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DIMENSÕES JURÍDICAS DO SIGILO BANCÁRIO Álvaro Melo Filho
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DIMENSÕES JURÍDICAS DO SIGILO BANCÁRIO Álvaro Melo Filho · 2019. 4. 2. · ÁL V ARO MELO FILHO DIMENSÕES JURÍDICAS DO SIGILO BANCÁRIO SUMÁRIO I. Introdução 2. Dimensão

Jan 31, 2021

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  • DIMENSÕES JURÍDICAS DO SIGILO BANCÁRIO

    Álvaro Melo Filho

  • ÁL V ARO MELO FILHO

    DIMENSÕES JURÍDICAS DO SIGILO BANCÁRIO

    SUMÁRIO

    I. Introdução 2. Dimensão histórica 3. Dimensão legal 4. Dimensão doutrinária 5. Dimensão jurisprudencial 6. Dimensão prática

    I. Introdução

    O estudo dos aspectos jurídicos do sigilo bancário tem sido descurado na doutrina nacional, conquanto as menções feitas nas obras de Direito Bancário são incompletas e superficiais.

    Poucas linhas foram dedicadas no Brasil ao sigilo bancário, inobstante ser um ins-tituto reconhecido expressamente na legislação positiva de quase todos os países civili-zados. Saliente-se, por oportuno, que o principal trabalho nacional referente ao assunto tem como autor Noé Azevedo (in Rev. dos Tribunais, vol. 315, pág. 412), que abordou o tema numa fase bem anterior ao disciplinamento legal e específico do sigilo bancário na Lei n? 4.595/64.

    Por isso o objetivo basilar é realizar uma análise abrangente da matéria, num tem-po marcado por crises, revisões de valores, dúvidas, tensões e lutas irrefragáveis, repen-sando o já pensado na busca de novas respostas, sem olvidar as lições emergentes da le-gislação e doutrina alienígenas.

    Cumpre destacar, nesta introdução, que Juan Carlos Malagarriga formula um con-ceito sobretudo didático de sigilo bancário ao assinalar que «el secreto bancario es la obligación impuesta a los bancos de no revelar a terceros, sin causa justificada, los da-tos referentes a sus clientes que lIeguen a su conocimiento como consecuencia de las re-laciones jurídicas que los vinculam». (in «EI Secreto Bancario», Abeledo-Perrot, Bue-nos Aires, 1970, pág. 15).

    Nesta perspectiva o sigilo bancário desenvolve-se dentro das relações Banco-cliente; seus elementos subjetivos são, pois, o cliente, que tem o direito de exigir tal sigilo, e a entidade bancária, que tem a obrigação de respeitá-lo, salvo em determinadas hipóteses e circunstâncias que serão objeto de análise mais adiante. Por outro. lado, o sigilo ban-

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    cano tem como objeto os valores, . ou seja, aquilo que encerra ou representa riqueza material e que geralmente constitui-se por dinheiro.

    A necessidade de «discreción bancaria» justifica-se mais por razões de interesse pú-blico do que privado, conquanto a obrigação de sigilo não só reforça a confiança da clientela nas instituições financeiras, como também assegura uma afluência vigorosa de capitais e um volume substancial de negócios que, na ausência do sigilo, tomariam o caminho rumo a países em que o sigilo bancário esteja garantido e juridicamente prote-gido.

    Daí exsurge a importância do sigilo bancário alardeada por Nelson Hungria: «Na atualidade, é geralmente reconhecido que entre os confidentes neces-

    sários, legalmente obrigados à discrição, figuram os banqueiros. Notadamente nas operações de crédito, o sigilo bancário é uma condição imprescindível, não só para a segurança do interesse dos clientes do Banco como para o pró-prio êxito da atividade bancária. Raros seriam, por certo, os clientes do Ban-co, se não contassem com a reserv.a do banqueiro e seus prepostos. Em nenhu-ma outra atividade profissional é de se atender, com mais adequação, à adver-tência de que a alma do negócio é o segredo» (in «Comentários ao Código Pe-nai», vol. 6, pág. 271).

    2. Dimensão histórica A trajetória histórica do sigilo bancário associa-se às próprias atividades e institui-

    ções bancárias sempre presentes na civilização da Antiguidade, da Idade Média, dos tempos modernos e que, seguramente, permanecerão nas civilizações futuras por força das exigências do tráfico econômico e das crescentes necessidades estatais.

    A gênese do sigilo bancário demonstra que ele não é uma construção intelectual apriorística, mas decorrência de um amplo desenvolvimento econômico e jurídico, ace-lerado sobretudo no «reino dos banqueiros» de que falava Ripert (in «Aspects juridi-ques du capitalisme moderne», 1951, 2~ ed., pág. 164).

    Max Weber (in «Historia Económica General», Fondo de Cultura Económica, Ma-drid, 1974, pág. 223), discorrendo sobre o embrião das atuais operações bancárias, assi-nala que «los templos antiguos funcionaron ai principio como cajas de depósito. Esta era su primordial misión como Bancos; en cuanto cajas de depósitos de los templos eran bienes sagrados, y quien ponía la mano sobre ellos cometía un sacrilegio. EI tem-plo de Delfos era un lugar de custodia de tesoros para numerosos particulares y espe-cialmente caja de ahorros típica de los esclavos».

    Verifica-se, então, que as primitivas operações de Bancos estavam conectadas com o sagrado. Da inviolabilidade dos templos onde surgiram as instituições bancárias e do respeito ao divino que se irradiava às atividades, inclusive bancárias, levadas a cabo no âmbito daqueles templos, infere-se que desde os primeiros momentos o oculto, a arca-no, o misterioso, o discreto e o segredo estão presentes em todas as operações bancá-rias. E na lição de Luis M. CalOria Prieto (in «EI Secreto Bancario», Inst. de Estudios Fiscales, Bilbao, 1978, pág. 37), «los redimentários negocios bancarios heredaron por esta causa un carácter que, adecuándose a las múltiples y cambiantes circunstancias his-tóricas, ya no les abandonará jamás: el silencio, su obligado desconocimiento para los terceros; en otos términos, su envoltura en un hálito de discreción, de la que actual-mente es fiel exponente e\ secreto bancario. En cualquier caso, además, fuere qual fuere el alcance de lo expuesto, es innegable que el secreto y la discreción vinieron en parte de la mano dei emplazamiento en los templos de los primitivos institutos banca-rios, pues debido a ello sus actes presumiblimente se colocaron bajo la protección de los dioses, testigos de su nacimiento».

    Este primeiro período, que alguns historiadores chamam de Mesopotâmico, caracteriza-se pela condição sagrada à qual vincula-se a primitiva atividade bancária.

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    No entanto, na Grécia, inicia-se o processo de desvinculação com a atividade ban-cária afastando-se da religiosa, sem contudo perder as características de sigilo e de dis-crição herdadas dos hábitos dos sacerdotes.

    A esse respeito Raymond Fahrat (in «Le Secret Bancaire», Sirey, Paris, 1970, pág. 17) indica que «Demóstenes ensinou que, além da atividade ordinária, a custódia de caixas-fortes em que se depositavam os objetos preciosos e valores, os banqueiros de-sempenhavam a função de notários ou mesmo de conselheiros e confidentes de seus clientes, graças ao conhecimento da legislação. Isto leva a crer-se que a profissão de banqueiro embasava-se em normas, umas legais, outras morais. Nesta última categoria poderia situar-se o sigilo bancário».

    Já em Roma a obrigação de sigilo bancário havia abandonado o terreno religioso e sagrado que tanta importância teve no seu nascimento, e começa a dar ao instituto uma regulamentação propriamente jurídica, não só reconhecendo sua existência, mas igual-mente disciplinando seus limites. Refere Carvalho de Mendonça que os banqueiros, se-gundo o Direito Romano, exerciam ofício público: officium eorum atque ministerium publicam habet causam (Digesto, Lei n? lO).

    Na Idade Média, apesar do obscurantismo que predominou no seu início, as práti-cas bancárias e seu sigilo impuseram-se não só por sua origem e natureza, como tam-bém em face da própria situação histórica medieval que envolvia em brumas e oculta-ções todas as atividades da época.

    Segundo Esteban Cottely, a primeira instituição bancária, no sentido moderno, foi o Banco de São Jorge, que teve sua origem nos anos de 1147/1148 e que impunha o dever de segredo a seus empregados, os quais deviam jurar e conservar em sigilo tudo o que soubessem a respeito dos atos e documentos da instituição e de seus clientes.

    Na Renascença surgem os grandes capitalistas banqueiros e opera-se a dissemina-ção da atividade bancária por diversos países do mundo, contribuindo, decisivamente, para a implantação da moderna economia creditícia. E uma característica permanente e inarredável das transações bancárias está no direito-dever-ético do Banco de guarda de silêncio, no concernente aos dados e conceitos de valor de sua clientela, de que é depo-sitário em função de seu ofício. Como advertia Carvalho de Mendonça, «um dos pre-ceitos mais recomendados aos banqueiros é a guarda do segredo dos negócios dos seus clientes». Aduíia ainda que «aos banqueiros, por exemplo, muitas operações são con-fiadas, especialmente as de comissão e depósito, a título implicitamente confidencial» (in «Tratado», 2~ ed., vol. lI, pág. 23, e vol. VI, Parte lI, n? 1.374).

    Como registra Raymond Fahrat (opus, cit., pág. 20), o Regulamento Francês, de outubro de 1706, já consagrava expressamente no seu art. 8? que «o segredo é absolu-tamente necessário nas negociações de Banco, câmbio, comércio e finanças». E mais, que

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    o vetusto Código Comercial - repetindo a norma dos romanos de que libri mer-catorum non sunt perscrutandi, ne videantur eorum secreta - impedia o livre acesso aos livros dos comerciantes, por qualquer «autoridade, Juízo ou Tribunal, debaixo de pretexto algum, por mais especioso que seja» (arl. 17). Com relação a esse ditame, ad-verte Carvalho de Mendonça:

    «Um dos preceitos mais recomendáveis aos banqueiros é a guarda do se-gredo dos negócios de seus clientes» (

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    companhia, as oportunidades comerCiaIS de que tenha conhecimento em razão do exercício de seu cargo» (art. 155, I).

    Esse sigilo é igualmente exigível quando se trata de oferta pública para a aquisição do controle da sociedade, seja por meio de compra de ações, seja por permuta das mes-mas por valores mobiliários de propriedade do ofertante. Nesse sentido, a Lei das So-ciedades Anônimas, no art. 260, estatui que «até a publicação da oferta, o ofertante, instituição financeira intermediária e a Comissão de Valores Mobiliários devem manter sigilo sobre a oferta projetada, respondendo o infrator pelos danos que causar».

    Procurando preservar o «transbordamento», a «inundação» ou o «vazamento» de informações dolosamente propaladas com o intuito de gerar a especulação ou com o objetivo de manipular o mercado, a regra de sigilo constante do art. 260 da Lei das So-ciedades Anônimas refere-se, unicamente, à revelacão discriminatória, a um ou alguns investidores apenas, de que uma oferta pública vai ser lançada para a aquisição de de-terminadas ações, ensejando o aproveitamento dessa informação reservada em prejuízo dos vendedores de títulos (

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    das firmas e sociedades, bem como a respeito de propriedades imobiliárias (Lei n? 3.470/58, art. 54, parágrafo único).

    li! 2? O Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e a Secretaria da Receita Federal manterão um sistema de intercâmbio de infor-mações, relativas à fiscalização que exerçam, nas áreas de suas respectivas competências, no mercado de valores mobiliários (Lei n? 6.385/76, art. 28).

    § 3? Compete ao Secretário da Receita Federal expedir as instruções ne-cessárias para o cumprimento do disposto neste artigo e no anterior.

    Chama-se a atenção, igualmente, para o Decreto n? 79.099, de 6-1-77, que apro-vou o Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos, disciplinando, dentre ou-tros aspectos, área sigilosa, assunto sigiloso, documento sigiloso, grau de sigilo, mate-rial sigiloso, etc.

    Já o art. 2? do Decreto n? 78.382/76 dispensa da publicação obrigatória os contra-tos administrativos que «forem classificados como sigilosos pelo Ministro de Estado ou dirigente de autarquia».

    Especificamente no que tange ao sigilo bancário, ganha relevância o art. 38 da Lei n? 4.595, de 31-12-64, verbis:

    Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

    § I? As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, presta-dos pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins es-tranhos à mesma.

    § 2? O Banco Central do Brasil e as instituições financeiras públicas prestarão in-formações ao Poder Legislativo, podendo, havendo relevantes motivos, solicitar sejam mantidas em reserva ou sigilo.

    § 3? As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 37 da Constituição Federal e Lei n? 1.579, de 18 de março de 1952), obterão as informações que necessitarem das institui-ções financeiras, inclusive através do Banco Central do Brasil.

    § 4? Os pedidos de informações a que se referem os §§ 2? e 3? deste artigo deve-rão ser aprovados pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

    § 5? Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados so-mente poderão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depó-sitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensá-veis pela autoridade competente.

    § 6? O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de escla-recimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sem-pre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão re-servadamen te.

    § 7? A quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os res-ponsáveis à pena de reclusão, de um a quatro anos, aplicando-se, no que couber, o Có-digo Penal e o Código de Processo Penal, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

    Da leitura deste art. 38 da Lei n? 4.595/64 de flui-se que a guarda do sigilo bancário constitui dever legal imposto de forma cogente, sob cominação severa, só de-sobrigando diante de situações definidas, em circunstâncias expressas e ante autoridades que a própria legislação enumera exaustivamente. O desatendimento desses preceitos constitui crime, sujeitando os responsáveis à pena de reclusão, sem prejuízo de outras

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    sanções cabíveis. Aliás, a violação do sigilo bancário ocorre quando o seu depositário, qual seja, a instituição financeira ou seu preposto, revela-o a terceiros, estranhos e de-sobrigados de sua manutenção. Desde que revelado, por quem tenha obrigação legal de preservá-lo, a quem não tem essa obrigação, dá-se a violação e, assim, pode-se falar em «quebra» de sigilo.

    A expressa obrigação de manter sigilo assentando-se em irrecusável interesse do Es-tado na proteção da economia nacional a que estão intimamente vinculados os negócios bancários e afins, pelo que representam como impulso criador de riquezas, abrange tríplice posição das atividades bancárias, quais sejam: operações ativas, passivas e servi-ços prestados. A respeito de tais atividades, assim doutrina Giuseppe Ferri:

    «A atividade atual dos Bancos resulta de uma dúplice categoria de opera-ções: aquelas essenciais à função que é própria dos Bancos (exercício do crédi-to), e que consistem, de um lado, na coleta dos capitais junto aos poupadores (operações passivas) e de outro lado, na distribuição dos capitais (operações ativas); aquelas que consistem na prestação de determinados serviços (chama-dos serviços bancários) a favor do público e que, não obstante a notabilíssima relevância assumida na prática, econômica e juridicamente desempenham uma função apenas assessória e complementar.» In «Manuale di Diritto Commercia-le», Turim, 1971, pág. 680.

    Em termos objetivos e concretos, o empréstimo, o desconto, a antecipação, a abertura de crédito, o crédito documentário são exemplos de operações ativas; o depó-sito, a conta corrente, o redesconto são classificados como operações passivas; e o ser-viço de cofres de segurança, a prestação de informações, a cobrança de títulos, etc., são exemplos de serviços prestados a que alude o caput do art. 38 da Lei n? 4.595/64.

    Como se vê, a obrigação de manter sigilo que ex surge da própria lei, tanto com-preende o ato de prestar informações, como declarar ou fornecer dados ou documentos relacionados com as operações ou serviços prestados pelos Bancos. Outrossim, a obri-gação legal de sigilo envolve a prestação de informações sejam em sentido afirmativo ou até mesmo negativo acerca das atividades bancárias.

    O Consultor-Geral da República, Dr. Adroaldo Mesquita da Costa, no Parecer H-594, acentua que «o sigilo não é estabelecido para ocultar fatos, mas para revestir a re-velação deles de caráter de excepcíonalidade». Nessa mesma linha de raciocínio Nelson Hungria (in Rev. dos Tribunais, vol. 99, pág. 297) observa que «todo dever tem sua ra-zão e limite na utilidade social e não pode deixar de ser, portanto, relativo. A noção de dever do silêncio é tudo quanto há de menos absoluto». A esse propósito é bastante elucidativa e eloqüente a lição de Costa Manso - «O dever de guardar segredo profis-sional não é, pois, absoluto. O que a lei proíbe é a revelação ilegal, a que tenha por móvel a simples leviandade, a jactância, a maldade» (in «Casos Julgados», ed. de 1920, pág. 183).

    O sigilo bancário, portanto, não é absoluto e comporta limites naturais e legais. Dentre os limites naturais «figuram o direito de o Banco levar a protesto um título re-presentativo de um empréstimo, de acionar judicialmente o cliente em virtude de uma operação realizada e fornecer dados a respeito da operação quando o cliente solicite, sem que incorra no crime de violação de sigilo». (In «Contratos Bancários», Saraiva, São Paulo, 1981, pág. 50).

    Já os limites legais encontram-se no próprio art. 38 da Lei n? 4.595/64, que ar-rola as exceções e hipóteses em que as instituições financeiras podem prestar sigilosas in formações:

    a) Em atendimento a solicitações do Poder Executivo, através de agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados, quando houver processo instaura-do. Vale acrescentar, por oportuno, que quando o Código Tributário Nacional, no art. 197, lI, preceitua que «os Bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais insti-tuições financeiras» prestem informações às autoridades fiscais tributárias «com relação

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    aos bens, negócios e atividades de terceiros», pressupõe-se a existência de inquérito ad-ministrativo, conquanto não houve qualquer abrandamento da Lei n? 4.595/64 que re-quer a existência de processo instaurado (art. 38, § 5?), como condição básica para en-sejar a resposta solicitada.

    b) Atendendo a pedido do Poder Legislativo, inclusive por intermédio de suas Co-missões Parlamentares de Inquérito, observada a sua aprovação pelo Plenário da Câ-mara dos Deputados ou do Senado Federal, e, quando se tratar de Comissão Parla-mentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros.

    c) Em atenção à solicitação do Poder Judiciário, por requerimento de seus órgãos competentes. Aduza-se, nesse tocante, que a Lei n? 5.0 lO, de 30-5-66, no seu art. 44, dispõe que «mediante livre acesso aos registros imobiliários, bem como aos livros e do-cumentos bancários para o cumprimento de mandado de penhora, seqüestro, arresto, busca ou apreensão de bens ou dinheiro em favor da União ou de suas autarquias». Assim, desde que circunscrita às relações jurídicas litigiosas, e no interesse maior da Justiça, configura-se legítima e legal a revelação da verdade resguardada pelo segredo bancário.

    Aduza-se que, em face do advento da Lei n? 7.492, de 16-6-86, mais conhecida co-mo «lei do colarinho branco», o Ministério Público Federal passou também a ser órgão detentor da prerrogativa para requisitar informações, documentos e diligências no âm-bito do Sistema Financeiro Nacional, sem que se lhe possa opor o óbice do sigilo ban-cário, como se lê no art. 29 e seu parágrafo único, verbis:

    «Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar ne-cessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência relativa à prova dos crimes previstos nesta lei.

    Parágrafo único. ' O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista no caput deste artigo.»

    As indagações e solicitações de autoridades de quaisquer dos poderes menciona-dos, cujo atendimento implique em revelação do sigilo bancário, só devem ser obedeci-das quando apoiadas em texto legal explícito, ou seja, nas exceções ao segredo bancário constantes de hipóteses taxativas, exaustivas e restritivas de lei.

    Arnaldo Vasconcelos (in «Sigilo Bancário», Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 69, pág. 26) explicita de forma bem didática que, «de acordo com os princípios da le-gislação em vigor, o fornecimento de informações, que revestirá sempre caráter sigilo-so, deve subordinar-se, cumulativamente, às seguintes condições:

    a) permissibilidade legal (exceções contempladas); b) apresentação de parte legítima para requerê-la; c) existência de fato (processo) que justifique o pedido; e d) compromisso de utilizá-las para as finalidades específicas em causa». O Projeto do Código Civil, em tramitação, ao tratar dos contratos bancárÍos, não

    olvidou de disciplinar o sigilo bancário através do art. 868, verbis:

    Art. 868. Os Bancos guardarão sigilo sobre as suas operações, salvo a obrigação de prestar informações às autoridades na forma e nos termos permi-tidos em lei ou regulamento.

    Parágrafo único. É facultado ao Juiz requisitar ao Banco informações discriminadas sobre os elementos da operação, a pedido de quem tenha legíti-mo interesse, quando considerar necessário à decisão da lide.

    Igualmente no campo da lege ferenda, dentre as subemendas apresentadas à Co-missão Mista do Congresso Nacional que examinou a Proposta de Emenda Constitucio-nal n? 11/84, destaca-se a Emenda n? 139, de 11-5-84, que tem como um dos seus obje-

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    tivos alterar o art. 153, § 9?, da Constituição Federal, que passaria a vigorar com a se-guinte redação:

    «Art. 153. § 9~' É inviolável o sigilo bancário da correspondência e das comunica-

    ções em geral. A conta bancária do indivíduo não será objeto de investigação, nem servirá de base impunível para a tributação.»

    A justificativa para alçar o sigilo bancário, a nível constitucional, enfatiza que «a conta corrente do particular», enquanto mero depósito bancário, representa na prática «a extensão até o recinto do Banco», de um «espaço» da residência do indivíduo. Isto porque, ao invés de guardar seu dinheiro num compartimento reservado (cofre, gaveta, etc.) de sua moradia, o particular, para maior segurança, ou porque é mais prático, op-ta por depositá-lo em estabelecimento bancário.

    A Constituição Federal, no § 10 do art. 153, estatui que «a casa é asilo inviolável do indivíduo».

    Logo, se o dinheiro do particular está resguardado da intromissão de terceiros e do próprio Estado, enquanto estiver guardado no interior da moradia, é de evidência lógi-ca e cristalina de que essa proteção estende-se à conta bancária, se o cidadão optar pelo depósito daquele dinheiro em Banco.

    Por outro lado, argumenta-se que o sigilo bancário está desprotegido, pois é co-mum ao Estado realizar abusiva devassa em contas bancárias particulares por meio de requisições feitas por seus órgãos de polícia.

    Além desses motivos justificadores da introdução de um mandamento que ampare, constitucionalmente, o sigilo bancário, alega-se que os sistemas modernos de computa-ção eletrônica de operações bancárias têm facilitado o acesso de pessoas estranhas a in-formações privativas de depósitos bancários de terceiros.

    «Desponta claro, por conseguinte, mais uma vez, a necessidade de que, com base no princípio constitucional que objetiva a contenção do poder,. seja o Estado refreado em favor da segurança do indivíduo, abstendo-se, ele próprio, de fazer devassa em con-tas bancárias dos depositantes, insculpindo-se e resguardando-se na Lei Maior o sigilo bancário irrestrito.

    Emerge, neste rumo de idéias, o princípio segundo o qual, «quando assecuratórios de direitos a serem opostos ao exercício do poder estatal, as normas constitucionais passam a coincidir com os próprios objetivos da Constituição, em si mesma considera-da». Assim, para «fortificar» a área de proteção privada, e o desfrute pelos indivíduos das liberdades públicas, o Estado tem que se autoconter, demarcando na Constituição, para determinadas matérias, uma área de liberdade individual, na qual, ele, o Estado, não pode ingressar, mediante a observância do preceito auto-regulatório que haja edita-do.»

    Afigura-se oportuno destacar o Projeto de Lei n? 68, do Senado Federal, que pre-tende dar ao caput do art. 38 da Lei n? 4.595/64 a seguinte redação:

    «Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas opera-ções ativas e passivas e serviços prestados, exceto nas que, total ou parcial-mente, envolvam recursos públicos de qualquer natureza, ainda que apenas na condição de repassadoras.»

    A justificativa da modificação proposta respalda-se na constatação de que opera-ções financeiras envolvendo recursos públicos são, muitas vezes, realizadas de formas que desatendem às cautelas indispensáveis à preservação do erário. A divulgação de tais operações constituir-se-ia num modo adicional de fiscalização da utilização desses recursos, impedindo que o instituto do sigilo bancário fosse usado para acobertar situa-ções não enquadráveis nos seus reais objetivos e nem sempre compatíveis com os inte-resses da sociedade e do País.

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    Assinale-se que na seara dos recursos financeiros públicos, a publicidade constitui requisito de eficácia e moralidade dos atos administrativos a ele referentes, como ex-surge da lição de Hely Lopes Meirelles (in «Direito Administrativo Brasileiro», 10~ ed., Ed. RT, São Paulo, 1984, págs. 64/65):

    «Em principio, todo ato administrativo deve ser publicado, porque públi-ca é a administração que o realiza, só se admitindo sigilo nos casos de segu-rança nacional, investigações policiais ou interesse superior da administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso nos termos do De-creto Federal n? 79.099, de 6-1-77. Lamentavelmente, por vício burocrático, sem apoio em lei e contra a índole dos negócios estatais, os atos e contratos administrativos vêm sendo ocultados dos interessados e do povo em geral, sob o falso argumento de que são sigilosos, quando na realidade são públicos e devem ser divulgados e mostrados a qualquer pessoa que deseja conhecê-los e obter certidão.

    A publicidade, como principio de administração pública, abrange toda a atividade estatal, não só sob o aspecto de divulgação oficial de seus atos como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes. Essa publicidade atinge, assim, os atos concluídos e em formação, os proces-sos em andamento, os pareceres dos órgãos técnicos e jurídicos, os despachos intermediários e finais, as atas de julgamentos das licitações e os contratos com quaisquer interessados, bem como os comprovantes de despesas e as pres-tações de contas submetidas aos órgãos competentes. Tudo isso é papel ou do-cumento público que pode ser examinado na repartição por qualquer interes-sado e dele obter certidão ou fotocópia autenticada para os fins constitucio-nais.»

    Há de examinar-se, neste projeto de lei, o conflito entre o instituto do sigilo ban-cário e a publicade de que se deve revestir o emprego e a utilização de recursos finan-ceiros públicos. Com efeito, por um lado, há os que se apegam à precaução de segredo nos negócios bancários justificada pelas características peculiares do setor financeiro, tanto em defesa dos clientes quanto pelo interesse de toda a sociedade na confiabilidade e solidez do sistema financeiro, vital ao funcionamento global da economia. Por outro lado, há os defensores da tese de que as normas legais dos Estados democráticos exi-gem como obrigação inarredável a prestação de contas que fazem os administradores dos dinheiros públicos, não havendo como aplicar-se na espécie o sigilo bancário, de modo a sobrepor-se ao interesse social e moral de obter informações para aferir a efi-ciência e a probidade da gestão e utilização dos recursos financeiros públicos.

    Constata-se, então, que apesar dos preceitos vigorantes, especialmente o art. 38 e seus parágrafos, da Lei n? 4.595/64 e, ultimamente o art. 29 e parágrafo único da Lei n? 7.492/86, o legislador pátrio, através das propostas de lege ferenda, procura ora re-forçar, ora delimitar o raio de incidência do sigilo bancário, sem perder de vista sua fonte inspiradora que é o interesse de ordem pública.

    De toda sorte, qualquer mutação legislativa na disciplina do instituto do sigilo ban-cário impõe cautelosa meditação para que eventuais alterações que venham a ser con-cretizadas não resultem no desfazimento de valores de alta significação que o legisla-dor, de todos os recantos do mundo, sempre buscou preservar e resguardar.

    4. Dimensão doutrinária

    A doutrina, na concepção de Marcello Caetano (in «Manual de Direito Adminis-trativo», vaI. I, Forense, 1970, pág. 87), tem dois papéis: o de auxiliar os órgãos de aplicação e interpretação do direito constituído e o de influenciar os órgãos de criação quanto ao direito constituendo. Para Orlando Gomes, é por intermédio da doutrina «que se constroem as noções gerais, os conceitos, as classificações, as teorias, os siste-mas, facilitando a criação, a reforma e a aplicaçã.o do Direito». E como arremata Gas-

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    ton Morin, cabe à doutrina «a honrosa tarefa de transformar o direito vivo sem tocar no direito escrito».

    Nesta linha de argumentação passa-se à análise das construções doutrinárias, ou seja, das teorias que dão forma jurídica ao sigilo bancário, especialmente, no plano técnico-j urídico.

    Com «a metamorfose das fortunas imobiliárias em valores mobiliários» a que alu-dia Ripert (opus. cit., pág. 135), o sigilo bancário alcança grande significação e torna-se pedra angular da atividade bancária, seja como meio de proteção do capital maneja-do pelos Bancos em nome ou em lugar de seus clientes, seja como pressuposto das cha-madas «relações de confiança» em face do «secreto que el Banco guarda acerca de las operaciones que el cliente le confía».

    O fundamento jurídico do sigilo bancário afigura-se como um tema controvertido que tem ensejado as mais variadas teorias no âmbito da doutrina, não só porque os ju-ristas deixam-se influenciar por aspectos próprios dos campos sócio-político-econômico, como também porque a matéria carece de uma regulamentação global e integrada que propicie uma visão conjuntural.

    São estas as principais vertentes doutrinárias em derredor dos jurídicos fundamen-tos do sigilo bancário.

    a) Teoria do Uso Esta corrente doutrinária entende que está no uso e costume o fundamento do sigi-

    lo bancário, sendo os juristas Molle e Goisis, na Itália, e Garrigues, na Espanha, seus principais defensores.

    De acordo com Molle (in «Ordine de esibizione di doeu menti e segreto bancario», em Banca, Borsa e Titoli de Crédito, 1954, 11, pág. 253), o sigilo bancário assenta-se no uso que se faz obrigatório através da integração do contrato, ex vi do art. 1.374 do Código Civil italiano. Tal doutrina encontrou eco na jurisprudência italiana, cuja Corte de Casación, em 18-7-74, decidiu que «sobre la base de una práctica constante-mente seguida en orden ai respecto de la considerada obligación dei secreto bancario, se ha formado un uso vinculante como fuente dei Derecho».

    Esta teoria consuetudinária é convalidada por Garrigues (in «Contratos Banca-rios», Madrid, 1953, pág. 52), para quem «el fundamento dei deber de secreto que tie-nen los Bancos hay que buscarlo, una vez más, en las normas usuales de general vigen-cia, y el fundamento, a su vez, de este uso bancaria hay que buscarlo en la naturaleza antes apuntada dei contrato bancario como una relación de confianza».

    Convém salientar que esta teoria do uso pode ser válida nos sistemas jurídicos em que o sigilo bancário não foi consagrado legalmente. Desse modo, onde há uma confi-guração positiva do sigilo bancário, tal doutrina vê-se obrigada a ceder lugar a outras que tenham fundamentos no campo legal. como ocorre no caso brasileiro.

    b) Teoria do Contrato Há os defensores da teoria que justificam o sigilo bancário como um dever jurídi-

    co oriundo da relação contratual que une o Banco ao cliente. Dentro deste quadro, o sigilo bancário coloca-se como uma das arestas fundamentais em que se sustentam as operações bancárias, ou seja, os contratos bancários que constituem sua forma jurídica principal.

    Segundo Sheerer, citado por Garrigues (opus cit., pág. 51), «Ia obligación de se-creto seria un deber accesorio (rebenpflicht) que se sitúa ai lado dei deber principal ob-jeto dei contrato». Vale dizer, o contrato bancário, por ser uma relação eminentemente fiduciária, impõe ao Banco a obrigação contratual de manter o sigilo, como necessário dever acessório.

    A grande dificuldade na tese contratualista fica por conta da inexistência de uma cláusula expressa superada, de certo modo, pela jurisprudência do Reino Unido que consagrou, no caso «Tournier V. National Provincial Bank», a tese de que a convenção

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    de vincular o banqueiro a seu cliente tem uma cláusula implícita que obriga o banquei-ro a observar o sigilo relativamente à conta e às operações de seu cliente.

    Rafael J. Parga (

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    Na Suíça, o art. 47 da Lei Bancária de 1934 consagrou o caráter profissional do si-gilo bancário, quando prevê uma sanção penal (de natureza pecuniária - até 2.000 francos suíços, ou, restritiva de liberdade até 6 meses de prisão) para quem «quebrou o sigilo que deve guardar por disposição expressa de lei ou em virtude de segredo profissional». Em consonância com este critério, Schweizer (

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    tos articulados em ação de indenização ex delicto, na qual é parte.» (Ac n~s 41.348 e 41.370, in Rev. dos Tribunais, vol. 179, pág. 650).

    2. «Ação entre parceiros rurais. Documento requisitado ao Banco pelo Juiz. Sigilo determinado pela Lei n~ 4.595/64. Informações. Segurança conce-dida em parte.» (Ac n? 94.481 - SP - 2~ Tribunal de Alçada Civil, in RT 529/148).

    3. «O sigilo não desobriga o Banco a prestar informações pedidas pelo Juiz, para instruir processo.» (Ac n? 96.957 - SP - TJ, in RT 312/153).

    4. «Mandado de Segurança. Matéria criminal. Requisição de informa-ções a estabelecimento de crédito sob pena de desobediência. Pretendida vio-lação do sigilo bancário e, conseqüentemente, de direito líquido e certo. Ino-corrência. «Writ» denegado. Inteligência do art. 38, § 1~, da Lei Federal n~ 4.595/64.» (Ac n? 98.402 - SP - TJ, in RT 403/136).

    5. «Inexiste sigilo bancário contra os interesses da Justiça. O princípio do sigilo comercial não é, nem poderia ser absoluto; deve ceder ante os inte-resses da Justiça, sobretudo quando se cogita de apurar, mediante informa-ções bancárias imprescindíveis, atos atinentes à constituição da sociedade anô-nima, que atinge o patrimônio de terceiros.» (AI n~ 7.740 - RS - TJ, in RT 343/498).

    6. «Os Bancos não se podem eximir de ministrar informações, no inte-resse público, para esclarecimento da verdade, essenciais e indispensáveis ao julgamento de desenlace de demandas submetidas ao Poder Judiciário.» (RMS n~ 1.047 - STF, in Rev. Forense, vol. 143/154).

    7. «Sigilo bancário. As decisões na instância ordinária entenderam que em face do CTN o segredo bancário não é absoluto. Razoável inteligência do Direito Positivo Federal, não havendo ofensa ao disposto no art. 153, § 9~, da Lei Maior, nem tampouco negativa de vigência do art. 144 do Código Civil. O objetivo do «writ» era afastar a exigência de apresentação de fichas contábeis, ao fundamento de violação de sigilo bancário. Inocorrência de dissídio juris-prudencial. Recurso Extraordinário não conhecido.» (RE n~ 7.1.640 - do STF, in RTJ 59/571).

    8. «Direito à obtenção de certidões (art. 153, § 35, da CF). Caso em que, considerada a índole da autarquia, a negativa tinha apoio ná garantia de sigilo bancário.» (RE n~ 82.700 - SP, in RTJ 76/655).

    9. Sigilo Bancário. Contas de depósitos. Fiscalização tributária. «Administrativo e tributário. Repetição de indébito. Sigilo bancário.

    CTN, art. 197. Lei n~ 4.595/64, art. 38. I - O exame de documentos e regis-tros de contas de depósito nas instituições financeiras, para efeito de fiscaliza-ção dos tributos federais, dependerá de autorização em cada caso específico, sendo que, no presente, a intimação dirigida ao Banco autor para prestar in-formações, atendeu os requisitos da Portaria OB n~ 493/68, do Sr. Ministro da Fazenda, editada visando a facilitar a fiscalização.

    II - Os textos dos arts. 197 do CTN - são os Bancos obrigados, me-diante intimação escrita, a prestar à autoridade administrativa todas as infor-mações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros - e 38 da Lei n~ 4.595/64 - as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados - não se confli-tam; ao contrário, convivem em harmonia.

    III - Apelação a que se nega provimento.» (AC n~ 47.875 - MO -TFR, in Dl de 16-9-82, pág. 9.056).

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    10. Sigilo bancário. Poder Judiciário. «Mandado de Segurança. Sigilo bancário. As informações e esclarecimen-

    tos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelas instituições financeiras ou bancárias, excepcionam a obrigatoriedade do sigilo que, contudo, opera como regra. A salvaguarda se transfere, porém, ao órgão judicial e às partes legítimas da causa (Lei n? 4.596/64, art. 38, §§ I? e 7?, MS n? 2.434 - MG; Jurisprudência Mineira, v. 63-58 a 63). Segurança denegada.» (MS n? 97.254 - MA - TFR, in Dl de 4-11-82, pág. 11.183).

    11. Bacen. Inquérito Policial contra Chefe de Departamento Regional. Habeas Corpus.

    «Penal. Habeas Corpus. Inquérito Policial. Chefe de Departamento Re-gional do Banco Central elo Brasil e Chefe Adjunto do mesmo órgão, em São Paulo. Quebra de sigilo bancário por parte de Gerente de Agência do Banco do Brasil S.A. Pedido do Departamento Regional do Banco Central para apli-car sanção administrativa contra aquele servidor do Banco do Brasil. Todavia, o aludido departamento não possui atribuições para tanto, tendo o respectivo chefe tomado as providências que lhe cabia, encaminhando o caso à direção superior do Banco Central do Brasil, em Brasília - DF. Destarte, os ora pa-cientes não se omitiram em praticar qualquer providência a propósito do fato ocorrido na área do Banco do Brasil S.A. A requisição de Inquérito Policial, pelo MM. Juiz Federal, se baseou na alegação do Dr. Procurador da Repúbli-ca de que teria tido andamento tortuoso o ofício encaminhado por aquele Ma-gistrado ao Departamento do Banco Central do Brasil, cujos chefe e chefe ad-junto teriam praticado os delitos de desobediência ou prevaricação. porém, a prova documental existente nestes autos não demonstra, em tese, a existência quer de prevaricação, quer de desobediência. Falta, por ISSO, justa causa para a ação penal e, pois, para a instauração de inquérito Policial contfa os ora pa-cientes. Assim, concede-se a ordem de Habeas Corpus em favor dos ora pa-cientes, determinando-se o trancamento do Inquérito Policial, que fora requi-sitado pelo MM. juiz Federal da 3? Vara, Seção Judiciária do Estado de São Paulo.» (HC n? 443/7 - 27-8-80 - SP - TFR - Dl de 20-8-80).

    6. Dimensão prática

    Os problemas práticos aqui ·enfocados não são de mero alcance doutrinário, e mui-to menos acadêmico, por envolverem antes conseqüências pragmáticas, sobretudo para propiciar uma segura interpretação e aplicâção dos preceitos sobre sigilo bancário.

    A Lei n~ 4.595/64, ao disciplinar, no art. 38, de forma rígida e inflexível, a prote-ção do sigilo bancário, fê-lo assentando-se em princípios de ordem eminentemente pú-blica, considerando que da discrição das operações das instituições financeiras muito depende a sobrevivência de todo o sistema bancário.

    No entanto, é o próprio art. 38 que, em seus parágrafos, indica as condições e cIr-cunstâncias em que o sigilo bancário pode ser revelado, ao enumerar, expressa e exaus-tivamente, as autoridades ou órgãos a quem poderão ser prestadas informações que contenham matéria sigilosa E é exatamente em torno de fatos e operações Que interes-sam à Justiça, à Administração Pública, ao Poder Legislativo e à segurança nacional que surgem os problemas práticos relacionados com o resguardo do sigilo bancário:

    a) As solicitações ordenadas pelo Poder Judiciário, porque fundadas no § I? do art. 38 da Lei n? 4.595/64, hão de ser atendidas e não se pode falar de violação de sigi-lo, na medida em que se trata de transferência da obrigatoriedade de manutenção do segredo, pois as informações e esclarecimentos prestados «revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que del.es não

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    poderão servir-se para fins estranhos à mesma». Vale dizer, fica a cargo do JuíZG> a res-ponsabilidade pela não divulgação do que lhe foi confiado em caráter sigiloso.

    Note-se que sob o fundamento de que cabe ao Banco Central do Brasil a autori-zação para que as instituições financeiras possam funcionar (art. 18 da Lei n? 4.595/64) e que o Bacen (autarquia federal) exercita, privativamente, a fiscalização das institui-ções financeiras (art. 10, VIII, da Lei n:' 4.595/64), não raro o Poder Judiciário, objeti-vando facilitar sua tarefa, determina a prestação de informações sobre contas, movi-mentações e operações de pessoas físicas e jurídicas em determinada praça ou Estado.

    Impende evidenciar, em primeiro lugar, que o Bacen, de acordo com o art. 12 da Lei n? 4.595/64, opera «exclusivamente com instituições financeiras públicas e pri-vadas, vedadas operações bancárias de qualquer natureza com outras pessoas de direito público ou privado, salvo as expressamente autorizadas por lei.»

    Em segundo lugar, uma análise detida do § I? do art. 38 referido mostra que as informações e esclarecimentos são «prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras», donde se conclui que a solicitação só pode ser atendida por quem detém as informações, ou seja, o Bacen não é obrigado a informar sobre a vi-da bancária de pessoas com as quais está, inclusive, legalmente impedido de concretizar «operações bancárias de qualquer natureza» (art. 12 da Lei n? 4.595/64). Ressalte-se, aqui, a diferença que exsurge em relação às informações solicitadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, que devem ser obtidas «das instituições financeiras, inclu-sive através do Banco Central do Brasil» (art. 38, § 3?). Assim, fazendo uma interpre-tação sistemática do § I? do art. 38, infere-se nesse lavor exegético que os ás~entamentos e registros operacionais decorrentes das relações das instituições financeiras com ter-ceiros (clientes) não são coligidos «através do Banco Central do Brasil» pois, quando o legislador assim o quis, fê-lo de forma clara, expressa e inequívoca, como se lê no § 3? do art. 38, in fine. Aplica-se, in casu, a advertência de Maximiniano para quem «a ver-dade inteira resulta do contexto, e não de uma parte truncada, quiçá defeituosa, mal redigida: examine-se a norma na íntegra, e mais ainda: o Direito todo, referente ao as-sunto.»

    É preciso não olvidar que o Bacen não conta entre os elementos de fiscalização e controle, que a lei lhe deferiu, o de exercer coação direta ou indireta sobre instituições financeiras, de modo a pressionar as respectivas administrações no sentido de que prati-quem atos de responsabilidade pessoal, eventual e circunstancialmente configurados co-mo crime (art. 38, § 7?, da Lei n? 4.5951(64), daí porque não compete ao Judiciário ob-ter informações próprias das instituições financeiras «através do Banco Central do Bra-sil».

    Por isso, com relação aos pedidos do Poder Judiciário, no que tange ao forneci-mento de extratos de contas ou indagações sobre a existência de depósitos, o Bacen es-tá, materialmente, impossibilitado de atendê-los, visto não dispor de registros dos cor-rentistas da rede bancária. Além disso, falta ao Bacen competência ou base legal para colher, junto às instituições financeiras, dados outros que não os destinados às suas es-pecíficas atividades de fiscalização. Com efeito, dentre os poderes de fiscalização por lei conferidos ao Bacen, não se inclui o controle de depósitos e demais operações que as instituições financeiras celebram com pessoas físicas e jurídicas.

    Também, com referência à determinação de bloqueio de contas bancárias, não está o Bacen autorizado por lei a impor tal medida aos estabelecimentos bancários, cabendo à autoridade judiciária dirigir-se diretamente a tais instituições financeiras que, sob sua exclusiva responsabilidade, adotarão a medida que lhes parecer mais certa e adequada, arcando com as conseqüências de seu procedimento.

    Em síntese, o Bacen só é obrigado aprestar, por ordem do Poder Judiciário, as in-formações que tiver, isto é, constante de seus arquivos e registros. Deste modo, as soli-

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    citações dos Juízes, Desembargadores e Ministros a respeito de elementos de fato situa-dos na área de mera relação entre as instituicões financeiras e a respectiva clientela, hão de ser feitas diretamente aos estabelecimentos creditícios que são obrigados a respondê-las, por força do disposto na Lei n? 4.595/64 (art. 38, § 1 ?).

    b) No âmbito do Poder Legislíltivo e comum o ptldido de informações formulado por Deputados, Senadores ou por Comissão Parlamentar de Inquérito sobre operações ativas e passivas e serviços de instituição financeira com solicitação, ainda, de nomes de clientes, valores de operações, extratos de contas, etc.

    Preliminarmente, deve acentuar-se que, de acordo com o disposto no § 2? do art. 38 da Lei n? 4.595/64, as informações são devidas e prestadas ao Poder Legislativo, e não individualmente, a este ou àquele parlamentar. Por isso, para que o atendimento de pleitos da espécie não configure quebra de sigilo bancário, condiciona-se à «aprova-ção pelo Plenário da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal e, quando se tratar de Comissão Parlamentar de Inquérito, pela maioria absoluta de seus membros», como determina o § 4? do art. 38 da Lei n? 4.595/64.

    Convém salientar que tal exceção só contempla o Poder Legislativo Federal; vale dizer, a proteção específica e excepcional da Lei n? 4.595/64 não abrange os membros e CPI de Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores, conquanto os *§ 2?, 3? e 4? do art. 38 hão de ser interpretados em conjunto, e nunca, isoladamente, daí porque o acesso de Deputados Estaduais de Vereadores e de CPI estadual ou municipal a da-dos sigilosos torna as instituições financeiras sujeitas às conseqüências penais e adminis-trativas que a divulgação acarreta.

    Aduza-se 'que, no plano constitucional, a fiscalização das operações de crédito é matéria que se insere na órbita de competência exclusiva da União (art. 8?, X, da Constituição), não assistindo às Assembléias Legislativas dos Estados ou às Câmaras de Vereadores competência constitucional paru exercer, mesmo em caráter suplementar, fiscalização sobre operações sujeitas ao regime da Lei n? 4.595/64, ainda que estas ins-tituições sejam entidades da Administração Direta ou Indireta, estadual ou municipal.

    Dentro desta perspectiva o Jurista Carlos Medeiros (in Rev. do Direito Adminis-trativo, vol. 64, pág. 7) acentua que «as Comissões Parlamentares de Inquérito são ór-gãos de investigação do Legislativo, na esfera de sua competência. Assim, os poderes de uma comissão, organizada pelo Legislativo estadual, não poderão exorbitar das atri-buições deste. Somente nas matérias de competência estadual poderá ela atuar e obrigar o comparecimento de autoridades, servidores e quaisquer pessoas. Se a matéria, que constitui objeto da investigação, escapa à competência legislativa do Estado, ninguém poderá ser constrangido a prestar-lhe declarações nem a depor contra si próprio, sob cominação legal.

    Ainda recentemente o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de afirmar esta tese, livrando autoridade federal de ameaça de prisão por não haver atendido à convo-cação de Comissão de Inquérito constituída por Assembléia Legislativa estadual (HC n? 37.996, sessão de 16-11-60)>>.

    Deixando de lado outros aspectos, cumpre explicitar que o poder das CPIs esta-duais e municipais deve ficar adstrito à órbita de suas atribuições, vale dizer, somente são investigáveis os «fatos que possam ser objeto de legislação, de deliberação, de con-trole, de fiscalização» (in «Rev. de Inf. Leg., vol. 69, pág. 33) para que não seja deso-bedecida a advertência de Duguit « ... mais elle ne peut faire aucun acte qui sont nor-malement et légalement de la competence de fonctionnaires administratifs ou judiciai-res». (in «Traité de Droit Constitutionnel», vol. 4?, pág. 393).

    Na mesma linha de raciocínio Francisco Campos, em primoroso parecer (in Rev. de Direito Administrativo, vol. 67, págs. 341/376) versando sobre a atuação de Comis-são Parlamentar de Inquérito, preleciona que «o poder de investigar não é um poder geral, indiscriminado e autônomo, mas um poder auxiliar ou ancilar da função legisla-tiva» (pág. 357), ou seja, «o poder de 'investigar é incidente no poder de legislar e, por-

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    tanto, um meio ou instrumento destinado a tornar eficiente o desencargo da função le-gislativa ... » (pág. 363).

    A respeito ensina Pontes de Miranda que a Assembléia pode criar comissões de in-quérito para investigar quaisquer fatos que se sub sumam na sua competência (in «Co-mentários à Constituição de 1946», 2~ ed., vol. 11, págs. 265/266). Na mesma diretriz, o Senador e jurista Paulo Brossard, em alentado estudo sobre CPI criada por Assem-bléia Legislativa (in «Rev. de Direito Público, vol. 63 1 pág. 140), após referir-se à hipó-tese de invasão na esfera de atribuição de outros poderes acentua: «As comissões po-dem ser constituídas para investigar fatos dett;rminados que informem os colégios legis-lativos a respeito de qualquer assunto .sobre p' qual tenham competência, quer para to-marem medidas legislativas, outras, desde qUe caibam na sua órbita de competência.» E como decorrência inelutável dessa assertiva salienta' incisivamente: «Assim sendo, o âmbito de ação das comissões de inq!lérito& imenso e somente os assuntos que compe-tem à União e aos municípios escapam ao seu poder de investigação» (opus. cit., pág. 132).

    Lastreado em Helio (

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    tratarem-se de comprovantes de operações bancárias alCançadas pela vedação do art. 38 da Lei n? 4.595/64.

    As condições que a lei reputa necessárias.,'para que se afaste o princípio do sigilo bancário que procura preservar - na ,hipótese de pedidos, formulados pelos agentes do fisco federal e estadual - são a existência de um processo jnstaurado e se os elementos solicitados, ou exame de documentos e livros, considerados indispensáveis, forem re-queridos pela autoridade competente. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ao manifestar-se no Processo S.C. n? 101.320/66 a par de outras considerações, salienta que «o legislador, ao falar em processo instaurado, quis referir-se à hipótese de prece-dência da lavratura do processo à efetivação daqueles cogitados exames, não bastando, por certo, que haja simplesmente um «termo de exame de escrita» ou peças que a ele se assemelhem, conforme a vigente sistemática processual fiscal. Por outro lado, há neces-sidade que a autoridade competente, que é a que preside os atos processuais, se haja manifestado, considerando imprescindíveis esses exames, para cabal saneamento proces-sual. Somente após preenchidas essas duas condições é que poderá atuar a fiscalização, então com franco acesso àqueles elementos elucidativos».

    Convém aduzir, por oportuno, que os dados coligidos pelas autoridades fiscais tri-butárias devem ser «conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservada-mente» (art. 38, § 6?, in fine).

    O Código Tributário Nacional (Lei n? 5.172/66) trata de sigilo bancário. sob o ponto de vista administrativo da fiscalização tributária, e, no art. 197, 11, assim precei-tua:

    «Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autori-dade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros: ••••••••••••••••••••••••••• 0,0 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• •

    "

    11 - os Bancos, casas bancárias,' Caixas Econômicas e demais institui-ções financeiras.»

    Pareceria, à primeira vista, que o dispositivo do CTN transcrito está em oposição ou conflito com o mencionado art. 38 da LeI n? 4.595/64, ou que, pelo menos, teria havido um abrandamento da regra da Lei n? 4.595/64 que pressupõe para o atendimen-to do pedido a existência de processo instaurado (art. 38, § 5?). Mas, para os que vis-lumbram um choque ou antagonismo entre os dispositivos do CTN e da Lei n? 4.595/64, é de toda pertinência a lição de Campbell Black:

    «Se existe antinomia entre a regra geral e a peculiar, específica, esta, no caso particular, tem a sua supremacia. Preferem-se as disposições que se rela-cionam mais direta e especialmente com o assunto de que se trata.» (

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    Não foram instituídas para se voltarem contra o regime dó sigilo bancário, pois seria um absurdo assim entendê-las, o que importaria em fulminar o alcance e sentido qu"e o dispositivo procura atingir.

    Depreende-se, então, que não houve quebra de coerência do sistema legal e que os textos legais são perfeitamente harmônicos entre si, enfatizando que os limites do sigilo bancário estão regidamente definidos na lex specialis (Lei n? 4.595/64), só devendo ser superados nos casos excepcionais e pela forma nela previstos.

    d) As autoridades policiais com relativa freqüência solicitam informes e documen-tação de instituições financeiras que constituem indícios de fatos criminosos, objetivan-do a adoção de providências de sua responsabilidade.

    Como as autoridades policiais - órgão do Poder Executivo - não estão inéluídas entre as expressas exceções dos §§ do art. 38 da Lei n? 4.595/64, as instituiçõ~s finan-ceiras estão impedidas de fornecer tais informações porque revestidas do caráter sigilo-so.

    Gilberto Nóbrega (in «Depósito Bancário», 2:' ed., pág. 78) diante da clareza do caput do art. 38 não tegiversa ao acentuar que um Banco não pode fornecer, a pedido de autoridades policiais, extrato de conta de determinado correntista «mesmo que se trate de apurar delito de ação pública e uma vez que o estabelecimento não seja parte no inquérito. Falta à polícia autoridade legal para tanto».

    Também a Consultoria-Geral da República, no Parecer n? 594-1I (in DO de 21-ll-67, fI. 11.697), já evidenciava que «sem mandado judicial a autoridade policial não pode obter informações ou apreender documentos bancários e fichários médicos, pois o sigilo bancário e o segredo profissional são ditados por altos interesses sociais que a lei ampara». (Grifou-se).

    Esta diretriz não é extensiva ao Ministério Público Federal consoante verifica-se no art. 29 e parágrafo único da Lei n? 7.492, de 16-6-86, já transcrito.

    Assim, por força desta legislação especial, o Ministéno Público Federal, cuja atua-ção também se liga à preservação dos interesses e valores da ordem econômico-financeira nacional, não mais pode ser inibido e obstaculizado de ter acesso a docu-mentos e informações bancárias, mesmo antes de iniciada qualquer Ação Penal, sob o fundamento de que tais operações e serviços estão protegidos pelo sigilo bancário. E se assim não fosse o sigilo estaria funcionando para ocultar possíveis fatos criminosos, além do que a própria função institucional desempenhada pelo Ministério Público Fe-deral estaria comprometida.

    Releva notar que quando o Bacen ou outra instituição financeira pública toma a iniciativa de oficiar ao Ministério Público, ex vi do art. 4?, § 2?, da Lei n? 4 728/65, relatando operações com indícios veementes (art. 239 do Código de Processo F~nal} ae crime definido em lei como de ação pública, tal comunicação deve ser formalizada com todos os documentos indicadores do ilícito, objetivando propiciar àquele órgão não só uma segura avaliação do suporte fático da acusação, assim como melhores condiçõe"s de oferecer a pertinente denúncia. Vale dizer, como o art. 38 da Lei n? 4.595/64 não ampara operações ilícitas, e, considerando que é dever legal do Bacen notificar ao Mi-nistério Público possíveis crimes detectados no exercício de função fiscalizadora, torna-se necessário fundamentar sua convicção em segur.os elementos de prova, ainda que in-diciária, remetendo-se ao Ministério Públrco a documentacão comprobatória da infra-ção, para instrução do procedimento penal cabívél, sem que isto implique em quebra ou violação do sigilo bancário.

    Finalmente, é preciso ressaltar que não numerus clausus as hipóteses legalmente determinadas e ensejadoras de revelação do sigilo bancário, daí não ser possível o aten-dimento de pedidos da espécie mesmo formulados por Governador de Estado, eis que, dentre as autoridades contempladas pelas exceções legais (art. 38, §§ I? a 6?, da Lei n? 4.595/64), não se encontram os Chefes dos Executivos Estaduais.