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 FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM  FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO PAULO WARSCHAUER Heidegger e o Nada A nadificação ou uma abertura para o Ser? SÃO PAULO 2011
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Dissertacao Paulo Warschauer

Oct 12, 2015

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  • 5/21/2018 Dissertacao Paulo Warschauer

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    FACULDADE DE SO BENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EMFILOSOFIA

    MESTRADO ACADMICO

    PAULO WARSCHAUER

    Heidegger e o Nada

    A nadificao ou uma abertura para o Ser?

    SO PAULO

    2011

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    FACULDADE DE SO BENTO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

    MESTRADO ACADMICO

    Heidegger e o Nada

    A nadificao ou uma abertura para o Ser?

    Paulo Warschauer

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao Stricto Sensu em Filosofiada Faculdade de So Bento do Mosteiro de

    So Bento de So Paulo, como requisito

    parcial para a obteno do ttulo de

    Mestre em Filosofia.

    rea de Concentrao: Histria da

    Filosofia.

    Coordenador:Prof. Dr. Djalma Medeiros.

    Orientador: Prof. Dr. Jos Carlos Bruni.

    SO PAULO

    2011

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    Paulo Warschauer

    Heidegger e o Nada

    A nadificao ou uma abertura para o Ser?

    Dissertao apresentada na Faculdade de

    So Bento, como requisito parcial para a

    obteno do ttulo de Mestre em Filosofia.

    Coordenador:Prof. Dr. Djalma Medeiros.

    Orientador:Prof. Dr. Jos Carlos Bruni.

    Data da Aprovao: _____/ _____/ ________

    Banca Examinadora:

    _______________________________________________Prof. Dr. Jos Carlos BruniUniversidade de So Paulo, USP

    _______________________________________________Prof. Dr. Franklin Leopoldo e SilvaUniversidade de So Paulo, USP

    _______________________________________________Prof. Dr. Newton Gomes PereiraUniversidade de Paulo, USP

    SO PAULO

    2011

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    Dedico aos meus pais,

    Claus e Aurora

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais por tudo e pela formao que me propiciaram.

    A todos os professores de quem pude receber ensinamentos. E a todos que me apoiaram.

    Agradeo em especial ao meu orientador Professor Doutor Jos Carlos Bruni, pelos

    ensinamentos, incentivo e amizade, e profundidade de sua meditao filosfica que me

    ensina pelo exemplo.

    Agradeo ao Professor Doutor Franklin Leopoldo e Silva, pelas excelentes aulas, pelas

    orientaes na qualificao, e pela postura amiga e valorativa do potencial de seus alunos.

    Ao Professor Doutor Newton Gomes Pereira, cujas indicaes diretas, na qualificao, a

    respeito das lacunas em meu trabalho, deram-me oportunidade de complet-lo e enriquec-lo.

    Em especial agradeo in memoriam Professora Mestra Maria Elisa de Oliveira, que desde

    2007 no curso de graduao soube me incentivar na ento apresentao do seminrio sobre O

    instante potico e o instante metafsico deGaston Bachelard, e que se manifestou disponvel

    para me apoiar nos anos seguintes. O referido seminrio foi de fato a sementedo presente

    trabalho. Querida professora, saudoso quero prestar minhas homenagens.

    Agradeo aos Diretores da Faculdade de So Bento e ao Professor Doutor Djalma Medeiros,coordenador do Programa de Ps Graduao Strictu Sensu, sempre disponvel no

    conhecimento e na amizade. Agradeo a todos os professores da Faculdade de So Bento. De

    cada um levo os ensinamentos, a amizade e o exemplo de humanidade.

    Agradeo a todos os meus amigos e colegas da Faculdade de So Bento, da graduao e do

    mestrado, pela simpatia e estmulos que foram essenciais para que eu chegasse a concluir esse

    trabalho.

    Ao amigo Luiz G. G. Zanetti por todo estmulo e amizade e Profa. Dra. Olgria C. F. Matos

    que, havendo generosamente lido e comentado o esboo inicial deste trabalho, ajudou-me a

    acreditar que eu seria capaz de empreend-lo.

    Em especial quero agradecer minha esposa Ana Clia Rodrigues, companheira de todas as

    horas e em tudo participante dessa incrvel jornada da vida.

    Aos meus filhos Daniel e Beatriz, presentes do Cu, agradeo por todo apoio e incentivo e

    pelo interesse que manifestam em relao ao conhecimento e filosofia. Desejo que essetrabalho tambm contribua para suas escolhas na vida, e que sejam felizes!

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    O nada, enquanto o outro do ente, o vu do ser.

    O que Metafsica?in Heidegger, 1973, p.249

    Devemos armar-nos com a disposio nica deexperimentarmos no nada a amplido daquilo que

    garante a todo o ente (a possibilidade de) ser.

    O que Metafsica?in Heidegger, 1973, p.246

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    RESUMO

    O tema constante ao longo de todo pensamento de Heidegger a questo do ser. Ele verifica

    que em nossa cultura, o ser foi esquecido, pois tudo considerado, pelos sujeitos, como

    objetos, ou seja, na realidade tudo considerado como entes. Nesse contexto, quando os

    sujeitos, em nossa cultura, se referem ao nada, de fato querem dizer nada do que seja ente.

    E ento nesse nadaest escondido o ser: O nada, enquanto o outro do ente, o vu do ser.

    (HEIDEGGER, 1987, p.249)

    Assim, o nada constantemente referido por Heidegger. Seguimos essas referncias e

    encontramos o mundo do habitar humano. Passamos pela reflexo a respeito do problema

    crucial de nossa poca, a saber, o de superar o niilismo.E seguimos Heidegger na anlisefenomenolgica da estrutura do Dasein (ser-a) humano, inclusive no que tange sua

    situao, enquanto um ser que sabe que ir morrer. A partir de ento seguimos o pensamento

    e o mtodo fenomenolgico de Heidegger na direo que pesquisa o fundamento do ser

    humano e o fundamento do prprio ser. A seguir o nada nos levou abordagem de

    Heidegger, relativa poesia e ao habitar humano.

    Por outro lado, inserimos as referncias pouco conhecida e polmica relao de Heidegger

    com o pensamento oriental, a qual perdurou durante cinqenta anos. Um ponto fundamentalda reflexo de Heidegger, sobre o pensamento e as artes no oriente, justamente o nada.

    O pensamento de Heidegger est sempre nos limites da expresso da linguagem, mesmo

    porque pensar o ser j implica em procurar expressar pela linguagem aquilo que a transcende.

    A poesia relaciona-se ao fundamento ltimo do ser humano, a saber, a liberdade e uma

    abertura para o ser. O poeta, enquanto um homem que exerce plenamente essa liberdade, pode

    abrir as novas possibilidades para os demais. A poesia e as artes constituem uma forma de

    linguagem que deixa aberto o espao do ser, que o espao do sagrado. Assim, no presentetrabalho, analisamos inclusive as relaes do nada e o sagrado, em Heidegger.

    Finalmente mostramos que Heidegger identifica o projetocomo parte da estrutura ontolgica

    do homem (Dasein). Ou seja, na sua situao originria o homem no tem acesso imediato a

    seu ser-si-mesmo e, necessariamente se projeta para as perspectivas que se lhe abrem. E, no

    projeto e no projetar-se, justamente onde o homem pode vir a conhecer o seu serque lhe

    mais prprio.

    Palavras Chave: Heidegger, Ser, Nada, Ontologia, Meontologia, Niilismo, Poesia,Pensamento Oriental, Projeto.

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    ABSTRACT

    The constant theme throughout Heidegger's thought is the question about the being. He notes

    that in our culture, the beinghas been forgotten, because everything is considered by subjects

    as objects, that is, in reality everything is considered as entities. In this context, in our culture,

    when the subjects refer to the nothing, they realy mean "nothing of what are entities." And so,

    in this nothing, the being is hidden, "The nothing, while the other in respect of the entities, is

    the veil of the being." (Heidegger, 1987, p.249)

    Thus, Heidegger will refer constantly to the nothing. We follow these references and we

    found the world of human dwell. We passed by the reflection on the crucial issue of our time,

    namely, overcome nihilism. And we follow Heidegger's phenomenological analysis of the

    structure of human Dasein (being-there), including those related to his situation as a being

    who knows that he will die. Since then, we followed Heidegger's phenomenological method

    towards the research the fundaments of the human being and the fundaments of being itself.

    Then, the nothingled us towards the Heideggers approach on poetry and the human dwell.

    On the other hand, we inserted the references to the, little-known and controversial,

    Heideggers relationship with the Eastern thought, which lasted for fifty years. A key point of

    Heidegger's reflection, on the thought and the arts, in the East is justly the nothing.

    The thought of Heidegger is there always at the limits of the language expression, because, to

    think about the being, already implies seek to express, through language, what transcends

    language itself. Poetry is related to the ultimate foundation of human beings, namely, the

    freedom and an openness towards the being. The poet as a man, who fully exercises this

    freedom, can open new possibilities for the others. The poetry and the arts are a form of

    language that leaves an open space, that is, the space of the being, namely, the space of the

    sacred. Thus, in addition, in the present study, we analyzed the relationship of sacred andnothing, in Heidegger.

    Finally we showed that Heidegger identifies theprojectas part of the ontological structure of

    human (Dasein). That is, in his original condition, the human has no immediate access to his

    being-his-own-himself and necessarily protrudes himself into the perspectives that he find

    opened to him. And, justly, it is in the project and in projecting himself, that the human might

    to know better his own being himself.

    Keywords:Heidegger, Being, Nothing, Ontology, Meontologia, Nihilism, Poetry,Eastern Thought, Project.

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    SUMRIO

    1. INTRODUO ....................................................................................................... 1

    1.1. ARTICULAES .................................................................................... 2

    1.2. NOTA DE TRADUO E EXPLICATIVA DODASEIN ..................... 12

    2. O PROBLEMA DO NADA ................................................................................... 16

    2.1. O NADA EM QUE METAFSICA? ................................................... 16

    2.2. SUPERAR O NIILISMO EM O PROBLEMA DO SER .................... 23

    2.3. O NADA E A MORTE ............................................................................ 32

    3. O NADA, FUNDAMENTO E VERDADE .......................................................... 383.1. ALM DA LGICA, O NADA ............................................................. 38

    3.2. O NADA E FUNDAMENTO ................................................................. 41

    3.3. NADA E VERDADE ............................................................................. 48

    3.4. O MTODO FENOMENOLGICO .................................................... 52

    4. O NADA, A POESIA E O HABITAR ................................................................. 68

    4.1. O NADA E A POESIA ........................................................................... 71

    4.2. A POESIA E O HABITAR ................................................................... 74

    4.3. O NADA, POESIA E PENSAMENTO .................................................. 80

    5. O NADA E O ORIENTE DE HEIDEGGER ....................................................... 82

    5.1. O ENCONTRO COM O VAZIO NO TAOISMO .................................. 85

    5.2. O ENCONTRO COM O VAZIO NO ZEN BUDISMO .......................... 91

    6. O NADA E O SAGRADO ..................................................................................... 103

    7. O NADA E O PROJETO ...................................................................................... 110

    7.1. O PROJETO ............................................................................................ 110

    7.2. O PROJETAR-SE ................................................................................... 116

    8. CONCLUSO ........................................................................................................ 120

    9. ADENDO SOBRE AS OBRAS DE HEIDEGGER ............................................... 123

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................... 132

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    1. INTRODUO

    Martin Heidegger (1889-1976) foi o autor cuja obra teve o maior nmero de anlises e

    interpretaes publicadas neste sculo (SAFRANSKI, 2000, p.507)

    Neste trabalho no pudemos nos estender sobre toda a obra do que foi o maior filsofo do

    sculo (STEIN, 2000, p.13), mas nos focalizamos na questo do Nada. Contudo a prpria

    questo do Nada se encontra em boa parte da obra de Heidegger nos diferentes perodos de

    sua evoluo. Desse modo estaremos focalizando diferentes obras em diferentes perodos sem

    a pretenso de completude. O objetivo do presente trabalho limita-se a fornecer ao leitor uma

    viso panormica da questo do nada na obra de Heidegger. Aprofundamentos tais como com

    relaes a origens do pensamento e relaes com outras obras sero feitas somente parapropiciar ao leitor um mnimo de circunstncias dos temas tratados. Esperamos que o tema

    aqui apresentado desperte no leitor o interesse sobre aspectos da obra de Heidegger alm

    daqueles tratados aqui. Para maiores aprofundamentos indicamos as obras na bibliografia.

    O tema de toda a obra de Heidegger a pergunta pelo Ser. A princpio Heidegger busca o Ser

    a partir da investigao da natureza do prprio homem, designado de Dasein1, pois o ente

    privilegiado que pode saber de seu prprio ser:

    ODaseinno apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contrrio,

    do ponto de vista ntico, ele se distingue pelo privilgio de, em seu ser, isto

    , sendo, estar em jogo seu prprio ser. Mas tambm pertence a essa

    constituio de ser do Daseina caracterstica de, em seu ser, isto , sendo,

    estabelecer uma relao de ser com seu prprio ser. Isso significa,

    explicitamente e de alguma maneira, que o Dasein se compreende em seu

    ser, isto , sendo. prprio deste ente que seu ser se lhe abra e manifeste

    com e por meio de seu prprio ser, isto , sendo. A compreenso do ser em

    si mesma uma determinao do ser doDasein. (HEIDEGGER, 1988. p.38)

    Nesse contexto Heidegger identifica que o homem afastou-se do Ser na medida em que

    passou a considerar as coisas como objetos. O homem passou a considerar apenas os entes e

    no tem mais acesso ao Ser dos entes. Nessa situao, simplificadamente falando, o homem se

    1Para designar o homem Heidegger utiliza o termo alemo D, e com isso evita uma leitura de homem

    no sentido do uso vulgar e aponta para a constituio ontolgica desse ente homem que ir investigar.Seremos fieis s tradues dos textos utilizados a exceo dos termos utilizados para traduzir o termo D,

    conforme explicado, nesta dissertao, no item 1.2. NOTA DE TRADUO.

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    refere ao Nada quando quer dizer nada de tudo o que considera. Contudo justamente por

    no considerar os Ser dos entes, o Ser est justamente no nada a que a linguagem se refere.

    1.1. ARTICULAES

    A seguir apresentaremos o modo como os diversos itens, relacionados no sumrio da presente

    dissertao, articulam-se. O objetivo caracterizar o que Heidegger tem em mente, ao se

    referir ao nada, mostrando como a questo do nadase apresenta e repercute em grande parte

    do pensamento heideggeriano e nos prprios fundamentos.

    Ou seja, questes como: Que o niilismo? Que a poesia? E ainda: Que verdade? Que o

    sagrado? Que projeto? Esto desenvolvidas nesse trabalho, mostrando como o nada se

    apresenta na obra de Heidegger, e indicam tambm as perspectivas abertas por essaabordagem.

    Tivemos como objetivo tornar acessvel ao leitor o entendimento do conceito do nada, a partir

    do prprio Heidegger. Dessa forma priorizamos dar voz a Heidegger por meio de citaes que

    selecionamos e encadeamos, visando facilitar o entendimento e dar uma viso geral, da forma

    mais simples que nos foi possvel. As citaes de comentaristas ou comentrios prprios

    ficaram, portanto, reduzidos ao mnimo indispensvel para o entendimento.

    No item 2.1., iniciamos com a obra Que Metafsica? 2,(HEIDEGGER, 1973, p.231-242),

    pois essa obra nos d acesso imediato ao modo como Heidegger caracteriza a questo do

    nada.

    Em seguida, no item 2.2., apresentamos a obra Sobre o Problema do Ser (HEIDEGGER,

    1969) que aborda a questo do niilismo. Esse texto nos permite mostrar a necessidade e

    urgncia do pensamento a respeito do nada. Selecionamos esse texto para evidenciar que a

    discusso do texto Que Metafsica?, referido acima, no trata de uma discusso acadmica

    ou como uma necessidade restrita curiosidade dos filsofos. Assim, o segundo item de nossa

    dissertao pretende, desde logo, mostrar ao leitor que o tema do nada se refere, de modo

    fulcral, realidade mesma de nossa vida. O tema representa uma necessidade e uma urgncia,

    quando considerado o niilismo e suas implicaes para o mundo humano. O niilismo refere-se

    a todos enquanto um problema do desenvolvimento da cultura humana. Se a origem se deu no

    ocidente, agora o problema est globalizado. Por outro lado um problema que afeta a cada

    2O texto inicial de M foi resultado da aula inaugural pblica em 24 de julho de 1929, quando

    Heidegger estava assumindo a ctedra de Filosofia em Freiburg, vaga com a aposentadoria de Edmund Husserl.

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    um, no sentido de que, se h uma impossibilidade de alterar o curso da histria, fundamental

    que os indivduos possam se nortear frente conjuntura que se impe.

    Assim, na obra Sobre o Problema do Ser,Heidegger retoma a questo do nada, utilizando,

    como instrumento de interlocuo, o ensaio de Ernest Jnger, Sobre a Linha. Em Sobre a

    Linha, Jnger aborda ao niilismo e reflete a respeito dos meios de sua superao. Heidegger

    assim se refere linha concebida por Jnger: A linha zero, enquanto meridiano, possui sua

    zona. A zona do niilismo perfeito constitui a fronteira entre duas idades do mundo.

    (HEIDEGGER, 1969, p. 13).

    Heidegger considera que, o pensamento atual, focando exclusivamente a parcela do mundo

    passvel de conceituao (ou seja, os entes), vai se esvaziando da facticidade da vida eprogredindo para a nadificao. De fato, para que se possa compreender melhor os males do

    mundo atual, necessrio previamente investigar o vazio de sentido que permeia o pensar e

    o agir humano.

    (...) o movimento do niilismo tornou-se mais manifesto em seu carter

    planetrio, incontrolvel e multiforme que a tudo corri. Nenhuma pessoa

    que v claro querer ainda negar, hoje em dia, o fato de que o niilismo nas

    formas mais diversas e escondidas, o estado normal da humanidade (cf.

    Nietzsche, Vontade de Poder, nmero 23). O melhor testemunho disto so as

    tentativas que exclusivamente reagem contra o niilismo, as quais, em vez de

    se dedicarem a uma discusso de sua essncia, procuram a restaurao do

    que imperara at agora. Buscam a salvao na fuga, o que quer dizer,

    esquivam-se a contemplar intimamente a problematicidade da posio

    metafsica do homem. (HEIDEGGER, 1969, p. 21)

    Complementarmente, o terceiro item 2.3., desta dissertao, refere-se morte. Ou seja,

    complementa o tema do nada na existncia humana, mas dessa vez mostrando um Nada

    intrnseco prpria vida, ao mesmo tempo em que a ela se ope. Para isso a presente

    dissertao retorna analtica existencial de Ser e Tempo3mostrando que o tema do Nada j

    havia sido previamente analisado na obra citada a qual prepara todo o desenvolvimento do

    pensamento conseqente. Ser e Tempo mostra que a morte evidencia um dos aspectos

    constitutivos do homem, a saber, que ele no pode deixar de saber que seu ser est limitado no

    3

    Heidegger escreveu apenas um livro: . E mesmo este nasceu nas anlises em aula e nosseminrios, onde se delinearam sua forma e sentido. Todas as outras obras de Heidegger so resultado direto

    de prelees, seminrios, conferncias e ensaios. (STEIN, 2002, p.41)

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    tempo. Esse estar-limitado, e o conhecimento de que a vida finda, relacionam-se diretamente

    com a idia do Nada, e trazem a cada pessoa um as conseqentes implicaes para seu prprio

    projeto de vida.

    Cabe comentar que quisemos apresentar os elementos para o entendimento da maneira mais

    direta, visando facilitar ao leitor a compreenso dos diferentes sentidos do Nada na obra de

    Heidegger. Para isso fizemos como que um costurar na cronologia das obras de Heidegger,

    o que a nosso ver permite facilitar uma viso de conjunto da significao do Nada.

    A obra Que Metafsica?data de 1929. A obra Sobre o Problema do Ser de 1955. Ser e

    Tempo,publicado em 1927, a obra preparatria e fundamenta o pensamento subseqente.4.

    Poder-se-ia objetar que a referncia a obras distantes no tempo no leva em considerao umasuposta soluo de continuidade no pensamento de Heidegger, designada de viragem

    (Kehre), a qual se situa a partir da conferncia Sobre a Essncia da Verdade5, pensada e

    levada a pblico em 1930, porm apenas impressa em 1943. (STEIN, 2002, p.77). Contudo,

    o prprio Heidegger j esclareceu que tal virada no uma ruptura, mas sim uma mudana de

    rumo do seu pensamento decorrente da prpria natureza da investigao (STEIN, 2002, p.

    79)6. E Ernildo Stein explica ainda que as diferenas de abordagem no se sucedem na obra

    de Heidegger, mas se entrelaam. Podemos compreender que Heidegger j antes dapublicao de Ser e Tempo tinha uma idia que dizia respeito estreita relao entre a

    natureza do Ser e do Tempo.7. Na obra Ser e Tempo o projeto partir da investigao da

    4De acordo com a apresentao de Emanuel Carneiro Leo: ultrapassa de muito uma obra de

    filosofia. um marco na caminhada do pensamento pela histria do Ocidente. a questo do sentido do ser.

    No tanto o rigor sistemtico como, sobretudo, o carter provocador do questionamento fizeram a questo de

    o maior desafio para o pensar do sculo XX. (CARNEIRO LEO, 1988, p. 11)

    5O texto A Essncia da Verdade est analisado no item 3.3. desta dissertao.

    6Stein esclarece que no se trata de ruptura na unidade da obra de Heidegger. a partir de toda essa discusso

    surge a questo da unidade da obra de Heidegger que Gadamer no admite. E da questo da unidade emerge,

    tambm a discusso dos dois Heidegger (...) a resposta a essas conjecturas foi dada, em 1962, pelo prprio

    Heidegger (...). O pensamento da viravolta uma mudana de rumo em meu pensamento. Mas essa mudana

    de rumo no consequncia fundada na modificao do ponto de vista ou mesmo abandono da

    problematizao de .O pensamento da viravolta resulta do fato de eu ter permanecido junto ao

    objeto a ser pensado: Ser e Tempo, isto quer dizer que perguntei no rumo que j foi apontado em Ser e Tempo

    (...) sob o ttulo Tempo e Ser. (STEIN, 2002, pp. 8081).

    7Precisamos indicar natureza entre aspas pois aqui j faltam os recursos da linguagem para comunicar. Se

    dizemos natureza j transmitimos a idia de uma substncia para o Ser ou para o Tempo. Estaramosconferindo uma substncia ou um que (quid) ao Ser e ao Tempo. Ou seja, no o ente que est sendo objeto

    da investigao, mas o fato de que o ente . o que est sendo investigado por Heidegger e no o ente.

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    natureza do homem (Dasein) para buscar compreender o Ser, o que se baseia na constatao

    de que o ente homem tem a capacidade de compreender o Ser e portanto o estudo de sua

    natureza deveria conduzir ao prprio Ser. Esse projeto foi empreendido at o limite de mostrar

    a impossibilidade de prosseguir por essa via pois a linguagem e o pensamento encontram a

    uma limitao. Proponho a imagem de uma jornada em que a direo continuar sendo a

    mesma, mas a trilha terminou e portanto a forma de prosseguir ser reformulada. A viragem

    diz respeito ao modo de abordagem e no no seu objetivo, tanto que o pensamento ulterior

    sempre retorna a determinadas compreenses obtidas no modo anterior de investigao.8

    Sendo assim que devemos destacar o notrio encadeamento no contedo das trs obras de

    referncia nos primeiros itens dessa dissertao, embora entre elas j haja a diferena de

    abordagem relativa viragem acima referida. Em O problema do Ser,Heidegger se refere

    explicitamente obra Que Metafsica9. Em Sere Tempoj est preparada toda uma anlise

    do Nada, retomada em Que Metafsica. O prprio modo do pensamento desenvolvido e

    fundamentado em Ser e Tempotem por base o nada10.

    8Ernildo Stein, na I M F H : A estrutura circular da

    interrogao heideggeriana levao ao que chamar de viravolta (K). Na estrutura circular do D se

    revela que a anlise do D pressupe uma compreenso do ser; mas uma compreenso do ser supe,

    quando quer ser explcita, uma analtica do D, de incio reduzida ao mbito da analtica, se converte em

    movimento na histria de um pensamento pelo qual este se volta para o ser. C K

    ( ) na obra do filsofo, mas se entrelaam, destacandose um ou outro, conforme se

    queira enfatizar o problema do Dou o problema do ser. Se aps o movimento Ko filsofo retorna

    como que sua primignia inspirao, que reside na , no se pode falar de arbitrariedade. ainda o

    impulso originrio da , como velamento e desvelamento, que comanda a reflexo do ltimo Heidegger.

    Assim, , fenomenologia, crculo hermenutico, viravolta, podem ser designados: o momento da

    ecloso, o mtodo, a estrutura e o movimento da interrogao heideggeriana. (HEIDEGGER, 1973, p. 292).

    9

    No prefcio a Heidegger se refere explicitamente obra M?: Deacordo com a tradio, a filosofia entende por problema do ser a pergunta pelo ente enquanto ente. Ela a

    pergunta da metafsica. A resposta a esta pergunta se refere sempre a uma explicitao do ser, que elimina

    toda problematicidade e que prepara o fundamento e o cho para a metafsica. A metafsica no retorna a seu

    fundamento. Este retorno elucidado pela Introduo a Que Metafsica?. que precede, desde a quenta

    edio(1949), o texto da conferncia. (HEIDEGGER, 1969, p.11)

    10 O prprio pensamento de Heidegger, inaugurado em Ser e Tempo tem por base o nada, tal como

    apresentado por Emanuel Carneiro Leo: Mas que significa aqui pensar? (...) por e para poder representar, o

    que possibilita a representao (...) em todo o pensamento se d algo que no somente no pode ser pensado

    como, sobretudo e em tudo que se pensa, significa pensar, isto , faz e torna possvel o pensamento. Este no

    pensado, que nunca poder ser pensado, ,pois, um ( ). Mas no um nada somente negativo,nem um nada somente positivo e nem uma mistura, com ou sem dialtica, de negativo e positivo. Mas ento

    que nada este? Um nada somente criativo (...) (CARNEIRO LEO, 1988, pp. 1112)

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    Retornando explicao do encadeamento dos itens da presente dissertao, caminhamos no

    item 3 em direo aos fundamentos da prpria realidade. Acompanhamos Heidegger em trs

    obras que abordam respectivamente a Lgica, o Fundamento e a Verdade. O trabalho tomou

    esse rumo tendo-se em conta que os itens precedentes nos colocam em uma situao de

    perplexidade que nos dispem a uma investigao na direo dos fundamentos do nosso

    pensar e existir. Ou seja, os itens precedentes entre outros aspectos nos trazem conscincia

    duas situaes sem sada: Por um lado a humanidade caminha em um rumo niilista e nada

    podemos fazer; por outro lado cada um de ns sabe que tem um prazo de vida limitado.

    certo que esse prazo, mesmo que indeterminado, limitado e nada podemos fazer.

    Constrangidos por esses limitantes das esferas cultural e individual, nos trs primeiros itens

    pudemos compreender, inclusive, que no estamos tomando a realidade em sua plenitude, a

    saber, tomamos a realidade apenas em seus entes e no em seu Ser. E assim, imobilizados nas

    direes s quais comumente nos projetamos, tornamo-nos ento dispostos a empreender, no

    citado item 3., uma jornada rumo ao que esteja em um mbito mais original. Como sempre,

    do espanto e da perplexidade inicia-se a filosofia. Mobilizados pelas perguntas dos porqus e

    do como, iniciamos a necessria atividade de anlise do que poderamos chamar de o galho

    em que estamos sentados.

    Como j havamos nos referido acima, em Que Metafsica?Heidegger analisa o que o

    Nada com a inteno de ir alm do ente na direo do Ser. Nossa interrogao pelo nada tem

    por meta apresentar-nos a prpria metafsica. (...) que vai meta trans alm do ente

    enquanto tal. (HEIDEGGER, 1973, p.240).

    Devido a esse texto inicial de 1929, Que Metafsica?, Heidegger foi interpretado como

    niilista. Em resposta, quatorze anos depois, Heidegger publicou o Posfcio para essa obra em

    1943. E trs anos mais tarde, publicou, ainda para a mesma obra, a Introduo, em 194911.

    Assim, o item 3 da presente dissertao retoma o texto Que Metafsica? focando agora o

    citado Posfcio de 1943. Nesse texto Heidegger defende-se da crtica de que a preleo toma

    posio contra a lgica. Essa defesa est apresentada no item 3.1. da presente dissertao sob

    o ttulo Alm da Lgica, o Nada.

    Nesse sentido, o item 3.1 facilita a compreenso da relao entre o pensamento, apresentado

    em Que Metafsica? (item 2.1. da presente dissertao) e os itens 3.2 e 3.3. relativos

    11 A presente dissertao utilizou a publicao de 1973 da Editora Abril (HEIDEGGER, 1973), na qual os trs

    trabalhos foram publicados em ordem cronolgica.

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    essncia do fundamento e da essncia da verdade, respectivamente. Ou seja, ressalta a

    necessidade da superao da lgica para a investigao da essncia do fundamento e,

    portanto, prepara a abordagem dos itens subseqentes. Concomitantemente pudemos

    esclarecer, neste item 2.1., a respeito do pensamento originrio, para alm da lgica e de sua

    relao com o nada: O pensamento originrio o eco do favor do ser pelo qual se ilumina e pode

    ser apropriado o nico acontecimento: que o ente . (HEIDEGGER, 1987, p.248). O qual pensamento

    ser possvel na considerao do nada porquanto: O nada, enquanto o outro do ente, o vu do ser.

    (HEIDEGGER, 1987, p.249).

    Passando ento para os itens 3.2 e 3.3. desta dissertao, a anlise dos textos Sobre a essncia

    do fundamento (HEIDEGGER, 1973, p.291-323) e Sobre a essncia da verdade,

    (HEIDEGGER, 1973, p.326-343) revela as relaes com o mesmo nadafocalizado no texto

    Que Metafsica?.

    Investigando a essncia do fundamento, Heidegger nos mostra que essencialmente o

    fundamento est na capacidade humana de transcender-se a si e aos entes, observando-se,

    contudo que essa ultrapassagem no se d no sentido de que um sujeito ultrapassa uma

    barreira. A ultrapassagem refere-se ao fato de que o homem, em seu fundamento situa-se

    antes da diferenciao sujeito-objeto e antes da diferena entre ser e ente.

    (...) no se deixa tambm a transcendncia determinar mais como relao

    sujeito-objeto. (...) O que ultrapassado justamente unicamente o ente

    mesmo, (...), tambm e justamenteo ente que ele mesmo enquanto existe.

    (HEIDEGGER, 1973, p. 301).

    E a referida transcendncia est em direta relao com o que est explicado sobre o nada em

    Que Metafsica?:

    Se oDasein, nas razes de sua essncia, no exercesse o ato de transcender, eisto expressamos agora dizendo: se o Dasein no estivesse suspenso

    previamente dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relao com o ente

    e, portanto, tambm no consigo mesmo.

    Sem a originria revelao do nada no h ser-si-mesmo, nem liberdade.

    (HEIDEGGER, 1973, p. 239).

    Na seqncia, no item 3.3., a essncia da verdade se mostra sob as mesmas consideraes

    relacionadas essncia do fundamento analisada no item 2.2. porquanto no considera a

    relao sujeito objeto: A verdade no uma caracterstica de uma proposio conforme,

    enunciada por um sujeito relativamente a um objeto (...) a verdade o desvelamento do ente.

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    (HEIDEGGER, 1973, p.337). Assim, a essncia da verdade no a verificao de uma

    caracterstica relativa a um ente. A essncia da verdade mais originria: aquilo que torna

    possvel a conformidade possui um direito mais original de ser considerado como essncia da

    verdade (HEIDEGGER, 1973, p.334).

    E o que possibilita o desvelamento do ente como tal? Heidegger identifica como a liberdade.

    Mas liberdade entendida no como o arbtrio humano que dispe da liberdade, mas como a

    liberdade que possui o homem, e isso to originariamente que somente ela permite a uma

    humanidade inaugurar a relao com o ente em sua totalidade (...) (HEIDEGGER, 1973,

    p.337). A liberdade a que se refere Heidegger se relaciona com o mesmo estar suspenso no

    nada acima referido e que permite ao homem a abertura para o ente: a liberdade o

    abandono ao desvelamento do ente como tal. (HEIDEGGER, 1973, p.337). A liberdade em

    face do que se revela no seio do aberto deixa que cada ente seja o ente que (HEIDEGGER,

    1973, p.336). graas liberdade que o homem se coloca sem pressupostos diante do ente.

    O item 3.4 faz um parntesis para abordar os aspectos metodolgicos. Trata de uma

    introduo metodologia que visa dar uma primeira idia ao leitor da especificidade do

    pensamento heideggeriano e de sua insero dentro do desenvolvimento da filosofia

    ocidental. No pretendemos ser completos, o que estaria muito alm dos objetivos e

    possibilidades do presente trabalho.

    Retomando a seqncia da exposio, a partir do item 3 fica claro que o pensamento de

    Heidegger est nos limites da possibilidade da linguagem. Em sua busca , ele encontra na

    liberdade o fundamento da situao do homem.

    Portanto o citado item 3.3. prepara a compreenso do item 4. Que se refere ao Nada, Poesia

    e ao Habitar, no qual est dito que o homem que mais plenamente exerce a liberdade o

    poeta. Quanto mais potico um poeta, mais livre, seja, mais aberto e preparado para acolhero inesperado o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o

    escuta. (HEIDEGGER, 2006, p. 168).

    A passagem para o potico em Heidegger relaciona-se ento com a verificao de que a

    verdade encontra-se no desvelar do ente, graas a uma abertura do homem, capaz de situ-lo

    na escuta sem qualquer pr-conceito, pois ele tem como fundamento a liberdade.

    E em seguida nos referimos ao habitar no sentido do habitar originrio instaurador da

    possibilidade de edificar a moradia na terra. Sendo o poeta aquele que inaugura as

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    possibilidades do habitar humano, bem se v que a idia de poesia bem diferente daquela

    que se toma no ordinrio:

    A poesia ou bem negada como coisa do passado, como suspiro nostlgico,

    como vo irreal e fuga para o idlico, ou ento considerada como parte de

    nossa literatura. (...)

    Se, de antemo, a poesia apenas possui existncia na forma do literrio,

    como pode o habitar humano fundar-se no potico? (HEIDEGGER, 2006,

    p.167)

    Bem ao contrrio, Heidegger identifica que a verdadeira poesia a que cumpre sua essncia.

    Ou seja, a poesia no um acessrio de nossa vida mas, ao contrrio, o que inaugura e

    renova a vida mesma.

    O homem no habita somente porque instaura e edifica sua morada

    sobre esta terra, (...). O homem s capaz de construir nessa

    concepo porque j constri no sentido de tomar poeticamente uma

    medida.(HEIDEGGER, 2006, p. 178)

    E tambm com relao ao mrito, a atividade do poeta se diferencia das atividades que o

    homem realiza na terra por esforo prprio a exemplo do construir, cuidar, empreender.Mostramos que, conforme Heidegger, o poetizar no implica em mrito mas sim em ddiva:

    No poema de Hlderlin diz:

    Cheio de mritos, mas poeticamente

    o homem habita esta terra (...)12(HEIDEGGER, 2006, p.257)

    Portanto o habitar poeticamente tem outra natureza cujo mrito no atribuvel ao homem. A

    atividade do poeta no advm dele, mas o transcende.

    Mas, qual a essncia da poesia? Quem a determina? Pode-se deduzir essa

    essncia dos muitos mritos do homem sobre a terra? (...). Mas segundo a

    expresso do poeta (Hlderlin) o potico se ope a todo mrito e no

    constitui parte do mrito do homem. (HEIDEGGER, 1983, p.110)

    Desse modo a presente dissertao acompanha Heidegger em um caminho em que ele acaba

    por identificar no homem (enquanto poeta) um papel de mediador:

    12Do original alemo: Voll Verdienst, doch dichterisch wohnet/ Der mensch auf dieser Erde. ()(HEIDEGGER,

    2006, p.256)

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    No entanto agora entendemos a poesia, como o nomear fundador dos deuses

    e da essncia das coisas. Potica a existncia em seu fundamento o que

    implica ao mesmo tempo: enquanto fundada (fundamentada) no nenhum

    mrito, seno uma ddiva. (HEIDEGGER, 1983, p.62)

    Nesse ponto clara a articulao deste item 4. com o item 6. da presente dissertao, ou seja,

    o habitar poeticamente liga-se diretamente a um espao do sagrado. No item 4.3, a respeito de

    poesia e pensamento, explicitamos essa relao com o Sagrado numa referncia ao posfcio

    de Que Metafsica: O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado. (...) o poetar e o

    reconhecer e o pensar esto referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados.

    (HEIDEGGER, 1973, p. 249).

    Julgamos que esse item 6. (O Nada e o Sagrado) fundamental, inclusive quando se trata de

    situar a perspectiva de Heidegger frente religio. Por se conduzir em um caminho

    estritamente filosfico com base fenomenolgica, a adoo de qualquer pressuposto (pr-

    conceito) iria contra a prpria metodologia da investigao. Heidegger pe em suspenso

    qualquer juzo a respeito de crena religiosa. Disso no se pode deduzir que seja ateu. Pelo

    contrrio, conforme mostra o item 6. o pensamento de Heidegger deixa aberta a possibilidade

    da considerao do divino e at mesmo a prepara: (...) o pensamento a-teu, que se sente

    impelido a abandonar o Deus da filosofia, o Deus como causa sui, est talvez mais prximo

    de Deus divino. (HEIDEGGER, 1973, p. 399). Ou seja, Heidegger considera que a

    considerao de Deus que se d a partir do conceito metafsico de uma causa primeira de si

    mesma, conduz a limitaes ao prprio compreender-Deus. Essas limitaes acabam por

    prejudicar e impedir a abertura dos homens para com Deus e dessa forma, Talvez o elemento

    mais marcante desta idade do mundo consista no rgido fechamento para a dimenso da graa. Talvez

    seja esta a nica desgraa. (HEIDEGGER, 1973, p. 366)

    Contudo visando circunstanciar melhor a abordagem do Nada e o Sagrado em Heidegger,

    julgamos indispensvel introduzir o leitor com respeito s relaes de Heidegger com o

    Oriente, dadas determinadas semelhanas na idia de vazio e de sagrado, que chegam a

    aproximar o pensamento de Heidegger mais do oriente do que da prpria filosofia ocidental.

    Essa exposio fizemos no item 5e verificamos que o tema do Nada central nessa relao.

    No deixa de ser espantoso que essa parte da biografia de Heidegger pouco conhecida,

    inclusive no est documentada pelo bigrafo Rdger Zafranski e tampouco por Hugo Ott.

    Em parte, isso se explica pelas poucas referncias que Heidegger faz sobre o oriente em seu

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    trabalho e pelo modo como apresenta sua obra baseado exclusivamente na interpretao e nos

    desdobramentos da prpria filosofia ocidental.13

    Segundo nossa compreenso o interesse de Heidegger pelo Oriente um desdobramento

    natural de seu interesse pela pergunta pelo Ser. a partir da natureza humana que ele

    empreende a investigao sobre o Ser (HEIDEGGER, 1988, p.40), e o homem oriental possui

    a princpio a mesma estrutura humana que o homem ocidental.

    Contudo, devido proximidade dos conceitos h estudos que pretendem mostrar que

    Heidegger est em dvida com o pensamento Taoista e Zen Budista (MAY, 1996)14.

    Na presente dissertao a inteno no esse tipo de avaliao, mas simplesmente apresentar

    os conceitos Orientais, a que Heidegger teve acesso, e vislumbrar as possibilidades de dilogoabertas pela obra de Martin Heidegger.

    No obstante, nossa convico que, Heidegger desenvolve seu pensamento com total

    independncia, e mostra atravs da sua extensa obra que est partindo da herana filosfica

    ocidental. Se Heidegger utilizou o pensamento e a compreenso oriental como um tipo de

    orientao para o seu prprio pensamento, tambm nos mostra sua biografia que o prprio

    pensamento teolgico ocidental orientou suas intuies. O exemplo mais notvel seria pensar

    na teologia apoftica, que nega os atributos de Deus: No procura Deus pelo que ele mas

    pelo que ele no , abrindo um caminho para a teologia mstica. A biografia nos mostra que

    Heidegger se formou dentro das instituies catlicas (ZAFRANSK, 2000). Inclusive est

    sublinhado o estreito relacionamento de Heidegger com o pensamento mstico cristo.15

    13 A esse respeito Graham Parkes questionou o Professor HansGeorg Gadamer: Se Heidegger estava to

    impressionado e entusiasmado com relao ao Taoismo durante um perodo de meio sculo, porque elesomente menciona isso duas vezes nesses cinqenta anos de publicaes de trabalhos filosficos? ao que o

    Professor Gadamer respondeu Voc deve entender que a gerao de estudiosos a que pertence Heidegger

    estaria muito relutante de dizer alguma coisa por escrito sobre uma filosofia se ele mesmo no estivesse apto a

    ler e compreender os textos em sua lngua original (PARKES, 2001, p.7).

    14Primeira publicao, 1989 na Alemanha com E : H E ,

    by Rinhard May, Stuttgart: Steiner Verlag Wiesbaden.

    15 O filsofo (Heidegger) era mestre pelo modo como sabia preservar a atmosfera de transcendncia na

    apresentao dos centrais contedos de seu pensamento. Conseguia manter essa magia e carter numinoso

    que o aproximava daquele que nisso era seu mestre: mestre Eckhart que estudava e era evocado emmomentos em que o pensamento se ocupava as dimenses msticas da condio humana (ZAFRANSKI, 2000,

    p.14).

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    Finalmente, aps a abordagem no item 6., sobre o Nada e o Sagrado, conclumos o trabalho

    com o Nada e o Projeto no item 7. Nesse item 7. mostramos que o Dasein, estando j de

    incio jogado, e no conhecedor de seu prprio fundamento, ele necessariamente se projeta na

    vista das perspectivas que se lhe abrem. Contudo no projetar-se mais prprio ele precisar

    renunciar adoo de um fundamento que no lhe seja prprio, a saber, dever assumir a

    situao de desproteo que intrnseca a todo o Dasein (CASANOVA, 2009, p.183). Isso

    corresponde a, em assumindo o seu nadacomo fundamento prprio, preservar o espao para o

    sagrado e, ratificar sua renncia no sentido de um aquiescimento impossibilidade de

    confundir o ser com um ente entre outros (...) (CASANOVA, 2009, p.183).

    1.2. NOTA DE TRADUO E EXPLICATIVA DODASEIN

    Neste trabalho procuramos nos manter fieis traduo dos textos j publicados em lngua

    portuguesa, exceo de quando se trata do termo alemoDasein, conforme explicamos logo

    a seguir. Nos textos de lngua estrangeira fizemos nossa prpria traduo para o portugus.

    Nesses casos tambm utilizamos o termoDaseindo original alemo.

    Conforme j antecipamos em nota de rodap acima, para designar o homem, Heidegger

    utiliza o termo alemo D, e com isso evita uma leitura de homem no sentido do uso

    simplesmente vulgar e aponta para a constituio ontolgica desse ente homem que ir

    investigar. O homem a princpio se lhe apresenta como D, ou seja o serai .

    significa ser e D significa l como tambm pode significar aqui ou seja, no uso

    coloquial alemo, traduz a noo de estar aqui, presente, disponvel, existente (INWOOD,

    1999, p. 42).

    A palavra D muitas vezes traduzida para o portugus por ser a, existncia e pre

    sena. Em , traduzse, em geral, para as lnguas neolatinas pela expresso ser

    a, tre, esserci etc..

    Como no existe termo em portugus que corresponda significao que Dtem no uso

    coloquial alemo, e por causa da profundidade de interpretao com que Heidegger

    enriquece o termo, na presente dissertao, mantivemos o termo D, introduzindo

    assim uma modificao aos textos traduzidos para o portugus, e no mais fomos fiis aos

    tradutores.

    Esclarecendo o que dissemos acima, a respeito do modo como Heidegger interpreta e

    enriquece o temo alemo D, a seguir passamos a explicar esse termo a partir da obra O

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    C 16. Nessa obra Heidegger nos apresenta as estruturas fundamentais do

    D. Ele nos apresenta oito itens que passamos a explicar, segundo nosso entendimento

    baseados nas tradues das obras em referncia:

    1) O D o ente que se caracteriza como (I)

    (HEIDEGGER, 1997, p. 17), (HEIDEGGER, 2008, p.35).

    Nesse aspecto de sernomundo o D se apresenta no

    (HEIDEGGER, 2008, p.37) ou no cuidar (B) (HEIDEGGER, 1997, p.19). Isso

    quer dizer que a maneira do Destar no mundo se ocupando, e no de estar

    simplesmente, de modo que pudesse permanecer de modo mgico e independente

    de sua atividade. Ou seja, tem que se ocupar , seja efetuando tarefas, seja

    observando, contemplando, comparando e questionando. Ou seja, tratase de um

    demorar, num modo de habitar.

    2) O D enquanto este sernomundo coincide assim, com o ,

    ser com outrem (HEIDEGGER, 2008, p.37), ou numa unidade sercomosoutros

    (M), estar com os outros (HEIDEGGER, 1997, p.19)

    Isso quer dizer compartilhar com os outros o mesmo mundo, encontrandose com os

    outros, onde Heidegger distingue ainda duas modalidades de estar com os outros: (a)

    o serparaosoutros (F) (HEIDEGGER, 1997, p.19), ou seja, o ser que

    se mobiliza pelos outros ou age considerando os outros, ou ainda que tido e

    considerado pelos outros como D, e; (b) o estarperante (HEIDEGGER, 2008,

    p.37), ou ser disposto () para os outros (HEIDEGGER, 1997, p.19),

    literalmente, estar mo, ou ainda, no sentido de, ser tido pelos outros como um

    ente entre outros entes, que no tem as caractersticas prprias de D. Por

    exemplo, como uma pedra que est a, que no possu o mundo e no cuida do

    mundo (HEIDEGGER, 1997, p.19)

    3) O ser que tem a estrutura ontolgica em comum com os outros D, a saber,

    ()

    16 Com relao obra em referncia, cotejamos duas tradues para a lngua portuguesa, uma de edio

    brasileira e outra portuguesa, respectivamente (HEIDEGGER, 1997) e (HEIDEGGER, 2008).

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    Esse falar, explica Heidegger, no modo complexo de se expressar, inclusive se

    explicando e se compreendendo em sua natureza de D.

    No modo como o D no seu mundo fala sobre o modo de lidar com o seumundo est dada uma auto explicao do D ( D) e

    No falarunscomosoutros, no que se diz por a, est sempre em cada caso a auto

    interpretao da actualidade, que reside neste dilogo (HEIDEGGER, 2008, p.37)

    4) O D um ente que se determina como um eu sou (HEIDEGGER, 1997, p.19),

    (HEIDEGGER, 2008, p.39).

    Isso quer dizer que uma caracterstica do D ser propriamente ele a cada

    momento. Essa uma caracterstica ontolgica to forte quanto o prprio serno

    mundo. constitutivo o ser a cada vez (J) do eu sou (HEIDEGGER, 1997,

    p.19). No possvel para o Dfazer abstrao de que os aspectos e caracteres

    fundamentais de sua constituio so sempre referidas a um eu e portanto ditas

    minhas. Mea res agitur. Todos os caracteres fundamentais devem, assim, encontrar

    se no ser cada vez enquanto algo que sempre meu ( ) (HEIDEGGER,

    1997, p.19).

    5) O Dembora se determinando como um eusou, de fato, normalmente, ele no

    ele, mas os outros.

    Na quotidianeidade, ningum ele mesmo (HEIDEGGER, 2008, p.39). O D

    uma vez que determinado ontologicamente como serunscomosoutros, por isso

    mesmo j , em parte, os outros mesmo. Os outros enquanto gente configura um

    impessoal, a que nos referimos por exemplo quando dizemos vendese esta casa.

    Esse se indica um impessoal. Nesse impessoal esto as concepes de todo mundo

    que ao mesmo tempo no pertencem a ningum determinado.

    Esse ningum, do qual na quotidianidade (A) todos ns vivemos, o se

    (M) Dizse, ouvese, e se a favor, cuidase de algo. Na tenacidade do imprio

    desse se (M) residem as possibilidades de meu De, saindo desta nivelao, o

    eusou possvel. (HEIDEGGER, 1997, pp. 2021)

    Ou seja, o D, uma vez que compartilha sempre, e pelo menos parte, das

    concepes do impessoal, ele mesmo no se constitui, normalmente, como um eu

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    plenamente prprio. Contudo, nesse meio impessoal, que no lhe prprio,

    encontra suas possibilidades prprias, a saber, aquelas que tm conformidade como

    seu eu prprio. Contudo, o Dtem a possibilidade de se elevar saindo do nvel do

    impessoal ao encontro de seu euprprio.

    6) Para o Dem seu sernomundo cotidiano (

    ) (HEIDEGGER, 1997, p.21), ou,

    (HEIDEGGER, 2008, p.41).

    Do mesmo modo que ao falar (), o D se explica a si mesmo e se

    constitui, tambm ao ocuparse com o mundo ele atribui sua identidade a cada

    ocupao ou atividade. todo manusear que cuida de ( )

    um cuidar do ser do D (B D). Com o que lido com o

    que me ocupo, a que se prende minha profisso sou de certo modo eu mesmo e

    nisso se desenrola o meu D (HEIDEGGER, 1997, p.21)

    7) Na medianidade (D) do Dcotidiano no h uma reflexo sobre

    o o eu e sobre o prprio (...) (HEIDEGGER, 1997, p.21)

    Ou seja na normalidade mediana do lidar com o mundo cotidiano, o D se

    identifica e tomase por si mesmo na prpria lida com o mundo, mas nisso no tem

    uma atitude reflexiva e crtica a respeito de ser aquela atividade de fato

    correspondente a seu prprio. O que quer dizer que normalmente nos entregamos

    ao nosso agir e lidar com o mundo irrefletidamente, e por isso ns nos identificamos,

    sem crtica, com aquilo fazemos.

    8) O Dse relaciona consigo mesmo no por meio de um contemplarse, mas pelo

    ( ) (HEIDEGGER, 1997, p.21)

    Isso quer dizer que o D no se mostra e no acessvel a seu prprio olhar.

    Normalmente se considera a si mesmo naquilo que faz e sem refletir. Mesmo quando

    se volta a considerar a si mesmo, o faz por via de reflexo carregada das concepes

    daquele se impessoal obtido pelo sercomosoutros, pelo falar do cotidiano e pelo

    lidar com o mundo. A ligao primordial ao Dno a observao, mas o slo.

    (...) falar acerca de si a auto interpretao apenas uma maneira determinada e

    destacada do Dse ter em cada caso a si mesmo (HEIDEGGER, 2008, p.41). Mas,

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    em mdia, a explicao do D dominada pela cotidianidade, (...) vem do

    impessoal (M) e da tradio. (HEIDEGGER, 1997, p. 21).

    2. O PROBLEMA DO NADA2.1. O PROBLEMA DO O NADA EM QUE METAFSICA?

    Na preleo Que metafsica?, Heidegger j nos alerta de que no ir falar sobre o que

    metafsica. Pelo contrrio, ir sim buscar e desenvolver uma questo metafsica. Parece que

    dessa maneira, nos situaremos imediatamente dentro da metafsica. Somente assim lhe damos

    a oportunidade de se apresentar a ns em si mesma. (HEIDEGGER, 1973, p.233).

    E a questo encontrada : que o nada?.

    Heidegger mostra que essa questo que o nada? cumpre as duas condies que

    caracterizam as questes metafsicas.

    A primeira condio que uma questo metafsica no pode se limitar a um domnio, mas

    antes, abarca a totalidade. Outra condio que aquele que interrogador seja ele mesmo

    problematizado. E Heidegger mostra que na pergunta que o nada? as duas condies esto

    satisfeitas. Para entender isso necessrio acompanharmos o modo como Heidegger chega a

    eleger essa questo.

    Ele parte do fato de que, aquele que interroga algum que est inserido na comunidade dos

    pesquisadores, ou professores ou estudante, e que, sendo assim, em todos os casos esto

    existencialmente dependentes da atitude cientfica. Heidegger questiona: O que acontece de

    essencial nas razes de nossa existncia na medida em que a cincia se tornou nossa paixo?

    (HEIDEGGER, 1973, p.233).

    As cincias so distintas e dispersas, por tratarem de objetos distintos. Contudo, algo lhes

    comum:

    A referncia ao mundo que impera atravs de todas as cincias enquanto tais,

    faz com que elas procurem o prprio ente para, conforme seu contedo

    essencial e seu modo de ser, transform-lo em objeto de investigao e

    determinao fundante. Nas cincias se realiza no plano das idias uma

    aproximao daquilo que essencial em todas as coisas. (HEIDEGGER,

    1973, p.234)

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    Assim, fica caracterizado que as cincias se dirigem ao ente unicamente. Pesquisado deve ser

    apenas o ente e mais nada; somente o ente e alm dele nada; unicamente o ente e alm

    disso nada. (HEIDEGGER, 1973, p.234).

    Desse modo, Heidegger verifica que, para que as cincias se caracterizarem enquanto tais

    definem-se a si mesmas por se dirigirem ao ente. Mas, por outro lado, para se definirem

    inadvertidamente usam a palavra nada. Heidegger questiona se esse simplesmente um uso

    da palavra ou se h a uma designao de fato. Afinal, a cincia recorre ao nada para se

    definir. E inclusive tem um tipo de concepo a respeito do nada:

    O nada que outra coisa poder ser para a cincia que horror e

    fantasmagoria? Se a cincia tem razo, ento uma coisa indiscutvel: a

    cincia nada quer saber do nada. Esta afinal, a rigorosa concepo

    cientfica do nada. Dele sabemos, enquanto dele, do nada, nada queremos

    saber.

    A cincia nada quer saber do nada. Mas no menos certo tambm que,

    justamente, ali, onde ela procura expressar sua prpria essncia, ela recorre

    ao nada. Aquilo que ela rejeita ela leva em considerao. Que essncia

    ambivalente se revela ali? (HEIDEGGER, 1973, p. 234)

    Assim, conforme visto acima, Heidegger inicialmente (i) encontrou a pergunta que acontece

    com esse nada?. Na continuao da preleo ir, conforme a diviso dos itens de sua obra:

    (ii) elaborar a questo e (iii) responder questo.

    O elaborar a questo considera investigar a real possibilidade da considerao do nada. Para

    isso Heidegger investiga qual experincia podemos ter do nada.

    Seja como for ns conhecemos o nada, mesmo que seja apenas aquilo sobre o que

    cotidianamente falamos inadvertidamente. Contudo, sendo o nada a plena negao datotalidade do ente (...) a totalidade do ente deve ser previamente dada para que possa ser

    submetida enquanto tal simplesmente negao, na qual ento o prprio nada se dever

    manifestar. (HEIDEGGER, 1973, p.236)

    E desenvolvendo o pensamento nessa linha, Heidegger rejeita o artifcio de se imaginar a

    totalidade do ente e ento neg-lo, pensando a negao do que foi figurado. Por essa via

    obteremos o conceito formal do nada figurado mas jamais o prprio nada. Qualquer

    concepo do nada ainda assim teria caracterstica de ente, uma vez que seria intermediadapor um conceito mental do Nada e no seria um conhecimento direto o qual no deve tratar o

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    nada como um objeto frente a um sujeito. O que Heidegger busca saber do nada que

    justamente nada do que seja ente, e conclui que nossa busca somente pode ser legitimada por

    umaexperincia fundamental do nada. (grifo nosso) (HEIDEGGER, 1973, p.236)

    A experincia fundamental ele a encontra na angstia: (...) a angstia nos suspende porque

    ela pe em fuga o ente em sua totalidade (HEIDEGGER, 1973, p.237). Mas antes somos

    alertados de que essa angstia no diz respeito ao sentimento comum e frequente de ansiedade

    e temor que sempre se refere a algum ente a que tenha a possibilidade de nos ameaar. Antes

    se refere quele sentimento, bastante raro, que no apenas tem o carter de indeterminao

    com respeito quilo que nos angustia. No apenas uma simples falta de determinao, mas

    a essencial impossibilidade de determinao.

    Com a experincia fundamental da angstia o nada fica manifesto.

    Que a angstia revela o nada confirmado imediatamente pelo prprio

    homem quando a angstia se afastou. Na posse da claridade do olhar, a

    lembrana recente nos leva a dizer: Diante de que e por que ns nos

    angustivamos era propriamente nada. Efetivamente: o nada mesmo

    enquanto tal estava a. (HEIDEGGER, 1973, p.238)

    Uma vez verificada a experincia do nada, Heidegger inicia a terceira parte da preleointitulada a Resposta Questo. Nessa parte retoma a experincia da angstia e a

    constatao de que a angstia no uma apreenso do nada, mas que o nada se torna

    manifesto por ela e que no acontece nenhuma destruio de todo o ente. Heidegger

    aprofunda a investigao e contata que: Na angstia semanifesta um retroceder diante de ...

    (...) e que esse retroceder diante de ... recebe seu impulso inicial do nada. Isso o leva a

    encontrar a prpria essncia do nada. Pelo modo como o nada assedia na angstia, verifica

    que no nem a destruio do ente, nem se origina de uma negao. Pois na angstia se

    manifesta um retroceder que antes uma quietude fascinada. A rejeio, que afasta o ente

    na angstia um remeter (que faz fugir) ao ente em sua totalidade que desaparece. Assim, o

    modo de o nada assediar na angstia a prpria essncia do nada: a nadificao.

    (HEIDEGGER, 1973, p.238).

    Mas por outro lado: A essncia do nada originariamente nadificante consiste em:conduzir

    primeiramente oDasein, diante do ente enquanto tal. (HEIDEGGER, 1973, p.239)

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    O Dasein17 a expresso que Heidegger utiliza para expressar a realidade mesma do ser

    humano, aquele que alm de ser compreende o ser. Pois o ser sempre se manifesta nos entes.

    Um ente em sua condio privilegiada de ente, que compreende o ser, ser o objeto primeiro

    da anlise: o homem, oDasein. (STEIN, 2002, p.55)

    Assim, Dasein , no somente o ser do homem enquanto referncia metafsica, ou enquanto

    um conceito ou uma idia. Mas o homem enquanto sendo ser que est a, ou seja presente e

    existente.

    Mas qual o papel do nada para oDasein?

    Somente base da originria revelao do nada pode o Daseindo homem

    chegar ao ente e nele entrar. Na medida em que oDaseinse refere, de acordocom sua essncia, ao ente que ele prprio , procede j sempre, como tal

    Dasein, do nada revelado.

    Ser a quer dizer: estar suspenso dentro do nada. (HEIDEGGER, 1973,

    p.239)

    Assim, o nada, essencialmente nadificante, conduz o Daseinpara o vazio, o que se d por

    meio daquele sentimento da angstia. Na angstia oDaseinse v desligado de toda a relao

    com o ente, na medida em que est no nada do que ente. E por isso, nessa situao, oDaseintem a revelao do ente enquanto tal, pois uma vez suspenso no nada no mais est envolvido

    no ente. O nada a possibilidade da revelao do ente enquanto tal para o Daseinhumano.

    (HEIDEGGER, 1973, p.239)

    Heidegger termina a preleo destacando que necessrio permitir que se desenvolva esse

    estar suspenso para que constantemente retorne questo fundamental da metafsica que

    domina o a pergunta: Por que existe afinal o ente e no antes Nada? (HEIDEGGER, 1973,

    p.242)

    Sob certo aspecto seria colocar questo de quem vem primeiro, o ente ou o nada. Ou seja,

    primeiro nos desviamos do ente para estar no nada, ou o prprio nada, j sempre presente,

    que determina nossa direo, quer nos dirigindo para o ente, quer nos dirigindo ao contrrio,

    para o nada do que seja ente?

    Heidegger considera que mesmo quando nos dirigimos e nos ocupamos com o ente, de fato,

    nosso conhecimento prvio do nada que nos faz fugir do nada em direo ao ente. Por um

    17Vide item 1.2 desta dissertao

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    lado, Quanto mais nos voltamos para o ente (...) tanto mais nos afastamos do nada.. Mas por

    outro lado,

    (...) este constante, ainda que ambguo desvio do nada, em certos limites,

    seu mais prprio sentido. Ele, o nada em seu nadificar, nos remete

    justamente para o ente. O nada nadifica ininterruptamente sem que ns

    propriamente saibamos algo desta nadificao pelo conhecimento no qual

    nos movemos cotidianamente. (HEIDEGGER, 1973, p.239)

    Mesmo assim, no h entre o ente e o nada uma relao de oposio. O nada no permanece

    o indeterminado oposto do ente, mas se desvela como pertencente ao ser do ente. Por outro

    lado, para que se manifeste o ser necessria a condio de transcendncia do Dasein

    suspenso dentro do nada. (HEIDEGGER, 1973, p. 241).

    Isso se torna necessrio devido prpria relao do ser com o ente: Ser e nada copertencem,

    mas no porque ambos vistos a partir da concepo hegeliana do pensamento coincidem

    em sua determinao e imediaticidade, mas porque o ser mesmo finito em sua manifestao

    no ente (Wesen) (HEIDEGGER, 1973, p. 241)

    Cabe observar que o problema do nada e da angstia so tratados de maneira evolutiva na

    obra de Heidegger, conforme mostramos a seguir.Heidegger desenvolve a idia de angstia associada ao Nada j desde o pensamento de

    Kierkgaard, conforme ilustramos pelo texto: Em tal estado, existe calma e descanso; (...) no

    existe nada contra que lutar. O que existe ento? Nada. (...) Este nada d nascimento

    angstia (KIERKEGAARD, 1968,p.45).

    Os conceitos apresentados em Que Metafsica?, foram previamente preparados na obra Ser

    e Tempo. A seguir ilustramos com algumas passagens que escolhemos:

    Aquilo com que a angstia se angustia o nada (grifo nosso) que no se

    revela em parte alguma (HEIDEGGER, 1988, p. 250).

    NoDasein, a angstia revela o ser para o poder- ser mais prprio, ou seja, o

    ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo. A angstia

    arrasta oDaseinpara o ser-livre para... (propensio in...), para a propriedade

    de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que j sempre . O Dasein

    como ser-no-mundo entrega-se, ao mesmo tempo, responsabilidade desse

    ser. (HEIDEGGER, 1988, p. 250)

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    Mais uma vez, a interpretao e o discurso cotidianos constituem a prova

    mais imparcial de que a angstia, enquanto disposio fundamental,

    empreende uma abertura. Como dissemos anteriormente, a disposio revela

    como se est. Na angstia, se est estranho. Com isso se exprime, antesde qualquer coisa, a indeterminao caracterstica em que se encontra o

    Dasein na angstia: o nada (grifo nosso) e o em lugar algum.

    (HEIDEGGER, 1988, p. 252)

    Doravante, torna-se fenomenalmente visvel do que foge a de-cadncia como

    fuga. No foge de um ente intra- mundano mas justamente para esse ente, a

    fim de que a ocupao perdida no impessoal possa deter-se na familiaridade

    tranqila. A fuga de-cadente para o sentir-se em casa da public-idade foge de

    no sentir-se em casa (...) (HEIDEGGER, 1988, p. 253).

    E mais tarde, na preleo proferida no vero de 1935 na Universidade de Friburgo, editada

    com o mesmo ttulo no livro Introduo Metafsica, Heidegger volta a esclarecer sobre o

    Nada. Heidegger inicia recolocando a questo que foi a ltima frase da obra Que

    Metafsica?, analisada acima. Trata-se da questo metafsica por excelncia. A questo que

    todos devem encontrar, e se no encontram porque no se colocam no estado da questo:

    Por que h simplesmente o ente e no antes o Nada? Eis a questo.Certamente no se trata de uma questo qualquer. Por que h simplesmente

    o ente e no antes o Nada? essa evidentemente a primeira de todas as

    questes. (...). Muitos nunca a encontram, no no sentido de investigarem a

    questo, i. de a levantarem, de a colocarem, de se porem no estado da

    questo.

    E no obstante todos so atingidos uma vez ou outra, talvez mesmo de

    quando em vez, por sua fora secreta, sem saberem ao certo, o que lhes

    acontece (...). (HEIDEGGER, 1966, p. 37).

    Dentro dessa perspectiva que deve ser compreendida a prpria obra Ser e Tempo, que

    aborda a questo necessria, mesmo que para o momento no possa chegar a uma concluso,

    tal como seria esperado em outros tipos de investigao:

    (...) Ser e Tempo no significa um livro, mas uma tarefa e um empenho

    imposto. O que nessa tarefa e incumbncia propriamente se impe, Aquilo,

    que ns no sabemos autenticamente, a saber enquanto tarefa e empenho

    imposto, sempre s o sabemos investigando.

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    Saber investigar significa saber esperar, mesmo que seja durante toda uma

    vida. Numa poca, porm, em que s real o que vai depressa e se pode

    pegar com ambas as mos, tem-se a investigao por alheada da realidade,

    por algo que no vale a pena ter-se em conta de numerrio. Mas oEssencializante no o nmero e sim o tempo certo, i.. o momento

    azardado, a durao devida. (HEIDEGGER, 1966, p. 295).

    Nessa obra Heidegger continua explicando a respeito da perspectiva da investigao a respeito do

    nada:

    (...) desde o princpio da questo sobre o ente, que a acompanha a questo

    sobre o no ente, sobre o Nada. E isso no apenas externamente, como um

    fenmeno concomitante e acessrio, mas a questo sobre o Nada seconfigura de acordo com a extenso, profundidade e originalidade

    correspondentes, com que se investiga a questo sobre o ente e viceversa. O

    modo de investigar o Nada pode valer como termmetro e indcio do modo

    de se investigar o ente. (HEIDEGGER, 1966, pp. 63-64).

    Contudo ao abordar o nada, Heidegger encontra resistncia por parte de um pblico que tem averso

    ao tema, como se o pensar o nada j fosse em si uma perspectiva niilista. Heidegger tem que esclarecer

    que justamente o no pensar o nada que consolida o curso do niilismo:

    O fato de introduzirmos a locuo Nada, no desleixo ou redundncia de

    estilo, como no uma inveno nossa, mas apenas o respeito rigoroso pela

    tradio originria do sentido da questo fundamental.

    Todavia falar do Nada continua a ser, em geral, repugnante ao pensamento e

    destruidor, em particular. Como assim, se tanto o cuidado de observar

    corretamente a regra fundamental do pensamento, como o medo do niilismo,

    que deveriam dissuadir de falar do Nada, se fundassem ambos num

    equvoco? E assim , sem dvida o equvoco que aqui ocorre no casual.

    Baseia-se numa incompreenso, de h muito reinante, da questo sobre o

    ente. E essa incompreenso provm do esquecimento do ser, que mais e mais

    se consolida. (HEIDEGGER, 1966, p. 64).

    E na concluso da obra em referncia Heidegger explicita a perspectiva de superao do niilismo,

    justamente por meio da reflexo a respeito do Nada.

    Mas onde que reside mesmo e opera o Niilismo? L, onde se aferra e

    agarra ao ente corriqueiro e se pensa que basta, como se tem feito at agora,tomar o ente assim como tem sido. Desse modo, porm, se repele a questo

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    do Ser e se trata o Ser como um Nihil, um Nada, o que sem dvida de certo

    modo, ele tambm , enquanto se essencializa. Ocupar-se e afanar-se to s

    do ente, esquecendo o Ser, eis o Niilismo. esse Niilismo, que Nietzsche

    exps no primeiro livro da Vontade de Potncia.

    Agora, na questo do Ser chegar expressamente at s raias do Nada e

    inclu-lo na investigao do Ser , ao contrrio, o primeiro e nico passo

    fecundo para uma verdadeira superao do Niilismo. (HEIDEGGER, 1966,

    p. 291).

    2.2. SUPERAR O NIILISMO EM O PROBLEMA DO SER

    A importncia atual do tema do niilismo pode ser vislumbrada na expresso de Pecoraro:

    A superfcie antes congelada das verdades e valores tradicionais est

    despedaada (...). o niilismo conceito fundamental imprescindvel para

    compreender o pensamento dos ltimos dois sculos (PECORARO, 2007,

    p.7)

    Nietzsche j denunciou a origem do niilismo relacionando inverso dos valores. Contudo

    Heidegger interpreta que ainda assim Nietzsche d continuidade e at mesmo representa o

    desfecho do niilismo:

    Para Nietzsche, o niilismo repousa sobre a perda de valor e sentido do

    mundo oriunda do desaparecimento dos fundamentos mesmos da

    compreenso metafsica da realidade. A esse desaparecimento segue-se

    imediatamente o despontar do devir em sua plena soberania sobre todo o

    ente. (CASANOVA, 2006, p. 137)

    De acordo coma interpretao heideggeriana, a filosofia de Nietzsche

    apresenta o derradeiro enredamento no niilismo porque leva a termo o

    acabamento de uma histria na qual o ser mesmo nunca se acha colocado em

    questo. Tal como formulado no escrito pstumo A essncia do niilismo: O

    ser mesmo permanece essencial e necessariamente impensado na metafsica.

    A metafsica a histria, na qual no se tem nada a ver com o ser mesmo. A

    metafsica o prprio niilismo. 18(CASANOVA, 2006, p. 149)

    Ou seja, Heidegger entende que o pensamento de Nietzsche ainda se faz suportado pela

    metafsica da linguagem, e com isso ele mesmo no se livra do prprio niilismo que est

    18Martin Heidegger, OC 67, p. 216 (CASANOVA, 2010, p. 149)

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    diagnosticando. Pelo contrrio, propondo a vontade de poder como um princpio ligado

    origem das coisas mesmas, Nietzsche teria acabado por cortar com a prpria possibilidade de

    reencontro com o ser.

    Heidegger nos fala de um abandono do ser, de uma ruptura radical com o

    ser. Na medida mesmo que instaura a vontade de poder como o novo

    princpio de avaliao da totalidade, Nietzsche acaba por cindir, segundo

    Heidegger, toda e qualquer ligao com o pensamento do Ser, e o ser mesmo

    se transforma, ento, em nada. (CASANOVA, 2006, p. 140)

    Assim, a partir das diferenas acima apontadas, observa-se que a abordagem heideggeriana

    inclui considerar o prprio modo de se pensar o niilismo. Enquanto no se conseguir

    ultrapassar o pensar pautado na metafsica estar-se- ainda sob a gide do niilismo, tanto mais

    quanto mais se quiser aprofundar em sua crtica.

    Um texto ilustra essa diferena foi elaborado por Heidegger em uma carta a Ernst Jnger no

    texto Sobre o Problema do Ser(HEIDEGGER, 1969), escrito em 1955. Esse texto reflete a

    questo do nada mostrando a diferena de sua abordagem com relao compreenso de

    Jnger. No texto Heidegger discute a utilizao da imagem de uma linha, proposta por Jnger,como representao da instncia de mximo niilismo. Est em discusso se essa linha do

    mximo niilismo, poder ser ultrapassado ou no.

    Junger toma a linha ainda baseado em um pensamento que a linha pudesse ser imaginada

    como uma coisa a ser ultrapassada. Isso ilustra o pensar metafsico: como se essa linha fosse

    algo com as propriedades de uma linha que pudesse ser ultrapassada.

    Heidegger, no obstante, reflete sobre a prpria linha e no mais sobre a transposio da linha

    do niilismo como havia feito Jnger. O caminho da reflexo de Heidegger se desenvolve demodo a investigar a prpria essncia do niilismo, e indo alm, investiga a prpria essncia da

    metafsica. Heidegger tambm reflete sobre a possibilidade de o pensamento e de a poesia nos

    reconduzir de volta ao pensamento do prprio ser. E defende que o retorno ao ser no se d

    pelo contedo do pensamento, mas sim pelo prprio pensar enquanto atividade que constri

    ao longo do caminho.

    2.2.1. A IDIA DA LINHA REPRESENTANDO O NIILISMO

    Segundo a carta de Heidegger a Jnger, compreende-se que Jnger encontrou na imagem da

    linha uma representao do fenmeno do niilismo.

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    O niilismo entendido no sentido da explicao de Nietzsche, a saber, como o processo no

    qual acontece a desvalorizao dos valores supremos (Vontade de Poder, nmero 2, ano de

    1887) (HEIDEGGER, 1969, p. 13).

    Tendo em conta esse entendimento do niilismo, a linha seria a representao do ponto zero,

    onde o niilismo encontra sua perfeio (HEIDEGGER, 1969, p. 13).

    Essa linha tambm constituiria uma fronteira entre duas idades do mundo (...) linha crtica.

    Nela se decide se o movimento niilista termina no nada nadificador, ou se ele uma passagem

    para a esfera de uma nova manifestao do ser (32) (HEIDEGGER, 1969, p. 38).

    Portanto a abordagem de Jnger concentra-se em saber se cruzamos a linha e em que medida

    o fazemos para, desta maneira, sair da zona do niilismo perfeito (HEIDEGGER, 1969, p.14).

    2.2.2. A BUSCA DA ESSNCIA DO NIILISMO

    Diversamente da abordagem de Jrgen, a proposta de Heidegger discutir no a transposio

    da linha, mas sim discutir a prpria linha. O senhor olha e caminha para alm da linha; eu,

    primeiro limito-me apenas a olhar para a linha que o senhor imagina (HEIDEGGER, 1969,

    p. 17).

    Heidegger considera que as abordagens so complementares, entretanto, necessrio

    conhecer a natureza mesma do niilismo para poder examinar os determinantes de um

    desdobramento ou de outro, a saber, se o niilismo caminha para a nadificao simplesmente

    ou se abre a possibilidade de uma nova manifestao para o ser.

    Heidegger faz um paralelo conduta mdica onde a descoberta do agente da doena

    fundamental para os prognsticos. Nesse sentido o niilismo no seria nem curvel nem

    incurvel. Ou seja, por analogia, a doena pode ser curvel, mas no se aplica causa dadoena o ser ou no ser curvel. Assim no se trata de curar o niilismo, mas de conhecer a

    essncia do niilismo. Tanto mais urgente torna-se o conhecimento e o reconhecimento do

    agente, isto , da essncia do niilismo. Tanto mais necessrio torna-se o pensamento.

    (HEIDEGGER, 1969, p. 16).

    Mas que tipo de pensamento pode pensar o niilismo? Heidegger considera que na busca da

    essncia do niilismo necessrio que o modo de pensar seja adequado ao que se pretende da

    investigao e constata que no existe uma descrio em si, capaz de mostrar o real em si(HEIDEGGER, 1969, p. 18), pois sempre se estar sujeito a uma determinada perspectiva.

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    Por outro lado as possibilidades essenciais do niilismo somente podem ser pensadas quando

    retrocedemos pensando at a sua essncia. (HEIDEGGER, 1969, p. 23).

    Nesse sentido, Heidegger identifica que o pensamento de Jrgen est preso na prpria

    linguagem, pois para a transposio da linha que representa o niilismo seria preciso uma

    transformao do dizer e uma relao diferente da essncia da linguagem (HEIDEGGER,

    1969, p. 38).

    Ou seja, para Heidegger, Jrgen se submete a uma metafsica limitante, impeditiva da

    investigao da essncia. O ente em sua totalidade, porm, mostra-se ao senhor na luz e nas

    sombras da metafsica da vontade de poder,... (HEIDEGGER, 1969, p. 18).

    Heidegger critica a obra O Trabalhador de Jnger pois identifica que nela Jnger estsubmetido a uma metafsica baseada na figura do trabalhador. Onde figura a traduo do

    termo gestalt, que significa forma. Ou seja, Jnger refere-se figura do trabalhador como

    um princpio, como uma forma, que repousa na estrutura essencial da humanidade, a qual

    como subjectum, o fundamento de todo ente (HEIDEGGER, 1969, p. 26).

    E essa figura fica relacionada vontade de poder: A presena da figura do trabalhador o

    poder. A representao da presena seu domnio como uma nova e especial vontade de

    poder (O Trabalhador, p. 70) (HEIDEGGER, 1969, p.29).

    Heidegger utiliza a obra de Jnger pois, percebe que o mesmo resume em sua obra aquilo

    que at hoje toda a literatura sobre Nietzsche no foi capaz: transmitir uma compreenso do

    ente e de seu modo de ser luz do projeto de Nietzsche do ente como vontade de poder

    (HEIDEGGER, 1969, p.19). Com a ressalva de que, ainda a Metafsica de Nietzsche no foi

    compreendida pelo pensamento, e que, pelo contrrio, do modo como entendida esta

    metafsica torna-se bvia e aparentemente suprflua. (HEIDEGGER, 1969, p.19)

    E o modo como Jnger compreende Nietzsche acaba representando o mximo do niilismo

    como uma linha, e representa o destino do homem como o destino daquele que vai ultrapassar

    essa linha. A isso Heidegger contesta que: Em caso nenhum a linha (...) algo que jaz diante

    do homem e que pode ser ultrapassado (HEIDEGGER, 1969, p.46). O homem no est

    apenas postado na zona crtica da linha. Ele mesmo , mas no para si, e absolutamente no

    por si mesmo unicamente, esta zona (HEIDEGGER, 1969, p.49) Assim, e aps ter ainda

    analisado e criticado exaustivamente o argumento de Jnger, Heidegger retorna questo:

    Em que consiste ento a superao do niilismo? e, distingue que o lugar da essncia do

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    niilismo perfeito deve (...) ser procurada ali, onde a essncia da metafsica desenvolve suas

    possibilidades extremas e nelas se concentra. (HEIDEGGER, 1969, p.49).

    2.2.3. A NADIFICAO VERSUS A ABERTURA PARA O SER

    Superar o niilismo passa por identificar sua essncia, e a essncia do niilismo, enquanto

    esquecimento do ser deve ser procurada onde, a essncia da metafsica desenvolve suas

    possibilidades extremas (HEIDEGGER, 1969, p.49). De fato, a metafsica se caracteriza por

    pensar o ente e no o ser do ente, e quanto mais explicita o ente, tanto mais afasta a questo e

    o pensamento a respeito do ser. No limite o mximo de afastamento o mximo do

    desenvolvimento das possibilidades da metafsica, e nesse mximo est o niilismo. Nesse

    sentido prprio do desenvolvimento da metafsica levar nadificao.Contudo a pergunta Que Metafsica?, j no mais se desvia do ser mas busca o prprio ser

    da metafsica. por isso que a metafsica se v impossibilitada de experimentar alguma vez,

    enquanto metafsica, sua essncia; pois, para a ultrapassagem e no seio dela, mostra-se

    representao metafsica o ser do ente. (HEIDEGGER, 1969, p.59).

    Assim, superar o niilismo pensar no ser e na prpria essncia do niilismo no ser do

    niilismo. E a pergunta Que Metafsica pode pensar no nada, na essncia do nada.

    a pergunta Que Metafsica? pensa de antemo na ultrapassagem, no

    transcendente, no ser do ente, (sendo assim), pode ela pensar o nada do ser,

    daquele nada que co-originariamente o mesmo com o ser. (HEIDEGGER,

    1969, p.57).

    O nada a que Heidegger se refere no o nada nadificador, mas o nada que no ente. o

    que nada tem de ente. O outro que no ente. Esse nada ultrapassa o ente e o mesmo com o

    ser. Conforme j referido no final do item 2.1. acima, isso se torna necessrio devido prpria

    relao do ser com o ente: Ser e nada copertencem, mas no porque ambos vistos a partir

    da concepo hegeliana do pensamento coincidem em sua determinao e imediaticidade,

    mas porque o ser mesmo finito em sua manifestao no ente (Wesen) (HEIDEGGER,

    1973, p. 241)).

    Assim, Heidegger se posiciona frente questo de transpor o niilismo no pela ultrapassagem

    da linha imaginria, mas por meio da anlise da natureza mesma da linha. A linha,

    representando o nada, o nada nadificador somente numa perspectiva limitadora, que

    considere exclusivamente e apenas os entes. Nesse sentido a aproximao do homem em

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    relao linha representaria a sua prpria nadificao. Ou seja, sobre a linha, onde o niilismo

    se torna mximo e absoluto, nem o homem (enquanto ente) escapa da nadificao.

    A representao de Jnger, de simplesmente cruzar a linha para a superao do niilismo,

    cativa de uma representao que pertence esfera de domnio do esquecimento do ser. (E por

    isso) surgem dvidas quanto possibilidade de tais imagens serem apropriadas para tornar

    visvel a superao do niilismo, isto a recuperao do esquecimento do ser. (HEIDEGGER,

    1969, p.58)

    Entretanto Heidegger identifica que a investigao do ente no esgota o domnio do

    investigvel e problemtico. E, nesse ponto, onde o homem enquanto ente se torna nada, que

    mais se lhe torna evidente sua essncia, ou seja, o ser do ente homem. E o ser do homem, suaessncia, ser aquele que mantm livre o lugar para o totalmente outro do ente

    (HEIDEGGER, 1969, p. 54).

    Heidegger afirma: o homem o lugar-tenente do nada (HEIDEGGER, 1969, p.54). Mas no

    caso no est se referindo ao nada que simplesmente nadifica, mas ao nada de ente que

    mantm livre o lugar para o totalmente outro do ente (HEIDEGGER, 1969, p.54). A atitude

    cientfica considera que, o que no seja o ente o nada. Contudo o perguntar a respeito do ser

    no est na esfera do ente e, entretanto, no pensar o nada nadificante.

    Por outro lado, a pergunta Que Metafsica?, pensa de antemo na ultrapassagem, no

    transcendente, no ser do ente, pode ela pensar o nada do ser, daquele nada que co-

    originariamente o mesmo com o ser (HEIDEGGER, 1969, p.57).

    2.2.4. EM BUSCA DE PENSAR O SER

    Na trajetria de investigao da essncia do niilismo, Heidegger chega a se referir prpria

    essncia do homem a qual, conforme visto acima, est relacionada a um nada, que implica em

    uma abertura para o ser.

    Mas Heidegger ao pensar a essncia do homem est pensando o prprio ser: Heidegger

    observa que a servio da questo da verdade do ser torna-se necessria uma reflexo sobre a

    essncia do homem (HEIDEGGER, 1973, p. 256).

    Uma vez constatado que a metafsica pensa apenas o ente e no o ser, Heidegger verifica a

    necessidade de superao da metafsica. Mas em que consiste essa superao? Heidegger

    indica que no desenvolvimento da questo da verdade do ser, de uma superao dametafsica, isto significa: Pensar no prprio ser (HEIDEGGER, 1973, p. 254).

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    E pensar no prprio ser passa por pensar no ser do homem. Pensar no ser do homem

    verificar no homem essa abertura ao outro que no ente:

    Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra, tanto a relao do ser com a

    essncia do homem, como tambm a referncia fundamental do homem

    abertura (a) do ser enquanto tal, foi escolhido para o mbito essencial, em

    que se situa o homem enquanto homem, o nome Dasein. (HEIDEGGER,

    1973, p. 256)

    Assim, a superao da metafsica precisa fazer a pergunta a respeito do outro que no

    ente, pois Na medida em que, constantemente, apenas pensa o ente enquanto ente, a

    metafsica no pensa o prprio ser. (HEIDEGGER, 1973, p. 254).

    Para a superao da metafsica fundamental a pergunta: Que metafsica? E o

    desenvolvimento dessa questo desemboca na pergunta: Por que afinal ente e no muito

    antes Nada (HEIDEGGER, 1973, p. 260). Pergunta que no pode ser entendida com

    referncia ao nada que leva nadificao simplesmente. Essa interpretao deu origem a uma

    srie de crticas ao texto de Heidegger. Antes a pergunta questiona: de que depende o fato

    de, em toda parte, apenas o ente ter a primazia, de no ser pensado antes o nada do ente, este

    nada, isto , o ser sob o ponto de vista de seu ser? (HEIDEGGER, 1969, p. 56).

    Heidegger considera que o zelo contra a angstia e o nada que manifestaram os que

    discutiram a preleo Que metafsica?, advm justamente de uma abordagem ainda no

    estilo tradicional de questionar a metafsica (...) conduzida casualmente pelo porqu, o

    pensamento do ser totalmente negado em favor do conhecimento representador do ente a

    partir do ente (HEIDEGGER, 1973, p. 261).

    2.2.5. A FORA ILUMINADORA DA IMAGEM

    Visto que para a superao da metafsica faz-se necessrio superar a linguagem metafsica,

    encontramos a imagem como uma forma de linguagem apropriada para pensar o ser. Mas

    Heidegger havia questionado o uso que Jnger havia feito da imagem. Conforme citado

    acima: Em caso nenhum a linha (...) algo que jaz diante do homem e que pode ser

    ultrapassada (HEIDEGGER, 1969, p.49). Sendo assim, qual o papel da imagem da linha?

    Heidegger questiona, se o uso da imagem da linha apropriado, para tornar visvel a

    superao do niilismo, mas por outro lado, pondera a respeito do valor dessa mesma imagem:

    (...) provavelmente qualquer imagem comporta tais dvidas. Contudo elas (as dvidas) no

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    so capazes de macular a fora iluminadora de tais imagens, sua presena originria e

    inelutvel.

    Em seguida Heidegger observa que o modo como consideramos a essncia do prprio pensar

    limitado: Consideraes de tal espcie apenas atestam quo pouco versados estamos no

    dizer do pensamento e quo pouco conhecemos sua essncia. (HEIDEGGER, 1969, p. 58)

    J anteriormente Heidegger havia indicado que o pensar deve ir alm dos limites da

    linguagem metafsica: a pergunta pelo ser do ser morre se ela no abandona a linguagem da

    metafsica, porque a representao metafsica impede que se pense a pergunta pelo ser do ser

    (HEIDEGGER, 1969, p. 38). Segundo Heidegger o pensamento e a poesia devem retornar l,

    onde, de certo modo, j sempre tinham estado, e, contudo, nada construram (HEIDEGGER,1969, p. 60).

    2.2.6. O RETORNO AO SER PELO PRPRIO PENSAR

    Vimos acima que Na medida em que, constantemente, apenas pensa o ente enquanto ente, a

    metafsica no pensa o prprio ser. (HEIDEGGER, 1973, p. 254), decorre que, no

    possvel para a metafsica, por sua prpria natureza, vir a experimentar sua essncia.

    Dito de outra forma, Heidegger verifica que uma meditao suficiente e persistente chega a

    convico: a metafsica jamais proporciona por sua essncia, ao habitar humano a

    possibilidade de se estabelecer propriamente na paragem, isto , na essncia do esquecimento

    do ser.

    De onde conclui que s resta para a metafsica o construir margem do caminho. No pode

    ela mesma pretender referir-se ao ser ou a essncia dos entes.

    Ns contudo, somente podemos preparar o habitar naquela paragem atravs

    do construir. A um tal construir quase no lhe permitido pensar j naedific