UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE QUÍMICA INGRID LOPES BARBOSA Desenvolvimento de métodos de análise de drogas de abuso em dried urine spots (DUS) por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial (LC–MS/MS) CAMPINAS 2018
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE QUÍMICA
INGRID LOPES BARBOSA
Desenvolvimento de métodos de análise de drogas de abuso em dried urine
spots (DUS) por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas
sequencial (LC–MS/MS)
CAMPINAS
2018
INGRID LOPES BARBOSA
Desenvolvimento de métodos de análise de drogas de abuso em dried urine
spots (DUS) por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas
sequencial (LC–MS/MS)
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de
Química da Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título
de Mestra em Química na área de Química Analítica
Orientador: Prof. Dr. Marcos Nogueira Eberlin
Co-Orientador: Prof. Dr. José Luiz da Costa
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA
PELA ALUNA INGRID LOPES BARBOSA, ORIENTADA PELO PROF. DR. MARCOS
Anexo 1. Parecer do comitê de ética. ................................................................. 75
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1. Introdução
1.1. As Ciências Forenses
Do ponto de vista histórico, considera-se que foi em meados do século XIX, após
um grande desenvolvimento das ciências básicas como a química, a toxicologia, a
biologia, a física e a medicina que surgiram também os estudos acerca das ciências
forenses. Nesta época, o juiz Hans Gross (1874-1915) foi um dos primeiros estudiosos
a perceber a importância e aplicabilidade que os conhecimentos científicos adquiridos
poderiam ter na resolução dos crimes e ficou conhecido como fundador da
criminalística e da criminologia. A partir de então, a investigação de evidências em
quantidades traço e mortes suspeitas, antes analisadas de forma subjetiva, ganharam
grande destaque [1].
Em janeiro de 1910, Edmond Locard (1877-1966) foi o responsável pela criação
do primeiro laboratório científico da polícia no mundo, o Laboratório de Polícia Técnica
de Lyon, localizado em Lyon, na França. Além disto, Locard foi o responsável pela
criação de um dos princípios fundamentais das ciências forenses: todo contato deixa
um vestígio (Princípio da troca). Em 1918, este estudioso publicou o Tratado de
Criminalística, uma série de livros de sete volumes produzidos manualmente. Ele
continuou seus trabalhos e pesquisas até sua morte [2].
A criminalística tem como objetivo principal o reconhecimento e interpretação de
indícios materiais extrínsecos, relativos ao crime ou à identidade do criminoso. A
investigação criminal inicia-se pelo exame do local do crime, com a coleta dos
vestígios, os quais, caso confirmados possuírem relação com o fato delituoso, tornam-
se indícios. Deste modo, a química forense é uma importante ferramenta aliada da
criminalística, uma vez que esta ciência irá se utilizar de análises inorgânicas e
orgânicas ou toxicológicas de forma a caracterizar as evidências de um crime [3].
As análises inorgânicas e orgânicas clássicas envolvem a apreciação de vestígios
como resíduos de pólvora (GSR, do inglês, Gun Shot Residues – resíduos de disparo
de armas de fogo); traços de tintas; fibras; exames metalográficos; de drogas de abuso
e outras substâncias orgânicas in natura; vidros e cerâmicas; explosivos e resíduos
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de incêndio, entre os mais variados tipos de materiais. Por sua vez, as análises
toxicológicas visam isolar, identificar e, sempre que necessário, quantificar álcool,
drogas e seus metabólitos, praguicidas e outras substâncias em matrizes biológicas
[2].
Para que as análises toxicológicas sejam realizadas de forma inequívoca, a
escolha do material biológico a ser analisado e a metodologia a ser empregada devem
ser feitas através de conhecimentos científicos da droga em si, tais como sua origem
e mecanismos de ação. Sendo assim, faz-se necessário reconhecer primeiramente
três elementos: a existência de uma substância química (agente), os efeitos que as
drogas terão nas células ou organismo vivos que influenciarão as funções corporais
por meio de mudanças bioquímicas nos fluidos e tecidos (toxicodinâmica), e a forma
com que o organismo irá absorver, distribuir, biotransformar e eliminar esta droga
(toxicocinética) [4].
Os principais fluidos biológicos utilizados na rotina laboratorial são sangue (ou
seus derivados soro e plasma) e urina. Porém, existem diversas outras matrizes
biológicas que podem ser utilizadas em análises toxicológicas como: saliva, bile,
humor vítreo, líquido cefalorraquidiano, conteúdo gástrico e cabelo. Apesar de o
sangue representar um dos fluidos mais importantes nessas análises, uma vez que
existem diversas metodologias bem estabelecidas com grande quantidade de dados
e informações encontrados na literatura, sua janela de detecção, ou seja, o tempo no
qual é possível detectar laboratorialmente drogas em uma amostra é curto.
Geralmente, em casos onde se deseja uma janela de detecção um pouco maior, em
escala de dias, amostras de urina podem ser usadas no lugar do sangue, onde
geralmente os metabólitos, substâncias produzidas no organismo através da
biotransformação da droga, serão detectados. Além disto, quando as análises se
objetivam a avaliar o uso após alguns meses ou o uso contínuo, o cabelo é a matriz
mais empregada, e fornece uma estimativa do tempo em que esta substância foi
utilizada [5].
20
Primeiramente, essas amostras passam por uma triagem, ou seja, exames não
específicos cujo objetivo é excluir grupos e indicar uma possível substância. Como
exemplo de exames de triagem pode-se citar os imunoensaios. Dentro dos
laboratórios, estas amostras seguirão para testes de confirmação e quantificação, que
serão feitos utilizando instrumentos analíticos de maior especificidade e sensibilidade,
como cromatografia gasosa ou cromatografia líquida de alta eficiência acoplados à
espectrometria de massas. É importante também ressaltar que, para que estes
resultados tenham validade do ponto de vista judicial, é importante que a cadeia de
custódia seja mantida através da documentação de cada etapa pela qual ela for
submetida, tornando possível o rastreamento da posse e manuseio, evitando
questionamentos sobre a validade do material analisado [6].
Posteriormente à seleção da amostra a ser coletada, o acondicionamento e
preservação dos indícios de forma correta é de fundamental importância para a
perícia, sobretudo quando se trata de vestígios que serão posteriormente analisados
em laboratório, assegurando resultados que representem de fato o material coletado
no local do crime. Portanto, recipientes especiais e específicos devidamente
etiquetados e identificados são utilizados na coleta dos vestígios. Além disto,
conforme preconiza o Artigo 170 do Código de Processo Penal (CPP, Decreto-lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941): Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão
material suficiente para a eventualidade de nova perícia [7]. Desta forma, para cada
amostra submetida à análise em laboratórios forenses, uma parte deverá ser
armazenada até o fim do processo judicial, visando garantir o direito de ampla defesa,
onde ao acusado é reservado o direito de contestar a prova, caso se mostre
pertinente.
No caso da urina, a coleta é feita geralmente em tubos de plástico e as amostras
são encaminhadas para a análise logo em seguida. Quando os procedimentos
laboratoriais não podem ser realizados imediatamente ou há necessidade de
armazenamento da amostra, o ideal é que sejam estocadas em geladeira em
temperaturas de 2 a 8 ºC, por até 7 dias, ou em congelador (-20 ºC ou menos) quando
mais tempo for necessário. Contudo, nas análises toxicológicas de rotina, a guarda do
material coletado frequentemente é dificultada, ou até mesmo inviável, uma vez que
a quantidade de amostra disponível nem sempre é suficiente para que as análises
21
possam ser realizadas mais de uma vez, e muitas substâncias tóxicas e/ou seus
produtos de biotransformação são instáveis nos fluidos biológicos [8]. Diversos
estudos reportam a estabilidade de diferentes drogas em diferentes matrizes
biológicas [9-13], através dos quais é possível notar que perda de analito ocorre, mais
frequentemente, por fenômenos químicos como reações de hidrólise e oxidação ou
ainda por fenômenos físicos como volatilização e precipitação. Além disso, alguns
analitos possuem, ainda, tendência a aderir à superfície plástica ou de vidro do
recipiente de acondicionamento dependendo de suas propriedades físico-químicas
[14,15]. De maneira geral, a estabilidade é dependente principalmente de três fatores:
temperatura, onde amostras armazenadas sob refrigeração tendem a ser muito mais
estáveis do que em temperatura ambiente; pH do meio; e tipo de matriz biológica.
Porém, mesmo quando armazenadas em condições otimizadas, nem sempre a
estabilidade é suficiente para que a amostra seja confiável até o fim do processo
judicial. Além disto, os métodos convencionais de análise empregados rotineiramente
nos laboratórios forenses se utilizam de volumes muito grandes, na escala de
mililitros, de amostras. Sendo assim, a aplicação de novos métodos de coleta de
material e amostragem que se utilizam de amostras na escala de microlitros são de
grande interesse.
1.2. Dried Urine Spots (DUS)
A técnica de amostragem de sangue seco em papel, denominada dried blood spots
(DBS), é amplamente reconhecida e utilizada em casos clínicos desde a década de
1960 [16]. Embora sua principal aplicação seja o monitoramento de distúrbios
metabólicos hereditários em recém-nascidos, nos últimos anos tem recebido cada vez
mais atenção, levando ao desenvolvimento de diversas técnicas com aplicação em
diferentes campos de estudo [17-19]. A amostragem consiste em, através de uma
punção no dedo, recolher uma gota de sangue capilar em um papel coletor, próprio
para receber a amostra que, após secagem em condições ambientes, é armazenada
até que as análises possam ser realizadas.
22
A Figura 1 retrata que há um número crescente de trabalhos envolvendo esta
técnica nos últimos 10 anos, segundo os bancos de dados SciFinder e Scopus, para
artigos científicos completos publicados em periódicos. Inclusive, ao comparar uma
busca realizada em até fevereiro de 2018 com o ano de 2008 em sua totalidade, o
número de trabalhos é similar. O grande interesse acerca deste tipo de amostragem
está relacionado às suas inúmeras vantagens, como o uso de volumes de amostra
muito baixos, em escala de microlitros, maior estabilidade dos analitos e facilidade de
armazenamento e transporte. A maior estabilidade fornecida se deve ao processo de
secagem da matriz, o qual inibe as reações de hidrólise química e enzimática,
assegurando maior estabilidade mesmo quando armazenadas em condições de
temperatura ambiente. Além disto, há inativação de enzimas e patógenos, o que torna
a manipulação mais segura para o analista [20].
Figura 1. Relação do número de publicações contendo o termo “dried blood spots” no texto
entre 2007 e até fevereiro de 2018.
De forma análoga ao DBS, é possível a realização de análises toxicológicas de
drogas de abuso em outras matrizes, como urina (dried urine spots, DUS) [21,22],
plasma (dried plasma spots, DPS) [23], soro do sangue (dried serum spots, DSS) e
líquido cefalorraquidiano (dried cerebrospinal spots, DCSF) [24]. Entre estas, destaca-
se a técnica de DUS, uma vez que, depois do sangue, esta matriz é a mais empregada
rotineiramente nos laboratórios de toxicologia clínica e forense, uma vez que a janela
de detecção da droga, principalmente na forma de metabólitos, é bem maior que no
sangue, fazendo com que esta possa ser encontrada dias após a sua ingestão,
enquanto o corpo ainda está eliminando esta substância.
23
Portanto, supondo que compartilhe as vantagens inerentes ao DBS, o
desenvolvimento de técnicas de preparo e de análises para DUS tornam-se de grande
interesse. Porém, esta é uma alternativa bem menos explorada até então, e, por ser
uma técnica menos desenvolvida, ainda não foi introduzida para uso rotineiro. Na
Figura 2, tem-se uma relação do número de trabalhos envolvendo esta técnica nos
últimos 10 anos em até fevereiro de 2018, onde é possível notar que o número de
publicações acerca desta técnica ainda permanece bastante escasso.
Figura 2. Relação do número de publicações contendo o termo “dried blood spots” no texto
entre 2007 e até fevereiro de 2018.
Além das vantagens anteriormente citadas, é importante também ressaltar que
a quantidade de amostra necessária para análise é muito pequena (em escala de
microlitros), gerando menores custo de transporte e armazenamento.
Muito embora o pequeno volume de amostra seja uma vantagem, principalmente
do ponto de vista jurídico no que concerne à necessidade de armazenamento, as
principais limitações desta técnica no âmbito forense se dão devido ao fato de que
geralmente as drogas de abuso e seus metabólitos estão presentes em concentrações
muito baixas, em escalas de ng mL-1 nas matrizes biológicas. Em virtude destas baixas
concentrações e da complexidade destas matrizes, técnicas analíticas que garantam
boa detectabilidade, sensibilidade e seletividade são necessárias no desenvolvimento
de uma metodologia apropriada. Sendo assim, a cromatografia líquida acoplada à
espectrometria de massas (HPLC-MS), conhecida por ser tida como técnica padrão-
24
ouro [25] dentro da química forense, é uma ferramenta poderosa e, por isto, técnica
de escolha na grande maioria dos casos onde as técnicas de DBS ou DUS são
aplicadas.
1.3. Cromatografia Líquida Acoplada à Espectrometria de Massas (HPLC-
MS) aplicado à Química Forense
Segundo Lanças [26], a cromatografia pode ser definida como uma técnica de
separação na qual os componentes são distribuídos entre duas fases: uma fixa e de
grande área superficial denominada fase estacionária (FE), e outra denominada fase
móvel (FM), um fluído que percola através da fase estacionária carregando os
analitos, que terão diferentes coeficientes de distribuição entre essas duas fases.
Diversos tipos de cromatografia podem ser encontrados na literatura e estas diferem
entre si de acordo com o estado físico da FM e da FE e os diferentes tipos de interação
possíveis entre os solutos e estas fases. Existem diversas formas de classificar as
diferentes formas de cromatografia, porém, considera-se a mais importante a
classificação baseada no mecanismo de separação, que poderá se dar por processos
físicos, químicos ou mecânicos, de acordo com as formas físicas presentes nas fases
estacionárias e móveis. A Figura 3 retrata as classificações cromatográficas de acordo
com as formas físicas das fases móveis e estacionárias.
Figura 3. Classificação da cromatografia pelas formas físicas das fases móveis e estacionárias (adaptado, [27]).
25
Entre as técnicas convencionalmente utilizadas para atender às necessidades
das ciências forenses, destaca-se a cromatografia em diferentes variações:
cromatografia em camada delgada (thin-layer chromatography, TLC), cromatografia
gasosa (gas chromatography, GC) e a cromatografia líquida de alta eficiência (high
performance liquid chromatography, HPLC). Muito embora nos laboratórios de rotina
a cromatografia gasosa seja a mais empregada devido ao seu baixo custo e pela
existência de uma biblioteca que facilita as interpretações dos resultados, o que é
importante quando se trabalha com alta demanda, a HPLC também é bastante
utilizada, principalmente para compostos não voláteis ou termicamente instáveis.
Outra classificação bastante importante baseia-se na polaridade relativa das
fases. No caso da cromatografia gasosa, a fase móvel é inerte (como os gases hélio
e nitrogênio) e a separação ocorre devido a interações das moléculas dos
componentes da amostra com a fase estacionária somente. Porém, nas
cromatografias líquidas, sejam planares ou em colunas, a polaridade de ambas as
fases é importante. Chama-se de “cromatografia líquida com fase normal” quando a
FE é mais polar do que a FM, e “cromatografia com fase reversa” quando se tem o
inverso. A utilização de uma ou outra é escolhida de acordo com a polaridade dos
analitos que se deseja separar. Em aplicações forenses nas quais são monitoradas
drogas de abuso e seus metabólitos em matrizes biológicas, a cromatografia líquida
em fase reversa é a mais comumente utilizada.
Na cromatografia líquida, a fase móvel é líquida e a fase estacionária é sólida. A
HPLC se difere da convencional por utilizar colunas recheadas com material
especialmente preparado e fase móvel pressurizada com auxílio de bombas de alta
pressão. Na Figura 4 é possível encontrar todas as unidades básicas que compõem
um sistema de HPLC.
Após separação cromatográfica na coluna, os analitos são enviados
separadamente para um detector. O uso de detectores como ultravioleta, índice de
refração, espalhamento de luz, fluorescência, ou outros, quando aliados a um
software, permitem análises quantitativas dos componentes da mistura. Contudo,
estas técnicas são bastante limitadas quanto a especificidade dos analitos, não sendo
sempre adequadas para amostras biológicas. Em laboratórios de química forense,
uma técnica confirmatória obrigatoriamente é requerida quando a identidade química,
26
ou seja, a análise qualitativa dos compostos é necessária. Desta forma, a utilização
da espectrometria de massas como técnica hifenada é praticamente imprescindível,
uma vez que é a que melhor fornece as informações estruturais necessárias [29].
Figura 4. Representação esquemática dos componentes básicos de um cromatógrafo
líquido de alta eficiência (adaptado, [28]).
Um espectrômetro de massas é composto de quatro partes principais, conforme
descrito na Figura 5: um sistema de introdução de amostra, que pode ser por inserção
direta ou utilizando alguma técnica de separação; uma fonte de ionização, um
analisador de massas e um detector. Enquanto a fonte de ionização converte
moléculas em íons, o analisador de massas resolve estes íons em função da sua
relação massa/carga (m/z) antes de serem medidos pelo detector.
Figura 5. Representação esquemática dos componentes básicos de um espectrômetro de
massas (adaptado, [30]).
27
Existem diversas opções de fontes de ionização e uma das formas de escolha
adequada é considerar o modo de introdução da amostra no sistema: fontes de
ionização para amostras já presentes em fase gasosa são diferentes daquelas que
recebem as amostras em fase líquida. Algumas opções de fonte de ionização
utilizadas com a cromatografia líquida de alta eficiência incluem a ionização por
electrospray (Electrospray Ionization, ESI) [31], ionização química à pressão
atmosférica (Atmospheric Pressure Chemical Ionization, APCI) [32] e fotoionização à
pressão atmosférica (Atmospheric Pressure Photoionization, APPI) [33]. Esta
ionização pode ser feita nos modos positivo e/ou negativo, ou seja, análise de cátions
e ânions respectivamente, de acordo com a presença de grupos funcionais presentes
na estrutura do composto a ser estudado. Na grande maioria dos trabalhos
publicados, ESI é o método de ionização de escolha mais utilizado quando aplicada a
técnica de HPLC hifenada à MS (HPLC-MS). De acordo com a Figura 6, é possível
notar que, realizando-se a escolha de acordo com a razão m/z e polaridade dos
compostos, esse modo de ionização é o mais abrangente, porém APCI e APPI são
complementares ao ESI e úteis para análises de compostos apolares e termicamente
estáveis.
Figura 6. Faixas de aplicação das técnicas de ionização utilizadas em associação com a cromatografia líquida de alta eficiência (adaptado, [34]).
28
Quanto aos analisadores de massas, os mais comumente empregados são:
quadrupolo [35], armadilha de íons (Ion Trap, Trap) [36], tempo de vôo (Time of Flight,
TOF) [37], Orbitrap [38], e Ressonância Ciclotrônica de Íons com Transformada de
Fourier (Fourier Transform Ion Cyclotron Resonance, FT-ICR) [39]; Espectrômetros
de massas híbridos ou sequenciais referem-se à combinação de dois ou mais
analisadores e podem auxiliar na identificação dos compostos de interesse. Por meio
de experimentos de dissociação induzida por colisão (Collision Induced Dissociation,
CID), que podem ser realizados tanto em analisadores híbridos (ex. triplo quadrupolo
(QqQ), quadrupolo-TOF (QTOF) ou quadrupolo-armadilha de íons (QTRAP)) quanto
em analisadores de trap, é possível selecionar compostos e depois fragmentá-los.
Desta forma, o perfil de fragmentação da espécie fornece informações adicionais para
confirmação do composto de interesse, uma vez que muitas drogas e seus
metabólitos possuem massas similares e irão apresentar a mesma razão m/z, os íons
produto formados após a colisão serão capazes de diferenciá-las.
HPLC-MS utilizando ionização por electrospray é a técnica de escolha para
aplicação de análises qualitativas e quantitativas em amostras biológicas complexas.
A separação cromatográfica prévia pode reduzir a complexidade e amenizar os efeitos
de matriz durante a ionização. As colunas mais utilizadas são a C18 em fase reversa
para aplicação em drogas com características mais apolares e a HILIC (Hydrophilic
Interaction Liquid Chromatography) para separação cromatográfica de compostos
polares e hidrofílicos. A escolha da coluna deverá ser realizada de acordo com a
abrangência requerida pelo estudo.
29
1.4. Drogas de abuso
Para este estudo, a cocaína (COC) e a maconha (THC) foram as escolhidas,
uma vez que, segundo ao Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
(UNODC), estas se encontram entre as drogas mais cultivadas, traficadas e
consumidas do mundo [40]. Além disto, é importante ressaltar que uma vez que a
matriz biológica de trabalho é a urina, o desenvolvimento do método deve ser
realizado focando nos principais produtos de biotransformação, ou metabólitos
encontrados.
1.4.1. Cocaína
Com registros que datam de mais de 5000 anos, o costume de mascar as folhas
da planta Erythroxylum coca era uma prática historicamente difundida e rotineira
principalmente nos países da América do Sul, porém, apenas no final do século XIX é
que a cocaína foi extraída pela primeira vez desta planta e seu uso foi empregado em
várias finalidades, como o terapêutico. No início do século XX ocorreu a popularização
do seu consumo por aspiração nasal, prática que acarretou em milhares de mortes e,
consequentemente, à sua proibição [41]. De acordo com o relato anual da UNODC
em 2017, o Brasil representa o país de tráfico mais intenso de COC e crack na América
do Sul e o segundo maior mercado do mundo [40].
Em sua forma purificada, o sal cloridrato de cocaína (Figura 7 (a)) é um sólido
branco hidrossolúvel e seu uso ocorre, mais frequentemente, por aspiração intranasal
ou dissolvida em água para uso endovenoso. Além disto, através da alcalinização do
sal há formação do crack (Figura 7 (b)), variante que, por sua vez, é mais volátil e por
este motivo é consumida através do fumo.
30
Figura 7. Principais formas de apresentação da cocaína (a) cloridrato de cocaína (b) crack, base livre preparada por alcalinização do cloridrato.
Independentemente da forma como é consumida, esta droga de abuso é um
estimulante do sistema nervoso central (SNC), e seus efeitos incluem euforia,
excitação, insônia e supressão do apetite. Estes efeitos se dão por conta do
mecanismo de ação da droga no SNC onde tal substância bloqueia a reabsorção de
noradrenalina, dopamina e serotonina, monoaminas relacionadas à função da
memória. Os níveis altos de concentração sinápticas dessas aminas resultam em
maior senso de alerta, bem-estar e euforia. Subsequentemente, a depleção destas
substâncias resulta em depressão e desconforto, levando ao usuário a tomar novas
doses e mais elevadas [42].
No organismo, a COC rapidamente é quase completamente biotransformada e
desativada. Ela sofre extensa biotransformação, e a benzoilecgonina (BZE), formada
por hidrólise hepática mediada pela carboxilesterase no fígado ou espontânea, é o
principal metabólito formado. Embora este produto de transformação não possua
atividade farmacológica alguma, o grande interesse nesta substância se dá devido ao
seu tempo de vida nas matrizes biológicas, que é seis vezes maior do que ao da COC.
Além disto, reações de hidrólise mediadas por esterases plasmáticas e hepáticas
através da enzima colinesterase dão origem a um segundo metabólito, o éster
metilecgonina (EME). Na urina, cerca de 1 a 5 % da droga ingerida é eliminada na
forma de composto inalterado, 15 a 50 % na forma de BZE, 15 a 35 % na forma de
EME e o restante em demais metabólitos que podem ser formados [43].
31
Além disso, quando há consumo concomitante de etanol pelo indivíduo, um
outro metabólito pode estar presente, resultante do processo da transesterificação da
COC, o cocaetileno (CET) [44]. Este produto de transformação é bioativo e pode
colaborar para o aumento do tempo de efeito da cocaína no organismo, além dele
próprio apresentar maior toxicidade. As estruturas moleculares dos principais
metabólitos da COC podem ser observadas na Figura 8.
Figura 8. Principais vias de biotransformação da cocaína quando administrada em humanos. As estruturas moleculares representadas correspondem a (a) benzoilecgonina
(BZE), (b) éster metilecgonina (EME) e (c) cocaetileno (CET).
Diversos trabalhos na literatura [8,45,46] reportam a estabilidade da COC e
seus metabólitos em matrizes biológicas. Estes estudos apontam que os principais
fatores que irão influenciar na estabilidade ao longo do tempo são a temperatura de
armazenamento, pH e a matriz biológica. De maneira geral, a estabilidade das drogas
de abuso e seus metabólitos aumenta com a diminuição da temperatura e, para a
cocaína, uma vez que em urina somente a hidrólise não-enzimática pode ocorrer, o
pH é o fator de maior importância na estabilidade dos analitos, sendo que condições
mais ácidas (pH = 5) são favoráveis em relação a condições mais básicas (pH = 8).
Em 1994, Dugan et al. [11] demonstraram que mesmo após 12 meses de
armazenamento em condições de pH = 5 e sob refrigeração em congelador (-20 ºC),
32
a BZE ainda continuava estável, diferentemente da COC, demonstrando que este
metabólito é mais estável que a própria droga de abuso.
Para a técnica de DBS, é possível encontrar na literatura alguns trabalhos que
reportam o desenvolvimento de métodos de análise e quantificação para a COC e
seus principais metabólitos. [21,47,48]. Através do estudo da estabilidade para COC,
BZE e EME em concentrações de 10 e 50 ng mL-1, mantidos em condições de 4 e -
20 ºC, foi possível observar que estes analitos se mantiveram estáveis por pelo menos
6 meses sob condição de -20 ºC. Porém, o mesmo não ocorreu em 4 ºC.
Para análises em DUS, dois trabalhos já foram reportados na literatura para
COC ou metabólitos. Em 2013, Otero-Fernández et al. [48] otimizaram um método de
extração para opióides, COC e BZE. Porém, não existe dado algum de estabilidade
para estes compostos nesta matriz. Ainda em 2013, Lee et al. [21] desenvolveram um
método de análise e quantificação de 19 drogas em DUS, entre elas a BZE. A
estabilidade foi testada por 30 dias em temperatura ambiente, sem exposição ao ar
ou à luz. Em uma concentração de 100 ng mL-1, este analito apresentou uma perda
menor que o erro permitido para o método, sendo ainda útil para análise. Apesar disto,
ainda não existem trabalhos que estudem a estabilidade da EME e CET e em períodos
mais longos. Sendo assim, pode-se dizer que, quanto ao DUS, os trabalhos presentes
na literatura ainda são bastante limitados e estudos mais detalhados são necessários.
33
1.4.2. THC
A Cannabis é um gênero de angiosperma da família Cannabaceae, que, sendo
classificada em somente uma espécie (Cannabis sativa L.), suas variedades são
divididas em diversas subespécies, sendo as três principais a sativa indica (C. sativa
[50]. De uma maneira geral, estas plantas possuem mais de 489 constituintes, dentre
os quais cerca de 70 são canabinóides, localizados especialmente em suas folhas e
inflorescências. Estas substâncias são classificadas em dois grupos: psicoativas, as
quais são as responsáveis pelos efeitos fisiológicos e psicológicos, como o
tetraidrocanabinol (Δ9-THC ou simplesmente THC), e não-psicoativas, como
canabinol (CBN) e canabidiol (CBD), mostrados na Figura 9 [50].
Figura 9. Estrutura molecular dos principais componentes da cannabis: (a) THC (b) CBN e (c) CBD.
Muito embora os primeiros registros de uso destas plantas datem de mais de
2700 anos a.C. pela farmacopeia chinesa, apenas em 1964 o THC foi isolado pela
primeira vez, levando ao descobrimento de um importante sistema neurotransmissor
endógeno denominado sistema endocanabinóide. Este sistema é amplamente
distribuído no cérebro e no corpo, sendo responsável por inúmeras funções vitais
significativas [51].
As duas formas de abuso predominantes são por via oral ou inalatória
(pulmonar), sendo esta última a mais utilizada. Quando fumado, o THC é rapidamente
34
absorvido, sendo prontamente distribuído para o cérebro e outros órgãos. Uma vez
que este composto é muito lipossolúvel, sua biotransformação ocorre no fígado,
catalisada pelas enzimas citocromo P450, cuja função é oxidar esta espécie de forma
a torná-la mais hidrossolúvel para que seja facilmente excretada do organismo. Ao
todo, mais de 100 produtos de biotransformação do Δ9-THC já foram identificados,
porém, a rota majoritária é uma primeira oxidação desta droga formando a 11-hidroxi-
Δ9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC) que, sendo ainda mais ativo que o Δ9-THC, irá
sofrer uma nova oxidação e gerando o 11-nor-9-carboxi-Δ9-tetrahidrocanabinol (THC-
COOH). Este último, por fim, é conjugado com o ácido glicurônico (THC-COOH-gluc)
sendo esta a forma mais abundantemente presente na urina [52]. Um esquema
representativo deste processo pode ser observado na Figura 10.
Figura 10. Principal via de biotransformação do Δ9-THC (a), gerando inicialmente os metabólitos de fase I (b) 11-OH-THC e (c) THC-COOH por reações de oxidação e
posteriormente o metabólito de fase II (c) THC-COOH-gluc através da glicuronidação.
Desta forma, a excreção do Δ9-THC do organismo se dá majoritariamente
através dos produtos de biotransformação hidroxilados e carboxilados, conjugados ou
não com o ácido glicurônico. Deste total, 65% é eliminado nas fezes e 25% na urina
Entre os metabólitos ácidos, THC-COOH conjugado ao ácido glucuronídeo é o
principal em urina, enquanto que o THC-OH predomina nas fezes. Menos de 1% do
Δ9-THC é eliminado inalterado na urina [53].
35
O tempo transcorrido desde a última utilização da droga até a obtenção do
último resultado positivo em uma amostra de urina é chamado “período de detecção”.
De acordo com a literatura, dentro de 5 dias de 80 a 90% do THC é excretado em
forma de seus metabólitos [54,55]. Sendo assim, o tempo de detecção adotado após
o fumo de cigarros, utilizando o valor de 15 ng mL-1 como valor mínimo (cut off) para
concentração de seus principais metabólitos, é de 2 a 5 dias, podendo ser maior em
usuários crônicos.
Em análises laboratoriais de rotina, geralmente é analisada e quantificada a
concentração de THC-COOH livre total presente na urina. Para que isto seja possível,
é necessário que, antes que a amostra seja quantificada, se realize uma etapa de
clivagem do ácido conjugado geralmente realizada através de hidrólise básica ou
enzimática [56].
Quanto à estabilidade destes metabólitos, estudos realizados demonstram a
sua dependência com a temperatura, pH e o tipo de material onde está armazenado
[57,58]. Apesar de Dugan et al. [11] reportarem perda de apenas 1% para
canabinóides e seus metabólitos em urina após um ano de armazenamento a -20 ºC,
outros autores [59] apresentaram perdas muito mais significativas em menos tempo,
exibindo resultados contraditórios.
Em DBS, é possível encontrar dois estudos na literatura onde há
desenvolvimento de métodos de identificação e quantificação de THC e seus
principais metabólitos [60,61]. Mercoli et al. [61] testaram a estabilidade do THC, THC-
OH e THC-COOH em até 3 meses de armazenamento, obtendo resultados
satisfatórios uma vez que ao final do estudo a perda foi menor que 10%. Para o DUS
não foi possível encontrar na literatura estudos reportando o desenvolvimento de um
método de análise do THC e seus metabólitos, levando a necessidade de estudos
neste sentido.
36
2. Objetivos
Este trabalho tem como objetivo principal o desenvolvimento de métodos de
análise de drogas de abuso em DUS por cromatografia líquida acoplada à
espectrometria de massas sequencial (LC-MS/MS). Para isto, foram selecionadas
duas substâncias psicoativas amplamente empregadas como drogas de abuso e seus
respectivos metabólitos: a cocaína (COC) e o tetraidrocanabinol (THC).
Para o desenvolvimento de um método de amostragem em DUS, o trabalho
contou com etapas como otimização do preparo de amostra e da extração.
Posteriormente, o método desenvolvido necessitou passar por um processo de
validação utilizando o guia da Scientific Working Group for Forensic Toxicology
(SWGTOX) [62], onde as principais figuras de mérito avaliadas foram linearidade,
precisão e exatidão, limite de detecção (LD), limite de quantificação (LQ), integridade
de diluição e estudos de interferência como efeito matriz e seletividade. Além disto,
uma vez que umas das potenciais vantagens oferecidas pelo método seria a grande
estabilidade fornecida, um estudo foi realizado a fim de verificar se os critérios
desejados foram atendidos.
Uma vez desenvolvido e validado o método de DUS, o trabalho teve como
objetivo aplicar em amostras reais para análises qualitativas e quantitativas.
37
3. Materiais e Métodos
3.1. Materiais
3.1.1. Materiais e solventes
Para as manchas de urina secas, utilizou-se o papel Whatman Protein Saver
Card 903, próprio para receber matrizes biológicas. Como solventes foram utilizados
metanol e acetonitrila grau HPLC (J.T.Baker, USA), hexano, acetato de etila, éter
metil-terc-butílico, clorofórmio e diclorometano grau HPLC (Sigma-Aldrich, USA) e
água ultrapurificada ou Milli-Q (Merck, BRA).
3.1.2. Padrão referência de cocaína e metabólitos
Os padrões certificados de referência e marcados isotopicamente (deuterados)
utilizados na preparação da curva de calibração foram a cocaína (COC) e a cocaína
deuterada (COC-d3), e seus principais metabólitos encontrados na urina:
benzoilecgonina (BZE), éster metilecgonina (EME) e cocaetileno (CET) (Cerilliant,
USA).
3.1.3. Padrão referência de THC e metabólitos
Os padrões certificados de referência e marcados isotopicamente (deuterados)
utilizados na preparação da curva de calibração foram o delta-9-tetraidrocanabinol
(Δ9-THC) ou simplesmente tetraidrocanabinol (THC) e o delta-9-tetraidrocanabinol
deuterado (Δ9-THC-d3) ou simplesmente tetraidrocanabinol deuterado (THC-d3) e
seus principais metabólitos: 11-hidroxi-Δ9-tetrahidrocanabinol (11-OH-THC), 11-nor-
9-carboxi-Δ9-tetrahidrocanabinol (THC-COOH) de referência e deuterado (THC-
COOH-d3) e conjugado com o ácido glicurônico (THC-COOH-gluc) (Cerilliant, USA).
.
38
3.1.4. Equipamentos e acessórios
Para o preparo das amostras, cartões de papel filtro Whatman® 903 (Sigma-
Aldrich, USA) foram obtidos para coleta e armazenamento das amostras.
Na extração das amostras, utilizou-se um agitador do tipo multi-vórtex
(Heidolph, GER), referido neste trabalho somente como “vórtex” e uma centrífuga
cllínica (Benchmark Scientific, USA). Além disto, para secagem do solvente foi
utilizado um concentrador a vácuo do tipo SpeedVac (Eppendorf, GER).
Para análise dos compostos, a separação cromatográfica foi realizada através
de uma coluna para HPLC do tipo C18 (Atlantis T3, 3.0 x 150 mm, 3 μm, Waters®). Os
equipamentos de cromatografia líquida de alta eficiência e espectrômetros de massas
utilizados foram um shimadzu LCMS-8040 (Shimadzu Corp., JPN), sistema que
possui um cromatógrafo líquido de alta eficiência acoploado à um espectrômetro de
massas que utiliza fonte de ionização por electrospray e analisador de massas
sequencial do tipo triplo quadrupolo e um HPLC Agilent 1260 Infinity Binary (Agilent
Technologies, USA) acoplado a um espectrômetro de massas ABSciex 5500QTRAP
(ABSciex, SIN), utilizando como fonte de ionização por electrospray e analizador
sequencial do tipo QTrap.
3.1.5 Amostras Positivas
Amostras positivas foram fornecidas pelo Laboratório de Toxicologia
Analítica (LTA-CIATox), localizado no Centro de Controle de Intoxicações do Hospital
de Clínicas da UNICAMP. As amostras foram armazenadas em freezer (-20 °C) até o
fim das análises para posterior descarte apropriado. Os experimentos foram
conduzidos usando protocolos e condições aprovadas pelo Comitê de Ética (CAAE
58187816.6.0000.5404) presente no Anexo 1.
39
3.2. Metodologia
Às amostras de urina negativas (coletadas de indivíduos que não fazem uso de
fármacos ou drogas de abuso), foram adicionadas soluções padrão das drogas de
abuso e seus metabólitos em proporção de 9:1(v/v) urina:padrão em diferentes níveis
de concentração. Para o preparo das amostras, procedimentos já descritos na
literatura foram utilizados como ponto de partida [17,19,21] e, posteriormente,
adaptados para otimização da extração.
3.2.1. Cocaína
A partir das amostras de urina dopadas com padrão de referência da COC e
seus principais metabólitos (BZE, EME e CET), em sete níveis distintos de
concentração (25; 50; 100; 250; 500; 750 e 1000 ng mL-1), 20 µL foram coletados e
adicionados ao papel Whatman® 903. Este volume foi otimizado de forma a ser o
suficiente para preencher o círculo contido no papel suporte (Ø = 12 mm) sem
ultrapassar as bordas tracejadas. Em seguida, deixou-se secar as amostras por 2
horas em condições ambientes. Após secagem, discos (Ø = 5 mm) foram retirados do
cartão utilizando um furador de papel e transferidos para tubos de polipropileno, onde
puderam seguir para extração ser armazenadas. A representação esquemática do
preparo de amostra do DUS pode ser encontrada na Figura 11.
Figura 11. Representação esquemática do preparo das amostras de DUS em papel Whatman® 903 Protein saver card, próprio para receber matrizes biológicas.
40
A extração foi realizada com 300 µL de uma solução de metanol:água (6:4, v/v)
e ácido fórmico 0,1% contendo o padrão interno, COC-d3 (10 ng mL-1) com agitação
em vórtex durante 15 minutos seguidos por 5 minutos de centrifugação a 10.000 rpm
em temperatura ambiente. Finalmente, 150 µL do sobrenadante foram transferidos
para vials e submetidos a análise.
3.2.2. THC
Às amostras de urina foram adicionados os padrões de Δ9-THC e seus
metabólitos em uma proporção de 9:1 entre urina:padrão (v/v), obtendo concentrações
finais em um intervalo de 10 a 500 ng mL-1, em seis níveis diferentes de concentração
(10, 25, 50, 100, 250 e 500 ng mL-1), e padrão interno (THC-COOH-d3 e Δ9-THC-d3)
com concentração de 100 ng mL-1. O preparo das amostras seguiu procedimento
similar ao descrito na sessão 3.1.1 para a cocaína, e, após secagem os discos (Ø = 5
mm) transferidos para tubos de polipropileno foram submetidos a uma etapa de
hidrólise básica.
Nesta etapa, foram adicionados 250 µL de uma solução de NaOH com
concentração de 1 mol L-1, seguida de incubação à 70 ºC por 25 minutos em estufa.
Ao esfriar a solução, adicionou-se 250 µL de ácido acético glacial P.A.
Para extração, 1000 µL de solvente orgânico, a ser detalhado na sessão 4.2.,
foram adicionados e a extração foi realizada com agitação em vórtex por 15 minutos
seguidos de centrifugação por 5 minutos (10.000 rpm). Em seguida, 800 µL da fase
orgânica foram transferidas para outro tubo de polipropileno e levados a evaporação
em um concentrador a vácuo (SpeedVac) por cerca de 45 minutos a 45 ºC. Após
secagem, os analitos foram reconstituídos em 150 µL de metanol, transferidos para
vials e levados ao sistema para análise por LC-MS/MS.
41
3.3. Aquisição de Dados
3.3.1. Cocaína
A separação cromatográfica foi realizada através da injeção de 15 µL das
amostras em um sistema Shimadzu UHPLC NEXERA acoplado a um Shimadzu MS
8040, com analisador de massas do tipo triplo quadrupolo. Utilizou-se uma coluna C18
(Atlantis T3, 3.0 x 150 mm, 3 μm, Waters®) para separação dos componentes em uma
corrida em modo de eluição gradiente com duração total de 16 minutos, de acordo
com a Tabela 1, onde a fase móvel consistiu de formiato de amônio 2 mM e 0,1% de
ácido fórmico em (A) água e (B) metanol.
No espectrômetro de massas, os experimentos foram realizados utilizando o
modo de aquisição conhecido como monitoramento múltiplo de reações (MRM),
operando em modo positivo de ionização por eletrospray (ESI-(+)), onde cada analito
foi identificado por sua razão massa/carga (m/z) em pelo menos duas transições: uma
primeira, de quantificação, e uma segunda, de confirmação dos compostos. As
condições da fonte para operar no modo de ESI(+) foram otimizadas e estabelecidas
como: voltagem do capilar 4.5 kV, temperatura de dessolvatação 250 ºC, temperatura
do bloco de aquecimento a 400 ºC, vazão do gás de secagem (N2) de 15 L min-1,
vazão do gás nebulizador (N2) a 3 L min-1 e gás de colisão (Ar) 230 kPa. As razões
m/z das transições MRM, bem como as energias necessárias para estas foram
estabelecidas para cada analito e podem ser encontradas na Tabela 2.
Tabela 1. Parâmetros de gradiente da fase móvel para separação da cocaína e seus
metabólitos por LC-MS.
Tempo (min)
Vazão (μL min-1)
A (%)
B (%)
0,5 400 95 5 10 400 5 95 13 400 5 95
13,10 400 95 5 16 400 95 5
42
3.3.2. THC
Para as análises foram injetados 20 µL de amostra, utilizando a separação
cromatográfica em um HPLC 1260 Infinity através de uma coluna C18 (Atlantis T3, 3.0
x 150 mm, 3 μm, Waters®) em eluição por gradiente de acordo com a Tabela 3, onde
a fase móvel (A) consiste de 0,1% de ácido fórmico em água e (B) metanol. Após
separação cromatográfica, os analitos foram detectados por espectrometria de
massas através de um ABSciex 5500QTRAP, utilizando como fonte de ionização por
electrospray e analizador sequencial do tipo QTrap. Para cada substância, foram
selecionadas duas transições, sendo a mais intensa utilizada para quantificação e a
segunda para confirmação. Como o THC apresentou melhor comportamento para
ionização por eletrospray em modo positivo (ESI-(+)) e os demais analitos em modo
negativo (ESI-(-)), o método foi construído utilizando a técnica de polarity switch. Esta
técnica permite monitorar íons positivos e negativos concomitantemente através da
mudança de polaridade constante durante a corrida.
Tabela 2. Parâmetros obtidos para os MRM no modo positivo (ESI-(+)) por LC-MS/MS: Íon
precursor selecionado (Q1), íons produto (Q3) voltagens das transições para os analitos e
padrão interno.
Q1
(m/z) Q3
(m/z) tR
(min) Q1 (V)
CE (V)
Q3 (V)
COC
304
182 7,20 -14 -20 -20 82 7,20 -14 -31 -16
BZE
290 168 7,30 -14 -17 -19 105 7,30 -30 -28 -21
EME
200
182 2,15 -21 -14 -21 82 2,15 -20 -27 -17
CET
318
196 7,80 -14 -19 -22 82 7,80 -14 -30 -16
COC-d3
307
185 7,20 -15 -20 -19 85 7,20 -15 -33 -16
43
As condições da fonte operando nos modos de ESI-(+) e ESI-(-) otimizadas
podem ser encontradas na Tabela 4. Ainda, os valores de m/z dos íons monitorados
nas transições MRM, bem como as energias necessárias para gerar estes foram
estabelecidas para cada analito e estão presentes na Tabela 5.
Tabela 3. Gradientes da fase móvel para separação do THC e seus metabólitos por LC-MS.
Tempo (min)
Vazão (μL min-1)
A (%)
B (%)
0 300 95 5
1 300 95 5
7 300 5 95
14 300 5 95
14,3 300 95 5
22 300 95 5
Tabela 4. Valores de condições da fonte operando nos modos de eletrospray positivo (ESI-
(+)) e negativo (ESI-(-)).
Curtain Gas
(CUR)
(V)
Collision Gas
(CAD)
(V)
IonSpray Voltage
(IS)
(V)
Temperature (TEM)
(°C)
Ion Source Gas 1 (GS1)
(V)
Ion Source Gas 2 (GS2)
(V)
Entrance Potencial
(EP)
(V) ESI-(+)
30 4 5000 650 55 70 10
ESI- (-)
30 6 -4500 650 55 70 -10
44
3.4. Processamento de dados
3.4.1. Cocaína
Os dados adquiridos foram processados utilizando o software Labsolutions
(versão 5.53 SP2, Shimadzu, Kyoto, Japan), onde foi realizada a análise no programa
Quant Browser na identificação e integração dos picos cromatográficos e construção
das curvas analíticas para quantificação.
3.4.2. THC
Os dados foram adquiridos utilizando o software Analyst® (versão 1.5.2,
Applied Biosystems, Foster City, USA) e analisados utilizando o software MultiQuant
(versão 3.0.1, Applied Biosystems, Foster City, USA) para integração dos picos
cromatográficos e construção das curvas de calibração para análises quantitativas.
Tabela 5. Parâmetros MRM operando no (a) modo positivo (ESI-(+)) e (b) modo negativo (ESI-
(-)) de aquisição.
(a) Q1 (m/z)
Q3 (m/z)
tr (min)
DP (V)
CE (V)
CXP (V)
THC
315,0
193,2 17,20 51 29 17 123,1 17,20 51 45 13
THC-d3
318,2
196,2 17,25 111 31 5 122,9 17,25 111 41 19
(b) Q1 (m/z)
Q3 (m/z)
tr (min)
DP (V)
CE (V)
CXP (V)
THC-COOH
343,03
299,1 15,60 -50 -28 -13
245 15,60 -50 -38 -25
THC-OH
329,35
311,1 15,30 -175 -26 -15 268 15,30 -175 -36 -17
THC-COOH-d3
346,39
302,2 15,60 -165 -28 -13 248,1 15,60 -165 -38 -11
45
3.5. Validação do Método
3.5.1. Cocaína
Para validação, seguiu-se o guia internacional de toxicologia forense, SWGTOX
[63] e foram avaliadas as figuras de mérito anteriormente citada nos objetivos:
linearidade, LD e LQ, precisão e exatidão, presença de interferentes, efeito de matriz
e integridade de diluição. Além disto, foi realizado um estudo de estabilidade em três
diferentes condições de temperatura de armazenamento em um período de até 90
dias.
A linearidade foi testada estabelecendo um intervalo no qual geralmente se
encontram os valores de amostras em casos reais, englobando principalmente o valor
de corte (cut off) dos metabólitos em urina, ou seja, a concentração mínima para que
a amostra seja considerada positiva nos laboratórios de rotina forense internacionais.
Para avaliação da linearidade, estas curvas foram construídas em quintuplicatas
obtendo assim os parâmetros da curva e avaliando, através de testes estatísticos, a
variância entre os resíduos apresentados, a fim de escolher o melhor método de
ponderação.
Os valores LD e LQ representam, respectivamente, a menor concentração da
substância avaliada que pode ser detectada e quantificada no procedimento
experimental. Estes parâmetros foram calculados baseando na razão sinal/ruído (S/N)
do pico (S/N = 3 para o LD, S/N = 10 para o LQ). Uma vez que diferentes analitos
apresentam diferentes LQ, foi escolhido como limite inferior do método a concentração
do analito que apresentou maior LQ.
Para que fossem avaliadas a exatidão e precisão do método foram construídas,
por cinco dias distintos, curvas analíticas para quantificação de amostras de
concentrações conhecidas, denominadas controle (quality control, QC). Três
concentrações escolhidas, sendo definidas como controle baixo (CB), controle médio
(CM) e controle alto (CA) foram avaliadas em triplicata em cada dia, a fim de avaliar
exatidão e precisão dentro de um dia (intra-dia, n=3) durante cinco dias (inter-dias,
n=15). A precisão é expressa através do coeficiente de variação (C.V.), sendo que
46
este deve ser sempre menor ou igual a 20%, ou seja, o método pode ter até 20% de
imprecisão. A exatidão é medida por um intervalo (bias) em que mostra o quanto,
também em porcentagem, cada amostra desvia do valor teórico ou nominal, sendo
aceita amostras com até 20% de inexatidão (80-120% da concentração nominal).
Os estudos de interferência foram realizados para testar a credibilidade do
método. Sendo assim, a seletividade do método foi avaliada quando em presença de
outros compostos comumente encontrados conjuntamente com a COC e para o efeito
de matriz, uma vez que a matriz biológica pode conter compostos que podem interferir
na análise e afetar a ionização dos analitos ao se trabalhar com ESI. Além disto,
amostras negativas de voluntários foram testadas para avaliar a presença de falso
positivo. A integridade de diluição foi avaliada uma vez que estes analitos podem ser
encontrados na matriz biológica frequentemente em concentrações maiores que o
limite de quantificação superior do método.
Para o estudo de estabilidade, amostras armazenadas em três condições
diferentes de temperatura: ambiente, geladeira (4 ºC) e freezer (-20 ºC); mantidas livre
de umidade através da utilização de sílica em gel, foram avaliadas em intervalos de 3,
7, 15, 30, 60 e 90 dias.
47
3.6. Aplicação em amostras reais
3.6.1. Cocaína
Para testar a metodologia desenvolvida, cinco amostras previamente indicadas
como positivas através de testes de imunoensaio, fornecidas pelo Laboratório de
Toxicologia Analítica (LTA-CIATox) da UNICAMP, foram analisadas e quantificadas
através da técnica de DUS.
A quantificação das amostras foi realizada através da construção de uma curva no
intervalo de 25 a 1000 ng mL-1, conforme o método validado, com adição do padrão
de referência em acetonitrila em urina em proporção de 9:1 (urina:padrão). Tanto para
a curva quanto para as amostras reais, 20 µL foram adicionados no papel Whatman®
903 seguindo o procedimento de preparo de amostra e extração previamente
indicados na sessão 3.2.1, porém, uma vez que algumas amostras apresentaram
concentrações de cocaína ou seus metabólitos acima do limite superior de
quantificação da curva (1000 ng mL-1), estas foram submetidas à diluição conforme o
necessário para que estivessem contidas no intervalo validado. A diluição das
amostras positivas foi realizada utilizando amostra de urina controle anteriormente à
sua adição no papel.
48
4. Resultados e discussões
4.1. Cocaína
4.1.1. Otimização Experimental
A mistura de solventes foi otimizada por um planejamento experimental do tipo
simplex-centroide, construído através do software Design-Expert (DX 6.0.4.). Para
este planejamento, extrações usando metanol (MeOH), acetonitrila (ACN) puros ou
misturas de dois solventes (1:1, v/v) ou três solventes (1:1:1, v/v/v) foram testados em
triplicata, com um total de 21 experimentos. Para encontrar a combinação ótima, ou
seja, aquela capaz de extrair em maior quantidade todos os analitos simultaneamente,
a área total de cada analito foi utilizada como resposta. As condições otimizadas são
dadas por uma função denominada desejabilidade, a qual fornece, através de uma
superfície de resposta, um ponto de ótimo global denominado predição (0 ≤ predição
≤ 1). Para a COC e seus metabólitos a combinação de solventes predita como ótimo
global foi de metanol:água (6:4, v/v), onde um valor de 0,96 de predição indica que
96% das respostas, ou seja, área dos analitos, atingirão o seu máximo. Esta
informação pode ser encontrada na Figura 11. Além disto, o uso de ácido fórmico 0,1%
na extração foi também testado, levando a resultados ainda melhores.
Figura 12. Superfície de resposta da desejabilidade para um planejamento experimental do tipo simplex centroide, onde a predição aponta para o valor de ótimo global.
49
Após extração dos analitos da matriz do DUS, a separação analítica foi realizada,
conforme gradiente informado na Tabela 1, gerando um cromatograma onde é
possível identificar e quantificar a cocaína e seus metabólitos, conforme pode ser
observado na Figura 12.
Figura 12. Cromatogramas representativos da (a) COC e seus metabólitos (b) BZE, (c) EME
and (d) CET mais o padrão interno plus (e) COC-d3 em suas duas principais transições,
quantificação e confirmação respectivamente, obtidos por ESI-(+) para amostras de DUS em
concentrações de 500 ng mL-1.
Através de relações matemáticas é possível obter o valor do tempo de
retardadamento (𝑡 ) (Eq. 1) da fase móvel para dada vazão de solvente de acordo
com as dimensões da coluna cromatográfica.
𝑡 = ,
Onde 𝑉 corresponde ao volume da coluna e 𝐹 é a vazão da fase móvel
utilizada.
Eq. 1
50
Para este método, cuja vazão de fase móvel utilizada foi de 400 µL min-1 e, de
acordo com a dimensões da coluna utilizada (3.0 x 150 mm) o valor calculado para o
𝑡 foi de 2,11 min. Ao analisar os tempos de eluição dos compostos no cromatograma
de separação, concluiu-se que a EME possui uma retenção muito fraca com a fase
estacionária, o que faz com que este analito provavelmente co-elua com diversas
impurezas contidas nas amostras, chamadas de interferentes, o que pode causar uma
supressão iônica, ou seja, uma perda de sinal do composto alvo, gerando desvios
maiores na precisão e exatidão de réplicas de injeção e extração.
Os valores das razões m/z para o íon precursor e suas transições, bem como
as voltagens utilizadas, juntamente com os tempos de retenção (tR) podem ser
encontrados na Tabela 2 (página 38).
4.1.2. Validação da metodologia
Segundo a SAMHSA (Substance Abuse and Mental Health Services
Administration), para que uma amostra seja considerada positiva, emprega-se um
valor de corte de 100 ng mL-1 [63] para a BZE. Portanto, a linearidade foi estudada em
um intervalo de 25 a 1000 ng mL-1. As curvas foram construídas com adição de padrão
em amostras de urina controle avaliando a razão das áreas de cada analito (área do
padrão de referência/área do padrão interno) em quintuplicata em função de sete
níveis distintos de concentração (25, 50, 100, 250, 500, 750 e 1000 ng mL-1).
Aplicando o teste estatístico (Teste F, Eq 2.) para análise da variância foi possível
concluir que existe heterocedasticidade, ou seja, uma tendência entre os resíduos.
𝐹 = 𝑠
𝑠
Onde 𝑠 corresponde a variância no nível mais alto de concentração e 𝑠 a
variância no nível mais baixo de concentração da curva analítica. Se o valor da F
calculado experimentalmente for maior que aquele fornecido em tabela, escolhido de
Eq. 2
51
acordo com o nível e confiança e número de graus de liberdade das replicatas, há
heterocedasticidade entre os dados.
Como para todos os analitos avaliados em quintuplicata foi possível notar
comportamento heterocedástico, fez-se necessária a aplicação de um método de
ponderação a fim de minimizar estas tendências. Para estes analitos, nesta faixa de
concentração, foi escolhida a ponderação 1/x, uma vez que esta foi a que apresentou
os melhores ajustes, ou seja, menores erros de exatidão para os diferentes níveis da
curva. Na Tabela 6 é possível encontrar os valores obtidos para a regressão linear
sendo a o coeficiente angular da curva e b o coeficiente linear. Além disto, o
coeficiente de correlação (r) também pode ser encontrado.
Os valores de LD e LQ, avaliados respectivamente levando em consideração
valores de S/N ≥ 3 e S/N ≥ 10, foram de 0,1 e 1 ng mL-1 para o CET; 1 e 5 ng mL-1
para a COC e BZE; 15 e 25 ng mL-1 para a EME. Uma vez que o maior LQ do
instrumento obtido para os analitos foi de 25 ng mL-1 para a EME, este foi definido
como o LQ para a curva de calibração. Para validação deste valor como LQ do
método, amostras fortificadas contendo esta concentração foram avaliada por três
dias em triplicatas (n = 9), sendo quantificada por regressão linear através de curva
de calibração construída no mesmo dia, fornecendo valores de imprecisão aceitos
para o método (C.V. ≤ 11,3%) bem como de exatidão com intervalo de 80,0 a 114,5%.
Informações mais detalhadas podem ser encontradas na Tabela 7.
Tabela 6. Valores de coeficientes das regressões lineares e seus intervalos de confiança (n=5,
95%) onde a representa a inclinação da curva, b o intercepto com o eixo y e r o coeficiente de
correlação.
a ± I.C. (n = 5, 95%)
b ± I.C. (n = 5, 95%)
r ± I.C. (n = 5, 95%)
COC 1,43 ± 0,08 -1,73 ± 3,00 0,996 ± 0,003
BZE 1,15 ± 0,06 -3,60 ± 2,95 0,997 ± 0,001
EME 0,198 ± 0,007 -0,072 ± 1,180 0,996 ± 0,002
CET 1,27 ± 0,09 -2,00 ± 4,06 0,996 ± 0,003
52
A imprecisão (CV (%)) e exatidão (bias) foram avaliadas dentro de um mesmo
dia em triplicata (intra-dia, n = 3) durante 5 dias (inter-dias, n = 15) para 3 diferentes
níveis de concentração. A imprecisão mede o quanto as replicatas desviam entre si
em relação ao valor de concentração calculado por meio de regressão linear, e a
exatidão o quanto elas se aproximam da concentração nominal. Os erros encontrados
para as análises de exatidão dentro de um único dia se encontram em uma faixa de
85,6-118,0% e para os 5 dias de análises de 81,6%-119,7%. Os dados estão
sumarizados na Tabela 8.
Para os estudos de interferência, primeiramente 10 amostras controle foram
analisadas com intuito de testar falsos positivos, o que não foi encontrado. Outro
estudo realizado foi a adição de 28 outras drogas de abuso ou fármacos comumente
encontrados em usuários de cocaína, contidos na Tabela 9 e adicionadas em
concentrações finais de 1000 ng mL-1 em amostras contendo o limite de quantificação
inferior da curva.
Conc. ± I.C.
(ng mL-1) (n = 9, 95%) C.V.
(%) (n = 9)
bias (%) (n = 9)
26,4 ± 0,1 9,8 102,3-114,5
26,6 ± 0,8 7,6 105,8-108,2
25,6 ± 1,1 11,3 80,0-109,0
26,4 ± 0,7 6,6 109,1-110,5
Tabela 7. Valores de concentração, imprecisão (C.V.) e exatidão (bias) para o LQ do método.
53
Os valores calculados das concentrações obtidas dos analitos após adição dos
potenciais interferentes estão presentes na Tabela 10. Os valores de exatidão foram
calculados em relação à concentração nominal (LQ = 25 ng mL-1) e estiveram sempre
Tabela 10. Concentração calculada quando adicionada cada amostra contendo
interferentes e sua exatidão em relação à concentração do analito (25 ng mL-1).
55
construídas para quantificação, não haveria necessidade de adição de padrão em
urina para avaliar amostras positivas.
Tabela 11. Valores percentuais da interferência da matriz na área total dos cromatogramas
nas concentrações de controle (CB = 75 ng mL-1 e CA = 800 ng mL-1).
Muito embora para o método desenvolvido o limite de concentração superior
seja de 1000 ng mL-1, em muitos casos a concentração de cocaína e seus metabólitos
encontrados na urina fornecem valores acima, principalmente para usuários crônicos.
Nestes casos, diluições devem feitas de forma a obter um valor de concentração que
possa ser quantificado pela curva analítica proposta. A integridade da diluição é um
parâmetro importante a ser avaliado nestes casos, uma vez que estes testes
asseguram que a exatidão e a precisão não sejam impactadas significantemente
quando a amostra é diluída. Desta forma, testaram-se dois diferentes níveis de
diluição: 1:10 e 1:20, em quintuplicatas (n = 5) para as quatro substâncias de interesse
(COC, BZE, EME e CET). De uma maneira geral, exceto no caso da EME, o erro
associado à diluição se mostrou crescente conforme a amostra foi mais diluída. Para
as diluições de 1:10, os valores de imprecisão foram sempre inferiores a 11,3%, e a
exatidão esteve sempre contida em intervalo de 89,0 a 114,7%. No caso das diluições
de 1:20, a imprecisão esteve sempre menor que 7,4%, e a exatidão contida em
intervalo de 86,1 a 112,6%. Os valores de erro individuais bem como as concentrações
calculadas, levando em conta o fator de diluição, podem ser encontrados na Tabela
12 e se encontram dentro dos limites requeridos pelo método, confirmando que estas
diluições podem ser feitas sem prejuízos às análises.
COC-d3 COC BZE EME CET
CB 101,0 105,4 104,3 119,7 106,4
CA 91,4 88,7 94,4 90,6 92,2
56
Para o estudo de estabilidade, as amostras foram armazenadas nos controles
baixo (75 ng mL-1) e alto (800 ng mL-1) em três diferentes condições de
armazenamento: ambiente, geladeira (4 °C) e freezer (-20 °C), utilizando sílica em gel
para manter as amostras livres de umidade. As amostras preparadas foram
quantificadas para a COC e seus metabólitos no dia em que foram preparadas, e as
amostras armazenadas foram analisadas em intervalos de 3, 7, 15, 30, 60 e 90 dias
para que a estabilidade fosse testada. Para que o analito fosse considerado estável,
era necessário que as concentrações calculadas após cada intervalo de tempo
apresentassem desvios menores do que aqueles aceitos pelo método. Ou seja, que
os valores de concentração encontrados deveriam estar entre 80 a 120% do inicial.
Após o estudo para todo o intervalo proposto, foi possível notar que a estabilidade da
COC, BZE e CET foi mantida para até 90 dias em todas as condições de
armazenamento. Para a EME, inicialmente observou-se uma queda da concentração
com valores de concentração abaixo de 80% do valor inicial no intervalo de 15 dias,
Tabela 12. Valores obtidos para estudo da integridade de diluição para uma amostra padrão
de concentração nominal 5000 ng mL-1.
Fator de
Diluição
Concentração
(ng mL-1)
C.V.
(%) (n=5)
bias
(%)
COC 1:10 5269,2 0,5 104,8-106,1
1:20 5189,1 6,7 98,2-111,9
BZE 1:10 4765,8 3,1 91,5-98,5
1:20 4625,7 4,8 87,2-98,7
EME 1:10 5105,4 11,3 89,0-114,7
1:20 4647,0 6,0 86,1-98,5
CET 1:10 4970,7 1,6 97,7-101,9
1:20 5071,1 7,4 92,2-112,6
57
quando mantido em geladeira para ambos CB e CA; porém, no dia 30, as
concentrações voltaram a se encaixar no intervalo permitido, levando a acreditar que
os erros tenham sido devido à curva construída neste dia. Uma vez que a EME coelui
logo no início da corrida juntamente com outros interferentes, os erros para este
analito geralmente são os maiores. Sendo assim, este estudo foi repetido neste
mesmo intervalo obtendo valores de concentração onde a estabilidade foi mantida
para 15 dias, confirmando a suspeita de que tenha sido um erro pontual. Os resultados
obtidos podem ser observados para o CB pela Figura 13 e para o CA na Figura 14.
Através dos gráficos de estabilidade foi possível notar que todos os analitos
provaram ser igualmente estáveis em todas as situações de armazenamento,
demonstrando que, para técnica de DUS, a temperatura de armazenamento não
possui grande influência na estabilidade.
58
Figura 13. Estabilidade em 0, 3, 7, 15, 30, 60 e 90 dias para amostras do controle baixo (75 ng mL-1) para as amostras de (a) COC, (b) BZE, (c) EME e (d) CET, mantidas em três
diferentes condições de temperatura: ambiente, geladeira (4 °C) e freezer (-20 °C).
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Figura 14. Estabilidade em 0, 3, 7, 15, 30, 60 e 90 dias para amostras do controle alto (800 ng mL-1) para as amostras de (a) COC, (b) BZE, (c) EME e (d) CET mantidas em três diferentes condições de temperatura: ambiente, geladeira (4 °C) e freezer (-20 °C).
60
4.1.3. Aplicação
Através do método de DUS com análise por LC-MS/MS foi possível quantificar as
cinco amostras positivas. Uma vez que a maioria destas amostras apresentaram
valores de concentrações de cocaína ou metabólitos maior do que o limite superior da
curva, diluições das amostras foram necessárias. As amostras que apresentaram
valores acima do LQ do método (25 ng mL-1) foram quantificadas em triplicata, e as
concentrações encontradas, tais como seus desvios, estão presentes na Tabela 13.
Tabela 13. Resultados encontrados na aplicação do método de DUS para amostras positivas
em triplicata (n=3).
Através da quantificação das amostras positivas foi possível observar que, como
citado anteriormente, a maior parte da droga de abuso em estudo é excretada na urina
na forma de seus metabólitos, sendo o BZE o metabólito presente em maior
concentração seguido pelo EME. Assim, estas duas substâncias apresentaram
valores de concentração expressivos em todas as amostras, diferentemente da