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Rodrigo da Silva Neiva Discursos das mídias Entendendo diferenças e similaridades do gênero analógico e digital sob a perspectiva dos quadrinhos e webcomics Centro Universitário UNA Belo Horizonte 2009
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Discurso das Mídias

Jun 19, 2015

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Rodrigo Neiva

The emergence of the Internet has brought many innovations in the way of communicating. It also stem from new ways of presenting information. Likewise, the publishing industry is changing, seeking to shape the new realities in pursuit of their survival in the face of new media. This research aims to understand the relationship between publishing and the Internet from the perspective of comics and webcomics.
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Page 1: Discurso das Mídias

Rodrigo da Silva Neiva

Discursos das mídias Entendendo diferenças e similaridades do gênero analógico e digital

sob a perspectiva dos quadrinhos e webcomics

Centro Universitário UNA

Belo Horizonte 2009

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Rodrigo da Silva Neiva

Discursos das mídias Entendendo diferenças e similaridades do gênero analógico e digital

sob a perspectiva dos quadrinhos e webcomics

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de Pós

Graduação em Projetos Editoriais

Impressos e Multimídia do Centro

Universitário UNA, como parte das

exigências para a obtenção do título

de Pós Graduado em Projetos

Editorias Impressos e Multimídia,

orientado pelo Professor Herbert

Rafael Freitas.

Centro Universitário UNA

Belo Horizonte 2009

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Resumo

O surgimento da internet trouxe diversas inovações na forma de comunicar.

Dela advêm também novas formas de se apresentar a informação. Da mesma

forma o mercado editorial vem se modificando, procurando se moldar as novas

realidades, em busca da sua sobrevivência frente às novas mídias. Essa

pesquisa visa entender a relação entre mercado editorial e a internet a partir da

perspectiva das histórias em quadrinhos e das webcomics.

Abstract

The emergence of the Internet has brought many innovations in the way of

communicating. It also stem from new ways of presenting information. Likewise,

the publishing industry is changing, seeking to shape the new realities in pursuit

of their survival in the face of new media. This research aims to understand the

relationship between publishing and the Internet from the perspective of comics

and webcomics.

Palavras chave: webcomics, quadrinhos, gêneros de linguagem, internet.

1 - Apresentação

As formas de produção e disseminação da informação são pontos chave

no processo comunicativo. O surgimento da internet fez com que os estudos a

cerca desses pontos chave acelerassem e ganhassem um novo destaque

dentro do processo comunicativo. Marcuschi (2003) relata que a internet é um

suporte que detém todos os gêneros existentes, de forma que ela tem suas

características e gêneros próprios e abriga os demais existentes.

Por ser um meio com característica multimídia, unindo imagem, som e

vídeo, a internet tem uma capacidade de transmissão e absorção de

informação que a diferencia dos demais meios, que se transforma em uma de

suas maiores características. A exemplo da internet, outro suporte que agrupa

características semelhantes são os quadrinhos, que reúne imagem e símbolos.

Desde Les Amours de monsieur Vieux Bois (1842), de Rudolph Töpffer

(Os amores do senhor Jacarandá, no Brasil), considerada primeira revista em

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quadrinho publicada, Batman, The Dark Knigth (1986), de Frank Miller

(Batman, O Cavaleiro das Trevas), que surgiu dentro da revolução criativa das

histórias em quadrinhos na década de 80, até webcomics como Nawlz (2007)

(http://www.nawlz.com) de Stuart Campbell, publicação essa, que utiliza boa

parte das possibilidades multimídia que a internet disponibiliza, faz-se notar

exemplos do processo de metamorfose que a linguagem das histórias em

quadrinhos sofre, numa constante evolução, se adaptando a realidades tanto

de mercado, quanto de meios.

Fica claro que o advento da internet juntamente a novas tecnologias de

acesso a informação tem influenciado o modo como fazemos a leitura e nos

portamos diante da informação, o que influencia diretamente nos modos de

produção e no conteúdo.

O objetivo desse estudo vai de encontro à necessidade de entendimento

das diferenças dos discursos e suas mídias. Assim é proposto um estudo inicial

acerca dos gêneros de linguagem para mídia impressa e para internet, para

que se entendam as características básicas de cada e possa-se traçar uma

linha comparativa entre ambas.

A partir desse estudo poderá se entender o modo de produção do

conteúdo editorial, e poderão ser definidas estratégias para a produção de

conteúdo tanto para as mídias impressas, como que para a internet.

Esse trabalho tem por objetivo principal a explicitação desses dados

para um entendimento das diferenças entre as revistas em quadrinhos

impressas e as webcomics, através do estudo dos gêneros de linguagem

analógico e digital. Esse entendimento se mostra necessário para que se possa

formatar o conteúdo para aquela determinada mídia, aproveitando todas suas

possibilidades de interação.

O trabalho se iniciará com uma breve explanação sobre o que é gênero,

e as principais características do gênero de mídia impressa e de internet. Logo

após será dado um breve panorama histórico a cerca dos quadrinhos e da

mídia internet. O próximo passo será o levantamento das características dos

quadrinhos na mídia impressa e das webcomics na internet, a partir de duas

histórias, MAUS de Art Spilgelman, e NAWLS de Stuart Campbell. Num terceiro

momento será traçada as principais similaridades e diferenças das duas

linguagens, para assim chegarmos à conclusão.

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Todo estudo será feito a partir de uma pesquisa qualitativa, através da

pesquisa dos autores da área, e da analise de suas ponderações a cerca das

teorias aqui discutidas.

2 - O que é o gênero?

A definição de gênero é discutida por vários estudiosos, como

Marcuschi, Fairclough e Charaudeau, que tentam traçar caminhos para a

conceituação de um termo, que nos dias atuais vem ganhando grande

relevância, principalmente com a evolução das mídias, como a internet.

Cada vez mais o discurso e a realidade sócio-cultural a qual o gênero

está inserido delimitam os caminhos para a configuração dos gêneros de

linguagem. Charaudeau (2006) fala em sua definição que o gênero é

constituído pelo conjunto das características de um objeto e constitui uma

classe à qual o mesmo pertence, e Marcuschi (2004) lembra que gêneros são

formas sociais de organização e expressões típicas da vida cultural. Já Bakhtin

(1992), afirma que os tipos de gênero são relativamente estáveis e se

relacionam com o conteúdo do discurso, apresentando-se como uma definição

dinâmica e se enquadrando aos conteúdos midiáticos da contemporaneidade.

Na analise proposta, após um breve entendimento do que vem a ser

gênero, é necessário entender duas variantes utilizadas pelos objetos de

analise do presente artigo, o gênero analógico e o gênero digital.

2.1 - Entendendo a transposição do gênero analógico para o digital

Dentro do estudo de gênero, os teóricos colocam varias definições e

caminhos para o estudo do mesmo. Bakhtin (1992) chega a fazer inicialmente

uma classificação onde, de maneira mais geral, define os gêneros em dois

tipos: primários e secundários. Os primários, considerados simples, podem ser

exemplificados segundo Nair Prata (2009) como formas de dialogo oral e a

linguagem familiar do dia-a-dia. Já os gêneros secundários, ou como citados

por Bakhtin como complexos, podem ser exemplificados, ainda segundo Prata

(2009) pela escrita, nos romances, textos teatrais e científicos.

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Pagano (2001) lembra que os gêneros mudam com as transformações

sociais, que acabam por gerar novos gêneros. A definição mais interessante

para esse estudo fica a cargo de Marcuschi (2002), que fala do surgimento de

novos gêneros a partir dos suportes tecnológicos. Ou seja, essa afirmação nos

leva a concluir que o discurso é relativamente estável, mas historicamente

variável, pois veio modificando e transformando-se tanto pelas revoluções

sociais e culturais, quanto pela mudança do suporte, no caso do suporte

analógico, que varia desde a época da pintura rupestre nas cavernas e grutas,

passando pelo papiro até o advento do papel.

Não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram às novas tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes tecnológicos da comunicação como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a Internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos (MARCUSCHI, 2002, p. 20).

Diante das colocações acima, entende-se que as transformações sócio-

culturais juntamente a evolução dos suportes são fatores preponderantes para

a evolução do gênero. O suporte internet, é um caso diferenciado por abranger

todos os gêneros existentes e dar uma nova configuração para a linguagem,

como explica Marcuschi apud Prata (2009).

Fazendo uma comparação, o suporte quadrinhos e a internet têm suas

similaridades no que diz respeito à mistura de gêneros, pois o primeiro faz uma

mistura bem sucedida entre imagem e texto, criando uma nova perspectiva

comunicacional. A internet faz praticamente o mesmo processo, com o

diferencial de agregar todos os gêneros existentes, configurando-os de modo

que alcancem os resultados esperados, entre eles, informar.

Pessoalmente, trato a internet como um suporte que alberga e conduz gêneros dos mais diversos formatos. A internet contém todos os gêneros possíveis. (MARCUSCHI, 2003, pag. 15)

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3 – Quadrinhos e internet – Surgimento e evolução

―No século passado, um homem de gênio, Hogarth, grande artista, mas, sobretudo grande moralista, publica diversas séries de gravuras formando dramas completos... Portanto é próprio das estampas reunir, num alto nível, estas diversas condições de ação, de reduzir toda proposição em imagens de vida, de transformar todo raciocínio em espetáculo animado, distinto, luminoso; de reunir todos os elementos com uma eloqüência simples, grosseira, mais apropriadamente maravilhosa à natureza e ao lazer dos espíritos brutos e sem cultura‖. Rudolph Töpffer

Desde seus primórdios, as histórias em quadrinhos geram fascinação do

seu leitor. A idéia de combinar desenhos e texto, inicialmente dividiu opiniões.

Os mais céticos e conservadores viam ali apenas um tipo de entretenimento, já

as mentes mais abertas e empreendedoras, como a de Rudolf Töpffer,

apontado como um dos percussores dessa mídia enxergou nos quadrinhos

uma nova linguagem.

Os quadrinhos, dentro da sua história, dialogaram com outras mídias e

vários movimentos artístico-culturais. Esses movimentos influenciaram na

linguagem dos quadrinhos, dando um novo panorama a forma de se fazê-los e

também no seu estudo. Destacam-se nesse panorama o exemplo de Little

Nemo in Slumberland (1905) do americano Winsor McCay. O artista colaborou

de forma decisiva para o desenvolvimento dos quadrinhos no campo das artes.

Figura 1: Reprodução desenhos de McCay, 1905.

Winsor McCay foi o artista americano responsável por uma das

maiores obras primas dos quadrinhos, Little Nemo in Slumberland. O Pequeno

Nemo, como foi conhecido no Brasil, foi divisor de águas nos quadrinhos por

ser das primeiras obras continuas dos quadrinhos e trabalhar aspectos de

movimentos artísticos de maneira coerente.

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(...) com uma luz comparável aos primeiros quadros da Renascença, a graça do barroco misturada à art nouveau, com desenhos que lembravam os palácios dos livros infantis, de perspectivas e paisagens de contos de fadas, tudo comandado pelo nonsense do mundo irreal dos sonhos, cujo predomínio é a visão ( MOYA, 1987, p.29).

Com o passar da primeira metade do século 20, os quadrinhos foram

evoluindo junto aos suportes, e principalmente junto às transformações

políticas, sociais e culturais. Começando nos livretos das chamadas ―bandas

desenhadas‖, chegando aos jornais em forma de tiras, onde foram

comercializados pela primeira vez, até a invasão da internet nos dias atuais, os

quadrinhos tiveram suas fases bem delimitadas com suas características

marcantes (RAMONE, 2006). A divisão proposta abaixo, feita por ―eras‖, se

limita somente ao gênero ―super-herói‖. Para visualizar a ilustração da

evolução dessa mídia, observe o quadro abaixo logo abaixo:

Nome Período Característica marcante

Era de Platina 1897 a 1937 HQs temáticos e policiais

Era de Ouro 1938 a 1955 Temáticas patrióticas e surgimento

do gênero super-herói

Era de Prata 1956 a 1969 Temáticas de horror e gênero super-

herói se tornam dominante no

mercado

Era de Bronze 1970 a 1979 Mudança do foco temático para

assuntos mais atuais e modernos.

Era Moderna (Era de ferro – termo

ainda não vastamente utilizado)

1980 até hoje Popularização das graphic novels,

colocando heróis populares em

tramas mais adultas. Inicio do

desmembramento das editoras de

HQs. Desconstrução do mito super-

herói.

3.1 – Internet – Evolução e revoluções

Fazendo uma rápida revisão, a internet teve seus primórdios em

setembro de 1969 nos Estados Unidos, ligando quatro computadores de

universidades da costa oeste norte-americana, surgido de um conceito do

aparelho chamado Memex, quase que inaugurando os estudos acerca da

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acessibilidade e armazenamento de dados, até então, de caráter apenas

textual (VIEIRA, 2003).

A partir daí surgiu a Arpanet, com fins militares e financiamento para seu

desenvolvimento feito pelo governo americano. Mas o grande salto de

popularidade da internet se deu com o sistema desenvolvido por Tim Berners-

Lee, para processamento de dados imagéticos e visuais, a World Wide Web

(VIEIRA, 2003). A evolução da web dá seu grande salto com a criação do

Mosaic, o primeiro navegador da história, e torna a inclusão de imagens e

outros artifícios, como áudio padrão (VIEIRA, 2003).

Dessa revisão, se destacam alguns fatores foram conclusivos para o

desenvolvimento da internet: o armazenamento e o tipo de dado disponibilizado

na rede. A internet é bem sucedida na criação de um ambiente híbrido que

comporta diversos tipos de dados, sempre com a finalidade de estender a

experiência comunicacional.

Pessoalmente, trato a internet como um suporte que alberga e conduz gêneros dos mais diversos formatos. A internet contém todos os gêneros possíveis (MARCUSCHI, 2003, pag.15)

Sendo um suporte que aglutina todos os outros, a internet desenvolve

sua sistemática e linguagem própria e continua a agregar novos gêneros, como

lembra Marcuschi (2004), ao afirmar que a internet transmuta de maneira

bastante complexa gêneros existentes, desenvolve alguns realmente novos e

mescla vários outros (p.19).

4 – Aprofundando em gêneros e suportes

4.1 – MAUS – A história de um sobrevivente

MAUS, é uma história em quadrinhos publicada em 1986, fruto de um

projeto ambicioso de Art Spiegelman, escritor e ilustrador de origem judia, que

se propôs a retratar a biografia dos pais, sobreviventes dos campos de

concentração nazistas. Spilgeman se estabeleceu com sua família nos Estados

Unidos ainda na infância. 1

1 http://lambiek.net/artists/s/spiegelman.htm Data do acesso: 10/11/2009

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Esse é um trabalho que apresenta características bem marcantes da

―Era Moderna‖ dos quadrinhos, com um conteúdo adulto, biográfico, mas

também se utiliza de recursos de décadas passadas, como o gênero animal

strips. Esse gênero, que também é

popularmente conhecido como gênero dos

animais falantes, surgiu no inicio da

massificação das histórias em quadrinhos,

com as aventuras dos Little Bears and

Tigers (1896) (Vergueiro2, 2003).

De certa forma, os animais das fábulas atuavam como um espelho de sua sociedade, uma espécie de caricatura dos seres humanos, tendo exagerados seus defeitos e qualidades, de forma a acentuar determinado ponto ou objetivo específico que se desejava firmar na opinião dos leitores. (VERGUEIRO, 2003)

Figura 2: Reprodução pagina MAUS, SPIELGEMAN, 2005, p.157

O uso do gênero animal strips fica evidente em MAUS quando a história

retrata os judeus como ratos, os nazistas como gatos, os poloneses como

porcos, os norte-americanos como cachorros, e o único francês do livro como

um sapo, numa tentativa de incentivar a discussão das diversas implicações da

guerra para os povos envolvidos.

MAUS teve papel preponderante na renovação do gênero, seja através

da critica e discussões geradas pela obra ou pelo seu reconhecimento como

primeira revista em quadrinhos agraciada com um premio literário de renome, o

Pulitzer3.

A leitura dos quadrinhos se diferencia na maneira como se utiliza das

imagens. Elas têm um caráter complementar como ferramentas narrativas,

2 http://www.omelete.com.br/quad/10000442/As_Historias_em_Quadrinhos_e_seus_generos___Parte_3.aspx Data

do acesso: 28/10/2009

3 O Prêmio Pulitzer é um prêmio estadunidense outorgado a pessoas que realizem trabalhos de excelência na área do

jornalismo, literatura e música. É administrado pela Universidade de Colúmbia em Nova Iorque. Foi criado em 1917

por desejo de Joseph Pulitzer que, na altura da sua morte, deixou dinheiro à Universidade de Colúmbia. Parte do

dinheiro foi usada para começar o curso de jornalismo na universidade em 1912.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%AAmio_Pulitzer – acessado em 17/11/2009

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trabalhando como elemento facilitador para o entendimento da mensagem

(Eisner, 2005).

Como experiência precede a análise, o processo digestivo intelectual é acelerado pela imagem fornecida pelos quadrinhos. (EISNER, 2005, p.19)

Segundo Eisner (2005), os quadrinhos se utilizam de imagens

estereotipadas, para um comum entendimento de ações e condutas humanas.

Nos quadrinhos, os estereótipos são desenhados a partir de características

físicas comumente aceitas e associadas a uma ocupação (Eisner, 2005, p.22).

Figura 3: Reprodução desenho de EISNER, 2005, p.22

Outro ponto crucial desta analise esta na relação do leitor com a mídia a

qual ele esta sendo exposto. Cada leitor reage de uma forma diante da

exposição a um tipo de mídia. Eisner chega a fazer uma classificação dessas

mídias e do seu respectivo ritmo de leitura. Nos quadrinhos, ao mesmo tempo

em que a imagem fornecida facilita o entendimento do texto, a leitura da

mensagem exige do leitor certo ritmo e experiência do leitor.

A menos que os leitores de quadrinhos sejam capazes de reconhecer as imagens ou fornecer eventos necessários que a disposição da imagem propõe, nenhuma comunicação é estabelecida. Por causa disso, o quadrinhista é obrigado a inventar imagens que se conectem a imaginação do leitor. (EISNER, 2005, p.75)

4.2 – Nawlz – Agregando e criando novos gêneros

Um gênero que agrega outros gêneros e os molda, imprimindo

características diferenciadas; essa é uma definição do gênero internet que se

Page 12: Discurso das Mídias

adéqua perfeitamente em Nawlz, um dos objetos desse estudo, que será

analisado nos próximos parágrafos.

Antes se faz necessário entender o termo webcomic. Esse termo faz

referencia ao objeto que mescla a linguagem das histórias em quadrinhos, que

combinam imagens e texto dentro de uma lógica de narrativa sequencial, e as

associa as possibilidades das tecnologias hipermidiáticas4 (Franco 2008).

(...) inclui efetivamente todos os trabalhos que unem um (ou mais) dos códigos da linguagem tradicional das HQs no suporte papel [segundo o autor: a percepção visual global, a elipse narrativa, a relação tempo/espaço, o enquadramento, o balão de fala, a onomatopéia e as linhas de movimento], (...) com uma (ou mais) das novas possibilidades abertas pela hipermídia, sendo elas: animação, diagramação dinâmica, trilha sonora, efeitos sonoros, tela infinita, tridimensionalidade, narrativa multilinear e interatividade (...). (Franco 2008, p. 171)

Esta webcomic é um projeto do designer australiano Stu Campbell. A

história segue o personagem principal, Harley, personagem de vida sedentária,

artista cyber-graffiti que adora vagar pelas ruas de Nawlz. A história tem

influencias fortes em sua temática de temas clássicos de ficção científica, como

Blade Runner5.

O título da webcomic vem do nome da cidade, uma metrópole de aço e

as torres de vidro que banham as ruas e becos sombrios. As cores trabalhadas

na história sempre remetem a tons neutros e escalas de cinza que remetem ao

preto e branco típico dos quadrinhos autorais.

Figura 4: Reprodução tela de Nawlz ,SUTU, 2005

4 Objetos hipermidiáticos são ferramentas que combinam recursos áudio-visuais e interativos para expor conceitos

complexos. Nesta mídia, não é possível separar meio de conteúdo, pois a interatividade com o usuário é em si

conteúdo e meio ao mesmo tempo (...).

http://usabilidoido.com.br/o_papel_da_interatividade_em_objetos_hipermidiaticos_de_aprendizagem_entretenimento

_e_comunicacao.html acessado em: 18/11/2009 5 Blade Runner (Blade Runner, o caçador de andróides) é um filme estadunidense de 1982, do gênero ficção

científica, realizado por Ridley Scott, e ilustrando uma visão negra e futurística de Los Angeles em novembro de

2019.

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Esse projeto se desenvolveu apoiado num conceito ainda em

desenvolvimento, a Tela Infinita (Infinite Canvas). Essa é a idéia de que o

tamanho de uma página de quadrinhos digitais é teoricamente infinito, e que os

quadrinhos não são, portanto, limitados pelos tamanhos de páginas

convencionais. Um artista pode conseguir mostrar uma história em quadrinhos

completa de duração indeterminada em uma página única (McCloud6, 2005).

The "infinite canvas" is a challenge to think big; a series of design strategies based on treating the screen as a window rather than a page. The basic premise is that there's no reason that long-form comics have to be split into pages when moving online. Pages are an option—and they can work well when screen shapes are taken into account—but the advantages of putting all panels together on a single "canvas" are significant and worth exploiting. (MCCLOUD, 2005)

O modelo de interface midiática proposto em Nalwz vai ao encontro ao

conceito de modularidade desenvolvido por Lev Manovich (2001), mostra que

os elementos das mídias se combinam entre si, mas continuam a manter suas

identidades e linguagem especifica. Ele agrega diferentes mídias, faz o uso

delas para passar a informação aproveitando-se de suas características

iniciais.

O grande trunfo de Nalwz esta na sua capacidade de agregar diferentes

mídias, usando-as como extensores para o entendimento da informação,

sempre agregando valor, jamais sendo usado de maneira avulsa, como

destacado na publicação Desktop Magazine logo abaixo:

Unlike so many web comics, which are simply scanned pages that have been under the Photoshop scalpel, Nawlz really is a truly interactive experience with each 'page' featuring many sections, which come to life as you scroll over them.

7

Esta webcomic se encontra atualmente no 14º capitulo, e conta também

com um blog8 para interação com o público, recepção de material de potenciais

colaboradores e para apresentação de resultados.

6 http://scottmccloud.com/4-inventions/canvas/index.html - Acessado em 05/11/2009 7 http://www.desktopmag.com.au/news_articles.php?article_id=375 – Acessado em 08/11/2009 8 http://nawlz.com/blog/ - Acessado em 08/11/2009

Page 14: Discurso das Mídias

4.3 – Similaridades e diferenças

Nos estudos dos gêneros de linguagem, a evolução tecnológica

acontece com grande velocidade e impacta diretamente no modo de vida do

homem. Essa evolução tem influência junto aos suportes comunicacionais, que

tem como função primordial transmitir a informação. Assim, os mesmos tendem

a ganhar características que fazem que eles sejam facilmente reconhecidos

pelo leitor.

Os objetos dessa pesquisa demonstraram similaridades e a

preocupação em comunicar. Tanto o gênero impresso (off-line), quanto o

gênero internet (online), mostraram que apesar de suas diferentes naturezas,

evoluíram sob uma mesma lógica.

Em MAUS, Spilgeman (1986) utilizou possibilidades dos recursos de

texto e imagem dos quadrinhos para contar uma história familiar de temática

densa. O uso da imagem e texto acelerou o entendimento da mensagem

(McCloud, 2005). Mas Spilgeman, para tecer uma critica sócio-cultural (acerca

do regime nazista e da II grande guerra de maneira geral) e acentuar o

entendimento de sua mensagem, se utiliza de um recurso metalingüístico, o

gênero animal strips, onde fez a associação da figura humana a animais.

Stu Campbell se utilizou, igualmente, da mesma premissa de mistura de

gêneros utilizada para os quadrinhos na webcomic Nawlz. Ele também se

apropria de várias estéticas contemporâneas para potencializar o poder da sua

mensagem. Mas devido à natureza do suporte, foram agregados outros

gêneros alem da imagem e texto, que amplificam a experiência comunicacional

do leitor e passam a informação.

Essa pesquisa detectou que a capacidade de agregar diferentes gêneros

e estéticas, de modo a potencializar o poder do veículo e criar uma nova

linguagem pode ser definida como a principal similaridade das webcomics

(digitais e das historias em quadrinhos.

O suporte utilizado vai influenciar no modo como essa informação irá ser

passada e armazenada. A utilização do suporte internet apresenta diferenças

marcantes do suporte impresso, influindo inclusive na linguagem utilizada. Se

nas historias em quadrinhos, o esforço reside em amplificar a mensagem

através da utilização das possibilidades comunicacionais da imagem e do texto

Page 15: Discurso das Mídias

dentro de um espaço limitado e de uma estrutura lógica linear, as webcomics,

aproveitam as características do suporte internet para transpor a limitação de

espaço de armazenagem, comportando mais informação em um único plano

(teoria da ―Tela Infinita9‖), e potencializando sua mensagem através da

utilização de outros suportes como áudio, vídeo, animações, e quebrando a

estrutura linear da informação.

5 – Conclusão

A evolução tecnológica é, através dos tempos, a engrenagem que move a

transformação de várias áreas do conhecimento. Nos estudos de gêneros de

linguagem, essa evolução vem ocorrendo com bastante profundidade por

impactar diretamente no homem. Dadas as constatações de Marcuschi (2002)

acerca da evolução dos suportes caminharem alinhadas com a evolução dos

gêneros, completamos os objetivos do trabalho.

Para entender as similaridades e diferenças dos gêneros impresso (off-line)

e internet (online), foi traçado um estudo comparativo sobre ambos, através

dos objetos: a história em quadrinhos MAUS, de Art Spilgeman, e a webcomic

Nawlz, de Stu Campbell.

Foi traçado um breve panorama histórico dos gêneros, levantadas as

principais características da pesquisa de ambos, através de vários autores

estudiosos dos gêneros de linguagem. Os objetos foram apresentados

procurando ser contextualizados juntos aos gêneros e suportes que ambos

utilizam (analógico e digital). De posse dessas informações foram feitas as

análises.

A pesquisa alcançou seu objetivo principal, que foi o entendimento das

diferenças entre o gênero analógico (off-line) e digital (online), através dos

objetos analisados: as revistas em quadrinhos impressas e as webcomics.

Este estudo se mostrou um caminho inicial para a resolução das questões

que ainda precisam de respostas, como entender o modo de produção do

conteúdo editorial para definição de estratégias para a produção de conteúdo

tanto para as mídias impressas, como que para a internet. Novas questões

9 Ver Tela infinita em 4.2 – Nawlz – Agregando e criando novos gêneros.

Page 16: Discurso das Mídias

também foram surgindo ao longo do trabalho. Um exemplo delas é entender o

correto modo de transição da informação entre as mídias. O trabalho, mesmo

apresentando aspectos já discutidos por outros pesquisadores, se mostrou

uma ferramenta útil para explicitação de alguns dados que, porventura, podem

gerar novas colaborações ao campo.

Apoiando-se na análise de Marcuschi a cerca da evolução dos gêneros, e

do posicionamento e inovações comunicacionais de McCloud em seus estudos,

essa pesquisa se fecha com possibilidades de caminhar mais adiante, a fim de

compreender melhor as possibilidades comunicacionais dos gêneros de

linguagem e seu apoio nas inovações tecnológicas.

6 – Bibliografia

PAGANO, Adriana Silvina. Gêneros híbridos. In: MAGALHÃES, Célia (org.). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: FALE-UFMG, 2001. CAMPBELL, T. A history of webcomics: The Golden Age 1993-2005. Antarctic Press: San Antonio, 2006. FRANCO, Edgar Silveira. HQTRÔNICAS: do suporte papel à rede Internet. 2ª ed. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.

PRATA, Nair.. Webradio: novos gêneros, novas formas de interação. 1. ed. Florianópolis: Insular, 2009. v. 1. 255 p. MARCUSCHI, Luiz Antônio. A questão do suporte dos gêneros textuais. Projeto Integrado: ―Fala e Escrita: Características e Usos‖, em andamento no NELFE (Núcleo de Estudos Lingüísticos da Fala e Escrita), Departamento de Letras da UFPE, 2003. MOYA, Álvaro de. História da história em quadrinhos, Brasiliense, 1987; MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. 10 ed. São Paulo: Mbooks, 1995, 266p. MCCLOUD, Scott. Reinventando os quadrinhos. 10 ed. São Paulo: Mbooks, 2005, 222p. CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004.

Page 17: Discurso das Mídias

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006. VIEIRA, Eduardo. Os bastidores da internet no Brasil. Barueri: Manole, 2003.

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faz-toda-diferenca - artigo nawlz