Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-gradução ECMVS Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de movimentação de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Mayra Pereira de Melo Amboni Orientador Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de mestre em Ecologia, Manejo e Conservação da Vida Silvestre. Belo Horizonte, MG, 2007
108
Embed
Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de movimentação ...procarnivoros.org.br/arquivos/arquivos/22/Dieta, Disponibilidade... · O lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, é um
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Programa de Pós-gradução ECMVS
Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de
movimentação de lobo-guará, Chrysocyon
brachyurus, no Parque Nacional da Serra da
Canastra, MG.
Mayra Pereira de Melo Amboni
Orientador Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais para obtenção do grau de mestre em Ecologia, Manejo e Conservação da Vida Silvestre.
Belo Horizonte, MG, 2007
2
AMBONI, M. P. M. Dieta, disponibilidade alimentar e padrão de movimentação do lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Orientador: Flávio Henrique G. Rodrigues Dissertação (mestrado) – Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. Palavras-chave: dieta; disponibilidade alimentar; área de vida e área central de atividade; padrão de movimentação; Chrysocyon brachyurus; Serra da Canastra; Cerrado.
BANCA EXAMINADORA
Flávio Henrique G. Rodrigues (orientador)____________________________________
Capítulo II - Disponibilidade alimentar e Dieta do Lobo-Guará (Chrysocyon
brachyurus) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: oportunismo vs seleção
de presas......................................................................................................................... 50 Introdução........................................................................................................... 50
Capítulo III - Disponibilidade alimentar e padrão de movimentação do lobo-guará
(Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.................... 77 Introdução........................................................................................................... 77
Figura 1. Distribuição atual do Lobo-Guará (Chrysocyon brachyurus). Fonte: Rodden et al. 2004.................................................................................................................... 15
Figura 1.1. Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG e sua delimitação original de 200.000 ha, em cinza escuro, e a zona de amortecimento, em cinza claro......................................................................................................................... 25
Figura 1.2. Temperatura média (barra) e precipitação (linha) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, nos anos de 2005 e 2006. No mês de dezembro não houve coleta suficiente de dados de precipitação. Dados coletados pelo Ibama e fornecidos pelo Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Uberlândia, UFU..................................................................................................... 26
Figura 1.3. Curva acumulativa de itens alimentares expressa em porcentagem, em relação ao número de fezes de lobo-guará analisadas (n = 307), coletadas entre os meses de setembro de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................... 31
Figura 1.4. Distribuição do número de itens encontrados por amostra fecal de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG....................................................... 32
Figura 1.5. Porcentagem de biomassa consumida por mês para cada um dos três principais frutos consumidos por lobo-guará entre os meses de agosto de 2005 e setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG......................... 35
Figura 2.1. Produtividade dos frutos consumidos pelo lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, durante meses de 2005 e 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A lobeira, Solanum lycocarpum, está representada em termos de biomassa disponível por planta e os demais em gramas por ha.............................. 57
Figura 2.2. Consumo de itens alimentares (�) por lobo-guará tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), de: a) outros frutos; e b) lobeira (Solanum lycocarpum), em meses de 2005 e 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................................... 60
Figura 2.3. Consumo de lobeira (○) e de outros frutos (●) pelo lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e setembro de 2006..................................................................................................... 61
Figura 2.4. Biomassa disponível de frutos potenciais para consumo por lobo-guará, por mês, em cada um dos ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................................................................... 62
Figura 2.5. Consumo de pequenos mamíferos (�) por lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), em relação: a) número de indivíduos; e b) biomassa, entre os meses de setembro de 2005 a setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG......................... 63
Figura 2.6. Biomassa estimada de pequenos mamíferos ao longo dos meses, por ambiente, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG...................................... 65
Figura 3.1. Tipos vegetacionais e uso do solo no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fonte: modificado de MMA & Ibama (2005)................................................. 81
5
Figura 3.2. Freqüência de localizações de 25 lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, em cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A barra sólida representa a estação chuvosa (n = 359) e a vazada a estação seca (n = 412). Dados coletados entre fevereiro de 2004 a fevereiro de 2007............................................ 90
6
Índice de Tabelas
Tabela 1.1. Freqüência de ocorrência e biomassa consumida estimada, expressas em porcentagem, das categorias alimentares encontradas nas fezes dos lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas em três anos diferentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG............................................................................................ 33
Tabela 1.2. Porcentagem de fezes de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, (n = 191 para estação seca e n = 116 para estação chuvosa) com determinada categoria alimentar nas estações seca e chuvosa, bem como os valores de G; e proporção de biomassa bruta consumida para cada categoria nas estações seca e chuvosa, e seus valores de U. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG............................................................................................ 35
Tabela 1.3. Freqüências de ocorrência, expressas em porcentagem das categorias alimentares encontradas nas fezes do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) nas estações chuvosa e seca no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, em três diferentes anos......................................................................................................... 37
Tabela 2.1. Coeficiente de similaridade das espécies de frutos disponíveis para o consumo do lobo-guará entre os pontos amostrais de cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................ 58
Tabela 2.2. Biomassa disponível dos principais frutos para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006............................................ 61
Tabela 2.3. Número de indivíduos disponíveis de pequenos mamíferos (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada mês) para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: campo úmido (CU), cerrado (CE), campo limpo (CL) e campo rupestre (CR). Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006............................................ 64
Tabela 2.4. Freqüência de presas de lobo-guará na dieta (observado) e no campo (esperado). Dados coletados entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG........................................................................ 66
Tabela 3.1. Biomassa de pequenos mamíferos e frutos disponíveis (gramas por ha) para o lobo-guará em cada um dos ambientes amostrados do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, para as épocas seca e chuvosa, bem como para o ano inteiro....................................................................................................................... 86
Tabela 3.2. Número de localizações e área de vida de lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, capturados no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007..................................................................... 88
Tabela 3.3. Área central de atividade de lobos-guará e proporções (%) de ambientes dentro de cada área core.......................................................................................... 89
Tabela 3.4. Correlações de Spearman entre tamanho de área de vida (MPC 95%) e área central de atividade (MPC 50%) de lobos-guará (n = 10) e porcentagens de vegetação dentro de cada área, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Em nenhuma das áreas centrais houve cerrado incluído................................................ 89
7
Tabela 3.5. Freqüência de utilização de cada ambiente (% localizações, n = 771) por lobos-guará (n = 25), disponibilidade de cada um dos ambientes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG (% habitat) e índice de seletividade (IS). Dados coletados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007............................................ 90
8
Agradecimentos
À minha mãe, pela paciência, carinho, por ter suportado meus maus momentos e
por tolerar fezes de lobo-guará na pia da churrasqueira. Ao meu pai, pelo amor e por
estar sempre disposto a me ajudar. À toda minha família que de alguma forma estiveram
presente neste momento, me apoiando sempre.
Ao Felipe, pelo amor, companheirismo, pelas orientações, dúvidas e sugestões, e
por ter tornado mais fáceis os momentos difíceis. Obrigada também por ter me apoiado
na decisão de fazer o mestrado em Minas, mesmo que isso implicasse em menos tempo
juntos, e em idas e vindas cansativas.
À todos meus amigos, em especial àqueles que fiz na Canastra: Fernanda, Lísia,
Alessandra, Joares, Jean, Renata, Flávia, Carla, Lucas, que sempre tornaram mais
divertida minha estada na Serra. Agradecimento especial à Lucía, que além de dividir a
casa, dividimos problemas e trabalho, e foi minha grande amiga e companheira durante
todas as etapas do mestrado. À todos os estagiários que passaram pelo projeto do lobo,
em especial ao Thiago, que esteve presente em quase todas as amostragens e no qual a
ajuda foi essencial. À Toninha e seu Amadeo, que sempre foram super atenciosos e
carinhosos. Ao Kato e a Misha, os gatinhos queridos no qual a companhia foi de suma
importância.
Agradecimento especial ao Flávio, por ter me dado a oportunidade de trabalhar
com o lobo-guará na Canastra, pelos ensinamentos e amizade. Ao Rogério, por ter
concordado em me aceitar no projeto, pelos conselhos essenciais e pela amizade.
Novamente aos amigos Fernanda, Joares e Jean, que estiveram no campo coletando os
dados de monitoramento dos lobos-guará, e que sem eles, a realização do Capítulo III
não seria possível.
9
Ao curador do Herbário da UFMG (BHCB) Alexandre Salino, aos pesquisadores
Marcos Eduardo Guerra Sobral, João Renato Stehmann e Maria Cândida Mamede pela
identificação das plantas. À professora Carolyn Proença, do Herbário da UnB, pela
identificação das sementes. Ao curador da coleção de mamíferos da UFMG, Heitor
Cunha, pela identificação dos pequenos. À professora Kátia Gomes Facure, da UFU, pelo
auxílio na identificação dos fragmentos animais. Ao professor Jader Marinho Filho, da
coleção de mamíferos da UnB, por me permitir ter acesso à coleção e por disponibilizar
a lupa de seu laboratório para identificação dos fragmentos dos pequenos mamíferos. Ao
professor Paulo César Motta, do laboratório de Aracnídeos da UnB, e ao professor
Fernando Amaral da Silveira, do Laboratório de Sistemática e Ecologia de abelhas da
UFMG, por disponibilizarem seus laboratórios e um microscópio para identificação das
presas através dos pêlos. Ao professor Miguel Ângelo Marini, da coleção de aves da
UnB, por auxiliar na identificação das aves e por me permitir o acesso à coleção. Ao
professor Guarino Rinaldi Colli, do laboratório de Ecologia de répteis da UnB, pela
identificação dos répteis.
Ao programa de pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida
Silvestre da UFMG, pelo apoio técnico e estrutural. Ao diretor do Parque Joaquim Maia
Neto e a todos funcionários do Ibama. Ao Laboratório de Climatologia e Recursos
Hídricos da UFU por disponibilizar os dados de temperatura e precipitação. À Zootech
pelo apoio técnico. Agradecimento especial a Instituição Pró-Canrívoros, que forneceu
condições para realização deste trabalho, e no qual sem o apoio financeiro este trabalho
não poderia ser realizado. À CAPES, pela bolsa concedida.
E não poderia deixar de agradecer ao canídeo mais simpático do Cerrado, lobo-
guará, que com seu jeito desengonçado me conquistou. Ele é a razão deste trabalho!
Mais uma vez, o meu muito obrigada a todos!
10
Resumo
O lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, é um canídeo generalista e onívoro que se
alimenta de itens animais e vegetais. Apesar de haver vários trabalhos que relatam a dieta
desta espécie, poucos analisaram a disponibilidade alimentar e apenas um testou se o
padrão de movimentação da espécie é influenciado pela quantidade de alimento
disponível. Neste sentido, os objetivos dessa dissertação foram: (1) verificar a atual dieta
do lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, bem como realizar uma análise
temporal levando em consideração os outros trabalhos já realizados no Parque; (2)
verificar se os lobos-guará se alimentam conforme a disponibilidade de alimentos no
ambiente; e (3) verificar se a disponibilidade alimentar é um agente influenciador no
padrão de movimentação da espécie. A análise de amostras fecais mostrou que o lobo-
guará se alimenta de frutos e pequenos animais, tendo como principal item a lobeira,
Solanum lycocarpum. Quando feita a análise temporal de sua dieta, observou-se clara
mudança nos itens ingeridos ao longo dos anos, principalmente de frutos, como reflexo
das alterações no ambiente após implementação do Parque. Análises de marcação e
recaptura de pequenos mamíferos, quantificação da produção de frutos nos diferentes
ambientes do Parque, juntamente com a análise das amostras fecais, mostraram que, no
geral, o lobo-guará consumiu os itens alimentares conforme a disponibilidade no
ambiente, consumindo maiores quantidades de frutos na época chuvosa e de itens
animais na época seca. Contudo a lobeira foi consumida em maior proporção quando
presente em menores quantidades no ambiente, sugerindo que o lobo-guará procura este
frutos em época de escassez de outros itens vegetais. Algumas espécies de pequenos
mamíferos foram também consumidas em proporções maiores das encontradas no
ambiente, porém isto pode ser explicado por alguns efeitos secundários. Ainda,
observou-se que a movimentação dessa espécie é influenciada pela disponibilidade
11
alimentar, concentrando suas atividades em áreas mais ricas em alimento. No entanto os
resultados indicam que há outros fatores desconhecidos que também influenciam na
movimentação da espécie.
12
Abstract
The maned wolf, Chrysocyon brachyurus, is a generalist omnivorous canid that feeds on
small animals and fruits. In spite of the fact that many studies examined the maned
wolf’s diet, few of them analyzed the availability of food on the environment, and just
one tested if the availability of food had any influence on the maned wolf’s moving
pattern. Therefore, the objectives of this dissertation were to: (1) verify the current diet of
the maned wolf in the Serra da Canastra National Park (Brazil) and compare with
previous studies performed in the Park; (2) verify if the maned wolf feeds according to
the availability of food; and (3) verify if the availability of food is an agent that influence
on the maned wolf’s moving patterns. Analysis of fecal samples showed that the maned
wolf feeds on fruits and animals, and the main item of its diet is lobeira (Solanum
lycocarpum). The comparison with previous studies demonstrated that there was a clear
change in the items ingested by the maned wolf during the years, especially fruits, which
was probably caused by a change on the type of vegetation, that occurred after the Park
implementation. Mark and recapture analysis, quantification of fruit production in
differents types of vegetation in the Park together with the fecal analysis showed that, in
general, the maned wolf consumed the food according to its availability, consuming more
fruits in the raining season and small animals in the dry season. However, lobeira was
consumed in a higher proportion when its productivity was lower, suggesting that maned
wolf look for this fruit in times of low availability of others fruits. In addition, some
small mammals species were consumed in a higher proportion than expected, which
could be explained by some secondary effects. Moreover, it was also observed that the
availability of food has an influence on the moving pattern of the maned wolf, since the
individuals were more frequently located in the habitats with more food. However, the
13
results also indicate that there are other non-identified factors that influence in the maned
wolf moving pattern.
14
Introdução Geral
O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus Illiger 1815) é o maior canídeo Sul-
Americano. Quando adulto pesa em média 25 kg e tem o comprimento total médio de
aproximadamente 150,4 cm, no qual 44,6 cm correspondem a sua cauda (Rodden et al.
2004). Suas pernas são longas e as orelhas compridas, facilitando a movimentação e o
forrageamento nas gramíneas altas do Cerrado, ambiente no qual está amplamente
distribuído (Rodden et al. 2004). Sua pelagem é de cor avermelhada, com o focinho e
parte inferior das patas negras. Os pêlos da garganta, de dentro das orelhas e da ponta da
cauda são brancos. Possuem uma crina escura que vai da nuca até os ombros. Os padrões
de coloração do pêlo sofrem pouca variação entre os indivíduos.
Ocorre no Brasil desde a desembocadura do Rio Parnaíba no Nordeste até o Rio
Grande do Sul. Distribui-se ainda no Chaco Paraguaio, Bolívia, Argentina, Uruguai e no
oeste dos Pampas Del Health no Peru (Rodden et al. 2004) (Figura 1). Apesar de sua
ampla distribuição está inserido na categoria vulnerável pela lista brasileira de espécies
ameaçadas (MMA 2003) e perto de estar ameaçada pela lista da IUCN (2006).
Uma das características da ecologia do lobo-guará que o coloca em risco é a
necessidade de grandes áreas para exercer suas atividades rotineiras. A média das áreas
de vida dos lobos-guará, entre os locais já estudados, pode variar de 25,2 a 57,0 km2
(Dietz 1984; Silveira 1999; Rodrigues 2002; Melo et al. 2007). Há uma grande variação
intra-específica local e regional dos tamanhos das áreas de vida nos trabalhos publicados,
que poderiam ser atribuídas a fatores como variação nos tamanhos de áreas de vida entre
machos e fêmeas, devido a necessidades distintas entre os sexos (Mizutani & Jewell
1998; Biró et al. 2004), ou ainda a diferentes quantidades ou qualidade de alimento nas
áreas ocupadas por cada indivíduo (Mizutani & Jewell 1998). Porém nenhum trabalho
realizado com área de vida do lobo-guará testou qual fator pode determinar esta grande
Gastal 1997) ou biomassa ingerida (Motta-Junior et al. 1996). Apesar da freqüência de
ocorrência ser um método que superestima pequenos itens alimentares (Corbett 1989), é
ainda o método mais utilizado por pesquisadores que investigam a dieta do lobo-guará.
A análise da dieta ao longo de vários anos pode auxiliar no planejamento de
estratégias de manejo e conservação da espécie. No entanto, às vezes a informação está
apresentada em estudos esparsos, e é interessante unir essas informações para verificar se
há variações significativas no comportamento alimentar da espécie. Contudo, deve-se
também levar em consideração que os diferentes resultados podem ser apenas variações
anuais ou cíclicas da disponibilidade de alimentos no ambiente e conseqüentemente, do
consumo destes itens.
No Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC), MG, dois trabalhos foram
realizados com dieta do lobo-guará e estes mostram dados contrastantes. Dietz (1984)
aponta a lobeira, Solanum lycocarpum, como principal item alimentar, enquanto Queirolo
(2001) conclui que outra espécie de fruto, Parinari obtusifolia, tem maior importância na
dieta. Ainda, Queirolo & Motta-Junior (2000) acreditam que o lobo-guará estaria
24
substituindo a lobeira por outros frutos, alegando que as condições existentes até o final
da década de 70, com grande quantidade de gado consumindo e disseminando o fruto da
lobeira, agiam como fator facilitador no estabelecimento desta planta. Sugerem ainda que
com a posterior retirada dos fazendeiros e construção de cercas delimitando o Parque no
início da década de 80 as condições de sobrevivência da lobeira diminuíram e
aumentaram as de outros frutos, que antes eram inibidas pelas queimadas constantes e
pelo forrageio do gado. Os autores sugerem que essas alterações no ambiente poderiam
estar causando mudanças na dieta do lobo-guará dentro do Parque.
Neste sentido, os objetivos deste trabalho foram: (1) verificar a importância atual
dos itens alimentares na dieta do lobo-guará através da análise de fezes, no Parque
Nacional da Serra da Canastra, MG; (2) avaliar o efeito da sazonalidade na ingestão de
itens alimentares durante as épocas seca e chuvosa; (3) analisar temporalmente a dieta do
lobo-guará levando em conta outros trabalhos realizados anteriormente no PNSC.
METODOLOGIA
Área de estudo
O Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC) foi criado em 1972 pelo Decreto
nº 70.355. O projeto possuía inicialmente área de 200.000 ha, porém, em 1977, foi
realizado o levantamento e a demarcação em apenas 71.525 ha. Para este mesmo ano há
relatos de que havia ainda aproximadamente 20.000 cabeças de gado dentro do Parque e
que o sistema tradicional de queima e pastagem ainda era mantido. Foi apenas em 1980
que houve a saída, forçada pela Polícia Federal, de todos aqueles que ainda estavam
presentes dentro do Parque. Hoje o PNSC abrange cerca de 71.525 ha e sua sede está
situada no município de São Roque de Minas, sudoeste de Minas Gerais, a 360 km de
Belo Horizonte (Figura 1.1) (MMA & IBAMA 2005).
25
Figura 1.1. Localização do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG e sua delimitação original de 200.000 ha, em cinza escuro, e a zona de amortecimento, em cinza claro.
O Parque está inserido no domínio fitogeográfico do Cerrado, sendo a maior parte
coberta por formações campestres, como campo limpo, campo sujo e campo rupestre. O
clima predominante é tropical sazonal, de inverno seco. A temperatura média mensal não
varia muito ao longo do ano, ao contrário da precipitação (Figura 1.2), que possui picos
elevados na primavera e verão (outubro a março), caracterizando a estação chuvosa.
Entre os meses de abril e setembro há uma redução na incidência de chuvas onde os
índices pluviométricos podem chegar a zero, resultando numa estação seca que pode
durar de três a cinco meses (MMA & IBAMA 2005).
Fonte: modificado de Ibama-MMA 2005. Plano de Manejo PNSC.
26
0
5
10
15
20
25
A S O N D J F M A M J J A S
Temperatura m
édia (Celsius)
0
50
100
150
200
250
300
350
Precipita
ção (mm)
Figura 1.2. Temperatura média (barra) e precipitação (linha) no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, nos anos de 2005 e 2006. No mês de dezembro não houve coleta suficiente de dados de precipitação. Dados coletados pelo IBAMA e fornecidos pelo Laboratório de Climatologia e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Uberlândia, UFU.
Dieta do lobo-guará
Para análise de dieta do lobo-guará, as fezes encontradas entre agosto de 2005 e
outubro de 2006, dentro e fora do PNSC, foram coletadas em sacos plásticos onde foram
anotadas a data e a localização (ponto georreferenciado). As fezes de lobo-guará eram
reconhecidas pelo odor característico, diâmetro ou rastros e pegadas próximas, ou ainda
pela presença de pêlos do predador. Aquelas fezes cuja origem não pode ser confirmada
como sendo do lobo-guará não foram analisadas.
Dentre todas as fezes coletadas foram apanhadas aleatoriamente 30 fezes por mês.
Nos meses com baixa coleta (menos de 30) foram triadas todas as fezes de lobo-guará
encontradas. Para verificar a suficiência do tamanho amostral foi traçada a curva do
coletor.
chuva seca
27
As fezes foram triadas em água corrente, com o auxílio de peneiras de malhas de
2 mm. Todas as sementes e fragmentos animais (pêlos, ossos, dentes, bicos, penas, casca
de ovo, escamas) encontrados foram separados para posterior quantificação e
identificação.
As sementes encontradas nas fezes foram identificadas comparando-as com
sementes coletadas na área de estudo ou com a ajuda de botânicos.
A identificação dos pequenos mamíferos foi feita através da comparação dos
dentes e mandíbulas encontradas nas fezes com as de espécimes da coleção de mamíferos
da Universidade de Brasília (UnB) e com os padrões molares descritos na literatura
Eisenberg & Redford 1999). Quando não encontrados dentes ou mandíbulas nas fezes, a
identificação foi feita através da estrutura medular dos pêlos, uma vez que o processo da
digestão não afeta sua estrutura (Quadros & Monteiro-Filho 1998). Foram utilizados uma
chave de identificação (Quadros 2002), literatura correlata (Chehébar & Martín 1989) e
pêlos coletados de espécimes da Coleção de Mamíferos da UnB para reconhecer os
padrões das medulas. A coleta e preparação dos pêlos para visualização em microscopia
óptica, utilizando aumentos de 100X e 400X, foi feita de acordo com metodologia
proposta por Quadros & Monteiro-Filho (2006). A identificação dos pequenos mamíferos
através dos pêlos só foi possível para grandes categorias (Muridae, Caviidae,
Didelphidae). Para identificação de mamíferos de médio porte, além dos padrões
medulares, foram levados em consideração características macroscópicas, como padrão
de cor, comprimento e espessura.
As escamas dos répteis encontradas nas amostras foram identificadas com ajuda
de um especialista. As aves foram identificadas através da análise das bárbulas das penas,
com auxílio de microscopia óptica, utilizando como referência penas retiradas de
espécimes da coleção de aves da UnB e a chave de identificação de Day (1966).
28
Os itens alimentares encontrados foram agrupados em 10 categorias: Solanum
lycocarpum, Parinari obtusifolia, Allagoptera campestris, Miscelânea de Frutos,
Artrópodes, Répteis, Aves, Tatus, Pequenos Mamíferos e Outros Vertebrados. As três
primeiras categorias representam as principais espécies de frutos consumidos pelo lobo-
guará (aquelas encontradas em mais de 100 fezes). A miscelânea de frutos representa as
outras espécies de frutos. O capim não foi considerado na análise uma vez que não traz
valor nutricional para a espécie, servindo mais como facilitador do processo digestivo ou
para eliminar marcações de território feitas por outros indivíduos (Dietz 1984).
A importância de cada item alimentar foi determinada a partir do cálculo da
freqüência de ocorrência e da biomassa ingerida. A freqüência de ocorrência é calculada
a partir do número de fezes em que um determinado item foi encontrado em relação ao
número total de ocorrências (Dietz 1984). Porém, como a freqüência tende a
superestimar a importância de itens pequenos (e.g. artrópodes), foi também estimada a
biomassa ingerida (Corbett 1989). Para calcular a biomassa das diferentes espécies de
pequenos mamíferos foi utilizado o peso médio dos animais capturados durante este
estudo (metodologia descrita no capítulo II) e multiplicados pelo número de indivíduos
encontrados nas fezes. A biomassa média das espécies de pequenos mamíferos que não
foram capturadas ao longo do estudo, bem como a de outros vertebrados, foram
compiladas da literatura (Motta-Junior et al. 1996; Eisenberg & Redford 1999; Rodrigues
et al. 2007). Para os animais não identificados foi feita uma média ponderada da
biomassa dos indivíduos identificados. A biomassa dos artrópodes foi estimada com base
no comprimento médio dos indivíduos encontrados (Sage 1982). A biomassa dos frutos
consumidos foi estimada multiplicando-se o número de sementes encontradas nas fezes
pelo peso médio dos frutos e este valor dividido pelo número médio de sementes por
fruto. O número de sementes e os pesos médios foram obtidos através da literatura
29
(Motta-Junior et al. 1996; Silva Junior 2005; Rodrigues et al. 2007) e consulta a
botânicos.
A amplitude do nicho foi calculada utilizando o Índice de Levins padronizado.
Este índice mede a amplitude do nicho analisando a uniformidade da distribuição de
indivíduos entre as categorias alimentares e é dado pela seguinte fórmula: BA = [(1/∑pi2)
– 1] /n-1. Onde BA é o índice de Levins padronizado, pi é a freqüência de cada categoria
utilizada e n o número de categorias (Krebs 1999). Este índice é expresso numa escala de
0 a 1, quanto menor o valor, mais especializada é a dieta.
Sazonalidade alimentar
Para verificar se há sazonalidade no consumo de itens alimentares pelo lobo-
guará as fezes foram separadas entre estação seca (de abril a setembro) e estação chuvosa
(outubro a março). Foi feito um gráfico representando a distribuição do número de itens
alimentares por fezes ao longo de todo ano e para verificar se as médias do número de
itens variou entre as duas estações foi feito o teste não-paramétrico Mann-Whitney U,
uma vez que os números de tipo de item por fezes não apresentaram distribuição normal
(Kolmogorov-Smirnov: Z = 3035; N = 307; P < 0,001).
Os itens foram agrupados nas 10 categorias já descritas e foi calculada a
porcentagem de fezes com determinada categoria alimentar para cada uma das estações
(número de fezes contendo certo item alimentar em relação ao número total de fezes para
cada época). Foi realizado teste G para verificar se a porcentagem variou entre as duas
estações.
Ainda, foi analisada a sazonalidade alimentar levando em consideração a
biomassa ingerida. O teste Kolmogorov-Smirnov mostrou que nenhuma das categorias
apresentou distribuição normal, desta forma, o teste não paramétrico Mann-Whitney U
30
foi utilizado para constatar se houve diferença na proporção de biomassa consumida para
cada categoria por fezes durante as épocas seca e chuvosa.
Análise temporal da dieta do lobo-guará
Com o intuito de analisar a variação temporal da dieta do lobo-guará, os
resultados deste estudo foram comparados com os estudos de Queirolo (2001) e Dietz
(1984). Para facilitar a comparação entre estudos foi feita uma padronização das
categorias adotadas. Duas categorias alimentares apresentadas no estudo de Queirolo
(2001) foram unidas. O autor separou as categorias de aves em duas, Tinamiformes e
outras aves, estas foram somadas e então formada a categoria aves. Os dados de Dietz
(1984) também foram organizados dentro das categorias adotadas neste trabalho.
A amplitude de nicho trófico foi calculada para os trabalhos de Dietz (1984) e
Queirolo (2001) a partir das categorias padronizadas e seguindo fórmula descrita
anteriormente. Não foi possível calcular as amplitudes de nicho para as estações seca e
chuvosa separadamente, pois os autores não apresentaram os dados de todas categorias
adotadas aqui.
Para todos os testes foi utilizado o programa estatístico SPSS 13.0 para Windows,
com nível de significância de 0,05 e bicaudais.
RESULTADOS
Dieta do lobo-guará
Foram analisadas 307 fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006. A
média de fezes analisadas por mês foi de 20,5 ± 11,6 (Média ± DP), sendo que para o
mês de outubro de 2006, apenas uma amostra foi analisada. Esta foi descartada quando
considerados os meses separados.
31
Foram identificados 77 itens alimentares, 40 de origem animal e 37 de origem
vegetal, num total de 1064 ocorrências, 516 de origem animal e 548 de origem vegetal. O
tamanho amostral foi suficiente para descrever a dieta do lobo-guará uma vez que 95%
dos itens alimentares já haviam ocorrido pelo menos uma vez quando a 230a fezes foi
triada, o que corresponde a 75% do total de fezes analisadas (Figura 1.3).
0
20
40
60
80
100
1 51 101 151 201 251 301
Número de fezes
Porcentagem acu
mulativ
a de itens
Figura 1.3. Curva acumulativa de itens alimentares expressa em porcentagem, em relação ao número de fezes de lobo-guará analisadas (n = 307), coletadas entre os meses de setembro de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
A média de tipos de itens alimentares por amostra fecal foi de 3,48 ± 2,12. A
maior parte (23,20%) das amostras fecais teve dois tipos de itens alimentares, 18,30%
teve três itens por amostra, 17,00% teve um item e 41,50% das amostras tiveram entre 4
a 10 tipos de itens (Figura 1.4). As distribuições dos números de itens nas fezes
correspondentes às estações seca e chuvosa não apresentaram diferença significativa
(Mann-Whitney: U = - 1,082; Nchuvosa = 116; Nseca = 191; P = 0,279).
32
0
5
10
15
20
25
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Número de item / amostra fecal
Porcentagem de fe
zes
Figura 1.4. Distribuição do número de itens encontrados por amostra fecal de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
O lobo-guará consumiu uma grande variedade de itens animais e vegetais. Dentre
todas as categorias alimentares, a mais freqüente foi a dos pequenos mamíferos, seguidos
pela lobeira e pela miscelânea de frutos. Porém, quando analisado em termos de
biomassa, o item mais importante foi a lobeira, seguido pelos pequenos mamíferos e tatus
(Tabela 1.1).
Os frutos mais consumidos em termos de biomassa, em ordem decrescente, foram
concolor, frutos da família Myrtaceae e Bromelia sp. (Anexo 1). Observou-se que a
lobeira teve alta representatividade quando levado em consideração tanto a biomassa
consumida, quanto o número de ocorrências (Tabela 1.1). Mais de metade dos frutos
(59,46%) apresentaram baixa freqüência de ocorrência nas fezes (ocorrências menores ou
iguais a quatro) (Anexo 1).
As categorias de presas animais mais representativas em termos de biomassa
foram, em ordem decrescente, pequenos mamíferos, tatus, aves e outros vertebrados.
Répteis e artrópodes tiveram pouca representatividade. Porém, quando considerada a
33
freqüência de ocorrência, os répteis e artrópodes ganham considerável importância na
dieta do lobo-guará (Tabela 1.1). Dentre os pequenos mamíferos, foram encontrados 549
indivíduos. Entre os roedores, a espécie com maior consumo, em termos de biomassa,
foram: Bolomys lasiurus, seguido de Cavia aperea e Oxymycterus roberti. Em relação
aos marsupiais, Gracilinanus sp. foi o que teve maior representatividade, seguido de
Monodelphis sp. e Lutreolina crassicaudata (Anexo 1).
Tabela 1.1. Freqüência de ocorrência e biomassa consumida estimada, expressas em porcentagem, das categorias alimentares encontradas nas fezes dos lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, coletadas em três anos diferentes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Ocorrência Biomassa Ano 1980 (1) 2000 (2) 2006 (3) 2000 (2) 2006 (3) Solanum lycocarpum 36,65 11,97 13,30 10,55 22,54 Parinari obtusifolia 0,00 12,88 10,30 17,10 13,43 Allagoptera campestris 0,00 3,09 9,50 0,43 5,07 Miscelânea de frutos 9,08 17,02 18,40 13,39 7,70 Subtotal vegetal 45,73 43,96 51,50 41,47 48,74 Artópodes 6,40 4,80 4,00 0,08 0,22 Répteis 0,33 10,18 3,30 2,83 0,42 Aves 13,51 13,99 9,30 15,05 8,60 Pequenos mamíferos 28,67 25,82 31,10 16,78 18,09 Tatus 3,45 0,99 0,60 11,52 17,88 Outros vertebrados 1,91 0,26 0,20 12,26 6,05 Subtotal animal 54,27 56,04 48,50 58,53 51,26 Amplitude do nicho 0,336 0,594 0,508 Número absoluto 1828 1522 1064 173699,10 g 140588,40 g Número de amostras 740 399 307 399 307 (1) Dietz 1984; (2) Queirolo 2001; (3) este estudo.
Sazonalidade alimentar
Do total de 307 fezes, 191 correspondem à época seca e 116 à época chuvosa.
Em ambas estações, os itens vegetais foram encontrados em um número maior de fezes
do que os itens animais, sendo que na estação chuvosa, todas as fezes apresentaram pelo
menos um tipo de fruto. No entanto, quando analisadas em termos de biomassa
34
consumida, houve maior consumo de itens animais na estação seca e de itens vegetais
na estação chuvosa (Tabela 1.2).
O consumo de Solanum lycocarpum pelo lobo-guará apresentou sazonalidade,
sendo maior na época seca, enquanto Parinari obtusifolia foi mais consumida na estação
chuvosa. Não houve diferença significativa entre as duas estações para a miscelânea de
frutos, tanto em porcentagem de fezes contendo esta categoria, quanto para proporção de
biomassa consumida (Tabela 1.2).
Apesar de A. campestris ter estado presente em proporção maior nas fezes da
época chuvosa, teve maior quantidade de biomassa consumida na época seca (Tabela 1.2).
Sugerindo que o lobo-guará consumiu maior quantidade de A. campestris por evento na
época seca do que na chuvosa. Este item alimentar teve seu pico de consumo em abril, fim
da época chuvosa e início da época seca (Figura 1.5).
Quando comparada a porcentagem de biomassa em cada mês para os três
principais frutos consumidos pelo lobo-guará, observa-se que a medida que o consumo de
lobeira cai, aumenta o de P. obtusifolia, e, quando este começa a cair, o de A. campestris
aumenta (Figura 1.5). Ou seja, o lobo-guará consome frutos o ano inteiro, tendo lobeira e
A. campestris maior representatividade, em termos de biomassa, nos meses
correspondentes à época seca e P. obtusifolia na época chuvosa (Tabela 1.2).
Os itens animais, de forma geral, foram mais consumidos na época seca. Porém
apenas os pequenos mamíferos apresentaram sazonalidade significativa no seu consumo
pelo lobo-guará, os demais não tiveram diferença marcante na quantidade ingerida entre
as duas épocas (Tabela 1.2).
35
Tabela 1.2. Porcentagem de fezes de lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, (n = 191 para estação seca e n = 116 para estação chuvosa) com determinada categoria alimentar nas duas estações, bem como os valores de G; e proporção de biomassa bruta consumida para cada categoria nas estações seca e chuvosa, e seus valores de U. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes com item (%) Biomassa consumida (%)
Figura 1.5. Porcentagem de biomassa consumida por mês para cada um dos três principais frutos consumidos por lobo-guará entre os meses de agosto de 2005 e setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
chuva seca
36
A amplitude do nicho trófico foi calculada a partir das freqüências de cada uma
das categorias e obteve-se um valor de 0,508 (Tabela 1.1). O índice de Levins
padronizado foi calculado também para época seca (BA = 0,417) e para época chuvosa
(BA = 0,549), levando em consideração a freqüência de ocorrência para cada uma das
categorias em cada uma das estações (Tabela 1.3), mostrando uma dieta mais
especializada na época seca.
Análise temporal da dieta do lobo-guará
Em termos de freqüência de ocorrência, em 1980 o principal item alimentar na
dieta do lobo-guará foi a lobeira, seguido de pequenos mamíferos. Ainda, houve uma
freqüência baixa de consumo de outros frutos, sendo que Parinari obtusifolia e
Allagoptera campestris não foram encontrados nas fezes do lobo-guará naquele ano. Os
outros vertebrados ocorreram em baixas freqüências, mas quando comparado com os
outros anos de estudo, a ingestão desta categoria foi mais alta na década de 80 (Tabela
1.1). Dietz (1984) encontrou espécies que não foram encontradas nas fezes deste estudo
nem no de Queirolo (2001), como tamanduá-bandeira, Myrmecophaga tridactyla (n = 6),
e tamanduá-mirim, Tamandua tetradactyla (n = 2), além de peixes e anfíbios.
Em 2000 os pequenos mamíferos foi a categoria mais freqüente nas fezes, e o
principal fruto consumido pelo lobo-guará foi Parinari obtusifolia. No entanto, quando
analisado em termos de biomassa ingerida, P. obtusifolia passa ter maior representação
do que todos os outros itens alimentares (Tabela 1.1).
Quanto à sazonalidade, em 2000 e 2006 houve maior consumo de presas animais
na época seca e itens vegetais na época chuvosa. Em relação aos frutos, a lobeira foi
consumida em proporções semelhantes nas duas épocas do ano de 1980, porém nos
outros anos houve variação sazonal no consumo deste fruto, sendo mais consumido na
época seca. Ainda, nos anos em que foram encontrados Parinari obtusifolia e
37
Allagoptera campestris na dieta, estes foram mais consumidas na época chuvosa. Apesar
de Queriolo não ter separado Allagoptera campestris em uma categoria, esta teve
representatividade alta, sendo o quarto fruto de maior consumo, perdendo apenas para P.
obtusifolia, lobeira e Melancium campestris. Em relação aos itens animais, os três
trabalhos mostram maior consumo de pequenos mamíferos na época seca (Tabela 1.3).
A amplitude de nicho foi diferente para os três anos. Com os dados de 1980 foi
obtido o índice mais baixo. Os de 2006 e 2000 foram mais altos e não diferiram muito,
ou seja, o lobo-guará apresentou uma dieta mais especializada do que os outros anos
(Tabela 1.1).
Tabela 1.3. Freqüências de ocorrência, expressas em porcentagem das categorias alimentares encontradas nas fezes do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) nas estações chuvosa e seca no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, em três diferentes anos.
Solanum lycocarpum 37,81 7,02 6,75 40,63 16,04 16,94 Parinari obtusifolia 0,00 14,97 21,56 0,00 10,19 3,98 Allagoptera campestris 0,00 ** 12,59 0,00 ** 7,51 Miscelânea de frutos 9,45 25,15 21,04 5,42 13,64 16,94 Subtotal Vegetais 47,26 47,13 62,34 46,05 39,88 45,37 Artópodes 7,59 5,73 3,90 4,66 3,60 4,12 Répteis * 8,54 2,60 * 12,29 3,68 Aves 15,42 14,27 8,57 13,00 13,64 9,72 Mamíferos pequenos 25,37 22,57 21,56 33,15 29,99 36,52 Tatu 4,35 1,29 0,78 3,14 0,60 0,44 Outros vertebrados * 0,47 0,26 * 0,00 0,15 Subtotal Animais 52,74 52,87 37,66 53,95 60,12 54,63 Totais de ocorrências 804 855 393 923 667 689 (1) Dietz 1984; (2) Queirolo 2001; (3) este estudo. * O autor não separou entre estações seca e chuvosa devido à baixa freqüência de ocorrência destas categorias, portanto as porcentagens foram feitas sem estes dados. ** O autor não apresentou os dados de freqüência para A. campestris em separado, portanto este fruto encontra-se dentro da categoria Miscelânea de frutos. As freqüências sublinhadas significam que os autores encontraram sazonalidade significativa para estas categorias.
38
DISCUSSÃO
O lobo-guará no PNSC apresentou uma dieta generalista e onívora, concordando
com os outros estudos sobre sua dieta (Dietz 1984; Motta-Junior et al. 1996; Azevedo &
Figura 2.1. Produtividade dos frutos consumidos pelo lobo-guará, Chrysocyon brachyurus, durante meses de 2005 e 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A lobeira, Solanum lycocarpum, está representada em termos de biomassa disponível por planta e os demais em gramas por ha.
Houve uma baixa similaridade de espécies de frutos entre os pontos amostrais de
cada ambiente do PNSC. O ambiente que apresentou maior similaridade foi o campo
limpo, e os menores foram o campo úmido e o campo rupestre, sendo que um ponto
amostral do campo úmido (3) parece diferir grandemente dos outros dois (Tabela 2.1).
chuva seca
58
Tabela 2.1. Coeficiente de similaridade das espécies de frutos disponíveis para o consumo do lobo-guará entre os pontos amostrais de cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Pontos de amostragem Coeficiente de
Jaccard Campo Limpo 1 e 2 0,33 Campo Limpo 1 e 3 0,44 Campo Limpo 2 e 3 0,38 Campo Úmido 1 e 2 0,50 Campo Úmido 1 e 3 0,10 Campo Úmido 2 e 3 0,06 Cerrado 1 e 2 0,26 Cerrado 1 e 3 0,28 Cerrado 2 e 3 0,31 Campo Rupestre 1 e 2 0,20 Campo Rupestre 1 e 3 0,17 Campo Rupestre 2 e 3 0,13
Na amostragem dos pequenos mamíferos foram capturados 659 indivíduos, num
total de 1100 capturas (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada
mês). A espécie de roedor com maior quantidade de biomassa disponível por mês para
consumo pelo lobo-guará foi Bolomys lasiurus, seguido de Oxymycterus roberti e
Akodon sp. Os marsupiais mais representativos foram Lutreolina crassicaudata, seguido
por Monodelphis domestica. (Anexo 2).
Algumas espécies de pequenos mamíferos, como Holochilus sp., Nectomys
squamipes, Rhipidomys mastacalis e Thalpomys lasiotis foram registradas nas fezes,
porém não foram capturadas durante o período de amostragem. Isso também aconteceu
para algumas espécies vegetais, como Melancium campestre, Bromelia sp. e ainda outros
frutos de menor representatividade (Anexos 1 e 2).
A disponibilidade de frutos em geral (todos, exceto lobeira) teve uma correlação
positiva muito forte com seu consumo pelo lobo-guará (Spermann: R = 0,955; N = 11; P <
0,01). Houve uma maior produção destes frutos na época chuvosa do que na época seca
59
(Mann-Whitney: U = 26271; N1 = N2 = 5; P < 0,001), e conseqüentemente maior
biomassa consumida deste item durante os meses correspondentes a época chuvosa
(Figura 2.2a).
A lobeira mostrou um padrão diferente. Quando correlacionados a disponibilidade
de lobeiras ao longo do ano com seu consumo pelo lobo-guará, observou-se uma relação
negativa (Spermann: R = -0,797; N = 13; P < 0,01). A lobeira produziu frutos ao longo
do ano todo, sendo que a produção na época chuvosa (X ± DP = 503,1 ± 328,4 g/planta;
N = 6) foi maior do que na época seca (X ± DP = 287,8 ± 176,0 g/planta; N = 7), mas
esta diferença não apresentou valores significativos (Mann-Whitney: U = 11,000; N1 = 6;
N2 = 7; P = 0,153). Foi nos meses correspondentes à época de menor disponibilidade que
a lobeira foi mais freqüente nas fezes dos lobos-guará (Figura 2.2b).
Houve uma relação negativa forte entre o consumo de lobeira e o consumo de
outros frutos (Spermann: R = -0,780; N = 14; P < 0,001). Quando o consumo de lobeira
foi alto, na época seca, houve menor consumo de outros frutos. Da mesma forma, na
época chuvosa, o lobo-guará ingeriu maior quantidade de outros frutos, e menor
quantidade de lobeira (Figura 2.3).
A produção dos quatro principais frutos consumidos pelo lobo-guará, exceto a
lobeira, apresentou maior quantidade de biomassa disponível no ambiente cerrado,
seguido pelo campo úmido, campo limpo e por último o campo rupestre (Tabela 2.2).
Levando em consideração todos os potenciais frutos disponíveis para o lobo-guará,
observa-se que há maior produção nos meses correspondentes à época chuvosa. Nota-se
que a disponibilidade no campo rupestre é a mais baixa ao longo de todo o ano (Figura
2.4).
60
a)
0
20000
40000
60000
80000
100000
120000
N D J F M A M J J A S
biomass
a de outros frutos / h
a (gramas)
0
50
100
150
200
250
300
350
biomass
a de outros frutos / feze
s (gramas)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
S O N D J F M A M J J A S
biomass
a de lo
beiras / p
lanta (gramas)
0
50
100
150
200
250
300
350
biomass
a de lo
beiras / feze
s (gramas)
Figura 2.2. Consumo de itens alimentares (�) por lobo-guará tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), de: a) outros frutos; e b) lobeira (Solanum lycocarpum), em meses de 2005 e 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
b)
chuva seca
chuva seca
a)
61
0
50
100
150
200
250
300
350
A S O N D J F M A M J J A S
Biomas
sa de ou
tros
frutos
(gram
as) / fez
es
0
50
100
150
200
250
300
350
Biomas
sa de lobe
ira (gram
as) / fez
es
Figura 2.3. Consumo de lobeira (○) e de outros frutos (●) pelo lobo-guará no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e setembro de 2006.
Tabela 2.2. Biomassa disponível dos principais frutos para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006.
CU CE CL CR Parinari obtusifolia 5440,0 63060,0 393,3 0,0 Allagoptera campestris 0,0 81480,0 2520,0 0,0 Myrtaceae 878,7 45800,0 921,0 81,0 Cordiera cf. concolor 0,0 2053,3 0,0 0,0 TOTAL 6318,7 192393,3 3834,3 81,0 (CU) Campo Úmido; (CE) Cerrado; (CL) Campo Limpo; (CR) Campo Rupestre.
chuva seca seca
62
0
2
4
6
8
10
12
N D J F M A M J J A
Ln [Biomas
sa de frutos
(gram
as) / h
a]
Campo Limpo Campo RupestreCampo Úmido Cerrado
Figura 2.4. Biomassa disponível de frutos potenciais para consumo por lobo-guará, por mês, em cada um dos ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
O consumo de pequenos mamíferos por lobo-guará, quando considerado o número
de indivíduos, seguiu sua disponibilidade no ambiente, havendo uma correlação
significativa (Spermann: R = 0,627; N = 13; P = 0,022) (Figura 2.5a). Houve maior
disponibilidade de pequenos mamíferos na época seca (X ± DP = 16,6 ± 2,7 n / ha; N = 7)
do que na chuvosa (X ± DP = 11,2 ± 3,2 n / ha; N = 6), mostrando uma diferença
significativa (Mann-Whitney: U = 4,000; N1 = 6; N2 = 7; P = 0,015) e, portanto, maior
consumo de indivíduos nos meses correspondentes a época seca. No entanto, quando
considerada a biomassa, a disponibilidade na época seca (X ± DP = 711,4 ± 172,3 g / ha;
N = 7) e na época chuvosa (X ± DP = 544,2 ± 88,9 g / ha; N = 6) não foram
significativamente diferentes (Mann-Whitney: U = 9,000; N1 = 6; N2 = 7; P = 0,086) e a
correlação com o consumo também não foi significativa (Spermann: R = 0,396; N = 13; P
= 0,181) (Figura 2.5b).
chuva seca
63
0
5
10
15
20
25
S O N D J F M A M J J A S
Núm
ero de pe
que
nos / h
a
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
Núm
ero de peq
uen
os / feze
s
0
200
400
600
800
1000
1200
S O N D J F M A M J J A S
Biomassa de pequenos (gram
as) / ha
0
20
40
60
80
100
120
140
160
Biomassa de pequenos (gram
as) / fezes
Figura 2.5. Consumo de pequenos mamíferos (�) por lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) tendo em vista a proporção destes no ambiente (□), em relação: a) número de indivíduos; e b) biomassa, entre os meses de setembro de 2005 a setembro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Em relação aos pequenos mamíferos, observa-se que o consumo precede a
disponibilidade alimentar, ou seja, no mês de maio de 2006, por exemplo, há um pico no
consumo (em termos de número de indivíduos), e no mês subseqüente, junho, há um pico
na disponibilidade (Figura 2.5a). Este padrão segue assim tanto para número de
indivíduos quanto para a biomassa (Figura 2.5). A correlação entre biomassa de pequenos
mamíferos encontrada em campo e na dieta possui significância quando comparados os
valores de campo com os de dieta do mês anterior (Spermann: R = 0,685; N = 12; P =
a)
b)
chuva seca
chuva seca
64
0,014). E, apesar de já ter dado valores significativos anteriormente para número de
indivíduos, quando correlacionados em meses deslocados, observa-se que há uma
correlação mais forte (Spermann: R = 0,841; N = 12; P = 0,001).
O ambiente que teve maiores quantidades de indivíduos de pequenos mamíferos
disponíveis foi o campo úmido, cerrado, campo limpo e por último campo rupestre.
Monodelphis domestica e Oligoryzomys sp. estiveram mais presentes no campo rupestre.
Akodon sp., Oxymycterus roberti, Cavia aperea, Gracilinanus agilis e Lutreolina
crassicaudata foram mais encontrados no campo úmido. No cerrado, Calomys sp. e
Cerradomys subflavus foram mais abundantes e no campo limpo, Bolomys lasiurus
(Tabela 2.3).
Tabela 2.3. Número de indivíduos disponíveis de pequenos mamíferos (contabilizando a primeira captura de cada indivíduo em cada mês) para consumo pelo lobo-guará em quatro ambientes do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG: campo úmido (CU), cerrado (CE), campo limpo (CL) e campo rupestre (CR). Amostragem realizada entre setembro de 2005 e setembro de 2006. CU CE CL CR TOTAL MURIDAE Akodon sp. 85 6 42 3 136 Bolomys lasiurus 98 160 217 35 510 Calomys sp. 16 86 3 12 117 Oligoryzomys sp. 8 16 12 48 84 Cerradomys subflavus 6 17 0 6 29 Oxymycterus roberti 93 2 6 17 118 ECHYMIIDAE Thricomys apareoides 0 3 0 3 6 CAVIDAE Cavia aperea 4 0 0 0 4 DIDELPHIDAE Gracilinanus agilis 4 0 0 0 4 Monodelphis domestica 0 14 5 46 65 Monodelphis sp. 2 0 2 0 4 Lutreolina crassicaudata 26 0 5 6 37 TOTAL 342 304 292 176 1114
65
Apesar de não ter sido observada diferença sazonal significativa na disponibilidade
de pequenos mamíferos, observa-se que em todos os ambientes amostrados, exceto campo
rupestre, houve maior disponibilidade de pequenos mamíferos por hectare nos meses
correspondentes à época seca. No campo rupestre a biomassa disponível de pequenos
mamíferos por hectare foi similar ao longo de todo o período amostral (Figura 2.6).
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
S O N D J F M A M J J A S
Biomas
sa de pe
queno
s (gramas) / ha
Campo Úmido CerradoCampo Limpo Campo Rupestre
Figura 2.6. Biomassa estimada de pequenos mamíferos ao longo dos meses, por ambiente, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Seleção de pequenos mamíferos
As freqüências de ocorrência esperada (disponibilidade) e observada (nas fezes)
para cada espécie foram diferentes (χ2 = 42,371; gl = 5; P < 0,001), mostrando que há
seleção de pequenos mamíferos. Quando analisados espécie por espécie observa-se que
Akodon sp., Cerradomys subflavus, Thrichomys apereoides e o grupo Didelphidae foram
consumidos em menores proporções do encontrado no ambiente. Ao contrário, as
Oxymycterus roberti, Thalpomys lasiotis e Cavia aperea foram consumidos em maiores
proporções do encontrado no ambiente, indicando seleção por estas espécies. Apenas as
chuva seca
66
espécies agrupadas Calomys/Oligoryzomys foram consumidas em proporção semelhante
à encontrada no ambiente (Tabela 2.4).
Tabela 2.4. Freqüência de presas de lobo-guará na dieta (observado) e no campo (esperado). Dados coletados entre agosto de 2005 e outubro de 2006 no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG.
Observado Esperado N Po N Pe
Intervalo de confiança
Akodon sp. 28 0,057 81 0,123 0,049 ≤ Po ≤ 0,064 - Bolomys lasiurus 238 0,482 282 0,428 0,466 ≤ Po ≤ 0,498 + Calomys/Oligoryzomys* 104 0,211 135 0,205 0,198 ≤ Po ≤ 0,223 = Holochilus sp. 3 0,006 0 0,000 0,004 ≤ Po ≤ 0,009 + Nectomys squamipes 1 0,002 0 0,000 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 + Rhipidomys mastacalis 1 0,002 0 0,000 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 + Cerradomys subflavus 5 0,010 24 0,036 0,007 ≤ Po ≤ 0,013 - Oxymycterus roberti 68 0,138 56 0,085 0,127 ≤ Po ≤ 0,149 + Thalpomys lasiotis 9 0,018 0 0,000 0,014 ≤ Po ≤ 0,022 + Cavia aperea 16 0,032 4 0,006 0,027 ≤ Po ≤ 0,038 + Thricomys apereoides 1 0,002 4 0,006 0,001 ≤ Po ≤ 0,003 - Didelphidae 20 0,040 73 0,111 0,034 ≤ Po ≤ 0,047 - (+) proporção de consumo foi maior do que o esperado pela sua disponibilidade no ambiente; (=) proporção de consumo foi semelhante a proporção no ambiente; (-) proporção de consumo foi menor do que a proporção no ambiente. * Estas espécies foram agrupadas pois houve dificuldade em diferenciá-las nas fezes através do padrão molar dos dentes.
DISCUSSÃO
Os três frutos com maior disponibilidade no ambiente foram também os mais
consumidos pelo lobo-guará. Parinari obtusifolia, apesar de ter sido mais consumido do
que Allagoptera campestris, apresentou menor disponibilidade no ambiente ao longo dos
meses de amostragem, sendo o terceiro fruto com maior representatividade no ambiente.
No entanto, P. obtusifolia teve seu pico de produtividade em novembro de 2005, época
na qual havia pouca quantidade de outros frutos disponíveis, e provavelmente por esse
motivo o lobo-guará consumiu maiores quantidades deste fruto. Queirolo (2001) também
encontrou grandes quantidades de P. obtusifolia nas amostras fecais analisadas no PNSC,
67
levando-nos a crer que este fruto tem papel importante na dieta do lobo-guará no Parque,
uma vez que está presente em grandes quantidades quando a disponibilidade de outros
frutos é mais baixa.
Embora os frutos com maior disponibilidade tenham sido os mais consumidos,
alguns com relativa representatividade na dieta não foram encontrados nas amostragens
em campo, como Melancium campestre e Bromelia sp.. Tendo em vista que a
similaridade entre os pontos amostrais foi baixa, apontando que há variação na
composição de espécies de planta dentro dos ambientes, pode ser que as áreas que não
foram amostradas abriguem estas espécies de plantas que foram consumidas porém não
encontradas em campo. Ainda, alguns tipos de ambiente não foram amostrados, como
mata e todos aqueles encontrados fora do PNSC, por exemplo os de uso agropecuário.
Apesar da área de amostragem ter sido ampla (2,4 ha), não foi o suficiente para ter acesso
a todos os frutos disponíveis para o lobo-guará.
O consumo da lobeira é maior quando esta se encontra em menor disponibilidade
no ambiente, sugerindo que a lobeira é um item selecionado pelo lobo-guará. Ainda, o
período de maior ingestão de lobeira coincidiu com o de menor disponibilidade e
consumo de outros frutos. Resultados semelhantes também foram obtidos em outros
lugares onde a dieta do lobo-guará e disponibilidade alimentar foram analisadas (Motta-
Junior 2000; Motta-Junior & Martins 2002; Rodrigues et al. 2007) levando-nos a crer
que a lobeira tem um importante papel na alimentação do lobo-guará, uma vez que seu
consumo foi maior quando os outros foram menos freqüentes, permitindo o consumo de
alimentos de origem vegetal pelo lobo-guará em altas proporções ao longo de todo o ano.
O lobo-guará apresentou clara resposta funcional quanto aos outros frutos. Quando a
disponibilidade destes foi maior, seu consumo também foi maior, caracterizando o habito
oportunista da espécie.
68
Em relação aos pequenos mamíferos, quando considerado o número de indivíduos
capturados de cada espécie e o número de indivíduos consumidos, observou-se que há
correlação positiva significativa, ou seja, o lobo-guará se alimenta conforme sua
disponibilidade no ambiente. No entanto, quando considerada a biomassa ingerida,
observa-se que não há correlação significativa entre disponibilidade e consumo. Nota-se,
contudo, que o maior consumo de biomassa de pequenos mamíferos precede o de maior
disponibilidade de biomassa no ambiente, ou seja, há um consumo maior de presas
exatamente antes de ocorrer uma maior disponibilidade alimentar. Quando feita esta
outra correlação observou-se que foi positiva e significativa entre biomassa consumida e
disponível, e, quanto ao número de indivíduos, a correlação foi ainda mais forte. Isso
pode ter ocorrido porque a maioria das fezes foi coletada no final dos meses, enquanto
que a amostragem de disponibilidade alimentar era feita, preferencialmente, no meio dos
meses. Ao contrário do encontrado aqui, outros trabalhos que verificaram se há resposta
funcional para os pequenos mamíferos não encontraram valores significativos, apesar do
lobo-guará consumir maiores quantidades de presas nos meses em que estes estão mais
Portando, foram obtidos os MPC’s para as áreas de vida e as áreas centrais de atividade,
utilizando, respectivamente, 95% e 50% das localizações mais próximas da média
harmônica. Apesar da literatura apresentar geralmente as áreas de vida dos lobos-guará
como MPC 100% (Juarez & Marinho-Filho 2002; Rodrigues 2002) neste trabalho foram
84
retirados 5% dos pontos mais externos, porque geralmente essas localizações são
excursões ocasionais, de caráter puramente exploratório, não fazendo parte da área de
vida do animal (Burt 1943).
As áreas de vida e as áreas centrais foram então interseccionadas com o mapa de
classificação da vegetação para verificar a porcentagem de cada ambiente. Em seguida
foram feitas correlações de Spearman entre as variáveis: tipos vegetacionais e tamanho
da área de vida (MPC 95) ou tamanho da área central (MPC 50).
Como o objetivo principal do trabalho foi relacionar tamanho de área de vida e
tamanho de área central com disponibilidade alimentar, e tendo em vista que apenas
ambientes dentro do PNSC foram amostrados, foram utilizados apenas aqueles lobos-
guará que possuíam todas ou mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC e que
possuíam um número mínimo de 30 localizações. Para verificar se houve suficiência
amostral de localizações foi feito, para cada lobo-guará, um gráfico cumulativo entre área
e número de localizações.
Sazonalidade
As localizações dos lobos-guará foram separadas entre estação seca (abril a
setembro) e estação chuvosa (maio a outubro). Uma vez que os tamanhos das áreas de
vida apresentaram distribuição normal para época seca (Kolmogorov-Smirnov: Z =
0,404; N = 6; P = 0,997), para época chuvosa (Kolmogorov-Smirnov: Z = 0,385; N = 6;
P = 0,998) e também para os tamanhos das áreas centrais (seca: Kolmogorov-Smirnov: Z
= 0,549; N = 6; P = 0,924; chuva: Kolmogorov-Smirnov: Z = 0,760; N = 6; P = 0,610),
foram feitos testes-t pareados para verificar se os tamanhos das áreas de vida e das áreas
centrais de atividade diferiram entre as estações. Foram utilizados apenas lobos-guará
que possuíam mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC e que tinham no
85
mínimo 25 pontos, após retirada dos 5% mais externos (MCP 95), em cada uma das
estações.
Uso de hábitat
Todas as localizações que estavam dentro dos limites do Parque, de todos os
lobos-guará capturados, foram plotadas no mapa de vegetação. E com estas mesmas
localizações foi feito um MPC 100% para verificar a quantidade de hábitat disponível. O
polígono resultante foi então interseccionado com o mapa de vegetação, para cálculo das
proporções de cada ambiente disponível. Ainda, foi calculado um índice de seletividade
(IS), proveniente da fração entre a proporção de localizações dos lobos-guará em cada
ambiente pela proporção de sua disponibilidade (Medri & Mourão 2005). Quando o
índice foi maior que 1, indica preferência por estes tipos de hábitat, quando menor que 1,
indica que há um sub-uso destas áreas, e quando igual a 1, que os lobos-guará utilizam
estes hábitats na mesma proporção de sua disponibilidade. Foram também separadas as
localizações em estações seca e chuvosa para ver se a escolha do hábitat diferiu entre as
estações. Foi realizado o teste qui-quadrado para verificar diferença entre as épocas.
Todos os testes, exceto o qui-quadrado, foram feitos através do programa
estatístico SPSS 13.0 para Windows, com nível de significância de 0,05 e bicaudais.
Ainda, foram utilizadas as extensões Animal Movement e Spatial Analyst do programa
ArcView GIS 3.2 para calcular os tamanhos das áreas de vida e áreas centrais, retirar os
pontos mais externos através do método da média harmônica, fazer as triangulações,
plotar as localizações no mapa de vegetação e fazer a intersecção dos dados de área de
vida e vegetação. O teste qui-quadrado foi feito utilizando o programa SigmaStat 3.11
para Windows.
86
RESULTADOS
Disponibilidade alimentar
O ambiente que apresentou maior quantidade de biomassa disponível de pequenos
mamíferos para o lobo-guará foi o campo úmido, seguido de cerrado, campo limpo e
campo rupestre. Em todos os ambientes houve maior quantidade de pequenos mamíferos
disponíveis na época seca (Tabela 3.1). No entanto o cerrado e o campo limpo
apresentaram valores mais representativos, uma vez que no cerrado houve 82% a mais de
biomassa disponível de pequenos mamíferos na época seca do que na época chuvosa e,
no campo limpo, 62% a mais.
A biomassa disponível de frutos para o lobo-guará durante o ano diferiu entre os
ambientes (Kruskal-Wallis: H = 31,618; gl = 3; P ≤ 0,001). O cerrado apresentou maior
quantidade de biomassa disponível de frutos, seguido pelo campo úmido, campo limpo e
campo rupestre. Entre as estações seca e chuvosa, o cerrado (Wilcoxon: t = -3,408; n =
15; P ≤ 0,001), o campo limpo (Wilcoxon: t = -3,233; n = 15; P = 0,001), o campo
rupestre (Wilcoxon: t = -2,497; n = 15; P = 0,013) e o campo úmido (Wilcoxon: t = -
2,353; n = 15; P = 0,019) mostraram diferença significativa, com maior disponibilidade
na época chuvosa (Tabela 3.1).
Considerando a biomassa disponível de frutos e pequenos mamíferos observa-se
que o ambiente mais rico em alimento para o lobo-guará é o cerrado, seguido pelo campo
úmido, campo limpo e campo rupestre.
Tabela 3.1. Biomassa de pequenos mamíferos e frutos disponíveis (gramas por ha) para o lobo-guará em cada um dos ambientes amostrados do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, para as épocas seca e chuvosa, bem como para o ano inteiro.
PEQUENOS MAMÍFEROS FRUTOS chuva seca total chuva seca total
Ao longo do estudo 28 lobos-guará foram capturados dentro e fora do PNSC,
sendo 16 fêmeas e 12 machos. Destes, 14 lobos-guará possuem mais de 30 localizações,
dos quais 10 possuem todas ou mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC
(Tabela 3.2). Estes 10 indivíduos foram utilizados para cálculo das áreas de vida e áreas
centrais de atividade. Apenas um indivíduo (M2) alcançou a assíntota em relação ao
tamanho da área de vida, este indivíduo foi o que obteve maior número de localizações
(Tabela 3.2).
De um total de 1247 localizações, a maioria foi feita através de triangulação
(79,6%), outras por observação direta (10,7%) e outras por capturas (9,7%). Deste total,
118 apresentam sinal de atividade, sendo que 62,7% das vezes o animal encontrava-se
ativo e 37,3% inativo.
Quando plotadas as áreas de vida com o mapa de vegetação do Parque, não houve
correlação entre a porcentagem de cada tipo de vegetação com o tamanho da área de
vida. Porém, quando analisadas as áreas centrais de atividade, houve uma relação
positiva entre o tamanho da área e a porcentagem de campo limpo presente e negativa
entre a área e proporção de campo rupestre, mata e área não definida (Tabelas 3.3 e 3.4).
A porcentagem de área com uso agropecuário e corpos d’água e sombras não mostraram
relação significativa (Tabela 3.4).
88
Tabela 3.2. Número de localizações e área de vida de lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, capturados no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG, entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007.
idade peso Localizações data de última Área (km2) (kg) Total % PNSC captura localização MCP 95 MCP 50
F1 a, b, c ad 24 95 100,0 23/4/2004 10/2/2007 48,36 12,04 F2 a, b, c ad 30 62 77,4 24/7/2004 21/6/2005 34,33 2,89 F3 a, b ad 25 34 100,0 25/8/2004 3/1/2006 70,50 17,98 F4 ad 32 131 0,8 4/9/2004 15/2/2007 18,86 3,36 F5 b, c ad 21 76 100,0 5/5/2005 16/2/2007 95,77 22,73 F6 sub 25 14 0,0 13/5/2005 21/6/2005 - - F7 b sub 20 45 100,0 14/6/2005 12/2/2007 47,86 3,84 F8 ad 26 48 8,3 21/6/2005 3/1/2007 83,90 13,01 F9 ad 31 68 17,6 31/7/2005 17/2/2007 96,27 20,98 F10 b, c ad 26 72 54,2 21/10/2005 15/2/2007 69,66 9,01 F11 sub 15 6 83,3 15/02/2006 1/6/2006 - - F12 sub 25 5 0,0 5/6/2006 30/6/2006 - - F13 sub 17 28 100,0 15/6/2006 16/2/2007 - - F14 ad 25 10 0,0 7/9/2006 14/2/2007 - - F15 ad 26 4 100,0 24/10/2006 24/1/2007 - - F16 a ad 23 8 100,0 5/12/2006 10/2/2007 - - M1 b, c sub 12 80 85,0 27/2/2004 29/8/2004 4,06 0,34 M2 b, c ad 28 162 100,0 2/4/2004 30/1/2007 65,91 16,82 M3 a, b velho 28 39 84,6 19/5/2004 24/12/2005 14,43 1,96 M4 sub 25 4 100,0 5/6/2004 27/7/2004 - - M5 b sub 21 44 100,0 3/7/2004 26/3/2005 25,01 5,64 M6 sub 26 7 100,0 4/5/2005 21/5/2005 - - M7 ad 30 104 1,9 22/6/2005 15/2/2007 18,35 2,41 M8 sub 29 10 80,0 19/10/2005 25/9/2006 - - M9 ad 31 29 34,5 26/3/2006 10/2/2007 - - M10 ad 29 14 100,0 4/7/2006 15/2/2007 - - M11a ad 32 24 79,2 4/7/2006 16/12/2006 - - M12 ad 29 4 25,0 29/11/2006 16/2/2007 - - a Indivíduos que foram encontrados mortos ao longo do estudo; b Indivíduos utilizados para correlacionar tamanhos de área de vida e de área central com porcentagem de ambiente; c Indivíduos utilizados para verificar sazonalidade nas áreas de vida e áreas centrais de atividade;
89
Tabela 3.3. Área central de atividade de lobos-guará e proporções (%) de ambientes dentro de cada área core. lobo área (km2) CL CR Água Mt NDef Agri F1 12,04 87,47 0,05 1,25 1,22 10,01 0,00 F2 2,89 48,30 20,34 7,02 5,21 19,14 0,00 F3 17,98 84,98 0,00 1,19 1,60 12,22 0,00 F6 22,73 88,18 0,00 1,94 0,44 9,44 0,00 F8 3,84 76,19 0,05 2,74 3,36 17,66 0,00 F11 9,01 33,13 14,98 16,28 14,48 16,34 4,79 M1 0,34 39,53 24,43 19,61 3,61 12,82 0,00 M2 16,82 86,84 0,04 1,69 1,14 10,30 0,00 M3 1,96 62,70 6,08 1,26 5,02 24,94 0,00 M5 5,64 83,77 0,09 2,45 2,12 11,58 0,00 CL, Campo Limpo; CR, Campo Rupestre, Água, corpos d’água e sombras; Mt, Mata; Ndef, área não definida; Agri, Uso agrícola e pecuário.
Tabela 3.4. Correlações de Spearman entre tamanho de área de vida (MPC 95%) e área central de atividade (MPC 50%) de lobos-guará (n = 10) e porcentagens de vegetação dentro de cada área, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Em nenhuma das áreas centrais houve cerrado incluído.
ln (área MPC 95%) ln (área MPC 50%) R P R P
Campo limpo 0,455 0,187 0,758 0,011 Campo rupestre 0,030 0,934 - 0,851 0,002 Cerrado 0,069 0,849 Corpos d’água e sombras - 0,139 0,701 - 0,552 0,098 Mata - 0,188 0,603 - 0,733 0,016 Não definido - 0,055 0,881 - 0,758 0,011 Uso agrícola e pecuária 0,109 0,764 0,058 0,873
Quanto ao uso de hábitat, os lobos-guará apresentaram maiores proporções de
localizações em áreas de campo rupestre e áreas não definidas do que em relação às suas
disponibilidades, mostrando seleção por estes ambientes. Campo limpo e mata
apresentaram índice de seletividade muito próximos a 1, mostrando ser ambientes não
seletivos pelos lobos-guará.. O cerrado e áreas de uso agrícola apresentaram pequenas
proporções de disponibilidade de habitat, próximas a zero, não sendo possível calcular o
índice de seletividade (Tabela 3.5).
90
Tabela 3.5. Freqüência de utilização de cada ambiente (% localizações, n = 771) por lobos-guará (n = 25), disponibilidade de cada um dos ambientes no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG (% habitat) e índice de seletividade (IS). Dados coletados entre fevereiro de 2004 e fevereiro de 2007.
% loc % habitat IS Campo 74,71 79,93 0,93 Campo rupestre 6,10 1,82 3,35 Cerrado 0,00 0,06 - Corpos d'água e sombras 3,11 5,25 0,59 Mata 2,33 2,05 1,14 Área não definida 13,75 10,86 1,27 Uso agrícola e pecuária 0,00 0,03 - IS > 1 → seleção por algum tipo de ambiente; IS < 1 → sub-uso do ambiente; IS = 1 → uso do ambiente na mesma proporção de sua disponibilidade;
Não houve diferença de uso de habitat entre as estações seca e chuvosa (χ2 =
1,825; gl = 3; P = 0,609). Na estação seca há uma quantidade ligeiramente maior de
localizações no campo limpo. O campo rupestre, ao contrário, apresentou maior
quantidade de localizações na estação chuvosa. O ambiente mata apresentou a mesma
proporção em ambas estações, porém não houve diferença significativa (Figura 3.2).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
Campo Camporupestre
Corposd'água esombras
Mata Não def inido
Porce
ntage
m de loca
lizaç
ões
Figura 3.2. Freqüência de localizações de 25 lobos-guará, Chrysocyon brachyurus, em cada ambiente do Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A barra sólida representa a estação chuvosa (n = 359) e a vazada a estação seca (n = 412). Dados coletados entre fevereiro de 2004 a fevereiro de 2007.
91
Quanto à sazonalidade, apenas seis lobos-guará possuíam 25 ou mais localizações
em cada estação e tinham mais de 50% de suas localizações dentro do PNSC (Tabela
3.2). Não foi encontrada diferença significativa entre as áreas de vida dos lobos-guará
(teste-t pareado: t = 0,603; gl = 5; P = 0,573), nem para as áreas centrais de atividade
(teste-t pareado: t = 0,612; gl = 5; P = 0,567) entre as épocas seca e chuvosa.
DISCUSSÃO
A hipótese de que áreas de vida menores possuem maior quantidade de ambientes
ricos em alimento foi rejeitada. Não foi encontrada nenhuma relação entre tamanho de
área de vida e proporção dos ambientes. No entanto, a hipótese de que indivíduos com
área central de atividade possuem menor área quando ocupam ambientes mais ricos foi
em parte corroborada, pois foi encontrada relação negativa tanto com ambientes ricos em
alimento, quanto pobres. Já a hipótese que os lobos-guará passam mais tempo nos
ambientes mais produtivos foi rejeitada, uma vez que o maior número de localizações foi
encontrado em campo rupestre, ambiente de menor produtividade amostrado.
Alguns indivíduos possuem área de vida muito reduzida em relação a outros, o
que nos leva a crer que talvez haja algum outro fator, que não disponibilidade alimentar,
que possa moldar os tamanhos da área de vida de cada indivíduo. Podem estar atuando
fatores intrínsecos ao animal, como sexo (Mizutani & Jewell 1998; Biró et al. 2004;
Herfindal et al. 2005), idade ou peso corporal (Kelt & Vuren 1999) ou ainda fatores
extrínsecos, como presença da atividade humana (Adkins & Stott 1998; Dickson & Beier
2002; Riley et al. 2003). Em muitos carnívoros solitários foi encontrado que a área de
vida da fêmea é influenciada pela disponibilidade alimentar enquanto que a do macho é
mais fortemente influenciada pela distribuição de fêmeas no local (Mizutani & Jewell
1998; Herfindal et al. 2005). Isso se deve ao fato de que o sucesso reprodutivo das
fêmeas está vinculado ao cuidado de sua prole e o dos machos, pelo encontro do maior
92
número de fêmeas possível. Os lobos-guará são animais solitários que formam casais na
época reprodutiva (Dietz 1984), onde o macho ajuda no cuidado da prole, como
observado em cativeiro (Dietz 1984; Veado 1997; Bestelmeyer 2000) e como Melo et al.
(2007) sugerem em vida livre. Sendo assim, tanto o macho quanto a fêmea são
responsáveis pelo cuidado parental e, portanto, é improvável que a área de vida do macho
seja determinada pela distribuição de fêmeas num determinado local.
Um outro fator que pode ser levado em consideração, para explicar a grande
variação nos tamanhos das áreas de vida dos lobos-guará é a idade. Filhotes ficam na
área de vida da mãe por aproximadamente um ano, depois começam a dispersar (Rodden
et al. 2004). Neste processo de dispersão a área de vida de um indivíduo não está
estabelecida ainda. Além disso, também pode haver diferentes números de localizações
para cada individuo, resultando em grande variação nos tamanhos de área de vida. Neste
estudo, apesar do esforço amostral ter sido alto, sendo o maior estudo de análise de área
de vida do lobo-guará já realizado, apenas um indivíduo alcançou a assíntota, tendo sua
área estabilizada.
Apesar de não haver correlação entre o tamanho da área de vida e a porcentagem
de cada ambiente, o tamanho da área central de atividade variou conforme a quantidade
de ambientes presentes nele. Os fatores que influenciam na movimentação de uma
espécie podem ser melhores visualizadas, ou mostrar padrões mais claros, quando
analisado a área central de atividade, uma vez que é nestas áreas que o animal passa a
maior parte do seu tempo e, teoricamente, é nela que o animal encontra todos os
elementos críticos para sobrevivência e reprodução, como tocas, abrigos e alimentos.
Houve uma correlação positiva entre tamanho da área central de atividade e porcentagem
de campo limpo, ou seja, quanto maior o tamanho da área central, maior a proporção de
campo limpo encontrada. Ao contrário, os ambientes mata e campo rupestre
apresentaram uma relação negativa com o tamanho da área central, ou seja, quanto
93
maiores as proporções destes ambientes, menor o centro de atividade. Em outras
palavras, o lobo-guará concentra suas atividades nestes dois últimos ambientes.
Era esperado que áreas com maior proporção de ambientes mais ricos em
alimentos representassem uma área central de atividade de menor tamanho. Neste
sentido, era esperada que áreas centrais menores tivessem maiores proporção de campo
úmido e cerrado. Embora no mapa de vegetação utilizado para fazer as análises o
ambiente campo úmido não esteja identificado, sua presença está associada a mata, uma
vez que estas formações florestais, no PNSC, estão associadas com maior disponibilidade
de água (MMA & IBAMA 2005). Sendo assim, parece haver uma relação entre o
tamanho da área central e a disponibilidade alimentar. Desta forma, a seletividade por
mata, encontrada acima, pode ser apenas ruído de amostragem e de fato o campo úmido
pode estar sendo selecionado. Lobos-guará que possuem maior quantidade de matas em
sua área central e, conseqüentemente, de campo úmido, ambiente no qual foi encontrado
maior quantidade de alimento de origem animal, ocupam menor área, otimizando seus
gastos energéticos. Os dados de disponibilidade e dieta apresentados no capítulo II e os
dados aqui relatados reforçam a idéia de que os lobos-guará concentram suas atividades
em áreas de campo úmido, aumentando sua eficiência na captura de alimento, já que se
trata de áreas ricas neste recurso.
Quanto ao cerrado, existem poucas áreas deste ambiente dentro do PNSC, e
mesmo as que estão presentes, parecem não terem sido representadas fielmente no mapa
de vegetação utilizado. Nenhuma das áreas centrais continha locais de cerrado, e não foi
possível calcular preferência por este tipo de ambiente, uma vez que houve baixa
disponibilidade de cerrado e nenhuma localização de lobo-guará foi registrada para este
habitat. Apesar de não termos dados suficientes para tirarmos conclusões a respeito deste
tipo de ambiente, Dietz (1984) relata que o lobo-guará passa cerca de 43% do seu tempo
em áreas de cerrado. Portanto, não se deve descartar a importância que este deve ter em
94
moldar as áreas centrais de atividade, uma vez que é o ambiente mais rico em itens de
origem vegetal.
É importante evidenciar aqui que o mapa de classificação da vegetação utilizado
foi feito para o plano de manejo do Parque e não com este propósito. Neste sentido, as
áreas mais ricas em alimento não estão evidenciadas. O mais interessante seria fazer um
mapa de habitat útil para a espécie no PNSC, classificando as diferentes áreas utilizadas
pelo lobo-guará. Foi elaborado recentemente um mapa para o nordeste do estado de São
Paulo para tais fins (Bertoluzzi & Mantovani 2005), mas os resultados referentes a
utilização de cada ambiente ainda não foram publicados.
O campo limpo não apresentou grandes quantidades de alimento, assim como o
campo rupestre. Porém, para o campo limpo, tendo em vista que é um dos ambientes
mais pobres em alimento, a hipótese inicialmente proposta foi corroborada, uma vez que
quanto maior o tamanho da área central, maior também a proporção deste ambiente, ou
seja, aqueles indivíduos que têm em sua área central de atividade maiores proporções de
campo limpo, têm menores quantidades de alimento, sendo necessário percorrer uma área
maior do que aqueles indivíduos que tem áreas mais ricas em alimento para chegar a
ambientes com maior disponibilidade. Dietz (1984) verificou ainda que o lobo-guará
ocorre em menores proporções em campo do que o esperado por sua disponibilidade, e
do que em qualquer outro tipo de ambiente, a qualquer hora do dia.
Como observado no capítulo II, os ambientes mata e campo rupestre parecem ser
pouco utilizados pelos lobos-guará para forrageamento e, uma vez que houve correlação
negativa entre tamanho de área central e proporção destes ambientes, talvez haja outro
fator atuando. No entanto, como já discutido, a mata pode estar associada a presença de
campos úmidos (ambiente rico em alimento), mas não deve-se descartar a possibilidade
de uso de matas para outras atividades.
95
Os dados referentes a uso de habitat mostraram que o lobo-guará é seletivo
apenas para o campo rupestre, uma vez que houve maior proporção de localizações neste
ambiente do que o esperado pela sua disponibilidade. No entanto, isso provavelmente
não se deve a disponibilidade alimentar, pois o campo rupestre foi o ambiente mais pobre
em alimento. Alternativamente, é possível que o campo rupestre seja um ambiente mais
favorável para o abrigo, garantindo maior quantidade de tocas, e protegendo sua prole de
eventuais predadores. Ainda, mesmo que a maioria das triangulações que apresentavam
sinal atividade mostre que os lobos-guará foram monitorados em período de atividade, há
uma grande proporção de localizações onde o animal encontra-se inativo. E, mesmo que
tenha sido feito um esforço para monitorar os animais em todos os horários do dia, há
uma maior quantidade de triangulações realizadas no período da manhã, quando os
lobos-guará já apresentam menor atividade (Melo et al. 2007). Esse viés na coleta de
dados nos leva a sugerir outra hipótese para a seletividade destes ambientes, como a de
que o lobo-guará procura os campos rupestres e mata para descansar.
No entanto, é importante ressaltar também que as aves não foram amostradas
neste trabalho. E como ainda não se sabe a real importância desses animais na dieta do
lobo-guará, pelo fato das penas sofrerem bastante com o processo digestivo (Reynolds &
Aebischer 1991), pode ser que as estas possuem maior representatividade na alimentação
do lobo-guará do que se imagina, e que os ambientes campo rupestre e mata ofereçam
grande quantidade desse tipo de presa, justificando a concentração de atividade nestes
ambientes.
Esperava-se também que houvesse diferença de tamanho entre as áreas de vida
entre as estações seca e chuvosa, uma vez que a dieta e a disponibilidade alimentar
apresentam sazonalidade marcada (capítulos I e II). Porém, não foi observada variação
nos tamanhos das áreas de vida e áreas centrais entre as estações. Este fato pode ter
relação com o gasto de se defender um território. Talvez seja mais vantajoso para o lobo-
96
guará permanecer numa mesma área central de atividade, mesmo que isso signifique
mais tempo forrageando, do que gastar mais energia defendendo diferentes áreas,
conforme a variação na disponibilidade de alimento.
Embora ainda existam outros fatores a serem estudados, os resultados aqui
apresentados mostram que o padrão de movimentação do lobo-guará é influenciado pela
disponibilidade alimentar. Silva & Talamoni (2004) também encontraram dados
semelhantes. Na sede da RPPN Serra do Caraça, onde os lobos-guará recebem
suplementação alimentar, a intensidade de registros é bem mais elevada do que nos
outros locais da Reserva. Há outros fatores que parecem influenciar nas áreas de
atividade dos lobos-guará, porém ainda existem poucas informações sobre a organização
social e comportamento desta espécie em vida livre. Portando, sabendo que a distribuição
dos alimentos é um dos fatores que influenciam o padrão de movimentação do lobo-
guará, é essencial ter em mente os recursos alimentares quando forem propostas medidas
de manejo e conservação do lobo-guará.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADKINS, C. A., & P. STOTT. 1998. Home ranges, movements and habitat associations
of red foxes Vulpes vulpes in suburban Toronto, Ontario, Canada, Journal of
Zoology 244:335-346.
BENSON, J. F., M. J. CHAMBERLAIN, & B. D. LEOPOLD. 2006. Regulation of space
use in a solitary felid: population density or prey availability? Animal Behaviour
71:685-693.
BERTOLUZZI, A. L., & J. E. MANTOVANI. 2005. Utilização de imagem CCD
CBERS-2 para o mapeamento de hábitats potenciais para o lobo-guará
(Chrysocyon brachyurus) no nordeste do Estado de São Paulo, Pp. 2887-2892 in
97
XII Simposio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Anais do XII Simposio
Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Sao Jose dos Campos, SP.
BESTELMEYER, S. V. 2000.Solitary, reproctive, ans parental behavior of maned
wolves (Chrysocyon brachyurus). Thesis for the degree of Doctor of Philosophy,
Colorado State University, Colorado.
BIRÓ, Z., L. SZEMETHY, & M. HELTAI. 2004. Home range sizes of wildcats (Felis
silvestris) and feral domestic cats (Felis silvestris f. catus) in a hilly region of
Hungary, Mammalian Biology 69:302-310.
BROOMHALL, L. S., M. G. L. MILLS, & J. T. D. TOIT. 2003. Home range and habitat
use by cheetahs (Ancinonyx jubatus) in the Kruger National Park, Journal of
Zoology 261:119-128.
BURT, W. H. 1943. Territorialitty and home ranges concepts as applied to mammals,
Journal of Mammalogy 24:346-352.
CARVALHO, C. T., & L. E. M. VASCONCELLOS. 1995. Disease, food and
reproduction of the maned wolf - Chrysocyon brachyurus (Illiger)(Carnivora,
Canidae) in Southeast Brazil, Revista Brasileira de Zoologia 12:627-640.
CHAMBERLAIN, M. J., L. M. CONNER, B. D. LEOPOLD, & K. M. HODGES. 2003.
Space use and multi-scale habitat selection of adult raccoons in central
mississippi, Journal of Wildlife Management 67:334-340.
DICKSON, B. G., & P. BEIER. 2002. Home-range and habitat selection by adult cougars
in southern California, Journal of Wildlife Management 66:1235-1245.
DIETZ, J. M. 1984. Ecology and social organization of the Maned Wolf (Chrysocyon
brachyurus), Smithsonian Contributions to Zoology 392:1-51.
GEHRT, S. D., & E. K. FRITZELL. 1998. Resource distribution, female home range
dispersion and male spatial interactions: group structure in a solitary carnivore,
Animal Behaviuor 55.
98
HAYNE, D. W. 1949. Calculation of size of home range, Journal of Mammalogy 30:1-
18.
HERFINDAL, I., J. D. C. LINNELL, J. ODDEN, E. B. NILSEN, & R. ANDERSEN.
2005. Prey density, environmental productivity and home-range size in the
Eurasian lynx (Lynx lynx), Journal of Zoology 265:63-71.
JUAREZ, K. M., & J. MARINHO-FILHO. 2002. Diet, habitat use, and home ranges of
sympatric canids in Central Brazil, Journal of Mammalogy 83:925-933.
KELT, D. A., & D. V. VUREN. 1999. Energetic constraints and the relationship between
body size and home range area in mammals, Ecology 80:337-340.
LIST, R., & D. W. MACDONALD. 2003. Home range and habitat use of the kit fox
(Vulpes macrotis) in a prairie dog (Cynomys ludovicianus) complex, Journal of
Zoology 259:1-5.
MEDRI, I. M., & G. MOURÃO. 2005. Home ranges of giant anteaters (Myrmecophaga
tridactyla) in the Pantanal wetland, Brazil., Journal of Zoology 266:365-375.
MELO, L. F. B., M. A. L. SÁBATO, E. M. V. MAGNI, R. J. YOUNG, & C. M.
COELHO. 2007. Secret lives of maned wolves (Chrysocyon brachyurus Illiger
1815): as revealed by GPS tracking collars., Journal of Zoology 271:27-36.
MIZUTANI, F., & P. A. JEWELL. 1998. Home-range and movements of leopards
(Panthera pardus) on a livestock ranch in Kenya, Journal of Zoology 244:269-
286.
MMA, & IBAMA. 2005. Plano de Manejo: Parque Nacional da Serra da Canastra.
MOEHLMAN, P. D. 1989. Intraspecific variation in canid social systems, Pp. 143-163 in
Carnivore behavior, ecology and evolution. Comstock Publishers Association,
Cornell University Press, Ithaca, NY.
99
MOTTA-JUNIOR, J. C., S. A. TALAMONI, J. A. LOMBARDI, & K. SIMOKOMAKI.
1996. Diet of the maned wolf, Chrysocyon brachyurus, in Central Brazil, Journal
of Zoology 240:277-284.
REYNOLDS, J. C., & N. J. AEBISCHER. 1991. Comparison and quantification of
carnivore diet by faecal analysis: a critique, with recommendations, based on a
study of the Fox Vulpes vulpes, Mammal Review 21:97-122.
RILEY, S. P. D., ET AL. 2003. Effects of urbanization and habitat fragmentation on
bobcats and coyotes in Southern California, Conservation Biology 17:566-576.
RODDEN, M., F. H. G. RODRIGUES, & S. V. BESTELMEYER. 2004. Maned wolf
(Chrysocyon brachyurus). Pp. 38-44 in Canids: Foxes, wolves, jackals and dogs.
Status survey and Conservation action plan. (C. Sillero-Zubiri, M. Hoffmann &
D. W. Macdonald, eds.). IUCN/SSC Canid Specialist Group, Gland, Switzerland
and Cambridge, UK.
RODRIGUES, F. H. G. 2002.Biologia e conservação do Lobo-Guará na Estação
Ecológica de Águas Emendadas. Tese de doutorado, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP.
ROMERO, R. 2002. Avaliação Ecológica Rápida para a Revisão do Plano de Manejo do
Parque Nacional da Serra da Canastra, Estado de Minas Gerais - Relatório
Técnico Final do Componente Vegetação Campestre e Savânica. IBAMA/Terra
Brasilis (Relatório Técnico Não Publicado).
SILVA, J. A., & S. A. TALAMONI. 2004. Core area and centre of activity of maned
wolves, Chrysocyon brachyurus (Illiger) (Mammalia: Canidae), submitted to
suplemental feeding., Revista Brasileira de Zoologia 21:391-395.
SILVEIRA, L. 1999.Ecologia e conservação dos mamíferos carnívoros do Parque
Nacional das Emas, Goiás. Tese de mestrado, Universidade Federal de Goiás,
Goiânia.
100
VEADO, B. V. 1997. Parental behaviour in maned wolf Chrysocyon brachyurus at Belo
Horizonte Zoo, International Zoo Yearbook 35.
VIGGERS, K. L., & J. P. HEARN. 2005. The kangaroo conundrum: home range studies
and implications for land management, Journal of Applied Ecology 42:99-107.
101
Considerações Finais
O trabalho aqui apresentado mostrou, como já esperado, que a dieta do lobo-guará
é onívora e generalista, consumindo maiores quantidades de itens vegetais na época
chuvosa e itens animais na época seca, conforme a disponibilidade destes itens no
ambiente, mostrando um certo oportunismo alimentar da espécie. Porém, quando
analisados os itens separados, observa-se que a espécie seleciona alguns em detrimento
de outros. A lobeira foi o principal item consumido pelo lobo-guará e seu consumo foi
maior quando a produtividade deste foi menor no ambiente, mostrando que, por frutificar
o ano inteiro, o lobo-guará procura pela lobeira em épocas de escassez de outros frutos.
Algumas espécies de pequenos mamíferos foram consumidas em maiores quantidades do
que o esperado pela sua disponibilidade, isso porque os ambientes no Parque Nacional da
Serra da Canastra não estão presentes em proporções similares e algumas espécies são
mais abundantes em alguns ambientes, além de terem vulnerabilidade a predação por
lobo-guará diferente uma das outras.
Quanto à análise temporal da dieta do lobo-guará, comparando os resultados aqui
encontrados com os outros dois realizados no Parque Nacional da Serra da Canastra
(Dietz 1984; Queirolo 2001), foi verificado que desde o final da década de 70 até os dias
de hoje o lobo-guará apresentou mudanças nos itens ingeridos, provavelmente devido a
diferença na disponibilidade alimentar em cada época. A implementação do Parque
parece ter favorecido algumas espécies de plantas, e a partir do ano 2000 alguns frutos
que não eram encontrados antes na dieta do lobo-guará tem atualmente relativa
importância na sua composição.
Constatou-se ainda que o lobo-guará, no PNSC, concentra suas atividades nos
ambientes campo úmido e campo rupestre. Os dados referentes a dieta e a
disponibilidade alimentar demonstram que o campo úmido é um ambiente favorável ao
102
forrageamento. Ao contrário, o campo rupestre parece ter pouca disponibilidade
alimentar. No entanto, é importante ressaltar que as aves não foram amostradas aqui
neste trabalho, e como já discutido, ainda não se sabe a real importância dessa presa na
dieta do lobo guará, uma vez que as penas sofrem bastante com o processo digestivo
(Reynolds & Aebischer 1991). Outra possibilidade é que o campo rupestre pode ser
utilizado para outras atividades que não o forrageamento.
Para elucidar as perguntas aqui propostas seria interessante realizar um estudo no
qual utilizasse um mapa de habitat mais detalhado, unidos com dados de telemetria, dieta
(analisando os fragmentos microscópicos) e comportamento, que poderiam tornar mais
claros os fatores que influenciam o padrão de movimentação da espécie.
Este trabalho aqui apresentado trás implicações fortes para a conservação do
lobo-guará, uma vez que mostra que a disponibilidade alimentar tem influência na
movimentação da espécie e que parece não ser o único agente atuante. Ainda, mostram
como a implementação do Parque Nacional da Canastra foi importante para a
conservação dos lobos-guará. Além de ter uma dieta mais ampla atualmente,
principalmente quando se diz respeito aos itens vegetais, o Parque ainda abriga e protege
dois ambientes que o lobo-guará utiliza com freqüência.
Portanto, mesmo que o lobo guará pareça uma espécie com relativa plasticidade
ambiental, já que se alimenta de acordo com a disponibilidade de alimento, há outros
fatores que podem moldar as atividades dos lobos que ainda são desconhecidas. Este
trabalho abre possibilidades de outras pesquisas para que se possam responder essas
perguntas e que, assim, as medidas de manejo e conservação possam ser mais eficientes.
103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIETZ, J. M. 1984. Ecology and social organization of the Maned Wolf (Chrysocyon
brachyurus), Smithsonian Contributions to Zoology 392:1-51.
QUEIROLO, D. 2001.Seletividade e sazonalidade das presas consumidas pelo Lobo-
Guará (Chrysocyon brachyurus) no Parque Nacional da Serra da Canastra, Minas
Gerais. Tese de mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo.
REYNOLDS, J. C., & N. J. AEBISCHER. 1991. Comparison and quantification of
carnivore diet by faecal analysis: a critique, with recommendations, based on a
study of the Fox Vulpes vulpes, Mammal Review 21:97-122.
104
Anexos
Anexo 1. Lista de itens alimentares encontrados nas fezes dos lobos-guará (n = 307), bem como o número de fezes com cada item alimentar (ocorrência) e sua freqüência (%), biomassa estimada para cada item (gramas) e sua porcentagem. Fezes coletadas entre agosto de 2005 e outubro de 2006, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. Ocorrência Biomassa
Anexo 2. Estimativa da disponibilidade de frutos e pequenos mamíferos disponíveis para consumo por lobo-guará, no Parque Nacional da Serra da Canastra, MG. A quantidade de frutos foi calculada a partir da soma do número de frutos encontrados nas parcelas em cada mês (nov/05 a set/06). A quantidade de pequenos mamíferos é relativa a soma de primeiras capturas de cada indivíduo, em cada mês (set/05 a set/06).