Direito penal contemporâneo: Garantismo Penal como alternativa ao Direito Penal Do Inimigo Introdução O Sistema axiológico de Ferrajoli, o Direito Penal Mínimo, a tese do Direito Penal do Inimigo, dentre outros, são temas extremamente relevantes para quem pretende conhecer a nova perspectiva do Direito Penal Contemporâneo. A presente explanação tem o escopo de traçar uma síntese evolutiva da história da criminologia, passando pelo Direito Penal antigo, analisando a evolução doutrinária, para suscitar no leitor reflexões a respeito do modelo penal atual, enfatizando pontos intrigantes, como terrorismo, direito penal do autor etc. É imprescindível o estudo aprofundado dos modelos penais existentes, suas consequências e efeitos no atual contexto social. O texto analisa, sem pretensão de esgotar a matéria, como o retrocesso ou a evolução da ciência criminal interfere direta e indiretamente na vida do cidadão. Por fim, a partir do dissertado pretende-se concluir o estudo com o objetivo de aguçar a visão crítica do leitor sobre o assunto. 1 Síntese histórica e criminologia Para melhor compreensão do modelo penal garantista, reputa-se indispensável uma digressão história da criminalidade, estabelecendo-se a ligação com a problemática a ser tratada. A Escola Clássica nasce ao final do século XVIII e estende-se até metade do XIX, como reação aos Estados radicais e absolutistas, obtendo êxito contra o autoritarismo bárbaro. Contudo, em meados da segunda metade do século XIX, diante do movimento crescente na criminalidade, surgiu a necessidade de proteção social, coincidindo, portanto, com o acelerado avanço nas ciências biológicas e sociais (Antropologia, Estatística, Psicologia, etc). Esse contexto contribuiu para que a Criminologia sofresse significativas mudanças em seu objeto de estudo. A Escola Positiva italiana afirmava que o crime decorria de um fator endógeno. Considerava que ao cometimento do crime era indiferente à liberdade de ação e de decisão do delinquente. Acreditava que o sujeito nascia delinquente, descartando-se fatores externos como causas da criminalidade. Cesare Lombroso (1835-1909), um dos principais representantes desse contexto histórico, fundador da Escola Positivista Biológica, sustentava a tese do “criminoso nato”. Lombroso estruturou sua premissa após examinar diversos soldados italianos, bem como mais de 25 (vinte e cinco) mil presos em cadeias europeias, concluindo que era possível reconhecer um criminoso apenas por seus estigmas físicos oriundos de sua carga genética, surgindo a Antropologia Criminal, que considerava, por exemplo, o formato das mãos, mandíbulas, tamanho das orelhas, tatuagens etc.
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Direito penal contemporâneo: Garantismo Penal como alternativa ao Direito Penal Do ...facer.edu.br/anexos/anexo_26022014160930.pdf · 2020-03-10 · Direito penal contemporâneo:
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Direito penal contemporâneo: Garantismo Penal como alternativa
ao Direito Penal Do Inimigo
Introdução
O Sistema axiológico de Ferrajoli, o Direito Penal Mínimo, a tese do Direito Penal do Inimigo, dentre
outros, são temas extremamente relevantes para quem pretende conhecer a nova perspectiva do Direito
Penal Contemporâneo.
A presente explanação tem o escopo de traçar uma síntese evolutiva da história da criminologia,
passando pelo Direito Penal antigo, analisando a evolução doutrinária, para suscitar no leitor reflexões a
respeito do modelo penal atual, enfatizando pontos intrigantes, como terrorismo, direito penal do autor etc.
É imprescindível o estudo aprofundado dos modelos penais existentes, suas consequências e efeitos no
atual contexto social.
O texto analisa, sem pretensão de esgotar a matéria, como o retrocesso ou a evolução da ciência criminal
interfere direta e indiretamente na vida do cidadão.
Por fim, a partir do dissertado pretende-se concluir o estudo com o objetivo de aguçar a visão crítica do
leitor sobre o assunto.
1 Síntese histórica e criminologia
Para melhor compreensão do modelo penal garantista, reputa-se indispensável uma digressão história da
criminalidade, estabelecendo-se a ligação com a problemática a ser tratada.
A Escola Clássica nasce ao final do século XVIII e estende-se até metade do XIX, como reação aos
Estados radicais e absolutistas, obtendo êxito contra o autoritarismo bárbaro.
Contudo, em meados da segunda metade do século XIX, diante do movimento crescente na
criminalidade, surgiu a necessidade de proteção social, coincidindo, portanto, com o acelerado avanço
nas ciências biológicas e sociais (Antropologia, Estatística, Psicologia, etc). Esse contexto contribuiu para
que a Criminologia sofresse significativas mudanças em seu objeto de estudo.
A Escola Positiva italiana afirmava que o crime decorria de um fator endógeno. Considerava que ao
cometimento do crime era indiferente à liberdade de ação e de decisão do delinquente. Acreditava que o
sujeito nascia delinquente, descartando-se fatores externos como causas da criminalidade.
Cesare Lombroso (1835-1909), um dos principais representantes desse contexto histórico, fundador da
Escola Positivista Biológica, sustentava a tese do “criminoso nato”. Lombroso estruturou sua premissa
após examinar diversos soldados italianos, bem como mais de 25 (vinte e cinco) mil presos em cadeias
europeias, concluindo que era possível reconhecer um criminoso apenas por seus estigmas físicos
oriundos de sua carga genética, surgindo a Antropologia Criminal, que considerava, por exemplo, o
formato das mãos, mandíbulas, tamanho das orelhas, tatuagens etc.
Por mais absurdo que pareça, conforme destaca Cesar Roberto Bitencourt (2010), Lombroso teve seu
mérito, pois contribuiu para o desenvolvimento da Sociologia Criminal.
A crítica a essa teoria recai sobre o fato de atribuir uma causa biológica para a criminalidade, quando, na
verdade, as causas exógenas, externas à genética do criminoso, também são relevantes.
A Escola Francesa de Lyon, capitaneada por Enrico Ferri (1856 – 1929), Lacassagne (1843-1924), Émile
Durkheim (1858-1917) – pai da Sociologia moderna -, tentaram reparar o equívoco de Lombroso, dando
importância não só ao aspecto endógeno, mas também aos sociais e culturais. Diziam que o criminoso é
como um micróbio e o crime como um vírus que, encubado, se manifestaria em ambiente adequado à sua
eclosão.
Portanto, para a Escola Francesa, o crime ocorreria a partir de uma tendência criminosa – aspecto
endógeno; uma predisposição para a referida prática criminosa, tudo em um ambiente favorável à
mencionada conduta.
Após essa primeira fase do estudo da Criminologia, surgem as Teorias Macrossociológicas da
Criminalidade.
No início do Século XX, a Escola de Chicago passou a enxergar o crime como um fenômeno natural. Daí
recebeu o nome de Teoria Ecológica da Criminalidade. Essa corrente explica a criminalidade a partir da
desordem social urbana, das grandes imigrações, e nas áreas mais industrializadas, afirmando que a
criminalidade pode ser retratada pelas investigações econômicas.
A Escola de Chicago é sucedida pela Teoria do Aprendizado Social, que desfaz paradigmas até então
estabelecidos, como a de que a criminalidade tem origem nas classes marginalizadas e menos
favorecidas da sociedade.
A Teoria do Aprendizado Social ou Teoria da Associação Diferencial, defendida por Sutherland em 1937,
destaca que o aprendizado repassado pela família, sociedade, amigos etc., é decisivo para definição
comportamental do indivíduo.
Cada relação social é determinante para a formação ou não de um cidadão delinquente, reforçando a
máxima popular que assevera: “dize-me com quem andas, que te direi quem és”.
Assim sendo, essa teoria não está preocupada apenas com classes sociais de renda baixa, haja vista que
pouco importa a classe em que viva a pessoa, mas sim com quem ela se relaciona, razão que levou
Edwin Sutherland – criador dessa teoria – a introduzir, na época, o termo the white collar criminal (crime
do colarinho branco).
Observa-se que até o momento as teorias se destacam por explicar condutas desviantes de indivíduos
(conduta positiva). Contudo, em pensamento diametralmente oposto, surge a Teoria do Controle Social,
que tenta explicar como cada sujeito regula suas ações com o fim de não delinquir (conduta negativa).
Essa teoria estabelece grandeza inversamente proporcional, pois quanto maior o grau de interação e
adequação social, menor serão as possibilidades de se praticar crimes – “fenômeno da concordância”.
Em complementaridade à Teoria do Controle Social, temos a Teoria da Subcultura, que trabalha com a
ideia de grupos dominantes e não-dominantes.
Para a Teoria da Subcultura, quando uma classe marginalizada não consegue adaptar seu modo de vida,
estilo de linguagem, de vestimenta e comportamentos aos do grupo predominante, os relacionamentos e
interações entre os dois tendem a ser menores, surgindo atrito e divergência ideológica, passando a
minoria rejeitada e diferenciada a se rebelar contra os dominantes. Essa teoria explicaria as gangues e
skinheads.
Por fim, ainda nas Teorias Macrossociológicas, vislumbra-se a Teoria do Etiquetamento, da Rotulação,
Reação Social ou Labeling Approach. Por essa tese, um fato só é etiquetado como crime quando a
sociedade assim o considera, criando-se uma pressão sobre o indivíduo que, por sua vez, passa a agir
conforme o estigma estabelecido.
A guisa de exemplo basta pensar na situação dos ex-delinquentes que, ao saírem das cadeias, são
marginalizados pela sociedade, tendo em comum a resposta dada aos órgãos de controle, ou seja, voltam
a reincidir e ratificam o adjetivo imposto.
Já na década de 70 surge uma Teoria Macrossociológica denominada de “Nova Teoria” ou “Teoria Crítica
da Criminalidade” que propõe a reanálise do objeto da criminalidade, criando a “criminologia da
criminologia”.
A criminologia crítica desloca o foco de investigação, remodelando o modelo de política criminal, partindo
não mais do comportamento delinquente, mas dos meios de controle, com a premissa de que o problema
criminal não deixará de existir na sociedade, devendo-se proteger o cidadão contra esses fatos
reprováveis e não se tentando proteger a sociedade em si.
Surge então o que se convencionou de propostas de políticas criminais, a exemplo do abolicionismo,
neorealismo de esquerda e o minimalismo penal.
2 Abolicionismo
Para o modelo abolicionista, defendido por Nils Christie e Louk Hulsman, professor holandês da
Universidade de Rotterdam, o Direito Penal deve ser extinto, substituindo-o por um Direito Administrativo
sancionador.
José Cícero Landin Neto lembra que no livro Pene Perdute, Hulsman enumera diversos fundamentos
para explicar a extinção do Direito Penal:
● Castigo corporal – dizem que foi abolido, mas não é verdade – a prisão degrada o corpo pela privação
diária de sol, luz, espaço e pela promiscuidade dos companheiros de infortúnio.
● Relatividade – por que o fato de ser homossexual, usuário de drogas ou bígamo é punível em certos
países e não em outros?
● Estigma – em numerosos casos, a experiência da prisão deixa no condenado cicatrizes que podem ser
profundas e irreparáveis na ressocialização do indivíduo.
● Contragolpe – quando sai da prisão, o preso sente que pagou tão caro que passa a ser movido por
sentimento de ódio e agressividade, ou seja, o efeito é totalmente oposto ao discurso oficial que pretende
“ressocializar” o condenado, fazendo dele uma outra vítima.
● Indenização – em algumas situações, por que não recorrer às regras de direito civil, que já se aplicam
em muitos pontos?
● Resoluções de conflitos – a maior parte dos conflitos interpessoais se resolve fora do sistema penal,
graças a acordos entre os interessados.
● Desigualdade social – o sistema penal, ao excluir o preso da vida produtiva, cria e reforça a
desigualdade social.
● Distância sideral – os juízes de carreira, assim como os políticos, são, social e psicologicamente,
distantes dos homens que eles condenam. Para o juiz, a pena é apenas um ato burocrático e para nós,
homens livres, a prisão e o prisioneiro constituem uma realidade distante.
● A vítima – a vítima não pode parar uma ação pública, uma vez que esteja em andamento. É vedado
aceitar uma proposta conciliadora que possa garantir um ressarcimento aceitável.
A crítica desenvolvida contra esse modelo consiste no fato de que o controle social sempre existiu, seja
ele formal (Ministério Público, Polícia, Judiciário) ou informal (Igreja, Família, mídia), sendo impensável
uma sociedade que regride à Lei de Talião, tornando-se bárbara e desordenada. Oportuno relembrar a
brilhante frase de Mahatma Gandhi: “De olho por olho e dente por dente o mundo acabará cego e sem
dentes."
3 Neorealismo de esquerda
O Neorealismo de Esquerda baseia-se em teses radicais e de tolerância zero, prevalecendo o binômio
“Lei e Ordem”. É a outra face do modelo abolicionista, haja vista elevar ao extremo o poder estatal, tendo
como auge o direito penal do inimigo.
Nesse modelo de política criminal assenta-se a Teoria das Janelas Quebradas (broken windows theory).
Surgiu durante o mandato do Prefeito de Nova York Rudolph Giuliani (ex-Promotor Federal), que,
aplicando a referida teoria, reduziu vertiginosamente os índices de criminalidade naquela cidade.
Para ilustrá-la, basta imaginar que uma grande indústria, coração econômico de uma pequena região,
venha a ser desativada por sérios problemas financeiros. Vários funcionários desempregados ao
passarem na porta da fábrica, movidos de raiva, arremessam uma pedra em umas de suas janelas. No
dia seguinte voltam e picham as paredes. E, após alguns dias, destroem a estrutura completa daquele
local.
Perceba que aquele movimento inicial e tímido, sem reprimenda, evoluiu para atos maiores de
vandalismo. Portando, a idéia é punir de imediato a pequena violência.
Ainda na filosofia radical, existe a Teoria das “três faltas e você está fora”, onde se deve conter o
indivíduo após três delitos, sejam eles pequenos ou não. Errou três vezes está fora. Essa proposta é
baseada no jogo de beisebol, em que o batedor é eliminado da rodada após três erros.
O Neorealismo de Esquerda está estreitamente ligado ao Direito Penal do inimigo, que será tratado
adiante.
4 Minimalismo penal ou direito penal mínimo
O minimalismo é reflexo do garantismo penal, ou seja, é ponto de equilíbrio entre o abolicionismo e o
neorealismo de esquerda.
A jurisprudência pátria já trabalha com fundamentos de Direito Penal Mínimo:
O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT
PRAETOR”.
- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a
restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria
proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente
naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial,
impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não
represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à
integridade da própria ordem social. (STF – HC 92.463/RS - MIN. CELSO DE MELLO - 16/10/2007)
HABEAS CORPUS. FURTO TENTADO. AUSÊNCIA DA TIPICIDADE MATERIAL. INEXPRESSIVA
LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
POSSIBILIDADE.
1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a
um dano com relevante lesividade. Inocorrência de tipicidade material, mas apenas a formal, quando a
conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a ingerência da tutela penal, em
face do postulado da intervenção mínima. É o chamado princípio da insignificância. 2. Reconhece-se a
aplicação do referido princípio quando verificadas" (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b)
nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e
(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada "(HC 84.412/SP, Ministro Celso de Mello, Supremo
Tribunal Federal, DJ de 19/11/2004). 3. No caso, não há como deixar de reconhecer a mínima
ofensividade do comportamento do paciente, que subtraiu um conjunto de moletom, avaliado em R$
83,00 (oitenta e três reais), sendo de rigor o reconhecimento da atipicidade da conduta. 4. Ordem
concedida a fim de, aplicando o princípio da insignificância, absolver o paciente na Ação Penal nº
417/2010, que tramitou perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de São Bernardo do Campo/SP. (DJe
11/04/2012 – STJ - Ministro OG FERNANDES (1139) - HC 234654/SP HABEAS CORPUS 2012/0040055-
1)
Ainda:
PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (ART. 40 DA LEI Nº 9.605/95).
CORTE DE UMA ÁRVORE. COMPENSAÇÃO DO EVENTUAL DANO AMBIENTAL. CONDUTA QUE
NÃO PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. É de se
reconhecer a atipicidade material da conduta de suprimir um exemplar arbóreo, tendo em vista a completa
ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. 2. Ordem concedida, acolhido o
parecer ministerial, para reconhecer a atipicidade material da conduta e trancar a Ação Penal nº
002.05.038755-5, Controle nº 203/07, da Vigésima Quarta Vara Criminal da comarca de São Paulo.
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – STJ - HABEAS CORPUS Nº 128.566 - SP
(2009/0026638-8) – 31/05/2011.
O minimalismo não tem a pretensão de abolir o Direito Penal, mas apenas reduzir o jus puniendi do
Estado, aumentando as garantias penais do cidadão, protegendo-o de teorias radicais, como a do Direito
Penal do Inimigo. Como exemplo de minimalismo, cita-se o Sistema Garantista de Luigi Ferrajoli, que será
abordado em tópico próprio.
5 Funcionalismos do Direito Penal
Por uma nova perspectiva, não é suficiente o conhecimento do que seja Direito Penal, mas, também, para
que serve, qual a função desse direito. Assim, surgiu uma fase pós-finalista, designada de Funcionalismo.
Dentre as correntes funcionalistas criadas tem-se: o funcionalismo moderado ou teleológico;
funcionalismo radical ou sistêmico; funcionalismo reducionista ou contencionista.
5.1 Funcionalismo Moderado, Teleológico ou Valorativo
Segundo Claus Roxin, a função do Direito Penal seria a exclusiva proteção dos bens jurídicos
relevantes à vida em sociedade. A partir desse funcionalismo justifica-se a adoção de certos princípios
de política criminal, como o da insignificância.
O crime, para o funcionalismo valorativo, também é tripartite: fato típico, ilicitude e responsabilidade
(reprovabilidade). A reprovabilidade tem como elementos a imputabilidade, potencial consciência da
ilicitude, a exigibilidade de conduta diversa e a necessidade da pena. Portanto, se ocorre um furto que tão
logo a coisa alheia móvel é devolvida, não haveria motivo de aplicação da pena ao agente.
5.2 Funcionalismo Radical ou Sistêmico
Günter Jakobs sustenta que é ilógico imaginar que a função do Direito Penal é proteger bens jurídicos,
pois quando este atua o bem jurídico já se encontra violado. Desta feita, a função seria de proteção das
normas, tendo como referência a Teoria Sistêmica de Luhmann.
Nesse contexto não há espaço para o princípio da bagatela, visto que a norma está em primeiro lugar,
não se avaliando a relevância do bem jurídico atingido.
O Direito Penal reafirmaria o poder punitivo do Estado, tendo autoridade máxima para proteger o sistema,
ainda que em alguns casos haja desrespeito às garantias penais do cidadão. Essa é a gênese do Direito
Penal do Inimigo.
5.3 Direito Penal do Inimigo
Em nítida mudança de postura descritiva, adotada no ano de 1985, em Frankfurt, Günter Jakobs lançou
em 2003 seu livro Derecho penal del enemigo, aplicando referida tese. Melhor designação seria “Direito
penal contra os inimigos”, uma vez que sua finalidade é extirpar do pacto aquele que o viola.
O Direito Penal do Inimigo tem sua origem filosófica nas teses contratualistas de Rousseau, Fichte,
Hobbes, Kant. Essas teses explicam a formação do Estado por meio de um pacto social em que,
metaforicamente, em face da desordem humana, todos se reúnem em assembleia e resolvem assinar um
contrato estabelecendo relações jurídicas a serem observadas por todos. Aquele que não observar o
acordo deve ser retirado do acordo e considerado uma não pessoa, um inimigo, não se lhe garantindo
direitos processuais ou materiais.
Diante do fundamento filosófico surgem duas linhas de Direito Penal: uma aplicável ao cidadão (seria o
nosso Direito Penal pátrio habitual) e outra do inimigo (contra o inimigo).
O direito penal do cidadão é utilizado nos casos em que o agente, apesar da conduta vacilante, não quer
destruir o pacto social. Porém, o inimigo possui o escopo de destruir o Estado.
Mohamed Atta, provável mentor do “11 de setembro”, nos Estados Unidos, não queria apenas matar
pessoas, mas destruir o Estado, tanto que o atentado teve como alvo os principais símbolos daquela
nação - World Trade Center (símbolo do capitalismo); Pentágono (símbolo de defesa); a White House
(residência oficial do presidente dos EUA), onde o ataque só não ocorreu em razão da queda antecipada
do Boeing 767 da América Airlines.
No campo de batalha não se deseja apenas capturar o inimigo, mas abatê-lo.
O professor Luiz Flávio Gomes leciona os efeitos da Teoria do Direito Penal do Inimigo:
(a) flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas); (b) inobservância de
princípios básicos como o da ofensividade, da exteriorização do fato, da imputação objetiva etc.; (c)
aumento desproporcional de penas; (d) criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos
definidos); (e) endurecimento sem causa da execução penal; (f) exagerada antecipação da tutela penal;
(g) corte de direitos e garantias processuais fundamentais; (h) concessão de prêmios ao inimigo que se
mostra fiel ao Direito (delação premiada, colaboração premiada etc.); (i) flexibilização da prisão em
flagrante (ação controlada); (j) infiltração de agentes policiais; (l) uso e abuso de medidas preventivas ou
cautelares (interceptação telefônica sem justa causa, quebra de sigilos não fundamentados ou contra a
lei); (m) medidas penais dirigidas contra quem exerce atividade lícita (bancos, advogados, joalheiros,
leiloeiros etc.).
O Direito Penal do Inimigo pune a pessoa pelo que ela é e não pelo que ela faz (Direito Penal do Autor).
Tal teoria viola inúmeros princípios, como o da materialização do fato.
O Código Penal Brasileiro trabalha com fatos. Seu artigo 2º prevê que “ninguém pode ser punido por fato
que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da
sentença condenatória”.
Cabe aqui indagar se a tese apresentada por Jakobs é meramente acadêmica ou se constitui em
realidade em nosso sistema.
Os EUA, após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, passaram a legislar certas “técnicas
coercitivas de confissão”. A prisão militar de Guantánamo e a CIA (serviço secreto americano), por meio
das comissões militares, confeccionaram memorandos (verdadeiros manuais de tortura), definindo a
forma “legítima” de utilização dessas técnicas.
“O primeiro memorando, de agosto de 2002, descreve dez técnicas. O Departamento de Justiça concluiu
que, de acordo com as leis americanas, os métodos não constituíam tortura. Os outros três
memorandos, de maio de 2005, incluíram quatro novas técnicas e confirma que a combinação dos
métodos era permitida. As técnicas seriam usadas para" vencer a resistência "de suspeitos que já
estivessem acostumados ao tipo de tratamento recebido nas prisões” (BBC BRASIL)
Esses manuais, chamados de KUBARK, preveem inaceitáveis absurdos. Dentre inúmeras “técnicas” que
são legalizadas, destacam-se duas: a) afogamento: para que essa técnica seja válida “a água jogada
sobre o prisioneiro tem que ser potável e os responsáveis pelo interrogatório têm que estar certos de que
a água não entre na boca, nariz ou olhos do prisioneiro."; b) confinamento com insetos: para a validade, o
memorando diz que a técnica deve “colocar uma pessoa em uma caixa junto com um inseto que pode
picá-la. Nesse caso, o responsável pelo interrogatório precisa garantir que "a picada não vai produzir