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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
ALM DAS ARMAS: GUERRILHEIROS DE ESQUERDA NO CEAR
DURANTE A DITADURA MILITAR (1968-72)
Jos Arton de Farias
Fortaleza Cear Maro/2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE HISTRIA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
Jos Arton de Farias
ALM DAS ARMAS: GUERRILHEIROS DE ESQUERDA NO CEAR
DURANTE A DITADURA MILITAR (1968-72)
Dissertao apresentada como exigncia para a obteno do grau
de Mestre em Histria Social comisso julgadora da Universidade
Federal do Cear, sob a orientao
do Prof. Dr. Luigi Biondi.
Fortaleza Cear Maro/2007
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Jos Arton de Farias
ALM DAS ARMAS: GUERRILHEIROS DE ESQUERDA NO CEAR
DURANTE A DITADURA MILITAR (1968-72)
Dissertao apresentada como exigncia para a obteno do grau de
Mestre em Histria Social de Ps-Graduao em Histria da Universidade
Federal do Cear, pela comisso examinadora formada pelos seguintes
professores (as):
Banca Examinadora
____________________________________________________
Prof. Dr. Luigi Biondi UNIFESP (Orientador)
____________________________________________________
Prof. Dr. Frederico de Castro Neves UFC
____________________________________________________
Prof.Dr. Mnica Dias Martins UECE
____________________________________________________
Prof.Dr. Ivone Cordeiro Barbosa UFC (Suplente)
Aprovada em ___ de____________ de 2007.
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Para aqueles que, empunhando armas, ideais e sonhos, adentraram
s trevas para combater pesadelos e semear outras manhs.
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AGRADECIMENTOS
Escrever e pesquisar constituem-se tarefas coletivas. Sem o
apoio de vrias pessoas e instituies, no teria sido possvel elaborar
esta obra. Agradeo imensamente ao meu orientador, professor Luigi
Biondi, pelos agradveis momentos de discusso sobre histria (e sobre
futebol tambm, torcedor apaixonado que ele do Roma!). Valeu, meu
camarada! No poderia deixar de agradecer ao professor Francisco
Moreira Ribeiro, dileto amigo, que me acompanhou desde a elaborao
do projeto para entrar no Mestrado da Universidade Federal do Cear
aos momentos finais da escrita da dissertao. Aprendi bastante com
voc, companheiro. Obrigado por tudo.
Grato igualmente aos professores Franck Ribard e Edilene Toledo,
os quais ao compor a Banca de Qualificao, deram preciosa ajuda para
a pesquisa.
Obrigado especial tambm para Mrio Albuquerque, presidente da
Associao 64-68 Anistia, que gentilmente abriu-me as portas daquela
entidade e possibilitou vrios contatos para entrevistas e obteno de
documentos, sempre solicito e atento, da mesma forma que Papito
Oliveira, que franqueou o acesso aos arquivos da Comisso Estadual
de Anistia Wanda Sidou. Agradeo de corao.
A relao de pessoas importantes para a pesquisa grande. Perdo se
esqueo de algum. Muito grato a Rita Farias, Vagner de Farias,
Simone de Sousa, Sebastio Pontes, Claudia Freitas, Mnica Martins,
Acrisio Sena, Angelique Abreu, Artur Bruno, Srgio Braga, Amanda
Forte, Manuele Forte, Julie Scott, Wagner Rocha, Audifax Rios, Joo
Rios, Cristina Andrade, Deives e a meus professores do Mestrado da
Universidade Federal do Cear Frederico de Castro, Adelaide
Gonalves, Marya Sylvia Porto Alegre e Eurpedes Funes. Agradeo ao
apoio e a agradvel convivncia com meus diversos colegas de turma.
Grato aos funcionrios da Biblioteca Pblica Menezes Pimentel, da
Associao 64-68 Anistia, da Comisso Estadual de Anistia Wanda Sidou
e da Ps-Graduao de Histria da UFC.
Este trabalho nosso.
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RESUMO
O presente trabalho tem como objeto os guerrilheiros de esquerda
sobretudo da ALN (Ao Libertadora Nacional) e PCBR (Partido
Comunista Brasileiro Revolucionrio) no Cear durante a Ditadura
Militar, precisamente entre 1968 e 1972. Interpreta suas trajetrias
e experincias, bem como estas foram mudando com o aumento da
represso por parte do Regime Autoritrio existente no Brasil desde
1964. Por meio da anlise de entrevistas, jornais e documentos
oficiais, igualmente tenta compreender os vnculos entre os iderios
de solidariedade e anseio dos militantes por uma sociedade mais
justa com tradies antigas, sobremaneira da cultura judaico-crist,
sem descartar as influncias diretas de familiares, amigos, espao
escolar, Igreja catlica e nacionalismo. Tambm estuda o contexto em
que se deu a guerrilha e as principais aes praticadas pelos
revolucionrios no Estado.
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7
ABSTRACT
The present work has as object the guerrilla fighters of left
mainly of the ALN (National Liberating Action) and the PCBR
(Communist Revolutionary Brazilian Party) in the state of Cear
during the military dictatorship, necessarily between 1968 and
1972. It interprets its trajectories and experiences, as they had
been changing with the increase of the repression on the part of
the existing authoritarian regimen in Brazil since 1964. By means
of analysis of interviews, official periodicals and documents, it
equally tries to understand the bonding between the model of
solidarity and the yearning of militants for a fair society with
old traditions, mostly of the Jewish-Christian culture, without
discarding the direct influences of family, friends, the schools
space, the Catholic Church and Nationalism. It also studies the
context in which the guerrilla occurred and the main actions of the
revolutionaries in the State.
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8
SUMRIO
INTRODUO
.........................................................................................
9
CAPTULO 1 - REBELDES COM CAUSA
............................................ 30
1.1 Uma Histria de Lutas
....................................................................
30 1.2 Cear 1964
.....................................................................................
35 1.3 Assalto aos Cus
............................................................................
45 1.4 Cear 1968
.....................................................................................
50 1.5 Em Armas
.......................................................................................
62 1.6 A Histria em Lutas
........................................................................
74
CAPTULO 2 - DO CU PARA AS ARMAS
........................................ 84
2.1 Os Companheiros
...........................................................................
84 2.2 Fazendo a Hora
............................................................................
105 2.3 Em Nome da Revoluo
...............................................................
120
CAPITULO 3 - COMBATES NA TERRA DA LUZ ..........................
135
3.1 Annimos
......................................................................................
135 3.2 As Faces da Guerrilha
..................................................................
142 3.3 So Benedito: o(o)caso
................................................................
158 3.4 O Estrebucho da Esquerda Armada
............................................. 176
CONCLUSO
......................................................................................
186
FONTES
...............................................................................................
191
BIBLIOGRAFIA
...................................................................................
195
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INTRODUO
Considerando nossa fraqueza Os senhores forjaram suas leis Para
nos escravizarem. As leis no mais sero respeitadas Considerando que
no queremos mais ser escravos. Considerando que os senhores nos
ameaam Com fuzis e canhes Ns decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a misria que a morte.
Resoluo - Bertolt Brecht
Os pedaos de concreto voando ante os golpes de picaretas e
martelos anunciavam o fim de uma era. A 9 de novembro de 1989, a
populao da antiga Repblica Democrtica Alem punha abaixo um dos
grandes smbolos da Guerra Fria o Muro de Berlim e fazia
literalmente virar p mais um regime do chamado socialismo real. H
semanas ocorriam manifestaes pelas ruas, mas a maioria da populao
ficou incrdula quando s 19h daquele dia, o governo comunista
anunciou que os postos fronteirios de Berlim estavam abertos aos
habitantes interessados em emigrar para o Ocidente. Milhares de
pessoas no perderam a chance, embora outras milhares, eufricas,
passassem, em seguida, simplesmente a destruir os 166 km do muro o
qual, construdo em 1961, circundava toda a Berlim Ocidental.
Durante a madrugada, a festa tomou conta da Cidade. A queda do Muro
transformou-se numa intensa e ruidosa celebrao, com fogos de
artifcio, abraos, sorrisos e bebidas. Ao largo, esttuas sisudas de
Marx e Lnin...
Mal a poeira assentara, os vencedores da Guerra Fria comearam a
falar de uma nova ordem mundial, onde a histria acabara1 e no havia
nada alm do laissez-faire neoliberal. Os valores a reger um mundo
cada vez mais integrado, globalizado, seriam os do livre comrcio,
abertura econmica, individualismo, competio, fim das ideologias,
indiferena com o outro, relativismo ps-moderno2, etc. Parece,
contudo, que algo saiu errado no plano de se criar um tempo dourado
capitalista alm da excluso social, da fome e misria companheiras
malditas de milhes de pessoas e das
1 Vide Fukuyama, Francis. O Fim da Histria e o ltimo Homem. Rio
de Janeiro: Rocco, 1992. 2 Uma critica ao ps-modernismo encontrado
em CARDOSO, Ciro Flamarion. Histria e Paradigmas Rivais. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domnios da
Histria. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
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10
turbulncias econmicas que abalaram vrios paises nos anos 1990,
provocando (mais) desemprego e falncias, basta atentar-se aos
diversos incidentes e conflitos os quais sacodem a aldeia global
neste incio de sculo, em que at as torres mais altas do capital
financeiro desmoronam como um castelo de areia.
A derrocada do Leste Europeu e a difuso dos valores neoliberais
trouxeram aos historiadores e demais pesquisadores dificuldades e,
porque no, um desapego ao estudo de acontecimentos e personagens
ligados luta pela causa socialista3. Nessa nova ordem neoliberal,
busca-se esquec-los, bani-los como verdadeiros hereges ou v-los
apenas como defensores de uma ideologia fracassada e autoritria,
quando no, heris romnticos ou mesmo tresloucados terroristas. E se
tais elementos esto associados a perodos que constrangem as classes
economicamente dominantes como a Ditadura Militar brasileira
(1964-1985), cuja instalao e manuteno contaram com o apoio de
vastos segmentos sociais, como veremos nestas pginas , o ostracismo
histrico maior ainda.
O professor e historiador Daniel Aaro menciona acertadamente a
demonizao existente hoje do Regime Militar4. Poucas pessoas se
dispem a defend-lo; at os personagens que cresceram a sua sombra,
em geral, no mostram interesse em faz-lo. No Cear, o demnio parece
mais assustador. Apesar das indenizaes aos ex-presos polticos que o
governo Lcio Alcntara (mandato 2003-07) realizou5, da lei estadual
determinando a reunio dos documentos relativos ao perodo autoritrio
no Arquivo Pblico atravs da Comisso Especial Permanente de Acesso e
da promoo de eventos6, dificultoso o estudo sobre a Ditadura no toa
que o Estado um dos poucos do Pas que no abriu ainda seus arquivos
disponveis, sendo vedado o
3 NOVA, Cristiane, NVOA, Jorge. Carlos Marighela: O Homem Por
Trs do Mito. So Paulo: Editora UNESP,1999, p. 22. 4 AARO, Daniel.
Ditadura Militar, Esquerda e Sociedade. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2000, p. 97. 5 Em 2003 instalou-se a Comisso Especial de
Anistia Wanda Sidou visando colher provas e indenizar os presos
polticos cearenses conforme a Lei 13.2002. A 20 de abril de 2005,
com a presena do prprio governador, realizou-se evento na cidade de
Crates para entregar a indenizao dos 37 primeiros beneficiados.
Crates foi uma das cidades em que mais aconteceram perseguies e
prises quando do Golpe de 64. O Povo, 21/04/ 2005, p. 7. 6 Entre 24
e 25 de novembro de 2005, com apoio do governo estadual realizou-se
o evento Seminrio Nacional: Polticas de Acesso a Documentos
Sigilosos na Universidade Estadual do Cear (UECE), discutindo
problemticas relativas abertura dos arquivos da Ditadura.
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acesso de pesquisadores (esse direito facultado apenas aos
ex-presos polticos e seus familiares, ainda assim sob pena de
responder civil e criminalmente caso haja divulgao pblica que
atinja terceiros).
Como se no bastasse isso, especula-se que muitos dos documentos
produzidos pela burocracia autoritria cearense estejam
desaparecidos (permita-nos a ironia), com destino incerto ou,
suspeita-se, escondidos em rgos ligados aos antigos aparatos de
represso ou em posse de indivduos que colaboraram com a Ditadura,
quando no destrudos. Ao longo da elaborao desta obra, no que pese a
contribuio de vrias pessoas, algumas outras reagiram furiosamente
ao tema, chegando a deselegncias com o autor. Sintomtico ainda o
culto feito memria do militar cearense que liderou o Golpe de 1964
e implantou o regime de exceo no Pas um dos principais equipamentos
da Universidade Federal do Cear, por exemplo, recebeu o nome de
Auditrio Castelo Branco...
No obstante, decidimos dar uma contribuio no exorcismo desse
demnio, como fizeram igualmente outros respeitados colegas7. Ao
longo das prximas pginas buscaremos estudar a trajetria dos
militantes das esquerdas8 armadas no Cear durante a Ditadura
Militar, precisamente entre 1968 e 1972, intervalo no qual se
concentraram as aes guerrilheiras no Estado.
7 Tem-se produo de importantes trabalhos locais com temas
conexos, como as obras de MAIA JNIOR, Edmilson Alves. Memria de
Luta. Fortaleza: Dissertao de Mestrado em Histria/UFC, 2002.
RAMALHO, Brulio Eduardo Pessoa. Foi Assim! Fortaleza: ABC Editora,
2002. VASCONCELOS, Jos Gerardo. Memria do Silncio. Fortaleza: EUFC,
1998. SANTOS, Carlos Augusto Pereira dos. Cidade Vermelha. Rio de
Janeiro: Dissertao de Mestrado em Histria/UFRJ/IFCS, 2000. 8
Adotaremos nesta obra as categorias clssicas de direita, centro e
esquerda. Por direitas entenderemos as foras conservadoras, avessas
a mudanas e dispostas a manter a ordem capitalista. Por centros
compreenderemos as tendncias da moderao e conciliao, que, ante as
circunstncias, podem se inclinar favoravelmente s reformas, desde
que dentro da lei e da ordem, ou podem apoiar as solues de fora
para deter as reformas. Por esquerdas entenderemos os setores
favorveis s mudanas em nome da justia e do progresso sociais,
podendo mesmo defender a criao do socialismo e recorrendo ao uso da
fora. As expresses sero usadas no plural, pois compreendermos que,
em cada termo, agrupam-se posies, lideranas e foras diversas, das
mais moderadas s mais radicais, como no caso dos grupos armados
brasileiros durante a Ditadura . BOBBIO, Noberto. Direita e
Esquerda. So Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1999. AARO REIS, Daniel. Ditadura e Sociedade: As Reconstrues da
Memria. In: FICO, Carlos e outros. 1964-2002 40 Anos do Golpe,
Ditadura Militar e Resistncia no Brasil. Rio de Janeiro: 7Letras,
2004.
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Como e por que tais militantes elegeram a ao guerrilheira9 como
maneiras de mudar o Brasil, visando torn-lo mais justo? Quem eram
esses revolucionrios, tratados pelo governo, imprensa e setores
conservadores da sociedade como subversivos e terroristas? Eram
cearenses natos ou vinham de outros locais do Brasil? O discurso
das direitas cearenses e foras de represso enfatizava que o
terrorismo no Cear vinha de fora, do Sul, de onde os rgos de
segurana estavam expulsando os subversivos, da porque estes
estariam fugindo e atuado no Nordeste. Seria isso correto? Qual a
origem social dos militantes, que ocupao apresentavam, quais suas
faixas etrias? O que imaginavam estar realizando e quais
experincias e tradies os levaram a pegar em armas? Quais suas
experincias e aes nos agrupamentos armados, na vida clandestina e
perante o cerco cada vez maior da Ditadura nos anos de chumbo? Como
a guerrilha os moldou e mudou? Como perceberam (e sofreram) a
derrota de seus projetos polticos? Enfim, como e por que ser
guerrilheiro num Estado conservador, de economia predominantemente
agro-exportadora, com elites autoritrias e dotadas de extremo
anticomunismo10 e com uma poderosa Igreja Catlica, igualmente
conservadora e aliada secular dos poderes dirigentes, uma Igreja
que influenciou na organizao da sociedade local e ao mesmo tempo
passou
9 Ao mencionar guerrilha, referimos-nos forma de luta armada
revolucionria cujo objetivo a conquista do poder, destruindo as
instituies existentes e emancipando socialmente as populaes como
desejavam os grupos armados brasileiros dos anos 1960 e 1970 , e no
a uma simples ttica militar. Conforme Noberto Bobbio, essa nova
acepo de guerrilha vincula-se diretamente experincia vitoriosa da
revoluo Cubana de 1959. A expresso no deve ser usada da maneira
pela qual faziam a Ditadura Militar, a imprensa e seus aliados,
como sinnimo de terrorismo, entendendo-se por este, conforme ainda
aquele pensador, a prtica poltica que recorre sistematicamente
violncia contras as pessoas ou s coisas provocando o terror, isso
de forma indiscriminada, ou seja, atingindo no somente o inimigo de
classe, mas quaisquer pessoas prximas. O terrorismo, assim, no pode
ser considerado uma forma de luta de classe, embora os grupos
guerrilheiros eventualmente tambm recorram a aes terroristas contra
pessoas ou grupos diretamente ligados classe que se mantm no poder
no com freqncia, pois poderiam provocar vtimas inocentes e uma reao
contrria da populao, da sua condenao por lderes como Lnin e Ernesto
Che Guevara. Por fim, ainda seguindo o pensamento de Bobbio,
compete distinguir terrorismo de terror, compreendido no sentido do
instrumento de fora e violncia usado por parte de quem j detm o
poder dentro do Estado para combater seus questionadores novamente
o caso da Ditadura Militar brasileira, que sistematicamente
recorria ao terror para reprimir as oposies de esquerdas, fossem
armadas ou no. BOBBIO, Noberto. Dicionrio de Poltica. Braslia:
Editora Universidade de Braslia: So Paulo: Imprensa Oficial de So
Paulo, 2000. p. 152, 577, 578, 1242 e 1243. 10 So obras que mostram
o autoritarismo e anticomunismo das elites cearenses: LEMENHE,
Maria Auxiliadora. Famlia, Tradio e Poder. So Paulo: Annablume;
Fortaleza: Edies UFC, 1995. PARENTE, Francisco Josnio Camelo. Anau:
Os Camisas Verdes no Poder. Fortaleza: Edies UFC, 1986. RIBEIRO,
Francisco Moreira. O PCB no Cear. Fortaleza: Edies UFC/Stylus
Comunicaes, 1989.
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mensagens e valores de solidariedade e amor ao prximo, dentro da
tradio cristo-judaica11? Tais valores, como veremos, tambm estavam
presentes dentro dos iderios e projetos dos guerrilheiros, da mesma
forma como j estavam no imaginrio e prticas dos antigos militantes
do Partido Comunista Brasileiros (PCB)12, de onde, no por
coincidncia, saram vrios dos ativistas simpatizantes da luta
armada.
Deixe-se de antemo claro que no desejamos fazer apologias,
canonizar heris ou encontrar bandidos e viles, porm estudar, dentro
de um contexto de forte efervescncia poltica (os anos 1960), as
aes, os desejos, os erros e as contradies de mulheres e homens, os
quais dedicaram suas vidas ao ideal de transformar a sociedade
brasileira, abdicando do convvio de familiares, de amigos, do
conforto de uma existncia normal e estvel dentro da ordem
capitalista, em prol de um projeto que supunham ser o nico caminho
para superar os seculares problemas sociais do Pas.
No vemos o mundo ou a histria como um palco onde se digladiam o
bem e o mal. Os grupos polticos tm seus projetos. H disputas,
lutas, na sociedade, de classes sociais, de projetos polticos e de
memrias, como abordaremos no captulo 1. As esquerdas no lutavam
pelo restabelecimento da democracia nos moldes da que existia at
1964 a valorizao da democracia como um valor fundamental poltico s
deu-se na segunda metade da dcada de 1970, no contexto da campanha
pela anistia e redemocratizao. Mesmo com suas grandes diferenas, os
grupos armados almejavam a preparao para a instalao do socialismo
no Brasil, influenciados por um contexto rico (Revoluo Cubana,
Guerra do Vietn, etc.), no qual o slido parecia desmanchar-se no
ar. O fato, contudo, das esquerdas terem um projeto poltico
ofensivo, de conquista do poder no implica em desmerecer sua
importncia na resistncia Ditadura. Tinham seu projeto, que foi
derrotado, da mesma forma que tambm apresentavam projetos os
segmentos das direitas, as quais igualmente no eram democrticas
(apoiaram o Golpe de 64 e a Ditadura, contriburam com a represso,
etc.) e que acabaram sendo
11 Sobre a influncia da Igreja Catlica na sociedade e poltica
cearense veja-se: MIRANDA, Jlia. O Poder e a F. Fortaleza: Edies
UFC, 1987. MONTENEGRO, Joo Alfredo. O Integralismo no Cear.
Fortaleza. Imprensa Oficial do Cear, 1986. PARENTE, Francisco
Josnio Camelo. A F e a Razo na Poltica. Fortaleza: Edies UFC/ Edies
UVA. 2000. 12 FERREIRA, Jorge. Prisioneiros do Mito. Niteri: EdUFF:
Rio de Janeiro: MAUAD, 2002
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vitoriosas o Brasil de hoje tem a ver com esse projeto
triunfante, com suas imensas contradies sociais, com um sistema
poltico viciado, com sua democracia capenga, fruto de uma transio
negociada entre militares, elites e oposies conservadoras quando do
esgotamento da Ditadura nos anos 80.
As vinculaes entre as elites a Ditadura Militar explicam tanta
demora e celeuma na abertura dos arquivos do perodo autoritrio no
Brasil e especificamente no Cear. Figuras da alta sociedade, gente
que aparece com largos sorrisos nas colunas sociais dos jornais, no
passado torturaram, delataram, ascenderam em suas funes de
jornalistas, mdicos, advogados, juzes, professores, burocratas,
entregando outras pessoas aos pores do Regime, falsificando
informaes no raras vezes. Grupos econmicos, bastante conhecidos,
que deram dinheiro, combustvel, gs, comida, emprestaram veculos
para que os agentes da represso obtivessem informaes visando salvar
a Ptria do comunismo.
O uso da violncia no algo novo na histria do Brasil, nem do
Cear. Ao contrario, nosso passado permeado de lutas, atentados,
assassnios. Violncia no s dos setores dominantes, mas tambm dos
dominados. Dessa forma, numa perspectiva temporal maior, no deve
ser encarada como algo aliengena a luta armada das esquerdas. O que
talvez incomode mais aos conservadores o fato daquela luta visar
destruio da ordem capitalista, da propriedade privada e dos
privilgios das classes dominantes.
Ainda que muitos questionem os ideais e mtodos dos
revolucionrios, acreditamos que no se pode duvidar da importncia de
suas trajetrias. Encarnam a histria contempornea brasileira na
perspectiva dos vencidos, da experincia de pessoas cuja existncia e
atuao so to freqentemente ignoradas, tacitamente aceitas ou
mencionadas apenas de passagem numa viso de histria mais
conservadora, preocupada, sobretudo, com os grandes homens e seus
feitos vitoriosos.
Na linha de pensamento de E. P. Thompson13, cremos que a
diversidade de fatores sociais, culturais, componentes dos modos de
vida e das tradies das pessoas, deve assumir um plano de destaque
nas anlises do historiador, repudiando abordagens que reduzam o
processo histrico a meros
13 THOMPSON, E. P. As Peculiaridades dos Ingleses e Outros
Artigos. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
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15
reflexos de generalizaes e mecanicismo econmico. Obviamente no
negamos a importncia das condies materiais. Mas nos costumes, na
cultura, nos modos de vida, encontramos igualmente exemplos de
resistncia e luta, no apenas nos congressos partidrios, aes
polticas ou nas divergncias ideolgicas. Os homens, mulheres, jovens
no so marionetes de uma onipotente infra-estrutura econmica. Os
sujeitos sociais vivem ardorosamente suas vidas, criam valores,
prticas e tradies, elaboram o trabalho, sua produo, vivem
perspectivas, sonhos, iluses, vencem, fracassam, sorriem, choram,
amam e so amados.
Para Thompson14, a experincias de classe determinada, em grande
medida, pelas relaes de classe em que os homens nasceram ou
entraram involuntariamente. a partir do cotidiano formador de
experincias distintas que os grupos sociais de uma sociedade
iniciam a construo de seus prprios padres de conduta, referendam
valores, estabelecem relaes. Aquele pensador ingls rejeita a idia
de classe como produto de determinadas relaes de produo e cujos
interesses poderiam ser definidos de antemo. Uma classe existe
quando um grupo de homens que apresentam experincias comuns
apreendem tais vivncias poltica e culturalmente, isto , so capazes
de concretiz-las em sistemas de valores, idias, tradies, etc. no
passar de tal processo que se ergue uma identidade de interesses
prprios de uma classe (conscincia de classe), diferenciados dos
anseios de outras classes. S se pode entender uma classe como uma
formao social e cultural, construda a partir das experincias das
pessoas no processo de produo e de suas tradies intelectuais, dos
modelos de relacionamento scias e dos padres de organizao
poltico-social. A determinao direta feita sobre a experincia leva a
novas experincias que podem, agora sim, influenciar a conscincia
social por exemplo, as experincias que levaram algum a tornar-se
militante armado durante a Ditadura Militar criam novas experincias
que aprimoraram ou mudaram as noes de partido, luta poltica,
democracia, etc.
14 THOMPSON, E. P. A Misria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar,
1981. A Formao da Classe Operria Inglesa. So Paulo: Paz e Terra,
1997. As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Artigos.Campinas:
Editora da Unicamp, 2001.
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O estudo das experincias desses homens e mulheres ensejou a
anlise, ainda que panormica, pela j referida dificuldade de fontes,
da fundao e estruturao dos agrupamentos armados de esquerdas os
quais atuaram no Estado (o que foi feito no captulo 1 basicamente),
bem como das aes subversivas praticadas por tais grupos (do que
trata sobretudo o captulo 3). Obviamente que os episdios envolvendo
a guerrilha no Cear durante aquele perodo foram quantitativamente
menores que em outros Estados da Federao, mas isso no reduz sua
significncia ou muito menos implica em brandura da Ditadura nestas
terras. Em verdadeiro trabalho de investigao, conseguimos catalogar
vrios episdios de guerrilha, alguns nunca descobertos pelas foras
de represso e desconhecidos mesmos at pelos antigos militantes,
como o seqestro de um comerciante grego em Fortaleza no ano de 1968
pela Ao Libertadora Nacional (ALN). Tambm no vimos nada de
amenidades da Ditadura; ao contrrio, como os rgos de represso no
Cear eram desestruturados, recorriam sistematicamente a torturas
para tentar apurar os crimes terroristas e capturar os subversivos
da os casos de tortura, prises arbitrrias, seqestros, ameaa s
famlias dos militantes e mortes.
Ao iniciarmos esta pesquisa para o Mestrado da Universidade
Federal do Cear, tnhamos a informao de que apenas dois grupos
guerrilheiros haviam atuado no Cear, a Ao Libertadora Nacional
(ALN) e o Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio (PCBR). No
obstante, ao longo da produo da obra, descobrimos que outras
organizaes armadas nacionais fundaram ou buscaram fundar
agrupamentos locais, os quais, muito embrionrios, foram alvos da
represso, ainda que tenham praticando mesmo algumas aes, no caso, a
Vanguarda Armada Revolucionria-Palmares (VAR-Palmares) e a Frente
de Libertao Nordestina (FLNE). Emblemtica ainda foi a atuao do
Partido Comunista do Brasil (PC do B), entidade que liderou o
movimento universitrio cearense em 1968 e que instalou vrios campos
de treinamento de guerrilheiros no Cear visando apoiar a futura
guerrilha do Araguaia, no sul do Par: apesar de sua disposio em no
realizar aes guerrilheiras no Estado (entenda-se, assalto a bancos,
expropriao de armas e carros, etc.) fez proselitismo da luta armada
(tanto que muitos cearenses foram para o Araguaia) e travou mesmo
alguns combates contra as foras da
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17
represso, como o tiroteio ocorrido num colgio de Fortaleza em
agosto de 1970, quando um sargento reagiu bala contra as pregaes
dos comunistas em favor do voto nulo nas eleies seguintes.
Pela exigidade do tempo para uma pesquisa de mestrado (normal,
alis), pelo tamanho menor das organizaes VAR-Palmares e FLNE (o que
no significa que no tenham importncia para o historiador) e
especificidades do PC do B no Cear, bem como pelas poucas aes
armadas que praticaram, no abordaremos em profundidade tais
agrupamentos, embora faamos algumas anlises pontuais e referncias
quando necessrias, pois os grupos armados vrias vezes atuavam em
conjunto e as entradas/sadas dos militantes em sucessivas
dissidncias eram comuns.
A vasta historiografia clssica nacional sobre a Ditadura Militar
centrou sua ateno em generalizaes feitas a partir principalmente de
So Paulo e Rio de Janeiro, no levando em conta a dinmica de outras
regies do Pas. Como veremos adiante, algumas dessas generalizaes
caem por terra quando se estuda casos especficos como o cearense.
Assim, enquanto as aes armadas das esquerdas no Centro-Sul passaram
a diminuir em 1970, ante a represso forte da Ditadura, foi
exatamente no primeiro semestre desse ano que a guerrilha no Cear
atingiu seu pice. A to propalada autonomia dos membros da ALN tinha
limites explcitos, pois os militantes cearenses dessa organizao
foram vrias vezes impedidos de fazer aes pela direo nacional, a
qual tinha como campo principal para atuao o Sudeste, especialmente
Rio de Janeiro, So Paulo e Belo Horizonte. O Partido Comunista
Brasileiro (PCB), de onde vieram vrios guerrilheiros no Cear, era
sistematicamente vigiado e perseguido pelas foras da segurana
locais, enquanto no Centro-Sul brasileiro tal represso deu-se
sobremaneira aps 1974, quando a esquerda armada j encontrava-se
derrotada. Entenderemos o porqu de tais singularidades ao longo do
texto.
Ressalte-se que, embora o foco principal esteja nos militantes
atuantes no Cear, quando necessrio, citaremos episdios conexos
acontecidos em outros estados e mesmo no exterior. Uma coisa logo
percebida ao longo da pesquisa foi a intensa mobilidade dos
militantes, fosse para escapar das aes repressivas, fosse para
levar a palavra revolucionria a outros rinces ou participar de
operaes armadas. Havia grande circulao de pessoas, idias,
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experincias. Igualmente abordaremos a conjuntura do Golpe de
1964 no Estado, pois, no geral, os agrupamentos guerrilheiros eram
dissidentes do PCB, entidade que at ento hegemonizava a esquerda
marxista, e as manifestaes do agitado ano de 1968, no qual
acontecem j as primeiras aes armadas das esquerdas no Cear em meio
a grande efervescncia poltica, produzida principalmente por
estudantes, muitos dos quais depois tambm guerrilheiros.
Os leitores mais minuciosos certamente percebero que, sob novo
verniz, esta uma obra de histria poltica. Tm razo. Rendemos-nos s
evidncias. Antes, contudo, que nos acusem de historiador
tradicional e ultrapassado, permitam o sagrado direito do
contraditrio. Esta uma nova histria poltica, fundada em premissas
distintas daquela tradicional de carter elitista, individualista,
narrativa, factual, restrita superfcie e incapaz de vincular os
acontecimentos s causas mais profundas.
Ren Remond15 falou do renascimento da histria poltica a partir
dos anos 1980, ligando esse ressurgimento importncia cada vez maior
que a poltica e os Estados tm sobre a vida dos indivduos: as
guerras, as relaes internacionais, a interveno na economia, etc. O
poltico apresenta consistncia prpria e dispe mesmo de certa
autonomia em relao a outros componentes da realidade social se os
historiadores cada vez menos acreditam que infra-estruturas
onipotentes determinam as superestruturas e se a cultura, o social,
o econmico, influenciam determinadas conjunturas, por que seria
diferente com a poltica? Ante determinadas condies, uma deciso
poltica pode modificar uma realidade. Por exemplo, uma escolha
poltica vinculada a questes ideolgicas, pode ter conseqncias
incalculveis para a sociedade. Basta ver o que aconteceu no Brasil
em 1964, quando da reao dos setores conservadores poltica
reformista de Joo Goulart redundou num golpe militar...
Onde, poder-se-ia contra-argumentar, esto as massas, o povo
obscuro na histria poltica? Tal questionamento seria melhor
adequado aos antigos historiadores polticos, voltados sobremaneira
para a biografia dos notveis. No se aplica para uma histria que
pretende integrar todos os
15 REMOND, Ren. Por Uma Histria Poltica. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1996, p. 22 e seguintes.
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atores do jogo poltico e que estar preocupada com a sociedade
global. Nesse sentido, existe algo mais coletivo que a participao
eleitoral ante a universalizao do voto? Ser que o povo por mais
vago que seja a definio deste no estava nas manifestaes de ruas,
greves, sindicatos, etc., dos anos 1960?
Para a ressurreio do poltico, houve, por outro lado, mudanas na
prpria metodologia da histria poltica uma resposta s criticas que
lhe eram feitas, sem dvidas. Tivemos a rediscusso de conceitos
clssicos e de prticas tradicionais. Uma das peas fundamentais para
essa renovao foi a interdisciplinaridade, ou seja, o contato e a
troca com outras cincias sociais, sobretudo com a sociologia,
lingstica, direito, cincia poltica e antropologia; a uma, a histria
poltica pediu emprestado tcnicas de pesquisa ou de tratamento, a
outras, conceitos, um vocabulrio, uma problemtica, uma
abordagem...
Foi com base nesses novos pressupostos que nos lanamos pesquisa.
Trabalho rduo, pela polmica do tema e dificuldade de acesso s
fontes, sobretudo as oficiais. Obtivemos alguns poucos documentos
do aparato repressor (relatrios confidenciais, fichas, informes,
inquritos da Polcia Federal, Foras Armadas, Departamento de Ordem
Poltica e Social, Justia Militar, etc., e cartas pessoais,
manifestos, atas de reunies, declaraes polticas, bilhetes de
namorados, rascunhos de livros, etc., anexados aos processos como
prova dos crimes praticados) junto a entrevistados, Associao 64-68
Anistia (presidida por Mrio Albuquerque, ex-guerrilheiro, a qual
criada para defender os interesses dos ex-presos polticos,
preocupou-se tambm em recolher e tirar cpias de peas jurdicas
disponveis sobre cearenses em vrios arquivos do Pas) e Comisso
Estadual de Anistia Wanda Sidou (sob a presidncia do ex-ativista
Papito Oliveira e qual os antigos presos polticos tinham que
encaminhar pedido de indenizao com documento anexos comprobatrios
de sua militncia e perseguio sofrida) apenas para constar,
esclarecemos que Wanda Sidou foi uma brilhante advogada que se
notabilizou pela corajosa defesa dos presos polticos cearenses
durante a Ditadura.
Tivemos o zelo de sempre buscar em outras fontes a confirmao ou
no do relatado, ou seja, realizar o cruzamento de fontes, a fim de
se
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estabelecer o que provvel ou no de ter acontecido, afinal,
poderiam os agentes da represso ao redigir tais peas oficiais
omitir o que no lhes interessava, falsificar informaes visando
prejudicar os desafetos de esquerda ou ainda realizar glorificaes
visando promoes pessoais e justificar a existncia da mquina estatal
de represso. Nos casos em que no existem provas concretas que
permitam chegar mais perto do que aconteceu, parcial ou
completamente, mas apenas indcios, depoimentos, declaraes, etc. que
envolvem aspectos emocionais e imaginrios relevantes, o
historiador, por prudncia, no pode tomar por certa nenhuma das
verses, porm analisar todos os indcios e considerar, a partir
deles, todas as possibilidades como hipteses a serem refletidas.
Foi o que tentamos ao analisar o polmico episdio de justiamento de
um comerciante feito pela ALN no municpio de So Benedito, e que
marcou o incio da derrocada da esquerda armada no Cear.
Note-se que os documentos dos rgos de segurana das Foras
Armadas, talvez os mais importantes, no foram abertos at hoje no
Brasil. Alguns estados abriram os arquivos dos DOPS (que eram rgos
de segurana estaduais, extintos com a redemocratizao do Pas),
facultando aos pesquisadores a consulta. Os arquivos do DOPS
cearense e de outros rgos de segurana, como o SEI e DOI-CODI,
entretanto, nunca foram abertos, embora, pelo menos, tenha sido
criado uma lei estadual que obriga que toda documentao da poca da
Ditadura seja recolhida ao Arquivo Pblico. No de deve, contudo,
criar muitas expectativas sobre a documentao existente ali. Por
exemplo, conforme informaes de ex-presos polticos que buscavam
provas para justificar o pedido de indenizao, os pronturios sobre
assuntos do DOPS-CE no se encontram arquivados, havendo apenas
algumas fichas individuais sobre os subversivos, e mesmo assim
incompletas, das letras A M, faltando, pois, o nome de vrios das
pessoas detidas naquele rgo de represso. Outros documentos
possivelmente foram destrudos por agentes da Ditadura ou at a mando
de ex-presos polticos, na inteno de apagar o passado e obter um
emprego, uma bolsa de estudo, etc. provvel, contudo, que documentos
do DOPS-CE e demais rgos locais da burocracia autoritria estejam
nos arquivos de outros estados, visto que os agentes da Ditadura
trocavam entre si informaes sobre os subversivos que se deslocavam
pelo
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Brasil afora escapando da represso ou em aes revolucionrias.
Somente uma pesquisa de maior durao e financiamento poderia fazer o
levantamento desses documentos.
Os jornais O Povo e Correio do Cear foram fontes importantes na
produo da pesquisa. Sabemos que a forma pela qual a imprensa
transmite um fato (isto , a maneira como seleciona as informaes que
iro compor a notcia e atribui importncia a um aspecto da realidade
em detrimento de outros) determina a apreenso do pblico. No raras
vezes a partir da perspectiva veiculada pelos meios de comunicao
que o leitor/espectador levado a perceber a realidade e se
posicionar diante dos acontecimentos. A imprensa vai alm,
podendo-se mesmo dizer que apresenta capacidade de encaminhar o
debate sobre determinado tema, de formular e impor uma agenda e,
dessa forma, interferir no rumo dos acontecimentos, obrigando
outros autores e instituies a se posicionar. Em determinado casos,
sem a participao da imprensa, o desfecho de um determinado processo
ou acontecimento poderia ser completamente distinto16.
Com tantos poderes, a imprensa no passou despercebida pela
Ditadura. O trabalho de Beatriz Kushnir17 chamou-nos a ateno para o
colaboracionismo de grande parte dos meios de comunicao com a
Ditadura, afinal, vrios censores eram jornalistas e muitos
jornalistas eram militares sem falar nos interesses dos
proprietrios dos meios de comunicao em ter as boas graas dos
governantes, de modo que era comum haver autocensura, ou seja,
censura dentro dos prprios jornais em abordar temas delicados para
a Ditadura (como a poltica econmica, denncias de torturas, etc.) e
uma postura constante de abominao as esquerdas, especialmente a que
praticava a luta armada. Ironicamente, mesmo condenando a
guerrilha, a imprensa podia trombar com o governo apenas por
noticiar as aes dos movimentos de contestao, o que poderia soar
como propaganda da subverso. Da Haver momentos em que no se podia
acreditar em nada que
16 ABREU, Alzira Alves de. A Participao da Imprensa na Queda do
Governo Goulart. In: FICO, Carlos e outros. 40 anos do Golpe:
Ditadura Militar e Resistncia no Brasil. Rio de Janeiro: 7Letras,
2004, p. 15. Vide tambm LUCA, Tnia Regina. Histria Dos, Nos e Por
meios dos Peridicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (organizadora).
Fontes Histricas. So Paulo: Contexto, 2005. 17 KUSHNIR, Beatriz.
Ces de Guarda: Jornalistas e Censores. In AARO, Daniel e outros. O
Golpe e a Ditadura Militar. So Paulo: EUSC, 2004.
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era impresso: o jornal noticiava que um guerrilheiro tinha
morrido atropelado, quando na verdade fora vtima de tortura... Com
o AI-5, muitos dos jornalistas mais combativos foram demitidos. No
raras vezes, os peridicos reproduziam informes do governo como se
fossem matrias feitas pelo prprio jornal. Assim, alm de no fazer
frente ao Regime, a maior parte da imprensa apoiou e justificou o
que se passava no Pas, tornando-se porta voz do arbtrio. Apenas com
a decadncia do Regime Militar, na segunda metade dos anos 1970, que
passou a condenar o autoritarismo vigente desde 1964.
No por acaso, as aes das esquerdas eram noticiadas na pgina de
polcia (quando eram noticiadas!), da vindo uma armadilha letal para
o pesquisador: como saber se um fato era crime comum ou poltico? O
desarme dessa arapuca variou, indo da consulta aos ex-presos
polticos (e alguns se recusavam a responder, no raras vezes) ou
prestando ateno s entrelinhas da notcia, buscando pistas por
exemplo, no geral as operaes de expropriao (assaltos) das esquerdas
envolviam vrias pessoas, evitavam-se ameaas aos populares,
devolviam-se aos donos os carros roubados para realizar a ao, etc.
Verdadeiro trabalho de detetive...
A escolha de O Povo e Correio do Cear, os mais lidos no perodo
ora em estudo, baseou-se em razes pragmticas: a existncia (quase)
completa de suas edies dirias na Biblioteca Menezes Pimentel, visto
que outros peridicos ali mantidos, apresentam, apesar da boa
vontade e esforo dos funcionrios, colees incompletas ou em mau
estado de conservao o que no nos impediu de consult-los quando
necessrio, obviamente, como no caso do Unitrio, jornal matutino que
reproduzia no dia seguinte quase sempre as notcias do dia anterior
do vespertino Correio do Cear. Tambm usamos como fontes os jornais
Dirio do Nordeste e O Povo dos anos de 2004 e 2005, quando foram
publicadas vrias e interessantes reportagens sobre os 40 anos do
Golpe e a Ditadura no Cear, embora os referidos jornais no tenham
mencionado o apoio que deram ao Regime da Farda...
O Povo, fundado em 1928, pertencia famlia Sarasate, cujo
patriarca, Paulo Sarasate, fora governador do Estado entre 1955-58,
ardoroso defensor do Golpe de 64 e apoiador entusistico da Ditadura
Militar. Mesmo com a morte daquele jornalista em 1968, o vespertino
continuou a apoiar o Regime
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h, sobre isso, inclusive, o interessante trabalho de Mrcia
Vidal18 mostrando como O Povo conseguiu se modernizar e sobreviver
em virtude do apoio dos Coronis Cearense (Virgilio Tvora, Csar Cals
e Adauto Bezerra), que representavam a Ditadura no Estado e
dominavam a poltica local19.
J o Correio do Cear tivera sua fundao no ano de 1915, passando
em 1957 a pertencer aos Dirios Associados de Assis Chateaubriand, a
mais poderosa rede de comunicao do Pas e igualmente aliada da
Ditadura no Estado faziam parte tambm do grupo a TV Cear, o
matutino Unitrio e a Cear Rdio Clube, todos sob a direo de Eduardo
Campos, um dos mais influentes homens locais nos anos 1960/70.
Segundo alguns jornalistas que trabalhavam no Correio do Cear poca
da Ditadura e cujos nomes manteremos annimos, o chefe de redao era
militar, notrio colaborador do Regime e que chegou mesmo a
perseguir colegas de profisso sob o pretexto da subverso. Essa
proximidade do peridico com os militares ficou explcita quando se
observa o anticomunismo exaltado de suas pginas e os furos de
reportagem que dava no concorrente O Povo, como se tivesse acesso a
informaes privilegiadas.
Vale ressaltar que ao longo do perodo em estudo os jornais
sofreram mudanas, se no na linha editorial, pelo menos da estrutura
grfica. Isso fica mais evidente a partir de 1970, sobretudo no O
Povo, pois Correio do Cear entra em crise com a decadncia dos
Dirios Associados. Os peridicos modernizaram-se, usando novas
mquinas off-set, melhorando a impresso, a qualidade das fotos,
diversificando seus cadernos (embora prevalea a ateno para a parte
policial, esportiva e internacional, pelas dificuldades de falar da
poltica nacional e desagradar aos Generais de Braslia).
A consulta a jornais foi importante para realizar um contraponto
s entrevistas feitas com os ex-presos polticos e s informaes dos
documentos oficiais, j que os depoimentos orais, como bem afirma o
professor Michael
18 VIDAL, Mrcia. Imprensa e Poder. Fortaleza: Secretaria da
Cultura e Desporto do Cear. 1994. 19 Do final dos anos 1960 ao
incio dos 80, o Cear foi dominado politicamente pelos Coronis do
Exrcito Virgilio Tvora, Adauto Bezerra e Csar Cals, os quais se
alternaram no governo e dividiram entre si os cargos
administrativos conforme maior ou menor respaldo que detivessem dos
Generais de Braslia. Vide PARENTE, Francisco Josnio Camelo. Op.
Cit.
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24
Hall20, apresentam vrias problemticas, como a fragilidade da
memria quanto aos acontecimentos especficos e sua seqncia. No muito
realista, por parte do historiador, esperar informaes confiveis ou
fidedignas sobre a ordem de lembranas dos entrevistados em relao a
sentimentos, opinies ou imaginrios da poca, afinal j se passaram
quase quatro dcadas dos acontecidos. Sem falar que as memrias esto
sujeitas a alteraes pelas experincias posteriores de vida do
depoente e por uma variedade de outras modificaes conscientes ou
no.
Recorremos igualmente tcnica da Histria Oral na produo destas
mal traadas linhas. Obtivemos vrios depoimentos de pessoas ligadas
Ditadura (no s de militantes), dentre os quais alguns manteremos
annimos. Conservaremos no anonimato mesmo alguns trechos de
depoimentos cujos entrevistados aceitaram falar abertamente.
Pedimos a compreenso dos leitores para tal artifcio. necessrio mais
uma vez chamar a ateno para a delicadeza dos assuntos tratados. Se
normalmente no fcil tornar pblico temas de foro ntimo, imagine-se
quando se aborda questes traumticas como torturas, assassinatos de
amigos, atentados, homicdios, estupros, traies, delaes, perseguies
e afins! Memrias dolorosas. Sentimentos so mexidos, toca-se em
lembranas que incomodam e as quais muitos no desejariam rememorar.
De certa maneira, sofrer novamente. No por acaso, vrios dos
entrevistados foram s lagrimas nos depoimentos pessoas que
seguraram no mximo o choro quando agonizavam nos pores do Regime!
Confessamos aqui nossa fraqueza de historiador, de termos tambm
ficado abalados por algumas confisses. Acreditamos que num tema
como esse no h como reagir de forma distinta. Desculpem-nos, ainda
somos humanos...
Afora esses bices, no trabalho com memria deve-se atentar a
alguns aspectos. A memria uma reconstruo psquica e intelectual que
acarreta uma representao seletiva do passado, um passado que nunca
aquele do indivduo somente, mas de um indivduo inserido num
contexto familiar, social, cultural, nacional a memria , pois,
nesse sentido, coletiva. A memria uma atualizao do passado ou a
presentificao do passado, registrando no
20 HALL, Michael M. Histria Oral: Os Riscos da Inocncia. In: O
Direito Memria: Patrimnio Histrico e Cidadania. So Paulo: DPH,
1992.
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s o que ocorreu no passado, mas no tempo presente tambm e seus
conflitos. Em outras palavras, a elaborao da memria faz-se no
presente, do presente e para responder s solicitaes feitas no
momento atual que a rememorao recebe incentivos. A memria parte do
real em movimento, est em evoluo permanente, aberta lembrana e ao
esquecimento e esses lapsos, esses silncios, intencionais ou no, so
importantes para o pesquisador. , por excelncia, seletiva:
guarda-se aquilo que tem ou teve significado em nossas vidas.
Pode-se mesmo dizer que a memria constitui um suporte fundamental
da identidade individual e coletiva21.
Como lembra Alistair Thomson22, as reminiscncias tambm variam
conforme as alteraes sofridas por nossa identidade pessoal, o que
leva necessidade de se compor um passado com o qual possamos
conviver. Esse sentido supe uma relao dialtica entre memria e
identidade. Nossa identidade (ou identidades, expresso mais
adequada para expressar o carter multifacetado e contraditrio da
subjetividade) a conscincia do eu que, com o passar do tempo,
construmos atravs da interao com outras pessoas e com nossa prpria
vivncia. Construmos nossa identidade atravs do processo de contar
histrias para ns mesmos como histrias secretas ou fantasias ou para
outras pessoas, no convvio social. Ao narrar uma histria,
identificamos o pensamos que ramos no passado, quem pensamos que
somos no presente e o que gostaramos de ser. As histrias que
relembramos no so representaes exatas de nosso passado, mas trazem
aspectos desse passado e os moldam para que se ajustem s nossas
identidades e aspiraes atuais. Dessa maneira, nossa identidade
tambm molda nossas memrias reminiscncias so passados importantes
que compomos para dar um sentido mais satisfatrio nossa vida,
medida que o tempo passa, e para que exista maior consonncia entre
identidades passadas e presentes. No obstante, tal composio nunca
inteiramente bem-sucedida, da as frustraes, os silncios, os
esquecimentos, as ansiedades, os bloqueios, etc., os quais
21 Vide FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janana. Uso e
Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundao Getlio
Vargas, 1998. THOMSON, Alistair. Recompondo a Memria. In: Projeto
Histria. So Paulo: EDUC, N. 15, p. 51-71, 1997. POLLAK, Michel.
Memria, Esquecimento e Silncio. In: Estudos Histricos. Rio de
Janeiro, vol.2, n. 3, p. 3-15, 1989. 22 THOMSON, Alistair. Op.
Cit., p. 51-71.
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podem, por outro lado, extravasarem no inconsciente, nos sonhos,
em atos falhos, sintomas fsicos, etc. Isso no pode ser descuidado
pelo historiador.
Vale salientar que memria no histria. As memrias so documentos
como outros, a serem interpretados; no constituem a histria pronta.
Como afirma Pierre Nora:
A memria se relaciona a uma experincia vivenciada, tendo como
agentes grupos que passaram por diferentes experincias, mas
mantendo traos comuns, frutos da experincia coletiva, sujeita a
mudanas e permanncias. A histria, por sua vez, relaciona-se a um
distanciamento e a uma preocupao constante com a crtica a ser
apresentada. Por isso, a histria, enquanto operao intelectual,
dessacraliza a memria (...)23.
A histria no se ope memria, pois a redime, fazendo-a figurar
como fornecedora de novas vozes, antes menosprezadas ou esquecidas
na redeno do passado.
Dessa maneira, as fontes orais, como outras fontes, no devem ser
vistas como a verdade, a nica verso do passado; so a representao
que as pessoas tm do passado; no podem ser idealizadas como uma
coisa autntica, verdadeira, longe das relaes de poder, poltica e
cultura, estabelecidas no contexto social. Elas representam pistas
do passado, as quais somadas a outras pistas materiais, sero
submetidas a uma intensa investigao e avaliao, at chegar a uma
interpretao aproximada do que tenha ocorrido no passado.
H uma fronteira entre compreender que h verses e afirmar que s
existem verses. A busca do pesquisador, menos que afirmar o
relativismo total da verdade, compreender a formao das verdades
dentro dos relatos, para poder refletir, em um segundo momento,
sobre o passado. Interessa menos do que postular os fatos
verdadeiros ou falsos do passado, entender os mecanismos que
criaram esse passado construdo, para a partir da pensar na viso do
entrevistado e buscar o entendimento analtico-histrico dos fatos
acontecidos.
23 NORA, Pierre. Entre Memria e Histria. In: Projeto Histria, n
10. So Paulo: PUC, 1993, p. 7-24.
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As memrias no podem ser descartadas por suas subjetividades, uma
vez que constituem uma representao do passado, enriquecidas pelas
emoes que a acompanham. Logo a subjetividade do narrador um bem
precioso, pois conta-nos muito mais do que um povo fez. Fala-nos de
seus anseios, sonhos, o que acreditavam fazer e acabaram fazendo,
informa-nos dos seus custos psicolgicos, e esses no encontramos nos
registros tradicionais24.
Foi com bases nesses pressupostos que buscamos os depoimentos
orais, diversificando, dentro do possvel, os entrevistados.
Tentamos ouvir no apenas os militantes das cpulas diretivas, mas
tambm aqueles de base. Preocupamo-nos igualmente com fatores como
gnero, faixa etria e condio social, visando estabelecer uma maior
representatividade do universo de militantes cearenses. Tambm
colhemos depoimentos de outras pessoas, que embora no fossem
militantes de esquerda, vivenciaram de perto a Ditadura no Cear,
como jornalistas, representantes de rgo de represso e estudiosos do
assunto.
Tudo isso est contido nos trs captulos da obra. No primeiro,
Rebeldes Com Causa, buscamos realizar uma abordagem sobre o
contexto nacional e internacional em que se travou a luta armada no
Pas durante a Ditadura Militar, dando ateno s supracitadas questes
controversas da qualificao da guerrilha como resistncia ou no, da
tendncia autoritria das esquerdas e do resto da sociedade, e dos
projetos polticos das organizaes. Falamos ainda especificamente do
Cear, dando nfase conjuntura poltica de 1964 e 1968, de como se
originaram e se estruturaram os agrupamentos guerrilheiros locais.
Fizemos isso porque os revolucionrios cearenses apresentavam,
grosso modo, duas origens. Os mais velhos (no to velhos assim!)
eram dissidentes do Partido Comunista Brasileiro, que monopolizava
a esquerda marxista at o Golpe Militar de 1964 e perdera prestigio
da em diante, dando origem a vrias dissidncias. Os mais jovens
militantes, curiosamente, no tinham muito contato com os mais
veteranos (em geral, iriam se conhecem somente nas prises da
Ditadura), e no contexto das agitaes de 1968, adentraram em
agrupamentos polticos voltados para a
24 THOMPSON, Paul. A Voz do Passado. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1992.
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28
ao armada. Todos os guerrilheiros, contudo, queriam realizar o
assalto aos cus e tomar o poder para, no que pese diferenas de
programa ou etapas, implantar o socialismo.
Conhecidas as origens dos grupos armados cearenses, tratamos no
segundo captulo, Do Cu Para As Armas, de analisar mais
detalhadamente os ativistas, muitos deles estudantes freqentadores
do Clube do Estudante Universitrio (CU) da o ttulo. Quem eram (no
que toque a origem social, faixa etria, gnero, instruo e profisso),
de onde vinham (no sentido geogrfico), o que os motivou a pegar em
armas e quais as experincias (pessoais, familiares, polticas) e
tradies que os levaram a empunhar revlveres e metralhadoras e
abandonar familiares, estudos, empregos no intuito de mudar o Pas?
Como e por que agiram na guerrilha? Quais dilemas viveram em oposio
a seus ideais? Como perceberam ou no a derrota iminente? Neste
captulo, merece destaque para nossa anlise, para tentarmos entender
o que motivava a ao dos ativistas da esquerda armada, a obra de
Jorge Ferreira25, que mostrou como a influncia das tradies mticas,
sacras e nostlgicas provenientes de sociedades antigas,
especialmente da cultura judaico-crist, est presente ainda nas
sociedades ditas modernas, expressa em manifestaes discursivas e
comportamentais, moldando mesmo pessoas de orientao materialista,
como no caso de vrios dos guerrilheiros.
Por fim, no ltimo captulo, Combates Na Terra Da Luz, abordamos
as principais operaes da guerrilha no Estado, das primeiras aes
annimas ainda em 1968 ao pice da atuao, no primeiro semestre de
1970. Tratamos ainda sobre como os rgos de represso locais buscaram
combater o terror, recorrendo sistematicamente tortura e de como
receberam apoio de setores da sociedade, fossem delaes por parte de
cidados, fosse contribuies materiais de grandes empresas e
polticos. Fica evidente aqui que no existiu brandura da Ditadura no
Cear. Se o Regime era to bom (?) assim, por que dezenas de
cearenses fugiram, acabaram presos, outros, exilados e alguns,
mortos? Falamos ainda dos discursos construdos pelas autoridades e
imprensa para desqualificar os guerrilheiros, os quais buscavam
sempre ressaltar o comportamento ordeiro nato cearense e de como o
terror era
25 FERREIRA, Jorge. Op. Cit.
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praticado por jovens ingnuos ou por agentes vindos de outros
locais do Brasil, expulsos que foram pela represso nacional.
Tratamos das vtimas das esquerdas, sobremaneira do fatdico caso do
justiamento de um comerciante em So Benedito, tentando interpretar
suas vrias verses, e de como contribuiu para desmantelar os
agrupamentos armados cearenses. Por fim, mostramos as ltimas aes da
guerrilha, no quase desespero de acesso a um sonho que se apagava
ante os sopros da represso reinante.
At que ponto o autor escolhe o tema ou o tema escolhe o autor?
Esse dilema permeia muitas discusses acadmicas e atormenta
historiadores vidos por esmiuar o passado. No escapamos a tal
encruzilhada. Por honestidade intelectual, no negamos aos leitores
nossos posicionamentos polticos de esquerda e (pequena) militncia
socialista. A proximidade temporal da Ditadura ainda torna
acalorado o tema em estudo. No que acreditemos em neutralidade, mas
buscamos nesta obra realizar anlises que permitissem um amplo e
diversificado painel sobre um perodo to, paradoxalmente,
apaixonante e terrvel. Os sonhos socialistas levaram homens e
mulheres a darem parte de suas vidas, a conhecerem horrores e
tombarem diante de carrascos impiedosos. As motivaes desses
revolucionrios no podem ser esquecidas, sobretudo nesta poca
carente de projetos polticos alternativos ao pensamento neoliberal.
Entre os sonhos e os pesadelos, h tnues limites. E dentro de nossos
limites, fizemos o possvel. Se no saiu melhor, perdoem-nos nosso
alcance de pesquisador. Eis nossa contribuio. Boa leitura.
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CAPTULO 1 REBELDES COM CAUSA
1.1 Uma Histria de Lutas
Fortaleza, segunda-feira, 16 de maro de 1970. O carro pagador do
London Bank deixa rapidamente os terminais da Norte Gs Butano, nas
proximidades da enseada do Mucuripe. No interior da camioneta rural
cor verde oliva, dois bancrios, cansados aps longa jornada de
trabalho aquela tarefa, recolher a fortuna de 200 mil Cruzeiros
Novos de companhias petrolferas do Porto do Mucuripe e lev-la para
a sede do Banco, no centro da Capital Cearense, era a ltima do dia.
Estavam tranqilos e despreocupados tanto que sequer usavam armas e
realizavam o transporte num carro comum. Costumeiramente, duas
vezes por semana, faziam esse percurso. O dinheiro, colocado na
parte de trs do veculo, encontrava-se armazenado em vrias sacolas
de lona trancadas com cadeados. A velha rotina. Tudo em paz. O que
de anormal poderia acontecer no final do expediente?
Mas acontece. Por volta das 17h40min, um corcel verde sem placa
abruptamente fecha o carro do Banco. De seu interior, saem trs
rapazes, com revlveres em punho. Um assalto. Tudo rpido. Dura menos
de cinco minutos. Os rapazes mandam os bancrios saltarem do carro.
Estes, atnitos, assustados, obedecem sem titubear com as mos na
nuca, so encostados num muro prximo. Os rapazes tomam a camioneta e
zarpam tresloucadamente, seguidos pelo corcel, agora dirigido por
outros trs homens que aparentavam ser apenas transeuntes (na
verdade, davam cobertura ao numa esquina prxima). Adrenalina a mil.
Misto de medo e euforia. Tudo estava dando certo. Pouco depois, os
carros seriam abandonados, passando os rapazes para um outro
automvel e sumindo pelas ruas de Fortaleza. Enquanto isso, os
bancrios permaneceriam um bom tempo parados, embasbacados,
surpresos com o sucedido, antes de comunicarem ao Banco e polcia o
que se dera. Aquele no era um assalto comum. Haviam sido alvo de
uma ao de expropriao do Partido Comunista Brasileiro Revolucionrio
(PCBR), grupo terrorista que atuava no Pas objetivando derrubar o
governo
-
31
comandado por militares desde 1964. Para fria das autoridades
constitudas, era mais uma ao dos subversivos no Cear...26
As elites economicamente dominantes locais, at como forma de
evitar o questionamento a seus interesses e privilgios, buscam
ressaltar constantemente o esprito honesto, pacfico e ordeiro do
cearense. Criou-se o mito do povo trabalhador, respeitador, que no
toca no alheio e no gosta de baderna e confuso. Afinal, o Cear a
Terra da Luz27, bero da liberdade, local onde vaqueiros,
pescadores, agricultores e operrios, apesar da falta de recursos e
das dificuldades e misria provocadas pelas secas, laboram
honestamente esperando dias melhores. Parafraseando um grande autor
nacional, o cearense seria, antes de tudo, um forte28.
Essa viso pacfica e de concrdia sobre o Cear, sem atritos,
conflitos, lutas e movimentos sociais, obviamente que no se
sustenta quando se analisa amide a histria local. Estas mal traadas
linhas vo nesse sentido. Em meio ao caldeiro poltico e cultural dos
anos 60, vrios cearenses tiveram a ousadia de empunhar armas num
sonho audacioso visando derrubar o sistema capitalista vigente e
possibilitar a criao de uma sociedade diferente, mais justa, digna
com os mais pobres e excludos, e que fosse uma etapa para a
implantao do socialismo no Brasil. Os militantes desses grupos
realizaram treinamentos militares, praticaram assaltos (melhor
dizendo, aes de expropriao da burguesia ou aes de resgate da
riqueza que a burguesia explorava do povo), travaram combates
contra as foras do Estado, cometeram erros e assassnios, sonharam,
viveram perigosamente, foram derrotados, torturados, mortos,
achincalhado e por fim, esquecidos pelas correntes historiogrficas
mais conservadoras.
Apesar da diversidade de agrupamentos de esquerda no Pas durante
a Ditadura Militar, a rigor dois grupos destacaram-se na pratica de
aes armadas no Cear, a Ao Libertadora Nacional (ALN) e o Partido
Comunista
26 Depoimentos e O Povo, 17/03/1970, p. 1 e 9; 18/03/1970, p.1 e
8; Correio do Cear: 17/03/1970, p. 1, 9 e 11; 18/03/1970, p. 1 e 9.
27 Expresso associada ao fato do Cear ter oficialmente abolido a
escravido negra em 1884, antes da Lei urea de 1888 h, contudo,
indcios que mesmo aps aquela data a escravido continuou a existir
na ento Provncia. Vide CONRAD, Robert. Os ltimos Anos da
Escravatura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1975.
28 Um estudo sobre a idealizao do nordestino (e que pode ser
aplicada ao cearense), bem como da criao do Nordeste feito por
ALBUQUERQUE JNIOR, Durval Muniz de. A Inveno do Nordeste e Outras
Artes. Recife: FJN/ Ed. Massangana; So Paulo: Cortez, 1999.
-
32
Brasileiro Revolucionrio (PCBR). Ao longo da pesquisa, e ao
contrrio do que pensvamos de inicio (e do que era propagado at por
alguns dos prprios ex-guerrilheiros), descobrimos indcios que
outras organizaes buscaram tambm fundar agrupamentos locais, os
quais muito embrionrios, foram alvos da represso, ainda que tenham
praticando mesmo algumas aes, como no caso da Vanguarda Armada
Revolucionria-Palmares (VAR-Palmares) e Frente de Libertao
Nordestina (FLNE). Emblemtica ainda foi a atuao do Partido
Comunista do Brasil (PC do B), entidade que liderou o movimento
universitrio cearense em 1968 e que instalou vrios campos de
treinamento de guerrilheiros no Cear visando apoiar a futura
guerrilha do Araguaia, no sul do Par: apesar de sua disposio em no
realizar aes guerrilheiras no Estado, acabou entrando em choque com
as foras da represso. No obstante, pela exigidade do tempo para uma
pesquisa de mestrado (normal, alis), pelo tamanho menor dessas
organizaes (o que no significa que no tenham importncia para o
historiador) e pelas poucas aes armadas que praticaram, no
abordaremos em profundidade aquelas organizaes, embora faamos
algumas anlises pontuais, pois os grupos armados vrias vezes
atuavam em conjunto e as entradas/sadas dos militantes em
sucessivas dissidncias eram comuns.
Neste trabalho, tentamos compreender as motivaes e trajetrias da
esquerda armada cearense. Afinal, quem eram aqueles rapazes e moas?
Quais suas origens sociais? O que pensavam estar fazendo e que
experincias os levaram a pegar em arma? Quais suas vivncias nas
organizaes revolucionrias, na clandestinidade e diante do cerco
repressor, e como perceberam (e sofreram) a derrota de seus
projetos polticos? Como a experincia revolucionria os moldou e os
mudou? Como ser guerrilheiro num estado conservador, de elites
autoritrias e anticomunistas como o Cear? Mesmo os que discordam
das idias e objetivos desses revolucionrios (chamados pelos
conservadores de terroristas), ho de reconhecer sua coragem. Suas
experincias no podem ser ignoradas.
Os princpios subversivos de esquerda grassavam na Terra da Luz
desde pelo menos o incio do sculo XX. Das viagens de cearenses ou
do contato destes com viajantes, sindicalistas e mesmo jornais e
livros vindos do Centro-Sul brasileiro e Europa, comearam a
circular entre os segmentos
-
33
mdios urbanos intelectualizados e o reduzido operariado local,
idias radicais e exticas como o anarquismo e depois o comunismo,
apesar da vigilncia da influente Igreja Catlica local e das
autoridades constitudas29.
Em 1927, era instalada a seco local do Partido Comunista
Brasileiro (PCB)30, atravs de uma organizao de fachada denominada
Bloco Operrio Campons (BOC). Conforme o professor Francisco Moreira
Ribeiro, naquele ano, o sindicalista Jos Joaquim de Lima, mais
conhecido como Joaquim Pernambuco, foi ao Rio de Janeiro a fim de
participar do congresso da Confederao Geral do Trabalho entidade
concebida pelo PCB , de onde voltaria com a misso de organizar em
Fortaleza o BOC e, conseqentemente, a seco cearense do Partido.
Tambm foram criados a seguir ncleos comunistas nas cidades
cearenses de Camocim, Aquiraz, Aracati e Quixad, entre
outras31.
A represso no tardou. Rotineiramente a polcia surrava
socialistas, enquanto patres os demitiam e negavam-lhes emprego.
Jornais esquerdistas eram apreendidos. Em 1931, j na denominada Era
Vargas (1930-45), o PCB preparou em Fortaleza a Passeata da Fome
visando denunciar a misria do povo e as incoerncias da "Revoluo" de
30. O executivo cearense mobilizou os aparatos estatais para
impedir a realizao do evento: nomeou um delegado especial para
realizar diligncias no Capital e no interior, proibiu a distribuio
de folhetos de convocao da passeata e prendeu a liderana do
movimento, deportando 16 comunistas para o Rio de Janeiro32.
A 4 de maro de 1935, ltimo dia de carnaval, um tiroteio
promovido por membros da Ao Integralista Brasileira (cuja seco
local fora instalada dois anos antes) contra simpatizante da Aliana
Nacional Libertadora (ANL, criada no Cear em 1935) deixou mortos 3
populares e feridos vrios outros.
29 Vide GONALVES, Adelaide e Silva, Jorge e. A Imprensa
Libertria no Cear (1908-1922). So Paulo: Imaginrio, 2000. 30 A
rigor, a Organizao surgiu como Partido Comunista do Brasil em 1922,
s mudando o nome para Partido Comunista Brasileiro em 1962, quando
tentou na Justia sua legalizao, clandestina que estava desde 1947.
Foram dissidentes stalinistas que, ao sarem da Organizao naquele
ano e fundarem novo partido, passaram a usar a sigla PC do B,
dizendo-se os verdadeiros continuadores da agremiao fundada nos
anos 20. 31 RIBEIRO, Francisco Moreira. O PCB no Cear. Fortaleza:
Edies UFC/Stylus Comunicaes, 1989. 32 Vide RODRIGUES, F. Theodoro.
Os 16 Deportados Cearenses. Rio de Janeiro: Arquivo Pblico do
Estado do Rio de Janeiro, 2000. um dirio escrito por um dos presos,
apreendido pela represso getulista e encontrado por acaso no
Arquivo Pblico do Rio de janeiro nos anos 1990.
-
34
Em julho de 1936, a polcia, na pretenso de combater
"subversivos", cercou uma residncia em Camocim e fuzilou os
comunistas Miguel Pereira Lima (o "Amaral") e Luis Miguel dos
Santos ("Luis Pretinho"), torturando e abusando de um terceiro,
Raimundo Ferreira de Souza (o "Raimundo Vermelho"), que tambm em
conseqncia das agresses, faleceu meses depois33. Mais comunistas
acabaram presos, quando no mortos, em virtude da represso ocorrida
aps o fracasso da Intentona Comunista em Natal-RN34 e com a
instalao do Estado Novo (1937-45).
Com a queda da ditadura getulista em 1945 e com a destacada
participao sovitica na derrota do Nazismo na Europa, o Partido
Comunista ganhou a legalidade como no resto do Brasil, o PCB
crescera localmente bastante nos anos posteriores Segunda Guerra
Mundial, sobretudo na Capital Cearense. Apesar das pregaes
anticomunistas da Igreja Catlica e setores direitistas, o Partido
conseguiu nas eleies legislativas de 1946, eleger dois deputados
estaduais (o mdico Jos Pontes Neto e o pedreiro Jos Marinho de
Vasconcelos) e obter, em termos de legenda, 23% dos votos vlidos em
Fortaleza, um resultado expressivo e indicador da influncia
vermelha35.
Os comunistas procuravam conscientizar as camadas mais humildes
da populao sobre os direitos fundamentais que lhes assistiam e
organiz-las no intuito de reivindicar melhorias como luz,
calamento, gua, segurana, etc. Combatiam tambm a carestia,
promoviam campanhas de alfabetizao e desenvolviam atividades
recreativas. O PCB adquiriria ainda em 1946, do oligarca
recm-eleito senador Olavo Oliveira, o jornal O Democrata, visando
veicular diariamente sua ideologia e denunciar a explorao de que
eram vitimas os operrios e os camponeses.
Com o avanar da Guerra Fria, o PCB acabou tendo seu registro
cassado pela Justia Eleitoral e novamente posto na ilegalidade.
Apesar disso, os comunistas elegeram em 1947, sete dos onze
vereadores de Fortaleza,
33 Esse episdio ficou conhecido como o massacre do Salgadinho,
regio onde aconteceram as mortes. Vide: SANTOS, Carlos Augusto
Pereira dos. Cidade Vermelha. Rio de Janeiro: Dissertao de Mestrado
em Histria/UFRJ/IFCS, 2000. 34 Mais de duas mil pessoas foram
presas nesse perodo, s em Fortaleza e tropas do 23 BC (Batalho de
Caadores) foram enviadas para dominar o levante comunista em Natal.
RIBEIRO, Francisco Ribeiro. Op. Cit., p. 32. 35 Id. Ibidem., p.
47.
-
35
usando como fachada o Partido Republicano36. Nos anos seguintes,
contudo, a influncia do partido reduziu-se, alvo da represso, das
pregaes anticomunistas, dificuldades econmicas (que levaram ao
fechamento de O Democrata em 1958) e crises internas, advindas,
sobretudo com as denncias dos crimes do stalinismo e invaso da
Hungria em 1956 por tropas da Unio Sovitica. Como em outros locais,
as denncias dos crimes de Stalin provocaram imenso impacto no Cear,
frustraes e discusses entre aqueles que acreditavam ser tudo uma
inveno do imperialismo dos Estados Unidos e os que aceitaram as
denncias de Krucheav ainda que alguns militantes tenham se afastado
do Partido, no houve maiores dissidncias, tanto que o Partido
Comunista do Brasil (fundado nacionalmente em 1962 por stalinistas
dissidentes e apontando a China de Mao Tse Tung como o modelo de
sociedade a atingir por meio da violncia revolucionria) seria
instalado no Cear apenas em 1965 e mesmo assim no bojo da acusao
segundo a qual o Golpe Civil-Militar do ano anterior se dera pela
passividade do PCB.
1.2 Cear 1964
Da mesma maneira que no resto do pas, o PCB viveu nova fase no
inicio dos anos 60. Pelo depoimento de antigos militantes do
Partido37 e pela documentao apreendida pelas Foras Armadas e
anexada ao Inqurito Policial-Militar (IPM) instalado aps o Golpe de
6438, h vrios indcios evidenciando a atuao comunista na defesa das
reformas de base propostas ento nacionalmente pelo Governo Joo
Goulart (1961-64) e seu engajamento nos movimentos de massas,
penetrando mesmo no interior do Estado, onde historicamente o
anticomunismo foi mais forte em virtude das pregaes da Igreja
Catlica, aliada das oligarquias locais, via plpito. Tal postura, de
aproximao com o campo, vincula-se s decises do V Congresso Nacional
do PCB (no qual, entre outras coisas, deliberou-se pela necessidade
de
36 Id. Ibidem., p. 50. 37 Informaes colhidas junto a Luciano
Barreira (jornalista, ex-vereador de Fortaleza, cassado com o Golpe
de 1964 e entrevistado a 11/03/2003) e Francisco Moreira Ribeiro
(professor universitrio e destacado estudioso dos comunistas
cearenses, entrevistado a 23/05/06). 38 Inqurito Policial Militar
sobre a subverso no Cear em 1964. Acervo da Associao 64-68
Anistia.
-
36
trabalho com as massas) e ao impacto da Revoluo Cubana de 1959,
que teria provado o carter revolucionrio dos camponeses39.
O Partido tinha ento na direo Anbal Bonavides, um intelectual
(depois do Golpe, chegou a montar a conhecida livraria Cincia e
Cultura no centro de Fortaleza), advogado e Deputado Estadual pelo
Partido Social Trabalhista (PST). Moderado, leal ao Comit Central
do Partido e a Luis Carlos Prestes, era acusado por alguns
militantes mais radicais da Agremiao de mole, passivo e de estar
por demais a reboque da burguesia local em 1962, por exemplo,
Bonavides articulou o apoio do PCB campanha vitoriosa ao senado de
Carlos Jereissati, rico comerciante local (pai do depois governador
cearense Tasso Jereissati).
Na realidade, a seco local comunista reproduzia a orientao
nacional do Partido, definida pela Declarao Poltica de Maro de 1958
e basicamente ratificada pelo V Congresso do Partido em 1960.
Concebia a revoluo brasileira em duas etapas, sendo a primeira, de
libertao nacional e democrtica, de contedo antifeudal (havia a
crena que existiam resqucios do feudalismo no Brasil) e
antiimperialista (contra a dominao dos EUA), congregando uma
somatria de classes sociais progressistas (proletrios, camponeses,
pequena burguesia e burguesia nacional) visando pela via legal e
pacifica (embora no descartando a opo armada) promover o
desenvolvimento do Pas, visto que embora o capitalismo no Brasil
tivesse j algum incremento, ainda no amadurecera o suficiente para
revoluo socialista da a necessidade de unio com aqueles setores
progressistas da sociedade visando ampliar as liberdades
democrticas e promover as reformas de estruturas (o que ajuda a
entender a aproximao dos comunistas em relao s denominadas reformas
de base que Joo Goulart proporia), contra a elite
latifundirio-feudal e o aliado desta, o imperialismo dos EUA40.
A segunda fase da revoluo seria, a sim, socialista (vrias das
organizaes que pegaram em armas conservaram, com algumas alteraes,
muito desse esquema analtico, como foi o caso da ALN e PCBR). Lgico
que nem todos dentro do PCB aceitavam a viso de transio pacfica
para o
39 AARO, Daniel. A Revoluo Faltou ao Encontro. So Paulo:
Brasiliense, 1990, p. 25. 40 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas.
So Paulo: tica, 1999, p. 28-36. AARO, Daniel. Op. Cit., p,
23-28.
-
37
socialismo, constatao que serviria depois (sobremaneira aps o
Golpe de 64) para o surgimento de diversas dissidncias as quais
deram origem a novos partidos.
O Partido Comunista Brasileiro vivia no Cear uma
semi-legalidade, apresentando mesmo uma sede conhecida
publicamente, cognominada Escritrio Eleitoral 25 de Maro, situado
na Rua General Sampaio n. 1131 (no centro de Fortaleza) e que
servia para debates e reunies comunistas. As esquerdas locais em
1964 englobavam tambm nacionalistas, em geral acomodados no pequeno
Partido Social Trabalhistas (PST, liderado nacionalmente por Miguel
Arraes e que abria espao para as candidaturas comunistas, j que o
PCB no podia concorrer a eleies), a Frente de Mobilizao Popular e
os Grupos dos 11, ligados ao ex-governador gacho e ento Deputado
Federal pelo Rio de Janeiro Leonel Brizola.
Poder-se-ia citar ainda a Federao das Associaes de Lavradores e
Trabalhadores Agrcolas do Cear (FALTAC, comandada por comunistas
como Jos Leandro Bezerra, lder campons que desde o inicio da dcada
estimulava a organizao dos trabalhadores rurais no Estado) e o
Pacto Sindical (entidade local que reunia vrios sindicatos, como
dos ferrovirios, bancrios, txteis, estivadores, construo civil,
grficos, pescadores, agricultores, alfaiates, garons, rodovirios,
msicos, metalrgicos, porturios e outros41), liderado pelo bancrio
Moura Beleza. Destaque tambm para o movimento estudantil e suas
entidades, como o CLEC (Centro Liceal de Educao e Cultura, do
Colgio Estadual Liceu, cujos estudantes estavam entre os mais
ativos da poca), a UEE (Unio Estadual dos Estudantes) e o Centro
dos Estudantes Secundaristas do Cear (CESC), afora os rgos
representativos universitrios da UC (Universidade do Cear, atual
UFC Universidade Federal do Cear), cujas lideranas ligavam-se ao
PCB (que organizara a chamada Juventude Comunista e contava com
vrias Organizaes de Bases, as antigas clulas comunistas, em
diversos colgios e faculdades) e Ao Popular (AP, grupo ligado
esquerda catlica e sobre o qual falaremos mais depois),
apresentando como um dos principais locais de encontros e
articulaes o CU (Clube dos Estudantes Universitrios), situado
41 LEANDRO, Jos. Depoimento. Fortaleza: Edio do Autor, 1988, p.
76.
-
38
na Avenida da Universidade, onde hoje se encontra o prdio da
faculdade de Histria da UFC42.
O Golpe Civil-Militar de 64 teve efeitos dramticos sobre o Cear.
Da mesma forma que no resto do Pas, os meios polticos cearenses
conheciam as tramas conspiratrias em andamento, embora no soubessem
quando o levante militar eclodiria precisamente. Por outro lado,
elementos de esquerdas e nacionalistas acreditavam piamente num
esquema militar do presidente Joo Goulart, o qual, como se sabe,
revelou-se pfio, tal a facilidade do triunfo do Golpe.
As primeiras notcias sobre o levante militar chegaram a
Fortaleza ainda na noite de 31 de maro, pelo rdio, ento o principal
meio de comunicao de massa. Pelos depoimentos colhidos junto a
nossos entrevistados, eram informaes confusas, contraditrias, sem
detalhes precisos. A nica certeza era que o to propalado golpe de
estado estava finalmente acontecendo, o que no significava que o
episdio fosse recebido sem surpresas na manh seguinte, 1 de abril,
dia da mentira, existiram pessoas achando que tudo era uma
brincadeira. Mas no era. As esquerdas locais, ento, tentaram
articular uma resistncia, incua e tardiamente.
Estudantes realizaram passeatas e concentraes na Praa Jos de
Alencar, dissolvidas pelo Exrcito43 as sedes das entidades
estudantis seriam invadidas pelos golpistas, seus dirigentes
destitudos e substitudos por estudantes democratas44, trabalhadores
do porto do Mucuripe, da Rede Ferroviria e do Departamento de
Telgrafos e Correios iniciaram greves, logo desmobilizadas pelos
militares com a priso dos principais lderes e interveno nos
sindicatos45, a Rdio Drago do Mar, pertencente ao Deputado Federal
e aliado de Jango, Moiss Pimentel, foi fechada por estar
conclamando
42 O CU (Clube dos Estudantes Universitrios) era tido como um
centro de fermentao poltica do movimento estudantil nos anos 1960.
Era um prdio de dois andares, onde funcionava o restaurante
universitrio e o Diretrio Central dos Estudantes (DCE), servindo de
espao para realizao de palestras e congressos apresentava ainda uma
quadra para prticas esportivas na parte de trs. Outro local de
reunio para as passeatas estudantis era a Faculdade de Direito da
UFC. 43 Correio do Cear, 2/04/64, p. 7. O Povo, 3/04/1964, p. 1. 44
Correio do Cear, 6/04/1964, p. 6. 44 Correio do Cear, 6/04/1964, p.
4. 44 Correio do Cear, 9/04/1964, p. 6. O Povo, 7/04/1964, p. 2;
9/04/1964, p. 2. 45 Correio do Cear, 2/04/1964, p. 1, 2 e 8;
3/04/1964, p. 3. O Povo, 2/04/1964, p. 1, 2 e 5.
-
39
os civis a resistirem ao Golpe46, a sede da FALTAC, situada no
ento distante Jardim Iracema (rea agrcola, hoje um bairro de
Fortaleza) foi saqueada pelo Exrcito47, a sede do PCB, o Escritrio
25 de Maro, foi arrombada e praticamente destruda, sendo apreendida
farta documentao subversiva48, homens da Polcia Militar passaram a
patrulhar as principais ruas e praas da Capital visando manter a
ordem49.
O governador conservador cearense Virglio Tvora, que contava com
vrios auxiliares tidos como esquerdistas (sobretudo na pasta da
Educao) e por isso mesmo visto com certa desconfiana por setores
das direitas, por pouco no foi derrubado ante a presso de militares
linha dura50, apenas escapando pela amizade pessoal que gozava
junto a Castelo Branco e ao prestgio de seu tio, o velho marechal
Juarez Tvora perante os golpistas. Teve, entretanto, de fazer
sacrifcios aos deuses revolucionrios, para mostrar sua sincera f
aos ideais da redentora, atravs da demisso dos tcnicos comunistas
da Secretaria de Educao51 (ainda que Virgilio, exemplo de poltico
tradicional, pautado na lealdade e considerao, tenha protegido seus
ex-auxiliares, facultando-lhes meios at para sair do Estado52) e da
cassao do mandato de vrios deputados estaduais subversivos53 (a
46 O Povo, 1/04/1964, p. 1. 47 OCHOA, Maria Glria. As Origens do
Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais no Cear (1954-64).
Fortaleza: Universidade Federal do Cear/Stylus Comunicaes, 1989. 48
Correio do Cear, 4/04/1964, p. 1. O Povo, 4 e 5/04/1964, p. 1. 49
Correio do Cear, 2/04/64, p. 7. 50 A maior presso para a destituio
de Virglio Tvora vinha dos oficiais do 10 Grupo de Obuses (10GO), a
mais bem equipada unidade de artilharia do Exrcito no Cear. O
comandante da unidade, Major Egmont Bastos Gonalves, integrava uma
grupo de militares linhas duras, os quais viam com desconfiana
Virgilio Tvora, pelas proximidades deste com Goulart (ambos eram
amigos pessoais e Jango enviou muitos recursos para a administrao
cearense) e com as esquerdas. O Povo, 1/04/2004, Caderno Especial
Sobre os 40 anos do Golpe de 64, p. 28. 51 Correio do Cear,
6/04/1964, p. 3. 52 O Povo, 1/04/2004, Caderno Especial Sobre os 40
anos do Golpe de 64, p. 33. A professora Luiza Teodora, da equipe
da Secretaria de Educao de Tvora, conta que este articulou nos
bastidores para que embarcasse rumo ao Rio de Janeiro enquanto as
coisas se acalmavam. Diz ainda que VT agiu da mesma forma com outra
pessoas acusadas de subverso. 53 Numa sesso extra que varou a noite
do dia 9 para 10 de abril de 1964, os deputados cearenses cassaram
os mandatos de seis colegas por falta de decoro parlamentar: Anbal
Bonavides (o j citado secretrio estadual do PCB-CE), Blanchard
Giro, Jos Pontes Neto, Raimundo Ivan Barroso, Amadeus Arrais e Fiza
Gomes. Correio do Cear, 10/04/1964, p. 3. Na Cmara Municipal de
Fortaleza, foram igualmente cassados por falta de decoro no dia 9
de abril (antes, portanto, da Assemblia) os vereadores Luciano
Barreira, Tarcsio Leito (ambos comunistas) e Manuel Aguiar. O Povo,
10/04/1964, p. 1. Com o AI-1, teriam cassados os mandatos e os
direitos polticos os Deputados Federais Adhail Barreto e Moiss
Pimentel.
-
40
Assemblia Legislativa foi a pioneira nas cassaes no Brasil,
antes mesmo do primeiro Ato Institucional da Ditadura).
Houve apoio ao Golpe por segmentos empresariais, jornalsticos,
eclesisticos, da classe mdia e mesmo populares cearenses. Ainda no
dia 2 de abril, quando existiam dvidas sobre o xito pleno da
conspirao, uma comisso de empresrios (chamados ento de classes
produtoras), tendo frente Jos Afonso Sancho compareceu residncia do
governador Virgilio Tvora e ao Quartel da 10 RM para discutir a
necessidade de reprimir os baderneiros altura e prestar
solidariedade ao movimento revolucionrio54. Depois, empresrios
enviaram Assemblia (e Cmara Municipal de Fortaleza55) um memorando
pedindo a cassao dos parlamentares subversivos:
O que as Classes Produtoras esperam que essa (sic) Assemblia,
compreendendo a verdadeira significao do movimento revolucionrio,
empreste seu apoio urgente e vigoroso s Foras Armadas, tomando as
medidas legais necessrias ao afastamento do convvio democrtico
aqueles brasileiros indignos que no se pejavam de trair a ptria a
servio do imperialismo bolchevista. Chegou a hora de extinguir-se o
embuste promovendo a cassao dos mandatos dos deputados comunistas a
fim de que o saneamento seja integral (...).56
Nos dias seguintes quartelada, os jornais O Povo e Correio do
Cear publicam editoriais e artigos exaltando a ao das Foras Armadas
contra a balbrdia do comunismo ateu que ameaava o Pas. Passa-se a
idia que a falta de maior resistncia ao movimento golpista
evidenciava como a sociedade desejara a interveno dos militares
para acabar com a baderna reinante. Em editorial de capa, afirma O
Povo:
(...) Que se queria com a clarinada revolucionria que partiu de
Minas Gerais e ecoou Brasil afora? Levantaram-se os militares, com
a solidariedade de prestigiosos lderes civis, para acabar com
os
54 Correio do Cear, 2/04/1964, p. 8. O Povo, 2/04/1964, p. 5. 55
O Povo, 10/04/1964, p. 1. 56 Correio do Cear, 8/04/1964, p. 3. O
memorando assinado por Franklim Monteiro Gondin (Presidente da
FACIC Federao da Agricultura, Indstria e Comrcio do Cear), Jos
Afonso Sancho (Unio das Classes Produtoras), Clvis Arrais Maia
(Federao do Comrcio), Orlando Silva (Federao das Indstrias),
Odorico Patrcio (Centro dos Retalhistas), Giovanni Gomes (Sindicato
dos Lojistas) e Luis Crescncio Pereira (Associao dos Proprietrios
de Imveis).
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desatinos de uma caudilho incorrigvel, que ia nos levando, em
sucesso de aventuras perigosas, aos brao de uma minoria totalitria
que pretendia empolgar o poder. No houve choque armado, no ocorreu
derramamento de sangue, graas a Deus. Mas o Pas quase era cenrio de
uma luta fratricida e por pouco a Nao no estar a deplorar o
sacrifcio de vidas preciosas e a destruio de valorosos bens
materiais (...).57
No dia 6 de abril, realizou-se uma Missa de Ao de Graas na
Catedral de Fortaleza em homenagem s Foras Armadas pela vitria do
movimento revolucionrio. O ato litrgico foi celebrado pelo prprio
Arcebispo Metropolitano de Fortaleza, Dom Jos de Medeiros Delgado,
numa evidncia do apoio de setores da Igreja Catlica cearense aos
golpistas, como ocorrera, alis, no resto do Pas no sermo, o
religioso teria elogiado o trabalho patritico das Foras Armadas em
defesa da Constituio, banindo para sempre os comunistas do
Brasil58. As manifestaes de apoio ao Golpe atingiram o apogeu numa
quinta-feira, dia 16 de Abril de 1964, quando se realizou em
Fortaleza a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade, que partindo
da Praa Corao de Jesus, aps a execuo do Hino Nacional, seguiu para
a Igreja da S, onde houve um Te Deum e dali para o Quartel da 10
RM, local em que se promoveu uma homenagem s Foras Armadas pela
firme atuao em defesa dos postulados da democracia contra a
comunizao do Pas59. O jornal Correio do Cear saudou a Marcha como a
maior concentrao popular j registrada em Fortaleza, estimando em
pelo menos 70 mil pessoas os participantes60 um nmero exagerado
possivelmente, para demonstrar como a Revoluo estava no gosto dos
fortalezenses, pois a populao da Cidade pouco ultrapassava os 500
mil habitantes, conforme o censo de 196061. De qualquer forma,
pelos depoimentos colhidos junto a entrevistados e pelas diversas
fotos publicadas nos jornais (apesar de sabermos como fotografias
podem ser manipuladas na captura de ngulos mais favorveis), havia
muita gente no evento, denotando o apoio que o Golpe teve entre
setores da sociedade cearense.
57 O Povo, 7/04/1964, p.1. 58 Correio do Cear, 6/04/1964, p. 6.
59 Correio do Cear, 17/04/1964, p. 2. 60 Correio do Cear,
17/04/1964, p. 2. 61 SILVA, Jos Borzachiello da. Quando Os
Incomodados No Se Retiram. Fortaleza: Multigraf Editora, 1992, p.
36.
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O apoio ao Governo Militar iria continuar nos anos seguintes a
cada aniversrio da Revoluo de 64, os peridicos publicavam
editoriais, manifestos, notas, etc. de celebrao pelo evento que
salvou o Brasil do comunismo, da subverso e da corrupo, da mesma
forma que condenavam a luta armada das esquerdas, tida terrorista,
como falaremos adiante. No por acaso, vrios cearenses,
destacadamente empresrios e polticos, contribuiriam local e
nacionalmente com os rgos de represso da Ditadura, fornecendo
carros, dinheiro, gasolina, alimentao, etc. aos agentes que
combatiam, torturavam, matavam os terroristas. Os nomes de tais
pessoas, no revelaremos, pois no temos como comprovar materialmente
tais doaes (e elas, obviamente, no assinaram nenhum recido
atestando suas contribuies). Possumos o depoimento apenas dos
ex-presos polticos, de jornalistas, de estudiosos da Ditadura e,
sobretudo, de um agente de determinado rgo de segurana e de um
importante funcionrio de grande empresa cearense daquele perodo,
cujos nomes, obviamente, manteremos tambm annimos.
Enquanto os setores conservadores exaltavam a revoluo, os
nacionalistas, as esquerdas e os aliados do deposto Joo Goulart
encontravam-se em apuros. O Governo Revolucionrio Militar Instaurou
a denominada Comisso Geral de Investigao para atuar nas reparties
pblicas e apurar subverses. Vrios funcionrios pblicos perderiam
seus empregos. Outras pessoas, mais visadas pela represso,
puseram-se em fuga. Para os Comunistas, era a constatao de como se
iludiram quanto ao to propalado esquema de defesa da legalidade
falado por Jango e pelo lder mximo pecebista Luis Carlos
Prestes.
No se sabe exatamente quantos cearenses foram detidos com o
Golpe. O IPM instaurado pelo Exrcito e sob