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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS CLSSICAS
Ritmo e Sonoridade na Poesia Grega Antiga:
Uma traduo comentada de 23 poemas
Carlos Leonardo Bonturim Antunes
Orientador: Prof. Dr. Andr Malta Campos
Dissertao apresentada ao Programa de
Letras Clssicas do Departamento de
Letras Clssicas e Vernculas da
Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas da
Universidade de So Paulo, para a
obteno do ttulo de Mestre em Letras.
So Paulo
2009
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2
Resumo
Este trabalho consiste de uma traduo comentada de vinte e trs
poemas gregos
dos perodos Clssico e Arcaico. Essa traduo foi realizada
buscando recriar o ritmo e
a sonoridade dos textos originais, mas sem se afastar
demasiadamente do plano do
sentido, de modo que no uma recriao livre. O trabalho
introduzido por um breve
estudo a respeito do ritmo e da sonoridade, tanto na literatura
grega quanto em termos
gerais.
Abstract
This work is comprised of a translation, followed up by a
commentary, of
twenty-three greek poems from the Classical and Archaic periods.
The translation was
carried out with a view to recreate the rhythm and sound of the
original texts, without,
however, allowing it to stray too far from the meaning, lest it
would become a free
recreation. The main work is introduced by a brief study
regarding rhythm and sound,
both in greek literature and in general terms.
Palavras-Chave: literatura, lrica, grega, traduo, potica.
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3
Agradecimentos
Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
(CAPES),
pelo auxlio concedido.
Ao Professor Doutor Andr Malta Campos, por trs anos de
guiamento, apoio e
sabedoria.
Ao Professor Doutor Joo Angelo Oliva Neto e ao Professor Doutor
Flvio
Ribeiro de Oliveira pelos comentrios e pelas correes
propostas.
minha famlia, por tudo que sou.
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4
Sumrio
Resumo..............................................................................................................................2
Agradecimentos.................................................................................................................3
Parte I
I
Apresentao....................................................................................................6
II
Sonoridade....................................................................................................12
III
Ritmo...........................................................................................................21
IV Mtodo de
Traduo...................................................................................28
Parte II
Dstico
Elegaco...................................................................................................34
Tirteu Fr.
12......................................................................................................38
Arquloco Fr.
3.................................................................................................44
Arquloco Fr.
4.................................................................................................47
Arquloco Fr.
5.................................................................................................50
Mimnermo Fr.
1...............................................................................................53
Mimnermo Fr.
2...............................................................................................56
Mimnermo Fr.
5...............................................................................................59
Mimnermo Fr.
12.............................................................................................62
Mimnermo Fr.
14.............................................................................................65
Slon Fr.
5........................................................................................................68
Slon Fr. 9
.......................................................................................................70
Slon Fr.
16......................................................................................................73
Slon Fr.
24......................................................................................................75
Tegnis Teogndea
271-8.................................................................................77
Tetrmetro
Trocaico............................................................................................79
Arquloco Fr.
114..............................................................................................81
Arquloco Fr.
122..............................................................................................84
Trmetro
Jmbico.................................................................................................86
Semnides Fr.
1................................................................................................88
Estrofe
Sfica.......................................................................................................92
Safo Ode a
Afrodite..........................................................................................95
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5
Safo Fr.
31.......................................................................................................100
Dmetro Jnico com
Anclase...........................................................................103
Anacreonte Fr.
356.........................................................................................105
Anacreonte Fr.
395.........................................................................................108
Glicnio e
Ferecrcio.........................................................................................111
Anacreonte Fr.
358.........................................................................................113
Oitava Ode Ptica de
Pndaro............................................................................116
Pndaro Ode Ptica
VIII..................................................................................121
Bibliografia........................................................................................................133
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6
I Apresentao
Este trabalho tem como objetivo estudar alguns aspectos rtmicos
e sonoros da
poesia grega antiga, bem como a possibilidade de recri-los ou
compens-los em uma
traduo potica e comentada.
Como corpus para este estudo, foram escolhidos vinte e trs
poemas de nove
diferentes poetas mlicos, elegacos e jmbicos dos perodos Arcaico
e Clssico, aqui
agrupados livremente sob a alcunha de Lrica Grega.1
A escolha desses textos se deu, sobretudo, de acordo com uma
afinidade pessoal
com os poemas. Parece seguro dizer que mais fcil e proveitoso
traduzir um texto com
o qual nos identificamos e temos certa afinidade, por conta de
termos ouvido alguma
mensagem em seu todo, do que um texto que no nos diz nada.
Isso , no entanto, uma lmina de dois gumes, uma vez que se corre
o risco de
ignorar outras possibilidades do texto em prol de salientar
aqueles elementos que
acreditamos reforar a mensagem encontrada. No final das contas,
porm, parece
melhor obter sucesso em traduzir uma ou duas possibilidades de
sentido do texto,
fundamentadas pela recriao de elementos formais que as embasam,
do que criar um
1 O termo Lrica Grega costuma gerar grandes discusses e muita
discordncia com respeito ao que
pertenceria e ao que no pertenceria em seu gnero. Como explica
Gentili (1951: 42), Na cultura grega,
o termo 'lrica' designava, no sentido tcnico, a poesia cantada
com o acompanhamento musical da lra
(lra) ou de outro instrumento de corda anlogo (mgadis, ktharis,
brbitos, phrminx). Essa associao
confirmada pelo cnone alexandrino de poetas lricos, que abarcava
apenas a lrica mondica e a lrica
coral, excluindo a poesia jmbica e a elegaca, que era
acompanhada pelo aulos. Ainda que, em
comparao com a terminologia clssica, no seja correta a tendncia
de agrupar sob a denominao de
'lrica' grega a poesia elegaca e a jmbica, ela no , contudo,
imprpria sob o perfil do contedo por sua
relao com a audincia. Para a crtica moderna, porm, nas palavras
de West (1993: vii), 'Poesia lrica
grega' um termo convencional e abrangente que cobre, mais ou
menos, toda a poesia grega secular at
350 a.C., com exceo da pica, da poesia didtica, e outros versos
compostos em hexmetro, e do drama.
No pode ser considerada um nico gnero. Ela comumente dividida
entre poesia mlica, elegaca e
jmbica. Este trabalho no tem a inteno de discutir o assunto ou
sugerir um uso diferente do termo.
Usa-se, to-somente, a terminologia Lrica Grega pela facilidade
de catalogar toda a poesia grega clssica
e arcaica exceo da pica, da poesia didtica e do drama, tal qual
ressalvado por West.
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7
todo desconexo, que tenta ser muitas coisas sem conseguir ser
nada com grande efeito.
Une, ento, o til ao agradvel aquele tradutor que traduz algo que
lhe caro.
Em geral, contudo, gostamos de muitos autores, e quando sentamos
para limitar
o escopo da seleo de poemas, tivemos preferncia por aqueles mais
conhecidos e
procurados. Isso se deu simplesmente pelo interesse em aplicar
um mtodo de traduo
pouco utilizado na academia queles poemas com que j temos alguma
familiaridade,
de modo que o leitor mais erudito possa comparar com facilidade
os resultados aqui
obtidos com os de outros tradutores. Fora isso, de acordo com o
segundo objetivo deste
trabalho, o de servir de introduo a leigos, pareceu mais profcuo
apresentar ao leitor
os poetas da Lrica Grega mais comumente citados e estudados.
Resumindo, ento, o objeto deste trabalho se limita a uma
quantidade humilde
de poemas e ritmos, no havendo, de maneira alguma, a inteno de
esgotar o assunto
ou de apresentar solues definitivas aos problemas que aborda.
Pelo contrrio, espera-
se apenas aclarar um pouco a questo e traz-la para um plano de
discusso mais ativo
na academia.
Quanto organizao das partes, neste primeiro bloco do trabalho,
tratada de
modo geral a maneira pela qual se estrutura e justifica o
projeto, bem como a
metodologia adotada e alguns elementos importantes acerca da
sonoridade e do ritmo,
os quais formam um embasamento terico constantemente retomado na
etapa seguinte.
A segunda parte do trabalho, sendo o momento principal do todo,
estrutura-se,
primeiramente, de acordo com uma diviso mtrica. Os poemas foram
agrupados em
sees, de modo a formarem blocos de mesmo padro rtmico. Essas
sees so
organizadas a fim de apresentarem os poetas em uma ordenao
tradicional. Abrindo
cada uma dessas partes, h um breve estudo a respeito do metro e
do ritmo empregado
nos poemas originais, bem como uma explicao de como eles foram
trazidos para
nossa lngua na traduo.
Na seqncia, logo aps o texto original, encontra-se a traduo em
Portugus
realizada para este trabalho. No texto traduzido de cada poema,
podem-se ver marcadas
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8
em negrito as slabas tnicas ou subtnicas2 que correspondem
cadncia do ritmo que
se tentou recriar em Portugus. Essas marcaes tm como finalidade
auxiliar o leitor a
perceber o ritmo adotado e a realizar uma leitura de acordo com
o andamento que se
buscou criar.
O terceiro e ltimo item da apresentao individual de cada poema
o
comentrio a respeito do poema original e de como se deu sua
traduo. Ali, aps uma
breve introduo a respeito do poema, destacam-se os elementos
poticos do texto
grego e a maneira pela qual eles foram, ou no, recriados ou
compensados na traduo.
Entre outras caractersticas, deu-se importncia sonoridade, ao
ritmo e ordenao das
palavras ao longo do texto e dentro dos versos, bem como a relao
que se cria entre
estes elementos e o sentido do poema.
Por vezes, h tambm notas a respeito de alguma dificuldade
encontrada durante
o processo de traduo, assim como as conseqncias geradas por essa
dificuldade e que
podem, de uma forma ou de outra, ter sido positivas ou
negativas, tendo em vista o
resultado final do trabalho.
Ademais, quando necessrio, fez-se algum esclarecimento acerca de
um
vocbulo ou outro que acabou tendo uma traduo um pouco mais
distante da que se
consideraria literal.
Esse molde para o projeto foi escolhido tendo em vista duas
finalidades distintas
e bem-estabelecidas: servir de introduo poesia grega a leigos e
apontar algumas
caractersticas do texto s quais nem sempre se atm os
especialistas.
A primeira dessas finalidades diz respeito traduo, que se
espera, pela
tentativa de recuperar um pouco da vivacidade do texto original,
ser mais aprazvel e
convidativa a um leitor que no tenha conhecimento de lngua grega
o bastante para ler
os originais de forma prazerosa.
2 (...) de intensidade mdia, ou seja, entre as tnicas e as tonas
(...) Sacconi (1998: 18).
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9
H, com efeito, uma sria dificuldade em ler a poesia da Grcia
Antiga. Em
primeiro lugar, essa dificuldade se manifesta na distncia
temporal que nos separa da
realidade do povo que comps esses poemas. Para os gregos
antigos, a poesia no era
apreendida apenas como uma manifestao artstica e apreciada,
desta forma, to-
somente pela qualidade meldica e estilstica de seu contedo. Ela
era, de fato, um
elemento intrnseco vida cotidiana, permeando a maioria das
atividades dos homens e
delas sendo parte indissocivel, moldando-se, sempre,
circunstncia em que era
performada.3
A dificuldade de ler esses poemas, contudo, no se limita apenas
a esse
problema contextual. A maior parte deles foi composta oralmente
e idealizada para ser
ouvida, e no lida.
preciso, tambm, citar a ausncia de uma transcrio para o
acompanhamento
musical que era comum para a maioria desses poemas, uma vez que
mesmo aqueles que
no eram mais cantados, como a elegia, ainda assim possuam um
complemento vindo
da msica.4 Outros, alm disso, tambm eram acompanhados de certa
coreografia,
praticada por um grupo de danarinos.5
3 A poesia grega foi um fenmeno profundamente diferente da
poesia moderna no contedo, na forma e
no modo de comunicao. Tinha um carter essencialmente pragmtico,
no sentido de uma estreita
correlao com a realidade social e poltica, e com concreta ao do
individual na coletividade. Gentili
(1951: 5).
Homero revela-nos ainda outra raiz muito importante do canto,
que, no devemos, contudo, considerar
como nica: o canto que acompanha o trabalho. Quando deusas, como
Calipso e Circe, cantam sentadas
ao tear, agem como mulheres mortais, e, no escudo de Aquiles, um
menino acompanha o trabalho da
vindima com o canto de Lino. Os antigos conheciam cantos para
quase todas as actividades desde a de
tirar gua at de cozer o po. Um pequeno fragmento, uma canozinha
lsbica para a moagem (Carm.
pop. n 30 D), cuja antiguidade testemunhada pela meno de Ptaco,
d-nos uma ideia de muitos cantos
desaparecidos. Lesky (1995: 133).
4 Havia tambm um msico chamado Sacadas de Argos, compositor de
melodias e de dsticos elegacos
postos em msica; pois, na origem, os msicos que se dedicavam ao
aulos cantavam dsticos elegacos
postos em msica, como o atesta o regulamento das Panatenias
relativo ao concurso musical. Plutarque
(1900: 24-5).
5 A dana como linguagem do corpo a arte de mover o corpo humano
em relao ao espao (imagem)
e ao tempo (ritmo). Tinha, no mundo antigo, uma funo ritual,
ldica e esttica: ritual, porque no havia
uma cerimnia religiosa que no contemplasse uma execuo de
orquestra; ldica, pelo prazer de quem a
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10
Dessa forma, deve-se lembrar que ler a poesia grega uma tarefa
feita ainda
mais rdua por conta de tratar-se de um corpus permeado por canes
cuja parte musical
nos omissa.
Essas canes pertenciam a diferentes subgneros, agrupados
comumente sob a
alcunha de lrica e que tinham seu prprio padro mtrico, contedo,
ocasio de
performance, tom e acompanhamento musical. Alguns eram
acompanhados pela lira,
outros pelo aulos, e havia aqueles que eram apenas recitados ou
cantados de forma
montona e sem acompanhamento.6
No decorrer dos sculos, contudo, praticamente todas as notaes
musicais
existentes, as quais j no eram to numerosas, foram perdidas. As
que chegaram a ns
esto em fragmentos de difcil decodificao: entre outros
problemas, o sistema usado
na poca no dava conta de registrar notaes que consideramos
fundamentais, como
medidas de tempo, o que se pode explicar, provavelmente, pelo
estabelecimento de
ritmos e de acompanhamentos padres, os quais seriam de
conhecimento popular, mas
que foram aos poucos sendo mudados ou esquecidos pelo povo.7
Assim, da mesma maneira como no se pode apreciar totalmente uma
cano
moderna se lhe tirarmos a melodia, certamente h inmeros
elementos desses poemas
que eram salientados e embelezados pela msica que os
acompanhava, qual ns no
temos acesso.
Um ltimo resqucio dessa msica, no entanto, faz-se presente nos
prprios
poemas, na forma de sua sonoridade e cadncia rtmica.8 Por esse
motivo, estudar e
executava e de quem a observava; esttica, pela forma que o corpo
humano animado a cada vez assumia
em relao ao que estava sendo narrado, sem se considerar o outro
aspecto, do exerccio de ginstica, que
conferia ao corpo sade, beleza e harmonia. Gentili &
Lomiento (2003: 77).
6 Burstein, Pomeroy, Donlan, Roberts (1999: 116).
7 Mulroy (1995: 9).
8 (...) os poetas lricos e dramticos da poca clssica compunham a
msica ao mesmo tempo que as
palavras, e o cuidado extremo que eles conferiam forma mtrica
prova que o ritmo do canto estava
intimamente ligado ao ritmo do metro. Weil (1902: 139).
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11
traduzir a poesia lrica grega levando em considerao esses
elementos parece ter uma
grande importncia, a fim de auxiliar os leitores a
experimentarem ritmos no usuais em
nossa lngua e se aproximarem dessa melodia fugaz.9
Por fim, na tarefa de produzir uma traduo que mimetizasse de
alguma forma
essa poesia, foi preciso identificar quais os elementos poticos
de cada texto e a maneira
pela qual eles influenciam, acentuam ou transmutam o sentido
imediato de cada
passagem. Espera-se que o pouco de luz que se pde lanar nessas
caractersticas sirva
de aparato de pesquisa a estudiosos que busquem se aprofundar
mais no sentido desses
poemas.
9 O ritmo provavelmente o nico trao de uma lngua estrangeira que
ns nunca poderemos aprender a
ouvir puramente. O ritmo e seu significado se encontram nas
profundezas de ns mesmos. Eles so
absorvidos nos hbitos do corpo e nos usos da voz junto de nossos
aprendizados mais bsicos de ns
mesmos e do mundo. O ritmo forma a sensibilidade, torna-se parte
da personalidade; e o senso de ritmo
de um indivduo modelado de uma vez por todas em sua lngua
materna. Matthews (1966: 70).
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12
II Sonoridade
A grande literatura, dizia Pound, simplesmente linguagem
carregada de
sentido, no mais alto grau possvel.10 O autor afirmava ainda
que, para atingir esse grau
mximo de significao, um escritor recorre ao ritmo e ao som, a
Melopia, criao de
imagens simblicas, a Fanopia, e ao uso inusitado e ldico de
palavras no s pelo seu
significado imediato e primeiro, mas tambm pelas suas possveis
interpretaes
baseadas nos mais diversos usos que pode receber, a
Logopia.11
Pound cunhou essas trs denominaes a partir dos radicais gregos
de poj, a
palavra falada, de mloj, o canto, de fanw, fazer(-se) aparecer e
de
lgoj, que pode tanto indicar, entre outras coisas, o discurso,
quanto a faculdade
de raciocinar ou a prpria razo. Logo, por Melopia, pode-se
entender a palavra
cantada; por Fanopia, a palavra imagtica; e por Logopia, a
palavra
racionalizada.
Um belssimo exemplo de Melopia, citado por Staiger12
como modelar por seu
ritmo e plasticidade, mas que tambm mpar em termos de
sonoridade, o verso 149
do Canto I da Ilada:
dein d klagg gnet' rguroio bioo13
Tambm se pode buscar em Homero um exemplo clssico de Fanopia,
os
versos 469-73 do Canto II da Ilada:
te muiwn dinwn qnea poll
10
Pound (1976: 35).
11 Pound (1976: 37-8).
12 Staiger (1997: 97).
13 No original, notvel a seqncia de sons de // em dein e klagg e
a repetio do encontro
voclico das palavras rguroio e bioo, alm da homofonia em /e/,
presente na maioria das
palavras do verso. Na traduo de Haroldo de Campos (2001: 33),
Horrssono clangor irrompe do arco
argnteo, h uma homofonia em /o/ que perpassa, com vivacidade,
todas os vocbulos. As duas palavras
encadeadas e iniciadas por [ar] no final do verso recriam, por
sua vez, o som aberto de // do original.
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13
a te kat staqmn poimnon lskousin
rV n earin te te glgoj ggea deei,
tssoi pi Tressi krh komwntej 'Acaio
n pedJ stanto diarrasai mematej.14
Por fim, um exemplo admirvel de Logopia pode ser visto no
fragmento 6 de
Arquloco, no qual o poeta propositalmente mistura o vocabulrio
comumente destinado
a relaes amistosas com o universo da guerra:15
xenia dusmensin lugr carizmenoi16
Essas trs funes poticas constituem, segundo Pound, as
ferramentas bsicas
de um poeta, no mbito das quais se encerram todos os artifcios e
efeitos passveis de
serem empregados e criados em um poema. por meio, pois, da
incidncia simultnea
dessas trs funes poticas que a grande poesia criada.
Neste trabalho, vai-se privilegiar a Melopia como critrio mais
freqente a ser
examinado e recriado, ou compensado, na traduo aqui realizada.
As outras funes
poticas sero tambm trabalhadas, mas de forma secundria.
Sendo, pois, a Melopia o principal foco de ateno deste trabalho,
vejamos, de
maneira extremamente sucinta, alguns elementos de estilstica
referentes sonoridade,
os quais foram, recorrentemente, identificados e, quando
possvel, recriados ou
compensados na traduo feita. Longe de se ter a inteno de
produzir um manual
minimamente satisfatrio neste assunto, tem-se aqui apenas o
intuito de listar estes
14
Na traduo de Carlos Alberto Nunes (2001: 91):
Do mesmo modo que enxames de moscas, de nmero infindo,
pelos currais dos pastores volteiam, sem pausa nenhuma,
na primavera, no tempo em que os jarros de leite
transbordam:
tantos guerreiros Aquivos, de coma flutuante, se viam
pela plancie dos teucros, sedentos de a todos vencerem.
15 O objecto visado pela conscincia atravs das palavras
permanece o mesmo em ambas as linguagens.
(...) O que muda no o objecto, mas o sujeito, a sua estrutura de
recepo, o tipo de conscincia que
apercebe o discurso. Cohen (1987: 155).
16 Agraciando o inimigo com lgubres presentes de hospitalidade,
numa traduo literal.
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14
elementos para referncia rpida ao leitor no familiarizado, ou
cuja memria por
ventura vacile.
Assonncia: repetio do mesmo som voclico em diferentes slabas,
geralmente
tnicas. Exemplos:
Mosa tode to mleoj
(Fragmento 728 de Timocreo)
Dmhtroj gnj ka Krhj
tn pangurin sbwn.
(Fragmento 322 de Arquloco)
e moi gnoito parqnoj kal te ka treina.
(Fragmento 119 de Hipnax)
Aliterao: repetio do mesmo som consonantal, geralmente no incio
de palavras.
Exemplos:
Prokle Persedaj t' k Dij rcmenoi
pnwmen, pazwmen: tw di nuktj oid
(Fragmento Elegaco 27 de on de Quios)
pukinj pmfigaj pimenoi
(Fragmento 312 de bico)
ptrw' mn ntqeon Melmpoda
(Fragmento 228 de Estescoro)
Homofonia: termo comumente empregado para identificar (...) a
assonncia mais
fugidia, que apenas se pode chamar de homofonia, e que no
entanto permite uma grande
eficcia potica.17 Exemplo:
17
Candido (2006: 64).
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15
msJ mati nkta ginomnan
(Fragmento 271 de Estescoro)
n edetw sper Lsbioj Prlij.
(Fragmento 41 de Semnides)
Anfora: repetio de uma mesma palavra ou grupo de palavras no
incio de versos ou
frases em seqncia. Exemplos:
ode tJ Knaklw
ode tJ Nursla.
(Fragmento 173 de lcman)
qlw lgein 'Atredaj,
qlw d Kdmon dein
(Texto 23 das Anacrenticas)
Poliptoto: repetio de um mesmo nome em casos diferentes, ou de
um mesmo verbo
com terminaes diferentes. Exemplos:
Kleobolou mn gwg' rw
KleobolJ d' pimanomai,
Kleobolon d dioskw.
(Fragmento 359 de Anacreonte)
nn d Lefiloj mn rcei, Lewflou d' pikraten,
LewflJ d pnta ketai, Lefilon d' koue.
(Fragmento 115 de Arquloco)
Paronomsia: uso de palavras de som ou grafia semelhante, mas com
sentidos
diferentes. Exemplos:
t d drkwn dkhse molen kra bebrotwmnoj kron
(Fragmento 219 de Estescoro)
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16
ka sma Ggew ka megstru stlhn
ka mnma Twtoj, Mutlidi plmudoj
(Fragmento 42 de Hipnax)
Ao longo deste trabalho, portanto, ser comum encontrar menes
freqentes ao
aspecto sonoro de uma palavra ou de um verso, bem como a maneira
com que a
sonoridade desses fonemas, em conjunto, altera ou refora o
sentido de um ou mais
vocbulos. Por conta disso, aqui se encontra um breve resumo a
esse respeito, com o
intuito de servir de referncia rpida e tambm de fundamentao
bsica para as
recorrentes visitas a esse assunto.
Antes de mais nada, h uma distino muito importante que se deve
fazer, como
ressalva Antonio Candido (2006: 50), com relao Teoria de
Grammont de que h
uma correspondncia entre a sonoridade das palavras e o
sentimento por elas expresso.
Essa distino diz respeito ao fato de que um mesmo som pode
servir para evocar
sentimentos opostos, como o caso das vogais agudas que, segundo
o autor, podem
servir tanto para exprimir dor e desespero quanto alegria (2006:
56).
Essa discrepncia, aparentemente ilgica, se explica pelo fato de
que os sons
podem ter seus valores alterados pelo contraste com outros sons,
alm da cadncia e do
volume do fraseado em que se inserem. Como afirma Antonio
Candido, (...) o efeito
total freqentemente devido combinao de efeitos parciais, cujo
acmulo e
combinao definem o rumo geral da expressividade, sempre sob a
orientao da
idia.18
Desse modo, bastante subjetivo e varivel o valor que se pode dar
a um som
isolado, uma vez que sua natureza, quando em meio a outros sons,
extremamente
voltil e instvel. Isso especialmente verdadeiro em relao s
vogais, que podem
transmitir idias no s variadas, como muitas vezes opostas.19
18
Candido (2006: 57).
19 Antonio Candido (2006: 54) cita, entre outros, os seguintes
exemplos de sons voclicos semelhantes
inspirando sentimentos opostos:
Tout mafflige et me nuit, et conspire me nuire. (Racine)
-
17
Por esse motivo, sero deixados de lado aqui os sons voclicos, os
quais, ao que
nos parece, merecem um estudo mais aprofundado,20
dando-se preferncia a
exemplificar os efeitos das consoantes, cuja influncia nas
palavras em um verso mais
estvel e passvel de ser fundamentada.
As consoantes podem ser divididas, segundo Sacconi (1998: 19),
de acordo com
quatro critrios distintos, dos quais trs so de grande interesse
para o presente estudo.
O ltimo desses critrios, o do ponto de articulao dos fonemas, de
interesse
secundrio, sendo mais til como fator distintivo entre os membros
de um mesmo
grupo de modo de articulao.
i) Quanto ao papel das cavidades bucal e nasal:
Os nicos sons consonantais em Grego antigo que recebem nasalizao
so os
fonemas /m/ e /n/ quando precedem vogais, tal qual no exemplo a
seguir (Fragmento 16
de Safo):
..]me nn21 'Anaktor[aj ]nmnai-
s' o] pareosaj
A caracterstica principal dos sons nasais a de expandir o volume
dos sons.
Dir-se-ia que lhes conferem uma forma mais arredondada, se se
permitir uma abstrao
um tanto quanto paradoxal, porm eloqente. Podem ser encontrados
com facilidade em
versos de teor amoroso ou ertico, talvez por estarem
inconscientemente associados ao
som proveniente de um fraco gemido. De outra forma, tambm podem
enfatizar o tom
lnguido de um verso.
Il est doux dcouter les soupirs, les bruit frais. (Hredia)
20 A Introduo Estilstica (1989: 29-33) de Nilce SantAnna Martins
possui um estudo um pouco mais
pormenorizado do assunto.
21 Apesar de, neste caso, no haver uma vogal depois do ltimo n
em nn, este era provavelmente lido
em seqncia com a vogal da prxima palavra. Em casos separados,
porm, o som deste ltimo n no
seria nasalizado.
-
18
Por exceo, todos os demais sons do Grego so relegados a um mesmo
grupo,
quando se toma esse fator de distino como elemento
classificatrio, de modo que a
no-nasalizao no tem por si s um carter especfico.
ii) Quanto ao papel das cordas vocais:
As consoantes podem ser surdas ou sonoras com relao ausncia
ou
presena de vibrao nas cordas vocais por fechamento da glote
durante sua pronncia.
Os sons consonantais sonoros do Grego antigo so: /b/, /d/, /m/,
/n/, /g/, /l/, /z/
(encontrado em geral como o [zd] proveniente de z). Os demais
fonemas (/t/, /th/, /k/,
/kh/, /p/, /ph/, /r/ e /s/) so todos surdos.
Em geral, as consoantes surdas se prestam a uma sonoridade mais
sbria, ao
passo que as sonoras conferem maior vivacidade passagem em que
se encontram,
como se pode perceber nos exemplos abaixo (ambos do texto 28 das
Anacrenticas):
Fsij krata taroij
lousi csm' dontwn
iii) Quanto ao modo de articulao:
Dividem-se, pelo modo de articulao, os sons consonantais,
primeiramente,
entre oclusivos e constritivos.
So considerados oclusivos os fonemas cuja pronncia envolve um
fechamento
completo do fluxo de ar seguido de uma liberao repentina e
marcante. Dentre eles, os
de carter mais explosivo so as bilabiais /p/ e /b/, seguidas
pelas velares /k/, /kh/ e /g/,
e, por fim, pelas linguodentais /t/, /th/ e /d/.
De maneira mais ou menos marcante, de acordo com a graduao
apresentada
acima, esses sons, quando aliterados, fazem com que o ritmo de
um verso se torne mais
pausado, por vezes agregando uma solenidade maior ao texto, mas
tambm servindo
-
19
para, entre outros fins, acentuar o efeito de clera ou de
escrnio de uma passagem,
como se pode notar nos exemplos abaixo:
ti d t]traton e tij r-
q qej] elke Dkaj tlan[ta,
Deinomnej k' gera[r]omen un.22
(Quarto Epincio de Baqulides)
Kh a me proslqe fluara ok qlonta:
o qlont me proslqe Kh a fluara.23
(Fragmento 10 de Timocreo)
De outro lado e tendo efeito geralmente oposto, encontram-se as
consoantes
constritivas, cuja pronncia se baseia na limitao da passagem do
ar entre diferentes
pontos do aparelho fonolgico. No Grego antigo, elas se
restringem a /r/, /l/, /s/ e /z/.
Grosso modo, as consoantes constritivas tm o efeito de suavizar
o verso,
harmonizando-se com as vogais em uma tonalidade difana, como no
exemplo abaixo:
calssomen d tj qumobrw laj24
(Fragmento 70 de Alceu)
interessante notar ainda a possibilidade, passvel de ser vista
no exemplo
apresentado acima, de oclusivas como /kh/ e /th/ se amenizarem,
de modo a seu valor
aspirado sobressair-se a seu fator oclusivo.
22
Uma quarta vez estaramos honrando
O filho de Deinomenes se algum deus
Estivesse segurando a balana da Justia.
23 Banalidades da Cia vieram a mim contra minha vontade;
Contra minha vontade vieram a mim banalidades da Cia.
24 Relaxemos da disputa que consome o corao.
-
20
A lquida /r/, no entanto, quando sucede ou antecede diretamente
uma consoante
oclusiva, tem em geral o efeito de intensificar o peso da
consoante do outro tipo, por
conta de seu carter vibrante, como no caso abaixo:
porfur t' 'Afrodth
(Fragmento 357 de Anacreonte)
-
21
III Ritmo
A primeira e mais notvel distino que se estabelece, do ponto de
vista mtrico,
entre o Grego antigo e as lnguas romnicas atuais diz respeito ao
uso de um mtodo
quantitativo de anlise das slabas poticas. Em vez do modelo com
que estamos
familiarizados e no qual se diferenciam as slabas poticas de um
texto levando em
considerao seu grau de tonicidade, o Grego tinha como critrio,
para diferenciar as
slabas poticas de um verso entre si, o tempo que se levava para
pronunci-las, que
podia ser maior ou menor.
Essa caracterstica da metrificao grega, naturalmente, reflete
uma
particularidade da prpria lngua helnica antiga, uma vez que nela
no havia uma
distino entre slabas tnicas e tonas, e sim entre slabas longas e
breves.
Faz parte do campo de estudo da Prosdia a anlise da quantidade
de slabas em
um perodo, onde a durao quantitativa de uma slaba breve se
indica por um tempo ou
mora, e a de uma longa por dois tempos ou morae.25
Estima-se, contudo, que a durao
de uma slaba longa, comparada a de uma slaba breve, estivesse na
proporo de 5:3.26
De forma simplificada, uma slaba ser, geralmente, longa quando
possuir uma
vogal longa27
ou um ditongo, ou quando houver duas consoantes em seqncia entre
seu
final e o comeo da prxima slaba. H inmeras excees e casos parte
que devem
ser estudados separadamente, mas, sabendo-se essas regras
gerais, possvel escandir
versos em grego antigo sem muita dificuldade.
Em uma escanso ou em uma estruturao rtmica, emprega-se o
smbolo
para identificar e representar as slabas longas, e o smbolo ,
para as breves. H,
ainda, um terceiro tipo importante de posio comumente assinalado
na metrificao
grega, o qual se denomina anceps e se simboliza com um . Sua
funo a de indicar
25
Gentili (1951: 5).
26 West (1987: 6).
27 As vogais h e w so longas por natureza.
-
22
que uma determinada posio do verso pode ser ocupada tanto por
uma slaba longa
quanto por uma slaba breve.
Desta forma, sabendo diferenciar as slabas longas das breves e
como assinal-
las, podemos escandir o verso de Tirteu abaixo:
ot' / n / mnh / sa / mhn / ot' / n / l / gwi / n / dra / ti / qe
/ hn
Assim como aconteceu, acima, slaba gwi de ser lida como breve
por
necessidades mtricas, tambm pode ocorrer de uma slaba breve ser
lida como longa no
verso pela mesma razo.28
Em nossa lngua, mesmo que se considerem vlidas para metrificao
as slabas
subtnicas de uma palavra, elas muitas vezes no tero o efeito
desejado dentro de um
verso, por serem, isoladamente, menos acentuadas do que as
slabas tnicas por
natureza. Em grego, contudo, por conta do uso do sistema
quantitativo descrito acima,
uma mesma palavra podia ter mais de uma slaba longa, como visto
no exemplo
escandido, no havendo grandes distines entre as slabas de mesmo
tipo dentro de um
verso ou mesmo dentro de uma nica palavra. O resultado, como se
pode esperar, que
havia uma facilidade maior de empregar padres mtricos complexos,
facilidade essa
que era expandida ainda mais pela possibilidade de ocorrncia de
dois fenmenos,
denominados respectivamente contrao e resoluo.
O primeiro pode ocorrer quando h, no esquema mtrico, duas posies
breves
antes de uma longa. Trocam-se, ento, essas posies por uma longa.
A resoluo, por
sua vez, consiste na substituio de uma posio longa por duas
breves, sendo que a
condio bsica para sua ocorrncia a de que essa posio longa no
seja a ltima de
seu tipo no perodo.29
Tendo em mente que o metro do verso apresentado acima fixo e
28
Ver West (1987) e Gentili (1951) para as ocasies em que esse
fenmeno pode ocorrer.
29 West (1987: 6).
-
23
que permite contrao em todos os ps,30
podemos voltar agora a seu exemplo de
escanso e identificar, com o smbolo , as slabas longas que foram
originadas a
parte da contrao de duas slabas breves subseqentes e contraveis,
chamadas bceps:
ot' / n / mnh / sa / mhn / ot' / n / l / gwi / n / dra / ti / qe
/ hn
Tem-se, portanto, como unidade mnima, em metrificao grega, a
mora, ou a
durao temporal de um fonema. Derivando disso, a prxima unidade
com que se
trabalha, numa sucesso de grandezas, seriam as slabas, que se
constituem e se
diferenciam, entre longas e breves, de acordo com sua durao
temporal. Em seguida,
entrando mais a fundo no territrio do ritmo, tem-se o p, que
nada mais do que uma
combinao padro de slabas longas e breves.
Versos inteiros, ou mesmo poemas, podem ser constitudos
simplesmente pela
justaposio de palavras cujas slabas poticas, em sucesso, criam
uma torrente
ininterrupta de um determinado p. O resultado disso, como se
pode imaginar no
entanto, seria um ritmo por demais marcado e montono. Por isso,
quando lidando com
um tipo nico de p, algumas licenas, precisam ser tomadas, a fim
de variar mesmo o
mais rgido dos metros, para que a beleza e a magia do ritmo no
se transformem em
uma repetio mecnica e fria.
Talvez se possa supor que tenha sido da padronizao das licenas
tomadas, ou
no, quando empregando metros criados com um ou outro p que tenha
surgido o
metron, o qual, geralmente, se constitui de um ou dois ps
justapostos, com ou sem
alguma variao interna que possibilite uma distino pontual no
andamento do verso.
Desta forma, um p trocaico, que se cria pela seqncia de uma
slaba longa e de
uma breve, ter o seguinte metron:
30
exceo do ltimo, cuja segunda e ltima posio na verdade um anceps,
como se ver na seo
mtrica dedicada ao Dstico Elegaco, e do terceiro p quando a
cesura no se encontra logo depois de sua
slaba longa inicial.
-
24
Em alguns casos, como aparece no hexmetro dactlico, o metron
equivale
prpria extenso do p, de modo que esse verso se caracteriza,
simplesmente, pela
justaposio de seis dctilos. Essa aparente simplicidade, no
entanto, logo descartada
quando se tem em mente a possibilidade de contrao das slabas
breves do dctilos, a
existncia de uma ou mais cesuras no verso em posies diferentes,
alm de outras
peculiaridades que sero analisadas um pouco mais detalhadamente
no captulo que diz
respeito a esse metro. Algumas caractersticas, por outro lado,
podem ser vistas aqui,
por conta de serem mais gerais e dizerem respeito a toda sorte
de metros.
Em primeiro lugar, cabe aqui um comentrio a respeito da natureza
geral do
ritmo criado pela mtrica particular de um poema. H,
primordialmente, dois tipos
bsicos de ritmo em poesia, os quais podem se misturar e variar
para criar composies
mais complexas: o ritmo ascendente (jambo, anapesto, etc) e o
ritmo descendente
(troqueu, dctilo, etc).
Como se pode talvez j antecipar, o ritmo ascendente tem uma
facilidade maior
para criar uma atmosfera mais vvida e para indicar alegria, ao
passo que o ritmo
descendente se associa com maior facilidade a temas de maior
sobriedade e
melancolia. Os poemas cujo contedo se harmoniza diretamente com
o ritmo vo, em
geral, direto ao cerne do sentimento que exprimem e buscam
potencializ-lo ao
mximo. Vejamos alguns exemplos:
Salve, lindo pendo da esperana,
Salve, smbolo augusto da paz!
(Olavo Bilac, Hino Bandeira)
Alvorada l no morro, que beleza.
Ningum chora, no h tristeza.
Ningum sente dissabor.
(Cartola, Alvorada)
Quanto mais desejo ver-vos,
-
25
Menos vos vejo, Senhora.
(Cames, Ana quisestes que fosses)
Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night
(William Blake, The Tyger)
Por outro lado, quando o ritmo adotado em um poema contrrio ao
sentimento
expresso nele, resulta-se um estranhamento que pode indicar,
reforar ou prenunciar a
dualidade ou ambigidade do tema enunciado. Exemplos:
um contentamento descontente.
(Cames, Soneto 11)
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sanguenta na mo?
(lvares de Azevedo, Meu Sonho)
Belo belo minha bela
Tenho tudo que no quero
(Manuel Bandeira, Belo Belo)
Quando passas, to bonita
Nessa rua banhada de sol
Minha alma segue aflita
E eu me esqueo at do futebol.
(Tom Jobim, Falando de Amor)
Em segundo lugar, interessante fazer um breve esclarecimento a
respeito da
natureza da cesura. Esse artifcio nada mais do que uma conveno,
estabelecida com
fins rtmicos, de fazer com que certa posio num verso coincida
com o final de uma
palavra, de modo a criar uma pausa no andamento do texto e a
dividir o verso em
hemistquios. A observao de Emil Staiger a respeito da cesura no
hexmetro dactlico
-
26
parece ser muito esclarecedora de sua importncia rtmica: Como
uma pequena barra a
cesura parece suster o verso, para que uma torrente ininterrupta
de dctilos no o leve
consigo.31
Alm da cesura, uma ltima caracterstica que deve ser assinalada
a
semelhana entre um fenmeno da metrificao em lngua portuguesa que
pode ser
notado, com alguma variao, tambm em Grego. Quando contamos as
slabas poticas
de um verso, geralmente, ignoram-se todas as slabas tonas que
seguem aps a ltima
slaba tnica. Na metrificao grega, as posies breves aps a ltima
posio longa no
precisam, na maioria dos metros, ser preenchidas. Disso, decorre
um verso ser
cataltico, quando tem slabas a menos do que o esperado, ou
acataltico, quando todas
suas posies so devidamente ocupadas. H, ainda, a ocorrncia de
versos
hipercatalticos, ou seja, com uma ou mais slabas poticas do que
o esperado.
Por fim, segue uma relao dos smbolos empregados, neste trabalho,
para a
marcao mtrica e rtmica:
Slaba longa
Slaba breve
Slaba geralmente longa
Slaba geralmente breve
Anceps
Base elia
Bceps contravel
Bceps contrado
Longa Resolvvel
Longa Resolvida
Jambo
Troqueu
Periambo
Espondeu
31
Staiger (1997: 96).
-
27
Dctilo
Anapesto
Ocorrncia de cesura
Geralmente h cesura
Maior/menor probabilidade de cesura /
Fim de perodo
Fim de estrofe
-
28
IV Mtodo de Traduo
O sistema proposto por Pound e mencionado no tpico anterior
plenamente
capaz de auxiliar-nos a delimitar o mbito de nossa traduo potica
e um mtodo com
que nos guiarmos e que estabelea os elementos aos quais o
trabalho de traduo
atentar.32
Aplicando-o a nosso intento, nada mais certo seria do que dizer
que o
objetivo da traduo que se far o de criar uma experincia
comparvel33 ao
original, na qual estejam presentes as trs funes poticas
assinaladas por Pound na
medida em que apaream no texto a ser traduzido sob a forma da
musicalidade, do
contedo imagtico e do sentido.
A perfeio terica desse sistema, no entanto, inviabiliza seu uso
sem que se
faam algumas consideraes mais aprofundadas, partindo do princpio
pragmtico de
que quase nunca ser possvel traduzir todos os elementos poticos
de um texto. Em
primeiro lugar, portanto, preciso definir o que o objeto da
traduo, para escolher
quais de suas caractersticas so fundamentais na sustentao de sua
existncia e de seu
status enquanto poesia.
Seria demasiadamente ambicioso e at mesmo tolo acreditar que se
poderia
resgatar inclume a inteno original do poeta e, a partir da,
basear o foco do trabalho
de traduo. J bastante difcil adivinhar alm de ser um esforo mais
do mbito do
vaticnio do que da teoria literria a inteno dos poetas mais
prximos de ns tanto
no aspecto temporal quanto espacial. Quem dir daqueles que
viveram h quase trs mil
anos atrs em uma realidade completamente adversa nossa?
32
Decidir traduzir um poema , no incio, uma questo de perceber ao
qu o tradutor espera ser fiel.
Matthews (1966: 67).
Traduzir significa sempre cortar algumas das conseqncias que o
termo original implicava. Nesse
sentido, ao traduzir no se diz nunca a mesma coisa. A
interpretao que precede cada traduo deve
estabelecer quantas e quais das possveis conseqncias ilativas
que o termo sugere podemos cortar. Sem
nunca estarmos completamente seguros de que no perdemos uma
reverberao ultravioleta, uma aluso
infravermelha. Eco (2007: 107).
33 No uma representao, em qualquer sentido formal, mas uma
experincia comparvel. Fitts (1966:
34).
-
29
De uma forma ou de outra, no entanto, preciso definir o que
aquilo que se ir
traduzir, a fim de criar um caminho para faz-lo. Devemos, ento,
ater-nos aos
elementos que nos so perceptveis, como aqueles pertencentes s
trs esferas tratadas
anteriormente, e imagem sensvel que o conjunto desses elementos
cria e suscita em
nossas psiques ao lermos o poema.
A traduo um ato de interpretao e a interpretao feita por meio de
uma
traduo potica deve ser um ato de poesia.34
Na impossibilidade mencionada
anteriormente de verificar o que se passava na mente do poeta no
momento de
composio da obra, resta-nos estudar aquilo que povoa nossas
mentes ao ler seu
trabalho. Dentre todas as imagens possveis criadas pelo poema, h
sempre uma central
e primeira, que se estabelece pela unio imediata do plano do
sentido com o plano da
musicalidade, e partir da qual as demais impresses se
originam.
Nessa imagem primeira, que se confunde muitas vezes com a
interpretao dita
mais superficial ou banal, que esse trabalho tentar focar-se, na
esperana de que, ao
aproximar-se da imagem central do poema e ao recriar seus
elementos poticos
principais,35
no elimine muitos dos caminhos existentes no original para as
demais.
Uma vez definido o que o objeto de nossa preocupao, passemos
agora para a
maneira pela qual se tratou esse objeto na tarefa de resgatar
algo de sua essncia durante
o processo de traduo.
Em primeiro lugar, quando havia a necessidade de escolher entre
manter um
efeito potico e fazer uma correspondncia um pouco mais acertada
na traduo, foi
prefervel empregar vocbulos menos literais e tentar salvar a
poeticidade do texto.
Como exemplo disso, vejamos esse verso do Fragmento 1 de
Mimnermo e sua
traduo, tal qual aparece neste trabalho:
34
Ele precisa ser tanto um poeta quanto um intrprete. De forma
mais direta, sua interpretao precisa
ser um ato de poesia. Fitts (1966: 34).
35 O tradutor precisa inventor efeitos formais em sua prpria
lingua que dem uma impresso semelhante
quela produzida pelos efeitos do original. Isso trabalhar por
analogia. Matthews (1966: 67).
-
30
ll' cqrj mn paisn, tmastoj d gunaixn
odioso aos jovens e infame aos olhos das moas.
O texto original possua uma bela assonncia entre paisn e
gunaixn,
criando uma rima interna ao final de cada hemistquio do verso.
Na impossibilidade de
criar um efeito mais parecido, tentou-se compens-lo com
assonncias em // e //,
traduzindo gunaixn, que literalmente seria s moas, pela metonmia
aos olhos
das moas.
No caso acima, trabalhou-se, em parte, por recriao, pela
similaridade entre a
natureza dos dois efeitos, e, em parte tambm, por compensao,
visto que os efeitos
tm, certamente, uma discrepncia entre si, no havendo uma
correspondncia mais
acurada. Neste trabalho, essas foram as duas formas principais
de reproduzir a
poeticidade do texto original no texto traduzido. Elas variam
livremente, de acordo com
a necessidade encontrada em cada caso especfico.
Em segundo lugar e como mencionado anteriormente, nos momentos
em que foi
preciso escolher entre traduzir um efeito ou outro, foi dada
prioridade a traduzir os
efeitos poticos do texto que contribuam mais ativamente para, de
alguma forma,
modificar ou acentuar as possibilidades de significncia do
poema.36
Um exemplo disso pode ser visto na maneira pela qual se traduziu
o primeiro
verso do Fragmento 5 de Arquloco:
spdi mn Sawn tij glletai, n par qmnJ,
Com meu escudo um saio se ufana, o qual junto moita,
36
No h eufonia ou cacofonia em si, a no ser em funo do contedo
semntico. Mais precisamente, a
harmonia s experimentada sob os auspcios da expressividade, e a
expressividade ajustada ao
sentido. Dufrenne (1969: 77).
-
31
No caso apresentado acima, o vocbulo spdi encontrava-se em posio
de
destaque no incio do verso inicial do poema. As nicas maneiras
de traduzir esse efeito
envolveriam quebrar a lgica de apresentao do poema, fazendo com
que o eu-lrico se
reportasse ao escudo na segunda pessoa do singular, por exemplo.
Isso adulteraria o
formato escolhido pelo poeta para expor as idias do poema e,
certamente, representaria
uma quebra muito grande com a forma do poema original. Por conta
disso, foi
necessrio deixar de lado esse efeito potico e no recri-lo.
Uma outra caracterstica a que se atentou foi a de buscar ao
mximo respeitar a
integridade dos versos, especialmente quando se tratar de casos
em que essa integridade
relevante ao sentido. Ou seja, sempre que possvel e relevante,
tentou-se traduzir as
palavras sem mud-las de um verso para o outro.
Como exemplo disso, vejamos o seguinte verso do Fragmento 1 de
Mimnermo e
sua respectiva traduo:
tj d boj, t d terpnn ter crusj 'Afrodthj;
Que existncia e prazeres, na ausncia da urea Afrodite?
No caso em questo, o verso hexamtrico possua uma unidade coesa e
perfeita
no texto grego, formando um todo por si s. Quebr-lo em mais ou
menos de um verso,
seria, certamente, um rompimento severo na relao da traduo com o
objeto
traduzido. Ademais, seria perdida a beleza do hexmetro
perfeitamente concebido e
autnomo, tal qual figura no original.
Da mesma forma, a traduo foi feita em um padro mtrico que se
assemelhe
em algo com o do original, seja pela extenso ou pela cadncia.
Essas so normas auto-
impostas para evitar que o trabalho fuja do mbito da traduo para
aquele da recriao
livre.37
37
O mtodo de verso-a-verso e a base mtrica original ajudam tambm a
impedir a traduo de vagar
rumo variao livre, a qual deve ser feita por deliberao prpria e
no por deslize. Aqui onde comeo
e onde devo agora terminar. Lattimore (1966: 56).
-
32
Retomando o exemplo anterior, podemos observar abaixo a
tentativa de criar o
ritmo do hexmetro, fazendo uma correspondncia entre as slabas
longas do Grego e as
tnicas do Portugus:
tj / d / b / oj, / t / d / terp / nn / ter / cru / sj / 'A / fro
/ d / thj;
Que / e / xis / tn / cia e / pra / ze / res, / na au / sn / cia
/ da / u / rea A / fro / di / te?
Aps a cesura, o segundo hemistquio um tanto quanto diferente,
pela opo de
no empregar espondeus na traduo. O padro empregado para esses
hexmetros o
mesmo que Carlos Alberto Nunes utilizou em suas tradues da Ilada
e da Odissia.
A possibilidade de correspondncia entre as slabas longas de
lnguas clssicas,
como o Latim e o Grego, e as slabas tnicas de lnguas modernas,
como o Portugus e
o Ingls, no de modo algum uma inovao. Com efeito, o prprio fato
de serem
empregados os mesmos, ou semelhantes, termos para designar e
nomear os diferentes
tipos de ps e metros nesses dois modos diferentes de apreenso do
ritmo certamente j
nos serve de evidncia de que eles possuem alguma similaridade
entre si. Essa
semelhana se d no campo rtmico, uma vez que cada sistema,
independente da forma
empregada para marcar a cadncia da fala, produz um ritmo baseado
na repetio
regular de sua caracterstica marcante e distintiva.38
A partir disso, a possibilidade ou impossibilidade de recriar um
ritmo de outra
lngua, alheio ao cnone de ritmos provados possveis ao longo dos
sculos em nossa
lngua, depende to-somente de haver palavras que possam ser
combinadas de modo a
38
A noo de repetio regular central para nosso entendimento de
ritmo. Qualquer fenmeno que
exiba periodicidade pode ser chamado de rtmico,
independentemente de qualquer evidncia dessa
periodicidade ser acessvel nossa percepo. Hasty (1997: 4).
-
33
mimetizar a nova cadncia por meio das caractersticas distintivas
de ritmo existentes na
lngua de chegada.39
No caso da traduo, no entanto, h muitas vezes uma dificuldade
extra
dependendo do grau de compromisso que o tradutor tenha
estabelecido a priori com a
forma e o contedo do texto original. Assim, por mais que haja
palavras em Portugus
que, justapostas em uma frase, produzam um ritmo mais
complicado, esse ritmo talvez
se mostre impossvel de ser alcanado durante um trabalho de
traduo que no queira
entrar no mbito da recriao livre.
Neste trabalho, houve alguns casos que se enquadram no cenrio
descrito acima.
Mesmo assim, buscou-se um padro mtrico mais ou menos parecido,
seja pela
extenso puramente dita, com um nmero semelhante de slabas
poticas, ou pela
cadncia dos versos, buscando recriar quando possvel o padro pelo
qual se repetiam as
slabas marcantes do texto original. Esse ltimo caso onde se
enquadra o mtodo
empregado para criar um padro mtrico com que traduzir a poesia
de Pndaro, tal qual
se descreve no captulo que lhe diz respeito.
Por fim, foi prefervel, de forma geral, traduzir eptetos e
outros termos
compostos do Grego por perfrases, para evitar que se causasse um
estranhamento no
leitor ao ver um nmero muito grande de termos cunhados a partir
do Grego. Em alguns
casos, no entanto, quando parecia interessante ao ritmo ou
sonoridade, por exemplo,
foram empregados eptetos compostos, como dedirrsea, para
designar a Aurora.
39
Toda lngua tem suas prprias formas, existentes e possveis:
aquelas que os poetas j encontraram e
usaram, e aquelas ainda a serem descobertas. As formas vm dos
sons, ritmos, significados, e de todas as
relaes que os poetas conseguem descobrir entre essas e trazer
para a existncia perceptvel. o trabalho
dos poetas encontrar as combinaes, e isso signifca invent-las.
Matthews (1966: 68).
-
34
Dstico Elegaco
Segundo West, Por elegia, denota-se uma tradio potica, em metro
elegaco,
na qual o poeta discursa por meio de sua prpria pessoa,
geralmente dirigido a um
interlocutor especfico e no contexto de uma ocasio particular de
interao.40 A elegia
se prestava, em geral, a uma meditao do poeta a respeito de um
determinado assunto,
o qual era de interesse do pblico por fazer parte das questes
caras ao pensamento da
poca. Para esse fim, o ritmo dactlico empregado era extremamente
eficaz, criando um
andamento sereno e quase marcial.41
De acordo com Dihle, no entanto, o termo elegia no de origem
grega, sendo
que, at o perodo clssico, palavras que lhe eram etimologicamente
relacionadas ainda
pertenciam ao vocabulrio do lamento fnebre, legoj. Por conta
disso, imagina-se
que, talvez, a elegia tenha tido como ocasio de performance e
objeto de composio
inicial o lamento fnebre. Essa teoria se mostra possvel pela
existncia de um
fragmento como o de nmero 13 de Arquloco, em que o poeta lamenta
a morte de
homens em um naufrgio.42
Quanto sua estrutura formal, o dstico elegaco constitudo pela
seqncia de
um verso composto em hexmetro dactlico e outro verso criado a
partir de dois
hemistquios deste mesmo metro justapostos, os quais muitas vezes
so chamados, sem
grande preciso, de pentmetro apenas por convenincia e
praticidade.
O hexmetro dactlico, como o prprio nome indica, estrutura-se por
meio de
seis ps de dctilos, podendo haver contrao nos cinco primeiros
ps, cujo ltimo
necessariamente cataltico, ou seja, termina incompleto, com um
troqueu ou com um
espondeu.
O hexmetro o metro com o qual se compuseram os poemas da pica
grega.
Por conta disso, os poemas mais antigos que tambm o empregam,
seja em sua
40
Traduzido de West (1974: 2).
41 Os ritmos do gnero constante, dctilos e anapestos, do ao
ouvido e ao esprito um sentimento de um
equilbrio particularmente agradvel: neles, o andamento era
regular e harmonioso. Croiset (1890: 2 ).
42 Dihle (1994: 33).
-
35
totalidade ou parcialmente, maneira do dstico elegaco, acabam
por emprestar as
frmulas da pica em sua composio. Esse fato facilmente observvel,
por exemplo,
em alguns poemas de Arquloco e Tirteu.
Abaixo, podem-se examinar as duas estruturas mais comuns do
hexmetro
dactlico grego:
Como um exemplo ilustrativo dessa estrutura mtrica, vejamos a
seguir a
escanso de um verso inicial de um poema de Slon (Fr. 9):
k / ne / f / lhj / p / le / tai ci / / noj / m / noj / / d / ca
/ l / zhj,
H sempre uma cesura necessria no hexmetro dactlico grego, a qual
se
estabelece aps a primeira slaba do terceiro p, como no exemplo
acima, ou aps a
segunda, como mais comum, na proporo 4:3.43
Optou-se por traduzir esse primeiro
verso do dstico elegaco na forma de um hexmetro dactlico sem
cesura mandatria,
como o empregado, tambm em lngua portuguesa, por Carlos Alberto
Nunes em suas
tradues da Ilada e da Odissia. Em alguns casos, poder estar
presente a cesura, mas
preferiu-se optar por uma maior flexibilidade, no adotando a
cesura obrigatria. Pelo
mesmo motivo, o ltimo verso dos hexmetros, na traduo, nem sempre
ser cataltico.
Deixando, por enquanto, o hexmetro de lado, observemos agora a
estrutura
padro de seu pentmetro:
43
West (1987: 19).
-
36
Como se pode ver, o primeiro hemistquio do pentmetro do dstico
elegaco
possui uma estrutura idntica do hexmetro. Contudo, o segundo
hemistquio tem uma
conformao mais rgida, no permitindo a contrao de nenhum
bceps.
Continuando no verso seguinte do mesmo poema de Slon, vejamos a
escanso
de um pentmetro, onde se podem perceber, nos dois primeiros ps,
exemplos de
contrao:
bron / t / d' k / lam / prj gg / ne / tai / s / te / ro /
pj:
Como dito anteriormente, os hexmetros do dstico elegaco sero
traduzidos por
hexmetros dactlicos em nossa lngua, ou seja, versos de dezesseis
slabas com acentos
na primeira, quarta, stima, dcima, dcima terceira e dcima sexta
slaba, sem cesura
obrigatria. Para a traduo dos pentmetros, sero usados dois
hemistquios de
hexmetro do mesmo tipo, os quais tero, necessariamente, uma
cesura. Como
resultado, ser criado um verso de quatorze slabas com acentos na
primeira, quarta,
stima, oitava, dcima primeira e dcima quarta slaba. A seguir,
para exemplificar, h a
traduo desse dstico inicial do poema de Slon:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16
Par / te / das / nu /vens / o / vi / o / da / ne / ve e / da /
chu /va / de / pe / dras.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Bra / me o / tro / vo / de um / lam / pe jo ir / ra / di / an /
te / sur / gi / do.
Pode-se ver a cesura cortando o segundo verso no final do
vocbulo lampejo,
de modo que o segundo hemistquio de tal verso foi,
necessariamente, iniciado por uma
vogal acentuada. Dessa forma, criou-se uma cesura induzida pela
utilizao da sinalefa
entre lampejo e irradiante. A leitura dessa passagem deveria se
dar, mais ou menos,
da seguinte maneira: Brame o trovo de um lampej-irradiante
surgido, sem uma pausa
maior do que a normal entre lampejo e irradiante. Assim, ainda
que a cesura no se
localize no final da palavra escrita, ela se estabelece no fim
da imagem sonora do
vocbulo final do primeiro hemistquio.
-
37
Na traduo dos pentmetros do dstico elegaco, sero utilizadas
apenas cesuras
naturais, aquelas em que o vocbulo que corta o verso oxtono, ou
cesuras induzidas,
como a do exemplo anterior, sendo os dois tipos de cesura
comumente aceitos em nossa
lngua.44
44
No alexandrino clssico, por exemplo, deve o primeiro hemistquio
terminar em slaba forte, e o
segundo hemistquio at a 12 do verso conter o mesmo nmero de
slabas que o primeiro. Logo, se vier
no centro vocbulo paroxtono finalizado em vogal em face de vogal
inicial de palavra imediata, a cesura
cortar tal vocbulo, deixando de uma parte a slaba acentuada, e
de outra a restante inacentuada, ligando-
se esta a vocbulo do segundo hemistquio. Ali (2006: 43).
-
38
Tirteu Fr. 12
ot' n mnhsamhn ot' n lgwi ndra tiqehn
ote podn retj ote palaimosnhj,
od' e Kuklpwn mn coi mgeqj te bhn te,
nikih d qwn Qrhkion Borhn,
5 od' e Tiqwnoo fun caristeroj eh,
ploutoh d Mdew ka Kinrew mlion,
od' e Tantaldew Plopoj basileteroj eh,
glssan d' 'Adrstou meilicghrun coi,
od' e psan coi dxan pln qoridoj lkj
10 o gr nr gaqj gnetai n polmwi
e m tetlah mn rn fnon amatenta,
ka dhwn rgoit' ggqen stmenoj.
d' ret, td' eqlon n nqrpoisin riston
kllistn te frein gnetai ndr nwi.
15 xunn d' sqln toto plh te pant te dmwi,
stij nr diabj n promcoisi mnhi
nwlemwj, ascrj d fugj p pgcu lqhtai,
yucn ka qumn tlmona parqmenoj,
qarsnhi d' pesin tn plhson ndra parestj
20 otoj nr gaqj gnetai n polmwi.
aya d dusmenwn ndrn treye flaggaj
trhceaj spoudi d' sceqe kma mchj,
atj d' n promcoisi pesn flon lese qumn,
stu te ka laoj ka patr' eklesaj,
25 poll di strnoio ka spdoj mfalosshj
ka di qrhkoj prsqen lhlmenoj.
tn d' lofrontai mn mj noi d grontej,
rgalwi d pqwi psa kkhde plij,
ka tmboj ka padej n nqrpoij rshmoi
30 ka padwn padej ka gnoj xopsw
od pote kloj sqln pllutai od' nom' ato,
ll' p gj per n gnetai qnatoj,
ntin' risteonta mnont te marnmenn te
gj pri ka padwn qoroj Arhj lshi.
35 e d fghi mn kra tanhlegoj qantoio,
-
39
niksaj d' acmj glan ecoj lhi,
pntej min timsin, mj noi d palaio,
poll d terpn paqn rcetai ej 'Adhn,
ghrskwn d' stosi metaprpei, od tij atn
40 blptein ot' adoj ote dkhj qlei,
pntej d' n qkoisin mj noi o te kat' atn
ekous' k crhj o te palaiteroi.
tathj nn tij nr retj ej kron ksqai
peirsqw qumi m meqiej polmou.
No lembraria, neem verso, um homem jamais eu poria
Pelo valor de seus ps, ou de sua luta atravs,
Nem se ciclpicas fossem a sua grandeza e fora,
Nem se correndo ele at Breas, o trcio, vencesse,
5 Nem se ele mais do que Ttono fosse na forma aprazvel,
Nem se ele fosse bem mais rico que Midas, Ciniras,
Nem se ele fosse mais rgio do que o Tantlida Plops,
Nem se tivesse uma voz, mais que de Adrasto, melflua,
Nem se afamado por tudo exceo de rompente vigor,
10 Pois nenhum homem se faz de algum valor numa guerra
Se no puder suportar a viso da matana sangrenta
E no puder lacerar, firme e de perto, o inimigo.
Tal a excelncia e tal o prmio, entre jovens, melhor,
E um mais belo no h, para um jovem ganhar.
15 E bem comum para todos e para a nao e o povo
Sempre que firme mantm-se entre os primeiros um homem
Sem cessar nunca, de todo esquecido da fuga execrvel,
Pondo o nimo audaz e sua alma ao risco
E encorajando o homem ao lado com suas palavras;
20 Esse o heri que se faz de algum valor numa guerra.
Sbito fora fuga de homens hostis a falange
Bruta, e com zelo contm ele a onda da luta.
Entre os primeiros tombado, perdeu ele a vida querida,
Mas dando glria nao e a seu povo e ao pai.
25 Muita vez pelo escudo seu, umbilicado, e peito
-
40
E da couraa atravs foi perfurado de frente.
Jovens e velhos lamentam-no ambos de forma semelha
E se aflige a nao toda coa perda sentida.
E sua tumba e seus filhos, insignes entre os homens,
30 E as geraes a seguir, vindas dos filhos dos filhos;
Nunca iro perecer sua fama viril e seu nome,
E ele se torna imortal, inda que embaixo da terra,
Ele que, ao se fazer excelente enquanto lutava,
Pela terra e os filhos seus, morto por Ares furioso.
35 E, se ele escapa o fado da morte que espreita de longe,
Toma da sua lana ento glria ilustre ao vencer,
Todos o honram, de forma semelha, os jovens e os velhos.
Muito agrado ele tem antes de ir-se ao Hades.
Velho, distingue-se entre os concidados e ningum
40 Quer em sua honra o ferir, nem cometer-lhe injustia.
Todos lhe cedem lugar, igualmente, os jovens e aqueles
De sua idade e tambm os que lhe so ancios.
Dessa virtude agora chegar ao extremo um homem
Tente, em seu peito jamais renunciando guerra.
O fragmento 12 de Tirteu se apresenta como uma elegia a respeito
da virtude da
guerra. Nele, o eu-lrico discursa acerca da natureza do homem
que, a seu ver,
valoroso num contexto de combate.
O poema pode ser dividido em trs partes que, alis, tm uma
estrutura to bem
definida que poderiam ser lidos como textos independentes. A
primeira dessas divises
marca o poema de seu incio at o final do nono verso. Em seguida,
pode-se desenhar
uma linha, que separa a segunda parte da final, entre o vigsimo
e o vigsimo primeiro
verso. Essas partes tm, alm de uma estrutura prpria, tambm um
tema especfico
tratado em cada uma delas, a saber: i) as caractersticas que no
tm valor numa guerra;
ii) as caractersticas e aes que fazem um homem ter valor numa
guerra; iii) aquilo que
advm a um homem de valor numa guerra e sua estirpe ao trmino do
confronto,
esteja ele vivo ou morto. Depois de discorrer a respeito desses
temas e de afirmar o
-
41
modelo ideal de um homem valoroso, alm dos benefcios de que ele
goza, o poeta
termina a elegia com uma exortao para que se tente alcanar essa
virtude, no
renunciando guerra.
Nos primeiros versos do poema, o poeta comea a delinear o perfil
do homem
que, a seu ver, merece ser lembrado e cantado em verso. A
priori, ele se limita a afirmar
a imagem de seu ideal herico pela eliminao sucessiva de
caractersticas que no lhe
parecem importantes para um homem valoroso na guerra. Durante
oito versos, ele se
ocupa dessa longa tarefa. A fim de manter uma estrutura a que os
ouvintes/leitores
pudessem se ater e, assim, evitar que o grande volume de
propriedades elencadas
lentamente quebrasse qualquer estruturao lgica e a prpria
capacidade de
argumentao do poema, Tirteu fez com que, dos primeiros dez
versos do poema, sete
fossem principados pela negao o. Dessa forma, a extensa anfora
criada entre os
hexmetros garante uma unidade ao que, de outro modo, seriam
apenas caractersticas
diversas e soltas ao longo dos dsticos. Na traduo, recriou-se
esse efeito pela repetio
da negao nem.
No dcimo e no vigsimo verso do poema, ocorre um espelhamento
quase
completo das palavras que compem essas passagens. Esse recurso
no s enfatiza a
idia que se est tentando defender, mas tambm cria uma estrutura
anelar nesse trecho
do poema. De fato, h uma unidade muito bem estabelecida que pode
ser destacada do
restante do texto e observada por si s. O dcimo verso, dessa
forma, introduz a
assero a respeito do homem que o eu-lrico considera de valor na
guerra e que vai ser
trabalhada em detalhes at o vigsimo verso, no qual ela retomada
e reafirmada,
fechando assim a estrutura anelar. Na traduo, tentou-se, por
esse motivo, manter uma
simetria entre o dcimo e o vigsimo verso do poema, ainda que no
seja to intensa
quanto a do poema original.
Quanto aos efeitos sutis do poema, no segundo verso, pode-se
observar uma
rima interna ao final de cada um dos hemistquios do verso, com
os vocbulos retj
e palaimosnhj. Esse efeito foi recriado na traduo de maneira
semelhante, com
uma rima entre ps e atravs.
-
42
Outro efeito digno de nota a repetio da oclusiva /k/, tanto em
sua forma
normal quanto aspirada, no verso de nmero vinte e dois, como se
pode verificar nas
palavras trhceaj, sceqe, kma e mchj. Em Portugus, na traduo,
procurou-se compensar esse efeito com uma seqncia das
linguodentais /t/ e /d/ nos
vocbulos bruta, contm, onda, da e luta, sendo que o primeiro e o
ltimo
desses vocbulos, em posio de destaque no incio e no final do
verso, ainda criam
uma rima entre si.
No trigsimo verso do poema, h um efeito, conservado de certa
forma na
traduo, cuja beleza merece ser destacada. Trata-se do poliptoto
resultante da repetio
de padej em duas declinaes diferentes (padwn padej). , sem dvida
alguma,
um dos momentos mais altos do poema e tem uma fora expressiva e
retrica digna de
distino. No texto em Portugus, a palavra foi repetida sem variao
(dos filhos dos
filhos), pois pareceu ser a forma que teria um efeito mais
intenso em nossa lngua.
Por fim, pela proximidade do texto com a tradio pica, pode-se
observar uma
forte presena de vocbulos relevantes em posio de destaque no
incio ou no fim de
verso. Os mais importantes dentre eles so: polmwi (mantido na em
destaque
traduo) no final do dcimo verso, amatenta (mantido em destaque
na traduo)
no final do dcimo primeiro verso, stmenoj no final do dcimo
segundo verso,
riston no final do dcimo terceiro verso, kllistn no incio e nwi
no final
do dcimo quarto verso, yucn no incio do dcimo oitavo verso,
polmwi
(mantido em destaque na traduo) no final do vigsimo verso,
flaggaj (mantido
na em destaque traduo) no final do vigsimo primeiro verso, mchj
(mantido em
destaque na traduo) no final do vigsimo segundo verso, atj no
incio e qumn
no final do vigsimo terceiro verso, stu no incio e eklesaj no
final do
vigsimo quarto verso, ato no final do trigsimo primeiro verso,
qnatoj no
final do trigsimo segundo verso, gj no incio do trigsimo quarto
verso,
qantoio no final do trigsimo quinto verso, niksaj (mantido em
destaque na
traduo) no incio do trigsimo sexto verso, pntej (mantido em
destaque na
traduo) no incio do trigsimo stimo verso, 'Adhn (mantido em
destaque na
traduo) no final do trigsimo oitavo verso, ghrskwn (mantido em
destaque na
traduo) no incio e atn no final do trigsimo nono verso, pntej
(mantido em
-
43
destaque na traduo) no incio e atn no final do quadragsimo
primeiro verso e,
finalmente, polmou (mantido em destaque na traduo) no final do
ltimo verso do
poema.
-
44
Arquloco Fr. 3
otoi pll' p txa tanssetai, od qameia
sfendnai, et' n d mlon Arhj sungV
n pedJ xifwn d polstonon ssetai rgon
tathj gr kenoi dmonj esi mchj
5 desptai Ebohj dourikluto.
No se vero muitos arcos retesos, tampouco abundantes
Fundas, quando Ares reunir a rdua tarefa da guerra
Sobre a plancie, mas sim o trabalho aflitivo da espada.
Esta a luta em que so habilidosos aqueles
5 Lordes da Eubia, que fazem sua fama no punho da lana.
O fragmento 3 de Arquloco nos apresenta cinco versos escritos na
forma de
dsticos elegacos. O fato de o ltimo dstico encontrar-se
incompleto uma boa
indicao de que, provavelmente, haveria uma continuao a esses
versos. Da mesma
forma, como ocorre tantas vezes com fragmentos, no h como
sabermos com certeza
se no haveria, inclusive, outros versos precedendo os que
sobreviveram at ns.
O tema do fragmento marcial, e seu teor, aparentemente solene.
Sem sabermos
a exata ocasio de performance e sem termos o restante do poema,
a opo mais segura
a de ater-se ao sentido mais evidente e entender a passagem como
um poema
louvando a virtude guerreira dos senhores da Eubia, cujo valor
como prmacoi,
guerreiros que lutam frente e engajados em combate
corpo-a-corpo, enaltecido no
fragmento.
No primeiro verso do poema, o aspecto mais expressivo parece ser
a aliterao
em /t/ (otoi, txa, tanssetai e qameia), a qual foi recriada na
traduo
(muitos, retesos, tampouco e abuntantes). H ainda uma assonncia
em /o/
(otoi, pll'' e txa) compensada em Portugus por uma assonncia em
[o]
(no e vero).
-
45
Ainda no primeiro verso, h uma valorizao, no poema original, da
negao
otoi no incio do verso e do adjetivo qameia no final, ambos
ocupando, portanto,
posies de destaque. Na traduo, os vocbulos que os traduzem (no
e
abundantes) foram mantidos tambm em posio de destaque.
A seguir, o verbo sungV, no segundo verso, preferiu-se traduzir
por reunir,
uma vez que ambos compartilham a idia de juntar exrcitos.
Traduziu-se mlon por
rdua tarefa da guerra, levando em conta seu duplo sentido de
trabalho penoso e,
por conseguinte, de guerra.
O terceiro verso do fragmento , sem dvida, o ponto mximo do
poema, no
qual a musicalidade excepcional e o ritmo fluido da passagem,
aps a vrgula
apresentada na edio, se casam com uma imagem de inegvel fora, do
trabalho
aflitivo da espada, enaltecendo ao mximo o valor do mtodo de
combate do
prmacoj. Ao contrrio do ritmo truncado do primeiro verso e da
sonoridade variada
do segundo, o terceiro verso traz um ritmo fluido e uma
sonoridade marcada por sons
intercalados em /o/ (polstonon e rgon) e /e/ (n, pedJ, xifwn,
d,
ssetai, e rgon). No campo rtmico, o andamento ininterrupto se d
pela ausncia
de contrao no bceps de cada dctilo e pela cesura perfeita em
ambas as posies mais
usuais para cesuras do hexmetro, como se pode observar, abaixo,
na escanso do verso:
n / pe / d / J / xi / f / wn d po / ls / to / non / s / se / tai
/ r / gon
Na traduo, tentou-se compensar o efeito sonoro com assonncias
alternadas
em /i/ (sim e aflitivo) e /a/ (a, mas, trabalho, da, e espada).
Quanto ao
ritmo, o andamento do metro escolhido em Portugus , por
natureza, fluido devido
no utilizao de espondeus. Mesmo assim, tomou-se cuidado para no
empregar
vrgulas em excesso ou encontros voclicos resultantes em hiatos,
a fim de manter uma
maior fluidez rtmica.
Inicia-se, no quarto verso, um jogo de assonncias em //, com
tathj
principiando o verso e mchj finalizando-o, ambos os vocbulos em
posio de
-
46
destaque dentro do verso. Em seguida, no quinto verso,
encontra-se um eco dessas
palavras em Ebohj, cuja vogal de som // se parece na ltima slaba
antes da pausa
causada pela cesura. Esse efeito no pde ser reproduzido na
traduo.
Por fim, no ltimo e incompleto verso do original, traduziu-se
dourikluto
pela perfrase que fazem sua fama no punho da lana, que completa
o verso e, ao
mesmo tempo, por ter sido expandida com uma imagem, espera-se
que adicione um
pouco mais de vigor traduo, uma vez que a perfrase famosos pela
lana, por si s,
seria pobre em comparao fora que tem o vocbulo composto do
original.
-
47
Arquloco Fr. 4
ll' ge sn kqwni qoj di slmata nhj
fota ka kolwn pmat' felke kdwn,
grei d' onon ruqrn p trugj od gr mej
nhfmen n fulak tde dunhsmeqa.
Vai de caneco atravs das fileiras da clere nau!
Vai e, dos cavos tonis, torna a arrancar-lhes as tampas!
Caa o rbido vinho at mesmo na borra, pois ns
No poderemos ficar sbrios nesta viglia!
Os dois dsticos elegacos que compem o fragmento 4 de Arquloco,
apesar de
no formarem um poema completo, muito bem poderiam faz-lo. Como
relembra
Corra (1998: 102) em sua extensiva anlise do fragmento, a
publicao do Papiro
Oxirrinco 854, apesar de ter discernveis em si apenas algumas
palavras dispersas, serve
como testemunho de que o poema ao qual esses quatro versos
pertenciam possua pelo
menos outros quatro. A autora sugere, ainda, que esses versos
que temos completos,
juntamente com o ltimo dos versos presentes no papiro, pudessem
criar uma anttese
em relao aos demais que se perderam por completo. Assim, ficaria
reforada a
situao irnica de soldados envolvidos em beberragem em vez de se
concentrarem em
proteger seu navio durante a viglia, possivelmente em territrio
inimigo. Finalmente,
Corra tambm aponta que h um contraste entre epicismos, como
slmata nhj
(clere nau), e um vocabulrio especfico e indito pica, como
kqwni
(caneco).
Partindo para uma leitura pormenorizada, podemos observar, logo
de incio, que
o primeiro verso do original grego apresenta um jogo de
sonoridade com as vogais de
qoj e nhj. A relao sonora entre essas palavras, cujas vogais se
posicionam de
forma contrria, intensifica-se tambm pelo fato de nhj ser o
vocbulo com que o
verso se conclui e qoj ser a primeira palavra a aparecer no
segundo hemistquio,
como se pode observar na escanso apresentada abaixo:
-
48
ll' / / ge / sn / k / qw / ni qo / j / di / / sl / ma / ta / nh
/ j
As duas palavras, ademais, so separadas e tambm antecedidas por
uma
seqncia de sons de /a/ (ll' ge e di slmata). Na traduo,
tentou-se recriar
o jogo na assonncia em // como slaba mais forte em duas palavras
com tnicas em
posies diferentes (atravs e clere), tem torno das quais tambm h
uma forte
presena do som de /a/ (vai, das fileiras da e nau).
No verso seguinte, aproveitou-se a dificuldade de traduzir fota
seno por
uma perfrase, para criar uma anfora entre os dois primeiros
versos, que de certa forma
compensa tambm a assonncia do ditongo de fota e kolwn. Tentou-se
ainda
reproduzir a seqncia das oclusivas /k/ e /t/ do original (fota
ka kolwn e
pmat' felke kdwn) na traduo (cavos tonis, torna a arrancar-lhes
as
tampas).
Foi prefervel traduzir kdwn por dos .... tonis, em vez de das
... jarras,
que seria a traduo mais literal, por adequar-se melhor ao metro
e cadncia das
aliteraes buscadas, alm de tambm recuperar a sonoridade de
atravs e clere do
primeiro verso.
Este segundo verso foi um tanto qaunto difcil de traduzir, por
conta da cesura
empregada no esquema mtrico. Uma primeira tentativa de
traduzi-lo mostrou-se um
pouco confusa, como pode ser verificado na escanso apresentada a
seguir:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Vai / e / re / tor / na, e ar / ran / ca as tam / pas / dos / ca
/ vos / to / nis!
A soluo encontrada nesse momento anterior era indiscutivelmente
pior do que
a que figura na verso atual, uma vez que forava uma cesura
extremamente difcil de
ser percebida e muito pouco natural. O resultado final desse
verso, contudo, apresenta
-
49
uma cadncia muito mais limpa e mantm em torna a arrancar a idia
de freqncia
expressa pelo verbo foitw:
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
Vai / e, / dos / ca / vos / to/ nis, tor / na a ar / ran / car /
-lhes / as / tam / pas!
A seguir, no terceiro verso, manteve-se uma longa seqncia de
sons de /o/ (o
rbido vinho, mesmo e pois) semelhana do texto original (onon
ruqrn p
trugj).
Finalmente, colocou-se sbrios, como primeira palavra aps a
cesura do
quarto verso, numa posio de destaque em seu interior, para criar
um eco com ns no
final do terceiro verso, numa tentativa de compensar o jogo de
assonncias criado no
original por nhfmen n e fulak tde, o qual no se pde recriar.
-
50
Arquloco Fr. 5
spdi mn Sawn tij glletai, n par qmnJ,
ntoj mmhton, kllipon ok qlwn
atn d' xeswsa. t moi mlei spj kenh;
rrtw xatij ktsomai o kakw.
Com meu escudo um saio se ufana, o qual junto moita,
Arma impecvel, larguei, inda que contra a vontade.
Mas me salvei! Por que iria importar-me em razo de um
escudo?
Que ele se v! Depois eu compro outro em nada pior.
O fragmento 5 de Arquloco trata, de forma jocosa, de um tema
marcial caro
pica: o dos despojos de guerra. No poema, o eu-lrico relata
como, a fim de fugir,
abandonou junto a uma moita seu escudo e como esse foi tomado
por um guerreiro
inimigo que se vangloriou de tal feito. O descaso em relao a um
armamento era
certamente algo que, no mnimo, deveria causar certo
estranhamento platia de sua
poca, podendo certamente induzi-la ao riso.
Esse choque potencialmente cmico se dava, mormente, por dois
motivos. Em
primeiro lugar, devido ao fato do escudo de um soldado fazer
parte do equipamento que
lhe conferia o status de guerreiro. Como exemplo, pode-se
lembrar a importncia das
armas na Ilada, em que h uma luta pelo cadver de Ptroclo e pelas
armas de Aquiles
que ele portava, a qual ocupa toda a extenso do canto XVII, ou
mesmo no relato do
combate das Termpilas nas Histrias de Herdoto, em que o escritor
afirma ter havido
uma grande luta em torno do cadver de Lenidas (7.225), para
proteger seu
equipamento dos inimigos que desejavam pilh-lo.
Por outro lado, o escudo era ainda mais importante por ser uma
pea usada para
defender o homem ao lado na falange, como se pode observar no
fragmento de Tirteu
presente neste trabalho. Por conta disso, era vergonhoso
abandonar seu escudo, para,
livre de seu peso, bater em retirada.
-
51
Como visto, o escudo o tema central do fragmento e sua
importncia pode ser
notada pelo fato dele ser o vocbulo que abre o poema.
Infelizmente, no foi possvel
manter, na traduo, a palavra escudo na posio inicial. A nica
maneira de faz-lo
seria grafando-a como scudo, ignorando o e inicial a fim de
adaptar o vocbulo
estrutura mtrica do poema. Mesmo com esse artifcio, ainda seria
muito difcil criar um
verso coerente e eufnico, de modo que foi foroso aceitar a
impossibilidade de alocar o
termo na posio inicial de destaque.
As palavras spdi e ntoj, localizadas, respectivamente no comeo
do
primeiro e do segundo verso, entram numa relao de oposio com
atn,
posicionado no incio do verso seguinte. Refora-se, dessa forma
no poema original, o
peso e a importncia do armamento e a maneira pela qual o
eu-lrico contrapunha o
valor de sua prpria existncia a qualquer valor que o objeto
tivesse. A seguir, a palavra
que inicia o ltimo verso, rrtw, tambm o ponto mximo dessa
oposio, por
culminar na ordem desferida pelo eu-lrico em relao ao escudo,
que se v!, de modo
a afirmar a superioridade do homem sobre a ferramenta, da carne
sobre o metal, da mo
que brande a arma sobre a arma propriamente dita, qual no h funo
nem razo de
ser sem a presena do homem.
Essa estrutura, na traduo, perdeu um pouco de sua fora, como
visto
anteriormente, por conta do vocbulo escudo no figurar na posio
inicial do
primeiro verso e, por conseguinte, do prprio poema.
interessante notar, no poema original, a fora sonora do segundo
verso,
marcado pela presena recorrente dos sons /o/ ou // em todas as
palavras que o
compem. Na traduo, esse efeito sonoro, que acentua a solenidade
inicial com que o
escudo apresentado, foi compensado por rimas internas em ei, nas
palavras
larguei e salvei, retomando tambm a sonoridade do mesmo ditongo
presente no
original nas palavras mlei e kenh do terceiro verso.
Por fim, um ltimo fator interessante que pode ser notado a
ausncia de
caracterizao do rival do eu-lrico que lhe rouba o escudo. Ao
contrrio da pica, onde
era praxe elencar diversas qualidades nobres do adversrio do
heri, alm de seus feitos