UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Marlus Vinicius Forigo A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL Curitiba 2005
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Marlus Vinicius Forigo
A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL
Curitiba 2005
Marlus Vinicius Forigo
A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano.
Curitiba 2005
TERMO DE APROVAÇÃO Marlus Vinicius Forigo
A REVISTA VEJA E A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE LULA NAS ELEIÇÕES DE 1989: UM PROJETO NEOLIBERAL
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Linguagens no Programa de Mestrado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, 22 de setembro de 2005
________________________________________________________
Profa. Denize Correa Araújo, PhD Mestrado em Comunicação e Linguagens
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientadora: Profa. Dra. Kati Eliana Caetano Universidade Tuiuti do Paraná
Profa. Dra. Claudia Irene de Quadros Universidade Tuiuti do Paraná
Prof. Dr. Cláudio José Luchesa Faculdades Integradas Curitiba
Agradecimentos A melhor parte de mim, meus filhos Camila, Eduardo e Carolina A minha alma gêmea, Eliane, pelo amor verdadeiro A Leonildo e Thereza, meus pais, que desde quando eu era criança, nunca mediram esforços para fazer de mim um homem honrado, culto e humanista A minha orientadora, Kati Caetano, que por minha causa, e de outros como eu, garantiu um lugar no céu Mauro, Marcio, Ana, Angela, Cristina, Dulce, Marina, Cacá, Carlos, Cidinha, Randy, Magali,Fassina, Rocio, Cláudia, Geraldo, pessoas que de alguma forma, grande ou pequena, contribuíram com essa dissertação. (espero não ter esquecido ninguém)
De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando...
a certeza de que é preciso continuar... a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...
PORTANTO DEVEMOS
fazer da interrupção um caminho novo...
da queda um passo de dança... do medo, uma escada... do sonho, uma ponte...
da procura...um encontro”
Fernando Sabino
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
1.1 A OPÇÃO PELA REVISTA VEJA ...................................................................... 8
1.2 CORPUS: LULA E AS ELEIÇÕES DE 1989 PELA REVISTA VEJA ................ 9
1.3 A OPÇÃO POR MARX, ALTHUSSER E A SEMIÓTICA DE GREIMAS ......... 11
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .............................................................. 13
2 MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO ................................................................................................................... 15
2.1 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO ..................................................................... 16
2.1.1 O materialismo dialético ............................................................................ 16
2.1.2 O materialismo histórico ............................................................................ 18
2.1.3 A infra-estrutura e a luta de classes .......................................................... 18
2.1.4 A superestrutura ........................................................................................ 23
2.2 APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO: A CONTRIBUIÇÃO DE ALTHUSSER ......................................................................................................... 27
2.2.1 A reprodução das relações de produção ................................................... 28
2.2.2 Ideologia e luta de classes ........................................................................ 34
2.2.3 Ideologia e comunicação ........................................................................... 35
3 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO NEOLIBERALISMO ......................... 39
3.1 A GLOBALIZAÇÃO .......................................................................................... 39
3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL ............................................................ 40
3.3 A CRISE DO MODELO DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL .................... 44
3.4 A SOLUÇÃO NEOLIBERAL ............................................................................ 45
3.5 O BRASIL NA CONJUNTURA DOS ANOS 80 ................................................ 49
4 A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA ..................................................... 52
4.1 TEXTO SINCRÉTICO ...................................................................................... 53
4.2 PLANO DO CONTEÚDO E PLANO DA EXPRESSÃO ................................... 54
4.2.1 Plano do conteúdo .................................................................................... 54
4.2.2 Percurso gerativo de sentido ..................................................................... 56
4.2.3 Plano da expressão ................................................................................... 60
5 ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA ......................................... 62
5.1 EDIÇÃO 1074 – O TERREMOTO DA REFORMA SACODE O COMUNISMO63
5.1.1 Abaixo o comunismo em nome da liberdade ............................................ 65
5.1.2 Nível fundamental ..................................................................................... 66
5.1.3 Nível narrativo ........................................................................................... 67
5.1.4 Nível discursivo ......................................................................................... 70
5.1.5 Iniciando a construção de uma imagem .................................................... 73
5.2 EDIÇÃO 1089 – A URSS ENFRENTA O SEU GRANDE DESAFIO ............... 75
5.2.1 Disforia e não-disforia ou euforias x disforias? .......................................... 77
5.2.2 Nível narrativo ........................................................................................... 80
5.2.3 Nível discursivo ......................................................................................... 81
5.3 EDIÇÃO 1095 - O Operário Vai a Luta ............................................................ 84
5.4 EDIÇÃO 1101 – A ESQUERDA SOBE ............................................................ 87
5.5 EDIÇÃO 1105 - CHEGOU A HORA ................................................................ 91
5.5.1 Nível fundamental .................................................................................... 91
5.5.2 Por um Brasil verde-amarelo .................................................................... 92
5.5.3 O sol nasce no ocidente ............................................................................ 94
5.6 EDIÇÃO 1106 – PRESIDENTE COLLOR OU PRESIDENTE LULA................ 95
5.7 EDIÇÃO 1107 – LULA E O CAPITALISMO ..................................................... 98
5.8 EDIÇÃO 1109 – A BATALHA FINAL PARA MUDAR O BRASIL ................... 101
5.8.1 Nível fundamental .................................................................................. 101
5.8.2 Estruturas narrativas .............................................................................. 104
5.8.3 Estruturas discursivas ............................................................................ 105
5.9 AS TRÊS FACES DO CANDIDATO OPERÁRIO .......................................... 109
5.9.1 Um operário de hábitos humildes e grosseiros: o conto do torneiro borralheiro ........................................................................................................ 110
5.9.2 Lula, o pt e as esquerdas: a marca do anacronismo ............................... 114
5.9.3 A ameaça comunista ............................................................................... 120
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 124
6.1 QUE TIPO DE IMAGEM A REVISTA VEJA CONSTRUIU DO POLÍTICO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, E AO CONSTRUÍ-LA, DE QUE MANEIRA TENTOU INTERFERIR NO PROCESSO DE ESCOLHA DO ELEITOR? ........................... 125
6.2 QUAIS AS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS? .................................................... 126
6.3 DE QUAIS INTERESSES E IDÉIAS VEJA É PARTÍCIPE? ........................... 128
GLOSSÁRIO ........................................................................................................... 129
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 131
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ............................................................................ 135
RESUMO A dissertação é uma análise da articulação dos componentes verbais e não verbais dos discursos relacionados à candidatura de Lula, nas eleições presidenciais de 1989, constituídos pelas capas e reportagens da revista Veja. O objetivo é desvelar o papel ideológico exercido pela revista Veja, na implementação do modelo neoliberal no país, tendo em vista que, debates sobre a crise do modelo socialista, sobre o fim do modelo de Estado de Bem-Estar Social, e do perigo “vermelho” e estatizante que ainda pairava sobre a sociedade brasileira, deram a tônica às capas e reportagens de Veja. O corpus de análise compreende oito edições publicadas em 1989, que serão examinadas na sua relação intertextual e inseridas no contexto político-ideológico dos anos 80. Para a análise do papel da revista no quadro da sociedade brasileira, recorre-se a abordagens teóricas que dêem conta não só do contexto sócio-histórico e econômico do país, como também da compreensão das mídias na formação de valores ideológicos e de uma economia política da comunicação. Para a análise do corpus, teorias de análise da imagem e de textos sincréticos são utilizadas para o exame do modo de funcionamento dos discursos e de seus efeitos de sentido. Palavras chave: Revista Veja, sincretismo, capas de revista, imagem, texto e contexto.
RESUMÉ L’étude présente est une analyse de l’articulation des éléments verbaux et non verbaux des discours proférés pendant la candidature aux élections à la presidence du candidat Lula, pendant la campagne de 1989, qui ont fait l’objet de reportages du périodique Veja. L’objet principal de cette analyse est d’éclaircir le rôle idéologique joué par le périodique Veja dans l’implantation du modèle néo-libéral au Brésil, en prenant en compte les débats à propos de la crise du modèle socialiste, à propos de l’État du Bien Être-Social et du danger « rouge » et étatique qui menaçaient la société brésilienne et qui, pendant cette période, constituaient les premières pages et les reportages de Veja. Le corpus de l’analyse comprend huit exemplaires publiés en 1989, qui sont examinés dans une relation interposée et dans un contexte politique-idéologique des années 80. Pour l’analyse du rôle du périodique dans le cadre de la société brésilienne, nous avons pris en considération les abordages théoriques qui font étude non seulement du contexte socio-historique et économique du pays, mais aussi la compréhension des rôles des médias dans la formation des valeurs idéologiques aussi bien que d’une économie politique de la communication. Finalement, pour la démonstration du corpus sont utilises des théories d’analyses et d’images et textes syncrétiques pour mieux comprendre le mode de fonctionnement des discours et leurs possibles effets de sens/signification. Mots clés: Périodique Veja, syncrétisme, première-page de magazine et périodique, image, texte et contexte.
8
1 INTRODUÇÃO
1.1 A OPÇÃO PELA REVISTA VEJA
A revista Veja, do grupo Abril, é um produto que pode ser adquirido de duas
formas: por assinatura ou pela compra de exemplares avulsos em banquinhas de
jornal e supermercados. Como qualquer outro produto, para sair da prateleira, deve
despertar algum tipo de interesse, necessidade ou desejo nos possíveis
compradores. A idéia de estudar como o candidato Lula foi retratado, durante as
eleições de 1989, pelas capas e reportagens da revista Veja, poderia ter surgido da
pergunta: o que leva alguém a gastar R$ 7,30 (sete reais e trinta centavos)1, pelo
exemplar de uma revista? Informação é a resposta. Informação é o produto
encontrado nas páginas de Veja.
Apesar de tratar de variedades como saúde, livros, cinema, e
comportamento, dentre outros assuntos, a vocação da revista é oferecer informação
jornalística de cunho político e econômico para um público não especializado,
formado principalmente pela classe média brasileira, uma vez que a maioria dos
brasileiros, pelo baixo poder aquisitivo, não pode se dar ao luxo de trocar uma
refeição por páginas repletas de imagens coloridas e reportagens.
Sem a intenção de discorrer sobre o mérito, a camada social à que Veja se
dirige, é conhecida como formadora de opinião pública. Indiferente a isso, o fato é
que, quem a compra, busca informação, e a principal informação veiculada por Veja,
diz respeito à vida política e econômica do país.
1 Valor atualizado do exemplar avulso.
9
Em 1989, aconteceram as primeiras eleições para presidente depois de
décadas de ditadura militar; um acontecimento imprescindível para a consolidação
da democracia no Brasil e para os rumos que tomaria a sociedade brasileira. Um
evento dessa relevância não poderia ocupar um papel secundário nas páginas da
revista jornalística de maior circulação e tiragem até hoje no país. Desde 1995 são
impressos mais de 1 milhão de exemplares semanalmente (HERNANDES, 2001, p.
8). Não só os números são impressionantes, mas pensar que em suas páginas, em
razão do produto que vende, é possível encontrar uma direção para as ações
cidadãs da sociedade brasileira, é conclusivo que, se a revista não é um poder por si
mesma, no mínimo toma parte do jogo de forças ideológico que permeia a vida
política.
Pesquisar e desvelar a posição de Veja em relação às eleições de 1989, e
explicar o processo da construção de sentido dos seus textos, por meio da interação
entre linguagem verbal e não-verbal, se tornou um desafio cientificamente tentador.
1.2 CORPUS: LULA E AS ELEIÇÕES DE 1989 PELA REVISTA VEJA
Toda pesquisa implica escolhas e recortes, e o desta dissertação está
relacionado a três indagações:
Que tipo de imagem a revista Veja construiu do político Luiz Inácio Lula da
Silva, e ao construí-la, de que maneira tentou interferir no processo de
escolha do eleitor?
Quais as estratégias utilizadas?
De quais interesses e idéias Veja é partícipe?
10
Para dar conta dessas perguntas foram escolhidos oito exemplares da
revista, das quais se fez a análise dos elementos verbais e não-verbais de suas
capas, além de 26 reportagens, ensaios e entrevistas das respectivas edições.
As edições escolhidas para a análise e manchetes de capa são:
1ª - Edição 1074, de 05/04/89 – “O terremoto da reforma sacode o
comunismo: o vento da liberdade que varre a Europa do Leste”;
2ª - Edição 1089, de 26/07/89 – “A URSS enfrenta o seu grande desafio”;
3ª - Edição 1095, de 06/09/89 – “O candidato operário: a dura jornada de
Lula na sucessão”;
4ª - Edição 1101, de 18/10/89 – “A esquerda sobe: Lula encosta em Brizola
e entra na briga pelo segundo turno”;
5ª - Edição 1105, de 15/11/89 – “Chegou a Hora!”
6ª - Edição 1106, de 22/11/89 – “Presidente Collor ou Presidente Lula”;
7ª - Edição 1107, de 29/11/89 – “Lula e o capitalismo: as mudanças que o
PT promete dividem o Brasil”;
8ª - Edição 1109, de 13/12/89 – “A batalha final para mudar o Brasil: o que
pode ocorrer no país com Lula ou com Collor”.
As edições trazem reportagens que discutem as reformas políticas no Leste
europeu, o papel do Estado na economia, a crise dos modelos intervencionistas de
Estado, a vitória da democracia liberal, o comunismo, a economia de mercado, as
ideologias políticas e econômicas e os programas de governo dos candidatos à
presidência da República.
Para fazer o recorte da pesquisa e a seleção dos exemplares para a análise,
levou-se em consideração o contexto global da crise do modelo de Estado de Bem-
11
Estar Social e do socialismo, afinal essa foi a temática que mais se fez presente nas
reportagens sobre o processo eleitoral brasileiro.
O ponto de partida para as análises foram as capas das revistas e levaram
em consideração os elementos verbais (parte escrita) e não-verbais (imagens,
diagramação, cores, etc). As análises não se restringiram às capas, mas se
estenderam às reportagens, entrevistas e ensaios que de alguma maneira se
relacionaram às eleições.
Apesar desse recorte, houve a necessidade de se delimitar ainda mais o
objeto de estudo. Como as eleições foram pautadas pelo debate entre esquerda e
direita, fez-se a opção por demonstrar os sentidos dos textos de Veja a partir da
construção da imagem do candidato Lula, que se depreende de suas páginas. Essa
escolha se deu pelo fato de Lula ser um forte concorrente de esquerda ao Planalto.
O que vai ser demonstrado ao longo dessa dissertação é que Veja adotou
construir como estratégia, um sentido positivo para as propostas neoliberais a partir
de um antidiscurso socialista feito sobre o candidato Lula.
Em defesa dos valores do capital, Veja combateu qualquer ideologia ou
inimigo em potencial da reestruturação do capitalismo. As eleições para presidente
de 1989 podiam colocar o Brasil nos trilhos do modelo neoliberal ou criar obstáculos,
caso houvesse uma vitória do PT ou do PDT.
1.3 A OPÇÃO POR MARX, ALTHUSSER E A SEMIÓTICA DE
GREIMAS
Como já afirmado, as eleições presidenciais de 1989, foram marcadas pelo
debate ideológico entre esquerda e direita e realizados à luz da crise do Estado e do
12
modelo socialista. Sendo a revista Veja uma empresa de capital privado, é difícil
imaginar que ela tenha sido imparcial e se colocasse acima do jogo de forças que
caracteriza a política. Como se demonstrará nessa dissertação, a revista Veja
intercedeu nas eleições de 1989, em favor do grande capital nacional e
internacional.
Em regimes autoritários a sociedade é coagida pela força das armas, mas
numa sociedade democrática essa dominação não pode ser sob a forma da coerção
física, e sim por meio de uma manipulação sutil e discreta da consciência social.
Marx, no século XIX, afirmava que toda sociedade se assenta sob uma
determinada infra-estrutura econômica e que a essa corresponde uma determinada
superestrutura ideológica, cuja função é legitimar ideologicamente as relações de
dominação existentes na base econômica. Louis Althusser retoma a questão da
ideologia sob a forma de mecanismos voltados para fins de dominação ideológica,
os aparelhos ideológicos de Estado e Veja atuou como aparelho ideológico à serviço
do capital.
Se um texto, verbal ou não-verbal, está a serviço de uma ideologia é
necessário um instrumento para realizar a análise desse texto. Um instrumento que
ajude a revelar como se produz o sentido de um texto e que sentido é este. Segundo
Greimas, a semiótica é uma disciplina ancilar à área de humanas, e nessa
perspectiva é que instrumentos da semiótica greimasiana serão utilizados para
revelar os sentidos do discurso de Veja. Segundo Hernandes (2001, p. 11) a teoria
(semiótica) “permite examinar o texto como objeto de comunicação entre sujeitos e
também como objeto de significação. Torna possível, em outras palavras uma
análise interna, ou estrutural, e uma externa, que examina o texto como objeto
13
cultural, inserido numa sociedade de classes e construído em função de uma série
de coerções, tanto ideológicas como de formato da própria mídia”.
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
Além da introdução e da conclusão, o trabalho foi dividido em quatro partes:
No capítulo 2 – MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS
IDEOLÓGICOS DE ESTADO – é feita uma apresentação da contribuição teórica de
Marx, acerca do materialismo dialético e histórico, e sobre a ideologia e sobre os
aparelhos ideológicos de Estado de Althusser.
Soma-se a essa discussão as contribuições de autores como Bernardo
Kucinski, Nelson Werneck Sodré, Maria Lília D. de Castro, César R. S. Bolaño e
Antônio Albino C. Rubim.
O objetivo desse capítulo é discutir o que é ideologia, o seu papel na
sociedade de classes e de construir pressupostos que permitam compreender como
um veículo de comunicação pode reproduzir ideologicamente as relações de
dominação existentes nas relações de produção.
No capítulo 3 - CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE
1989: A CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO
NEOLIBERALISMO - é feita a contextualização histórica do período em que
ocorrem as eleições de 1989.
As eleições ocorreram em meio a crise do modelo de Estado de Bem-Estar
Social, da queda dos regimes socialistas no Leste da Europa e da ascensão do
neoliberalismo. Esses acontecimentos internacionais pautaram a discussão sobre o
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modelo de Estado e rumos econômicos que o Brasil deveria tomar, e o momento
dessa escolha eram as eleições.
No capítulo 4 - A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA – será feita
uma breve explanação da semiótica greimasiana. O objetivo é inserir o leitor em
alguns dos principais conceitos e procedimentos da semiótica, enquanto instrumento
de análise do texto.
No capítulo 5 - ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA - é
demonstrada a existência de um discurso, que em seu conteúdo estão presentes
valores pertencentes a uma classe dominante. Este discurso é produzido na relação
dialogal entre os vários textos, sejam verbais ou não-verbais, difuso capilarmente
pelas várias edições analisadas, cujo objetivo é induzir o leitor da revista a não votar
em Lula, por ser um candidato incapaz, de esquerda, e de partilhar de idéias
retrógradas e decadentes.
15
2 MEIOS DE COMUNICAÇÃO, IDEOLOGIA E APARELHOS
IDEOLÓGICOS DE ESTADO
Não se pode atribuir aos meios de comunicação a responsabilidade por tudo
o que as pessoas pensam, imaginam, desejam ou como conduzem sua vida
cotidiana. Mas é inegável que em boa parte de suas vidas, elas são espectadoras de
programas televisivos, ouvintes de rádio, freqüentadores de sites e leitores de
revistas e jornais e que, não raras vezes, os têm como referência da realidade
política, econômica e social constituindo-os como suporte do seu imaginário. Os
meios de comunicação, principalmente a partir da modernidade, com a invenção dos
tipos móveis, tornaram-se se não o principal, mas um importante meio de difusão de
idéias, valores e comportamentos.
Esse é o caso da revista Veja, e o propósito desta exposição é demonstrar o
que essa revista diz, enquanto texto sincrético, e como o faz para dizê-lo.
Partindo do pressuposto de que como meio midiático Veja é capaz de, em
determinados momentos da vida, influir nas ações humanas, seria o caso de explicar
como faz isso e quais as estratégias empregadas.
O caminho escolhido para verificar essa possibilidade busca um respaldo
teórico para explicar como Veja se constitui em um instrumento ideológico.
Esclarecer o que é Ideologia, situá-la dentro de uma determinada construção teórica,
nesse caso, a de Marx, por este entender que a ideologia é uma construção social
de uma classe dominante, com a intenção de preservar seus interesses, ocultando
as condições de exploração que impõe à classe dominada, para em seguida,
desvelar pela análise dos sentidos, posturas ideológicas comprometidas com
interesses relacionados a determinadas conjunturas históricas, a partir de uma
16
análise da articulação dos componentes verbais e não-verbais dos discursos
relacionados à candidatura de Lula, veiculados pela revista Veja.
2.1 IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO
O conceito de ideologia foi inicialmente empregado por Karl Marx em seu
trabalho de análise e de crítica ao sistema capitalista do século XIX, e sua função é
legitimar o poder da classe dominante sobre o conjunto da sociedade. Apesar de o
conceito possuir diferentes definições, será empregado o que está presente no livro
“A Ideologia Alemã” (1999): toda forma de pensamento e de representação presente
em um determinado modo de produção.
Para se compreender como se dá a dominação de uma classe sobre outra e
a origem da ideologia, é necessário avançar em alguns aspectos do pensamento
marxista, por serem resultantes de uma determinada formação econômica.
2.1.1 O materialismo dialético
Ao contrário de Friedrich Hegel que afirmava serem as contradições do
espírito o motor da história, para Marx não são as idéias que movem o mundo, mas
sim, as contradições presentes nas relações de produção, e mais, são as idéias que
derivam das condições materiais de produção e reprodução da existência, o que
significa dizer que a matéria é o dado primário, do qual derivam as idéias, ou nas
palavras do próprio Marx (1999, p. 37): “não é a consciência que determina a vida,
mas a vida que determina a consciência”.
Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto com o que produzem como
17
com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção (MARX, 1999, p. 28).
Para Nelson Werneck Sodré (1999), por exemplo, existe uma relação
dialética entre a imprensa e o capitalismo facilmente perceptível pela tendência de
uniformidade, mas por outro lado, essa mesma imprensa que é capaz de levar os
homens à uniformidade de valores éticos e culturais, exercendo até certo ponto um
papel importante na formação da consciência social, é em última instância,
profundamente influenciada pela lógica do desenvolvimento das forças produtivas.
No caso das sociedades capitalistas, as condições materiais de existência,
trazem um apelo à padronização de valores, repassada pelos meios de
comunicação. Essa padronização dispensa a consciência individual em prol do
inconsciente coletivo.
São as condições materiais preponderando sobre valores éticos, espirituais
ou relacionais. Sodré (apesar de que toda época possui suas contradições), conclui
que:
Houve um tempo, como na Idade Média, em que não se trocava senão o supérfluo, o excedente da produção sobre o consumo. Houve, também, tempo em que não somente o supérfluo, mas todos os produtos, toda a existência industrial, passaram ao comércio, em que a produção inteira dependia da troca. Veio, finalmente, tempo em que tudo o que os homens tinham visto como inalienável tornou-se objeto de troca, de tráfico, e podia ser alienado. Este foi o tempo em que as próprias coisas que, até então, eram transmitidas, mas jamais compradas — virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. — em que tudo, enfim, passou ao comércio. Esse foi o tempo da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de Economia Política, o tempo em que tudo, moral ou físico, tornando-se valor venal, é levado ao mercado para ser apreciado no justo valor (SODRÉ, 1999, p. 8).
E esse é o tempo ou a época da revista Veja.
18
2.1.2 O materialismo histórico
Para Sodré (1999), a influência dos anunciantes foi ganhando cada vez mais
espaço, em detrimento do leitor2, configurando a imprensa como parte da
superestrutura econômica que tomou conta da sociedade.
Superestrutura econômica é um conceito de materialismo histórico. É um
método de análise utilizado para a compreensão da história, desenvolvido por Marx
com a intenção de entender o capitalismo no século XIX. É a aplicação do
materialismo dialético ao estudo da História.
Marx desenvolveu o materialismo histórico para explicar as formas como os
homens, independente da época e do lugar, organizaram-se e organizam-se para
produzir o que necessitam para sua sobrevivência. Quer dizer, explica-se a história
pelos fatores econômicos e técnicos (ARANHA; MARTINS, 1993). A essas
diferentes formas de organização Marx chama de modos de produção e estes se
estruturam em níveis: infra-estrutura e superestrutura. Para Marx, um modo de
produção ou o modelo infra-estrutural é a base econômica sob a qual se erguerá e
se determinará a superestrutura.
2.1.3 A infra-estrutura e a luta de classes
A infra-estrutura é explicada como o nível da base econômica e dele fazem
parte as relações que o homem estabelece com a natureza visando à reprodução da
existência e se dá pela mediação do trabalho. Para trabalhar e garantir a existência
também são necessárias e fazem parte da infra-estrutura as relações dos homens
2 Pode-se substituir atualmente por espectador, ouvinte ou navegador.
19
entre si, ou melhor, a forma como os homens se organizam para produzir os bens
necessários à existência. No sistema capitalista, essas relações são entre
proprietários dos bens de produção (exploradores) e os não proprietários
(explorados) e também com os meios e os objetos de trabalho. No modo de
produção capitalista, a relação entre burguesia e proletariado (proprietários e não
proprietários respectivamente), vai compor o que Marx vai chamar de lutas de
classes. Para Marx, a história de todas as sociedades existentes até hoje tem sido a
história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, membros da corporação e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas vezes oculta, outras aberta, uma luta que acabou sempre com uma transformação revolucionária de toda a sociedade inteira ou com o declínio comum das classes em luta (MARX, 1998, p. 68).
Porém, nem sempre a luta de classes existiu. Nas comunidades primitivas
as forças produtivas3 ou condições materiais de produção eram atrasadas,
inexistindo classes sociais, propriedade privada e produção de excedentes4. Eram
comunidades nômades, que, com o desenvolvimento das forças produtivas
caracterizadas pelo processo de domesticação de animais, do desenvolvimento de
instrumentos de trabalho e da descoberta da agricultura, foram se tornando
sedentárias. Com a sedentarização e o desenvolvimento incessante das forças
produtivas, foi surgindo a noção de propriedade privada, do planejamento da
produção e da distribuição de excedentes, e conseqüentemente da divisão do
trabalho que dará origem à divisão da sociedade em classes. O escravismo surge
como conseqüência do desenvolvimento das forças produtivas. Era uma nova força
3 Segundo Cristina Costa (1997, p. 91) implicam o “conjunto de forças naturais já transformadas e
adaptadas pelo homem, como ferramentas ou máquinas, utilizadas segundo uma orientação técnica específica. E o próprio homem que [...] é o principal elemento das forças produtivas, uma vez que é o responsável por fazer a ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos”. 4 Ou sistema comunal primitivo. Basicamente essas comunidades viviam da caça e da coleta de
alimentos.
20
de trabalho que permitia o acúmulo de riquezas. O desenvolvimento das forças
produtivas e a produção de excedentes acabaram por produzir a exploração do
homem pelo homem.
De acordo com Georges Politzer (1993), a sociedade de classes transformou
profundamente a psicologia do homem. Por isso, o autor dá razão a Rousseau que
responsabilizou a sociedade pela corrupção da natureza humana. A partir da
exploração do homem pelo homem, este foi impedido de dispor do fruto do seu
próprio trabalho, sendo separado de sua obra. O explorador apropriou-se do seu
trabalho, alienando-o. A conseqüência é que, tendo sido separado do seu trabalho, o
homem separou-se de si próprio. De acordo com o autor, a atividade produtora e a
iniciativa criadora perfazem a natureza humana, sendo essa natureza que o
distingue do animal. Ao mesmo tempo em que o trabalhador-explorado é despojado
do produto do seu trabalho, o explorador apropria-se do que não produziu. Com
isso, mutila-se a consciência do explorado por não poder realizar seus fins
livremente. Mas a consciência do explorador também se encontra separada de si
própria, porque se acostumou com a mentira. Assim, a consciência de ambos reflete,
cada qual a seu modo, a exploração.
Para Marx, só é possível compreender o funcionamento e a forma de
organização de uma sociedade, a partir do estudo dos modos de produção. Além do
modo de produção citado, o sistema comunal primitivo, Marx identificou outros mais.
São eles: o asiático, o de produção antigo ou escravista, o germânico, o feudal e o
modo de produção capitalista (COSTA, 1997, p. 92), que é o contexto histórico no
qual se encontra o corpus desta dissertação.
A partir do surgimento da sociedade de classes, independente do modo de
produção específico, a luta de classes tem sido o motor da história e assim o é ainda
21
hoje, na atual fase do modo de produção capitalista. É importante ressaltar que essa
luta entre classe dominante e classe dominada, ou especificamente, no caso do
capitalismo, o confronto entre a classe burguesa e a classe proletária, não se dá
somente no nível econômico, ou infra-estrutural, mas também no nível das idéias, ou
no plano ideológico.
O surgimento da imprensa veio contribuir para a disseminação das idéias, no
plano ideológico. Nascendo com o capitalismo e acompanhando o seu
desenvolvimento, tornou-se facilmente um instrumento da classe dominante. As
empresas jornalísticas ganhavam proporções semelhantes a qualquer outra
empresa capitalista, fato impulsionado pelo avanço do rádio e da televisão, gerando
um conglomerado empresarial capitalista que agrupou a imprensa falada e a escrita.
Com essa caracterização, predomina na imprensa o aspecto privado
(capitalista), persistindo o confronto entre as classes. Numa empresa jornalística, a
convicção de Sodré (1999), é de que existem pelo menos três classes sociais: os
proprietários (capitalistas); os intelectuais (classe média è às vezes burguesa) e os
operários (proletariado), cujos interesses são contraditórios. Quase sempre
prevalece a lei do mais forte, isto é, dos proprietários dos jornais, facilitando então, a
propagação dos ideais burgueses, e caracterizando a mesma luta de classes que se
dá em outro tipo de empresa.
Já para Maria Lília Dias de Castro (2000, p. 276):
O traço burguês da empresa é facilmente perceptível, aliás, nas campanhas políticas, quando acompanha as correntes mais avançadas, e em particular nos episódios mais críticos, os das sucessões. O problema, cuja complexidade é indiscutível, revela-se, assim, na questão política sempre séria que é a sucessão dos chefes de Estado...
Bernardo Kucinski (1996), concorda com a idéia de que a imprensa
colaborou com a implantação do projeto neoliberal, em especial na campanha pelas
privatizações. A imprensa esteve a favor da ideologia do Estado, apesar de a
22
sociedade civil estar dividida. Esses fatos vão ao encontro das idéias de Marx, pois
conforme Kucinski (1996, p. 184), “por ser exercido por uma elite intelectual e por
seu papel decisivo na criação de expectativas e no jogo do poder, o jornalismo é
muito condicionado pelas assimetrias que caracterizam as democracias liberais...”
Faz-se mister acrescentar que os proprietários estão sempre correndo atrás
de mais lucros e, para isso, abrem seus jornais ou revistas à publicidade. Isso pode
facilmente ser percebido ao se folhear a revista Veja. Sodré (1999, p. 3), registra que
esse fato vem ocorrendo desde a ascensão da imprensa e do capitalismo, numa
comprovação ostensiva “... das ligações entre a imprensa e as demais formas de
produção de mercadorias”. Citando um exemplo, ao relatar o histórico da imprensa
norte-americana, o autor diz que na primeira metade do século XIX, um dos jornais
nascidos quatro anos antes, já atingia a casa dos 30.000 mil exemplares, mesmo
tendo dobrado o tamanho das páginas. Isso para acomodar os anúncios cujo afluxo
crescia sempre.
Assim, segundo Sodré (1999), não é a verdade dos fatos o que mais lhes
interessa, tampouco o leitor que compra a notícia, mas o que a revista vai render em
publicidade. E ainda, por depender também do poder público, no que diz respeito ao
fornecimento de máquinas, papel e até empréstimos financeiros, ficam à mercê do
setor, perdendo uma parcela significativa de sua autonomia. Sendo assim, apesar
de os jornalistas proclamarem independência e objetividade em suas matérias, na
cobertura dos acontecimentos, persiste o “oficialismo”, principalmente aquele que
tem por protagonista o próprio Estado a serviço do capital.
23
2.1.4 A superestrutura
A superestrutura ou nível político-ideológico é formado por uma
superestrutura jurídico-política, que existe na esfera do Estado e do direito, e pela
superestrutura ideológica e diz respeito às diferentes formas da consciência social,
presentes na religião, nas leis, na escola, na cultura, nas ciências, e nos valores. Da
mesma maneira que ocorre uma subordinação dos não-proprietários aos
proprietários no nível infraestrutural (exploração do trabalho), também ocorre uma
subordinação no nível superestrutural, pois, a superestrutura reflete as idéias e
valores dos proprietários ou da classe dominante. Por superestrutura entendam-se
todas as idéias e instituições que refletem as relações de produção dominantes,
sendo elas também dominantes (POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993)5. E ainda
segundo os autores:
Sendo as idéias parte integrante da superestrutura, e em sendo esta determinada pela infra-estrutura, o seu conteúdo não passa de um reflexo da realidade objetiva da sociedade, não possuindo gênese própria e independência:... a moral, a religião, a metafísica e todo o restante da ideologia, bem como as formas de consciência a elas correspondentes perdem logo toda aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; ao contrário, são os homens que, desenvolvendo sua produção material e suas relações materiais, transformam com a realidade que lhes é própria, seu pensamento e também os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência (POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993, p. 19-20).
Qual seria então a razão de existir da superestrutura, e mais
especificamente da superestrutura ideológica? A resposta é: a manutenção das
relações de dominação presentes na infra-estrutura, legitimando-a e justificando-a,
além de criar dificuldades para o surgimento e propagação de qualquer idéia que
venha a colocar em risco o seu status quo. A ideologia não pode, portanto, ser
5 Por exigência de Guy Besse e Maurice Caveing o nome do mestre Georges Politzer deveria vir na
frente. Ambos eram alunos de Politzer e a obra que leva o nome dos três é o resultado da compilação das aulas e cursos ministrados por Politzer.
24
compreendida e nem explicada fora de sua relação com a infra-estrutura econômica.
Marx e Engels (apud POLITZER; BESSE; CAVEING, 1993), exemplificam esse fato
ao falar do dogma calvinista. Para eles, tal dogma correspondia às exigências da
mais avançada burguesia da época. O êxito ou o fracasso da atividade do mundo
comercial correspondia a um desígnio de natureza religiosa, verificada pela doutrina
da predestinação. Não dependia, portando da habilidade humana ou das
circunstâncias que, por sua vez, também não dependiam da vontade, nem da ação
humanas, mas de forças econômicas superiores e desconhecidas.
A idéia da predestinação justifica e legitima os efeitos indesejados da livre
concorrência que estão num plano puramente material transpondo-os para o plano
do sagrado, da onisciência e dos desígnios de Deus, mascarando, desta feita, e
transformando em realidade imutável algo objetivamente positivo, ou seja,
econômico. Isto colocado de uma maneira simplista e desconsiderando tudo o que
depende das circunstâncias variáveis da época e do meio, seria o mesmo que dizer
que se uma pessoa nasce numa sociedade capitalista pensará como um capitalista,
sendo ou não um capitalista. Este terá desejo de ascensão social, será muito
provavelmente individualista e egoísta e motivado por um desejo de consumo não
raras vezes inconsciente. Agora, se essa mesma pessoa nasce numa sociedade
cujo modo de produção é o feudal, dificilmente seria motivado pelo desejo de
consumir, não que esse não existisse, mas não com a mesma força e determinismo
que existe numa sociedade capitalista, haja vista que numa sociedade
essencialmente agrária não há muito para ser consumido. Também não teria desejo
de ascender socialmente, pois na Idade Média, não existia essa possibilidade,
porque ser senhor feudal ou camponês era condição de nascimento, inexistindo
qualquer possibilidade de mobilidade e ascensão social. Ainda mais, havia pouco
25
espaço para o individualismo devido ao fato de a produção depender do esforço
coletivo. Fazendo uso de uma expressão, novamente simplista, mas, perfeitamente
cabível, seria o mesmo que dizer que o homem é fruto do meio, entendendo-se por
meio, a forma pela qual os homens produzem os bens necessários à sua existência.
O mesmo pode ser aplicado ao jornalismo da atualidade. Pertencendo a
uma sociedade cujos valores são eminentemente capitalistas, a economia
torna-se o centro da temática, para a qual utilizam, segundo Kucinscki (1996, p.
187), o pensamento neoliberal, mas de “... forma simplista, para justificar a tese de
que preocupações éticas com a distribuição de renda não só nada têm a ver com a
teoria econômica, como levam ao efeito contrário. Por essa tese só uma economia
na qual os empresários tenham a total liberdade de ação produz bons resultados”.
Nessa linha de pensamento, o autor complementa a idéia dizendo que a
ideologia do livre mercado, em suas várias manifestações (desde o marginalismo até
o neoliberalismo) fez com que o homem escolhesse o capital, em detrimento dele
próprio, como sujeito de suas histórias e objeto de suas preocupações. Nega-se o
social, prefere-se o capital ao homem, sob a égide de teorias econômicas e
neoliberais desumanizantes (KUCINSKI, 1996).
Feitas essas considerações, pergunta-se: como exatamente se produz a
ideologia na infra-estrutura? Para Marx, com o surgimento da propriedade surge
também a luta de classes, dominantes (proprietários dos bens de produção) e
dominados (portadores da força de trabalho), e é nesta relação principalmente, não
a única6, que a ideologia ganha existência material, uma vez que sua existência
emana dos interesses da classe beneficiária de um determinado modo de produção.
6 Seria anti-dialético supor a impossibilidade do surgimento de premissas ideológicas de outras
instâncias fora da relação entre dominantes e dominados. A malfadada experiência soviética foi bem um exemplo da ideologia surgida dentro da esfera do Estado, em uma sociedade sem classes. O culto a personalidade, no caso de Stálin foi uma situação exemplar.
26
A classe dominante de um determinado período histórico apresenta valores,
crenças, idéias, representações e verdades e por um processo de generalização
estende-se a toda a sociedade, apresentando-se como verdades universais e
eternas. Apresenta seus interesses particulares como interesses de todo o conjunto
social. Assim, a propriedade privada e a liberdade, por exemplo, são apresentadas
como valores universais e eternos, tendo sua legitimidade por si mesmas, quando na
realidade, são resultados de determinadas organizações produtivas e interessantes
somente a uma minoria que usufrui os benefícios advindos dessas instituições e que
se dão às custas da exploração do trabalho alheio. Marx demonstra isso no livro “A
Questão Judaica” (2000) quando discute a afirmação presente na constituição
francesa de que todos os homens são iguais perante a lei garantindo-se a todos a
liberdade, a segurança e a propriedade. Já afirmava Montesquieu, no século XVIII,
em o “O Espírito das Leis”, que as leis afirmam não a igualdade entre os homens,
mas sua desigualdade, e que elas só afirmariam a igualdade se os homens fossem
socialmente iguais. Em Marx isso não é diferente, uma vez que segundo ele a
liberdade não é outra coisa senão o direito de desfrutar de seus bens da forma que
lhe convier, independente de qualquer função social que estes possam ter, ou seja,
[...] a liberdade individual e esta aplicação sua constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo homem encontre noutros homens não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta (MARX, 2000, p. 36).
As leis dizem coisas diferentes para homens socialmente diferentes apesar
de aparentemente estarem dizendo o mesmo para todos. As leis garantem a
propriedade para quem as possui e garante a liberdade de delas dispor, mas de
forma sutil diz para os desafortunados que não se coloquem dentro do limite das
cercas, e nem lhes garantem o acesso à propriedade. As leis burguesas existem
apenas para proteger o status quo contra qualquer tentativa de alteração da ordem
27
instituída e, nesse sentido, a função da ideologia é a de apresentar uma realidade
que só é interessante a um grupo de indivíduos como sendo interessante a todos os
indivíduos. A ideologia representa algo como sendo real para todos, quando só o é
para alguns. Isto ocorre devido a separação entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual.
Segundo Marilena Chauí (2002, p. 62), ideologia é “um sistema ordenado de
idéias ou representações e das normas e regras como algo separado e
independente das condições materiais”. Isto porque seus produtores (teóricos,
ideólogos e intelectuais) não estão diretamente vinculados à produção material das
condições de existência, como se as idéias pudessem ser separadas da produção
material.
Se uma classe é economicamente dominante, essa dominação também se
dará no plano das idéias, ou no plano superestrutural, uma vez que, segundo Chauí
(2002, p. 79), “a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das
formas da luta de classe”. A ideologia da classe dominante manifestar-se-á não
somente no plano da produção material, mas, também no plano da produção e
reprodução das idéias que ocorrem no que Louis Althusser chama de Aparelhos
Ideológicos de Estado.
2.2 APARELHOS IDEOLÓGICOS DE ESTADO: A CONTRIBUIÇÃO DE
ALTHUSSER
Para entender o que são os Aparelhos Ideológicos de Estado em Althusser,
optou-se por fazer esta explicação já dentro do contexto no qual se insere este
trabalho; o da sociedade capitalista. Outro ponto a ser evidenciado é a da subdivisão
28
desta parte em três outras. Na primeira, demonstrar-se-á o que são e a importância
dos Aparelhos Ideológicos de Estado, doravante referidos por AIE; na segunda
parte, evidenciar-se-á a relação necessária existente entre ideologia e a luta de
classes e na terceira, estabelecer-se-á a relação entre ideologia e comunicação.
2.2.1 A reprodução das relações de produção
Para Althusser (1998, p. 68), os AIE referem-se a um certo número de
realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituições
distintas e especializadas, que têm por função superestrutural a sustentação no
plano das idéias da infra-estrutura econômica, sendo determinados por elas. Assim,
“todos os aparelhos ideológicos de Estado, quaisquer que sejam, concorrem para o
mesmo fim: a reprodução das relações de produção, isto é, das relações de
exploração capitalistas” (ALTHUSSER, 1998, p. 78). Os espaços de reprodução e
difusão da ideologia dominante estão contidos na religião, na escola, na família, no
sistema jurídico, no sistema político, na cultura e até mesmo no sistema sindical e
particularmente aquele que terá destaque nesse trabalho: os meios de comunicação
como a imprensa escrita, o rádio, a televisão e outros. De acordo com Kucinski
(1996, p. 188), o jornalismo torna-se, ao lado da escola e da Igreja, quase um
“aparelho ideológico de Estado”. É um dos mecanismos não coercitivos que as elites
dominantes ou o Estado usam para manter as condições de reprodução do sistema,
mas que pode atuar questionando e até mesmo denunciando a ideologia dominante,
como por exemplo os Zapateros no México em 2001, que furaram o bloqueio
imposto pelo Estado e pela mídia constituída, utilizando como meio de informação, a
rede mundial de computadores.
29
Note-se, pela relação acima, que os AIE, na sua maior parte, encontram-se
dispersos na esfera do privado, ficando unicamente sob restrito domínio público,
(afirmação ideológica uma vez que na concepção marxista, o Estado é o
representante dos interesses da classe dominante, só que regulamentado pelo
direito público, que também é ideológico), o que Althusser vai chamar de Aparelho
Repressivo do Estado, ou simplesmente, ARE, que são basicamente a polícia, o
exército, os presídios, os tribunais, dentre outros, cuja função é fazer uso da coerção
física para garantir a reprodução das relações de produção capitalistas. O que
Althusser quer dizer com isto não é outra coisa senão que “a noção de Estado não
se esgotava no aparelho repressivo (ARE), compreendendo também instituições da
sociedade civil, como as escolas, as igrejas, os sindicatos” (CÂMARA, 1993, p. 427).
À conclusão semelhante chega César Bolaño (2000), que, ao analisar a obra
de Marx, afirma que a “forma comunicação” está adequada às determinações gerais
do capital. Ora, se o Estado é o representante dos interesses da classe dominante
(capitalista), é fato também que a forma com que as comunicações de massa entram
na vida das pessoas, embora seja veiculada pela iniciativa privada, é controlada de
forma a representar a ideologia dessa classe.
Hegel afirmava que o Estado é a esfera do público enquanto que a
sociedade civil é a esfera do privado. No entanto, quando se pensa a esfera do
público e a esfera do privado dentro da ótica marxista, e quando ainda se pensa em
AIE, é perceptível que a diferença é retórica, pois a ação desses diferentes atores
não propriamente estatal (AIE), não passa de mera conformação a uma formação
social estruturada pela classe dominante que se dá no plano das idéias e dos
valores, ou seja, no plano ideológico e cuja função é a de não só ocultar uma
30
realidade de desigualdades e injustiças, mas também de criar uma consciência
legitimadora dessa realidade.
Os meios de comunicação, tal como existem hoje, podem ser de muita
eficiência no processo de legitimação da realidade social. Segundo Afonso
Albuquerque (1998), toda veiculação noticiosa é manipulada segundo as forças que
a regem: patrocinadores, audiência e interesses comerciais da empresa jornalística
que entram em choque com os próprios critérios de quem faz a notícia. Vence o
mais forte, que quase sempre são os interesses comerciais da empresa.
Situação semelhante viveram os reis durante o período feudal e a
modernidade. No primeiro, eram os senhores feudais que na prática detinham o
poder e com a passagem para a modernidade e a afirmação do absolutismo
monárquico não era exatamente o rei que detinha o poder, mas segundo Leo
Huberman (1986, p. 93), “os ricos mercadores e financistas” que estavam atrás
deles. No caso do jornalista, criador da notícia, nem sempre ele tem autonomia,
estando muitas vezes sujeito, ao “poder” que está por trás e que determina suas
ações. Para Hall (apud ALBUQUERQUE, 1998, p. 15), não existe hegemonia porque
a classe dominante dirige, coage, organiza e “conquista” o consenso das classes
subordinadas.
Nessas “classes subordinadas” pode-se entender o próprio jornalista, que
dará a notícia conforme a coerção nele exercida, como em toda a classe dominada,
e que provavelmente a consumirá e assimilará como certa, sem questionar,
dificultando a formação de outra consciência a não ser aquela resultante da
ideologia vigente. Quando porventura alguma mídia adere a causa da classe
trabalhadora (classe dominada), como foi o caso do Chile, durante o regime de
31
Pinochet, sempre há quem venha interferir para fazer voltar a ideologia que interessa
aos dominantes (GUARESCHI, 1987).
Quer dizer, o modo com que os meios de comunicação organizam-se, traz a
interferência, ou condução da informação, que passa a dominar a consciência dos
dominados. Ainda segundo Guareschi (1993, p. 19):
A posse da comunicação e a informação tornam-se instrumento privilegiado de dominação, pois criam a possibilidade de dominar a partir da interioridade da consciência do outro, criando evidências e adesões, que interiorizam e introjetam nos grupos destituídos a verdade e a evidência do mundo do dominador, condenando e estigmatizando a prática e a verdade do oprimido como prática anti-social.
A consciência existente dentro de uma formação social capitalista não surge do
acaso, é necessária e resultante desse modo de produção ou, dito de outra maneira,
o modo de produção capitalista para manter-se, necessita de uma determinada
formação social, que é resultante dele mesmo e que deve reproduzir as condições
de produção dominantes, ou seja, deve reproduzir não só os meios de produção e
as forças produtivas, mas também, as relações de produção existentes. Segundo
Marx (apud ALTHUSSER, 1998, p. 53), uma formação social que não reproduz as
condições de produção ao mesmo tempo em que produz, não sobrevive por muito
tempo.
A reprodução das condições dominantes, conta com a ajuda da chamada
Indústria Cultural7, ou economia cultural como querem alguns, pois segundo Bolaño
(2000, p. 71), é no capitalismo “[...] que a informação adquire a relevância inusitada
que acabou por adquirir na manutenção do sistema, tanto do ponto de vista da sua
reprodução ideológica quanto do da própria acumulação de capital”.
7 Conceito criado pelos filósofos Adorno e Horkheimer para designar a exploração, com finalidades
comerciais e econômicas, de bens culturais.
32
Segundo Marx (1998, p. 68), a história é a mesma das lutas de classes. No
século XIX foram intensas as iniciativas dos trabalhadores para acabarem com as
injustiças. O Ludismo8, o Movimento Cartista9, as primeiras associações de
trabalhadores, a organização dos sindicatos, a fundação dos partidos operários e a
tomada do poder pelos trabalhadores franceses, conhecida como a Comuna de
Paris em 1848, são exemplos de manifestações contra as injustiças sociais e
econômicas do modelo capitalista e que na época foram duramente reprimidas pelo
Estado que não hesitou em fazer uso da força bruta. Não obstante, a classe
dominante teve lucidez para perceber que somente o uso dos ARE não seria
suficiente para sustentar o capitalismo como modo de produção dominante. Seria
necessário que também as idéias e valores da burguesia permeassem a consciência
da classe trabalhadora. É nesse sentido que se pode afirmar que a submissão da
classe dominada ocorre não só por força da repressão, mas também pela ideologia
da classe dominante disseminada pelos AIE, e diga-se, de forma mais eficiente.
Mais recentemente os meios de comunicação de massa têm cumprido com méritos
este papel. Segundo Marcuse:
a partir do dia de trabalho, a alienação e a arregimentação se alastram para o tempo livre. [...] O controle básico do tempo de ócio é realizado pela própria duração do tempo de trabalho, pela rotina fatigante e mecânica do trabalho alienado, o que requer que o lazer seja um relaxamento passivo e uma recuperação de energias para o trabalho. Só quando se atingiu o mais recente estágio da civilização industrial, [...] a técnica de manipulação das massas criou então uma indústria de entretenimentos, a qual controla diretamente o tempo de lazer. [...] Não se pode deixar o indivíduo sozinho, entregue a si próprio [...] (apud ARANHA; MARTINS, 1992, p. 44).
8 Movimento operário surgido na Inglaterra do século XIX, que, tinha por prática a quebra violenta de
máquinas. Fazia isso por transferir a culpa de males sociais que acometiam os operários para as máquinas. Para o movimento, as máquinas eram as responsáveis pelo desemprego e pelos baixos salários. 9 Movimento operário britânico surgido em maio de 1838. Recebeu esse nome devido a um
documento que exigia reformas eleitorais e abolição do critério de posse para ingresso no parlamento dentre outras reivindicações, e que ficou conhecido como “Carta do Povo”.
33
O não controle do tempo livre traz o risco de que o trabalhador passe a
refletir criticamente sobre a realidade que o rodeia e conseqüentemente coloque em
risco as idéias que sustentam as relações de produção capitalistas.
Um bom exemplo dessa manipulação é mostrado por Mariani (1998), ao
apresentar uma notícia veiculada no Jornal do Brasil sobre um fato da Intentona
Comunista em 1935, ocorrido no Rio de Janeiro. O texto do jornal, dizia que “o
movimento extremista” tinha sido “controlado” pelo Estado, como se toda a
população concordasse que a situação seria de fato “extremista”. Quer dizer,
qualquer pessoa que lesse a notícia teria que entender esse movimento como
“extremista”, sem possibilidade de fazer sua própria crítica.
A esse respeito, Guareshi (1987, p. 52), lembra que uma das metas do
governo, era a de “reforçar a consciência dos perigos e soluções comunistas para os
problemas nacionais ou regionais”. Qualquer movimento seria então, “extremista”,
segundo o entendia o próprio governo.
Outro aspecto relevante é o da legitimidade da ideologia imposta. No caso
retratado, “comunismo” era uma palavra perigosa; em se tratando de um movimento,
o comunismo colocava em risco, segundo o pensamento da minoria dominante, os
rumos do País. Não importava que o que se pretendia era fazer diminuir a pobreza
ou outro objetivo qualquer. Sendo um movimento, toda e qualquer atividade de
repressão seria legitimada pelo Estado. Dessa forma, pode-se entender a ideologia
como uma pretensão a legitimar as atividades, como as das mídias, para resguardar
o próprio Estado.
34
2.2.2 Ideologia e luta de classes
Para Althusser (1998, p. 107), as ideologias não nascem dos AIE. Nascem,
isto sim, da luta das classes sociais, pelas suas condições de existência, de suas
práticas e experiências de luta.
Uma sociedade em que existem proprietários e não-proprietários dos bens
de produção configura-se como uma sociedade de classes em que é clara a divisão
entre trabalho manual e trabalho intelectual e principalmente a exploração do
trabalho manual. A grande maioria das pessoas encontra-se alienada não só das
riquezas que produzem, mas por conta disso, também se encontra alienada de uma
condição humana autônoma, uma vez que, se não decide sobre seu salário e seu
ritmo de trabalho, na prática perde o controle de boa parte de sua existência. Tais
condições já seriam mais que suficientes para que os não-proprietários se
revoltassem contra tal situação. No entanto, não se revoltam ou pelo menos não de
forma a alterar profundamente a ordem das coisas, devido à ideologia que, se não
impede totalmente a percepção desse processo excludente, no mínimo o dificulta.
Essa condição persiste em todos os setores da sociedade capitalista,
inclusive nos próprios meios de comunicação, quase todos de capital privado,
caracterizando os funcionários, ou não-proprietários como parte da sociedade de
classes.
A ideologia, por conseguinte, mantém a coesão social por meio de um
consenso em torno das idéias da classe dominante que passam a ter um caráter de
universalidade, imutabilidade e unidade ocultando e encobrindo o fato de serem as
relações de produção existentes entre as classes sociais as responsáveis pelas
35
injustiças e desigualdades. A este respeito Aranha e Martins (1992, p. 58) afirmam
que:
O discurso ideológico impede que o oprimido tenha uma visão própria do mundo porque lhe impõe os valores da classe dominante, tornados universais. Além disso, “naturaliza” as ações humanas, explicando-as como decorrentes da “ordem natural das coisas” e não como resultado da injusta repartição dos bens. Isto não significa que alguns conheçam a realidade e a maior parte se encontre “enganada” pela ideologia. Esta permeia toda a sociedade, o que permite que a classe privilegiada considere natural sua dominação.
Complementando com um exemplo desse processo de assimilação dos
valores da classe dominante por parte da classe dominada, mantendo-a na ideologia
vigente, é o da propaganda veiculada nos meios de comunicação, que, pela maneira
com que constrói imagens públicas, pode ser considerada como técnica de
dominação ideológica. Embutida nos conteúdos está a mensagem de que o que é
bom para um o é para todos.
2.2.3 Ideologia e comunicação
Para demonstrar a relação existente entre ideologia e comunicação, convém
fazer algumas considerações ainda a respeito da ideologia, dos conceitos de sujeito
e interpelação e da materialidade da ideologia no plano do discurso.
Para Althusser, a ideologia não existe no plano das idéias, ou no espiritual,
nem está distante dos indivíduos, ou seja, tomando emprestadas as palavras de
Pascal (apud ALTHUSSER, 1998, p. 91), “ajoelhai-vos, orai e acreditareis”, conclui-
se que, com um exemplo de natureza religiosa, Deus não foi criado para que os
homens lhe prestassem devoção e o temessem, pelo contrário, foram os atos de
devoção e práticas rituais que levaram à crença em Deus. O que significa esta
afirmação? Significa que a ideologia não existe numa realidade transcendente, mas
36
está não só presente, como também se configura como “atos inscritos em práticas”
(ALTHUSSER, 1998, p. 91).
Não é o mundo real ou as condições reais da existência que se encontram
representadas na ideologia. Não se pode entender por ideologia o simples
ocultamento da realidade. O que os AIE fazem por meio de suas práticas e rituais é
legitimar as condições reais de existência, fazendo com que pareçam naturais e
transcendentes. É por isso que Althusser (1998, p. 87), afirma que a ideologia
representa as relações dos homens com as condições reais de existência. À medida
que os homens nascem, crescem e tomam consciência da sua existência, são
continuamente inseridos pelos AIE, em atos e rituais que materializam a sua relação
com o mundo real.
A consciência dos homens dentro de uma formação social capitalista surge
não da imposição violenta por parte dos aparelhos repressivos de Estado (ARE),
mas das práticas e rituais ideológicos que existem sempre em um AIE
(ALTHUSSER, 1998, p. 89), o que faz com que a ideologia tenha uma existência
material e não simplesmente ideal. Essa materialidade pode ser vista também na
produção cultural das sociedades capitalistas. Tal produção torna-se “mercadoria”,
comprada livremente, não por imposição. Mas o que está disponível para venda é o
que os “donos” da produção cultural reproduzem, isto é, a sua própria marca. Ao
comprar, o indivíduo tem a sensação de ter “escolhido”.
Todo indivíduo age conforme suas crenças e idéias e isso, o indivíduo faz
com a convicção de ser um ato de sua livre escolha ou, como dito por Althusser
(1998, p. 90), “todo ‘sujeito’ dotado de uma ‘consciência’ e crendo nas ‘idéias’ que
sua consciência lhe inspira, aceitando-as livremente deve ‘agir segundo suas idéias’,
37
imprimindo nos atos de sua prática material as suas próprias idéias enquanto
indivíduo livre”.
Outro aspecto importante do pensamento althusseriano é o de que “a
ideologia tem por função ‘constituir’ indivíduos concretos em sujeitos” (ALTHUSSER,
1998, p. 93), por meio do que ele chama de interpelação. Dentro de uma formação
social os indivíduos deixam de ser indivíduos e no seu lugar surge o sujeito.
Exemplificando: tome-se um AIE como um órgão de informação, mais
especificamente a revista Veja, que possui uma identidade que é a de ser
informativa, e como já é amplamente difundido por qualquer órgão de informação,
tem a missão de apresentar a notícia como ela é, isenta de qualquer posição de
parcialidade. Ao colocar na capa de uma de suas edições a notícia da privatização
de uma estatal, como a Copel, a revista está interpelando os indivíduos que passam
pela revistaria e na qual ela se encontra exposta. Dizendo de outro modo: — Eu,
revista Veja, sujeito portador de uma informação que diz respeito a sua vida
individual (a privatização pode aumentar ou diminuir a sua conta de luz), estou lhe
dizendo que a privatização desta estatal pode ser ruim, ou boa para você (não faz
diferença a conseqüência). O fato é que ao comprar e ler a revista, o leitor, muito
possivelmente passará a pensar e a agir em relação à privatização da Copel, a partir
da assimilação de determinados conteúdos da reportagem, da mesma forma que
muitos outros leitores que também tiveram acesso à revista.
O mesmo ocorre com a publicidade. De acordo com Lazzarotto e Rossi (1993,
p. 30), “O produto a ser anunciado aparece interligado com os aspectos cotidianos
do mundo do comprador (sujeito), levando-o a interagir de forma automatizada na
aquisição ou compra do tal produto”. Muitos nem percebem que estão sendo
manipulados, pois a linguagem utilizada é a do cotidiano.
38
O mais curioso é que as pessoas sempre crêem estar pensando e agindo
por conta de sua restrita individualidade quando, muitas vezes estão simplesmente
reproduzindo as relações de produção da forma que interessa a classe dominante,
que também, diga-se, tem sua ação permeada pela forma como atualmente se
reproduzem as condições e relações de produção, agora sob a couraça neoliberal.
Inconscientemente, esse indivíduo está legitimando uma ideologia que já vem
formada pela sociedade e que lhe é repassada por uma revista de grande circulação
e credibilidade.
Essas colocações se fazem necessárias para compreender o que Althusser
quer dizer quando afirma que a ideologia tem uma existência material em atos
inscritos em práticas, como antes citado, uma vez que atos inscritos em práticas,
para existirem, precisam do sujeito concreto, caracterizando assim a materialidade
da ideologia.
A existência humana é, portanto, ideológica, e sendo também material tudo
que está ligado às ações humanas é material e em sendo a linguagem um dos
elementos que, juntamente com a capacidade de transformar o mundo, faz da
espécie homo sapiens a espécie humana, a linguagem, o discurso, enquanto
práticas humanas são materiais e ideológicas, pois não fazem outra coisa senão
reproduzir as condições materiais de existência. Esse é um dos motivos que leva o
indivíduo a identificar-se com o conteúdo de matérias de revistas como a Veja, ou
dos programas de TV, que reproduzem fatos do seu cotidiano.
Para Bolaño (2000, p. 69), ao longo do século XX, os meios de
comunicação serviram para expandir a lógica capitalista a todas as esferas da
sociabilidade humana, “a ponto de constituir-se em âmbito planetário”.
39
3 CONTEXTO POLÍTICO-ECONÔMICO DAS ELEIÇÕES DE 1989: A
CRISE DO ESTADO-PROVIDÊNCIA E ASCENSÃO DO
NEOLIBERALISMO
3.1 A GLOBALIZAÇÃO
A globalização econômica mundial é uma realidade. Os recursos, sejam
humanos, materiais ou de capital, estão sendo direcionados para os mais diversos
pontos do planeta, a fim de conquistar a sua melhor remuneração e perpetuar
ganhos e posições. A abertura econômica e o estímulo à competitividade das
empresas têm sido os objetivos do grande capital internacional, nacional e dos
governantes, de maneira especial os dos países do hemisfério norte, no intuito de
adequar os países a essa nova ordem mundial, estimulando as empresas a
alcançarem melhores níveis de qualidade e produtividade.
A globalização é o processo pelo qual se expande o mercado e as fronteiras
nacionais. Trata-se da continuação do processo de internacionalização do capital,
iniciado com a extensão do comércio de mercadorias e serviços, passando pela
expansão dos empréstimos e financiamentos, generalizando o deslocamento do
capital industrial por meio do desenvolvimento das empresas transnacionais.
Outra face desse processo aponta para a tendência da uniformização de
agendas explícitas de governo, envolvendo uma mesma desregulamentação nos
distintos âmbitos das atividades econômicas. Essa tendência está relacionada com a
necessidade de harmonização das políticas que afetam o desempenho econômico,
cuja unidade de análise relevante vai deixando de ser o Estado Nacional e passando
a ser constituída por todos os países.
40
Esse processo surgiu como uma forma de revitalizar o capitalismo,
enfraquecido pelas políticas que permearam o Ocidente desde o final da Segunda
Guerra Mundial, que tornaram o Estado o grande produtor de bens públicos e
regulamentador do mercado. A ineficiência apresentada pelo Estado em fazer valer
suas políticas protecionistas e gerar bens públicos fez com que houvesse um novo
reordenamento da estrutura de poder mundial, culminando com o processo de
globalização da economia e no neoliberalismo como modelo de Estado.
3.2 O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL
O Estado intervencionista, chamado de Estado de Bem-Estar Social,
Estado-providência ou Welfare State, surgiu como uma forma de reverter o processo
imposto pelo liberalismo e como um prolongamento natural dos direitos civis.
Adotado no Brasil, teve entre as suas funções a redistribuição da renda, a
regulamentação das relações sociais e a responsabilidade por determinados
serviços coletivos, todos providos pela rede social criada por esse tipo de Estado.
Essas funções estão assentadas no direito de segurança e tranqüilidade que todos
os indivíduos têm, inclusive aqueles que não têm propriedade (em contraposição ao
modelo liberal que procurava proteger as propriedades). Trata-se de mecanismos de
proteção social para garantir a cidadania dos indivíduos, e que são realizados por
meio da intervenção do Estado, restringindo os privilégios empresarias e, por isso,
contando com grande apoio popular. (ROSANVALLON, 1997).
O Estado de Bem-Estar Social veio tentar substituir as regras impostas pelo
mercado que dominavam a sociedade, compensando suas fraquezas e riscos,
fortalecendo os movimentos de trabalhadores, assegurando os direitos sociais e
41
estendendo seus benefícios sociais a todas as áreas de distribuição vital para o
bem-estar societário. (TOLEDO, 1995, p. 75 ).
Toledo (1995, p. 75), resume a extensão do Estado de Bem-Estar
Social da seguinte maneira:
1) a redefinição das relações clássicas entre sociedade civil e política, a politização das relações civis por meio da intervenção do Estado na economia e das corporações na política econômica, e um processo de ‘civilização’ das relações políticas (pela importância da planificação nas decisões políticas);
2) a legalização da classe operária e de suas organizações, institucionalizando uma parte do conflito interclasses. A sociedade deixa de ser pensada como somatório de indivíduos e implicitamente reconhece-se conformada por classes sociais; as organizações, representantes de interesses setoriais (não simplesmente de cidadãos), além de serem legitimadas, podem participar de pactos e relações que transcendem a democracia parlamentar. Os pactos corporativos assumem um papel central nas grandes decisões das políticas do Estado. Finalmente, assume-se que o conflito interclasses, em vez de ser abolido em nome de supostas homogeneidades liberais de natureza humana, deve ser canalizado através de instituições e regulado com normas especiais a serem constituídas; 3) em síntese, o Estado social é, em parte, investidor econômico, em parte regulador da economia e dos conflitos, mas também Estado benfeitor que procura conciliar crescimento econômico com legitimidade da ordem social.
Para Paulo Netto (1995, p. 68), esse foi o “... único ordenamento sócio-
político que, na ordem do capital, visou expressamente compatibilizar a dinâmica da
acumulação e da valorização capitalista com a garantia de direitos políticos e sociais
mínimos”.
Para a formulação de suas políticas, o Estado de Bem-Estar Social teve
como base, o direito de recursos sociais, saúde e educação dos trabalhadores,
aumentando as capacidades políticas e reduzindo as divisões sociais. Constitui-se
ainda de programas direcionados em contraposição aos programas universalistas do
antigo modelo liberal, tendo como objetivo a garantia do direito de cidadania de
todos os indivíduos. É a desmercadorização do indivíduo, enquanto trabalhador.
Quer dizer, os direitos do indivíduo deixam de estar dependentes unicamente do
42
desempenho do seu trabalho para fixar-se nas suas necessidades ( ESPING-
ANDERSEN, 1991).
Segundo Esping-Andersen (1991, p. 93), esse tipo de Estado é mais
facilmente incorporado por economias pequenas e abertas, vulneráveis aos
mercados internacionais porque, “... há uma tendência maior a administrar os
conflitos de distribuição entre as classes por meio do governo e do acordo de
interesses quando tanto as empresas quanto os trabalhadores estão à mercê de
forças que estão fora do controle doméstico”. E aí reside a principal explicação para
a sua instalação no Brasil e em outros países sul-americanos.
Além disso, os processos prolíficos sul-americanos incluíram ditaduras
militares (como o Brasil e o Chile) ou outras formas de Estado autoritário,
dificultando os processos democráticos e restringindo a ação de partidos, sindicatos
e organizações que poderiam fazer reivindicações para um maior alcance das
políticas sociais, e dessa maneira, não conseguiram salvaguardar a liberdade
dessas organizações.
Um outro fator de diferenciação seria a distinção da estrutura de classes
entre os países sul-americanos e os europeus e o norte-americano. Na América do
Sul existe uma maior diferença entre as classes, empobrecimento e desemprego das
populações urbanas. Tudo isso determinou muito maior carência de apoio das
políticas sociais que os países antes assinalados, elevando o poder do Estado.
Assim, naqueles países, os programas de assistência médica, aposentadoria, auxílio
à perda da renda por acidente, doença ou maternidade e até mesmo os de
habitação, subvenções familiares e lazer, são divididos com o setor privado,
enquanto na América Latina ficou tudo por conta do Estado.
Esse modelo teve como pressuposto a teoria de Keynes, para quem “o
43
futuro tem que ser assegurado como pacto e como planejamento” (TOLEDO, 1995,
p. 76). Para Rosanvallon (1997, p. 38), o princípio de Keynes, que norteia o Estado
de Bem-Estar Social é o “... da correspondência global entre os imperativos do
crescimento econômico e as exigências de uma maior eqüidade social no âmbito de
um Estado econômica e socialmente ativo”.
O capitalismo imperante na Europa e Estados Unidos, durante a década de
30, não estava conseguindo alcançar o pleno emprego, necessitando da intervenção
estatal para prover recursos suficientes à sobrevivência do capital. O clima era de
insegurança e instabilidade.
Segundo Keynes, as exigências salariais dos trabalhadores deveriam ser
atendidas como forma de contribuir para o pleno emprego, pois salários baixos
acarretavam insuficiência de poder aquisitivo, o que poderia conduzir à contração da
demanda e, conseqüentemente, à baixa de preços, superprodução e desemprego.
Ainda segundo Keynes, o que ocorria na época era a queda da demanda e
conseqüentemente sobra de produto.
A solução para o desemprego só poderia ser obtida por intervenção estatal,
desencorajando o entesouramento, em proveito das despesas produtivas. Para isso,
o Estado deve reduzir a taxa de lucro; incrementar os investimentos públicos;
estimular o consumo por meio da redistribuição da renda em benefício das classes
menos favorecidas, e encorajar a exportação. Essa política, diretamente oposta às
teses deflacionistas, permitiria a intervenção do Estado sem atingir a autonomia da
empresa privada.
O crescimento econômico deveria ser incrementado a partir do esforço
produtivo das economias nacionais, contido na demanda de bens de investimento.
(NOVELLO, 1995, p.57).
44
O estímulo ao consumo está assentado no equilíbrio entre investimento e
poupança, conseguidos pela maior percentagem da renda que lhe é destinada. A
exportação, “... tem efeito multiplicador ao exterior, na mesma proporção em que
tornam possível a produção” (NOVELLO, 1995 p. 57). Os investimentos públicos
referem-se àquelas sobras do consumo e que podem garantir alguma rentabilidade.
A política fiscal e a determinação da redução da taxa de juros regulam o
nível adequado ao pleno emprego da propensão para consumir. Para Keynes, a
intervenção do Estado na economia não é contraditório ao crescimento do mercado.
Ao contrário, segundo Rosanvallon (1997, p. 40), “Progresso social e eficácia
econômica caminharão logicamente juntos.”
Para Keynes, o social ― isto é, a organização das relações sociais ― é imediatamente compreendido como estruturante interno da dinâmica econômica. Sua teoria integra, no próprio movimento de sua formação, as relações do capital e do trabalho, para falar em outros termos. Nova concepção das condições do crescimento e reorganização das relações de classes são indissociáveis...” (ROSANVALLON1997, p.40).
Assim, o objetivo de sua teoria aponta para a intervenção econômica do
Estado a fim de que haja a redistribuição social e a regulamentação das relações
sociais.
3.3 A CRISE DO MODELO DE ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL
O modelo originado da teoria de Keynes, o Estado do Bem-Estar Social,
entrou em crise a partir dos anos de 1970, sendo questionado porque, enquanto
modelo econômico, fez aumentar o déficit público, propiciou o crescimento de
empresas improdutivas, desestimulou o trabalho e a competitividade, reduziu a
capacidade de poupança e o excedente de capital para ser reinvestido na produção,
45
além de gerar uma enorme inflação.
Isso não aconteceu só no Brasil ou nos países sul-americanos, mas em
todos os países que o adotaram como modelo de Estado. A crise do Estado de Bem-
Estar Social veio junto com a crise do socialismo, culminando assim, numa crise
global. (PAULO NETTO, 1995). Entretanto, suas conseqüências foram diferentes. A
primeira, aponta para a falência do Estado enquanto ordenador político; a segunda,
para a inépcia do capital, em promover o crescimento econômico-social em escala
ampla e de garantir a geração de emprego.
3.4 A SOLUÇÃO NEOLIBERAL
A crise do Estado de Bem-Estar Social, “evidencia que a dinâmica crítica
desta ordem alçou-se a um nível no interior do qual a sua reprodução tende a
requisitar, progressivamente, a eliminação das garantias sociais e dos controles
mínimos a que o capital foi obrigado naquele arranjo”. (PAULO NETTO, 1995, p. 70).
Quer dizer, o capital não conseguiu compatibilizar o seu desenvolvimento com as
necessidades das aglomerações humanas. Ao contrário, trouxe ônus à condição
humana de existência, qual seja, a crescente diferença entre o mundo rico e o
mundo pobre, a ascensão do racismo e da xenofobia, além da crise ecológica.
A crise nesse modelo de Estado assenta-se principalmente no fato de que a
produção diminuiu e as despesas sociais aumentaram. (ROSANVALLON, 1997).
Com a produção em queda há a diminuição do PIB. A conseqüência natural foi o
aumento das despesas sociais, que não tendo onde se amparar, reduziu a
capacidade do Estado pondo em perigo o modelo. O propalado equilíbrio defendido
por Keynes deixa de existir, mostrando a ineficácia do Estado em atuar como
46
interventor da economia.
Por não ter conseguido atender a todas as necessidades, esse modelo de
Estado foi classificado como restrito e incompleto, pois seus programas limitam-se
em critérios de seletividade, o que o tornou injusto. Isso porque esses programas
não atingiram o universalismo pretendido e, portanto, não houve igualdade na
distribuição de benefícios. (LAURELL, 1995, p. 160 ).
Para Esping-Andersen (1991, p. 104), o Estado de Bem-Estar Social reforçou a
estratificação social e negligenciou o relacionamento entre cidadania e classe social,
por meio do seu próprio planejamento. São suas as seguintes palavras:
A tradição de ajuda aos pobres e a assistência social a pessoas comprovadamente necessitadas, derivação contemporânea da primeira, foi visivelmente planejada com o propósito de estratificação. Ao punir e estigmatizar seus beneficiários, promove dualismos sociais e por isso é um alvo importante de ataques por parte de movimentos de trabalhadores.
Isso porque não unifica, ao contrário, muitas vezes promove guetos,
frustrando os objetivos da classe trabalhadora em mobilizar-se.
Para os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social asfixia as energias
sociais porque impede que a iniciativa privada participe do desenvolvimento social,
deformando os mercados e gerando a inflação (NOVELLO, 1995, p. 53). Além
disso, teve um baixo impacto redistributivo entre o capital e o trabalho. Esse efeito
esteve presente apenas entre setores da classe trabalhadora, como por exemplo,
entre os metalúrgicos, e isso porque eles reivindicaram. (NAVARRO, 1995, p. 116).
Segundo os neoliberalistas, o Estado de Bem-Estar Social causou,
principalmente na América Latina, um retrocesso social dramático, com
empobrecimento da população trabalhadora e incorporação de novos grupos sociais
à condição de pobreza e até mesmo de extrema pobreza. Nesse sentido,
(LAURELL, 1995, p. 151), a expansão dos benefício sociais não é resultado simples
47
do crescimento econômico-industrial nem da ampliação dos direitos dos cidadãos
causado pela modernização da sociedade. O nível relativo dos gastos sociais,
geralmente, está relacionado com o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) de um
país e não significa que o conteúdo, orientação e efeitos da política social sejam
uniformes. Além disso, o simples fato de pertencer a uma dada sociedade, não
garante ao cidadão o acesso aos bens sociais nem ao Estado a obrigação de
garanti-los. Ainda um outro motivo para a falência do Estado de Bem-Estar Social é
a produção-administração privada, que é sempre maior que a pública, seja em
educação, saúde ou pensão, precarizando o público.
Para os neoliberais, o Estado de Bem-Estar Social enfraqueceu os alicerces
da família, reduziu o incentivo para o trabalho, a poupança e a inovação, fez diminuir
a acumulação do capital e limitou a liberdade humana. Isso ocorreu porque, na
medida em que o Estado não conseguiu fornecer estrutura suficiente para diminuir a
pobreza, a iniciativa privada foi obrigada a voltar-se para o social. (PAULO NETTO,
1995). Como conseqüência, investiu menos em seu próprio capital, deixando de
inovar, investir em tecnologia e aumentar e fazendo diminuir postos de trabalho.
E ainda, o intervencionismo do Estado é antieconômico e
antiprodutivo, porque desestimula o capital a investir e os trabalhadores a
trabalhar. É portanto, ineficaz e ineficiente.
Ineficaz porque tende ao monopólio econômico estatal e à tutela dos interesses particulares de grupos de produtores organizados, em vez de responder às demandas dos consumidores espalhados no mercado; e ineficiente por não conseguir eliminar a pobreza e, inclusive, piorá-la com a derrocada das formas tradicionais de proteção social, baseadas na família e na comunidade. E, para completar, imobilizou os pobres, tornando-os dependentes do paternalismo estatal. Em resumo, uma violação à liberdade econômica, moral e política, que só o capitalismo liberal pode garantir. ( PAULO NETTO, 1995, p. 162).
Os neoliberais postulam a necessidade de eliminar a intervenção do Estado
48
na economia, desde o planejamento e condução até a função de agente econômico,
devendo pois se caracterizar como mínimo, quer dizer, só deve produzir um mínimo
em bens e serviços, que a iniciativa privada não consiga, para aliviar a pobreza. Os
direitos sociais e a obrigação da sociedade de garanti-los por meio da ação estatal
não existem, assim como não deve existir a universalidade, a igualdade ou a
gratuidade dos serviços sociais. Por isso, deve haver cortes nos gastos sociais e
eliminação de programas de benefícios, reduzindo-os à indigência.
Diante da ineficácia do Estado do Bem-Estar Social, surge um novo tipo de
Estado, o Estado Neoliberal, cujas políticas apontam para um “... Estado mínimo,
normativo e administrador, que não interfira no funcionamento do mercado, já que
sua intervenção, além de deformar os mercados de fatores, produtos e ativos,
geraria espirais inflacionários...” (NOVELLO, 1995, p. 68). Quer dizer, o mercado
deve ser muito maior do que o Estado.
Para isso, os países que adotaram o modelo neoliberal de Estado traçaram
políticas econômicas que têm como base:
1) a superioridade do livre mercado (vitória da eficiência);
2) o individualismo metodológico (cada empreendimento usa método
próprio);
3) contradição entre liberdade e igualdade (é a desigualdade que impele a
iniciativa pessoal e a competição); desregulamentações estatais e
privatizações, o que dá outro nível de liberdade (TOLEDO, 1995, p. 80).
O sentido de liberdade entendido pelos neoliberais é o resultado das
diferentes escolhas que os indivíduos fazem. A política neoliberal é a fusão do
conservadorismo com o autoritarismo, porque, ao mesmo tempo em que combina
valores tradicionais de família, autoridade e respeito às hierarquias, explora certas
49
contradições entre aspirações populares e funcionamento do Estado, gerando um
populismo neoliberal (ROSANVALLON, 1997).
O neoliberalismo postula que o mercado “... é o melhor mecanismo dos
recursos econômicos e da satisfação das necessidades dos indivíduos.” (LAURELL,
1995, p. 161). Sobre o bem-estar social, os neoliberais defendem que esse é um
campo que pertence ao âmbito privado e deve ser solucionado pela família,
comunidade e serviços privados, com o Estado intervindo apenas com um mínimo
dirigido à população comprovada de extrema pobreza.
Pode-se resumir a política neoliberal como sendo “[...] uma argumentação
teórica que restaura o mercado como instância mediadora societal elementar e
insuperável e uma proposição política que repõe o Estado mínimo como única
alternativa e forma para a democracia” (PAULO NETTO, 1995, p. 77). Sendo assim,
a economia não pode ser planejada. A livre iniciativa garante um crescimento
econômico capaz de promover, por si só, o bem estar social. “A liberdade econômica
só possível sobre o mercado livre (isto é, sem mecanismos extra-econômicos de
regulação), que funda a liberdade civil e política” (PAULO NETTO, 1995, p. 77).
Nessa concepção, é o mercado que determina o espaço legítimo do Estado
e só concebe sua intervenção em face de extremos. Em suma, é o Estado máximo
para o capital e mínimo para a população.
3.5 O BRASIL NA CONJUNTURA DOS ANOS 80
O contexto histórico-político de meados da década de 80 até seu final é
marcado, no mundo, pela crise do modelo socialista iniciada em 1985 com a
ascensão de Gorbatchev ao governo russo. Os momentos mais marcantes são a
50
queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991, bem como a
ascensão do modelo neoliberal capitaneada pelos EUA e Inglaterra.
Na América Latina, nos anos oitenta se vivenciou o fim das ditaduras
militares e conseqüente abertura democrática. No Brasil, especificamente, após vinte
anos de autoritarismo de direita, os brasileiros se encontravam às vésperas da
primeira eleição direta para a presidência da República depois do golpe militar de
1964. Com a abertura democrática e a reforma eleitoral em dezembro de 1979
passou a existir de fato uma linha bem demarcada entre a situação conservadora e
uma oposição à esquerda. A partir de 1985 esta demarcação política ficou mais
nítida com a legalização de organizações políticas que até então, apesar da reforma
eleitoral de 79, permaneciam na clandestinidade como o PCB e o PC do B. Numa
visão maniqueísta, para os dias de hoje, na época nem tanto, em razão das
novidades trazidas pelas transformações políticas, de um lado havia, portanto, a
direita representada pelos herdeiros da antiga Arena como o PFL, PDS e PL, e de
outro a esquerda por PT, PDT, PCB e PC do B, e de centro e centro-esquerda
PSDB, e PMDB. Após o longo período de autoritarismo militar, muitas eram as
análises que apontavam que aquela eleição teria um final matizado com as cores da
esquerda. Corroborava com tal tese o fato de as candidaturas mais tradicionais
como as de Ulisses Guimarães, Aureliano Chaves e Paulo Maluf estarem muito atrás
nas pesquisas de intenção de voto. Essas candidaturas, se não estavam afinadas
com as idéias mais conservadoras, ao menos não representavam grandes
mudanças estruturais no cenário político- econômico brasileiro.
Diante dessas perspectivas eleitorais, restou àqueles que não simpatizavam
com a esquerda se alinharem e unirem suas forças em torno da candidatura Collor
no intuito de afastar o espectro do socialismo e do populismo representados pelas
51
candidaturas Lula e Brizola respectivamente. Em outras palavras, a possibilidade da
ascensão de um destes candidatos representava uma ameaça à direita política, ao
grande capital nacional e transnacional, não pela possibilidade de uma revolução
proletária, mas pela provável manutenção do modelo de Estado de Bem-Estar social
e pelo atraso que isso representaria na implantação das reformas neoliberais no
Brasil.
52
4 A OPÇÃO PELA SEMIÓTICA GREIMASIANA
Em páginas anteriores se discutiu “ideologia” na perspectiva marxista,
“Aparelhos Ideológicos de Estado” em Althusser, e a crise do Estado de Bem-Estar
Social. Sendo a revista Veja objeto de estudo desta dissertação, é fácil concluir que
a premissa da qual se está partindo, é a de que a revista, veículo de jornalismo
político-econômico, atuou como AIE. A intenção é determinar como Veja, enquanto
texto sincrético diz, como o diz e para que o faz (BARROS, 2000, p. 83).
Veja não só retratou o Brasil nesse período como também é um retrato do
contexto político e econômico. Enquanto veículo de comunicação, a revista fez parte
desses acontecimentos e o seu papel é algo que pode ser revelado pela construção
e desconstrução do texto Veja para chegar aos sentidos. Para tanto é necessário
não só o exame interno dos exemplares selecionados, mas colocá-los dentro do
contexto das formações ideológicas da crise do Estado e da ascensão do modelo
neoliberal.
Para desvelar o sentido ou os sentidos dos discursos da revista Veja é
necessário um instrumento de análise que permita o diálogo interdisciplinar, afinal
estão envolvidos no processo elementos de economia, política, ideologia e cobertura
jornalística. Entre esses elementos, como se demonstrará, existe uma relação
necessária, daí a opção por um estudo semiótico dos oito exemplares de Veja
selecionados. Para a semiótica, em particular a de Greimas, a parte só é importante
na sua relação com o todo. Isoladamente cada edição selecionada tem pouco a
mostrar e para semioticistas como Diana Luz Pessoa de Barros e José Luiz Fiorin, a
contextualização do texto dentro da realidade objetiva, é um procedimento
necessário para a sua construção e desconstrução.
53
Não se deve esperar desse capítulo qualquer discussão mais profunda a
respeito das tendências da semiótica discursiva. O que se pretende não é detalhar
toda a complexidade da teoria semiótica greimasiana, mas tão somente esclarecer
algumas categorias que foram utilizadas na análise das capas e reportagens
escolhidas, por isso os conceitos teóricos utilizados e relacionados à semiótica estão
definidos em glossário.
O propósito deste capítulo é explicar alguns conceitos e procedimentos
teóricos utilizados para a análise das capas e reportagens da revista Veja.
4.1 TEXTO SINCRÉTICO
Na capa e nas páginas de Veja, é comum a presença de textos sincréticos.
Textos sincréticos são aqueles que fazem uso de linguagens verbal e não-verbal. No
caso da revista Veja, por ser um veículo impresso, essa reunião de linguagens, ou
sincretismo textual, se manifesta, nas capas, por exemplo, na cor de fundo das
letras, no tipo de letra, na disposição espacial dos elementos que a compõem, o que
está embaixo, em cima, ao lado do elemento principal, na expressão do fotografado,
quando o caso, e nas manchetes entre outros. Nas reportagens acontece o mesmo,
talvez não com tanta riqueza de recursos e estratégias, mas também esse
sincretismo está presente no texto em si mesmo, na colocação de um box, uma
palavra em negrito, fotos, desenhos, gráficos etc.
A reunião dessas várias linguagens acaba por produzir um texto único,
dotado de um ou mais sentidos que só podem ser devidamente compreendidos na
relação das várias partes componentes, o que significa dizer que a compreensão do
54
sentido ou dos sentidos produzidos por Veja passa necessariamente pela análise do
plano do conteúdo e da expressão articulados.
4.2 PLANO DO CONTEÚDO E PLANO DA EXPRESSÃO
Apesar de que, como já dito, serem oito as edições a serem analisadas, o
pressuposto do qual se parte é o de que todas constituem um único texto em meio a
vários discursos. Por texto deve-se entender a união do plano do conteúdo com o
plano da expressão e por discurso as falas ideológicas e socialmente localizadas e
que estão presentes principalmente no plano do conteúdo: Por exemplo: sendo a
revista Veja uma empresa de capital privado, é natural que se posicione contra
qualquer proposta política de intervenção estatal nos meios produtivos. Se fosse um
jornal operário é possível que adotasse um discurso diferente. O texto já é a união
entre os dois planos, o do conteúdo e o da expressão. O que vem exatamente a ser
um e outro?
4.2.1 Plano do conteúdo
O plano do conteúdo é o lugar do inteligível e do passional, do discurso
socialmente localizado. É principalmente nesse plano que ocorre o percurso gerativo
do sentido que será mais bem explicado adiante. Segundo Nilton Hernandes (2001,
p. 35) “uma das mais importantes conquistas teóricas da semiótica foi hierarquizar o
plano do conteúdo e estabelecer mais níveis de abstração para analisá-lo: o
fundamental, o narrativo e o discursivo”. É nesse plano que se localizam os
55
conceitos responsáveis não só pelo nascimento do texto, mas também pelo
enriquecimento dos sentidos presentes no mesmo sob a forma de um percurso
gerativo que segundo Barros (2003, p. 9), “vai do mais simples e abstrato ao mais
complexo e concreto”.
É no plano do conteúdo que o texto diz o que diz por meio das temáticas
geradas e dos investimentos figurativos que se manifestam nas oposições
semânticas, pela estrutura narrativa e estrutura discursiva em que os valores
narrativos são assumidos por sujeitos e de responsabilidade de um sujeito da
enunciação (BARROS, 2003). Para proceder a análise de um texto é possível fazê-
lo a partir de qualquer um dos níveis. Nessa dissertação, as oposições semânticas
estabelecidas pelo nível discursivo, serão o ponto de partida.
Por exemplo, o slogan dos cigarros Free “Cada um na sua, mas com
alguma coisa em comum”, presente em várias peças publicitárias como na
seqüência de um comercial televisivo em que uma garota afirma que, se alguém
tentar tirar sua liberdade ela irá morder, está presente a temática sócio-política, cujas
oposições fundamentais são opressão e liberdade, esta última figurativizada por
temas e pelo próprio ato de fumar aquela marca de cigarros. Liberdade para fazer o
que se quer é um pressuposto valioso para a sociedade de consumo, onde o
individualismo e a capacidade de consumir é a justa medida da afirmação social.
Seria muito estranha uma publicidade de cigarros que categoricamente e por livre
iniciativa apontasse os malefícios do ato de fumar10.
10
O aviso de que fumar faz mal à saúde presente na publicidade de cigarros e nos maços e carteiras é uma imposição legal.
56
4.2.2 Percurso gerativo de sentido
A revista Veja produz textos sincréticos, verbais e imagéticos, e por isso
constitui-se em um enunciador ou um sujeito da enunciação que se dirige a um
leitor, ou melhor, um simulacro de leitor produzido pelo próprio sujeito da enunciação
que o idealiza e que se chama enunciatário. Quanto mais essa idealização se
aproxima do leitor real mais eficiente será o texto no que diz respeito às suas
intenções que, no caso de um texto jornalístico, é fazer o leitor acreditar no que está
sendo comunicado, ou seja, tem por pretensão um fazer-crer. Quem é esse
enunciatário idealizado por Veja é algo que só será possível deduzir pelas marcas
deixadas pelo enunciador no próprio texto.
Mas afinal, se um texto é uma produção, localizada socialmente no espaço
e no tempo, como é que ele é produzido, ou melhor, construído? Talvez seja mais
fácil tentar explicar como ele pode ser desconstruído para poder se entender não só
o ou os seus sentidos, mas os artifícios que utilizou para construí-los.
Como o próprio termo sugere, gerativo, passa a idéia de algo se transforma,
uma vez que parte das unidades mínimas e mais abstratas para chegar, por
mecanismos de transformação, em processos mais complexos. Segundo Barros
(2003, p. 9), o percurso gerativo do sentido de um texto é concebido em três etapas
ou níveis, que se relacionam necessariamente, e que percorrem uma trajetória que
vai do mais simples e abstrato ou o nível fundamental ou das estruturas
fundamentais ou ainda das oposições semânticas mínimas ao mais complexo e
concreto, o nível do discurso ou das estruturas discursivas. Entre esses dois níveis
existe um intermediário denominado nível narrativo ou das estruturas narrativas. Em
vez de se fazer uma exposição puramente teórica dos três níveis optou-se por uma
57
demonstração prática de análise, ressalvadas as limitações relacionadas à
superficialidade da mesma.
Aproveitando o tema do exemplo anterior (o do cigarro) observe-se a
imagem11:
A imagem acima é um exemplo de texto sincrético. É uma publicidade
contra o cigarro que faz uso de linguagem verbal e não-verbal. A frase “Sabe aquele
cowboy da propaganda de cigarro?” é um exemplo de linguagem verbal mesmo
estando sob a forma gráfica, portanto visual. O mesmo acontece com o nome do
11
<http://www.adesf.com.br/adesf_cartaz03.jpg >acesso em 08 de ago. de 2005
58
garoto propaganda “Wayne Maclaren”, em vermelho, embaixo, no canto direito. As
figuras dos cowboys, do campo e das lápides, enfim da imagem na sua totalidade é
linguagem não-verbal. No caso dessa peça publicitária, linguagem verbal e não-
verbal se relacionam formando um único texto que é chamado de sincrético e o
nome de Wayne Maclaren, inscrito na lápide em primeiro plano, na parte inferior da
página, é a exata expressão desse sincretismo.
Os dizeres e a imagem se encontram no plano do conteúdo exatamente por
serem conceituais. Que conceitos são esses que estão presentes nesse texto,
portanto? No primeiro nível, o das estruturas fundamentais, a peça apresenta como
oposições semânticas a vida versus a morte. Vida e morte são os principais
conceitos trabalhados no texto e enriquecidos de sentidos ao longo do percurso
gerativo. A morte aparece sob a forma figurativizada no vocábulo “câncer”, na lápide
com o nome de Wayne Maclaren, no plano da expressão na posição abaixo dos
cowboys, como se estivessem sob a terra.
Existe ainda nesse nível uma passagem entre os termos ou conceitos que
se opõem. No caso em questão, da vida (positiva) para a morte (negativa), ou de um
estado eufórico, para um estado disfórico. Entre ambos existe a não-euforia ou não-
vida, tematizada pelo ato de fumar. Em outros textos a trajetória poderia ser
invertida, do disfórico para o eufórico.
Antes de passar para o segundo nível, convém lembrar que essa análise é
por demais sumária, sendo possível um aprofundamento muito maior, mas o objetivo
não é esgotar essa análise e sim apenas inserir o leitor em alguns procedimentos da
análise semiótica greimasiana utilizada no corpus desse trabalho.
No segundo nível, o das estruturas narrativas, conforme Barros (2003, p.
11), “não se trata mais de afirmar ou negar [os] conteúdos”, vida e morte, presentes
59
na publicidade de combate ao fumo, “mas de transformar, pela ação do sujeito”, os
estados de vida e morte. A peça publicitária fala da história de um sujeito, Wayne
Maclaren, que tinha vida e a perdeu prematuramente ao desenvolver um câncer de
pulmão muito provavelmente causado pelo fumo. Ele se deixou seduzir por um outro
sujeito manipulador, no caso a “Philip Morris”, que lhe ofereceu um mundo de
aventuras, mas que lhe deu de fato um câncer e a morte. Nesse nível ocorrem as
transformações de estado que definem as diferentes narrativas.
No terceiro nível, o das estruturas discursivas Barros (2003, p. 11), afirma
que elas “devem ser examinadas do ponto de vista das relações que se instauram
entre a instância da enunciação, responsável pela produção e pela comunicação do
discurso, e o texto-enunciado”. Ainda segundo Barros (2003, p. 11), é nesse nível
onde ocorre a utilização dos mais variados recursos discursivos para se produzir o
efeito de verdade no texto. Por exemplo: existe uma manipulação por parte do
enunciador que delega as falas à “própria realidade”. Não é um médico ou um
militante do combate ao fumo que está falando, é a própria realidade que demonstra
que fumar faz mal à saúde exemplificando com o garoto propaganda da marca
“Marlboro” que antecipou sua morte ao manter o hábito de fumar. Ainda nesse nível
as oposições vida e morte, das estruturas fundamentais, são enriquecidas sob a
forma de temas e às vezes figuras. Alguns temas depreensíveis nessa publicidade,
por exemplo, poderiam ser a doença, o sofrimento, a interrupção dos sonhos e o
vício. Os investimentos figurativos aparecem sob a forma de traços sensoriais,
espaciais e temporais que podem existir simultaneamente ou isolados. Um exemplo
de traço espacial, na imagem acima, seria o estar embaixo das lápides em relação à
figura dos cowboys. As figuras também se manifestam por traços temporais: o fumar
60
encurta a vida, antecipa a morte, estabelecendo uma relação entre um antes e um
depois em relação ao vício, ou melhor, não há um depois na vida de quem fuma.
Feitas essas breves considerações em relação ao percurso gerativo de
sentido e do plano do conteúdo, seria oportuno passar para o plano da expressão.
4.2.3 Plano da expressão
Segundo Hernandes (2001, p. 37), é no plano da expressão que se
encontram os formantes figurativos e os formantes plásticos do texto. Os formantes
figurativos são o objeto visual enquanto tal, ao passo que os formantes plásticos ou
significantes plásticos (JOLY, 2002), se referem as “estratégias específicas do plano
da expressão para a percepção do sensível” (HERNANDES, 2001, p. 38).
Os formantes plásticos se dividem em três categorias: a topológica
(espacialização do texto ou diagramação), a cromática (cores e luminosidade), e a
eidética (formas).
De forma resumida e selecionada para essa dissertação, e a partir de
Martine Joly (2002, p. 93-103), as estratégias do plano da expressão para a
percepção do sensível passam por:
Enquadramento da imagem – nitidez, ilusão de profundidade ou proximidade,
primeiro e segundo planos;
Composição / diagramação – hierarquização e orientação da leitura
(linguagem verbal e não verbal);
Cores e a iluminação, ou cromatismo e luminosidade;
61
Dimensão – grande, pequeno.
É importante ressaltar que a interpretação dos formantes plásticos passa
necessariamente por aspectos sócio-culturais.
Concluindo: é por meio do plano da expressão que o plano do conteúdo se
expressa, por isso a separação dos dois só se opera por necessidade metodológica
a fim de que a análise do objeto esclareça os modos de funcionamento dos
discursos na produção dos sentidos.
62
5 ANÁLISE DAS CAPAS E REPORTAGENS DE VEJA
O historiador Peter Burke, em seu livro, “A fabricação do rei: a construção da
imagem pública de Luís XIV”, explica como foi construído um símbolo de realeza a
partir da relação entre poder, propaganda e arte. Para tanto, houve manipulação dos
meios disponíveis nos séculos XVII e XVIII como a arte e a literatura, além da
própria oralidade, com o intuito de fortalecer o poder monárquico por outros métodos
que não somente a força bruta.
Nas atuais democracias liberais, a manipulação das mídias torna-se um
instrumento imprescindível para se exercer o poder, haja vista que o ciclo da
violência das ditaduras militares, em particular na América Latina está, ao menos por
enquanto, encerrado.
Na recente história brasileira, como é o caso das primeiras eleições
democráticas para presidente após pouco mais de duas décadas do golpe de 64, a
manipulação das mídias foi fundamental não só para promover candidaturas, mas
principalmente para afirmar um modelo político-econômico – o neoliberalismo - a
partir da construção de uma imagem pública negativa do então candidato Luiz Inácio
Lula da Silva, um forte candidato ao palácio do Planalto.
Partindo desse pressuposto, uma hipótese possível é a de que uma grande
revista de jornalismo como a revista Veja tenha colaborado com esse projeto
político. Ao menos pistas, deixadas ao longo de várias edições durante o ano de
1989, insinuam essa possibilidade. Essas pistas são o que na semiótica greimasiana
se chama de marcas da enunciação. Por meio de imagens e reportagens Veja,
mesmo reivindicando a isenção jornalística, teria se posicionado ideologicamente em
favor do poder do grande capital nacional e internacional.
63
5.1 EDIÇÃO 1074 – O TERREMOTO DA REFORMA SACODE O
COMUNISMO
Essa edição é de 05 de abril de 1989 e aparentemente não possui nenhuma
relação com o processo eleitoral brasileiro, cujas campanhas ainda nem haviam
começado de fato. Mas, como é de praxe na política brasileira, muitos já eram os
presidenciáveis, e algumas pesquisas de intenções de voto já existiam, como a
64
pesquisa realizada pelo IBOPE12, em 26 de março, cujos números apontavam o
candidato Leonel BRIZOLA, do PDT, com 17 % das intenções. Em segundo lugar
estava o candidato Luis Inácio LULA da Silva, com 15 % dos votos. Esses dois
candidatos, claramente identificados com o socialismo, lideravam as intenções de
voto e naquele momento disputariam a presidência no segundo turno. Um deles
seria o primeiro presidente eleito após décadas de ditadura militar e de eleições
indiretas.
Lula emergiu do meio sindical e chegou a ser enquadrado e preso pelas Leis
de Segurança Nacional (LSN). Por suas posições políticas e principalmente
econômicas, não gozava da simpatia do empresariado. Brizola chegou a ser
presidente da Internacional Socialista e havia voltado ao Brasil em setembro de
1979 com a Lei de Anistia após longo exílio político. Tanto um quanto outro não
escondiam suas críticas ao modelo capitalista, sua simpatia pela causa operária,
pelo socialismo e pelo dirigismo estatal. Não era difícil encontrar razões para que as
candidaturas Lula e Brizola fossem consideradas indesejáveis pela elite brasileira e
pelo capital internacional.
A análise dessa edição de número 1074, e das outras que foram
selecionadas, demonstrará que a queda dos regimes socialistas no Leste europeu
será utilizada como propaganda ideológica e principal estratégia para desacreditar
não só as propostas e os programas de governo da esquerda brasileira, mas
também a imagem dos próprios presidenciáveis, em particular a imagem do
candidato Lula.
Essa edição será analisada isoladamente das demais edições, tanto no
plano do conteúdo quanto no plano da expressão, com o propósito de se fazer uma
12
Revista Veja. Edição 1101 de 18 de outubro de 1989.
65
leitura mais detalhada, para ser reaproveitada nas análises das edições seguintes,
uma vez que, muitas das observações feitas, principalmente relativas ao esquema
narrativo, se repetirão nas próximas edições. Esse é inclusive um recurso utilizado
pela revista Veja para intervir na batalha ideológica entre direita e esquerda em que
se transformou a eleição de 1989 e da qual Veja atuou como um dos protagonistas.
Salvaguardadas algumas exceções, pois também no plano da expressão ocorrem
isotopias como o emprego da cor vermelha, é no plano do conteúdo que elas ficam
mais evidentes. Por exemplo: a oposição entre opressão vs liberdade, estatismo vs
privatização, e dirigismo estatal vs liberalismo. É desnecessário, portanto, analisar
meticulosamente cada edição isoladamente até porque as reportagens das
diferentes edições possuem uma estreita relação de dialogismo.
5.1.1 Abaixo o comunismo em nome da liberdade
Tendo como reportagem e capa a crise do socialismo no Leste europeu, a
revista dedicou exatamente doze páginas sobre a crise desse modelo político-
econômico na Alemanha Oriental, na Polônia, na ex-Iugoslávia e na Hungria. O tom
da reportagem é de comemoração e de júbilo, repetindo, só que com detalhes e
comentários, o que é anunciado pela capa da revista. Outras duas reportagens, no
entanto, também merecem atenção: “O Congresso ressuscita quatro estatais e dá
um novo golpe no bolso do contribuinte” e “A pressão aumenta”. Não estão
anunciadas na capa, não possuem destaque ao longo da edição, mas são
importantes por fazerem referência a aspectos da crise do modelo de Estado de
Bem-Estar Social, ao processo eleitoral e à candidatura Lula. Como se verá, esses
assuntos e mais a ascensão do modelo neoliberal mutuamente se inter-relacionam.
66
Para proceder a análise dessa edição, seja no plano do conteúdo ou da
expressão do texto, o sentido será concebido sob a forma de um percurso gerativo
passível de ser examinado em suas três etapas: a das estruturas fundamentais, das
estruturas narrativas e das estruturas discursivas.
5.1.2 Nível fundamental
As oposições semânticas dessa primeira capa, ou texto, aparecem no plano
do conteúdo e no plano da expressão. A mesma oposição aparece na forma verbal e
não-verbal e é entre opressão versus liberdade tematizadas por comunismo versus
capitalismo.
A manchete de capa sugere um movimento da esquerda para a direita,
como que ganhando intensidade e explodindo em tensão tem-se, na frase em caixa
alta: “O TERREMOTO DA REFORMA SACODE O COMUNISMO13”.
O abalo desse terremoto atinge 70 anos de socialismo, ou da luta para a
construção da sociedade comunista. Um terremoto estava pondo abaixo 70 anos de
história e das práticas e da experiência do comunismo. Esse terremoto possui um
nome, ao menos é o que se afirma na continuidade da manchete, em caixa baixa: “o
vento da liberdade que varre a Europa do Leste”. Com essa afirmação é possível
concluir que comunismo é a forma tematizada da oposição semântica à liberdade,
ou seja, a “opressão” que felizmente, segundo o sentido dado pelo texto, está sendo
varrida do Leste europeu. Atribuindo-lhes axiologias valorativas, pode-se afirmar que
13
Convém lembrar que a revista Veja está utilizando o termo comunismo de forma inadequada. Os regimes a que faz referência na matéria não são comunistas, os países citados não são e nunca foram comunistas, pelo simples fato que, na concepção marxista, o comunismo nunca ter acontecido. O termo correto é socialismo, que na teoria e na prática, inspirada em Marx, é uma transição para a sociedade sem Estado, que seria, aí sim, o comunismo. Doravante, nesta dissertação, quando se empregar o termo comunismo, entenda-se que esta imprecisão conceitual está sendo utilizada no contexto do objeto de análise.
67
a liberdade é eufórica e a opressão, tematizada por comunismo, é disfórica.
Historicamente o que se está presenciando é a crise no modelo socialista que se
encontra em seus últimos suspiros. A falta de liberdade nos regimes socialistas é um
fato, mas também é um fato que não é a falta de liberdade a razão da crise. A crise
tem causas infra-estruturais, de natureza econômica, caso contrário esses regimes
já teriam entrado em crise há muito tempo. Desconsiderando o aspecto infra-
estrutural, no entanto, o texto da capa, no caso, toma a liberdade como eufórica e
tem-se uma passagem da disforia, socialismo, para a euforia, liberdade.
Diferentemente, no enunciado: “O TERREMOTO DA REFORMA SACODE O
COMUNISMO – o vento da liberdade varre a Europa do Leste”, tem-se o eufórico, o
terremoto, figurativizando a liberdade, se impondo e sobrepujando o disfórico, a
opressão, figurativizada no comunismo, sendo mais correto, dessa maneira, falar em
passagem da disforia para a euforia, ou da opressão para a liberdade, ou do
comunismo para o capitalismo.
No plano da expressão, também ocorre uma passagem da disforia
para a euforia. Há uma passagem da opressão (comunismo), negativo, à liberdade,
positiva, que se manifesta no elemento plástico do texto, mais precisamente nas
linhas que expressam o trincado da figura da foice e martelo, estes simbolizando o
trabalhador rural e o operário urbano, sob o fundo vermelho da bandeira comunista,
possível e provavelmente da bandeira soviética.
5.1.3 Nível narrativo
No segundo nível, o das estruturas narrativas, as oposições não são
somente semânticas, mas seus elementos são assumidos como valores por sujeitos.
68
Não se trata mais de afirmar a liberdade e negar o comunismo. O que se percebe é
o aparecimento de um sujeito, no caso a sociedade oprimida por um regime
totalitário que conquista a autonomia do vir-a-ser, do pensar, do gerir o seu destino,
de passar do processo da coletivização opressiva para a individualidade só possível
num regime de liberdade. Essa mudança de estados é visível na expressão “o vento
da liberdade que varre a Europa do Leste”. A liberdade política é um valor positivo
em qualquer sociedade e, tampouco no texto, aparece como um valor negativo, pelo
contrário.
A capa e a reportagem sobre a crise política no Leste europeu dialogam com
outros dois artigos, só que sobre a política e a economia brasileira, e se relacionam
não só com essa narrativa, mas com o conjunto deste trabalho. Nas páginas 32 e 33
dessa edição, está uma reportagem intitulada e sub-titulada: “À custa dos outros: O
Congresso ressuscita quatro estatais e dá um novo golpe no bolso do contribuinte”.
A reportagem critica claramente a ação do Congresso de “ressuscitar” quatro
estatais que foram extintas com a edição do Plano Verão do então presidente José
Sarney. Na época, o deputado federal José Serra, um dos que contribuíram
diretamente para o programa de políticas neoliberais do governo Fernando Henrique
Cardoso, assim se manifesta na página 33 da reportagem: “é uma ilusão pensar que
o Congresso possa ajudar a diminuir o tamanho da burocracia”. Logo em seguida à
esta afirmação de Serra a reportagem continua: “Escandalosa, no que representa
em reportagem de assalto ao bolso do contribuinte, a decisão do congresso tem
como base dois comportamentos apatetados”. Objetivamente a reportagem invoca a
sensação da obviedade do saber de que qualquer participação ou ação do Estado
na economia é prejudicial, perturbadora, e incompetente no que diz respeito aos
interesses do conjunto da sociedade. O grande exemplo da inépcia do Estado é a
69
própria crise do estatismo dos países socialistas tão bem demonstrado na
reportagem principal da edição. O pressuposto é o de que, apesar da lição histórica
que se está presenciando na Europa socialista, no Brasil ainda existem “forças” que
defendem políticas socializantes.
A reportagem que vem em seguida, na página 34, tem como título: “A
pressão aumenta”. Nela é discutida a sucessão presidencial e logo no início lê-se:
...a Executiva Nacional do PMDB reuniu-se em Brasília e marcou para os dias 29 e 30 de abril a data em que o partido escolherá o seu candidato oficial para a sucessão do presidente José Sarney - o único nome, além do sempre enigmático Jânio Quadros, que se supõe capaz de dar combate efetivo às candidaturas, já consolidadas, de Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de oficialmente a disputa eleitoral pela presidência ainda não ter
começado, Lula e Brizola já eram considerados presidenciáveis difíceis de serem
vencidos, fato preocupante para a situação, pois, enquanto representantes das
idéias políticas da esquerda, defendiam um modelo de Estado estatizante e
interventor, o que, política e economicamente, se encontrava na contramão da
história.
Outro aspecto importante a ser observado no nível narrativo da análise
dessa edição é a existência de dois programas narrativos contrários, ou um
programa e um anti-programa. O primeiro vai da disforia para a euforia (o fim do
socialismo no Leste europeu), e outro da euforia para a disforia (com a possibilidade
da esquerda, defensora da presença do Estado na economia, ganhar as eleições
conforme anunciavam as primeiras pesquisas de intenção de votos). A existência de
dois programas narrativos está presente nas outras edições que integram o corpus
dessa dissertação, ressalvando que, apesar da oposição semântica principal
continuar sendo opressão e liberdade, ela se encontra sob outras formas de
70
tematização, como estatismo e desestatização, avançado e retrógrado, dentre
outros.
5.1.4 Nível discursivo
Limitando a análise à capa e à sua respectiva reportagem, no terceiro nível
do percurso gerativo, o das estruturas discursivas, que “devem ser examinadas do
ponto de vista das relações que se instauram entre a instância da enunciação,
responsável pela produção e pela comunicação do discurso, e o texto-enunciado”
(BARROS, 2000, p. 11), vê-se que a ilusão de verdade é produzida pelo efeito do
distanciamento produzido no momento da enunciação. Enquanto revista que faz
jornalismo, Veja advoga para si a ausência de qualquer tipo de posicionamento
político-ideológico causando a ilusão de atuar apenas no nível da função referencial,
exceção feita apenas no editorial. Ainda nesse discurso é possível fazer uma leitura
temática a partir das oposições fundamentais opressão e liberdade, tanto no plano
da expressão (traços cromáticos, eidéticos e topológicos), quanto no do conteúdo -
temas (histórico, sócio-político, econômico) e figuras.
QUADRO DO PLANO DA EXPRESSÃO
TEMAS
TRAÇO OPRESSÃO LIBERDADE
CROMÁTICO
A predominância do vermelho nas
capas de Veja sempre sugeriram
agressividade, violência, valor negativo.
Segundo Luciano Guimarães
(2000), Veja utiliza o vermelho para
indicar violência, opressão, tragédias. Um terremoto é uma tragédia, mas como esse terremoto se refere ao fim do comunismo a cor utilizada nos caracteres é o branco.
EIDÉTICO
Trata-se da oposição do tipo linha contínua, configurando contorno do conteúdo – para formar as imagens da foice e do martelo que,
O trincado da foice e do martelo.
71
na figura da capa, estão subentendidos como condição anterior ao vento e ao terremoto da reforma.
TOPOLÓGICO
A diagramação topológica da capa simula uma expansão do comunismo pelo Leste Europeu por meio da invasão da imagem da foice e o martelo, em primeiro plano e ao centro sobre um fundo vermelho, estendendo-se inclusive sobre a parte verbal, título da revista.
A contenção dessa expansão por meio da perda de luminosidade cromática na parte superior da figura e da sobreposição do J na foice.
Sobre o aspecto topológico pictural cabe a afirmação de McLuhan de que “o
meio é a mensagem”, uma vez que a forma como foi diagramada a figura da foice e
do martelo no conjunto da capa e nos jogos de cores e luzes, existe uma indução à
uma leitura de baixo para cima simulando uma expansão14, que tenta se estender
inclusive ao nome da revista numa outra simulação, a tentativa de supressão da
liberdade de expressão e da autonomia de informação, uma conquista da revista
Veja. A perda contínua de luminosidade a partir da segunda metade da figura
sugere que o brilho da primeira metade é um elemento semi-simbólico, pois, a
revista Veja, enquanto órgão de informação comprometido com a liberdade, e contra
qualquer forma de dependência denuncia este brilho, ou as promessas que ele
representa, como sendo falsas e que a verdadeira luz, a da informação, a luz branca
da verdade ao enunciar a palavra VEJA, na cor branca, acaba por denunciar a
escuridão a que a sedução do comunismo pode conduzir os homens desinformados
e iludidos com as promessas enganosas do comunismo. Apesar de polêmica, esta
interpretação há que ser considerada, pois, a riqueza dos elementos verbais e não-
verbais presentes na capa é tanta que seria substimar a capacidade de Veja achar
que a luminosidade apenas orienta efetivamente um percurso do olhar e não
14
A expansão do comunismo é elemento integrante e fundamental da doutrina marxista. Marx termina o Manifesto Comunista com uma convocação expansionista: “Trabalhadores do mundo, uni-vos”.
72
propriamente se investe de um sentido próprio. A edição 1916 de 03 de agosto de
2005 demonstra que o recurso da luminosidade ainda hoje é recorrente nesse
mesmo sentido, ressalvando que, em tal edição, o lado escuro na face esquerda de
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, não sugere comunismo, mas corrupção,
como se pode observar na imagem abaixo.
Essas possíveis leituras não deixam dúvida de que a luminosidade está a
serviço da topologia, ou seja, da orientação da leitura da imagem e por isso está
produzindo um sentido.
QUADRO DO PLANO DO CONTEÚDO
TEMA OPRESSÃO LIBERDADE
HISTÓRICO
Ultrapassado, retrógrado, anacrônico
Contemporâneo, moderno, o presente indicando o futuro
SÓCIO-POLÍTICO
Controle, coletivização, imposição Autonomia, individualidade, autodeterminação
ECONÔMICO
Intervencionismo estatal, empresas estatais
Economia de mercado, desestatização
73
Os traços do plano da expressão, há pouco analisados, corroboram temas
do plano do conteúdo, tais como histórico, sócio-político e econômico. Por exemplo:
o comunismo sendo sacudido por forças naturais como o terremoto e o vento
figurativizando a liberdade que se impõe como força da natureza humana. Afinal,
essa crise do modelo estatal socialista do Leste europeu está prenunciando o fim da
opressão imposta pelo totalitarismo de esquerda. Outro traço presente é o vermelho
que além de apontar culturalmente para a violência, está, em grande parte do seu
uso nas capas da Veja, conotando e indicando situações de violência. Existe, assim,
uma remissão aos alVejados e mortos que tentaram ao longo da existência do muro
transpô-lo. A liberdade como força natural sobrepujou a violência contra o indivíduo
ao abalar os alicerces do comunismo na Europa. Portanto, não resta outra coisa
para a humanidade senão comemorar essa vitória da ideologia política liberal que
pôs fim não só à Guerra-Fria, mas à ideologia caduca do comunismo.
Pela análise feita dessa edição é possível observar a existência de uma
interação intencional entre o plano da expressão com o plano do conteúdo, onde o
primeiro, por meio da diagramação, do emprego de opções cromáticas, e pelos
efeitos de luminosidade, homologa as temáticas e afirmações realizadas no plano do
conteúdo.
5.1.5 Iniciando a construção de uma imagem
A crise do socialismo no Leste europeu veio ao encontro do discurso
neoliberalizante e antiestatal que estava se impondo no mundo durante a década de
80. Associar o golpe sofrido pelo socialismo à esquerda brasileira em ascensão, com
a intenção de desacreditá-la, se tornou uma das estratégias do capital. A revista
74
Veja contribuiu simulando uma história oculta a partir da relação dialogal com outras
três simulações: a da crise do socialismo, a da crítica à reativação das estatais e a
da sucessão presidencial. Os diferentes textos, em uma relação intertextual,
constituem-se em uma forma de manipulação cujo intuito é a atribuição de
competência modal ao leitor/eleitor, o que significa dizer que a liberdade e o
liberalismo (enquanto política econômica que se opõe ao dirigismo estatal) surgem
como valores positivos e, por outro lado, o socialismo e o dirigismo estatal como
valores negativos. Lula e Brizola, nesse momento, são actantes apenas secundários.
O verdadeiro inimigo é qualquer modelo que se oponha ao processo de
neoliberalização da economia. Lula e Brizola são os que nesse primeiro momento
encarnam valores opostos aos da liberdade. Somente com o andamento das
eleições é que esses dois representantes da esquerda passam a ser actantes
principais, particularmente Lula já ao final do primeiro turno.
75
5.2 EDIÇÃO 1089 – A URSS ENFRENTA O SEU GRANDE DESAFIO
Nessa edição nº 1089, de 26 de julho de 1989, além da capa, mais duas
reportagens serão objeto de análise. A primeira, que é destaque na capa e que tem
como título: “O desafio da massa15”, procura demonstrar a incapacidade do modelo
socialista soviético em atender às necessidades primárias do homem em razão de
15
Essa reportagem tem como subtítulo “Mineiros soviéticos deflagram a maior greve em setenta anos de comunismo e submetem as reformas de Gorbatchev à sua mais dura prova” e começa na página 46 e se estende até a página 53.
76
um modelo econômico estatal. A segunda reportagem cujo título é: “O outro lado da
moeda – Pequim pega o estudante Wang Dan16”, afirma a total falta de liberdade na
China comunista a partir do episódio da prisão do jovem chinês que ficou à frente
dos tanques durante a Primavera de Pequim, quando os estudantes exigiam
reformas no modelo chinês.
A manipulação, nessa edição, é muito semelhante à que foi feita na edição
1074, anteriormente analisada. Os investimentos de valores, como se verificará, são
praticamente os mesmos: enquanto no Brasil existe um candidato operário e um
membro da Internacional Socialista defendendo o dirigismo estatal e combatendo o
capitalismo, na União Soviética, os operários estão combatendo esse mesmo
dirigismo estatal, mantido pela força por um regime retrógrado e opressor.
Notadamente, na Polônia, país satélite da então União Soviética, os operários, ao
mesmo tempo em que combatem o modelo socialista, aplaudem e aclamam o
presidente dos Estados Unidos, George Bush, um baluarte do capitalismo neoliberal.
Tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo há uma total
isotopia e uma relação dialogal desta capa com a anterior como é possível perceber
por alguns resgates que são feitos. Por exemplo: a presença do vermelho e do
amarelo como cores predominantes, a foice e o martelo reproduzidos em miniatura
no canto esquerdo abaixo, antes do subtítulo: “A URSS enfrenta seu grande
desafio”. A predominância do tom amarelo-laranja no centro compondo a palavra
“GREVE”, da mesma forma que na edição anterior o amarelo ocupa o espaço central
só que colorindo a foice e o martelo trincados. Insinua-se, não timidamente, com
essa composição, a idéia de que a greve é contra o modelo soviético, contra o
comunismo, e não em favor de aumento salarial ou por melhores condições de
16
Essa reportagem começa e termina na segunda metade da página 53, logo após a reportagem da capa.
77
trabalho como costumam ser as bandeiras de greves. A composição da capa,
implicitamente, encerra duas perguntas: o dirigismo estatal soviético e o comunismo
sobreviverão àqueles cujos interesses diziam representar? O candidato Lula, com
suas proposições estatizantes e dirigistas, não estaria fazendo o discurso daquilo
que política e economicamente se mostrou inviável?
A revista Veja faz mais que uma comparação implícita, mas constrói uma
oposição espaço-temporal. Na União Soviética o socialismo está mostrando ser algo
do passado. Aqui no Brasil, esse mesmo socialismo pode ser algo do futuro. A
colocação do problema e a situação de conflito serão mais bem observados na
análise do plano do conteúdo que segue.
5.2.1 Disforia e não-disforia ou euforias x disforias?
A reportagem de capa relata a luta dos operários soviéticos contra a
opressão e a ineficiência do regime comunista que, por décadas, se mantém no
poder sem cumprir as promessas de um mundo sem exploração e de justiça social.
A primeira tentação a que se está sujeito nessa análise é a de opor opressão,
tematizada por comunismo (disfórico) à liberdade, tematizada também por
capitalismo (eufórico), uma vez que este é o modelo político-econômico hegemônico
no mundo ocidental e que categoricamente se opõe ao comunismo. Não que a
leitura seja impossível, porém, ela não se esgota nisso. Convém lembrar que o que
está em questão não é exatamente o fim do comunismo, mas as eleições
majoritárias no Brasil e o projeto capitalista do empresariado brasileiro. Nesse
contexto, a discussão comunismo versus capitalismo ou opressão versus liberdade é
apenas o pano de fundo do processo eleitoral. Num primeiro momento há uma
78
disforia, o comunismo, e uma não-disforia, representada pela resistência dos
operários lutando com as armas da greve contra um regime que se dizia operário,
mas que na prática os oprimia e impunha condições sub-humanas de trabalho e de
sobrevivência. Como já se afirmou, este acontecimento é apenas o suporte de uma
batalha predominantemente de natureza econômica, mas que também passava pelo
político-ideológico e que se travava naquele momento de transição na história
brasileira.
O fim da ditadura militar foi o fim de um regime de exceção, uma vitória
sobre o autoritarismo, a censura explícita, o desmando político, o AI-5, a tortura,
dentre outras coisas. Porém, a mudança de regime, em hipótese alguma, promoveu,
ou previa uma reforma na estrutura social brasileira. Tampouco teve como
fundamento de mudanças a superação da luta de classes. Não significou, ou não
era para significar alternância no poder, mas sim a continuidade do capital sob um
outro regime, o democrático e sob outro eixo econômico, o neoliberal.
Vista sob esta perspectiva, a edição 1089 realiza um percurso diferente
daquele explícito em sua capa e reportagens citadas, mas um percurso implícito,
cujas oposições semânticas são:
DISFÓRICAS: estatismo, desabastecimento, opressão.
EUFÓRICAS: desestatização, abundância, liberdade.
No plano do conteúdo, a não-disforia aparece na figura imponente do
operário ao centro, e tendo como fundo uma massa de outros operários gritando a
palavra GREVE, e querendo derrubar o modelo socialista sobre seus pés, como
sugere a figura da foice e o martelo sobre um pequeno quadrado vermelho em
tamanho desproporcionalmente menor que o conjunto da capa como que se
estivesse acuada.
79
No título da reportagem de capa fica evidente que o objetivo principal da
greve dos mineiros não é somente por melhores salários, como costuma ser nas
democracias capitalistas, mas contra o comunismo: “O desafio da massa: Mineiros
soviéticos deflagram a maior greve em setenta anos de comunismo e submetem as
reformas de Gorbatchev à sua mais dura prova”. O que tanto incomoda os mineiros
soviéticos no comunismo? Na página 50 da reportagem, tem-se a resposta dessa
indagação:
O trem das reformas emperra, no entanto, nos trilhos enferrujados da economia. Rica em recursos naturais e assentada sobre vastas áreas cultiváveis, a União Soviética se viu reduzida pelo rígido modelo estatizante à condição de um gigante desengonçado e inoperante, incapaz sequer de abastecer o seu mercado consumidor com os bens indispensáveis à vida diária.
Talvez o que os operários soviéticos querem sejam melhorias salariais e
melhorias nas condições de trabalho. O enfoque da revista, porém, reside na
inapetência não só do planejamento estatal soviético, mas do modelo socialista na
sua universalidade. A disforia está marcada pelas expressões “modelo estatizante” e
“incapaz [...] de abastecer”. A reportagem não só mostra os problemas com também
aponta suas causas mais profundas, que não são conjunturais, mas estruturais, pois
são resultantes de um modelo socialista falido. Na página 53 da mesma reportagem,
essa afirmação fica evidente:
Na mesma Polônia, o presidente americano George Bush foi aclamado, há três semanas, por multidões entusiasmadas, em meio a faixas de “abaixo o comunismo”. Na vizinha Hungria [...] a famigerada “cortina de ferro”, que os dirigentes reformistas húngaros estão pondo abaixo enquanto preparam, para 1991, as primeiras eleições livres do Leste europeu. “Estamos no limiar de um dos maiores eventos da História da humanidade”, afirma o veterano dissidente iugoslavo Milovan Djilas. “Naquela terça parte do globo onde o comunismo foi implantado, ele agora está praticamente morto”, afirma.
Nessa citação, os elementos disfóricos são tematizados pela expressão
“abaixo o comunismo”, ou melhor, o “abaixo” marca a passagem para a liberdade, é
o elemento de transição, portanto, o não-disfórico e o comunismo é disfórico. Os
80
eufóricos são tematizados pelo capitalismo por meio da aclamação do presidente da
maior potência capitalista, George Bush.
Ainda no nível das oposições semânticas, outra reportagem vem se somar à
reportagem da capa, cujo título é: “O outro lado da moeda - Pequim pega o
estudante Wang Dan”, da qual foi extraído o seguinte texto da página 53:
Em Pequim, onde se observa a outra face da moeda comunista – o lado do fechamento do regime -, o governo confirmou na semana passada a prisão do estudante Wang Dan, um dos principais articuladores do movimento pela democracia, que acabou na matança da Praça da Paz Celestial, há um mês e meio. [...] Depois das execuções sumárias dos jovens ativistas de Pequim, mortos a bala depois do incidente na Praça da Paz Celestial, teme-se pelo destino do estudante de História Wang Dan.
Ocorre, como se verá ao longo de todas as capas analisadas, uma isotopia
com vários elementos tanto do plano do conteúdo quanto do da expressão. Neste
caso a isotopia ocorre com o nível das oposições fundamentais da capa anterior, ou
entre opressão e liberdade tematizando respectivamente comunismo e capitalismo.
O movimento estudantil da Praça da Paz Celestial encantou o mundo e ficou
marcado pela figura do jovem que se posicionou à frente dos tanques. O movimento
é o elemento não-disfórico entre a opressão comunista chinesa (disfórica) e a
liberdade (eufórica). Todo o mundo lamentou profundamente o desfecho do
acontecimento através das imagens extremamente exploradas pelas mídias.
5.2.2 Nível narrativo
Como na análise da edição anterior, o sujeito que aparece é a sociedade,
mais especificamente operários e estudantes, oprimidos por um regime totalitário,
que estão lutando contra um modelo ultrapassado e anacrônico e por liberdade. A
imagem do operário sem camisa à frente de seus pares deixa clara a insatisfação
com o socialismo que se mostrou incapaz de atender aos anseios da classe
81
operária. O próprio operariado coloca um fim àquele modelo que se colocava como
alternativa à exploração do trabalho, mas que não só não resolveu o problema da
desigualdade como o ampliou e algemou a livre iniciativa. Os erros desse modelo
possuem um nome: “modelo estatizante”, como citado na primeira reportagem.
Muitos são os adjetivos dados ao “modelo estatizante” como “trilhos enferrujados”,
“gigante desengonçado”, “inoperante”, “incapaz” e “morto”.
A revolução socialista ao invés de trazer a fartura e a felicidade impediu o
desenvolvimento natural das forças produtivas. Não sem razão o presidente Bush foi
aplaudido na Polônia, pois é o presidente da nação mais desenvolvida e rica do
planeta. Uma nação que mostrou ser capaz e operacional, coisas inexistentes no
modelo socialista.
Desnecessário comentar, nesse item, a reportagem sobre a prisão de Wang
Dan. É simplesmente repetir o que já foi dito quando da análise da edição anterior.
As oposições semânticas são as mesmas e os valores assumidos também, ou seja,
liberdade e opressão, o que muda é o contexto e o suporte histórico. Enquanto na
edição 1074 tem-se a derrocada do comunismo, nessa a opressão comunista é
vitoriosa. O que se observa, em ambas as reportagens, é a existência de uma
tensão narrativa, que evidencia a opressão e a resistência à ela, ou um programa e
um anti-programa narrativos, respectivamente.
5.2.3 Nível discursivo
Um operário em primeiro plano, à frente não só dos seus pares que ocupam
quase toda a capa, mas também da palavra GREVE em tom amarelo-laranja e que
está entre este operário do primeiro plano e os outros. Na parte inferior da capa um
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pequeno pedaço da bandeira soviética seguida dos dizeres: “ A URSS enfrenta
seu grande desafio” (no mesmo tom amarelo-laranja), como se fossem não o título
de uma reportagem, mas a legenda de um fotograma. O título da revista, Veja, em
vermelho e contornado com linhas brancas em meio aos operários matizados por
tons de vermelho e branco. Essa é a descrição dos traços cromáticos e topológicos
que integram o plano da expressão. Qualquer semelhança com elementos, traços e
diagramação da capa da edição 1074 seria mera coincidência? Talvez a resposta
para essa pergunta esteja na leitura temática das oposições fundamentais no plano
do conteúdo.
QUADRO DO PLANO DO CONTEÚDO
TEMA OPRESSÃO LIBERDADE
HISTÓRICO
Ultrapassado, retrógrado, anacrônico
Contemporâneo, moderno, o presente indicando o futuro
SÓCIO-POLÍTICO
Controle, coletivização, imposição Autonomia, individualidade, autodeterminação
ECONÔMICO
Intervencionismo estatal, empresas estatais
Economia de mercado, desestatização
FIGURATIVO
Desenhos da foice e martelo cruzados, símbolos do comunismo.
A palavra GREVE entre os operários simulando uma palavra de ordem contra a opressão comunista
Os elementos que compõem o quadro são os mesmos do quadro da edição
1074. Não é somente uma relação dialogal com a reportagem da edição anterior; é o
resgate de um discurso anti-socialista e neoliberalizador.
No plano da expressão, destaca-se o uso do vermelho, recurso cromático
utilizado pela revista para sugerir situações de agressividade e violência, nesse
caso, relacionado à opressão, oposição semântica ao traço liberdade que se
manifesta por um traço topológico: a foice e o martelo diagramados em tamanho
83
menor e como que acuados pela palavra GREVE, localizada acima do símbolo e ao
centro da capa.
Ocorre nessa edição, como ocorreu na edição 1074, uma interação entre o
plano da expressão com o plano do conteúdo. Por meio da diagramação e das
opções cromáticas do plano da expressão, se homologa a exploração icônica, os
procedimentos metonímicos, os temas e afirmações realizados no plano do
conteúdo. Há também uma relação de homologação dos discursos entre as edições
1074 e 1089, por meio da enunciação das mesmas palavras, das mesmas idéias e
dos mesmos traços da expressão e dos mesmos temas do conteúdo.
84
5.3 EDIÇÃO 1095 - O Operário Vai a Luta
Essa edição 1095, de 06 de setembro de 1989, resgata elementos dos
planos do conteúdo e da expressão presentes nas capas das edições 1074 e 1089,
já analisadas em páginas anteriores. Dificilmente esse resgate é mera coincidência,
dada a recorrência de alguns desses elementos, no plano da expressão, como é o
caso dos cromáticos e os relacionados à diagramação, como o espacial, e no plano
do conteúdo, como as imagens.
85
Com relação aos traços cromáticos e diagramação em comparação à edição
1074, foi feita uma sobreposição da imagem de Lula no lugar da foice e do martelo
no fundo vermelho da bandeira soviética. Da mesma forma que a foice e o martelo,
na edição 1074, ocupando um lugar central na capa, é a imagem de um projeto de
sociedade, a presença de Lula, na mesma posição, também é a imagem de um
projeto de governo. O tom amarelo-laranja da foice e do martelo permanece na
composição da imagem, só transposto para o interior das letras que compõem o
nome da revista. A diferença está em que na edição 1074 há uma passagem da
disforia para a euforia, tematizada pela opressão e anacronismo da sociedade
comunista para a liberdade da democracia liberal, e, nessa edição 1095, a
candidatura Lula se inscreve em um percurso inverso; da euforia da sociedade livre
e democrática para uma condição disfórica, caso seja eleito, haja visto que suas
idéias e propostas de governo, pelo caráter estatizante, estão mais próximas de um
projeto socialista.
Na edição 1074, a foice e o martelo trincados são o fim do modelo socialista.
Na edição 1095, Lula é a figurativização de um projeto a ser construído no Brasil.
Outro aspecto relevante a ser ressaltado é o do contraponto com a capa da
edição 1089. Enquanto nessa última tem-se um operário no centro da capa, com as
mãos na cintura, numa atitude de desilusão (no caso com a utopia comunista que
não se realizou), na edição 1095, o operário Lula (a candidatura a presidência nesse
caso é apenas circunstancial) está numa atitude de confronto, com o braço em riste,
desafiando o capital e querendo colocar-se à frente do operariado que diz
representar, afinal tem ao fundo a bandeira vermelha e socialista do Partido dos
Trabalhadores.
86
Novamente é a esquerda, representada pela candidatura Lula na contra-
mão da História. Se na capa da edição 1074, o ícone do socialismo soviético (foice e
martelo) está trincado e desabando ao sabor do vento das reformas, no Brasil ainda
é uma realidade a ameaça à liberdade.
87
5.4 EDIÇÃO 1101 – A ESQUERDA SOBE
Tem-se no nível das oposições semânticas, em relação às edições 1074 e
1089, uma inversão de percurso. Nas duas edições, 1074 e 1089, a opressão dos
regimes socialistas do Leste europeu, tematizadas pelo comunismo, surge como
elemento disfórico. Com a crise e queda desse modelo, há uma passagem para a
liberdade, elemento eufórico, tematizada pela democracia liberal.
88
Nessa edição 1101, de 18 de outubro de 1989, também constituída por
textos sincréticos, uma vez que faz uso de elementos verbais e plásticos, o percurso
das oposições semânticas vai do eufórico para o disfórico, da liberdade da
democracia liberal para a opressão de um modelo socialista ou de esquerda. Dito de
outra forma, no Brasil, um país liberal, a escolha do próximo presidente pelo voto
direto pode pôr fim à liberdade e à abundância em favor do totalitarismo do modelo
socialista.
Nas edições 1074 e 1089, a passagem da disforia (opressão) para a euforia
(liberdade) ocorreu com os abalos sofridos pelo modelo socialista na Europa e nesse
percurso gerativo de sentido o elemento plástico cromático, fundo vermelho, não se
constitui apenas como um suporte na totalidade do discurso, mas é parte integrante
do mesmo simbolizando a disforia do comunismo. Já, nessa edição 1101, o
vermelho surge também como traço cromático relacionado ao comunismo, só que,
indicando a possibilidade de um movimento ascendente da esquerda pela mediação
dos candidatos Lula e Brizola. O vermelho (ou o comunismo) que está vindo abaixo
na Europa é o mesmo que pode ser afirmado como modelo de governo no Brasil.
É também possível estabelecer essa passagem da euforia para a disforia na
relação entre a frase “a esquerda sobe” com a chamada em azul no canto esquerdo,
no alto onde se lê “Ações – outro dia negro na Bolsa de Nova York”. Ou seja, existe
uma relação direta entre a ascensão da esquerda e a insegurança econômica
manifesta no mercado acionário, instituição imprescindível e característica de uma
economia liberal e à época, inexistente e impensável numa economia socialista.
Com relação às fotos dos candidatos Lula e Brizola, pode-se concluir que,
por estarem emolduradas por cartas de baralho, elas são o indicativo de um aspecto
89
disfórico, afinal, o baralho é um jogo de azar no qual a sociedade brasileira está se
envolvendo e esse jogo de azar possui um nome: eleições para presidente.
Os termos e o percurso entre os termos ficariam assim esquematizados:
euforia disforia acerto erro (liberdade liberal) opressão comunista não-disforia não-euforia escolha consciente o duvidoso não opressão comunista (figurativizado pelo jogo de azar) a não-liberdade
No nível das estruturas narrativas o sujeito não é aquele que surge, mas
aquele que ressurge sob o espectro do decadente socialismo. Em relação dialogal
com as análises de edições anteriores, onde se mostra o fim do socialismo no Leste
europeu, no Brasil, existe a possibilidade de a esquerda atingir o poder e
concomitantemente promover o regresso a um modelo de Estado ultrapassado.
Essa enunciação se manifesta, no plano da expressão, no uso da recorrência
cromática da cor vermelha, presente nas capas das edições 1074 e 1089, em
referência ao comunismo, e na 1095 em relação a Lula.
No nível das estruturas discursivas, a ilusão de verdade é produzida pelo
efeito do distanciamento político-ideológico de Veja, enquanto veículo supostamente
limitado ao compromisso de apenas informar o fato, o acontecimento como ele é,
portanto, comprometido apenas com a função referencial.
Os traços do plano da expressão (predominância do vermelho, diagramação,
jogo de luzes e sombras, etc.), e os temas e figuras do plano do conteúdo
(ultrapassado, retrógrado, anacrônico, intervencionismo estatal, comunismo,
liberdade, autonomia, etc.), presentes nessa edição, são semelhantes aos das
90
edições 1074, 1089, e 1095. A diferença reside no fato de que a construção do
percurso das oposições ocorre em ordem inversa. Enquanto o socialismo se
encontra em estado terminal no Leste europeu, no Brasil, está-se querendo fazê-lo
ressurgir das cinzas.
91
5.5 EDIÇÃO 1105 - CHEGOU A HORA
5.5.1 Nível fundamental
No nível fundamental, a principal oposição semântica dessa edição, como
nas edições já analisadas, continua sendo opressão versus liberdade, tematizadas
por comunismo e liberalismo respectivamente.
92
No plano da expressão, tem-se uma isotopia cromática com relação às
edições anteriormente analisadas. A novidade reside na disposição antagônica que
dispõe o vermelho (não casualmente a bandeira do PT, partido de Lula, é vermelha),
em relação às cores da bandeira brasileira. No canto superior, à esquerda e no
canto inferior a direita do leitor, existe uma tarja vermelha com as respectivas
chamadas de matérias: “EDIÇÃO ESPECIAL – ELEIÇÕES 89” e “O mundo em
estado de choque – CAI O MURO DE BERLIM”. Da forma como foi feita a
diagramação, há a sugestão de que o assunto dessa revista seja somente a eleição
presidencial, porém, apesar da expectativa criada, na tarja abaixo há uma
manifestação no plano do conteúdo de assombro com a queda do muro de Berlim e
o fim do comunismo no Leste europeu. É como se a revista estivesse alertando o
leitor / eleitor do risco socialista que se abate sobre o Brasil. Ainda no plano do
conteúdo, na figurativização do Brasil, no meio da página, na forma estilizada da
bandeira nacional ladeada e pressionada pelas tarjas vermelhas, se faz presente a
idéia da ameaça vermelha. O comunismo que não vingou no Leste europeu, está
agora margeando o Brasil. Com um pouco de imaginação, pode-se visualizar uma
metáfora visual do trecho de um poema de Bertolt Brecht, cuja reprodução não literal
seria: “chamam de violentas as águas impetuosas do rio, mas não chamam de
violentas as margens que as cerceiam”.
5.5.2 Por um Brasil verde-amarelo
A data dessa edição é 15 de novembro, dia do primeiro turno das eleições
presidenciais e, como se sabe, a revista costumeiramente chega antes às mãos dos
assinantes antes da data impressa.
93
As pesquisas de intenção de voto ao longo do primeiro turno mostravam
uma parábola na curva de Collor. Teve seu momento de crescimento, mas nas
últimas pesquisas, à medida que Lula ampliava sua base de votos, a de Collor
regredia. O segundo turno já era uma realidade e muito provavelmente seria contra o
candidato mais radical que Brizola.
É nesse momento que Veja chega ao leitor / eleitor estampando na capa a
manchete “CHEGOU A HORA!” e na ordem seguem os seguintes subtítulos:
“Collor na frente”
Observe-se que, embora de fato o estivesse, é sugestivo que tal afirmação se
encontrasse exatamente ali, na seqüência da manchete principal. Leia-se, a título
de ilustração, as duas frases em continuidade:
“Chegou a hora! Collor na frente”
“Lula e Brizola brigam pela vaga”
A disposição da afirmação, logo abaixo de “Collor na frente” e o emprego do
termo “brigam” sugerem duas coisas: a fragilidade dos dois candidatos de esquerda
diante da preferência do eleitorado por Collor e a agressividade de suas naturezas
ideológicas; afinal eram radicais, socialistas e comunistas.
Em relação à diagramação da capa, pode-se observar que cerca de 75% da
capa é a bandeira nacional estilizada. Note-se que as cores da campanha Collor
eram as cores da bandeira. As manchetes mais a construção imagética produzem
um efeito visual que muito se assemelha a um panfleto do candidato Collor.
A edição mais uma vez faz alusão ao comunismo por meio do emprego do
vermelho nas tarjas nos cantos superior esquerdo e inferior direito. Na tarja inferior
um acontecimento providencial e ao mesmo tempo um alerta: “cai o muro de Berlim”.
Mesmo que não houvesse nada escrito, o simples contraste do vermelho ladeando
94
a bandeira nacional estilizada seriam elementos suficientes para demonstrar que a
pátria brasileira estava sob a ameaça comunista comentada exaustivamente nas
edições anteriores.
5.5.3 O sol nasce no ocidente
O círculo azul da bandeira brasileira, na capa surge sob a forma de uma
esfera tridimensional sobre uma base verde e amarela e parece ter corrido para o
lado direito sugerindo três interpretações:
A esfera correu para onde os brasileiros deviriam ideologicamente
correr, ou seja, para a direita representada por Collor;
A ponta do losango que aparece aponta para a direita, para onde a
esfera azul correu, para onde, enfim, o Brasil deveria se manter;
Como na edição 1101, é possível pensar que as eleições são um
jogo, só que de sinuca, no qual, o leitor / eleitor decidirá para que
lado ou caçapa deve rolar a bola, e pelo que foi visto até o
momento, quiçá para o ocidente, de onde surgiu a democracia
liberal, cujos ventos estão soprando até sobre o oriente.
95
5.6 EDIÇÃO 1106 – PRESIDENTE COLLOR OU PRESIDENTE LULA
“Presidente Collor ou presidente Lula”, afirma a manchete principal.
A afirmação, porém, é muito mais que a constatação de um resultado obtido na
contagem dos votos de 15 de novembro de 1989. Não quer apenas informar que
Collor e Lula foram os candidatos que em primeiro turno obtiveram o maior número
de votos. É a deflagração do conflito final, aquele que, como diz Veja na capa:
“decide a sorte do Brasil”.
96
As oposições fundamentais não são entre Collor e Lula, mas entre os
conteúdos que suas candidaturas possuem. O vitorioso entre os dois na votação do
segundo turno não ganhará apenas uma faixa presidencial, mas estabelecerá as
bases que nortearão a vida política, econômica e social do país. De um lado, Collor
representando a “modernidade”, mas como fala Antônio Rubim (1994), “a
‘modernidade’ de Collor conforma-se igualmente na consolidação da entrada [...] do
projeto neoliberal no país e especialmente em nosso campo político, posto que o
ideário neoliberal já transitava com alguma fluência em outros campos sociais”. De
outro, Lula, como se demonstrou, é apontado por Veja como o representante do
anacrônico comunismo.
Portanto, é difícil imaginar outra oposição fundamental que não seja a já tão
repetida oposição entre liberdade versus opressão, que como também já dito
anteriormente, tematizada pelo debate político-econômico sob a roupagem
neoliberal versus comunismo.
Apenas dois detalhes merecem destaque. O confronto de olhares entre Lula
e Collor, como se uma luta de boxe estivesse para acontecer, só que ao invés de
socos no ringue, votos nas urnas e no lugar de um cinturão, as conseqüências de
um projeto democrático ou socialista, não para o vencedor do embate, mas para a
sociedade brasileira. O outro detalhe é a tarja amarela no canto direito ao alto onde
se lê: “a economia esfria”.
Com relação à tarja, depois de tudo que já foi analisado até o momento, é
bem possível que esteja ali em razão da passagem de Lula para o segundo turno o
que representaria uma ameaça ao processo de locupletação das elites nacionais e
do capital nacional e internacional e em particular o grande capital financeiro. A
reportagem interna, por si mesma, não possui nenhuma relação com o processo
97
eleitoral, mas ao mesmo tempo não possui as proporções que lhe fizeram valer uma
pequena manchete na capa.
98
5.7 EDIÇÃO 1107 – LULA E O CAPITALISMO
A capa da presente edição, como ocorreu com a edição 1106, é apenas a
ratificação de um discurso construído na totalidade das edições dedicadas por Veja,
direta ou indiretamente ao processo eleitoral.
Recursos utilizados de forma subliminar em outras capas se fazem
presentes nessa, como o da tarja nos cantos, nesse caso uma tarja vermelha com
99
os dizeres: “Tensão em Porto Alegre: Feridos e lojas depredadas numa tarde de
violência” além do emprego cromático do vermelho em temáticas que se reportam à
violência, ao comunismo, ou às esquerdas.
A oposição semântica mínima, ao contrário das reportagens internas, como
já exemplificado em tópicos anteriores que ocorre entre variantes de opressão e
liberdade, é entre união versus divisão.
A manchete da reportagem principal estampada na capa já denuncia que as
propostas de governo do candidato petista, ao invés de unirem os quase 150
milhões de brasileiros, vão dividi-los. A manchete na tarja vermelha já anuncia as
conseqüências dessa divisão que irá assumir proporções ainda maiores em caso de
vitória do candidato que se opõe à livre iniciativa, à economia de mercado, que
defende o intervencionismo, a luta de classes, o comunismo cubano e o radicalismo
revolucionário da Nicarágua.
Ainda no plano do conteúdo, o conceito “divisão” aparece quatro vezes de
três diferentes formas, como que ratificando um suposto perfil desagregador do
candidato Lula. Primeiro no subtítulo da manchete principal na palavra “dividem”.
Segundo na linha que separa os títulos dos subtítulos, tanto da manchete principal
como da manchete da tarja vermelha. E por último no episódio ocorrido em Porto
Alegre que descambou para a violência.
No plano da expressão, a imagem do candidato Lula, abaixo da tarja
vermelha que anuncia a reportagem do tumulto violento ocorrido em Porto Alegre,
em segundo plano, como que escondido na escuridão, em postura que remete a um
mentor intelectual, talvez seja um indício de que ele e o seu partido, estejam por trás
dos episódios violentos ocorridos na capital gaúcha. Cabe a menção de que os
episódios, na reportagem interna, não possuem relação direta com o conjunto da
100
capa, dando a impressão de que a revista tentou forçar uma relação entre as duas
manchetes.
101
5.8 EDIÇÃO 1109 – A BATALHA FINAL PARA MUDAR O BRASIL
5.8.1 Nível fundamental
No primeiro nível, ou nível fundamental, não há uma trajetória da euforia
para a disforia ou a trajetória no seu sentido inverso, com os valores axiológicos que
constituem o conteúdo das oposições semânticas (opressão e liberdade,
ultrapassado e inovador, moderno e anacrônico, comunismo e democracia liberal,
102
avanço e retrocesso), o que não significa que estes elementos não estejam
presentes no texto, ao menos não no plano do conteúdo. Não obstante, essa
ausência de uma trajetória, também não significa que no plano do conteúdo não
estejam presentes elementos eufóricos e disfóricos; estão, só que colocados como
oposições para efeito de comparações. Para percebê-los se faz necessário o
resgate intertextual de outras capas e outros textos circulantes na mídia e no
imaginário social. O que se quer dizer com isto é que na capa acima ocorre uma
evocação de discursos, devidamente diluídos e manipulados, da esquerda,
presentes em eventos históricos como o da planificação da economia, à época da
ascensão das hoje decadentes revoluções socialistas, e da malfadada moratória em
1987 e a hiperinflação do governo de José Sarney.
O sentido do texto é construído a partir mais da desqualificação das idéias
socializantes do programa de governo do candidato Lula do que da qualificação das
propostas do candidato Collor. O trecho, citado abaixo, de um ensaio intitulado “O
efeito democracia”, sem autoria, portanto de responsabilidade da revista, que
sucede a matéria da capa, referenda essa afirmação.
Na campanha eleitoral de 1989, o jogo entre esquerda e direita encontra-se embaralhado por causa das confusões próprias do País de Collor e Lula. Poucos dias antes da votação do primeiro turno, ocorreu uma das mais gigantescas reviravoltas políticas em escala planetária - a queda do Muro de Berlim. Para todos os que prezam a liberdade, e para todos os que se opõem às soluções esquerdistas, festejou-se a cena como uma prova, a mais, de que o comunismo é um regime fracassado, que se encerra como uma das mais desastradas experiências da humanidade ao longo deste século. Lembrou-se, também, que a plataforma de Luis Inácio Lula da Silva, com seu anacronismo estatizante e sua utopia de dirigir a recuperação econômica do país a partir do Palácio do Planalto, guardava um bom laço de parentesco com a árvore genealógica esquerdista que levou ao Muro de Berlim. Por fim, depõe severamente contra Lula, o PT e a Frente Brasil Popular a enorme relutância que demonstraram em toda a campanha para reconhecer, em alta voz, que alguma coisa deu monstruosamente errado nos regimes erguidos em nome do proletariado - ou mesmo para aplaudir com um mínimo de entusiasmo a onda de democratização que sacode os países comunistas (p. 53).
103
Diante do texto citado cabe refletir se o termo ultrapassado é o que melhor
reflete a oposição semântica disfórica. Talvez fosse mais adequado substituí-la por
“desastroso”, haja vista a convicção e a pujança das palavras do autor da matéria
citada. Ultrapassada também é a proposta de “calote da dívida externa”, pois, dois
anos antes, Sarney havia feito algo parecido, moratória, juntamente com outras
medidas econômicas, cujas conseqüências foram o aumento da inflação que chegou
aos quatro dígitos.
Uma trajetória da disforia para a euforia só é possível se pensarmos as
propostas de Collor, da forma com que foram colocadas, como um pálido contraste,
como um segundo momento, o momento da negação do que fora afirmado em
primeiro plano, ou seja, inicialmente se afirmam as propostas do candidato Lula,
para depois, por oposição, por contraste, se afirmar as propostas do candidato
Collor que são a negação das de seu oponente. Essa reflexão ganha legitimidade
quando, no plano da expressão ocorre um movimento da esquerda para a direita do
perfil do candidato Lula, ou seja, as propostas do candidato Collor são colocadas
na forma de um reflexo invertido, tanto na diagramação, quanto no conteúdo. Ainda
no plano da expressão, os elementos disfóricos e eufóricos se manifestam no
cromatismo empregado. A seta em curva que indica o candidato Lula faz uma
isotopia cromática com capas anteriores, particularmente a da primeira capa aqui
analisada e que, como já visto, o emprego do vermelho remete ou ao comunismo,
ou a situações de violência. Já a seta que indica o candidato Collor é azul e,
portanto, complementar às cores da bandeira brasileira, não possuindo, no mínimo,
qualquer característica disfórica. No sinal gráfico que antecede as propostas, duas
listas diagonais, uma verde e outra amarela, fazem menção não só às cores do
104
Brasil, mas também, são um indicativo, de que o verde e o amarelo, no caso de Lula,
se eleito, podem se tornar vermelhos, portanto, disfóricas. No caso de Collor,
reforçam o perfil de um candidato afinado com os mais nobres sentimentos de
brasilidade e, conseqüentemente, eufóricas, além, é claro, de estarem presentes na
logomarca que se construiu com as letras “ele” do seu sobrenome.
5.8.2 Estruturas narrativas
No nível das estruturas narrativas os eleitores brasileiros emergem como
sujeitos em um momento histórico importante da sociedade brasileira. Seus votos
não vão apenas eleger o próximo presidente da República, depois de exatos 29
anos sem eleições diretas, não vão somente consumar o processo de transição de
um regime autoritário, mas decidirão se o país permanecerá livre e democrático, ou
se submeterá a um novo, mas já velho e decadente, regime de força que colocará o
Brasil na contramão da história contemporânea. Enquanto a experiência proletária
do socialismo no mundo deixa à mostra suas seqüelas, um dos candidatos, ora
sutilmente, ora nem tanto, evoca das cinzas, não só da ideologia da Revolução do
Proletariado, mas também da frustrada experiência intervencionista do moribundo
Estado de Bem-Estar Social e do discurso das lutas de classes, “a crença no papel
do governo para melhorar a vida dos pobres” e a “reforma agrária a partir de 500
hectares”. Evoca também um modelo estatizante através do depósito de “confiança
na ação das empresas estatais” além de romper com os valores da civilização
ocidental cristã e capitalista pregando “a fé no calote da dívida externa”.
Nesse nível, o sujeito (eleitor) se define pela relação com os objetos, um
primário (modelo político-econômico socialista) e um secundário, ou como dito
105
acima, um pálido contraste. No primeiro caso temos uma relação disjuntiva que se
dá por meio do enunciado que é “manipulador” no momento em que atua como
sujeito que “faz saber” e “faz crer”, tornando o sujeito eleitor “competente” e o “faz
querer fazer” (rejeitar as propostas esquerdizantes) realizando, desta feita, uma
“performance”, que terá como “resolução” ou “sanção” o voto nas propostas
alternativas (as de Collor), utilizando como recurso o uso da “intimidação” (possível
perda da liberdade individual). Num segundo momento, seguindo o mesmo percurso
da diagramação, da esquerda para a direita, ou tomando as propostas do candidato
Collor como um pálido contraste, tem-se uma relação de junção entre o eleitor e o
objeto (candidatura Collor), que pelas determinações presentes no enunciado possui
outro valor: o da liberdade e o da inovação, que traveste no enunciado o modelo
político-econômico neoliberal. Simplificando: verifica-se também um processo de
“manipulação”, do ponto de vista da semiótica discursiva, cuja “sanção” ou
“resolução” se dá não pela “intimidação”, mas pela valoração positiva do objeto-valor
(liberdade, inovação, modernidade), ou seja, a “tentação”.
5.8.3 Estruturas discursivas
No terceiro nível, o das estruturas discursivas, convém ressaltar que a
análise discursiva incide sobre os mesmos elementos do nível fundamental e nível
das estruturas narrativas, especialmente os desse último. Segundo Barros (2000), a
análise do discurso deve focar as relações que se instauram entre a instância da
enunciação, responsável pela produção e pela comunicação do discurso, e o texto-
enunciado. Nesse nível, a capa em questão será analisada a partir das projeções da
enunciação na fabricação do discurso e os recursos utilizados no processo de
106
manipulação do enunciatário por parte do enunciador. Este é o procedimento
sintático do discurso. Feito isto a análise será concluída com a verificação dos
procedimentos semânticos presentes na construção do discurso, que são: a
tematização e a figurativização.
No texto de capa da edição 1109, o sujeito da enunciação projeta como
actantes os candidatos Lula e Collor e produz ao mesmo tempo o efeito de
distanciamento ao construir o texto, constituindo como sujeitos do enunciado (as
propostas) os próprios candidatos. Curiosamente o faz colocando, de forma
resumida, o que os candidatos pensam sem que haja a necessidade de que os
mesmos se manifestem. Em outras palavras, o sujeito da enunciação atribui aos
actantes, por ele constituídos, o seu próprio discurso. Por exemplo: a proposta “a fé
no calote da dívida externa”. Quem tem “fé” é o actante Lula, mas “calote da dívida
externa” é um enunciado do sujeito da enunciação, pois surge de uma interpretação
tosca e simplista de argumentos sérios e fundamentados (mesmo que possam ser
equivocados) daqueles que defendem não o calote, que seria uma atitude desonesta
e compreensivelmente condenável, mas a suspensão do pagamento da dívida
externa por considerá-lo imoral e ilegítimo.
A suspensão do pagamento da dívida externa não é exatamente o que se
pode chamar de impropérios, pois a evasão de divisas para os países credores
representa um empecilho no desenvolvimento econômico dos países devedores, a
ponto de que, freqüentemente, países membros do agora G8, como a França e
Itália, já terem posto a necessidade do perdão de parte da dívida dos países do cone
sul.
A fala é do sujeito da enunciação (reportagem de Veja), mas projetada
como proposta do candidato Lula. O sujeito da enunciação cria um efeito de
107
referente ao articular o plano de conteúdo com o plano da expressão que, neste
caso consiste em criar um efeito de realidade com a utilização de uma foto do
candidato Lula segurando um microfone de tal modo como se estivesse proferindo
as propostas abaixo de sua foto, e fechadas pela seta, amarela na base e que vai
ganhando uma coloração vermelha à medida que se aproxima da foto, semelhante a
um texto dentro de um balão de estórias em quadrinhos. O mesmo, convém
ressaltar, ocorre com o candidato Collor com propósitos diferentes; o de demonstrar,
por contraste, que as propostas de Collor são a expressão do moderno, do
democrático, do correto e do justo, afinal, quer combater os privilégios, quer
acompanhar o movimento da globalização através da abertura da economia, quer
privatizar estatais deficitárias e o principal, quer aumentar a riqueza do Brasil para
poder redistribuir a renda.
O enunciador, enquanto desdobramento do sujeito da enunciação, realiza
neste texto um fazer persuasivo sobre o enunciatário (outro desdobramento do
sujeito da enunciação) a quem cabe o fazer interpretativo. É interesse do enunciador
manipular o discurso de tal modo que o fazer interpretativo conduza a uma só
direção, a saber: a de que o candidato Lula é depositário de um regime fracassado.
Tal afirmação é possível de ser feita por meio do exame das pistas, das marcas
deixadas pela enunciação que buscam criar um efeito de realidade, de veridicção.
Dentre estas pistas da enunciação, se pode citar a da reiteração ou isotopia
cromática. Em capas anteriormente analisadas, o vermelho é reiterado com o
conteúdo de violência, de comunismo e nessa capa, reaparece apontando para o
candidato Lula como que o denunciando. Outra isotopia é a presença de matérias
que versam sobre o fim e as mazelas do comunismo presentes em outros textos e a
própria reportagem interna já citada e transcrita acima.
108
No que diz respeito às temáticas presentes no texto é procedente citar a da
honestidade; como é possível confiar o voto a alguém que propõe calote? A temática
da competência; como confiar o voto a alguém que quer fortalecer a empresa
estatal? Conhecida pelo desmando, lentidão, ineficiência? Se o governo não pode
controlar a corrupção na esfera do Estado o que o qualifica a resolver o problema da
baixa qualidade de vida dos mais pobres? E, finalmente, a temática do
desenvolvimento; o Estado ao invés de promover o desenvolvimento, cria amarras
para a liberdade econômica e livre iniciativa.
109
5.9 AS TRÊS FACES DO CANDIDATO OPERÁRIO
Na edição 1074, de 05 de abril, o comunismo é retratado como um regime
retrógrado e anacrônico, e a revista Veja faz isso com a autoridade dos fatos, ou
seja, com a queda dos regimes socialistas do Leste europeu. Na edição 1089, de 26
de julho, é mostrada a luta dos operários contra a obsolescência da economia
planificada e estatizante dos regimes socialistas. Já na edição 1095, de 06 de
setembro, apresenta-se um candidato operário, Lula, afinado com a literatura
socialista e rodeado de políticos comunistas famosos que são como mentores
intelectuais e mão de obra ideológica no jogo político.
A revista, ao longo dessas e das outras edições, analisadas, se não deixa
claro, no mínimo insinua a incompetência e despreparo das esquerdas e
principalmente do candidato Lula que passou para o segundo turno das eleições
majoritárias de 1989, para acompanhar os ventos liberais vindos do Leste europeu,
num possível exercício da presidência da República.
A imagem de Lula, candidato a presidente em 1989, encontrada nas
reportagens da revista Veja pode ser resumida em três postulados. O primeiro é o de
que Lula é um operário de hábitos grosseiros e humildes, um “torneiro borralheiro”,
até bem intencionado, mas deslumbrado com o que conquistou e ligado a um partido
dentro do qual ele não passa de uma marionete manuseada pela ideologia
comunista. O segundo é a da incompetência administrativa demonstrada pelo
Partido dos Trabalhadores e do seu programa de governo ilógico, irracional,
desconexo e anacrônico. O terceiro postulado é o de que o partido de Lula é um
agregado de esquerdistas e comunistas defensores de um modelo decadente.
110
Para essa seção foram selecionados trechos de oito edições da revista
(1074, 1089, 1095, 1101, 1105, 1106, 1107 e 1109) que serão trabalhadas como
um único texto subdividido em três partes assim intituladas:
Um operário de hábitos humildes e grosseiros: o conto do “torneiro
borralheiro;
Lula, o PT e as esquerdas: a marca do anacronismo;
A ameaça comunista.
5.9.1 Um operário de hábitos humildes e grosseiros: o conto do torneiro
borralheiro
Após construir reportagens eufóricas em relação à queda dos regimes
socialistas, nas edições 1074 e 1089, a revista passa a intervir mais objetivamente
no processo eleitoral brasileiro se valendo não somente dos erros e arbítrios
cometidos pelos regimes socialistas, como também do preconceito cultural que
incidia sobre o candidato Lula. A esse respeito escreve Veja na reportagem “Um
operário vai à luta na sucessão” na edição 1095 (p. 36):
...em sua vida pessoal, o candidato Luiz Inácio Lula da Silva é um brasileiro de hábitos conservadores. Gosta de ficar em casa de chinelos e camiseta vendo televisão, enquanto a mulher prepara as refeições e toma conta dos filhos [...] Lula é um sujeito que, em família, gosta de levar uma rotina tão folgada, que no passado chegou a causar alvoroço entre suas admiradoras feministas ao revelar que deixava para Marisa a carga maior das tarefas domésticas – inclusive a de cortar suas unhas do pé. Até hoje, Lula tem preguiça de fazer suas malas quando viaja – também é a sua mulher que se ocupa do problema.
É relevante destacar o tom prosaico e nada jornalístico dessa citação. Ao
ressaltar, da forma como o fez, um suposto machismo do candidato, sua preguiça e
111
sua desatenção com os afazeres domésticos, a revista desmistificou, de forma
pejorativa, a imagem de sindicalista e de porta-voz da classe operária de Lula.
Reforçando a tese de Lula ser um sujeito de hábitos grosseiros, em outro
trecho da mesma reportagem, tem-se a seguinte colocação:
[...] Em Diadema, consumou-se a expulsão do vice-prefeito da cidade das fileiras da legenda – ao final de uma pesada guerra interna na qual a cúpula da legenda no lugar tentou resolver suas pendengas com socos e pontapés (p. 38).
Socos e pontapés não são exclusividade dos partidários do Partido dos
Trabalhadores, a truculência na resolução de diferenças políticas pertence à História
humana. Uma simples pesquisa em jornais e revistas de qualquer época e de
qualquer lugar vai demonstrar que, em muitos momentos de diferenças políticas a
truculência foi a solução encontrada por indivíduos, mas não necessariamente por
instituições. A ênfase dada por Veja a esse episódio de violência em Diadema só
reforça o estereótipo de grosseiro que por analogia se quer imputar ao candidato
Lula, afinal ele é o fundador do Partido dos Trabalhadores. A reportagem ainda
destaca a origem humilde do candidato operário, que ainda não resolveu o problema
da pobreza em família, e a mudança de vida para melhor graças a favores de
amigos17.
Lula é um candidato que possui apartamento funcional de deputado em Brasília e, em São Bernardo do Campo, onde reside sua mulher, Marisa, e os quatro filhos, dispõe de uma confortável casa com quatro cômodos. Até hoje, no entanto, três de suas irmãs garantem o orçamento do fim do mês com umas das profissões mais humildes que o mercado de trabalho tem a oferecer – são empregadas domésticas (p. 34).
17
“Na casa onde foi morar no início do ano, emprestada por um velho amigo, o advogado Roberto Teixeira, dono de uma das grandes bancas da região do ABC[...]” (p. 36).
112
Cabe ainda mais um comentário: se Lula não foi capaz de ajudar as irmãs,
depois que virou deputado federal, tampouco se pode esperar que faça algo pela
sociedade brasileira.
Na edição 1101 (p. 45), na reportagem “Lula entra no jogo”, lê-se:
Assim, chega ao posto de candidato possível do segundo turno o operário que há apenas uma década e meia combatia diante de um torno mecânico nas indústrias Villares, em São Bernardo. Para seu azar, ele só chega lá se desalojar outro morador do condomínio esquerdista
18, Leonel Brizola [...]
Na citação acima, Veja destaca a origem humilde do candidato Lula, que
está subindo nas pesquisas eleitorais e deixando para trás, na corrida eleitoral,
homens de reconhecida experiência na vida pública ou empresários bem sucedidos
como Mário Covas, Ulisses Guimarães, Afif Domingos e Aureliano Chaves. É o que
se poderia chamar de “Conto do Torneiro Borralheiro”. A revista Veja realizou um
investimento de valores no preconceito cultural e social que permeia a sociedade
brasileira, já muito debatido por antropólogos e sociólogos.
Ainda nessa reportagem, Veja continua na mesma linha discursiva:
É verdade que Lula continua menor que Brizola e tem apenas um terço do eleitorado de Fernando Collor de Mello. A questão concreta da atual fase da campanha, entretanto, é que o candidato do PT com sua barba de camponês, sua barriga de Pancho Villa e seus erros de concordância de quem não completou o curso ginasial tornou-se um concorrente com chances de, ao menos, em tese, instalar-se futuramente na residência oficial do chefe da nação, com pompa, com fraque, e com direito constitucional de fazer e acontecer, por mais que sua visão esquerdista possa assustar todos aqueles que terão de tratá-lo como presidente da República. Um espanto (p. 45).
Na edição 1106, com Lula e Collor disputando o segundo turno eleitoral, o
próprio título de uma das reportagens “a briga pela faixa: no confronto final, o
metalúrgico Lula e o ex-governador Collor terão de mostrar quem é o verdadeiro
candidato do não” já dialoga com o preconceito. Veja é contundente em marcar essa
18
As expressões esquerda, esquerdizante, esquerdista, repetidas vezes aparecem em várias reportagens e sempre associadas ao fracasso da experiência socialista no Leste europeu.
113
diferença como no exemplo do texto citado abaixo que aparece não no corpo da
reportagem, mas em box. É um pequeno curriculum, como aquelas informações
selecionadas pelos candidatos presentes no verso de panfletos com suas
respectivas fotografias, os populares “santinhos”. Apesar de Collor não ser
propriamente objeto de pesquisa, convém citar as informações dadas a seu respeito,
também em destaque no box para comparação. Sobre Collor de Melo:
Collor tem formação universitária, teve pai senador – o alagoano Arnon de Mello – e já foi prefeito biônico da extinta Arena, deputado do PDS e governador pelo PMDB. Rejeitado pelo partido, contudo, construiu sua campanha praticamente sozinho, montado numa legenda alugada, pregando uma caçada aos marajás, martelando os políticos tradicionais e o governo do presidente Sarney. Ganhou disparado (p. 48).
Sobre Lula, também em box:
Lula foi retirante nordestino, seu diploma é de madureza ginasial, trabalhou como torneiro mecânico e começou na política como sindicalista no ABC paulista. Apesar das críticas à gestão do PT nas prefeituras que ganhou no ano passado, ele ainda simboliza o protesto contra tudo que está aí, fez uma campanha apoiado na militância ativa dos partidos de esquerda que o apóiam e conseguiu tirar a segunda vaga de um político tradicional, o gaúcho Leonel Brizola (p. 49).
Ambos os candidatos são nordestinos, só que um com diploma universitário
e larga experiência familiar na política e na administração publica e outro, apenas
um retirante do nordeste, que conseguiu se tornar um torneiro mecânico sonhando
com a presidência da República o que, segundo edição 1106, comparativamente à
França,
[...] onde as legendas e candidatos de esquerda disputam o governo há mais de cinqüenta anos e o presidente da República é um socialista histórico, uma candidatura como a de Lula seria um escândalo. François Miterrand pode ser um dos sumos sacerdotes da esquerda européia e mundial, mas um Lula na França seria como se reta final pelo Palácio do Eliseu aparecesse, com grandes chances de ganhar, um operário descendente de imigrantes árabes que até outro dia pagava as contas do fim do mês dando duro numa linha de montagem da Renault (p. 56).
Collor chegou ao segundo turno com seu esforço e sua luta contra os
“marajás” que se aproveitavam do erário. O candidato operário chegou ao segundo
114
turno com o apoio da militância de esquerda, cujas propostas de governabilidade
serão mais bem discutidas adiante.
5.9.2 Lula, o pt e as esquerdas: a marca do anacronismo
O segundo postulado presente nas edições da revista Veja é o da
incompetência administrativa demonstrada pelo Partido dos Trabalhadores e do seu
programa de governo ilógico, irracional, desconexo e anacrônico. A revista busca
respaldo na performance eleitoral do candidato Lula nas cidades cujas prefeituras
eram administradas por petistas, caso de Porto Alegre19, como é demonstrado no
trecho abaixo, extraído da edição 1095, na reportagem intitulada “Um operário vai à
luta na sucessão”:
Contra as gestões dos prefeitos do PT pesa o fato de que nem um deles conseguiu demonstrar a que veio. O ensino continua igual ao que era antes nas escolas municipais – e os buracos nas ruas também não foram cobertos (p. 38).
Na edição 1106, Veja, em duas reportagens diferentes faz alusão à baixa
performance eleitoral do candidato petista. Na primeira intitulada “A briga pela faixa:
no confronto final, o metalúrgico Lula e o ex-governador Collor terão de mostrar
quem é o verdadeiro candidato do não”, já citada na página anterior, lê-se:
Lula tropeçou na capital paulista, onde tem seu reduto político e sindical mais forte, além de uma prefeitura na mão da petista Luiza Erundina – ficou com apenas 15% dos votos paulistanos, em quarto lugar, atrás de Collor, Maluf e Covas, quando Erundina obteve no ano passado o dobro desse índice. A verdade é que até mesmo no caso do PT vota-se contra hoje em dia. Nas urnas abertas na semana passada, em várias outras cidades governadas por prefeitos petistas, como Porto Alegre e Campinas (p. 50). Em resposta Collor levantará a bola e manterá discussão acesa, com um coquetel de críticas às administrações petistas e às idéias do próprio Lula, que deverão ser apresentadas como manifestações de atraso e de tudo aquilo que não dá certo, em comparação ao seu próprio modernismo social-democrata (p. 53).
19
Convém lembrar que o PT só perdeu a prefeitura de Porto Alegre nas eleições de 2004 depois de quatro mandatos seguidos.
115
Na segunda matéria, “A arrancada de Lula”, do exemplar 1106, Veja reforça
a idéia de que as administrações petistas não mostraram a que vieram descerrando
uma saraivada de críticas como no trecho da página 54 em que, em vez de exaltar o
bom número de votos conquistado no nordeste, ressalta “a penúria de eleitores em
lugares onde o PT conquistou a prefeitura em 1988, como Porto Alegre e São
Paulo”. Ainda na página 54, mas com destaque em box Veja se repete: “Lula perdeu
a eleição nas capitais administradas pelo PT, como Porto Alegre e Vitória. Em São
Paulo, teve quase metade dos votos de Erundina em 1988”. Ainda em box, só que
na página seguinte, a revista também destaca e se repete: “Lula em 15 de
novembro: glória em Pernambuco e desgraça nas prefeituras do PT”. No corpo da
reportagem, ainda na página 55, a revista, sem maiores explicações, justifica a baixa
performance de Lula nas cidades administradas pelo PT alegando que:
O candidato Lula agrada muito mais ao eleitorado que o vê fazendo discursos do que àquele que é obrigado a agüentar a ação do seu partido no governo. Exemplos disso estão no fato de Lula não conseguir ganhar em São Paulo, Porto Alegre, Vitória, Santos, Campinas – todas cidades onde a prefeitura está nas mãos do PT.
É de se supor, com essa afirmação, que a revista Veja avalia, mesmo sem
fornecer mais informações, que as administrações municipais petistas estão
demonstrando incompetência em suas gestões, e o faz de forma insistente, incluindo
nessa reportagem de três páginas e meio, três vezes essa mesma idéia, recebendo
duas delas, destaque em box. Chama a atenção o fato de a revista não ter só feito
uma generalização das administrações petistas como também não apresentou
nenhum dado estatístico ou qualquer estudo que demonstrasse a procedência de
seus julgamentos que não os números do primeiro turno, abalando um dos pilares
do jornalismo, a procedência e a verificabilidade das informações. No caso de Porto
Alegre, a maioria esmagadora de votos foi para o candidato Brizola. Em
116
compensação no segundo turno, Lula arrebanhou mais de 80 % dos votos não só
em Porto Alegre, mas no Estado.
Ainda na tentativa de demonstrar o anacronismo do programa de governo
do candidato Lula, a revista busca o respaldo de opiniões de empresários ou
simplesmente faz conjecturas de natureza neoliberal. Por exemplo: na edição 1101,
na reportagem “Lula entra no jogo”, afirma o empresário Olacyr de Morais, que “as
idéias do PT são tão primárias que podem prejudicar a recuperação da economia
mesmo que o Lula não passe do primeiro turno” (p. 48). Essa afirmação aparece em
destaque em box. Em outro box a seguinte frase do então presidente da FIESP20,
Mário Amato: “800.000 empresários fugiriam do país caso Lula fosse eleito
presidente. Ele está tumultuando o país. Os empresários estão em pânico” (p. 48).
Na tentativa de desacreditar o candidato petista, Veja recorre a uma falácia de
autoridade sem citar a fonte, ou melhor, o nome de quem fez a afirmação, como no
exemplo abaixo, da edição 1101:
“Tudo menos Lula”, reagia na semana passada um banqueiro de São Paulo que vê no candidato do PT um político que é contra o empresariado, por sua genética partidária, e que é retrógrado, pelas idéias que defende a respeito do desenvolvimento brasileiro – como por exemplo, a de que o Brasil deveria tomar a Nicarágua como modelo a ser copiado. A ênfase reflete um temor mais ou menos generalizado entre os empresários, particularmente do setor financeiro, de que o candidato do PT, na hipótese remota de ganhar a eleição, venha a incomodá-los com o cerceamento de suas atividades. O candidato chegou a falar em certa época na estatização dos bancos, por exemplo, e a simples menção do nome de Lula provoca urticárias [...] (p. 47)
Ainda na edição 1101, Veja novamente tenta convencer o leitor / eleitor da
incapacidade administrativa do PT:
Politicamente o PT é uma sigla com uma óbvia opção estatizante e se alinha na defesa geral das empresas estatais, mesmos as deficitárias, e dos salários dos funcionários públicos, mesmo aqueles que embolsam fortunas milionárias sem aparecer no serviço. Na economia, o programa petista é um castelo de areia que chega a causar constrangimento nos meios acadêmicos – e, pelo anacronismo, tem críticos tanto entre os
20
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
117
estudiosos de linha conservadora quanto entre aqueles que comungam das propostas à esquerda. (p. 49)
A tese da privatização ainda hoje encontra opositores e não somente entre
os partidários da esquerda. Os militares sempre se posicionaram contra o
desmanche do Estado. A questão não é tão simples, privatizar ou não, mas por quê?
Quais empresas sob o controle do Estado devem ser privatizadas? Empresas
estatais sempre são deficitárias?
Quanto ao fato de o programa de governo do PT possuir críticos em
qualquer meio é algo natural, como é natural encontrar apoio e isso acontece com
qualquer partido ou candidato. A questão é que Veja se colocou nas fileiras
daqueles que defendem o fim do Estado de Bem-Estar Social, da tendência
neoliberalizante da década de 80. Aliás, o papel que o Estado deveria ou não
desempenhar na economia foi a tônica das eleições de 1989.
Da mesma forma que a expressão esquerda aparece associada ao
socialismo decadente, ocorre com a expressão estatal e suas variantes, sob a forma
de crítica de consenso. Criticar empresas estatais se tornou lugar comum. É como
se houvesse um consenso e uma verdade inquestionável acerca da incapacidade do
Estado de gerir ou de atuar na economia e na sociedade. O que é bom para os
empresários é bom para os trabalhadores. Essa generalização feita por Veja está
presente em todas as edições acima citadas. A título de ilustração, segue abaixo
outros trechos selecionados dessas edições. Na edição 1101, novamente sem citar
nomes, mas atribuindo a fala a empresários de Belo Horizonte:
“Vamos esclarecer nossos funcionários de que, caso Lula ou Brizola venha a ganhar as eleições, eles estão correndo o risco de serem empregados em estatais deficitárias”, [...] formar uma caixinha com contribuições de industriais para financiar a confecção e a distribuição de panfletos anti-Lula junto ao eleitorado mineiro. (p. 48).
118
Na edição 1106, na reportagem intitulada “A arrancada de Lula” Veja retoma
o mesmo discurso generalizador de interesses numa sociedade de contradições,
como é a sociedade de classes:
[...] Lula assusta muitas pessoas. Não só ricos [...] partido que enxerga nas capacidades punitivas e regulatórias do Estado o elixir milagroso para promover a distribuição de renda. Uma boa fatia da classe média também vê em Lula aquele sinal de que as coisas podem ficar ainda piores do que já estão e que seu padrão de vida será arrochado. Por fim, muitos brasileiros pobres acham que um político como Lula pode acabar criando uma grande confusão no país – e, em sua sábia percepção, para não falar em sua experiência, eles sabem que as confusões sempre acabam caindo na cabeça de quem é pobre. (p. 55)
A desqualificação do discurso de Lula, por meio de um anti-programa
narrativo, é utilizada como estratégia na edição 1107, em reportagem de entrevista
com Lula e Collor. Por meio das falas de Collor, candidato concorrente no segundo
turno, se busca desacreditar as proposições do candidato do PT, como pode se ler
nos trechos citados abaixo:
Infelizmente até o Lula prega o fortalecimento do Estado em vez de fortalecer a sociedade (p. 05). Enquanto o PT deseja a estatização, países europeus de diversas correntes, como a Espanha de Felipe Gonzáles, a Inglaterra de Margaret Thatcher e a França de François Miterrand, falam em privatizar. Porque correntes ideológicas tão diferentes tomam medidas comuns? Porque em países desenvolvidos não se discute direita, centro e esquerda. A discussão gira em torno do bem-estar social (p. 08).
Na edição 1109, na reportagem “o Brasil de cada um”, Veja comenta que
uma das boas propostas de governo de Collor “é um plano detalhado de privatização
de estatais” (p. 48). Um pouco mais adiante na mesma reportagem, a revista explica
que “o país de Collor é aquele que olha para as empresas privadas como o motor
dinâmico do desenvolvimento”, enquanto que “o Brasil de Lula tem muita fé na ação
da máquina do Estado” (p. 51). Ainda nessa reportagem, mas em destaque em box,
Veja acrescenta que “o candidato do PRN tem uma proposta mais liberal para
119
resolver o problema da ineficiência da máquina do Estado, e Lula é mais estatizante”
(p. 48), ou seja, o Estado é um problema e, enquanto Collor quer resolver o
problema, o candidato Lula quer mantê-lo, pois “Lula acredita, sinceramente, que o
problema das estatais não reside em sua função desnaturada nem em suas relações
perversas com o conjunto da economia. Caso se torne presidente, o candidato do
PT pretende fortalecer essas empresas” (p. 50), afirma Veja na mesma reportagem,
em outras palavras: A visão de modernidade que o candidato Collor possui, falta ao
candidato operário que permanece preso ao ranço da malfadada experiência
socialista.
Parece mais do que evidente que a maior parte das críticas a um possível
governo Lula possuem por fundamento premissas neoliberais como a crítica a
presença do Estado na economia e a economia de mercado.
Para a revista Veja, na edição 1095, o programa de governo do candidato
Lula ou do “candidato operário” (como a revista se refere a Lula), de seu partido e
aliados
não passa de um projeto irracional, porque planeja elevar os salários à margem do mercado, desconexo, pois quer reduzir os gastos do governo sem medir as conseqüências de uma quebra na taxa de juros, e ilógico, pois sua inspiração em matéria de dívida externa vem do mesmo governo Sarney que o PT tanto gosta de atacar (p. 39).
E, para concluir, usando outra citação, só que da edição 1107, Veja complementa que
[...] pessoas que raramente saem nos jornais, não freqüentam coquetéis nem aparecem nas colunas sociais porque passam as 24 horas do dia ocupadas em trabalhar, ganhar dinheiro com seus negócios e fazer girar a economia do país. A maior parte dessas pessoas, estejam elas à frente de empresas de capital nacional, de qualquer tamanho, ou de companhias de capital estrangeiro, tem a convicção íntima de que, com Lula na Presidência da República, o Brasil conseguirá a proeza de ter um governo ainda pior que o de José Sarney (p. 54).
120
5.9.3 A ameaça comunista
Nas edições 1074 e 1089, a posição de Veja é a de ser favorável às
reformas que ocorreram no Leste europeu colocando-se ao lado da economia de
mercado e do ideal de liberdade do ocidente. A revista tenta associar a candidatura
Lula e o PT ao socialismo, enquanto sistema político-econômico anacrônico. Ora
essas posições são claras e evidentes, ora dissimuladas. Por exemplo, na edição
1095, na página 36, apesar de afirmar que Lula gosta de ficar em casa vivendo uma
“rotina folgada” como assistir televisão, Veja destaca o contato estreito do candidato
com a literatura marxista, afinal “Lula dispõe de uma biblioteca à altura de um
estudante da USP – são duas grandes estantes recheadas de livros, inclusive uma
edição de “O Capital”, de Karl Marx, obras a respeito da Revolução Cubana e
dezenas de livros sobre problemas econômicos e políticos”. Ainda, segundo a edição
1095, o contato de Lula com o socialismo não se limita aos livros que possui em sua
estante. Pessoas ligadas diretamente à coordenação da sua campanha, e isso a
revista Veja fez questão de frisar, partilham dos ideais do socialismo como o
jornalista Wladimir Pomar, “Comunista desde os 14 anos [...] filho do ex-líder do PC
do B Pedro Pomar”. Complementa a revista que “no PT, seu prestígio já foi maior.
Em tese, coordena toda a campanha de Lula, das finanças aos contatos políticos”
(p. 38). Essa mesma associação a edição 1095, faz com relação aos quadros do PT
e à própria candidatura Lula, ao afirmar a existência de grupos socialistas
(trotskistas) dentro do partido e a direção ideológica do candidato Lula que apesar
de ser enquadrada “na categoria de reformista”, pelos mais radicais do partido, “mas
que é, efetivamente o mais à esquerda entre todos os candidatos à sucessão de
Sarney [...]” (p. 36).
121
Para relacionar Lula ao comunismo, a revista em sua edição 1101, na
reportagem “Lula entra no jogo”, também recorre ao argumento de autoridade
fazendo uso das palavras de Carlos Alberto de Oliveira, então presidente da
Associação Comercial do Paraná que afirma ser “um fato que, com Brizola, dá para
trabalhar, porque ele defende o capitalismo e a livre iniciativa. Já com o Lula, é
diferente”, pois “o candidato do PT é ainda mais nocivo do que Brizola porque segue
as normas de um comunismo fora de moda”(p. 47).
A revista Veja dissimula sua posição contrária à ascensão do candidato
petista fazendo uso inclusive das palavras do próprio Lula. Afinal, como Veja registra
na edição 1105, é ele “que chegou a falar na estatização do sistema bancário e a
apresentar a infeliz Nicarágua como modelo adequado ao Brasil” (p. 80), o que não
deixa dúvidas, conforme edição 1107, na reportagem “A hipótese de Lula”, de que
com ele “e o PT no governo – para não falar do PC do B, que tem como modelo de
país a Albânia, e outros grupos de esquerda – a economia poderá ir de vez para o
buraco – e sua vitória, nas urnas, será capaz de mergulhar o país em cinco anos de
muita penúria” (p. 54).
Os problemas do candidato operário, segundo a edição 1101, não são só os
comunistas de outros partidos, mas internamente no partido, “é possível apontar
vários problemas num hipotético governo do PT. Um deles é a própria natureza do
partido, em que sindicalistas e parlamentares moderados mantêm uma guerra
permanente com grupos trotskystas que gostariam de instalar uma república
soviética em Brasília” (p. 49). Essa não é só a opinião de Veja, mas também,
conforme edição 1107, com destaque em box, de pessoas bem sucedidas
profissionalmente. O banqueiro Ângelo Calmon de Sá, por exemplo, dono do então
Banco Econômico que afirma que o plano de governo de “Lula ainda está no tempo
122
da revolução comunista” (p. 56). Portanto, segundo edição 1105, não seria nenhuma
surpresa se Lula resolvesse “congelar o lucro das empresas [...] como se fosse
candidato a presidente de algum país socialista” (p. 78). Por essas razões, conforme
edição 1107 (p. 61), é compreensível
que o PSDB, [...]critique o programa de treze pontos da Frente Brasil Popular, uma coligação [...] composta pelo PC do B, agremiação que enxerga na atrasada Albânia um modelo para o Brasil, o PSB e o PT, partido composto por uma coleção de pequenas agremiações, algumas das quais defendem a tomada do poder pela força.
Essa é a principal razão que leva Collor a afirmar que vai vencer com um
programa social-democrata, mais adequado à realidade brasileira, pois, “as idéias do
PT faliram no mundo inteiro” (p. 04), conforme edição 1107, também com destaque
em box.
Na edição 1095, no artigo intitulado “A morte da história”, de Francis
Fukuyama21, nas páginas 98 e 99, afirma o fim da utopia comunista e a “’formidável’
vitória do liberalismo político e econômico” (p. 98).
Na edição 1106 (p. 08), na reportagem “O fim do totalitarismo”, nas páginas
amarelas, o pensador Lefort22 afirma que:
Os elementos mais radicais da esquerda brasileira não podem deixar de enxergar a que catástrofe política, econômica e social conduziu a tentativa de estatização dos meios de produção e de instituição de um poder com a pretensão de encarnar o verdadeiro povo. É uma ficção que se revelou sangrenta – ela vitimou milhões e milhões de homens. Para mim os acontecimentos atuais trazem uma lição muito particular para países como os latino-americanos, onde há necessidade de grandes mudanças. Há necessidade mesmo de revoluções, mas não de revoluções que se façam sob o signo da violência, da arbitrariedade e da disciplina militante.
Na edição 1107 (p. 198), no ensaio de José Guilherme Melquior,23 “O salto
por cima do Muro,” o autor afirma que:
21
Cientista político, professor na George Mason University na Virgínia, nos Estados Unidos. Na época vice-diretor da assessoria de planejamento político do Estado americano. 22
Claude Lefort, filósofo político francês, é professor da École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. (Paris).
123
a consolidação das tendências antiestatistas no ocidente [...] encostou o dirigismo do socialismo duro contra a parede, realçando cruelmente a inépcia e a rigidez das economias de comando. Ao mal-estar intelectual sucedia, assim, dentro do campo marxista, a desmoralização do modelo.
Com destaque em box, afirma o autor que “ainda há quem queira construir o
socialismo com os escombros do Muro de Berlim” (p. 198).
Nessa mesma edição 1107 (p. 52), em reportagem de capa, cujo título é “A
hipótese de Lula”, conclui a revista Veja que:
Nunca houve, também, a possibilidade concreta de um partido como o PT, em que, entre várias correntes, se abrigam sindicalistas com variados graus de agressividade, líderes grevistas e seitas esquerdistas que adoram fazer elogios ao sandinismo da Nicarágua, ao comunismo cubano de Fidel Castro e à luta de classes, passar a administrar a máquina do governo federal.
23
Ensaísta e diplomata brasileiro de claras tendências liberais.
124
6 CONCLUSÃO
O escritor Carlos Heitor Cony, na apresentação do livro de Viviane Forrester,
“O horror econômico”, afirma que estamos diante de um novo eixo histórico, iniciado
pelo modelo neoliberal e seu “braço operacional, que é a globalização”. As
conseqüências desse modelo são a criação e ampliação de uma população
“sobrante”, cuja existência é um paradoxo econômico, uma vez que não podem
produzir e nem consumir, por terem sido excluídos da moderna economia de
mercado e têm sua existência custeada pela ação social do Estado.
O neoliberalismo prega o fim do intervencionismo econômico estatal, a
redução dos gastos públicos, o que historicamente sempre resultou em cortes na
área social (educação, saúde, habitação e previdência); a flexibilização da legislação
trabalhista ignorando anos de lutas e conquistas dos trabalhadores, e a privatização
das empresas estatais, mesmo as lucrativas e estratégicas, para colocá-las nas
mãos do grande capital nacional e internacional.
Se o neoliberalismo é a vitória do capital sobre o trabalho, e Cony, portanto,
está certo em afirmar que as políticas neoliberais são perversamente excludentes,
como apresentá-las à sociedade e esperar sua aceitação?
Em sociedades democráticas, onde o uso da força não é uma opção, uma
alternativa é a manipulação ideológica, e meios de comunicação, como a revista
Veja, se constituem num eficiente canal de construção e desconstrução de valores
políticos e ideológicos.
Na introdução dessa dissertação, se afirmou que os recortes dessa pesquisa
estavam relacionados a três indagações. Após a realização das análises das capas,
reportagens e entrevistas, esse é o momento de respondê-las.
125
6.1 QUE TIPO DE IMAGEM A REVISTA VEJA CONSTRUIU DO
POLÍTICO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, E AO CONSTRUÍ-LA, DE
QUE MANEIRA TENTOU INTERFERIR NO PROCESSO DE ESCOLHA
DO ELEITOR?
Antes de responder, convém ressaltar que o interesse da revista Veja, pelo
candidato Lula, só surgiu no momento em que o mesmo se projeta nas pesquisas
eleitorais como forte candidato ao segundo turno das eleições. Antes disso, era
apenas mais um, dentre outros, que representava os ideais da esquerda política. De
início, apenas as idéias relacionadas ao modelo de Estado de Bem-Estar Social e ao
socialismo eram uma ameaça às reformas do Estado, propostas pelo modelo
neoliberal, mas com o desenvolvimento do processo eleitoral, essa ameaça se
materializa figurativamente no rosto de um operário com chances de se eleger
presidente do Brasil.
Não bastava apenas atacar o pensamento socialista, mas também aquele
que o representava e Veja o atacou transformando, por meio de imagens e palavras,
um líder sindical, que dirigiu as principais greves operárias do final da ditadura
militar, em um operário de hábitos humildes e grosseiros, cujo partido, propostas
políticas e econômicas eram a marca do anacronismo de um modelo comunista que
dava seus últimos suspiros no Leste europeu.
Com essa postura a revista Veja, não só conseguiu ampliar a base de apoio
às propostas neoliberais, como conteve, por meio do medo da ameaça comunista, o
avanço de Lula junto ao eleitorado.
126
6.2 QUAIS AS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS?
O que se fez ao longo das análises das capas, reportagens, entrevistas e
ensaios, foi responder a essa pergunta. Sob o risco da repetição, é interessante
destacar as principais estratégias utilizadas por Veja, para construir os sentidos de
seus textos.
Por uma opção didática, exceção feita na parte “5.9 As três faces do
candidato operário”, as edições foram analisadas individualmente, apesar das
constantes referências intertextuais. É possível depreender um sentido do texto
referente a cada edição, mas pelas análises feitas, fica evidente que os sentidos das
capas e reportagens ganham valores novos nos interstícios de outros textos, da
mesma época e de agora, como no exemplo da capa em que aparece o deputado
José Dirceu. Não seria errado afirmar que os discursos da revista Veja são
construídos e evidenciados mais pelas relações intertextuais do que em sua
singularidade conjuntural.
Retomando o plano do conteúdo sob a forma de um percurso gerativo de
sentido, sucintamente, tem-se no nível fundamental as oposições semânticas
opressão (tematizada por socialismo, comunismo, dirigismo estatal e anacronismo)
versus liberdade (tematizada por ‘neo’ liberalismo, economia de mercado,
modernidade e livre iniciativa). Essas oposições, ao longo das edições analisadas
vão se repetindo e corroborando a tese da opressão ineficaz da ação do Estado na
economia.
O fim dos regimes socialistas no Leste europeu marcam a passagem da
disforia socialista no mundo para a euforia da economia liberal.
127
No nível das estruturas narrativas, surgem o(s) sujeito(s) do fazer a partir
dos elementos das oposições semânticas, que passam a ser assumidos como
valores e a circular pela ação dos próprios sujeitos. Lula é o sujeito que assume os
valores da opressão, tematizados pelo socialismo, e, por contraste, Collor representa
os valores tematizados pela liberdade neoliberal.
No nível das estruturas discursivas, as seqüências caracterizadas pelas
oposições comunismo versus democracia, liberdade versus tirania intervencionismo
estatal versus economia de mercado e Lula versus Collor.
Do ponto de vista da sintaxe discursiva, ou seja das relações entre
enunciador e enunciatário e enunciador e texto, criaram-se dispositivos diversos de
ilusão de verdade, produzidos pelo distanciamento e imparcialidade jornalísticos e
pela incorporação de diferentes saberes (técnico, econômico, histórico e social),
utilizados ideologicamente pela revista Veja para legitimar seu discurso perante o
público leitor / eleitor.
Com essa trajetória do percurso gerativo de sentido do texto, Veja
(enunciador), pretende criar no leitor / eleitor (enunciatário), a quem se atribui a
valorização da liberdade, propriedade, livre iniciativa, certos tipos de expectativa
baseados na pressuposição de que a vitória de Lula implicaria relações de disjunção
com tais valores positivos. Ao fazer isso, a revista, na qualidade de destinado-
manipulador, tem por objetivo dotar o leitor / eleitor da competência necessária para
saber por que rejeitar o candidato Lula e a querer fazê-lo.
O ator Lula, cuja manifestação ocorre por meio de um discurso socializante,
estatizante e anacrônico, é na verdade uma projeção do sujeito da enunciação, ou
seja, da própria Veja que tem por pretensão fazer com que o leitor creia nos valores
do destinador ou por ele determinados, para que se deixe manipular.
128
A revista Veja estabeleceu um contrato para persuadir e convencer o leitor /
eleitor, através da intimidação, a querer-fazer, a dever-fazer e a poder-fazer não
votar no candidato Lula.
Finalmente resta responder:
6.3 DE QUAIS INTERESSES E IDÉIAS VEJA É PARTÍCIPE?
Pelas análises realizadas nessa dissertação, não é difícil concluir que a
revista Veja, enquanto empresa de capital, se mostrou muito mais preocupada com
a defesa da economia de mercado, das privatizações, da minimização do papel do
Estado em todas as instâncias sociais, exceto a da garantia da propriedade privada
e da livre iniciativa, do que com o debate político democrático.
Em suas capas e páginas, minuciosamente construídas, dissimulou o
discurso do capital atribuindo-lhe um caráter de universalidade cujo único intento era
manipular o leitor / eleitor e torná-lo dócil à implementação de medidas
neoliberalizantes em detrimento do papel social de Estado permeado pelas
desigualdades e injustiças sociais.
129
GLOSSÁRIO
O objetivo desse glossário é esclarecer alguns termos relacionados à
semiótica que, talvez, possam causar alguma dificuldade ao leitor não familiarizado
com a teoria. Todas as definições transcrições do vocabulário crítico do livro Teoria
semiótica do texto de Diana L. P. de Barros, citado nas referências.
Actante: é uma entidade sintática da narrativa que se define como termo resultante da relação transitiva, seja ela uma relação de junção ou de transformação.
Ator: é uma entidade do discurso que resulta da conversão dos actantes narrativos,
graças ao investimento semântico que recebem no discurso. O ator cumpre papéis actanciais, na narrativa, e papéis temáticos, no discurso.
Competência: é um tipo de programa narrativo, em que o destinatário-sujeito recebe
do destinador a qualificação necessária à ação. Conteúdo (plano do): é um dos planos da linguagem que é veiculado pelo plano da
expressão, com o qual mantém relação de pressuposição recíproca. Destinador: é o actante narrativo que determina os valores do jogo e que dota o
destinatário-sujeito da competência modal necessária ao fazer (destinador-manipulador) e o sanciona, recompensando-o ou punindo-o pelas ações realizadas (destinador-julgador).
Destinatário: é o actante narrativo manipulado pelo destinador, de quem recebe a
competência modal necessária ao fazer, e é por ele reconhecido, julgado e punido ou recompensado, segundo as ações que realizou.
Disforia: é um dos termos da categoria tímica euforia vs, disforia, categoria que
modifica as categorias semânticas. A disforia marca a relação de desconformidade do ser vivo com os conteúdos representados.
Enunciação: é a instância de mediação entre as estruturas narrativas e discursivas
que, pressuposta no discurso, pode ser reconstruída a partir de pistas que nele espalha; é também mediadora entre o discurso e o contexto sócio-histórico e, nesse caso, deixa-se apreender graças às relações intertextuais.
Enunciado: é o objeto-textual resultante de uma enunciação. Enunciador: desdobramento do sujeito da enunciação, o enunciador cumpre os
papéis de destinador do discurso e está sempre implícito no texto, nunca nele manifestado.
130
Enunciatário: uma das posições do sujeito da enunciação, o enunciatário, implícito,
cumpre os papéis de destinatário do discurso. Euforia: é um dos termos da categoria tímica euforia vs, disforia, categoria que
modifica as categorias semânticas. A euforia estabelece a relação de conformidade do ser vivo com os conteúdos representados.
Expressão (plano da): suporta ou expressa o conteúdo, com o qual mantém uma
relação de pressuposição recíproca. Figura: é um elemento da semântica discursiva que se relaciona com um elemento
do mundo natural, o que cria, no discurso, o efeito de sentido ou a ilusão da realidade.
Figurativização: é o procedimento semântico pelo qual conteúdos mais “concretos”
(que remetem ao mundo natural) recobrem os percurso temáticos abstratos. Isotopia: é a reiteração de quaisquer unidades semânticas (repetição de temas ou
recorrência de figuras) no discurso, o que assegura sua linha sintagmática e sua coerência semântica.
Manipulação: o percurso narrativo da manipulação ou percurso narrativo do
destinador-manipulador é aquele em que o destinador atribui ao destinatário-sujeito a competência semântica e modal necessárias à ação. Há diferentes modos de manipular, e quatro grandes tipos de figuras de manipulação podem ser citados: a tentação, a intimidação, a provocação e a sedução.
Perfórmance: é o programa narrativo que representa a ação do sujeito que se
apropria, por sua própria conta, dos objetos-valor que deseja. Sujeito: é o actante sintático da narrativa que se define pela relação transitiva de
junção ou de transformação que o liga ao objeto e graças a que o sujeito se relaciona com os valores. Enquanto actante funcional, o sujeito caracteriza-se por um conjunto variável de papéis actanciais, em que ocorrem algumas determinações mínimas, tais como os papéis de sujeito competente para ação e de sujeito realizador da prefórmance.
Tema: é um elemento da semântica narrativa que não remete a elementos do
mundo natural, e sim às categorias “lingüísticas” ou “semióticas” que o organizam.
Tematização: é o procedimento semântico do discurso que consiste na formulação
abstrata dos valores narrativos e na sua disseminação em percursos, por meio da recorrência de traços semânticos.
131
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