em termos de acesso à condução,
mais de 80% das mulheres consideram que têm facilidade de transporte, no sentido de ter
condução próxima à residência, sem referência a outras dificuldades como demora, pouco
transporte, etc. Todos esses dados positivos, relativos à infra-estrutura, não são de estranhar, pois
como já foi visto, a maioria das mulheres mora na Região Metropolitana do estado do Rio de
Janeiro.
As condições sócio-econômicas das mulheres estudadas confirmam alguns dos nossos
pressupostos de estudo. Os dados, em seu conjunto, apontam que são mulheres pobres e que
enfrentam dificuldades para garantir sua sobrevivência e a de sua família. Suas condições de
trabalho e renda comprometem a satisfação de necessidades básicas e limitam o acesso aos
cuidados com a saúde. Podemos, assim, dizer, que as condições de vida dessas mulheres
espelham o “baixo nível sócio econômico”, apontado como fator de risco para o câncer do colo do
útero. Sua estrutura de vida demonstra os precários níveis de qualidade de vida a que estão
expostas grandes parcelas da população brasileira, o que reflete o quadro de desigualdade social
e seu impacto no cotidiano de vida das classes subalternas. As condições sociais e econômicas
dessas mulheres nos projetam a pensar que um grande contingente da população feminina, com
os mesmos padrões de qualidade de vida, esteja sujeito ao câncer do colo do útero e ao
diagnóstico tardio da doença, o que precisa ser discutido na perspectiva da prevenção da doença,
pois envolve a questão da promoção da saúde.
80
3.2.2. Fatores de risco para o câncer do colo do út ero na vida dessas mulheres
Dentre os fatores de risco para o câncer do colo do útero, alguns se referem ao estilo de
vida e têm relação com o comportamento sexual, tais como o início precoce da atividade sexual,
a multiplicidade de parceiros, história de infecções sexualmente transmitidas (da mulher e de seu
parceiro) e um número elevado de partos. Podemos dizer que esses fatores relacionam-se entre
si, pois o início da atividade sexual precoce pode oportunizar um maior número de parceiros, o que
também pode estar associado a maior possibilidade de infecção por HPV.
A persistência da infecção pelo Papiloma Vírus Humano (HPV) tem sido considerada como
o fator principal97 para ocorrência da neoplasia maligna do colo do útero. Entretanto, embora ela
seja necessária, não é suficiente para a evolução da doença, ou seja, outros fatores relacionados
aos hábitos de vida, como o tabagismo e o uso de contraceptivos98, também se associam como
co-fatores para o risco de desenvolvimento do câncer do colo do útero. Além desses fatores, a
alimentação pobre em nutrientes, principalmente vitamina C, beta caroteno e folato também são
relacionados ao risco de desenvolvimento da doença (Protén et al, 1995 apud Brasil 2000a).
Pela importância que a literatura confere a esses fatores, buscamos identificá-los no
conjunto das mulheres estudadas.
Gráfico 17 Faixa etária/Início da atividade sexual
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
mais de 21 anos - 8%
De18 a 20 anos - 40%
De 15 a 17 anos -35%
Menor 15 anos - 17%
%
60
50
40
30
20
10
0
Faixa etária
20 a 29 anos - 3%
30 a 39 anos - 8%
40 a 49 anos -44 %
Acima de 50 - 44%
11
54
14
21
7
32
54
7
20
4040
5050
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
97 Desde 1992 a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que a persistência da infecção pelo HPV, em altas cargas virais, representa o principal fator de risco para desenvolvimento do câncer do colo do útero (Brasil: 2000) 98 O uso de contraceptivos, como fator de risco para o câncer do colo do útero, ainda é relativizado. O que se tem presente é que os contraceptivos orais são usados por mulheres sexualmente ativas e que estariam mais expostas ao risco de infecção por HPV, pois utilizariam menos métodos de barreira. (Brasil:2000)
81
Em relação à idade do primeiro intercurso sexual, mais da metade (52%) das mulheres
iniciaram sua atividade sexual com menos de dezessete anos (Gráfico 17), o que pode ser
considerado precoce99, destacando-se que 17% iniciaram antes dos 15 anos. Somente no grupo
de mulheres com mais de 50 anos predominou a idade acima dos 18 anos (65%). Assim, no grupo
estudado, o início da atividade sexual apresentou-se como um aspecto significativo na relação
com o câncer do colo do útero.
Gráfico 18 Faixa etária/Nº de parceiros
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Acima de 10 -5%
7 a 10 - 5%
4 a 6 - 22%
1 a 3 - 68%
120
100
80
60
40
20
0
Faixa etária
20 a 29 anos - 3 %
30 a 39 anos - 8 %
40 a 49 anos - 44%
Acima de 50 - 44%7
14
75
25
68
2020
60
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Quanto ao número de parceiros (Gráfico 18), destaca-se que entre as mulheres de 20 a 29
anos 100% tiveram de 4 a 6 parceiros, o que pode ser considerado um número elevado,
especialmente, face à idade. Por outro lado, evidenciou-se que a maioria das mulheres, nas faixas
de idade acima de 30 anos, tiveram de 1 a 3 parceiros sexuais ao longo da vida. Destaca-se ainda
o grupo de 20% das mulheres entre 30 e 39 anos que declarou ter entre 7 e 10 parceiros e um
menor número de mulheres com mais de 40 anos que refere ter tido mais de 7 parceiros. Nestes 3
grupos, poderíamos dizer que a multiplicidade de parceiros está presente, ainda que em
percentual reduzido das mulheres. Não se confirmando um número elevado de parceiros como
um fator predominante nesse grupo.
99 Considera-se atividade sexual precoce antes dos 17 anos A atividade sexual é considerada precoce antes dos 18 anos http://.inca.org.br/câncer/utero - outubro/2003. Mulheres que se tornaram sexualmente ativas anteriormente aos 17-18 anos apresentam um risco relativo 2 a 3 vezes maior de desenvolvimento do câncer do colo do útero quando comparadas às mulheres com início da atividade sexual mais tarde (Brasil: 2002a). O início da atividade sexual precoce vem preocupando especialistas, pois as adolescentes com vida sexual ativa enfrentam uma série de riscos, dentre os quais: a exposição à doenças sexualmente transmissíveis, gravidez de risco, muitas vezes indesejada, levando a abortos clandestinos, pondo em risco a saúde e a vida. Embora a fecundidade total no país esteja diminuindo, para as mulheres de 15 a 19 anos a taxa aumentou em 26%, de 1970 a 1991. (Censos demográficos IBGE - FNUAP – Brasil ) Nessa faixa de idade, em todas as regiões do país, os principais motivo de internações são por gravidez, parto e pós parto (MS – SHI/SUS, 1996). No caso das adolescentes entre 10 e 14 anos, não se dispõe de dados sobre a incidência da gravidez, mas o parto representa a 1ª causa de internação de meninas nessa faixa etária, no sistema público de saúde. Dados do SUS mostram que entre 1993 e 1997, houve um aumento de 20% no total de partos em mulheres entre 10 e 14 anos. .http://www.redesaude.org.br/dossiê/html/ad/conteúdo..html fevereiro/2004
82
Não podemos desconsiderar que a identificação do numero de parceiros é uma questão
delicada, o que poderia mascarar as respostas, embora esse mesmo dado conste na anamnese
médica do prontuário. Por outro lado, temos de considerar a múltipla parceria do elemento
masculino, culturalmente mais “tolerada”. Nesse sentido, é necessário destacar o papel do homem
na transmissão do HPV, o que não tem sido abordado com a ênfase necessária pelos serviços de
saúde. Assim, as ações ficam na esfera da Ginecologia, centradas nas mulheres, não se
enfrentando, abertamente, o papel do homem e a importância da sua conscientização para a
prevenção das doenças sexualmente transmitidas (DSTs) e, no caso, do câncer do colo do útero.
Gráfico 19 Nº de partos
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Mais de 3Menos de 3
%
60
50
40
30
20
10
0
54
46
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Em relação ao número de partos100 (Gráfico 19), os dados levantados apontam que 54%
das mulheres tiveram mais de três filhos e 46,% tiveram menos de 3 filhos. Assim, podemos dizer
que para a metade das mulheres o número de partos aparece como um dado significativo,
podendo ter relação com o desenvolvimento da doença.
100 Não foi possível encontrar uma referência sobre o que se considera multiparidade em relação ao risco de câncer do colo do útero, apenas que o risco aumenta com o número de partos. Em termos obstétricos, multípara é a mulher que teve mais de um parto.
83
Gráfico 20 Tabagismo
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Nunca fumouEx-fumanteFumante
%
50
40
30
20
10
0
43
2929
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
No que diz respeito ao tabagismo (Gráfico 20), o percentual não foi muito significativo, pois
somente 29% das mulheres são fumantes. Entretanto, 28% são ex-fumantes. Somando as
fumantes às ex-fumantes, o percentual sobe para 57%. Em relação ao tempo de fumo 61% destas
fuma ou fumou por mais de 20 anos, o que podemos considerar um tempo muito longo. É
interessante destacar que, entre as ex-fumantes, 44,4% pararam de fumar recentemente (até dois
anos), talvez por já se sentirem doentes pelo aparecimento de algum sintoma. As demais deixaram
de fumar há mais de 10 anos. Assim, para metade das mulheres estudadas o tabagismo aparece
como um dado importante na relação com a situação de doença.
Gráfico 21 Uso de contraceptivo oral/Nº de parceiros
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não 14%Sim -86%
% 120
100
80
60
40
20
0
Nº de parceiros
1 a 3 - 68%
4 a 6 - 22%
7 a 10 - 5%
Acima de 10 - 5%
100
33
67
7
93
16
84
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
84
O uso de contraceptivo oral101 (Gráfico 21) foi bastante expressivo, pois a maioria das
mulheres (86%) declarou ter usado. O tempo de uso variou: um grupo (31,1%) usou até dois anos
(pouco tempo) e outro grupo (47,1%), quase a metade destas mulheres, usou durante 10 anos ou
mais, o que podemos considerar um tempo muito relevante.
No grupo estudado, o uso do anticoncepcional está presente independente do número de
parceiros declarado. Chama a atenção que um grupo de mulheres, que tiveram entre 7 a 10
parceiros, relatam não terem usado contraceptivo. É importante destacar que, quando se analisa a
associação do contraceptivo oral 102 com o câncer do colo do útero (Brasil:2000).
O que se pode concluir da análise dos fatores de risco para o câncer do colo do útero na
vida das mulheres estudadas, a partir de seus depoimentos, é que esses fatores não estão
presentes na totalidade dos casos havendo, portanto, a necessidade de relativizá-los,
considerando outros aspectos da vida das mulheres.
A evidência de história de câncer (qualquer tipo de câncer) na família foi apontada por 46%
das mulheres, mas em relação a casos de câncer do colo do útero somente 14,3% referem ter
conhecimento de casos na família. Se juntarmos o grupo de mulheres que desconhecem esses
casos na família (12,7%), como possibilidade, ainda assim não se registra um número significativo,
não se evidenciando casos pregressos nas famílias103.
3.2.3. A prevenção e o diagnóstico do câncer do col o do útero na vida dessas mulheres
O pressuposto deste estudo, é que as condições sociais, econômicas e culturais das
mulheres têm relação com o adoecimento por câncer do colo do útero e o diagnóstico tardio da
doença. Avaliando o nível sócio-econômico das mulheres, verificamos que elas pertencem ao
segmento da classe trabalhadora que é social e economicamente desfavorecido. Suas condições
de vida constituem dificuldades concretas para assumirem maior controle sobre sua saúde. Mas,
além disso, precisávamos apreender como essas mulheres compreendem seu processo de
doença e identificar os determinantes, que elas mesmas colocam, para não terem acessado à
prevenção do câncer do colo do útero – ou seja, como a questão do preventivo se incorporou em
suas vidas – e, dessa forma, entender a trajetória dessas mulheres até chegarem ao diagnóstico -
101 Ao abordarmos essa questão não houve referência à utilização de qualquer método de barreira, nem durante todo o processo de entrevista. 102 O uso de contraceptivos, como fator de risco para o câncer do colo do útero, ainda é relativizado. O que se tem presente é que os contraceptivos orais são usados por mulheres sexualmente ativas e que estariam mais expostas ao risco de infecção por HPV, pois utilizariam menos métodos de barreira. ( Brasil: 2000) 103 Para o câncer do colo do útero, a história de doença na família não é apontada como um fator de risco, como aparece, por exemplo, em relação ao câncer de mama.
85
tardio - da doença. Assim, levantamos algumas variáveis para melhor compreensão desse
processo.
a - Conceito de Saúde
Uma questão fundamental, para que pudéssemos entender esse processo, era identificar
qual a concepção que essas mulheres têm sobre saúde, entendendo que a maneira como
compreendem saúde poderia estar relacionada à busca ou não do preventivo para o câncer do
colo do útero.
Gráfico 22 Conceito de saúde
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Condição p/ trabalho
Prevenção de doença
Condições de vida
Ausência de sintomas
%
40
30
20
10
0
19
13
37
32
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Todas as mulheres expressaram que a saúde representa um valor fundamental e
apresentam concepções diferenciadas sobre saúde (Gráfico 22). Para 32% delas, saúde significa
ausência de sintomas – não estar doente104. Poderíamos dizer que esse grupo apresenta uma
compreensão limitada de saúde cujo foco central é a doença, possivelmente, em decorrência da
concepção “curativa” da assistência que tem sido predominante em nosso sistema de saúde. Uma
concepção que é característica de uma grande parcela da população, mas que se fundamenta
numa lógica de pensar a saúde que foi constituída no país, principalmente a partir da década de
60, que privilegiava, e ainda privilegia, o enfoque curativo – isto é, saúde como tratamento de
doenças - em detrimento das ações de promoção e prevenção da saúde.
104 Para esse grupo, o conceito de saúde é associado ao momento vivido agora com o câncer do colo do útero e toda a sua sintomatologia .
86
Outro grupo (37%) se refere à saúde de uma forma mais ampla, dando um significado que
se aproxima à idéia de saúde como resultado de condições de vida, como está assegurado na
Constituição de 1988105 e na Lei Orgânica da Saúde106. A alimentação, o trabalho, o lazer, uma
vida digna são indicados como componentes da saúde, o que representa que as mulheres estão
se referindo à saúde como qualidade de vida.
Um grupo de 19% situa a saúde diretamente relacionada à condição e/ou disposição para o
trabalho. De alguma forma, esse grupo se aproxima da conceituação apontada anteriormente, mas
o ponto central de seus depoimentos, é a questão de ter saúde para poder trabalhar. Isso pode
estar relacionado à necessidade que elas têm de garantir a sua subsistência e da família. Portanto,
o quadro de doença vivenciado vem como impedimento à possibilidade de trabalhar, o que tem
impacto nas suas condições de vida e da sua família.
É importante destacar que somente 13% das mulheres se referem à saúde como
prevenção de doenças, o que nos parece ter relação com o fato de não terem feito preventivo –
uma compreensão tardia. A perspectiva constitucional107 para a saúde prioriza as ações de
promoção e prevenção, sem negligenciar a assistência. Entretanto, no grupo estudado, embora
37% expressem uma concepção mais ampliada de saúde, apontando determinantes da saúde, a
idéia da prevenção não está presente, o que expressa uma contradição.
Os depoimentos abaixo mostram as concepções de saúde de acordo com as
diferenciações apresentadas:
- saúde como ausência de doença
“Saúde é quando a gente não sente nada no corpo, não fica doente. Aí a gente tem saúde.”(40 anos)
“Que tudo fica normal, que não dá dor nenhuma, as coisas assim que eu acho, por isso é que eu não, como se diz, fazer preventivo, essa coisa toda. Porque eu falava assim pra mim: quando eu tiver algum problema eu vou procurar o médico(...).” (52 anos)
“Saúde? Não sei lhe responder. Acho que é a gente não senti nada, não ter dor, acho que é isso.” (53 anos)
“Saúde é não sentir as coisas que eu venho sentindo. Eu vinha sentindo dor nas pernas, muita dor nas costas, tonteira, muito sangramento. Quer dizer isso já não é saúde. Com saúde nós não temos que sentir nada, nenhum desses sintomas.” (57 anos)
“Saúde é a gente está bem, não está sentindo nada, não é isso que é saúde? (...). Eu nunca tive doença nenhuma, agora é que eu tive doença do coração e esse tipo de enfermidade (...) eu tinha saúde.” (62 ano)
- saúde como resultado de condições de vida
“Saúde pra mim é poder comer, beber, correr, viver tranqüila, trabalhar, conseguir as coisas da gente com o próprio trabalho.” (46 anos)
105 Constituição Federal, Título VIII Da Ordem Social; Cap II Da Seguridade Social; Seção II Da Saúde – artigos 196 a 200. 106 Lei 8080/90 – Artigos 2º e 3º (Vide Capítulo 1) 107 Vide notas 105/106
87
“Saúde é a gente se alimentar bem, ter uma vida sossegada, sem confusão, sem atributos, pelo menos eu penso assim (...).Porque eu acho que pra se ter saúde é preciso ter paz em primeiro lugar, trabalhar normalmente e levar uma vida decente.” (42 anos)
“Saúde pra mim é ter uma vida saudável, boa alimentação, condições boas de vida, eu acho assim”.(37 anos)
- saúde como disposição, condição para trabalhar
“Saúde é a gente está viva, com saúde, podendo trabalhar, que eu não estou conseguindo mais, vendendo as minhas balinhas”(53 anos)
“Saúde é a pessoa se sentir bem, disposta pra fazer as coisas, ter disposição para trabalhar (...) pra tudo, é isso”. (53 anos)
“Saúde é o essencial, eu estou me sentindo arrasada, eu falei outro dia que estou me sentindo um nada, porque eu estou dependendo dos outros, quer dizer que eu não tenho mais saúde. Agora tem coisas que eu fazia que eu não posso fazer mais. Eu ajudava muito o meu marido na oficina, lixava carro, lavava motor,ganhava alguma coisa, agora não posso mais (...)” (43 anos)
“Saúde é a gente ficar boa, a gente poder levantar e fazer as coisas, que eu não gosto de ficar parada, se eu pudesse eu trabalhava direto pra ter o meu trocadinho (...).” (48 anos)
- saúde como prevenção de doença
“ Saúde pra mim é não fumar como eu fumava, é não fazer o que eu fazia, que gostava muito de seresta. É não beber cerveja conforme eu gostava, perdia muita noite. Principalmente o cigarro, eu sabia que não fazia bem pra ninguém, mas eu não tinha vontade de parar. Eu nunca liguei pra médico, eu nunca fui a médico, nunca me cuidei.”
“Saúde é tudo, sem saúde a gente não é nada. A gente tem que se cuidar, se tratar, fazer prevenção.
“ Saúde pra mim é uma coisa que Deus botou na nossa vida.(...) E a gente tem que cuidar, se prevenir de
certas doenças.”
Gráfico 23 Conceito de saúde/Escolaridade
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Condição/trabalho19%
Prevenção/doença 13%
Condições de vida37%
Ausência/sintoma32%
%
60
50
40
30
20
10
0
Escolaridade
Sem instrução -6%
1 a 4 anos -54%
5 a 8 anos -33%
9 a 11 anos-6%
25
50
25
14
24
33
29
21
9
3535
25
50
25
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
88
Relacionando o conceito de saúde e nível de escolaridade (Gráfico 23), observamos que
não há grande diferenciação na compreensão de saúde entre as mulheres estudadas.
Considerando os dois extremos de escolaridade encontrados – sem instrução e 9 a 11 anos de
estudo - destacam–se os percentuais praticamente iguais entre “saúde como ausência de
sintomas” (25%), “saúde como resultado de condições de vida” (50%) e “saúde como condições
para o trabalho” (25%). “Saúde como prevenção de doença”, em percentual irrisório, só aparece
entre os grupos intermediários: 1 a 4 anos de estudo (9%) e 5 a 8 anos (24%).
b – A prevenção na vida das mulheres estudadas
O fato das mulheres estudadas estarem com câncer do colo do útero e avançado, significa
que elas, por diversas razões, enfrentaram dificuldades para fazer ou não fizeram o exame
preventivo. Assim, uma das questões a esclarecer é se essas mulheres tiveram acesso à
informação sobre o exame. A pergunta sobre quando ouviram falar pela primeira vez do exame
preventivo, objetivou ter uma idéia do conhecimento do exame e a relação com sua realização.
Tentamos dimensionar uma idéia de quando108 ouviram falar pela primeira vez sobre o
exame, sabendo que corríamos o risco de imprecisão nas respostas, pois uma noção de tempo
pode ser muito diferenciada de pessoa pra pessoa e, ao mesmo tempo, pode ser muito
comprometida pela necessidade de recordar, pela dificuldade da lembrança. Mesmo assim,
entendemos que era necessária uma aproximação a “esse quando” elas tiveram acesso à
informação sobre a existência do exame Papanicolau.
Gráfico 24 Quando ouviu falar sobre preventivo
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Há mais de 10 anos
Há menos de 10 anos
Não lembra
%
70
60
50
40
30
20
10
0
62
29
10
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
108 Adotamos um critério para situar o período de tempo que ouviram falar. Dividimos em 2 grupos: das que ouviram falar a mais de 10 anos e das que ouviram falar há menos de 10 anos. Esse critério foi adotado em função dos depoimentos das mulheres que sugere mais ou menos esses períodos.
89
Todas as mulheres referiram ter ouvido falar do exame em algum momento em suas vidas
(Gráfico 24). É expressivo (62%) o número de mulheres que ouviu falar há mais de 10 anos. Outro
grupo (29%) refere que ouviu falar há menos de dez anos. Enquanto algumas mulheres ouviram
falar pela primeira vez quando eram jovens, outras expressam ter ouvido falar mais recentemente,
afirmando ter visto na televisão, ouvido em programa de rádio, provavelmente sinalizando
campanhas recentes. Somente 10% delas não se lembram, não dimensionando qualquer idéia de
tempo. Nos depoimentos que se seguem podemos notar a distinção de tempo que é feita pelas
mulheres, mas em todas se reafirma o “conhecimento” da existência do exame.
“Não lembro não , mas eu ouvia sim, mas não dava importância nenhuma, porque trabalho, essas coisas, sei lá, é maluquice também. Tem muito tempo que eu vejo falar disso. O pessoal até aterroriza a gente ” (52 anos).
“Há muito tempo, (...) eu já ouvi falar, quando eu era jovem, só que eu não tive muito acesso. Primeiro porque eu vim pra cá com 18 anos. Lá na roça a gente não ouvia falar mesmo. Depois cheguei aqui mas não dava importância. Depois com a campanha que teve (...) é que aprendi mais. Nos últimos anos é que comecei a me ligar mais no tratamento do câncer, na prevenção ” (52 anos).
“Já venho ouvindo falar há muito tempo. Desde quando eu era jovem que eu venho ouvindo falar sobre essa enfermidade do câncer e sobre o preventivo, sempre ouvi falar ” (44 anos).
“Já tem um bom tempo porque eu fiz antes da minha primeira gestação que foi em 1984 ” (37 anos).
“Já ouvi falar, mas não lembro . Acho que foi quando a Ana Maria Braga começou com o problema dela. Acho que foi nessa época aí ” (41 anos).
“Eu vejo falar na televisão, mas não sei direito quando não. Agora é que eu sei dessas coisas, que dá doença ” (52 anos).
“Tem um tempo, pelo que eu me lembro deve ter uns cinco ou seis anos que eu ouvi na televisão ” (50 anos).
O quadro de doença dessas mulheres nos leva a indagar sobre a compreensão que elas
construíram sobre o exame preventivo. Qual é o seu nível de informação? Até que ponto a
informação que receberam se transformou em conhecimento efetivo? Ao que parece, esse
“conhecimento” não foi suficiente para que essas mulheres apreendessem a necessidade do
exame preventivo e o realizassem com regularidade, como veremos mais adiante. Quer dizer, algo
mais acontece na determinação da não adesão das mulheres à prevenção109.
109 Conforme já assinalado no primeiro capítulo, reafirmamos aqui que a idéia de prevenção não se resume ao preventivo para câncer do colo do útero, mas engloba outros tipos de câncer e demais doenças, cujos conhecimentos científicos já garantem formas de prevenção.
90
Gráfico 25 Faixa etária/Idade do 1º Preventivo
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Nunca fez exame - 6%
Mais de 50 anos-10%
40 a 49 anos - 21%
30 a 39 anos -10%
20 a 29 anos - 27%
Menor 20 anos -13%
Não lembra -14%
%
120
100
80
60
40
20
0
Faixa etária
20 a 29 anos -3%
30 a 39 anos - 8%
40 a 49 anos - 44%
Acima de 50 - 44%11
18
29
1421
1818
36
1111
60
40
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Em relação à idade que elas realizaram o exame preventivo pela primeira vez (Gráfico 25),
observa-se que a totalidade das mulheres das faixas de idade até 40 anos acusa ter realizado o
seu primeiro exame antes dos 29 anos, acompanhado de um percentual (75%) de mulheres da
faixa de 40 a 49 anos que também refere ter feito exame nesse período. Esse dado corresponde
ao apontado na literatura, que registra que as mulheres realizam mais exames quando são mais
jovens. Nesse período, as mulheres demandam mais assistência ginecológica, provavelmente, em
função de pré-natal, necessidade de contracepção, cuidado com filhos pequenos, como deixam
claro nos depoimentos abaixo.
“Eu fiz agora há pouco tempo. Acho que quando ganhei neném também fez. Quando tive a menina, a última, eu acho que fiz mas não tenho certeza.” ( 52 anos)
“Lembro, foi quando eu engravidei da minha filha, eu tinha uns 16 anos”. (26 anos)
“Eu tive a minha primeira relação, no mesmo ano tive a minha filha. Tive ela com 20 anos e depois que ela nasceu, uns dois anos depois foi que eu fiz preventivo”. (49 anos).
“Eu fiz uma vez quando estava grávida da minha filha, da mais nova. O médico não falou nada não. Eu fiz o pré-natal, depois eu fiz a ligadura.” (57 anos)
“Nesse ponto aí eu sou bastante relaxada porque eu fui fazer exame preventivo depois que eu tive o meu filho, desse meu filho mais novo que tem 19 anos. Passou uns bons anos, depois eu não fiz mais. Tem uns 15 anos mais ou menos, porque o meu filho já estava grandinho .” (40 anos)
Entretanto, destaca-se um percentual significativo de mulheres das faixas de idade acima
dos 50 anos que só veio a fazer seu primeiro exame preventivo a partir dos 40, 50 anos, portanto,
tardiamente. Isso pode significar a busca orientada por Campanhas dirigidas à faixa etária dos 35
91
a 49 anos - como a de maior risco para câncer do colo do útero -, ou uma busca pelo exame
devido a sintomas como aparece nos depoimentos a seguir.
“Foi quando eu fui pro Hospital da Gamboa, em 1986, eu já tinha uns 40 e poucos anos “ (62anos)
“O primeiro mesmo foi no ano passado, porque a minha médica da endocrinologia nunca pediu, Eu não ia à ginecologista. Fui ao ginecologista quando eu fiz histerectomia, tirei tudo, há 12 anos e eles deixaram o colo. Aí fiquei, 11, 12 anos, sem ter nada, sem fazer nada.(...)” (65 anos)
“Eu já tinha mais de 40 anos, aí eu fiz um monte, muito mesmo. Tem 4 anos que eu apareci com uma ferida no útero. Aí eu comecei de novo a ir no ginecologista(....).” (57 anos)
“Eu só vim fazer agora. Também eu não sabia, só vim descobrir que estava doente há pouco tempo.”(51 anos )
“Eu só fiz a primeira vez quando começou a sangrar, só agora é que eu vim fazer” (65 anos).
Gráfico 26 Nº de Exames realizados
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Nunca fez
Mais de 10 vezes
5 a 10 vezes
3 a 4 vezes
1 a 2 vezes
Não lembra
% 40
30
20
10
0
6
1614
21
32
11
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Com relação à freqüência110 de realização de exames preventivos (Gráfico 26), a maioria
das mulheres realizou exames ao longo da vida: 32% refere ter feito exame de 1 a 2 vezes (dentro
desse grupo vamos ter algumas que só fizeram agora, a partir de sintomas); 21% fez exames 3 a
4 vezes, ainda uma quantidade de exames muito pequena, considerando a faixa etária
predominante (mulheres acima dos 40 anos); 14% fez exames entre 5 e 10 vezes e somente 16%
das mulheres acusam ter feito mais de 10 exames. Desse grupo algumas referem que faziam
exame regularmente. Mais a frente, se verá como essas mulheres se sentem por estarem doentes
110Aqui também pode estar presente uma certa imprecisão em relação à quantidade de exames realizados, mas ainda assim foi importante colher das mulheres essa informação.
92
apesar da realização regular do exame. Um pequeno número (6,%) informa nunca ter feito
exame111, sendo a doença diagnosticada através de biópsia.
Gráfico 27 Faixa etária/Nº de Exames realizados
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Nunca fez - 6%
+ de 10 vezes -16%
5 a 10 vezes -14%
3 a 4 vezes - 21%
1 a 2 vezes -32%
Não lembra - 11%
%
60
50
40
30
20
10
0
Faixa etária
20 a 29 anos -3%
30 a 39 anos - 8%
40 a 49 anos - 44%
Acima de 50 - 44%
1111
1818
32
11
4
18
11
21
36
11
40
202020
5050
Fonte:CARVALHO, C.S.U.Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Na correlação entre idade e número de exames realizados (Gráfico 27), 50% das mulheres
de 20 a 29 anos realizaram entre 5 a 10 - e mesmo assim estão com a doença avançada. Por
outro lado, 60% das mulheres acima com 30 a 39 anos realizaram menos exames. As mulheres
que estão nas faixas etárias acima dos 40 anos concentram-se mais nos grupos das que fizeram
poucos exames. Neste grupo destacam-se, também, as que nunca fizeram exame e aquelas que
não se lembram quantos exames fizeram.
111 De acordo com ginecologistas do HCII, possivelmente, essas mulheres não conseguiram realizar exame preventivo agora, em função de sangramento. Devido à visão macroscópica da lesão, é possível que não houvesse mais necessidade desse exame, sendo realizada a biópsia que diagnosticou a doença.
93
Gráfico 28 Escolaridade/Nº de Exames realizados
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Nunca fez - 6%
+ de 10 vezes -16%
5 a 10 vezes -14%
3 a 4 vezes - 21%
1 a 2 vezes -32%
Não lembra -11%
% 60
50
40
30
20
10
0
Escolaridade
Sem instrução - 6%
1 a 4 anos - 54%
5 a 8 anos - 33%
9 a 11 anos - 6%
25
50
25
5
19
14
1919
24
6
1212
26
38
6
2525
50
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Analisando a relação número de exames/escolaridade (Gráfico 28), observamos que as
mulheres de melhor nível de escolaridade realizaram mais exames. Entre as mulheres que não
têm instrução a maioria (50%) nunca fez exame, ou fez apenas 1 ou 2 vezes (25%). Isso aponta
que, apesar da baixa escolaridade encontrada percebe-se que a questão educacional tem
influência na compreensão da importância do exame e na sua realização mais efetiva.
A título de complementação do estudo pesquisamos junto ao SITEC112 o número de
exames realizados por essas mulheres. Nos surpreendemos porque somente 18113 (28%) das 63
mulheres estudadas têm registro de exames (citopatologia ou colposcopia) entre 1997 e 2003 (a
maioria deles realizados em 2002 e 2003, o que pode já ter relação com sintomas da doença). O
que se pode deduzir dessa questão, é que algumas mulheres, que referem ter feito exames nesse
período (que já seria em vigência do “Viva Mulher”), podem não ter feito na rede pública (postos de
saúde), mas em clínicas populares, clínicas conveniadas, serviços filantrópicos ou mesmo médico
particular, como algumas relatam.
Podemos perceber que a informação sobre o exame114 e mesmo a sua realização
alguma(s) vez(s) nem sempre significou a compreensão da importância do exame e a
possibilidade de sua realização com a regularidade necessária. Essas mulheres relatam que se 112 Para conseguirmos levantar esses dados registramos no sistema do SITEC o nome da usuária e o nome da mãe. Foi um trabalho difícil identificar as mulheres pois há muitas falhas no preenchimento da requisição do exame citopatológico, conforme esclarecimento dos técnicos do SITEC. Pretendíamos pesquisar junto ao SITEC períodos anteriores a 1997 para ver se encontrávamos exames das mulheres estudadas, mas essa pesquisa demandaria um tempo do qual não dispúnhamos 113 Vide Gráfico 29 onde se observa um número significativo de mulheres que refere ter feito exames nos últimos 5 anos. 114 Não fica claro nos depoimentos as fontes de informação das mulheres sobre o exame preventivo.
94
submeteram ao exame preventivo, mas o fizeram de forma irregular115. A ida ao ginecologista
parece ter ocorrido de forma eventual, por algum “problema”, o que levou a predominância de
exames esporádicos ou fez com que algumas mulheres se submetessem ao exame pela 1ª vez, já
com idade avançada. Isso se confirmará mais adiante quando verificarmos que houve um grande
hiato de tempo entre o período que elas realizavam exame e o exame atual que diagnosticou a
doença.
De toda forma, os dados relativos à quantidade de exames realizados são corroborados
com o que é apontado na literatura. Pesquisas116 registram que a maioria das mulheres já fez
algum preventivo em suas vidas. Isso significa que uma série de questões relacionadas às
próprias mulheres e/ou aos serviços de saúde acontecem, fazendo com que o preventivo não seja
incorporado como rotina. Algumas mulheres deixam bem claro que faziam exames e pararam de
fazer, demonstrando que os serviços de saúde não foram capazes de fazer com que elas
incorporassem a idéia de prevenção na saúde. Aqui, não podemos deixar de destacar que grande
parte dessas mulheres estava no sistema de saúde, em tratamento de outras doenças, como
veremos adiante.
Nos relatos abaixo, constata-se a diferenciação do quantitativo de exames realizados e,
como elas mesmas assinalam, houve uma certa freqüência aos serviços de saúde, algumas em
postos de saúde, outras em serviços conveniados e mesmo particulares, mas essa freqüência não
aconteceu de forma regular. Mesmo as que fizeram vários exames não demonstram uma rotina
periódica. Esses depoimentos já sinalizam dificuldades enfrentadas nesse processo, tanto em
relação ao acesso quanto em relação à qualidade da atenção.
“Quantas vezes eu não me lembro não. Dependia do lugar que eu morava, que tinha mais facilidade, de posto assim, tinha mais facilidade.” (49 anos)
“Nunca fiz, nem agora eu fiz.” (47 anos)
“Esse é meu primeiro exame. Eu só fui ao médico quando eu me operei no Norte, para não ter mais filho.” (40 anos).
“Uma vez só, não falaram nada que eu tinha que fazer tratamento, que eu tinha que procurar um ginecologista, ninguém me falou nada.” (43 anos).
“Duas vezes. Esse que eu fiz antes, eu fiz pra operar, porque eu operei um mioma. Aí foi quando eu tirei o útero e não regulei mais. Depois eu voltei com dois meses e o médico me explicou que eu não ia regular mais, porque eu tinha tirado meu útero. Eu achei que não precisava mais. Quando foi o ano passado, aí começou (...) minha regra a voltar (....).” (45 anos)
“Quantas vezes assim certinho eu não lembro. Teve uma vez que eu fiz um período direto. Sei que eu fiz mais de 5. Depois a gente esquece, (...) a gente vai deixando passar.” (57 anos)
115Quanto à periodicidade do exame, de acordo com o Ministério da Saúde, o intervalo de 3 anos entre as citologias, após dois exames negativos, com periodicidade de 1 ano, numa faixa etária de 25 a 60 anos, seria o ideal para a população brasileira (Brasil: 2002). 116 Ver pag. 11 referência à pesquisa do IBOPE .
95
“Eu devo ter feito uns seis, mais ou menos. Eu demorava a fazer um do outro, não fazia de seis em seis meses como necessário. Quando eu ouvi falar, eu fui e fiz, mas aí não veio o resultado, eu peguei e deixei. Pelo Sus eu nunca consegui o resultado, eu só consegui o resultado desse agora, porque foi particular.” (40 anos)
“Devo ter feito umas oito vezes , não fiz muitos não, relaxei um pouco. Eu ia no médico de vez em quando(...), não gostava muito de médico não. Eu sempre me achei saudável, a verdade é essa.” (53 anos)
“Fazia constantemente, nunca deixei de fazer meus exames, mas não sei quantos, perdi a conta. Minha irmã fala que eu tenho psicose de médico, porque eu ia muito ao médico.” (41 anos)
Tabela 12 Recebimento de resultado de exame
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Recebimento dos exames Freqüência %
Não fazia exame
Desconhece o(s) resultado(s) do exame(s)
Recebeu do único exame
Recebeu algumas vezes
Sempre recebeu
Total
12
9
3
4
35
63
19,0
14,3
4,8
6,3
55,6
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Como agravamento deste quadro destacamos que somente 55,6% das mulheres referem
que recebiam o resultado117 do(s) exame(s) realizado(s) (Tabela12). Algumas mulheres (14,3%)
desconhecem o(s) resultado(s), colocando problemas especialmente relativos aos serviços de
saúde,118 mostrando o que enfrentaram para conseguir os resultados. Um grupo de mulheres
(19,0%) não fazia preventivo.
Dos depoimentos abaixo, podemos perceber como foi esse processo para as mulheres
tanto para aquelas que referem ter conseguido o resultado quanto para as que colocam
impedimentos. Destacam-se as dificuldades relativas aos serviços de saúde que vão ser
reforçadas pelas mulheres quando solicitamos avaliação dos serviços onde procuraram fazer
preventivo, o que será discutido mais à frente.
“Geralmente era assim, lance do SUS. Eu ia, procurava assim um lugar, fazia. Às vezes ali colhiam o preventivo, levava pro laboratório, depois trazia. Eu voltava lá na consulta e davam o resultado. Eles marcavam direitinho e eu voltava lá e pegava, sempre no posto de saúde.” (57 anos)
117 Mesmo no caso daquelas que realizaram apenas 1 vez nos interessava saber se receberam o resultado, porque isso nos ajuda a entender se elas retornaram ao serviço, se houve alguma indicação terapêutica, se foi dado seguimento ou não. 118 As dificuldades relativas aos serviços de saúde citadas são: demora para o resultado chegar ou perda do exame, falta de profissional na data marcada , muita gente pra atender, dentre outras, obrigando retorno várias vezes aos serviços de saúde.
96
“Recebia, eu ia no médico e fazia, lá no posto, mas nunca deu problema. O que deu foi agora no último que eu fiz.” (66anos)
“Recebia, o médico mostrava: não deu nada. Eu pegava o resultado, levava pro médico ele olhava e falava: o mais importante é o câncer do colo do útero, não deu nada. Passava só uma pomada e pronto. Só isso que ele falava. E depois eu voltava por minha conta.” (41 anos)
“Só esse último (...) que a doutora daqui está me pedindo, esse eu não consegui saber. Mas ela falou que agora não precisa mais. Os outros eu conseguia, eu levava lá pras Pioneiras e passava pomada, passava remédio para mim e pra ele tomar. Tinha palestra e tudo...” (43anos)
“Eu pegava e levava pro médico. Eu pegava no SASE. Era marcado o dia pra eu pegar. Logo que eu estava casada a minha cunhada me levou no médico e ele disse que eu estava com uma ferida. Colocou um remédio. Mandou eu voltar. Eu voltei e ele falou que eu estava boa.” (49 anos)
“Recebia, eu tinha facilidade porque eu trabalhava numa empresa que é boa, tem os médicos do convênio, então a gente aproveitava. Eu ia lá, pegava o resultado e já levava pro médico.” (42 anos)
“Recebia, eu mesma ia buscar. A maioria das vezes eu fiz particular.” (43 anos)
“Recebi, eu voltava na consulta, mas teve um tempo que eu não morava aqui. Mas eles nunca mandavam eu fazer nada. Eu nunca usei um creme.” (46 anos)
“Na Gamboa eu recebia, mas eu andei fazendo em Caxias e não cheguei a pegar, deixei pra lá. Eu fui umas duas vezes mas ele não estava, depois deixei pra lá.” (62 anos)
“Esses preventivos eu fiz lá no PAM, eles não deram o resultado não. Toda vez que eu ia procurar o resultado ela falava: não está pronto, não está pronto e nunca me entregava. Eu recebi o resultado de um exame só que tem uns dois anos que eu fiz.” (54 anos)
“O último preventivo que eu fiz, antes desse que deu o problema, no dia de apanhar o resultado o posto fechou e eu nunca soube daquele resultado. E tem uns três anos ou mais que eu não faço preventivo.” (42 anos) “Esse último resultado eu peguei, desse exame que eu fiz também constou que eu não tinha nada, mas eu já
estava com problemas. Os exames anteriores eu nunca ia buscar o resultado. Eu tinha medo de saber o
resultado. Só depois que começou com esses sintomas diferentes é que eu me interessei mais.”(57 anos)
Tabela 13 Encaminhamento para Tratamento
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Encaminhamento para tratamento freqüência %
Não fazia preventivo
Desconhece o(s) resultado(s) do
exame(s)
Houve encaminhamento
Não houve encaminhamento
Total
12
9
5
37
63
19,0
14,3
7,9
58,7
100,0
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Em relação a possíveis encaminhamentos para tratamento (Tabela 13), a partir de
resultado de algum preventivo, é destacado por algumas mulheres (7,9%) que houve indicação de
97
tratamento, especialmente, utilização de medicação (local ou oral), que elas referem ter sido
seguida, dando a idéia de que foram tratadas e que receberam alta. Para 58,7% das mulheres não
houve encaminhamento, o que parece mostrar que não havia uma intercorrência mais séria, o que
não quer dizer que não tenham sido medicadas. Destacam-se os depoimentos abaixo
relacionados aos encaminhamentos.
“O primeiro exame deu uma pequena lesão no colo do útero, que foi queimada. Eu fiz o preventivo com o médico. Aí ele mandou eu fazer uma cauterização com uma outra médica. Até esse exame eu paguei particular. Aí depois desse exame eu levei muitos anos sem fazer preventivo. Ele não mandou eu voltar.” (53 anos)
“Não, de maneira nenhuma, porque sempre dava uma inflamaçãozinha, uma infecção moderada. Deu também uma vez um cisto, tomei remédio pro cisto. Eles mandavam sempre eu usar remédio ou tomar.” “Agora em Janeiro, ele me mandaram sim, eu estive no Miguel Couto, eles me examinaram e pediram para mim ir no posto mais perto da minha casa.” (41 anos)
“Não, sempre era usar uma pomada ginecológica e mais nada. Nem remédio foi indicado. Nunca fiz outra coisa a não ser isso. Nunca mandaram eu fazer nada.” ( 26 anos)
“Só teve uma que apareceu uma coceirinha e passou uma pomada. Os exames nunca acusaram nada (...).” (49 anos)
“Não, eles falavam que estava tudo bem. Você sabe que agora é que as coisas estão mais abertas. De primeiro as coisas eram muito fechadas. Eu fui criada num regime assim que tudo era vergonha, sabe.” (60 anos)
“Não, a única vez foi assim: mandou eu voltar para a doutora para poder ela passar uma pomada pra inflamação, essas pomadas de passar no local, foi só o que eu usei. (...) E depois disso é como eu estou lhe dizendo, sou honesta, safadeza foi minha mesmo(...)Eu usei a pomada e ela deu alta e depois o desmazelo foi meu mesmo.” (42 anos)
“Mandou eu voltar quando a minha filha tivesse 1 ano, pra fazer outro preventivo.” (45 anos)
“O resultado do exame dava bom, naquela época estava bom. Se havia uma inflamaçãozinha, qualquer coisa, passava um remédio e só. Quando mandava voltar, botava na ficha e eu voltava.” (62 anos)
“Eles mandavam eu voltar e eu voltava. Saia às 4 horas da manhã. Só usar remédio, pomada e remédio de boca. Eles mandavam eu voltar pra ver se a inflamação tinha passado. Quando eu fui fazer o segundo preventivo a doutora falou que eu estava grávida, nesse quarto filho (...).” (43 anos)
Analisando os depoimentos, nos parece que o retorno para preventivo ficava muito a
critério das próprias mulheres, a partir da demanda espontânea119, já que não recebiam uma
indicação de retorno por parte dos profissionais, no sentido delas se manterem vinculadas ao
serviço para a prevenção da doença. No conjunto dos depoimentos nenhuma mulher fez
referência a uma orientação quanto à necessidade de um processo sistemático e continuado para
prevenção na saúde e, conseqüentemente, prevenção do câncer do colo do útero.
c - Dificuldades enfrentadas pelas mulheres para re alização do preventivo ginecológico
119 Á demanda espontânea é bem característica do período anterior a 1998. Até aí, ainda não havia um programa de rastreamento sistematizado e estruturado em caráter nacional para a prevenção do câncer do colo do útero, e nem intensividade de campanhas de orientação como temos hoje, com o Programa Viva Mulher. Podemos concluir que o exame era realizado pelas mulheres que iam ao serviço com algum problema ginecológico.
98
Tendo em vista que o câncer do colo do útero, como mostra a literatura, leva em média 10
a 15 anos para desenvolver-se - entre a fase inicial e a fase invasiva - e, se considerarmos a faixa
etária predominante das mulheres estudadas (acima dos 40 anos), vamos perceber que elas
pertencem a uma coorte de mulheres cuja condição de doença está mais influenciada pela
conjuntura social e econômica das décadas de 80 e 90 e pela estruturação dos serviços de saúde
nesse período. Antes da implantação do Viva Mulher (1998)120 não se tinha uma estrutura
sistemática e integrada de rastreamento do câncer do colo do útero. O rastreamento era mais
espontâneo e, dessa forma, atingia poucas mulheres. Muitas delas, até com menor risco, faziam
preventivo muitas vezes, e as de maior risco não faziam ou faziam poucos exames, o que,
possivelmente, ainda é um fato. Nesse período, o tratamento das lesões precursoras também era
muito complicado. Para a colposcopia não havia serviços disponíveis em todo lugar e, para fazer a
conização, a mulher tinha que ser encaminhada para unidades hospitalares especializadas. Assim,
muito embora, a partir de 1988, o MS já tivesse estabelecido uma periodicidade do exame
preventivo e uma rotina de seguimento a partir de alterações no Papanicolau121( Brasil 2002), todo
esse processo era complicado pela dificuldade de acesso. Desse modo, para as mulheres
estudadas, é possível afirmar que Viva Mulher possibilitou que algumas mulheres tivessem a
oportunidade de serem diagnosticadas e tratadas, ainda que tardiamente.
Estudo já sinalizado (Silva 2003), realizado no polo de patologia cervical da Zona Oeste122
do Rio de Janeiro, analisou dados de mulheres com patologia cervical, que foram captadas pelo
Programa Viva Mulher e encaminhadas ao polo123 para tratamento, no período de 1998 a 2000. É
importante destacar esse trabalho por ter sido realizado no município do Rio de Janeiro. Ele
registra que das 541 mulheres que foram referenciadas e iniciaram o seguimento no pólo, houve
perda gradativa durante o período de seguimento, reduzindo, significativamente, o número de
mulheres vinculadas ao programa. Considerando-se o período de 2 anos, das 541 mulheres que
iniciaram tratamento, apenas 20 (3,7%) chegaram ao final do processo.
O estudo em foco traz uma questão relevante: a perda da mulher que chega a fazer o
preventivo, que vai à(s) consulta(s) agendada(s) no polo e depois “abandona” o seguimento – isso
dentro do programa Viva Mulher. Essas mulheres, dependendo da condição da patologia
diagnosticada no início do processo, sem o seguimento adequado, poderão ter as lesões
120 Não estamos desconsiderando as ações do PAISM, relativas à prevenção do câncer do colo do útero, que tiveram início em meados da década de 80. Ver nota 23. 121 Ver nota 115 122 Dentro do município do Rio de Janeiro a Zona Oeste é a região de concentração da população mais pobre. 123No fluxo de atendimento (Ver anexo Nº3) do Programa Viva Mulher, as mulheres fazem a citologia – Papanicolau – nas unidades primárias e quando há alteração mais grave ou quando existem duas alterações mais leves elas são encaminhadas para um pólo de referência e acompanhadas por um período de 2 anos com consultas trimestrais, no primeiro ano, e consultas semestrais, no segundo ano. (Silva: 2003) Após esse processo elas devem ser examinadas a cada 3 anos para controle citopatológico.
99
evoluindo progressivamente. Nesse sentido, não seria equivocado afirmar que algumas dessas
mulheres venham a ser encaminhada para tratamento, com doença invasiva.
Embora as mulheres desse estudo não sejam da mesma coorte que as mulheres do nosso
estudo, o perfil social, econômico e cultural delas parece corresponder e elas apresentam o
mesmo nível (elementar) de escolaridade e o mesmo padrão de atividade laborativa. Diante
disso, várias indagações nos ocorrem. Porque as mulheres do estudo da zona oeste não deram
continuidade ao processo de atendimento? Será que as questões colocadas pelas mulheres de
nosso estudo podem ser reportadas para aquelas mulheres? Será que elas não vivenciam os
mesmos problemas que o nosso estudo sinalizou? Será que elas não vão correr o risco de ter
câncer do colo do útero? E ainda resta indagar: até que ponto os serviços de saúde, mesmo
dentro da estrutura do Programa Viva Mulher, estão conseguindo motivar as mulheres para que se
mantenham vinculadas aos programas de prevenção? Tudo isso nos mostra que não devemos
considerar apenas as mulheres que não tiveram acesso ao exame Papanicolau, mas, também,
aquelas que fazem o preventivo, são referenciadas para tratamento e o abandonam.
Frente a essas questões vamos analisar as dificuldades que as mulheres entrevistadas
colocam para realizarem o preventivo.
Gráfico 29 Tempo sem fazer preventivo
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não lembra
Fazia regularmente
Acima de 15 anos
De 11 a 15 anos
De 6 a 10 anos
De 3 a 5 anos
2 anos
Não fazia preventivo
% 30
20
10
0
11
17
10
3
8
22
10
19
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
100
Para entender porque as nossas entrevistadas só conseguiram ter a doença diagnosticada,
já avançada, procuramos identificar o tempo que elas estavam sem fazer preventivo anterior ao
exame que acusou a doença (Gráfico 29). Além daquelas que não faziam preventivo (19%),
encontramos um grupo de 13% que estava há mais de 10 anos sem fazer exame, 8%estavam
entre 6 e 10 anos e 32 % que refere estar entre 2 e 5 anos. Esse conjunto de mulheres fez exame
durante um período e depois pararam de fazer. Também destacamos que 11% das mulheres diz
não lembrar há quanto tempo está sem fazer exame, o que é significativo, pois embora não dê
para precisar, isso passa a idéia de muito tempo.
Por outro lado, chama a atenção o fato de que 17% das mulheres referem que vinham
realizando exames preventivos regularmente, de dois em dois anos ou anualmente - embora não
se possa confirmar essa periodicidade. Em seus depoimentos, essas mulheres mostram a sua
indignação, a sua tristeza e a sua descrença com relação ao preventivo. Não entendem como
podem estar doentes se vinham realizando o exame regularmente. Não é possível esclarecer essa
questão no âmbito deste trabalho; apenas podemos nos reportar à existência de resultados falsos
negativos, cuja taxa pode chegar a 45% por erros laboratoriais ou falha na coleta do material
(Brasil: 2002), que seria uma das possibilidades para se explicar a questão. É importante destacar
que esses casos não se referem apenas aos atendimentos realizados na rede pública, mas
também em clínicas populares, serviços conveniados ou mesmo privados.
Gráfico 30
Faixa etária /Tempo sem fazer preventivo Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não lembra -11%
Exame regular - 17%
Mais de 15 anos -10%
De 11 a 15 anos -3%
De 6 a 10 anos - 8%
De 3 a 5 anos -22%
2 anos -10%
Não fazia exame -19%
% 120
100
80
60
40
20
0
Faixa etária
20 a 29 anos -3%
30 a 39 anos - 8%
40 a 49 anos - 44%
Acima de 50 - 44%
18
7117
2529
7
18
1177
181814
40
20
40
100
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
101
Quando estabelecemos a relação entre idade e tempo que estão sem fazer preventivo
antes do diagnóstico da doença (Gráfico 30), destaca-se que as mulheres das faixas se idade
entre 20 29 anos faziam exame regularmente. Entre as mulheres de 30 a 39 anos 40% faziam
regularmente e 40% estavam de 3 a 5 anos sem fazer exame. A maioria das mulheres das faixas
de idade acima de 40 anos estão há mais tempo sem fazer exame, nunca fizeram ou não se
lembram o tempo que estão sem fazer o exame.
Abaixo trazemos alguns depoimentos das mulheres sobre o tempo que estão sem fazer
preventivo:
“Já tem um tempão, não me lembro. Depois eu fiquei assim com esse problema (sangramento) e a doutora falava que era menopausa, que era inflamação. Aí eu ia na doutora e elas falavam que era menopausa e eu achava que era isso mesmo que elas falavam. Eu ficava sem saber o que é que eu fazia porque elas falavam isso. Eu fiquei com sangramento muito tempo, desde o ano passado. Foi quando eu fui num outro médico e ele pediu pra eu fazer uma biópsia.”(57 anos)
“Eu estava sem fazer há 11 anos e fiz agora em Janeiro, porque deu esse problema.”(46 anos)
“Estava há uns cinco anos, porque eu sempre tive vergonha de ir o ginecologista. Ultimamente quando eu ia fazer esse exame, aí me dava um suadouro, eu começava a passar mal. Chegava na hora na sala da doutora e ela perguntava: que você tem, ta com calor? Eu falava que estava morrendo de calor, porque é uma coisa horrível e a gente que não está acostumada, é uma coisa muito chata.”(50 anos)
“Certo, certo, deve ter uns cinco anos, houve um relaxamento meu. Eu cheguei a marcar, mas não fui.”(57 anos)
“Tem uns 4 anos, que depois que deu esse problema da ferida eu não voltei mais.”(33 anos)
Destacamos, ainda, alguns depoimentos de mulheres que relatam que faziam exames
regularmente, demonstrando a sua perplexidade pelo fato de estarem doentes.
“O último que eu fiz foi em Abril de 2002. Eu estava fazendo anualmente.” (42 anos)
“Eu sempre fiz todo ano, nunca falhei com o preventivo. Eu fazia no SAZE, no posto de saúde (..).” (41 anos)
“Eu vinha fazendo exames regularmente, eu fiquei só 1 ano sem fazer. Em 2002 eu não fiz porque eu tive esse meu último bebê e ele ficou internado quase o ano todo, por problemas de saúde e quando ele saiu, em 2003, logo no início, eu fui procurar fazer o preventivo e fiz e não acusou nada. Nenhum exame meu acusou nada. Como é que pode?” (26 anos)
“Eu estava fazendo exame direitinho, o ultimo eu tinha feito em Julho do ano passado e deu um probleminha. A doutora falou que meu útero tava sensível e sangrou. Aí passou uma pomadinha, eu fui na revisão com 20 dias, ela disse que meu útero continuava sensível, mas que ia passar porque eu tinha usado a pomada e que eu não precisava me preocupar. Eu fiquei dois meses, três meses sem sentir nada, aí voltou tudo de novo, o sangramento na relação voltou. Aí eu não procurei mais ela, fui pra outro médico particular. E agora veio dá essa doença.” (53 anos)
“Eu estava fazendo sempre, eu até tenho os quatro últimos que eu fiz.” (24 anos)
102
Gráfico 31 Impedimentos para fazer preventivo
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Fazia exame regular/
Dever família/trab
Rede de serviços
Própria culpa
Não ter parceiro
Ausência de sintomas
Medo/vergonha
% 30
20
10
0
17
22
1314
5
11
17
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Quanto aos motivos que levam essas mulheres a não fazerem ou pararem de fazer o
exame preventivo (Gráfico 31), são apontados vários problemas. É importante observar que vários
aspectos são sinalizados ao mesmo tempo, pois as mulheres não apontam exclusivamente um
motivo. São questões que não se excluem entre si, mas, pelo contrário, associam-se e se
reforçam, apresentando-se uma situação multicausal que compromete a realização do exame.
Para efeito de análise, primeiramente, procuramos destacar os aspectos que foram mais
enfatizados, agrupando-os de acordo com a similaridade. Excetuando-se as mulheres que referem
que faziam exame preventivo regularmente, destaca-se o grupo (22%) que coloca o dever – a
responsabilidade com a família e com trabalho (aqui , incluindo-se o medo de perder o emprego) –
como o maior problema. Este dado marca o lugar da mulher na família, o seu papel de “cuidadora”
– ainda mais quando são chefes de família – priorizando os familiares e se colocando em
segundo plano. A preocupação com os outros leva esquecimento de si mesmas. Para outro grupo
(17%) são os sentimentos como medo124 e/ou vergonha que aparecem como elementos que
comprometem a realização do exame. A “desmotivação” para realizar o exame, situada como
descuido, relaxamento, etc – que, ao mesmo tempo, expressa auto-responsabilização (“culpa”)
pelo problema – é colocada por 14% delas. Para 11% das mulheres, destacou-se a questão
“ausência de sintomas” como a questão central e para 13% delas os problemas são gerados pelos
124 O medo do exame, em geral tem relação com dor e desconforto durante o exame.
103
serviços de saúde. Não podemos deixar de destacar que 5% não faziam exame sob alegação de
não terem mais atividade sexual.
Gráfico 32 Impedimento para fazer preventivo/Nº de exames
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Exame regular 17%
Dever fam/trab 22%
Rede de serviço13%
Própria culpa 14%
Sem parceiro 5%
Aus. de sintoma 11%
Medo/vergonha-17%
%
80
60
40
20
0
Número de exames
Não lembra -11%
1 a 2 vezes -32%
3 a 4 vezes -21%
5 a 10 vezes -14%
+ de 10 vezes -16%
Nunca fez - 6%
2525
50
70
101010
2222
1111
22
1115
46
8
151520
15
25
5
1520
1414
29
14
29
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
No Gráfico 32, estabelecemos uma relação entre o número de exames realizados e os
impedimentos que elas colocam para fazer preventivos. Entre as mulheres que não lembram
quantos exames fizeram, predominam sentimentos como medo e/ou vergonha (29%) e
sentimentos de auto-responsabilização (29%). Identificamos também que, dentre as mulheres que
nunca fizeram exames, 50% sentiam medo e/ou vergonha, 25% não realizaram por ausência de
sintomas e 25% apontam como problema a rede de serviços. Entre as mulheres que só fizeram 1
a 2 vezes destacam-se: a questão da auto-responsabilização para 25% delas, sentimentos de
medo e vergonha (20%) e a responsabilidade com a família e o trabalho (20%). Entre as que
fizeram 3 a 4 vezes os motivos predominantes são os deveres com a família e trabalho (50%),
medo e/ou vergonha (15%) e auto-responsabilização (15%).
Destacamos alguns depoimentos que expressam os impedimentos que elas colocam,
agrupando-os de acordo com cada argumento.
- responsabilidade com família/ trabalho
104
“Era falta de facilidade mesmo, trabalho, chegava em casa, aquele negócio de serviço de casa, aí a gente se acomoda um pouco, trabalho assim é muito pesado. A gente já está cansada e ainda tem o trabalho de casa(...).”(49 anos)
“Trabalho, necessidade, só lutar pela vida. Eu esqueci de mim e pensei mais nos meus filhos. E nessa época teve a minha mãe doente, ela também teve uma suspeita de câncer (...). Andamos muito com a minha mãe. (...). Mas é só sofrimento. Eu esqueci de mim e só vi os outros.”(45 anos)
“Sabe o que aconteceu? Você faz uma coisa, faz outra e aí se esquece da gente. A gente pensa num problema, num outro, pensa nos filhos, nos netos, sempre a gente pensa. E também eu não fiz mais porque eu pensei assim: eu estou bem, não estou sentindo nada, não tenho mais menstruação, acho que não vai ser preciso mais não (...).”( 60 anos)
“É trabalhar e o patrão não dá a chance da gente sair. O patrão fala assim: não pode sair, não pode faltar dia, se faltar dia vai ser descontado. E sabe que o salário da gente é pouco, não. Pra gente perder um dia, dois, faz falta (a usuária diz isso chorando). E também porque eu morava longe, na roça. Eu morei muitos anos na roça. “( 53 anos)
“É porque eu me preocupava muito, por ser eu a chefe da casa, ter tudo sob a minha responsabilidade. Eu achava que não podia ta faltando dia de serviço, tinha que ta ali, porque eu dependia do meu serviço, não podia ta faltando (...) Eu só tinha aquele serviço e então eu tinha medo de faltar, da patroa não entender e até mesmo me dispensar do serviço e eu ficar sem emprego(...).” (44 anos).
- medo / vergonha
“Era muita dor que dava, eu já não relaxava e aí ficava com aquele medo e aí não voltava, e também a vergonha, muita vergonha.” (53 anos)
“Eu achava que era um exame muito chato de fazer, a posição que a gente ficava, eu achava que doía, inclusive esses dois últimos que eu fiz sangrou muito, aí eu achei que a doutora tinha me machucado, aí fiquei com medo.”(48 anos)
“É isso, eu não me agüentava de vergonha, e quando era médico então, eu não agüentava de vergonha.” (50 anos)
“Eu não ligava pra ir fazer, não me preocupava de fazer o preventivo. Eu não gosto de ir ao médico, tinha vergonha, por isso é que eu não ia.” (66 anos)
- auto-responsabilização
“Foi relaxamento mesmo porque eu me descuidei, quando eu vim me lembrar eu já estava com 4 anos, aí voltei e foi quando eu comecei a fazer tratamento aqui.”(45 anos)
“Ignorância mesmo, bobice. A gente deixa pra lá: não to sentindo nada, não vou a lugar nenhum. Ignorância mesmo por parte da gente. Descuido, porque a gente ouvia falar na televisão, ouvia certas mulheres que iam fazer(...) Mas eu nunca fui procurar. Eu achava que não aconteceria com a gente.”( 52 anos)
“Era por mim mesma, eu não gostava, acho chato o exame. Aí eu fui deixando passar, passar, ao me cuidei, eu achava chato.” (37 anos)
- ausência de sintomas
“Nada me impedia, não. Eu é que não ligava. Achava que estava bem. Essa coisa de que a gente só procura médico quando está doente, dentista quando sente dor de dente. É isso.” (45 anos)
“(...), pra falar a verdade eu nunca liguei pra isso não, pra me cuidar, porque eu nunca senti nada. Pra ir ao médico, assim ginecologista, só quando eu sentia alguma coisa. De vez em quando aparece um corrimento, uma coisa e a gente vai ao médico pra poder ver. (...).”(40 anos)
105
“Quando eu era mais nova eu não tinha sintoma nenhum, não sentia dor, não sentia nada, aí não me interessava.(57 anos)”
- problema da rede de serviços
“Sabe o que era? É que tinha vezes que eu ia lá e a doutora não vinha, não tava e aí eu falei: não vou mais não, não vou mais não. Aí parei (...).”(54 anos)
“Geralmente a gente se tratar no SUS não é mole. É um sacrifício tão grande, tão grande, que já houve vezes de eu ir, ficar na fila e voltar. Aí a gente desiste, entendeu. Bom, e sendo realista, é um pouquinho também de comodidade. Porque a gente não pensa nas conseqüências, não pensa que a gente vai chegar a um ponto desse e a gente vai deixando o tempo passar.” (61 anos)
“(...) é que lá aonde a gente mora está muito difícil médico entendeu? Por isso é que eu vim cá pra baixo pra ver esse meu problema, porque marcar médico lá, só pela graça de Deus. Muitas vezes o médico não vai. Quando o médico vai, pra marca, marca daqui a dois, três meses.”(...)(33 anos)
- não ter parceiros
“Eu pensava assim: eu não tenho vida sexual. Eu tenho um filho de 7 anos. Eu me separei quando ele estava com 2 anos. Quer dizer, há 5 anos que eu estou separada. Eu pensava assim comigo: eu não tenho vida sexual, eu achava que não precisava. Até a doutora me deu uma bronca: eu nunca vi isso, exame preventivo tem que fazer de ano em ano! (..). Agora você está nesse estado. Você só tem 34 anos! Me passou um sabão.” (34 anos)
“Porque eu já não tinha mais parceiro (...). Como eu não tenho mais relação sexual há muito tempo, então: não tenho parceiro, sou saudável até agora, aí relaxei (...).” (52 anos)
Como dissemos anteriormente, os motivos para não fazerem preventivo não aparecem
isoladamente mas em associação. Assim, destacamos alguns depoimentos, onde podemos
encontrar a relação entre várias questões, como problemas de trabalho ou medo de perder o
emprego, associados à ausência de sintomas. Ou por outra, as preocupações com o
trabalho/família se reforçando pelo fato de não terem sintomas.
“Eu estou há muito tempo sem fazer preventivo. Eu ficava ligada no serviço. Ficava com medo de faltar ao serviço. O serviço que eu ficava trabalhando fora. E também eu não achava que precisava fazer mais preventivo, achava que não precisava, que não sentia nada, achava que era besteira.” (56 anos)
Achava que como não estava sentindo nada, então não precisava ir. E trabalhava também, trabalhava muito, pegava cedo e largava de noite e nunca tinha tempo de ir lá ver essas coisas. E ainda eu tenho uma filha deficiente que precisa de cuidados. (44 anos).
Abaixo, destaca-se uma associação de problemas de trabalho e família com sentimentos
de medo ou vergonha. A responsabilidade com a família e trabalho também se associa a outros
motivos, fazendo com que as mulheres esqueçam de si mesmas e não consigam disponibilizar
tempo para cuidar da sua saúde.
“Eu tinha vergonha de fazer o preventivo, vergonha por causa de uns problemas meus, porque quando minha mãe me teve ,fiquei com umas manchas, assim eu tinha vergonha. (...) Mas também eu me preocupava mais com o serviço de casa, com problemas do meu marido. Comigo não (...) eu não me preocupei. Aí veio em cima de mim a doença. De tanto eu me preocupar com os outros eu é que acabei doente.” (46 anos)
106
“Eu creio que não posso botar a culpa em ninguém. Acho que foi relaxamento meu. Também eu não sentia nada. (...) E trabalhei muito tempo, a agitação do trabalho. Fiquei viúva muito cedo, tive que criar dois filhos, aí me preocupava mais com eles, com a casa, mais do que com a minha própria saúde. Quando meu marido morreu meu filho estava com 12 anos e a minha filha com 13. Quer dizer, eu fui homem e a mulher dentro de casa. Não me ligava e nunca me liguei em procurar o médico.(...) Eu achava que tinha boa saúde, aí não procurava fazer preventivo porque tinha o estresse do trabalho. Trabalhava de dia e de noite, só tinha às vezes o sábado. Aí ficava difícil. (...)” (48 anos)
E a esses aspectos se associam as dificuldades relativas aos serviços de saúde.
“A gente quando separa,(...), ficou tudo enrolado, eu tive que criar eles sozinha e quando eu ganhei esse menorzinho eu ia dar ele porque eu tava com dificuldade. O pai dele demorou a dar pensão. A minha filha é que não deixou. E também é aquilo que eu falei: um dia vai é um médico, vai no outro dia é outro médico. Isso é muito ruim e a gente fica assim sem saber.” (50 anos)
Eu não fiz porque pensei assim pense assim,eu estou bem,(...), já não tenho mais menstruação . Acho que não vai ser preciso mais não. E também é aquele negócio, a demora, a fila, o sacrifício que tinha que enfrentar, um posto cheio de gente. Eu pensava assim: será que não tem gente que está sofrendo, precisando mais do que eu?( 60 anos)
“ Era difícil para mim, mas também eu que também não me interessei, porque depois eu pensando bem, é difícil, mas a gente tem que fazer por onde. Então como era difícil e como eu não estava sentindo nada, eu me acomodei (...)” (44 anos)
Em grande parte dos depoimentos, as mulheres se responsabilizam por sua doença,
culpabilizando-se por não terem feito o exame, por “desmazelo”, “relaxamento”, “descuido”,
negligenciando a sua saúde, o que traz muito mais sofrimento e torna mais difícil o enfrentamento
da doença. Por outro lado, nos parece que essa culpabilização, de alguma forma, é reforçada
pelos profissionais de saúde que “se espantam” ou julgam o fato dessas mulheres não terem feito
preventivo e estarem com a doença avançada, como se revela nas falas abaixo, evidenciando que
os profissionais não dimensionam as dificuldades que essas mulheres enfrentam no seu cotidiano
de vida.
“Quando eu fui ele falou que eu tinha chegado muito tarde. Foi quando eu fiz o preventivo. Aí ele falou que eu tinha chegado muito tarde. Eu fiquei muito chocada do jeito que ele falou. (...).” (40 anos)
“(...) No posto o médico que me atendeu falou que eu estava com câncer. Eu fui pra me consulta e médico falou assim: como à senhora veio fazer preventivo aqui com um bruta de um câncer desse? Eu falei: mas eu não sei. Eu tenho que fazer preventivo, pra saber, mas eu não sei que eu estou com câncer. E ele disse: ta sim e não sei há quantos anos. Eu me choquei e saí muito mal. Ele não me deu alternativa nenhuma. Eu fui fazer uma consulta e ele foi falando assim, não me preparou em nada.” (62 anos)
107
Gráfico 33 Descoberta da doença
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Busca de preventivoPresença de sintomas
%
100
80
60
40
20
0 6
94
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Em relação à descoberta da doença (Gráfico 33), quase a totalidade (94%) descobre que
está com câncer do colo do útero a partir de um ou vários sintomas associados, que as obriga a
procurar assistência médica. Esses sintomas, em geral, são dores, sangramento na relação
sexual, sangramento intenso (que não raro é confundido com menstruação ou com problemas de
menopausa)125 e/ou corrimentos fétidos. Os depoimentos abaixo nos dão uma idéia do processo
que essas mulheres passam até o diagnóstico da doença:
“Começou com a hemorragia. Começou pouquinha, realmente ela dava quando eu ia ter relações com o meu esposo, sangrava. Aí a menstruação começou a ficar descontrolada. Eu falei assim: isso não está normal, toda vez que eu vou ter relação sangrar, isso não é normal. Aquilo foi só piorando, piorando. Aí chegou a um certo ponto (...) e começou também a ter umas dores no pé da barriga. Aí meu marido falou: você vai ao médico ver o que é isso , porque isso não é normal.” (33anos)
“Porque eu comecei a ficar com corrimento e depois comecei, logo imediatamente, a ficar com sangramento. Começou a vir aquele pouquinho de sangue, mas até aí eu pensava que era da menopausa. E como eu tenho esse problema renal e eles falavam que a pessoa que faz hemodiálise não fica mais menstruada. Eu comecei a fazer hemodiálise mas eu nunca parei de menstruar (...), sempre vinha no tempo certo. Depois parou, ficou assim uns dois anos, três, sem vir. Depois voltou, mais até aí eu não esquentei muito a cabeça, mas depois que começou a vir, duas, três vezes por semana, aí eu fiquei mesmo preocupada e foi isso que me fez chegar até aqui.” (48 anos)
“Por causa do sangramento na relação, aí foi que eu procurei atendimento, isso ano passado. Fiz o preventivo e a médica falou: teu preventivo deu bom, ela falou que estava bom. O que veio mostrar mesmo a doença foi a biópsia.” (46 anos)
“Porque um dia me deu uma dor muito forte, muito forte mesmo, aí começou a sangrar, mas esse sangramento já tem há muito tempo. Eu pensava que era a menstruação que vinha e voltava. Tem muitos anos mesmo. Eu
125 É importante destacar que, nesse processo de confusão do sangramento com a menstruação ou problema da menopausa, muitas mulheres permanecem com sangramento por muito tempo, o que demonstra que elas têm muito pouco conhecimento sobre funcionamento do próprio corpo.
108
não falei pra ninguém. Aí vinha e passava. Aí quando foi um dia eu senti uma dor que eu não agüentei e aí liguei pra minha filha. Ela veio e me trouxe no médico (...) Ela fez o preventivo e falou que se eu não me tratasse ia passar pro câncer do colo do útero.” (65 anos)
“Foi mesmo quando começou a hemorragia, que no início eu pensei que fosse coisa da menopausa, que a minha menstruação começou a vir duas vezes por mês. Depois passou a vir e ficar muito tempo, aí começou a me preocupar. Quando eu fui na doutora (...), ela me examinou e disse: você está cheia de miominha mas não se preocupe. Aí passou, não fiquei muito ligada nisso não. Quando começou de novo o sangramento eu pensei: será que são os miomas que a doutora falou, que juntou tudo e agora está dando problema. Aí fui na doutora (...) ela passou remédio pro sangramento e falou que estava muito estranho o aspecto do meu útero, que não entendia aquele sangramento. Pra fazer o preventivo custou pra fazer porque o sangue não parava. Um dia eu fui lá e ela falou: vou fazer preventivo assim mesmo porque esse sangramento não dá pra gente ficar esperando, não. Isso está muito estranho.” (40 anos)
Somente 6% das mulheres refere que descobriram a doença porque foram fazer preventivo
de rotina, ou porque estava há muito tempo sem fazer, estando assintomáticas:
“Eu fui fazer o preventivo, a minha sobrinha ia fazer, aí como tinha muito tempo que eu não fazia, eu fui também,. Eu não estava sentindo nada. Até a doutora ficou me perguntando um monte de coisa também: você fica desanimada, fica deitada, sem vontade de fazer nada? Eu falei: não, eu faço tudo na minha casa, to bem, não to sentindo nada.” (55 anos)
“Foi através do preventivo, eu resolvi fazer um preventivo e aí cheguei na consulta e lá tem um médico da comunidade. Eu cheguei no posto e marquei e mandou voltar tal dia, eu voltei e fiz o preventivo.” (45 anos)
“Porque eu estava grávida que eu fui fazer o pré-natal e passaram o preventivo pra mim. Mas eu tinha feito no ano anterior. Aí esse preventivo acusou que eu estava com uma ferida no útero, só falaram isso. Mas eu tive que ganhar o neném, fiz o pré-natal normalmente, depois é que eu voltei. Meu neném nasceu tem três meses.” (24 anos)
Evidencia-se que a busca por assistência médica deu-se a partir de sinais socialmente
identificados como possíveis enfermidades. Essa atitude reforça a concepção de saúde como
ausência de doença, apontada por parte das mulheres entrevistadas, o que mostra que as noções
que essas mulheres têm sobre saúde estão relacionadas à ausência de sintomas. Mesmo para o
grupo de mulheres que apontou uma compreensão ampliada de saúde não houve diferenciação
quanto à descoberta da doença. Para o grupo de mulheres que refere estar realizando exames
regularmente, portanto, buscando fazer prevenção, parece que a identificação da doença também
se deu a partir dos sintomas, já que os seus exames preventivos não acusavam irregularidades e
foi o aparecimento de sintomas que chamou a atenção.
Isso, possivelmente, vem em resposta a uma lógica que orienta as ações de saúde numa
perspectiva curativa, em detrimento de uma concepção preventiva. A distribuição encontrada no
grupo estudado nos leva a crer que, no cotidiano de vida de grande parcela da população, o que
predomina126 é uma concepção limitada de saúde, reduzida à busca de assistência médica para
tratar de doença. Ou seja, por mais que o Movimento Sanitário tenha avançado na ampliação do
126 Temos claro que não podemos afirmar que esses dados correspondam à distribuição na população de um modo geral. Pode ser que em grupos mais representativos, estatisticamente, haja uma melhor compreensão de saúde.
109
conceito de saúde - saúde como resultado de condições de vida - que foi consagrado na
Constituição de 1988 e que orienta a perspectiva do SUS (LOS 8080/90), esse conceito127 parece
que ainda não está incorporado pela população.
d - Como as mulheres compreendem sua situação de do ença
Todas as mulheres demonstram que têm informações muito limitadas sobre o câncer do
colo do útero e a sua prevenção. Sabem da existência da doença, sabem que existe o exame
Papanicolau para sua prevenção, mas desconhecem o processo de evolução da doença e seus
fatores de risco e a forma periódica adequada de realizar o preventivo.
Gráfico 34 Causa do câncer do colo do útero para as mulheres Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Outros
Descaso serv. saúde
Muitos parceiros
Problema em
ocional
Tabagismo
Própria culpa
Não têm idéia
% 50
40
30
20
10
0
6
10
3
17
3
14
46
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Como se evidencia no Gráfico 34, quase a metade das mulheres (46%) não tem qualquer
idéia de como adoeceram. Dentre as demais, destacam-se um conjunto de mulheres que fazem
uma série de associações, na maioria equivocadas. Assim, indicam como causa da doença: 17% -
problemas emocionais (que seriam nervosismo, preocupações com problemas pessoais e da
família, stress); 14% se auto responsabilizam (referindo-se ao fato de terem se descuidado, se
relaxado, novamente assumindo a “culpa” por terem adoecido, estando subentendido, em suas
falas, que se sentem dessa forma porque não fizeram ou porque pararam de fazer o preventivo);
6% apresentam outras causas (existência da doença na família, tombo ou batida, ou ainda a
127Aqui vale ressaltar que o conceito ampliado de saúde não faz parte da realidade de muitos profissionais de saúde o que, certamente, reflete nas atitudes da população (Vasconcelos:2000).
110
vontade de Deus). Destacamos que 10% das mulheres colocam diretamente o sistema de saúde
como responsável por sua doença. Apenas 6% delas apontam alguns fatores de risco,
reconhecendo a questão do tabagismo (3%) e a questão da multiplicidade de parceiros (3%) como
elementos presentes em sua vida, que podem ter contribuído para o seu adoecimento.
Gráfico 35 Escolaridade/Causas do câncer do colo do útero para as mulheres
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Outros -6%
Serv.de saúde - 10%
Muitos parceiros -3%
Prob. emocional 17%
Tabagismo -3%
Própria culpa -14%
Não têm idéia -46%
% 80
60
40
20
0
Escolaridade
Sem instrução - 6%
1 a 4 anos - 54%
5 a 8 anos -33%
9 a 11 anos - 6%
25
50
25
55
14
19
57
912
6
15
6
15
38
25
75
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Quando analisamos a relação entre o que pensam que causou a doença e a escolaridade
(Gráfico 35), verificamos que não há diferenciação de compreensão por esse fator. Das mulheres
sem instrução 75% não têm idéia e 25% colocam a causa como problema emocional. Por outro
lado, das mulheres que tem maior nível de estudo, 25% também não tem idéia do que causou a
doença e 50% coloca a questão de problemas emocionais como causa da doença. Nesse grupo,
25% delas colocam a responsabilidade nos serviços de saúde.
111
Gráfico 36 Impedimentos p/exame/Causa do câncer do colo do úte ro para as mulheres
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Outros - 6%
Serv. saúde -10%
Muitos parceiros 3%
Prob. emocional 17%
Tabagismo -3%
Própria culpa -14%
Não têm idéia-46%
% 80
60
40
20
0
Impedimento p/exame
Medo/vergonha 17%
Aus. sintomas -11%
Não ter parceiro -5%
Própria culpa -14%
Serv. saúde -13%
Dever fam/trab.- 22%
Exame regular-17%99
45
36
14
7
14
21
43
25
13
63
1111
2222
33 33
67
292929
14
999
73
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Se compararmos o que pensam que causou a doença à questão dos impedimentos para
realização de exames (Gráfico 36) vamos observar que, mesmo entre as mulheres que faziam
exame regularmente, 36% não têm qualquer idéia de como adoeceram e 45% colocam a questão
dos problemas emocionais como motivo que encontram para sua doença.
Destacamos os depoimentos abaixo, agrupados conforme as características apresentadas,
que expressam bem os limites de compreensão que essas mulheres têm das causas do câncer do
colo do útero:
- das que não têm idéia
“Eu já pensei, pensei, e não consegui encontrar uma solução para esse problema.”(56 anos)
“Às vezes eu me pergunto, porque isso, porque isso? Porque a vida é como se fosse cheia de surpresa. Até falei pra minhas filhas: olha, eu nunca pensei que eu fosse passar por isso, na minha família nunca soube que ninguém tivesse, de repente esse problema veio aparecer na minha vida. Então eu não sei, foi uma surpresa na minha vida.” (42anos)
“Não tenho idéia, nem consciência. Porque eu não fiz prostituição, depois eu casei, tudo isso eu fico pensando. Eu não sei. Meu pulmão, por causa das fumadinhas que eu dou, muito pouca (...),o meu pulmão está limpo.(...) Então eu não entendi porque essa doença em mim não.” (46 anos)
- das que acham que adoeceram devido a problemas emocionais
112
“Será que foi problemas? Meu filho teve um problema, uma doença, mas graças a Deus que ele curou, mas eu tive muita preocupação. Foi 18 anos de luta. Eu sou sócia de uma clínica que é barata, estou lá, com o médico neurologista tratando do meu filho. Então a minha preocupação era ele. Aí ele ficou bom.(...).” (61 anos)
“Segundo as pesquisas que eu andei fazendo, a doença se instala quando a pessoa está com depressão, leva um choque emocional (...) E eu não sou daquela pessoa de botar pra fora.” (33 anos)
“Eu creio que essa doença vem até às pessoas através dos nervos, a pessoa com nervoso é que mais ataca esse tipo de doença. A pessoa preocupada, com muita coisa assim a fazer, uma pessoa que se preocupa muito com a situação. Eu acho que isso vem quando você tem certos tipos de aborrecimento. Através do aborrecimento eu acho que a coisa vai piorando.” (46 anos)
- das que se auto-responsabilizam
“Acho que é porque eu não me cuidei, a culpa foi minha mesmo, não é culpa de ninguém, eu é que não me cuidei, me preocupava mais com os serviços da casa, com problemas do meu marido. Comigo não, comigo que era bom eu não me preocupei. Aí veio em cima de mim a doença. De tanto eu me preocupar com os outros eu é que acabei doente” (47 anos).
“Eu sei e tenho consciência disso. É porque eu não me preveni, não fiz preventivo. Disso eu tenho certeza, certeza, porque se eu tivesse feito, se eu não tivesse esquecido de mim e eu tivesse feito, hoje eu não estaria aqui.” (66 anos)
“Acho que foi descuido (...), porque se eu tivesse prevenido, acho que poderia ter evitado isso.” (40 anos)
- das que responsabilizam os serviços de saúde
“Eu acho que foi devido à ferida no colo do útero, que ela não foi bem cuidada, aí foi aumentando, piorando, piorando, aí causou esse problema.” (33 anos)
“Pra mim foi falta de interesse pelo paciente porque tem coisas que a mulher sabe, mas tem coisas que a mulher não sabe. Se eu soubesse que essa dor que eu sentia com freqüência fosse isso, podia já ter adiantado o tratamento. Mas eu ia no médico, falava estou com essa dor. Toma esse remédio, toma esse remédio que passa. Quer dizer, em vez de ficar escrevendo receita, só receita, conversasse um pouco mais com o paciente. Eu sou uma pessoa fechada, tem coisas que eu não gosto de estar falando, não sou muito de falar, mas eu acho que o médico devia de ter mais um jeito de lidar com as pessoas e saber como falar. Tem pessoas que se abrem, que falam, eu já sou diferente. Então muitas vezes eu falava: estou sentindo sangramento na relação e era só remédio. Eu acho que isso já era o início, já. E eu fazia preventivo e não dava nada. Falava que estava sangrando e uns médicos: pode fazer, não tem nada não. Já fui em outro médico: não pode fazer preventivo porque está sangrando. Quer dizer, quem está falando a verdade? Pode fazer preventivo sangrando ou não pode? Hoje eu tenho essa dúvida. E tantas coisas que eu fiquei sem saber.” (41 anos)
“O que eu acho mais é que foi descaso do próprio SUS, de me tratar. Eu acho que foi isso, porque eles não levavam a sério a mim, as vezes que eu procurei. Eu, já uma mulher fraca, mal informada.(...) As vezes que eu procurei eu senti mais assim sem nenhum interesse (...)” (46 anos)
- das que colocam outras causas
“Eu não sei, acho que foi a vontade de Deus, que eu tinha que passar por mais essa provação para aumentar a minha fé.” (44 anos)
“Não sei. Dizem que essa doença é causada por muita angustia. Mas eu acho que isso foi de um tombo que eu bati numa bicicleta e eu caí, a bicicleta bateu bem aqui em baixo na barriga.” (43 anos)
- das que sinalizam algum fator de risco
113
“Acho que foi do cigarro, acredito que seja, porque eu fumava muito, agora é que eu estou diminuindo. (...).” (45 anos)
“Eu acho que foi por causa de sexo, porque eu era muito coisa, assim, eu tive muitos parceiros e eu nunca me cuidei, porque cada homem tem uma coisa e a gente também. E antes do C. eu tive um companheiro que era marinheiro e depois que eu tive relação com ele a família dele veio falar que ele estava doente. A gente terminamos, mas eu já tinha tido relações com ele. Então eu acho que foi isso, o vírus do HPV que diz que a gente pega na relação. Eu penso que foi isso.” (40 anos)
Como pode ser observado, é flagrante a desinformação que as mulheres apresentam em
relação ao funcionamento do corpo, à evolução da doença e ao processo de prevenção. Saberem
que existe um exame para prevenir o câncer do colo do útero não foi suficiente para uma
prevenção efetiva. Os serviços de saúde que atenderam essas mulheres não identificaram e não
tomaram como objeto de atenção sua desinformação sobre a prevenção. Essas mulheres, ao
passarem pelos serviços de saúde, não foram trabalhadas para superarem os seus limites, como
precisavam.
Essa questão é fundamental porque, para uma prática adequada da prevenção, é preciso
conhecer, nas suas inter-relações, o processo da doença, os fatores de risco e as possibilidades
de prevenção.
Temos clareza que os limites para que essas mulheres colocam para que pudessem
realizar a prevenção estão relacionados ao seu nível sócio econômico e cultural. Mas, não
podemos deixar de considerar, que quase todas as mulheres transitavam pelos serviços de saúde
ao longo de suas vidas, e assim cabe destacar a responsabilidade do sistema de saúde e dos
próprios profissionais quanto à superação desses limites. A partir dos depoimentos entendemos
que se faz necessária “a socialização de informações como instrumento de indagação e crítica”
(Vasconcelos 2000) para que as mulheres possam ter uma adesão efetiva ao Programa de
Prevenção e Controle do Câncer do Colo do Útero.
e - Interferência da família na realização do exam e preventivo
Buscamos analisar se os familiares ou outras pessoas tiveram alguma interferência para as
mulheres realizassem ou não exames preventivos.
114
Gráfico 37 Interferência da família para prevenção
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Sem interferênciaInterferência -Interferência +
%
60
50
40
30
20
10
0
43
3
54
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Observamos no Gráfico 37, que mais da metade das mulheres (54%) relata que houve uma
interferência positiva - incentivo para que realizassem o exame - especialmente de familiares. Isso
nos mostra, como podemos observar nos depoimentos, que a questão da prevenção do câncer do
colo do útero é, de alguma forma, discutida em família.
“A minha irmã falava. Ela fazia e dizia. Tem que fazer. Eu dizia: depois eu faço, não tenho problema nenhum. Estou boa, não estou com nada.” (52 anos)
“As minhas filhas falavam para eu fazer o preventivo, mas eu não dava importância (...) Eu não sei o que dava na minha cabeça.” (56 anos)
“Pra fazer o preventivo sim, porque eu sempre ouvia: vai fazer o preventivo, a minha sobrinha falava, a minha irmã mesmo, porque ela é muito cuidadosa. Contra não, só a favor.” (57 anos)
No conjunto dos depoimentos observamos que as conversas na família são mais
freqüentes quando na presença de algum problema, quando as mulheres são incentivadas a
procurar um ginecologista, como exemplificam os depoimentos abaixo.
“Essa irmã mandava eu ir pro médico. A minha comadre também dizia: vamos ao médico que não pode ser assim. Eu dizia que isso (quando estava com sangramento) era normal. Antes disso eu quase não falava pra ninguém. Meu marido mandava eu ir também” (40 anos)
“A gente conversa mais depois que piora. Agora eu falo tudo pras minhas filhas. Antes eu falava pra minha filha ir fazer, mas é como eu to te falando: eu achava que já estava de idade, que não ia ter mais nada, que não precisava fazer.” (60 ano)
Um grupo, também significativo (47%) refere que a família não teve qualquer participação
quanto à decisão de fazerem ou não o exame. Como as mulheres colocam, a decisão foi delas
mesmo, indicando que esse grupo tem reservas em conversar sobre problemas mais íntimos.
115
“Na minha família ninguém nunca me impediu de nada não. Não falavam nada porque eles são mais ignorantes do que eu. Tipo assim de pessoas que não sabem ler, não sabem nada, entendeu. Tipo de pessoa que não presta atenção a nada.” (52 anos)
“Não, fui eu que me descuidei mesmo, não foi por causa de ninguém: vai, não vai. Foi meu mesmo o erro.” (45 anos)
“Não, ninguém nunca teve interferência, não. E também a minha família mora toda em Minas e eu aqui só tinha as minhas filhas, inexperientes ainda.” (44 anos)
Procuramos ainda identificar se as mulheres costumavam conversar com outras pessoas a
respeito dos seus problemas de saúde, seus problemas pessoais, problemas de mulher, partindo
da premissa de que, talvez, essas mulheres não tivessem pessoas a quem pudessem confiar os
seus problemas. Embora não fosse nossa intenção analisar a questão da “rede de apoio social”128,
sinalizamos essa questão no sentido de identificar se elas tinham alguma relação de apoio.
Gráfico 38 Pessoas com quem costumam conversar
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Profis. de saúde
Várias pessoas
Vizinhas/amigas
Marido
Filhas
Mãe/irmãs/cunhadas
Não conversa
% 120
100
80
60
40
20
0
Costuma conversar
Sim - 52%
Não - 48%
100
1818
2730
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
c âncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Com relação a ter pessoas com quem contar (Gráfico 38), 52% das mulheres relatam que
costumam conversar sobre os seus problemas de saúde, ou “problemas de mulher” com pessoas
da família ou pessoas amigas. Para 48% das mulheres existe bastante dificuldade em falar sobre
questões que envolvem a sua intimidade.
128 Consideramos apoio social o processo recíproco, que gera afeitos positivos tanto para quem recebe, quanto para quem oferece apoio. Esse processo leva o indivíduo a creditar que é querido, amado e que faz parte de um grupo social com compromissos mútuos, tendo, portanto, pessoas em quem confiar. Nas últimas décadas estudos epidemiológicos vêem mostrando a importância da investigação sobre a rede social e apoio social e sua associação com desenlaces relacionados à saúde. Diversos autores têm confirmado a relação inversa entre a magnitude de índices de rede de apoio social e o risco de morrer por doenças coronarianas, acidentes vasculares e também por neoplasias malignas. Outros estudos mostram ainda, que além de forte relação com a redução da mortalidade, a rede de apoio social associa-se, de forma direta com a sobrevida após diagnóstico de doenças como o câncer, acidente vascular e outras. (Cressler et al 1997; Dalgard & Haheim, 1998; Vog et al,1992; apud Chor et al: 2001)
116
Do grupo de mulheres que costumam conversar, 75% elegem outras mulheres para confiar
seus problemas. É importante destacar que essas mulheres raramente elegem elementos do sexo
masculino (marido, irmãos) ou profissionais de saúde. No grupo (18%) que coloca ter várias
pessoas com quem contar - entre familiares e amizades, essas pessoas também são mulheres.
Destacamos o grupo (27%) que relata serem as filhas as pessoas em quem mais confiam seus
problemas, e que eram elas que as incentivavam a procurar o ginecologista para fazer preventivo,
o que pode estar mostrando que as filhas possuam uma melhor compreensão/entendimento sobre
saúde e prevenção de doenças, incluindo aí a prevenção do câncer do colo do útero.
A seguir, alguns depoimentos que expressam esse “apoio social”:
“Eu tenho essa mania de encher a paciência da minha cunhada e das minhas irmãs que moram próximo. Converso abertamente. Não tem essa bobeira. Ah! Não vou falar porque é um problema ginecológico. Eu não, converso abertamente, até com meus irmãos.” (42 anos)
“Às vezes com as minhas vizinhas eu gostava de conversar. Tinha umas que falavam: procura um médico, é bom a gente fazer preventivo, é bom a gente ir de ano em ano. Mas as vezes que eu ia nunca tinha vaga, nunca tive sorte ali.” (48 anos)
“Só com a minha filha, com outras pessoas não.” (52 anos)
“Não sou muito de ficar comentando. A não ser com a minha filha, porque nós duas somos muito amigas.” (57 anos)
Como mostram os depoimentos abaixo parte delas preferem guardar os problemas para si
mesmas, talvez por vergonha ou medo de se exporem.
“Não, sou muito fechada, não falo com ninguém. E depois que eu fui tendo esses problemas, fiquei muito trancada.” (46 anos)
“Difícil, guardo só para mim e agora estou com muita vergonha do meu marido.” (57 anos)
“Não, eu sei que isso pode me fazer mais mal, falar as vezes faz bem, mais aqui eu não tenho muito com quem conversar. Aqui eu só tenho uma irmã e ela mora muito longe.” (46 anos)
“Não, não, a minha família, as minhas irmãs é tipo assim: cada um por si entendeu, cada m por si. Sempre foi assim. Agora com esse problema é que eles chegaram mais, antes não. Eu até me achava muito sozinha e aí eu ia pra rua pra arrumar amizades (...), mas é difícil pra mim ficar falando.” (40 anos)
Mas, parece que essa reserva é deixada um pouco de lado a partir da gravidade dos
sintomas, da definição do diagnóstico e necessidade do tratamento, como pode notar-se nos
depoimentos a seguir:
“Agora, como o problema é muito grave, acho que com todo mundo. Antes não, até porque eu não sentia nada, não tinha nada que ficar me reclamando muito. O que eu sentia era coisa de mulher, coisa comum, uma inflamação, nem cólica eu sentia (...).” (26 anos)
“Agora eu converso com minhas filhas, com minha nora, mas antes eu não conversava, eu sentia caladinha, com medo de ir ao médico.” (48 anos)
117
Uma outra questão que merece destaque é o receio de falar da doença, pelo “medo de que
se espalhe” que aquela pessoa tem câncer, o que nos remete a questão do estigma doença.
“Não, sou muito fechada sobre isso, assim de falar, porque lá onde eu moro tem umas vizinhas, elas são boas, mas elas gostam de saber muito da vida da gente. Eu gosto, de tendo assim os problemas, conversar com o médico. Porque a gente fala, confia e aí fica na rua, todas elas lá ficam: fulana está assim, fulana está assim. Eu vejo elas falar das outras, então, não converso com elas não.” (54 anos)
Não converso com ninguém porque a maioria das pessoas vai sair contando, eu não tenho parentes aqui.” (46 anos)
Embora os dados levantados não nos permitam definir claramente a questão do “apoio
social” na vida dessas mulheres, podemos inferir que um grupo de mulheres conta com algum
suporte, ou seja, têm pessoas em quem confiar, com quem se sentem à vontade para falar de
seus problemas mais pessoais, problemas íntimos, mesmo problemas relativos à sexualidade, os
quais ainda envolvem muitos tabus e preconceitos. Evidenciou-se que esse apoio advém,
predominantemente, da família. Por outro lado, é significativo o número de mulheres que
apresenta dificuldades em buscar apoio junto a outras pessoas, mesmo da família, o que,
certamente, tem impacto negativo em qualquer circunstância da vida.
Para essas mulheres, ter pessoas em quem confiar problemas pessoais não contribuiu
para a prevenção do câncer do colo do útero. Porém, a existência desse “apoio social”,
certamente, fará um grande diferencial na vivência da doença, contribuindo efetivamente para um
melhor enfrentamento.
f – Avaliação dos serviços de saúde onde buscaram fazer preventivo
É indiscutível o papel e a qualidade dos serviços de saúde para a adesão das mulheres à
prevenção de doenças e em nosso destaque, do câncer do colo do útero. Assim, procuramos
saber como elas avaliam o atendimento recebido quando procuraram fazer preventivo. Como já
assinalamos, elas indicam ter procurado serviços diferenciados, como postos de saúde, pólos
secundários, hospitais gerais, clínicas populares, clínicas conveniadas ou mesmo serviços
particulares para fazer preventivo. Desse modo, a avaliação realizada não se refere apenas à rede
pública, mas aos serviços de saúde em geral.
Tínhamos clareza, que seria difícil obter uma avaliação129 objetiva dos serviços de saúde
através dos depoimentos das mulheres, porque neles se misturam situações e momentos
diferenciados. Mesmo assim, achamos necessário destacar o que essas mulheres pensam sobre
129 A qualidade dos serviços de saúde tem sido avaliada pelo Sistema e pelos profissionais, por critérios de eficiência e eficácia. O grau de satisfação de quem recebe os serviços não tem sido muito contemplado.
118
os serviços de saúde onde realizaram preventivos. Pelos depoimentos, percebemos que o
momento atual é mais marcante, pela necessidade premente de assistência.
Gráfico 39 Avaliação dos serviços
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Avaliação negativaAvaliação positivaSem avaliação
%
60
50
40
30
20
10
0
52
19
29
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com
câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Como observado no Gráfico 39, predomina uma avaliação negativa (52%) das mulheres
sobre os serviços de saúde. Quantos aos problemas no processo de atendimento, várias questões
são sinalizadas; algumas relativas à estrutura dos serviços e outras à atenção prestada pelos
profissionais: demora no atendimento, filas, necessidade de madrugar para conseguir
atendimento, muita gente para ser atendida (demanda reprimida), demora para receber o resultado
ou extravio do exame, atendimento muito corrido, não ter médico fixo, descaso, desumanidade,
falta de paciência, falta de orientação, falta de sensibilidade para com a desinformação, os limites
e receios das mulheres, dentre outros.
Apenas 19 % das mulheres fazem uma avaliação positiva do atendimento. Essa avaliação
se reporta, freqüentemente, ao momento atual e ao atendimento médico, quanto ao interesse do
profissional e a resolutividade do problema. Pelos depoimentos, outras questões parecem ser
colocadas em segundo plano quando a relação médico/paciente foi satisfatória. Um grupo
expressivo de mulheres (28%), teve dificuldade em avaliar, quer seja por não procurarem serviços
ou não se sentirem em condições de fazê-la.
119
Gráfico 40 Avaliação dos serviços/Tempo sem fazer exame
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não lembra 11%
Exame regular17%
Mais de 15 anos 10%
De 11 a 15 anos3%
De 6 a 10 anos 8%
De 3 a 5 anos 22%
2 anos 10%
Não fazia exame 19%
% 60
50
40
30
20
10
0
Avaliação serviços
Sem avaliação 29%
Aval. positiva 19%
Aval. negativa 52%
9
27
12
3
9
27
66888
17
33
25
17
66666
56
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Quando comparamos a avaliação dos serviços com o tempo que as mulheres estavam sem
fazer exame (Gráfico 40), verificamos que entre as que não se sentiram em condições de avaliar
destacam-se as que não faziam preventivo (56%) e as que não se lembram do tempo que estavam
sem fazer exame (17%). Das que fazem uma avaliação negativa, 27% estavam fazendo exame
regularmente, 27% estavam sem fazer de 3 a 5 anos, e 12% não fazem exame há mais de 15
anos (mesmo assim fazem uma avaliação negativa). Das mulheres que realizam avaliação
positiva, 33% estão entre 3 e 5 anos sem fazer exame; 25% estavam sem fazer há 2 anos; 25%
estavam há mais de 6 anos sem fazer exame e somente 8% estão entre as que fazem preventivo
regularmente. É importante destacar as avaliações dos grupos que estão com menos de 5 anos
sem exame e do grupo que faz exames regularmente pois, dos atendimentos que tiveram, parte se
deu no período de vigência do Programa o do Viva Mulher.
Destacamos os depoimentos abaixo que mostram as diferentes avaliações feitas por
nossas entrevistadas. Apesar da expressão simples, da argumentação fragmentada e impregnada
de sentimentos confusos, elas mostram, além das expectativas em relação aos serviços, um
potencial, uma capacidade crítica para avaliar os serviços prestados.
- das avaliações negativas
“Eu achava que devia ter mais assim um acordo, uma conversa com as mulheres e procurar conversar e aquelas que não conseguem, procurar conversar, trocar idéia, pra ver o que está acontecendo. Se é estado de nervo, vamos tratar desse estado de nervo, porque, por exemplo: a minha irmã sempre teve assim problema de dores desde os 30 e poucos anos. Então ela sempre vinha correndo pro médico. Já eu tinha saúde nesse
120
ponto, não sentia nada. A minha irmã, como mais doente, ela conseguia fazer esse exame que eu não conseguia (..). Aí quando eu tava assim vendo televisão, muitas vezes até no Globo Rural falando sobre as pessoas, daquelas senhoras, até daquelas de alta idade, lá dos recantos, tinha que ser examinada. Aquilo me entristecia e eu baixava a cabeça, porque eu não conseguia fazer.” (56 anos)
“Eu vou ser franca. Os dois melhores lugares que eu fui na BEMFAM e aqui. O resto, não leva a mal não. Porque lá em Itaboraí, onde eu moro já há oito anos(...) aquilo lá é um horror pra qualquer médico, pra preventivo também e pra qualquer coisa que você vai procurar ali. Pra você ver que eu estava me tratando com ginecologista e como nós estamos conversando aqui era como estava me tratando com ele. Ele não me examinava, nem encaminhava pra fazer o preventivo. Pra ele me encaminhar pra fazer o preventivo eu pedi, sem brincadeira, eu pedi.” (42 anos)
“Quando eu fui no posto, esse posto de saúde familiar, eu cheguei a fazer uma vez só. Era uma enfermeira que tirava e pronto. Não foi tão ruim, mas é muita gente, é um serviço muito rápido. Fazia uma coisa muito rápida, não era bem profunda.” (62 anos)
“No posto é muita gente. (...). A gente chegava de madrugada pra pegar ficha naquela época mas, pegar a ficha e voltar e pegar número, era muito difícil mesmo. Ter que levantar cedo, as filas enormes e poucos médicos também pra atender muita gente.(...).” (52 anos)
“Do SUS, nunca foi assim ... porque eu sempre procurava e nunca tinha o intermédio do resultado. O que não dá porque a gente procura e às vezes não tem o médico pra atender, a gente tem que esperar, fazer tipo uma matrícula e ficar esperando um tempão e não é bom isso.” (40 anos)
Além disso, muitas delas sinalizam a peregrinação que se obrigaram a fazer para conseguir
atendimento. A partir do aparecimento de sintomas como hemorragia, dor, corrimento, há uma
busca pelo atendimento médico e elas se colocam perambulando de serviço em serviço,
recorrendo a diversas estratégias para conseguir atendimento.
“Desses médicos todos que eu passei, até particular que eu paguei, lá em Nova Iguaçu, essa última doutora foi muito bacana, me tratou muito bem e ela me deu uma carta pra cá e aqui também não tenho do que reclamar. Mas, antes disso, eu já estava perdendo a paciência.(...). Eu fui naquele hospital que fica no Castelo, na cidade, cheguei lá e não fui atendida porque os médicos tinham entrado em greve. Depois eu fui nesse hospital de Bonsucesso, não consegui porque eles tinham suspendido a ginecologia. Eu procurei hospital lá perto da minha casa, mas não tem como. Até uma clinicazinha, um postinho pequeno que tem lá, mas nem cheguei a pegar número, porque todo mundo tava falando que o médico só olhava pra cara da gente e não resolvia nada, que se passasse algum exame era particular. Aí eu peguei e não fiz a consulta, porque pra pagar eu vou numa clínica aí e pago. Lá, onde eu moro, pra conseguir médico, só pela misericórdia de Deus. Uma pessoa tem que ter convênio com uma clínica ou tem que ter dinheiro no bolso pra pagar particular..” (33 anos)
“Eu fiz um preventivo lá perto da minha casa, negócio de clínica comunitária. (...) Inclusive nessa clínica o doutor que colheu o exame, quando eu fui buscar o exame, logo de início eu fiquei com o pé atrás porque ele falou pra mim que o meu exame estava duvidoso. E daí ele pediu vários exames, então penei pelo SUS e não consegui. Ai encontrei uma pessoa que se tornou minha amiga que falou: Aí fui numa vereadora lá em São João e ela me encaminhou lá pra um hospital de São João. Fui lá, tive atendimento do médico mas ele nem me tocou. Eu estava com hemorragia há 4 meses e não estava suportando mais. O que me deixa chateada é isso que eles nem me tocam. Aí eu conversei com a minha cunhada que trabalha no Hospital Carmela Dutra e ela conseguiu pra mim lá, eu cheguei cedo e comecei a tratar. Aí a médica me examinou, ela chamou outro médico e falou assim: está parecendo um tumor maligno. Eu não perguntei nada na hora. Ela colheu exame e depois eu voltei pra fazer os outros exames que ela pediu e ela me encaminhou pra cá.” (36 anos)
Destacamos que algumas mulheres se mostram inconformadas pelo fato de estarem com
câncer do colo do útero. Na medida qum estavam fazendo preventivo regularmente, não entendem
121
como o câncer não foi detectado em tempo. Desse modo, mostram total descrédito no preventivo.
É muito difícil entender o que possa ter ocorrido com essas mulheres, mas é marcante a sua
revolta (vide p.98).
Seguem alguns depoimentos que expressam essa questão:
“A doença quando ela chega, não tem jeito. Você não precisa faze preventivo porque eu fiz meus preventivos e não acusou. É isso que eu avalio. Eu não sei se é erro dos preventivos, da onde foi feito, ou se é erro do preventivo mesmo, não sei o que foi o erro, só sei que nos meus preventivos não acusou. Acusava uma inflamação, acusava tudo, mas não acusava isso. O que acusou foi à biópsia.” (26 anos)
“Lá, foi péssimo! Não acredito mais neles! Eles estavam até querendo que eu me tratasse lá em Volta Redonda, mas eu não trato, fico por aqui mesmo. Vou voltar lá de novo, vou levar os meus preventivos pra eles verem e não fazerem mais isso com outras pessoas.” (57 anos)
“Dos outros eu não me lembro bem pra responder, mas desse último aí eu acho que foi falha médica, porque ele falou que eu não tinha nada, que era apenas um miomazinho que eu tinha no útero. Eu acho que foi falha médica porque ele não detectou o meu problema, porque senão eu teria tomado uma precaução melhor, me cuidar mais e procurar o mais rápido possível o tratamento. Porque no exame de 2002 não deu nada e no de Janeiro desse ano também não. No exame de 2002 deu uma candidíase e na época ele passou uma pomada.” (57 anos)
“Eu achei tudo uma farsa, eu acho que eles deviam brincar menos co a saúde das pessoas, porque eu fui enganada, porque eu fazia meu tratamento direitinho. Às vezes eu não tinha condições de pagar médico particular, mas eu fiz isso, cheguei a pagar médico particular. Eu achava que no posto de saúde eu não ia fazer aquele tratamento como se fosse particular. Então cheguei até a fazer isso, sair do posto de saúde e pagar para fazer no médico particular. Eu cheguei a tirar o feijão e o arroz de casa pra botar em médico particular, achando que ia ser mais bem atendida. Isso antes mesmo de estar sentindo isso, porque eu já estava com problema, mas eu não sabia. (...) Quer dizer, eu não esperava por isso, porque eu estava me tratando direitinho.” (41 anos)
- das avaliações positivas
“Eles sempre me tratavam bem. Passavam remédio e eu nunca tive nada, graças a Deus. Passavam remédio, passavam comprimido. A minha doutora falava assim: olha Dona ..., você vai tomar esse remédio, seu marido também tem que tomar, pra limpar os dois (...). Aí mandava eu voltar daí a 6 meses, às vezes 8 meses.” (43 anos)
“Desse atendimento agora eu gostei, se não fosse a Drª S., eu não estava aqui. Ela se interessou. Não se interessou de fazer o preventivo no primeiro dia por causa da hemorragia. Quando eu fui com a ultra, que eu fiz por minha conta, e fui preparada pra fazer o preventivo, ela me atendeu.” (34 anos)
“Eu estava com o preventivo marcado pra Setembro, lá no Bancários, mas nem chegou a fazer porque a doutora falou que eu estava com muito escorrimento e que ela não ia me examinar. (...) Aí bati a ultra que ela pediu pra bater uma ultra. E aí na ultra só deu um mioma. Eu fui saber mesmo lá no Paulino WerneK que a médica me encaminhou pra fazer a biópsia. A médica me examinou e deu suspeita da doença e me encaminhou. Se eu estou fazendo tratamento, eu agradeço a ela, porque os outros médicos não falavam nada.” (48 anos)
122
Gráfico 41 Outros problemas de saúde/Fazem tratamento para out ras doenças
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
NãoSimSem outra doença
%
120
100
80
60
40
20
0
Outros problemas
Sim - 65%
Não -35%
100
27
73
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
Como se verifica no Gráfico 41, mais da metade das mulheres (65,%) têm outros
problemas de saúde, o que nos remete à questão da freqüência dessas mulheres ao sistema de
saúde. A maioria apresenta quadro de doenças crônicas como a hipertensão, diabetes,
osteoporose, problemas cardíacos, problemas renais, dentre outros, embora também sejam
apontados problemas mais esporádicos.
Do grupo que tem outros problemas de saúde, 73% afirma que tem procurado assistência
médica para esses problemas e que estão fazendo tratamento com seguimento sistematizado. De
acordo com os depoimentos, esse atendimento é feito em diversos serviços de saúde,
destacando-se 42,% em postos de saúde, 26% em hospital geral e 23% em clínica conveniada.
Gráfico 42 Fazem tratamento para outras doenças/Tempo sem prev entivo
Mulheres com câncer do colo do útero HCII/INCA/RJ
Não - 27%
Sim - 73%
Sem outra doença100%
% 120
100
80
60
40
20
0
Tempo sem preventivo
Não fazia exame -19%
2 anos -10%
De 3 a 5 anos - 22%
De 6 a 10 anos - 8%
De 11 a 15 anos - 3%
+ de 15 anos - 10%
Exame regular - 17%
Não lembra -11%
100
9
27
64
17
33
50 5050
4040
20
29
43
29
1717
67
17
67
17
Fonte: CARVALHO, C.S.U. Condições de vida e de trabalho de mulheres com câncer do colo do útero em estágio avançado. HCII/INCA/RJ. FSS/UERJ: 2003
123
Quando analisamos a relação entre o tratamento para outros problemas de saúde e o
tempo que estão sem fazer preventivo (Gráfico 42), verificamos que 67% das mulheres que não
faziam preventivo; 100% das que não se lembram o tempo que estão sem fazer exame; 50% das
que estão entre 10 a 15 anos sem fazer exame e 33% das que estão há mais de 15 anos, estavam
fazendo tratamento para outras doenças, totalizando 73%, muito embora não possamos precisar
há quanto tempo130. Isso significa que elas estavam, sistematicamente, transitando pelos serviços
de saúde. Assim, o fato dessas mulheres estarem inseridas nos serviços de saúde, ao longo de
sua vida, não contribuiu para que elas tivessem acesso aos serviços de diagnóstico e tratamento
precoce do câncer do colo do útero. Estes serviços, muito provavelmente, funcionam no mesmo
espaço em que obtiveram atendimento para outras patologias. Por outro lado, à inserção em
serviços de saúde parece não ter contribuído para um atendimento imediato a partir da
sintomatologia apresentada, relativa ao câncer do colo do útero.
Assim, nos indagamos: será que os profissionais que acompanham essas mulheres, por
outras patologias, tiveram a preocupação de saber se elas estavam com outros problemas de
saúde e se estavam realizando preventivo? Mesmo correndo o risco de uma avaliação precipitada,
nos parece que não houve essa preocupação. Poderíamos dizer que, nesse caso, a perspectiva
de uma atenção integral à mulher - como assegurada na Constituição de 1988 e na Lei Orgânica
da Saúde – que deveria estar presente nos serviços de saúde, ainda está longe de ser alcançada.
Seria de se esperar, após tantos anos de funcionamento do SUS, que clínicos, cardiologistas e
outros especialistas, tivessem a preocupação com as questões que envolvem a saúde da mulher,
como a prevenção do câncer do colo do útero e do câncer de mama, que são dois tipos de câncer
recorrentes para a mulher.
Este fato, possivelmente, decorre da predominância da especialização médica, a qual
enfatiza uma atenção fragmentada à saúde e a falta de acesso às ações oferecidas pelos demais
profissionais de saúde. A atenção integral exige diferentes profissionais131 de saúde com uma
abordagem que privilegie a promoção, a prevenção de danos, agravos e riscos à saúde, sem
prejuízo das ações assistenciais. Nos perguntamos: até que ponto o Programa Viva Mulher têm
propiciado o envolvimento dos demais profissionais de saúde, objetivando a prevenção do câncer
do colo do útero na perspectiva da atenção integral à mulher, com ênfase na promoção da saúde
e prevenção de doenças.
130 Considerando que as doenças crônicas apontadas, anteriormente, implicam um atendimento sistemático - a longo prazo - e a predominância de mulheres de faixas de idade acima de 40 anos, acreditamos que esse atendimento ocorra há algum tempo ( embora isso não tenha sido perguntado). 131 Reconhecendo a imprescindibilidade das ações realizadas por diferentes profissionais de saúde para garantir o direito à saúde e à integralidade das ações, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) (Resolução nº 218, de 6/3/1997) reconheceu como profissionais de saúde de nível superior as seguintes categorias: assistentes sociais, biólogos, profissionais de educação física, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, médicos veterinários, nutricionistas, odontólogos, psicólogos e terapeutas ocupacionais. (Vasconcelos: 2002)
124
A análise dos depoimentos reforça a idéia da concepção de saúde como ausência de
doenças por parte das mulheres. Essas mulheres buscam tratamento para patologias como
hipertensão, diabetes, problemas cardíacos, etc, em geral, devido à presença de sintomas – assim
como o fizeram a partir de sinais do câncer do colo do útero – uma atitude que parece ser
incentivada pelos próprios profissionais de saúde quando reforçam a concepção curativa. Se
essas mulheres procuraram os serviços de saúde em função de doenças que apresentam
sintomas mais imediatos, é importante destacar que o câncer do colo do útero tem uma fase
assintomática. Desse modo, enquanto o próprio sistema de saúde reforçar uma concepção
curativa - dificilmente se avançará na perspectiva da prevenção, principalmente, do câncer do colo
do útero.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os pressupostos do estudo apontam que as precárias condições de vida de mulheres com
câncer do colo do útero avançado – que pertencem aos segmentos menos favorecidos da classe
trabalhadora – constituem limites concretos para elas assumirem o controle de sua saúde e, nesse
contexto, a prevenção do câncer do colo do útero como rotina em suas vidas. Limites que incluem
as deficiências dos serviços de saúde. Aprofundando a análise sobre as condições sociais,
econômicas e culturais das mulheres com câncer do colo do útero avançado, os achados da
pesquisa realizada ampliaram a compreensão sobre as dificuldades enfrentadas por essas
mulheres em seu cotidiano de vida e sobre a experiência delas em relação à prevenção do câncer
do colo do útero. Assim, o estudo apresenta outras questões que precisam ser entendidas no
contexto do problema do câncer do colo do útero no Brasil.
Os depoimentos das mulheres estudadas revelaram elementos fundamentais para
compreensão do cotidiano de vida de mulheres dos segmentos menos desfavorecidos da classe
trabalhadora, as mais vulneráveis aos riscos do câncer do colo do útero. Assim, ainda que esse
estudo não possa ser generalizado para o conjunto das mulheres brasileiras, ele aponta elementos
que encontram sintonia com indicadores sociais registrados pelo IBGE em relação às mulheres
desses segmentos. Portanto, podem servir de referência para pensar as dificuldades vivenciadas
por uma parcela da população feminina para exercer o direito à prevenção na saúde, mais
especificamente, do câncer do colo do útero.
Os dados levantados, em seu conjunto, apontam que as mulheres estudadas vivenciam
um processo de luta constante para prover os recursos necessários à sua sobrevivência e de sua
família, especialmente quando são chefes de família (no grupo estudado 35% são chefes de
família). São mulheres que têm níveis elementares de escolaridade (93% não ultrapassaram 8
anos de estudo e 60% só têm até 4 anos). Sua condição de trabalho revela uma inserção
precarizada no mercado de trabalho, em ocupações de pouca qualificação (a maioria em âmbito
doméstico - 52% são empregadas domésticas, faxineiras, etc. e 19% trabalham no próprio
domicilio), com baixa remuneração, que apresentam altos níveis de exploração.
A precária situação de trabalho e a insuficiência de renda própria e renda familiar (54% das
famílias têm renda até 2 salários mínimos) traduzem-se em graves deficiências nas condições de
vida pois comprometem, efetivamente, a satisfação das necessidades básicas de alimentação,
habitação, educação e saúde, etc. Por essa inserção no mercado de trabalho, a maioria das
mulheres (58%) não tem vínculo previdenciário. Na situação de vulnerabilidade social imposta pela
doença, a maioria dessas mulheres se encontra sem qualquer proteção social, o que compromete
126
o poder aquisitivo da família, a ponto de algumas delas (16%) precisarem manter-se trabalhando,
apesar de doentes, possivelmente, pela necessidade de garantir a renda da família.
Por outro lado, destacou-se no estudo o lugar que essas mulheres ocupam na família. São
mulheres trabalhadoras que, além da efetiva participação no provimento da família, centram sua
identidade no papel de mãe, de esposa e dona de casa. Elas cuidam de tudo e de todos, deixando
a si mesma em segundo plano e isso envolve os cuidados com a saúde.
Evidenciou-se que 85% delas são residentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro,
região que, pelo grau de desenvolvimento no país, deveria oferecer melhores condições de vida e
saúde para a população. Assim, a condição social e econômica das mulheres estudadas encontra
parâmetros em estudos que apontam o aumento da pobreza nas grandes cidades.
O cotidiano das mulheres estudadas revela, portanto, a qualidade de vida a que estão
expostas grandes parcelas da população brasileira, que sofrem os efeitos de privações resultantes
das desigualdades sociais que se gestam na sociedade brasileira. Esse cenário, de acordo com
Martins (1997), espelha o quadro de inclusão/exclusão de milhões de brasileiros, que apresenta
indicadores de uma forma de inserção na vida social; a proposital inclusão precária e instável pela
via de exclusão, pela não participação e pelo mínimo usufruto da riqueza socialmente produzida.
O estudo evidencia, também, que não é somente a pobreza e a precariedade das
condições de vida desse segmento de mulheres que comprometem os cuidados com a saúde, a
concepção e o exercício da prevenção e, neste caso, a realização do exame preventivo para o
câncer do colo do útero como rotina na vida dessas mulheres. Outros fatores se fazem presente,
construindo um quadro multicausal, considerando-se o domínio de conhecimentos e de
tecnologias para prevenção e diagnóstico e tratamento precoce desse tipo de câncer.
Um desses fatores é a cultura acumulada por elas em relação à compreensão sobre saúde.
Mesmo verificando que algumas mulheres expressam compreender os determinantes da saúde,
ou seja, “saúde como resultado de condições de vida”, é muito forte a idéia de “saúde como
ausência de doença” o que as levou a buscar assistência médica somente quando apareceu
algum sintoma de enfermidade. Assim, entendemos que a concepção de prevenção para essas
mulheres é praticamente nula.
Foi expressivo o número de mulheres que por “não sentirem nada” não procuravam ou
deixaram de fazer preventivo. Mesmo quando apresentam outros motivos que dificultaram a
realização do preventivo – como as responsabilidades com a família, as condições financeiras, os
problemas relacionados ao trabalho, o medo de perder o emprego, os limites pessoais como medo
e vergonha e mesmo as deficiências dos serviços de saúde – o fato de não terem sintomas foi
127
marcante. Ou seja, aos “outros problemas”, o fato de “não sentirem nada” está sempre agregado.
Essa é uma questão central porque essas mulheres desconhecem que o câncer do colo do útero
tem, como característica marcante, uma evolução “silenciosa” passando por uma longa fase
assintomática. Temos claro que a cultura acumulada por elas tem relação com o nível de instrução
mas, por outro lado, entendemos que é fomentada pelo sistema de saúde e pelos próprios
profissionais, pela hegemonia que se confere à concepção curativa na saúde.
Temerem a doença, saberem da existência de um exame que pode evitá-la e mesmo tendo
realizado exame uma ou mais vezes, não foi suficiente para evitar que essas mulheres só
alcançassem o diagnóstico da doença já em condições avançadas. Por seus depoimentos, elas
fizeram exames em função de queixas ginecológicas ou por sintomas mais sérios de doença, que
as obrigaram a procurar assistência médica sem estarem, na verdade, exercendo o direito à
prevenção.
Entretanto, nos surpreendeu o grupo de mulheres (17%) que afirmou estar realizando
exames regularmente, não encontrando explicação para a doença – avançada –, visto que os
exames anteriores não acusavam alterações, o que pode estar relacionado com falhas na coleta
do exame ou erro na análise do material (vide p.98). Esta é uma questão grave a ser investigada,
pois revela o nível de qualidade dos serviços de saúde relacionados à prevenção e detecção
precoce do câncer do colo do útero, especialmente, os destinados às mulheres pobres.
Outra evidência, que chama a atenção, é o fato de mulheres jovens com 24, 26 anos
(embora em pequeno percentual) estarem com câncer do colo do útero avançado. Se o câncer do
colo do útero leva de 10 a 15 anos para chegar a uma fase invasiva, deduz-se que, para essas
jovens, a doença iniciou sua evolução na adolescência. Sabe-se que a prevalência da infecção
pelo HPV é maior em mulheres mais jovens (Nonnenmacher et al; apud Costa & Fernandes:
2003), que não têm sido priorizadas pelas campanhas de prevenção do câncer do colo do útero.
Essa evidência aponta a necessidade de investigação sobre o quadro da doença entre mulheres
jovens. Mostra, também, a necessidade de socializar entre os adolescentes a informação sobre o
risco de contaminação pelo HPV, que pode ter como conseqüência o câncer do colo do útero –
informação que deve ser incluída numa abordagem das DSTs – tendo em vista o início, cada vez
mais precoce, da atividade sexual (vide nota 99). Além disso, é fundamental que campanhas
futuras sobre o câncer do colo do útero incorporem esse público alvo.
Cabe, também, chamar atenção para o fato de que o Programa de Controle do Câncer do
Colo do Útero, embora reconhecendo a responsabilidade do homem quanto à transmissão do HPV
– pela múltipla parceria “culturalmente mais tolerada” – não tem investido em ações para incluir o
128
elemento masculino na prevenção do câncer do colo do útero, mantendo as ações centradas na
esfera da ginecologia e assim, voltadas apenas para as mulheres,
Outro aspecto relevante apontado pelo estudo, é o limitado conhecimento que as mulheres
têm sobre o funcionamento do próprio corpo e sobre a prevenção do câncer do colo do útero. Elas
desconhecem os fatores de risco, o processo de desenvolvimento da doença (que passa por
lesões precursoras - com evolução silenciosa e assintomática) e a forma adequada (periódica)
de realização do exame preventivo. O “conhecimento” adquirido, de forma fragmentada, pontual e
assistemática, é marcado por dúvidas, temores e contradições, que resulta dos limites sócio-
culturais das mulheres, de sua inserção social, mas que, por serem mulheres que transitavam pelo
sistema de saúde – como mostra o estudo – também resulta da atenção prestada pelos
profissionais de saúde às mulheres e à maneira como são passadas as informações.
Pelos depoimentos das mulheres, verifica-se que as informações repassadas pelos
profissionais de saúde são impregnadas de lacunas, que ora minimizam o problema, ora
dramatizam a situação e amedrontam. Não raro, os profissionais culpabilizam a mulher, sem
esclarecer a realidade dos fatos e sem orientar, objetivamente, como deveriam preceder para
prevenir o câncer do colo do útero. Os depoimentos não revelam qualquer referência à orientação
profissional sobre o câncer do colo do útero, seus fatores de risco, indicação de realização do
exame preventivo e sua periodicidade, nem mesmo os das mulheres que realizavam o exame
preventivo regularmente. Os depoimentos sugerem uma atenção profissional imediatista, sem
preocupação com a sistematização do acompanhamento. Nos parece que a forma de relação com
as usuárias é pautada nas próprias diferenças sócio-culturais entre profissionais/usuárias e nos
preconceitos quanto à capacidade delas de compreender as orientações médicas.
É um quadro que nos remete às seguintes indagações: até que ponto os profissionais de
saúde, após 16 anos da implantação do SUS estão treinados e motivados para orientar sobre
promoção e prevenção: até que ponto os profissionais de saúde atuam numa perspectiva de
atenção integral à saúde da mulher?
As mulheres revelaram experiências difíceis com os serviços de saúde quando buscaram
atendimento para preventivo. São questões relativas à estrutura dos serviços, às formas como
estão organizados para prestar atendimento, às dificuldades de acesso, à demanda reprimida, à
falta de profissionais, à resolutividade dos problemas, bem como às questões relativas ao
acolhimento nos serviços, especialmente, a relação pouco satisfatória com o profissional médico.
Assim, a resistência e as dificuldades que essas mulheres apresentam em relação à prevenção
também podem estar relacionadas a essas experiências negativas nos serviços de saúde. Fica
claro em seus depoimentos, que a avaliação negativa que fazem não se reporta apenas aos
129
serviços da rede pública, pois se evidenciou que as mulheres buscaram atendimento em diversos
serviços de saúde.
Assim, são diversos fatores que se associam e que precisam ser compreendidos, no
âmbito do sistema de saúde, para serem superados porque, se a não adesão das mulheres tem
relação com as condições sociais, econômicas e culturais das mulheres dos segmentos menos
favorecidos da classe trabalhadora constatamos, também, que as deficiências dos serviços de
saúde e a relação dos profissionais com as usuárias podem explicar, em parte, o fato delas não
terem incorporado uma atitude preventiva em suas vidas. Na verdade, a não adesão reflete, em
última análise, os problemas do sistema de saúde.
O fato de termos, atualmente, um programa estruturado em caráter nacional, com ações
sistemáticas e continuadas no âmbito do SUS, com uma rede organizada para o seguimento das
mulheres com lesões precursoras representa, efetivamente, um grande avanço para o controle da
doença no país. Ampliou-se o rastreamento de mulheres com maior risco e o acesso delas aos
serviços de atenção primária e secundária. Mas esses avanços, não necessariamente, estão
garantindo que a adesão das mulheres tenha se fortalecido, pois isso implica, antes de tudo,
superar as dificuldades vivenciadas por essas mulheres em seu cotidiano, para poderem
incorporar a prevenção como rotina em suas vidas. Portanto, as estratégias de motivação das
mulheres precisam contemplar o contexto sócio-econômico-cultural dessas mulheres. Além disso,
é preciso que os profissionais de saúde estejam preparados e atentos para perceber os limites e a
necessidade de informação das mulheres sobre o câncer do colo do útero para que, assim,
possam combater as contradições, o desconhecimento, o medo, a vergonha. É preciso deixar
muito claro que a doença age silenciosamente, que tem uma fase assintomática.
Nesse sentido, é premente a adoção de práticas que não afastem essas mulheres dos
serviços de saúde mas que, pelo contrário, fortaleçam o seu vínculo pela construção de uma
relação de confiança. Práticas baseadas em relações democráticas solidárias que fortaleçam as
mulheres na prevenção, o que pode contribuir para que elas se tornem multiplicadoras, para outras
mulheres, do conhecimento sobre saúde, sobre a perversão do câncer do colo do útero e de
outras doenças passíveis de prevenção.
Para tanto, torna-se fundamental a capacitação continuada para os profissionais de saúde
de um modo geral, no sentido da relação com as usuárias, bem como a capacitação técnica dos
profissionais específicos, tendo em vista a qualidade da coleta e análise do material do exame
preventivo.
130
Para que a população possa tirar de foco a doença e passar discutir saúde, transformar a
"cultura curativa” e recuperar o lugar da promoção e da prevenção, faz-se necessário que o
próprio sistema de saúde passe por esse processo, o que significa que, cada vez mais, é preciso
reforçar o Projeto da Reforma Sanitária, promovendo uma competente interação com as
características sociais e econômicas da população.
Isso aponta para a necessidade de se criarem espaços coletivos de discussão, onde a
socialização de informações seja o caminho para “construção de experiências e vivências de
novas relações sociais sob bases democráticas, onde fluam informações, conhecimentos e
experiências necessárias à busca de realização dos direitos sociais” (Vasconcelos: 2000,128). Isso
significa reprocessar a qualidade da atenção, a capacitação, a responsabilidade coletiva dos
profissionais com a saúde da mulher, priorizando a promoção e proteção da saúde, como
garantido constitucionalmente.
Iniciamos nosso trabalho lembrando o momento de desafio que vivemos. Aqui reafirmamos
que é possível enfrentá-lo. Sabemos que, ainda, são muitas as dificuldades a serem superadas a
fim de garantir o acesso e aumentar a adesão das mulheres à prevenção do câncer do colo do
útero. Antes de tudo, é preciso reconhecer a realidade de vida das mulheres, a desigualdade na
qualidade de vida. É preciso entender que a precariedade das condições de vida dessas mulheres
não é algo que se supere a curto e a médio prazo, tendo em vista as condições sociais vigentes
que submetem as políticas sociais à ordem econômica.
Mesmo assim, se a precariedade das condições de vida resulta em agravamento do
quadro de saúde de segmentos expressivos da classe trabalhadora, por outro lado, estes
segmentos podem ser poupados de intercorrências graves, caso tenham acesso a serviços de
prevenção, diagnóstico e tratamento precoce qualificados, o que significa democratizar os avanços
tecnológicos disponíveis. Assim, é preciso encontrar formas que superem as dificuldades
encontradas neste estudo e investir em ações diferenciadas que possam garantir o acesso e
qualificar a atenção profissional para fortalecer a adesão aos recursos existentes, o que só é
possível através de ações educativas e solidárias desenvolvidas com a participação da
comunidade e dos profissionais de saúde, todos mobilizados para transformar essa realidade do
câncer do colo do útero no país.
131
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139
ANEXOS
ANEXO 1
FORMULÁRIO DE ENTREVISTA
Pesquisa sobre as condições de vida e de trabalho das mulheres com câncer de colo de útero.
N° do Formulário:_______________ Nº do prontuário
Estadiamento (Dados do prontuário)_______________ Mês da Matrícula:__________