-
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)263297ISSN:08745498
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca
1InnerdialogueinSenecasLetterstoLucilius
ALESSANDROROLIMDEMOURA2(UniversidadeFederaldoParanBrasil)
Abstract:ThispaperdiscussesthestatusofinnerdialogueinSenecasLettersandoffersanaccountofthevariousothersparticipatinginthisinteraction.Keywords:Seneca;epistolography;Stoicism;innerdialogue;meditation;friendship.
Introduo
AsEpistulaemoralessoumaobradofinaldavidadeSneca,3escritasaoquetudoindicaentreosanosde62e65,apsoafastamentodoautordasatividadespolticas.4AsCartasaparentementeestoorganizadasnaordemem
que foram escritas (como fica sugerido em diversas passagens,
e.g.Ep.10.1),5 e sodirigidasaum certoLuclio,quenos
conhecidoapenasatravsdaobrado filsofo: tambm asNaturales
quaestiones eoDeprouidentia so dedicadas a uma personagem com
omesmo
nome.NenhumacartadeLucliochegouatns,apesardeSnecafazervriasrefernciasaoqueeleteriaescrito(e.g.2.1,3.1,19.1,38.1hocinternosepistularumcommercium,659.1,102.13,106.3,etc.),emesmocitarouparecercitarpalavrasdascartasdeseuamigo(40.2,116.2).AsCartasoferecemumretratoconvincentede
Luclio, inclusive com dados que aparecem tambm nas
Naturalesquaestiones:amigodeSnecahbastantetempo(Ep.49.1),maisnovoqueeste
(26.7, 76.5), embora no muito (35.2); provavelmente natural de
Textorecebidoem24.09.2014eaceiteparapublicaoem31.10.2014.1AgradeoaMatthewLeigh,pelasaulas;aoProf.HarryHine,quemeenviouseu
trabalho sobreosdiscursosnaprosadeSnecaHINE
(2010)antesdepubliclo,almde ter lidoum esboodomeu artigo e
feitovaliosos comentrios.Tambm
ficomuitoagradecidoaPedroIpirangaJr.,queorganizouoIISimpsioAntigoseModernos,no
qual apresentei uma primeira verso deste texto, e aos pareceristas
annimos degora,porsuassugestesecorrees.
[email protected](1975)25,n.1;ABEL(1985)70910;MAZZOLI(1989)1851.4VerEp.8.12.5VerGRIMAL(1978)220,MAZZOLI(1989)1849,1851.6
O texto latino das Epistulae morales citado neste trabalho o da
edio de
REYNOLDS(1965).
-
264
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Pompeia (49.1, 70.1), deorigemmodestamas chegou ordem
equestre(Ep.19.5,44.2,Nat.4a.praef.15),tendoatuadocomoprocuradorimperialemdiversas
regies (Ep. 19.5, 31.9, 45.2, Nat. 4a.praef.1) e se dedicado
aosestudos filosficos (Ep.5.1,Nat.4a.praef.14)eproduopotica
(Ep.8.10,19.3,24.1921,46.1,79.5,Nat.4a.praef.14).7SeessespormenoresfazempensarqueodestinatriodasEpistulaenouma
inveno literria,8no textoele acabapor assumir caractersticasque
somaisque adequadas
aumaobraquetemcomotraosnotveisumatendnciaaosolilquioeumapreocupaocomoensinamentofilosfico,acomearpelonome:Luciliusdaentender
aum s tempoum pequeno Sneca (nosso autor se chamavaLuciusAnnaeus
Seneca)9 e a luz da filosofia (Ep. 19.4: Tenebras habere
nonpotes;sequeturquocumquefugerismultumpristinaelucis).10UmarelaoentreotemadaobraeosignificadodonomedodestinatriotambmocorrecomoempregodeLiberalis
emDe beneficiis, enquanto emDe tranquillitate
animi,casomaisprximoaodasEpstolas,ousodeAnnaeusSerenuscomo
interlocutor sugereumoutroSneca imbudoda
serenidadequematriadodilogo,comoseoautortivesseescolhidopelonomeapessoa(oupersona)aquemdirigirseudiscurso.11
7ABEL(1981)491,MAZZOLI(1989)1855.8OproblemadaprosopografiadeLuclioedapossvelficcionalidadedaperso
nagempartedapolmicasobreocarterficcionalougenunodasCartas:verPICHON(1912)2225,MAZZOLI(1989)184650,18535,GRIFFIN(1992)41619,INWOOD(2005)3467,WILSON(2008)[1987]61,n.3.OsestudiososemgeralconcordamqueasEpistulaeforamconcebidasparapublicaoverABEL(1985)709,n.495,quechamaaatenoparaEp.21.3sqq.,mesmoqueoautortenhapromovidoseleo,remanejamentoerevisonocaminhoentreumsupostoconjuntodecartasefetivameneenviadaseacoleoquehojepossumos.bvioqueSnecatinhabempresenteatradiodeepistolografiaemqueprocurava
se inserir, em especial a tradio da carta filosfica (Plato,
Aristteles,Epicuro).
9ParaasugestodeumcarterdiminutivoemLucilius
(queoperariasegundoumhbridoentreosufixolatinoluseogrego),verKER(2009)153comn.32.NotesequeSnecasedirigeaele,nasNaturalesquaestiones(3.1.1e4a.praef.9),tambmcomoIunior.
10LEIGH(2007).Cf.Ep.5.7,uthuiusquoquedieilucellumtecumcommunicem,emqueumafalsaetimologiadelucellumcomoprovenientedeluxsugeridapelaproximidadedogenitivodiei.
11VerCHIAPPETTA(1999)25,DAVIES(2010)458.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca265
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
AsCartasapresentamsedesdeo inciocomouma
formadeaconselhamentomoral (aEp.1.4
jcontmoverbopraecipio,prescrevo,recomendo,ensino).AsnumerosasobjeeseperguntasatribudasaLucliopeloprprioSnecacolocamaquelenopapeldepupiloaindaemdvidaquantoimportnciadafilosofia,eestenopapeldeprofessor(e.g.aCarta89umaexposiodosdiversosramosdafilosofia,supostamenteapedidode
Luclio). Vrios tpicos especficos de filosofia so apresentados
enquanto
respostaaumquestionamentododestinatrioe,emdiversasocasiesnodecorrerdasEpistulae,SnecasugerequeLuclioaindanoconseguiuselivrardasocupaesmundanasparaseentregarporinteirobuscadavirtude,objetivodequeo
filsofoo lembraconstantemente.Ensinarooutro por vezes assume um
papel de to grande destaque, que se
tornapraticamenteajustificativadetodoconhecimento(Ep.6.4):
Mitteinquisetnobisistaquaetamefficaciaexpertuses.Egoueroomniaintecupiotransfundere,etinhocaliquidgaudeodiscere,utdoceam;necmeullaresdelectabit,licetsiteximiaetsalutaris,quammihiunisciturussum.Sicumhacexceptionedetursapientia,utillaminclusamteneamnecenuntiem,reiciam:nulliusbonisinesocioiucundapossessioest.
Compartilhacomigotudocujaeficciaexperimentastedirstu.Eunodesejooutracoisasenotransmitirtetodaaminhaexperincia:aprenderdmesobretudoprazerporquemetornaaptoaensinar!Enada,pormuitoelevadoeproveitosoqueseja,algumavezmedeleitar
se guardar apenas para mim o seu conhecimento. Se a sabedoria s me
forconcedida na condio de a guardar paramim, sem a compartilhar,
ento rejeitlaei:nenhum bem h cuja posse seja agradvel sem que a
compartilhemos com umcompanheiro.12
Observase que Sneca assume essa postura de autoridade
demaneiramais forteno
inciodacoleo,masaospoucosvaidandosinaisdequetambmeleestlongedealcanarosumobem.Ofilsofoadmiteque
12 Todas as tradues das Epistulae so de SEGURADO E CAMPOS
(2004), com
adaptaesminhas.Asoutrastraduessominhas,excetoquandooutroautorindicado.Emalgumaspoucaspassagens,quandoo
contextoevidenciao sentido,no
forneotraduo.Tambmhumnmerolimitadodecasosemque,porno
julgaralnguaoriginalimediatamenterelevanteparaadinmicadaargumentao,forneoapenasotextotraduzido.NotesequeaposturaassumidaporSnecanasCartaspodeserdescrita,
com HADOT (1986) 4445, como a de um guia espiritual (spiritual
guide,Seelenleiter, gr. kathegemon ou hegemon), papel comum do
filsofo nasmais diversasescolasdepensamentodaAntiguidade.
-
266
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
ainda tem muito a progredir (6.1; ver tambm 7.8, homines dum
docentdiscunt,e8.2).OinciodaCarta27crucialnessesentido.OtextoabrecomumafaladeLuclio:
Tume inquis mones? iam enim te ipse monuisti, iam correxisti?
ideo
aliorumemendationiuacas?Nonsumtaminprobusutcurationesaegerobeam,sed,tamquamineodemualetudinarioiaceam,decommunitecummaloconloquoretremediacommunico.Sicitaqueme
audi tamquammecum loquar; in secretum temeum admitto et te
adhibitomecumexigo.
Quemstuparamedarconselhos?Acasojteaconselhasteatiprprio,jcorrigisteoteucarcter,paratepoderesarmaremdirectordaconscinciaalheia?Objecojusta,atua;eu,contudo,nosoutodescaradoque,doenteeuprprio,meapliqueadarremdioaosoutros!comocompanheirodesanatrioqueeufalocontigodanossacomumenfermidadee
tedoupartedosmedicamentosqueuso.Escuta,portanto,asminhaspalavrascomoseestivessesmeouvindo
falarcomigomesmo;comoseeutepermitisseoacessoaosmeussegredosediscutissecomigomesmonatuapresena.
Aissoseseguememdiscursodiretoaspalavrasdeorientaomoralqueo
filsofodirigeasimesmo.Nessapassagemseanunciaumaproblemticaquepermeiatodaacoleo:ointerlocutordeSnecanosomenteLuclio,mastambmoprprioSneca,eoquenoincioseapresentacomoensinamentode
outrem funciona tambm como introspeco e examedeconscincia. O espao
da meditao senecana, porm, como
veremosadiante,habitadopordiversosoutros,eoprprioSnecanopermanecesempreomesmo.Ascontradiescomquenosdeparamossomuitas.Emboraalgumasdelassejamcontradiesapenasaparentes,seria
foradoimpor ao corpusdasCartasuma interpretaoquedele extrasse
absolutacoerncia.precisoatentarparaoqueoautordizemEp.120.1922,sobreasvriasmscaras
que vestimos em diferentes circunstncias, e em
104.12,sobreofatodequenosomossempreosmesmosnapassagemdotempo.13As
Cartas produzem um efeito de pensamento espontneo, ainda
emconstruo.tambmessadinmicaquetentareicaptarnesteensaio.
13EDWARDS(2008)[1997]989.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca267
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Introspecoedilogo
AlfonsoTraina14mostraoquantoalinguagemdainterioridadeedasrelaesdosujeitoconsigomesmofortementemarcadaemSneca,tendoproduzidoinclusiveinovaesgramaticaisdenopoucarelevncianahistriadolatim.NotaseporexemploaprefernciadeSnecapelasformasreflexivasdo
tipo se ornare emvezdamdiopassiva ornari.Nestao
eventoocorrecomosujeitosemqueestenecessariamenteapareacomoiniciadordeuma
ao, enquantonaquela se enfatiza a responsabilidadedo
agentequesetomaasimesmocomoobjetodaao.Essetraoestilsticofazofilsofoseroprimeiroausaroverbodeprehendo,apanharemflagrante,tpicodalinguagemjurdica,comumacontruoreflexiva,talcomoencontramosemEp.28.9:deprehendas
teoportetantequam emendes (antesdacorrecopreciso que te apanhes a
ti mesmo em erro). Tambm o acmulo depronomes que retomam o
sujeitoda oraodestacase em
inmeraspassagens:[sc.deos]habetpacatosetfauentesquisquissibisepropitiauit(Ep.110.1);Tunc
beatum esse te iudica cum tibi ex te gaudium omne nascetur
(124.24);Suasatiusestmalaquamalienatractare,seexcutere(118.2).15
Aideiadoexamedeconscincia(Ep.83.2)edaconstanteautocrticaumdestaquedaobrasenecana.16PodeseapontarcomoexemploEp.28.10,emqueofilsofoexortaLuclioa
julgarseasimesmoedesdobrarsenospapisdepromotor,
juizeadvogadodedefesa(situaosemelhantequeencontramosnoDe ira
3.36).Nisso Sneca tributriodeuma longa tradio,queencontramos
jemHerclito,oqual,segundoPlutarco(Moralia1118C),teriadito:,investigueimeamimmesmo(fr.
101 DielsKranz), passando pelo Scrates platnico e suas
reflexessobreoprincpiodlficodoconheceteatimesmo.Notese,porexemplo,Fedro229e5230a3,ondeaparecea
frase
,17examinonoessascoisas[sc.asalheias],masamimmesmo,recuperadaporSnecacommepriusscrutor,deindehuncmundum(Ep.65.15).Anoode
14 TRAINA (1974) 923.Devolhemuito das observaes e referncias dos
dois
prximospargrafos.15VertambmFOUCAULT(1984)645.16VerEDWARDS(2008)[1997].17Ed.BURNET(1901).
-
268
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
que a verdadeira liberdade obtmsepela filosofia e uma liberdade
interior(Ep.8.7,47.17Seruusest.Sedfortasseliberanimo,75.18),18dequensmesmossomosa
fontedenossavirtudeeda felicidade,
importanteentreosestoicos,paraosquaisumdosprincpiosfundamentaisaautonomia
do sbio ().19Observese esta passagem
deMarcoAurlio(7.59):,,20(escavadentro;dentroestafontedobem,capazdesemprebrotar,semprequeescavares).Defato,sercapazdeestarconsigomesmo
e consigo conversar um apangiodo filsofo j
emAntstenes:respondendoperguntasobreoquetinhaaprendidocomafilosofia,teriaesterespondidoqueaprendeuaestarconsigomesmo(,,).21O
princpio aparece em latim comCcero (Tusc. 1.75) eHorcio, que
naStira2.7.112fazumseuescravocompretensesfilosficaslhecensurarnopoderestarnemumahoraconsigomesmo.Sneca,porsuavez,retomaatpica
emvrios contextos,notadamente emEp. 2.1:
entendoqueoprimeirosinaldeumespritobem
formadoconsisteemsercapazdepararecoabitar consigo mesmo (primum
argumentum compositae mentis
existimoposseconsistereetsecummorari).
Essavivnciainterior,noentanto,nopodepassarsemdeterminadasmanifestaes
de alteridade.Na prosa de Sneca assume grande
importnciaapresenadaspalavrasdeoutrem,especialmentesobaformadodiscursocitado.NasEpistulaemoralesencontramosdiversasvezesofenmenoda
sermocinatio (gr. dialogos), termo traduzido por Saraiva como
dialogismo:22 tratase do recurso retrico que consiste em
introduzir, numa
18TRAINA(1974)10,SCARPAT(1975)183.Sosbiolivre(SVFIII,p.86,fr.355).19SVFIII,p.67,fr.272,p.68,fr.276.20Ed.FARQUHARSON(1944).21AfonteDigenesLarcio6.6(cf.9.64),ed.HICKS(1925).Noteseaimagemdo
pensamento como uma forma de dilogo interior em Plato: Tht.
189e4190a7, Sph.263e3264b3,Phlb.38c539a.Cf.PANACCIO(1999)306.
22SARAIVA,p.1091, s.v. sermocinatio.VerRhet.Her.4.55,65,Quint.
Inst.9.2.2932,367.ParasermocinatioemSneca,verGRIFFIN(1992)41215.MAZZOLI(2000)2589associaosDialogidiatribe,
tidaporOLTRAMARE (1926)9
comoumavulgarizaododilogofilosficoeporCOFFEY(1989)92comoumacombinaodedilogofilosficoeoratria
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca269
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
narrativa, exposio filosfica, arenga judicial, etc., a fala de
uma
personagememdiscursodireto.Tambmsonumerosssimasascitaesdeescritosalheios.NoprimeirolivrodasEpistulae,quecompreendeasCartasde1
a 12, h poucomais oumenos que 60 ocorrncias de discurso
citado,desde falas annimas que surgem repentinamente com objees ou
perguntas para Sneca (pelomenos 5 casos, nomeadamente Ep. 5.6, 7.5,
7.9,9.13,9.16),atcitaesdeoutrosfilsofos(principalmenteEpicuro,e.g.2.5,7.11,9.1,11.8,12.10),passandopor
falasatribudasaLuclio
(e.g.2.4,4.4,5.7,8.8,9.22,12.10)ouaoprprioSneca(8.35,9.5,10.3[bis],12.3).Norestodacoleocontinuaessatendncia,havendomesmocartasemqueaargumentaoentrecortadadeuma
sriedeobjees,perguntase
respostas,dandoaotextoumaaparnciadeverdadeirodilogo(ocasodaCarta87,emquesoperiodicamentevazadosemdiscursodiretovriosprincpiosestoicoseasobjeesdosperipatticos,aqueseseguemasrespostasdeSneca,eemque,paraterminar,somosbrindadoscomasoluodadaaumdosproblemasporPosidnio,devidamentecitadoipsislitteris).ValelembrarqueogrupodeobrassenecanaschamadasDialogi(e.g.Deuitabeata,Deira,etc.)nosodilogosnosentidoplatnicodotermo,ouseja,nosotextosemquesealternamas
falasdeduasoumaispersonagensqueconversamnum banquete ouna rua
(ainda que aproximesedessemodelo,de
certaforma,oDetranquillitateanimi).OsDilogossenecanosseapresentamcomotextosescritos,como
tratados
filosficos,emgeralbreves,conduzidosporumavozcentral,quenoentantodiversasvezes
interrompidapelas
falasdeoutrem.Mutatismutandis,assimqueseestruturamtambmasEpistulaemorales.23SepensamosnesseelementodedilogooudebatenasCartas,torna
epidctica.Essaformadeliteratura,queseriamarcadapeloempregoconstantedeapstrofes,
sententiae,debates com interlocutores
ficcionais,prosopopeia,perguntas
retricas,invectiva,crticasocialeelementossriosmisturadosaumacertacomicidade,
teriasidopopularentreoscnicoseosestoicos.Paraacontrovrsia sobrea
realexistnciadeumgnerochamadodiatribenaAntiguidade,verUSENER(1887)lxix,HIRZEL(1895)I,36770,3745,
n. 5, OLTRAMARE (1926), DUDLEY (1937) 11011, 115, GRIFFIN (1992)
1316,GOTTSCHALK(1982),(1983),JOCELYN(1979),(1982),(1983),WILLIAMS(2003)26.
23MAZZOLI(2000)explicaasdiversascaractersticasquejustificamaclassificaodos
Dilogos senecanos como tais (especialmente quanto multiplicidade de
vozes).
-
270
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
securiosoomovimentodaEp.70.811,emque temosaexposiodeduasposturas
perante o suicdio, a de Scrates e a do homem comum (DrusoLibo).O
autor poderia ter explicitado que est remodelando o estilo
dediscursar in utramque partem, tpico dos exerccios retricos
chamadoscontrouersiae, em que os estudantes eram convidados a
produzir dois discursos, cada um defendendo um diferente ponto de
vista sobre um
casojudicial.24MasSnecasimplesmenteargumentacomfervorporumaopinioe,
algumas linhas abaixo, quase sem transio, defende uma viso
divergente. A argumentao feita com a ajuda de uma pequena narrativa
emesmodafaladeumadaspersonagensdestaemdiscursodireto,oquedenuncia a
participao de uma outra voz nomovimento das ideias.
Finalmente,advidaquantoopiniocorretaexpressapeloprprioSnecaem70.11.25Seporum
ladoodilogoplatnico temum
tommaisprximodaoralidade,hneleumadelimitaoclaradaspalavrasdecadapersonagem,enquanto
que em Sneca as falas de outrem unemse intimamente vozprincipal:
comumque elasapaream subitamente, eporvezes
soquaseindistinguveisdodiscursoemqueseinsinuam.ConformedemonstraHarryHinenoseurecenteestudosobreosdiscursosnaprosasenecana,26quandoofilsofo
cita palavras de outrem cujas idias vm corroborar a
visodefendidapelavozcentral,frequentementedifcildeterminarondeterminao
discurso citado e onde Sneca retoma suas prprias
palavras,econsequentementepodevariarolugardasaspasdeedioparaedio(ocasodeNat.6.7;nanossacoleodeCartas,vriaspassagenspoderiamteroslimitesdodiscursodiretocolocadosemquesto,comoporexemplo27.15).
Portanto,ofrequenteusodeinterlocutores(imaginriosouno)umtrao
geral da prosa de Sneca,mas que ganha particular relevncia nas
Vrias dessas caractersticas sero identificadas no presente
artigo como traosmarcantesdasEpistulae.Vernotaanterior.
24Paraainflunciadaretricanaepistolografiasenecana,emparticularquantoscartasconsolatrias,verALEXANDREJR.(2002).
25VertambmaEpstola95,emqueoautorassumeavozdoseuadversriodetalmaneira
eporum trecho to longo,que temos a impressodeque Sneca
realmentedefende a posio que, em seguida, vai refutar, retomando um
a um todos os argumentosdoopositor.
26HINE(2010).
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca271
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Cartas, jqueestassoconstrudascomoresultadodeuma
intensacorrespondnciaentreSnecaeLuclio.Comojindicamos,SnecanosofereceasEpistulae
como uma sequncia de rplicas s perguntas e
preocupaesurgentesexpressasnasmissivasdeLuclio.TodavezqueSnecanosremetespalavrasdodestinatrio,
oprocedimento imbudodeuma forte
impressodedilogoreal.27Nessecontextodevivadiscussofilosfica,aaberturaparaoutrosparticipantestornasequasenatural,poisSnecavaempresa
filosfica como uma conversa que envolve no s figuras contemporneas
do crculo de amizades de que ele e Luclio fazem
parte,mastambmpersonagensdopassadogregoouromano,comoEpicuroeCato.famosaapassagemdoDebreuitateuitae(14.12)emqueSnecadiz:
nullonobis saeculo interdictum est, in omnia admittimur, et
simagnitudine animiegredi humanae inbecillitatis angustias
libet,multum per quod spatiemur temporis est.Disputare cum Socrate
licet, dubitare cum Carneade, cum Epicuro quiescere,
hominisnaturamcumStoicisuincere,cumCynicisexcedere.
Nonosvedadooacessoanenhumsculo,somosadmitidosatodos;esedesejamos,pelagrandezadaalma,ultrapassarosestreitoslimitesda
fraquezahumana,humvastoespaode tempo apercorrer.Poderemosdiscutir
comScrates,duvidar comCarnades,encontrar a paz com Epicuro, vencer
a natureza humana com a ajuda dos
estoicos,ultrapasslacomoscnicos.28
CompareseoquesediznaEp.52.7:dirigeteaosantigos,queestodisponveis:paranosauxiliar
tantopodemos
recorreraosvivoscomoaosmortos(Tuueroetiamadprioresreuertere,quiuacant;adiuuarenospossuntnontantumquisunt,sedquifuerunt).Essaampliaodatemporalidadepresentepara
criar outros campos de interlocuo abrange igualmente o
futuro:Snecatambmestcientedequefalaaosleitoresqueaindaestoporvir,sfuturasgeraes(oquesediznaEp.8.36).
27 Sobre isso, observar DOS SANTOS (1999), que deduz das prprias
Epistulae a
concepodequeodiscursodofilsofo,pelognero,aconversa(sermo),gnerodequeaepstolaumaespcie.ComonotamHIRZEL(1895)I,305eMAZZOLI(1989)1846,(2000)254,j
Demtrio ( 223) registrara a antiga opinio (de Artmon) de
quedevemosescrevercartascomoescrevemosdilogos,poisacartacomoumadasduaspartesdodilogo,ed.ROBERTS(1902).Ccero(Phil.2.7)associaacartaacolquiosdepessoasausentes.
28TodasascitaesdosDialogi seguemo textodeREYNOLDS (1977);a
traduoaquideLI(1993).Cf.Ep.52.7,104.212,2733.
-
272
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Tal como no tpico da introspeco que vimos h pouco, tambmaqui
Sneca est inserido numa tradio filosfica de grande relevncia.Aesse
respeito, notvel a anedota contada por Epicteto
(Dissertationes2.1.3233), segundo a qualmesmo Scrates, quandono
tinha com quemconversar,seacostumaraaescreversuas ideiasem
formadedilogoparatestarsuaeficcia.NoestoicismoposterioraSneca,noprprioEpictetoeemMarcoAurlio,odilogoparteconstitutivadameditao.29Determinadas
falas de outrem em textos desse tipo provm de autoridades
filosficas e servem para confirmar uma determinada viso ou
encorajar
oprprioautorqueascitanaprticadavirtude.Outrasvezesessasfalasrepresentamosvciosaseremcombatidos,osensocomum,ospontosdevistados
tolosou escolas filosficas rivais, e aparecempara ser
refutadaspelavozprincipal.ocasodasfalasemEp.17.1,69.6,70.13e123.1011,oudacitaodeumpoemadeMecenasem101.11.
AimportnciadafaladeoutremnasCartastal,queoproblemaaparececomoumdos
temasemdiscusso.Mascomo
teriaSnecaentendidoessapresenaconstantedavozalheia?Comomerorecursoretricodesprovidodemaiorsignificado,talvezparaquebraramonotoniadesuasCartascomumcertograudedramatizaodosdebatesfilosficos?Quandomuito,como
citao de carter doxogrfico? Suspeito que o filsofo leva
essasvozesbemmaisasrio.AlgumaspistassodadasporSnecaquando reflete
sobreapresenaemnossamentede
imagensdeoutrem,oumesmosobreapresenadivinanoespritohumano.Essaspresenasrevestemsedeimportnciacomopotenciais
interlocutoresdeumefetivodilogo
interior.VejamosoqueSnecadizemEp.41.12:propeestatedeus,tecumest,
intusest.itadico,Lucili:sacerintranosspiritussedet,malorumbonorumquenostrorumobseruator
et custos; hic prout a nobis tractatus est, ita nos ipse tractat,
adivindadeestpertodeti,estcontigo,estdentrodeti!verdade,Luclio,dentro
de ns reside um esprito divino que observa e rege nossos
atos,bonsemaus;econformeforpornstratadoassimeleprprionostrata.
29VerBAKHTIN (1984)120,NEWMAN
(1989)esp.14789,1480,1482,1493,15023,
1512,HADOT(2002)414.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca273
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Notese aqui o elemento relacional apontado por Sneca no
tratamentorecprocoentredivindadeeserhumano.Nestaoutrapassagem,retiradadeEp.83.1,odeusaparececomotestemunhadenossosatosepensamentos,comoqueadarsignificadosocialparanossossegredos,cumprindoumpapelanlogoaodoconfidentequeLuclioparaSneca:
benedeme iudicassinihilesse in illis
[sc.diebus]putasquodabscondam.Siccerteuiuendumesttamquaminconspectuuiuamus,siccogitandumtamquamaliquisinpectusintimumintrospicerepossit:etpotest.Quidenimprodestabhominealiquidessesecretum?nihildeoclusumest;interestanimisnostrisetcogitationibusmediusinteruenit,
fazesumbomjuzoameurespeito,poisnoimaginasqueeupossateralgoaesconderte.assimmesmoquensdevemosviver:comoseanossavidadecorressevistadetodos.assimmesmoquensdevemospensar:comosealgumpudessesurpreenderonossomaisntimopensamento.Ealgumhquepode
fazlo.Dequenosvale
esconderdosoutrosalgumacoisasedivindadenadapermaneceoculto?Elaexistedentrodenossaalma,tomaparteactivanasnossasreflexes.
Deformasemelhante,segundoSneca,comparecememnossamentefigurashistricas
quepodemdesempenharno s opapeldemodelos eexemplosdeboa
conduta,masde efetivosobservadoresdosnossos
atos.oquevemosnaEp.11.810:
aliquisuirbonusnobisdiligendusestacsemperanteoculoshabendus,utsictamquamillospectanteuiuamusetomniatamquamillouidentefaciamus.Hoc,miLucili,Epicuruspraecepit;
custodem nobis et paedagogum dedit, nec inmerito:magna pars
peccatorumtollitur, si peccaturis testis adsistit. Aliquem habeat
animus quem uereatur,
cuiusauctoritateetiamsecretumsuumsanctiusfaciat.Ofelicemillumquinonpraesenstantumsed
etiam cogitatus emendat!O felicem qui sic aliquem uereri potest ut
admemoriamquoqueeiussecomponatatqueordinet!Quisicaliquemuereripotestcitoerituerendus.Elige
itaque Catonem; si hic tibi uidetur nimis rigidus, elige
remissioris animi
uirumLaelium.Eligeeumcuiustibiplacuitetuitaetoratioetipseanimumanteseferensuultus;illumtibisemperostendeuelcustodemuelexemplum.
devemoselegerumhomemdebemcomomodeloe
tlosemprediantedosolhos,demodoavivermoscomoseelenosobservasse,aprocedermoscomoseelevisseosnossosatos.Essepreceito,caroLuclio,foienunciadoporEpicuro,queassimnosdotadeumguardio,deumpedagogo;ecomrazo,poisgrandepartedas
faltasnoseriacometidaseanteosfaltososseerguesseuma
testemunha.Queanossaalma,portanto,tenhaalgumaquemvenereegraasacujaautoridadetornemaisnobremesmooseumaisntimorecesso.Felizohomem
que, no apenas pela sua presena,mas at pela sua imagem torna os
outrosmelhores!Felizohomemcapazdeterporalgumtantorespeitoqueasimpleslembranadomodelobastaparalhedarordemeharmoniaespiritual!Quemforcapazdeterporalgumumtalrespeito,embreveinspirarporseuturnorespeitoidntico.Escolhe,porexemplo,
-
274
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Cato; se este te parecer demasiado rgido, escolheLlio, que homem
de
espritomaismalevel.Escolhealgumcujavida,cujaspalavras,cujorosto,enfim,espelhodaprpriaalma,sejamdoteuagrado.Contemplaosempre,oucomoguardiooucomoexemplo.
Passagenscomoesta
revelamumapreocupaocomaexistnciadeumoutropontodevistaalmdonosso,masesseoutroemparteinteriorizado
e acompanha o indivduomesmo quando ele est s. O filsofoprecisa
imaginar, em suameditao, como essa figura reagiria a este
ouaqueleato,aestaouaquelapalavra.30
Sneca est se valendodeum recurso comumna educao
romana:tratasedos exempla (exemplos,modelos),
isto,personagenshistricasparadigmticasutilizadasemnarrativasdefundoedificante.31Ofilsofoofazconscientedopesodessa
tradio.Quando,naCarta 24.3, Snecapese acitar exemplosde coragempara
incitarLuclio ao
cultivodessaqualidade,opupiloreage.Lucliointervmemdiscursodiretoezombadoconvencionalismodeseumestre
(24.6): Decantatae inquis inomnibus scholis fabulae istaesunt;
iammihi,cumadcontemnendammortemuentum
fuerit,Catonemnarrabis.Essashistriassorepisadasemtodasasescolas;quandodaquiapoucotratarmosoproblemadodesprezopelamorte,jseiquemevirscomahistriade
Cato! Sneca, entretanto, est convencido do valor de proceder
porexempla.Noseuentender,oexemplopresentificaeconcretizaavirtudeaserensinada,etemmaiseficincianotrabalhodeexortaodoqueotratamentodepreceitosfilosficospormeiodalgica(ver6.5,longumiterestperpraecepta,breueeteficaxperexempla).EssaposiotradicionalistaemSnecaganhaumacerta
originalidade, contudo, na forma como tais exemplos se
tornampraticamentepessoasreaiscomquenosrelacionamos,enofatodequeessarelaosepassano
interiordaalma.Eestapode serhabitada
tambmporexemplosnegativos.Apropsito,vejamosaCarta104.21:
Si uelis uitiis exui, longe a uitiorum exemplis recedendum
est.Auarus, corruptor,saeuus, fraudulentus,multumnociturisipropea
te fuissent, intra tesunt.Admeliores
30EDWARDS(2008)[1997]94.31MAYER (2008) [1991]. SCARPAT (1975)
256 comenta, sobre a possibilidade de
efetivacomunicaoespiritualentreopupiloeoexemplum:Lidealerigido,perfettoeirraggiungibiledelsaggiostoicodiventato,sottolinfluenzadiEpicuroedellaStoadimezzo,
unmodello non solo possibile,ma vincolante. Ver RICHARDSONHAY
(2006)adEp.6.56,11.810.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca275
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
transi:cumCatonibusuiue,cumLaelio,cumTuberone.QuodsiconuiuereetiamGraecisiuuat,cumSocrate,cumZenoneuersare.
Sequeresabandonarosvciostensdeafastartedosexemplosqueconvidamaovcio.Oavarento,osedutor,ohomemcruel,ovigarista(quejbemnocivosteseriamseapenastefizessemcompanhia!)estomesmodentrodeti.Juntatecompanhiadoshomensdebem,convivecomosCates,comLlio,comTubero.Sepreferirestambmoconvviocomosgregos,juntateaScratesouaZeno.
De indicaesgerais sobrecomoprocederem
relaoaessesexemplos,Snecapassaprpriaconcretizaodetalmtodo.Em67.13,elepedeaLuclioqueimagineestardiantedeCatonomomentoemqueestecometeu
sucdio, e convidaopupilo a fazer certasperguntas aoheri
estoico.Catoretornaem71.15,destafeitaparaoportunizarumalongafalasobreamortalidadedetodasascoisaseassimauxiliaraargumentaodeSneca.
Almdadivindadenointeriordohomem,portanto,ooutrovaisemanifestargrandepartedasvezesatravsdeumexemplum.Masomodelohumanoaservenerado,nasuafunodevigiadasnossasaes,confundese
por vezes com uma noomais geral, pois a humanidade tambmatua como
testemunhadenossavida.Assim se expressa SnecanaCarta10.5, onde os
homens vm se juntar ao deus no papel de observadoresinterlocutores:
vive comoshomens como se adivindade teobservasse;fala comadivindade
como seoshomens te escutassem.Aquio filsofoest sugerindo que, ao
pronunciar uma orao, o indivduo deve pedirapenas coisas honestas,
de que no se envergonhe caso outras pessoasvenhama saberoque
imploraaodeus.Nestascircuntncias,a
sociedadetornaseessencialcomoelementoreguladordaspaixes.
ViverescondidoComamigos?
Umaperguntapossvelnestemomento:comoconciliaressepapelpositivoatribudoaoutremcomoelogioda
solidoqueumdos
traosmaismarcantesdasCartas?Ora,associadoaotemadaintrospeco,encontramosemSnecaatpicadanecessidadedeseevitarovulgo.32Aturbanefastapois
ignoranteeafeitaspaixes,eportantodarmausexemplos;maisque
isso,amultidonos toma tempo:conviveremsociedadee tran
32ComoobservaHABINEK(1998)13750,aquiatuatambmumatransfernciada
ideologiaaristocrticaromanaparaoplanofilosficodeumaaristocraciadavirtude.
-
276
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
sitar pela vida pblica implica dar ateno a umamirade de pessoas
egastarodiaem
inmeroscompromissos.Paraassumiremanterumcargopblicoprecisosemostrarprximodomododeverascoisasdaspessoasqueseconsagramaessasatividades.Queespaopodeterafilosofianumavidaassimconduzida?Ondeotempoparaoestudodascoisasmaisimportantes?Sneca
entendeque tudodevemos fazerpara evitarum
cotidianooprimidopornegcios,disputaspolticasefestas.Oquenoslembraoprincpioepicuristado(fr.551Usener).Ociofilosficotambmtinhaseusantecedentesnoprprioestoicismo.Plutarcoobserva,no
inciode seu opsculo sobreAs contradies internas dos estoicos, que
os antigosmestresdaStoa,apesarde teremescritobastante
sobrepoltica,passaramtoda a sua existncianomais completocio
(verMoralia 1033A1034B).Defato, impossvel para o estoico participar
de uma
sociedadecorrompidaoudeumgovernotirnico;eledeprefernciaseretiradavidapblica,
ou, no caso de no poder evitar a violncia de outrem e se
verimpedidodecontinuarsendotil,legtimoqueoptepelosuicdio.33
Tais reflexes, que preenchem tambm vrias pginas das
Cartas,assumem especial significado quando lidas luzda biografiade
Sneca.Nonos cabeaqui revisitaras fontes sobreavidado filsofo,34mas
lembremos que teve um papel de relevo na vida pblica romana em
vriasfasesdesuavida,participaoquealcanouumpontoculminantenoprincipadodeNero,quandoSnecadesempenhouopapeldeamicusprincipis,umaespciedeministrodeestadonooficial,eocupouamaisaltamagistraturadarepblica,oconsulado,em56.Nomomentoemqueresolveretirarse,Sneca
jumidoso.Suamorteocorreem65durantearepressoaos conjurados que
pretendiam assassinarNero e substitulo por
Piso.NodeixadesercuriosoofatodequeSneca,oVelho,paidofilsofo,noprefciodosegundo
livrodesuasControuersiae,obradedicadaaseus trs
33Sobrerazesparaosuicdioentreosestoicos,verSVFIII,p.16,fr.67;pp.18791,
frr.75768.UmaboasntesedessaquestopodeserencontradaCic.Fin.3.601(=SVF,III,pp.
18990, fr. 163). Sneca aborda o problema do suicdio diversas vezes
(e.g. Ep.
24;58.327;70;77;98.1518;104.35).VerSummers(1910)2524,Lampe(2008)801.
34Amplamentediscutidasnas contribuiesdeGRIMAL (1978),GRIFFIN
(1992) eWILSON(2014).
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca277
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
filhos,Mela(paideLucano),NovatoeSnecaJnior,observaqueMelaoquemais
tem
talentosretricosemaissemostraavessosambiespolticas;porconseguinte,Sneca,oVelho,exortaoa
sededicaraosestudos,enquanto comentaque seus irmos (a includoonosso
filsofo) so ambiciosos e esto sepreparandoparao frum eos
cargospblicos (Contr.2.praef.34).Amaneira comoo rhetor
seexpressadenunciauma sriapreocupao comNovatoeSneca Jnior.A
frasequeprecedeo
comentriosobreasambiesdestesdirigidaaMela:Eratquidemtibimaius
ingeniumquam fratribus tuis [...]: est ethoc ipsummelioris
ingeniipignus,non
corrumpibonitateeiusutillomaleutaris.35Tutinhasummaiortalentoqueteusirmos[...]:umaprovadesuperiortalentoestamesma:nosedeixarcorromperporsuaprpriaqualidadeapontodeuslamal.
inevitvelpensarnopapelqueSneca,oNovo,viriaaterimediatamenteapsoassassinatodeCludioenasua
funodeghostwriterdosdiscursosdeNero.O tomangustiado com que o
filsofo Sneca por vezes fala de suas
imperfeies,aurgnciacomquecriticaafaltadecoernciaentreaspalavraseosatosemmuitosaspirantes
sabedoria (e.g.24.19), soqui respostasaumavidaque decorreu sob o
signo demuitas contradies, ou, como alguns
preferem,soboestigmadahipocrisia.36Dequalquer
forma,asEpistulaeestorepletasdediscussessobreocioecomomelhoraproveitlo,edeumaenormedesconfianaemrelaovidapblica.
ACarta7,porexemplo,dominadapelotemadafugamultido,edbastanteespaocrticadaquelesquebuscamoaplausodopopulacho.Issoporvezesseradicalizaemdireoaoafastamentodetodasaspessoas,talcomoemEp.10.1:evitaasmultides,evitaospequenosgrupos,evitamesmoos
indivduos isolados.Noconheoningumcomquemgostedete ver em
comunicao.Repara,porm,no juzo que fao a teu respeito:ouso confiarte
a timesmo (fugemultitudinem, fuge paucitatem, fuge etiam
35Ed.WINTERBOTTOM(1974).36Aacusaode
incoernciaentreoqueofilsofopregavaemseusescritoseo
modo como conduzia sua vida pblica e privada j aparece na
Antiguidade emTac.Ann.13.42,que
registraosataquesdeP.Suillius,eemDioCssio61.10.26.UmaeminentevozmodernaqueecoaessacrticaadeBertrandRUSSELL(1946)283.WILSON(2014)67discuteoconceitodehipocrisiaesuaaplicabilidadepocadeSneca.
-
278
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
unum.Nonhabeocumquotecommunicatumuelim.Etuidequodiudiciummeumhabeas:
audeo te tibi credere).Em31.23,omitohomricodeOdisseu
edassereiasusadoparaindicaranecessidadedesefecharosouvidosvozdaturba.AEpistula51,umaferozinvectivacontraosprazeres,convidaaevitarlugares
que atraemmuitos turistas em busca de festejos lascivos, comoBaias
eCanopo. Isso contrasta com avisodaEp. 18.18, emque
SnecaencaraapossibilidadedeparticipardasSaturnaissemqueafestaofaacairnaluxria.Seoestudantedafilosofianocapazdesemisturarmultidoeresistiraodano,estareleforteosuficiente?37Sentirseinseguroquantoprpriaconstantiadevenosfazerevitarterrenosperigosos.38Em14.4,Snecaafirma
sentenciosamente: nada nos abala mais do que os
malesocasionadospelaprepotnciaalheia
(nihilnosmagisconcutitquamquodexalienapotentiainpendet).Osperigosgeradospelodio,medoedesprezodapartedosoutrospara
conosco levamno apropor, em 105.6, como formamais
eficazdeproteo,remetermonosvidaprivada, evitandoomaispossvel falar
com os outros, e falando omais possvel apenas com
nsprprios(quiescereetminimumcumaliis
loqui,plurimumsecum).NoDeotio1.1,Snecajdeixaraclaro:nobismagnoconsensuuitiacommendant.Licetnihilaliudquodsitsalutaretemptemus,proderittamenperseipsumsecedere:melioreserimussinguli,emunssonoeles[sc.oshomensmaus]nosrecomendamosvcios.Mesmoquenotentemosnadamaisquenossejasalutar,jseremsi
mesmo til apartarnos: seremos melhores isolados.39 Os
mesmosprincpiosparecemnortearasCartas,ondeumafilosofiaquebuscaagradaramuitos
vista como uma filosofia prostituda (52.15). Um
sentimentoquaseparanoicoseadivinhaem7.2: Inimica
estmultorumconuersatio:nemo
37VerFOUCAULT(1984)834.CompareseaEp.56,dedicadaaexporcomosepode
manteroespritoimperturbvelmesmoentreosrudosdacidade.VerSUMMERS(1910)234:thephilosophermustrisesuperiortomereexternals.
38NotarEp. 71.30: Nesseponto ser nosso o erro se
exigirmosdeumprincipiante[aproficiente]aquiloqueexigimosaosbio.Peloquemetoca,aindaestounafasede
assimilao destes princpios, ainda no atingi a fase da completa
persuaso;
emesmoqueativesseatingido,noteriaaindatempoparaosterdetalmodoassimiladoepraticadoqueelesmepudessemocorreremqualqueremergncia.VerINWOOD(2007)198.Paraoproficiensestoico,veraseoseguinte.
39Trad.SEABRAFILHO(1994),comadaptaes.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca279
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
non aliquod nobis uitium aut commendat aut inprimit aut
nescientibus adlinit.Vtique quo maior est populus cui miscemur, hoc
periculi plus est,
nosprejudicialoconvviocommuitagente:nohningumquenonospassealgumvcio,noscontagie,noscontaminesemnosdarmosporisso.Porisso,quantomaioramassaaquenosjuntamos,tantomaioroperigo.Recedeinteipsequantumpotes,dizamesmacartaalgumaslinhasdepois(7.8).
Aesseisolacionismose
juntaaidiaestoicadequeosbiononecessitadeningumparaatingira
felicidade, jqueapresenadavirtude
obastanteparatanto,independentedequaisqueralteraesexternas(Ep.9.13:Secontentusestsapiens).Assim,aoperderumfamiliarouumamigo,osbiosenteo,
mas no se abala (9.3, 74.256), porque sabe que tal perda
nodiminuiasuavirtude.40Estapermanecendoamesma,nohdoroudesastreque
produza infelicidade. Se nos convencemos de que o sumo bem
servirtuoso,nohdiferencaessencialentreumsbioquetemamigosevivenoconfortoeumsbioqueestsozinhoedoente.aconscinciadeseagircomretidoqueafontedafelicidade,noosresultadosprticosqueseobtm(85.32,76.29).Comoavirtudealgoquedependeunicamentedoindivduoequenadanemningum
lhepode roubar, emltima instncia o
sbiononecessitadeamigos.Querentreamigos,quercondenadoaumdeserto,elesempre
feliz.Osbio
tambmnoprecisaderiquezas,sade,sucesso;edamesmaformalhesoindiferentesosinimigoseascatstrofesquevenhamaatingilo.Pensemosaquinoconceitoestoicodeadiaphoraou
indifferentia,41ascoisasquenofazdiferenapossuirouno,ousituaesquenadaalteramacondiointeriordosbio,quesempredeliberdadeetranquilidade(verEp.82.1017,117.89).42Asriquezasouosucessonolhesobemcabeaenootornamimpudente,atorturanoabalasuasconvicesemuitomenosoforaatrairseusprincpios.Snecanoafirma,emnenhummomentodesuaobra,que
a amizade um adiaphoron. Vejamos, no entanto, o seguinte
trecho(Ep.9.45),dequeemseguidaoferecemosaparfrase:
40ParaumadiscussodaEpistula9esuavisodaamizade,verSCARPAT
(1975)
189201.ComparesePETERLINI(1999).41Vere.g.SVFI,pp.478,frr.1915;III,pp.289,frr.11719.42VertambmDeuitabeata22.4.
-
280
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Si illi manum aut morbus aut hostis exciderit, si quis oculum
uel oculos casusexcusserit,reliquiae illisuaesatisfacienteterit
inminutocorporeetamputato tam laetusquam [in] integro fuit; sed
quae sibidesuntnondesiderat,nondeessemauult.
Itasapienssecontentusest,nonutuelitessesineamicosedutpossit;ethocquoddicopossittaleest:amissumaequoanimofert.
Isto,seuminimigoouumadoenaarrancaraosbioumapartedocorpo,aspartes
restantes lhe sero suficientes,e ser to
felizquantoeraquandotinhaocorpointeiro.Massenosentefaltadaquiloqueperde,nodesejar(nonmauult,noprefere),porisso,perdlo.Assim,osbio,quesecontentaconsigomesmo,nodesejar(nonuelit,noqueira)estarsemumamigo,maspodersuportaressasituao,casovenhaaperdlo.Ousodoverbomalo,preferir,eacomparaoentreaperdadeumapartedocorpoeaperdadeumamigo,sugerequeaamizadepoderiaestarnaquelacategoria
de adiaphora que os estoicos chamam os preferveis(), opostos aos
rejeitados ().43 Talvez
daSnecapoderafirmar(Ep.9.1314):secontentusestsapiensadbeateuiuendum,nonaduiuendum;adhocenimmultis
illirebusopusest,ad illud
tantumanimosanoeterectoetdespicientefortunam.[]Ait[sc.Chrysippus]sapientemnullareegere,ettamenmultisillirebusopusesse.Ouseja,osbiocontentaseconsigoparaviverfeliz,masnoparaviver,poisviverfeliznodependedoprolongamento
da vida. Para simplesmente viver, ele precisa demuitas
coisasparaousocotidiano(9.14:adcotidianumusum);paraviverfeliz,apenasdeum
esprito so.Quando eleusa a afirmaodeCrisipo, segundooqualosbiono
carecedenada, conquantoprecisedemuitas coisas,atuaadiferenaentre
egere,sentir faltadealgo indispensvel,eopus
esse,que,emborapossasignificarsernecessrio,empregaseaquicomosentidodeserpreciso,masnoimprescindvel.44ComocolocaScarpat:Essaautar
43SVFIII,p.28,fr.117;p.31,frr.127e128.Ofr.128diz,nofim:Chamamsepre
ferveis,noporcooperaroucontribuiremalgoparaa
felicidade,masporser forosofazer deles a escolha frente aos
rejeitados.Ver FANTHAM (2010) 279 (sobre Ep.
9.4):theStoicsclassifiedmaterialassets
likehealth,strength,beauty,wealth,andstatusasindifferents,because
theywerenotmorallynecessary,but sawnomerit in
rejectingassetswhichmadeiteasiertopractisevirtue.
44GUMMERE(1918)50,n.b.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca281
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
quiaestoicanoaausnciadenecessidades[],masautossuficinciadosbioemqualquersituaoemqueseencontre.45
Assim,aCarta9,emqueSnecadefendea
ideiadequeosbiosemamigosnoporissomenosfeliz,ofilsofotemderefutarasobjeesdosepicuristas,pelosquaisaamizadetidaemaltaconta.46Snecaexplicaqueosbionodesejanoteramigosouperdlos,maspodeprescindirdeles.Defrontaseofilsofocomaseguintepergunta(Ep.9.16):Comosereventualmenteavidadosbiosetombarnocativeiro,isoladoesemamigos,sefor
abandonado nomeio de um povo estranho, se errar pelo oceano
emgrandestravessias,seforpararaumlocaldeserto?Qualistamenfuturaestuita
sapientis, si sineamicis relinquatur incustodiamconiectusuel
inaliquagente aliena destitutus uel in navigatione longa retentus
aut in desertum
lituseiectus?ArespostadeSnecabaseiasenumanoocomumavriasescolasfilosficashelensticas,adequeosbiocomparveldivindade:47
Qualis est Iovis, cum resolutomundo et dis in unum confusis
paulisper cessantenatura adquiescit sibi cogitationibus suis
traditus.Tale quiddam sapiens facit: in se reconditur,secumest.
Ser como a vida de Jpiter: quando o universo se dissolver e
todos os deuses
seconfundiremnaunidade,quandogradualmenteanaturezaforperdendoomovimento,elerepousaremsimesmo,todoentregueaseupensamento.Omesmofarosbio:fecharsedentrodesi,estarnapresenadesiprprio.48
Semconsiderar,contudo,
talsituaoextrema,aoperderumamigo,osbioprocuraroutro(Ep.63.11),poisparaoestoicoaamizadetambmalgobelssimo(Ep.9.12),enossentimosatradosporelaemfunodeumadisposionatural(17:naturalisinritatio);tambm,porqueoamigoumaoportunidadeparaexercitaraamizade,queumagrandevirtude(8:magnauirtus),paraquetenhamosalgumporquemmorrer,algumparaseguirnoexlio
(10).De fato,paraCrisipo (SVF III,p.161, fr.630),apenas
entreossbios pode surgir a verdadeira amizade, e por isso, segundo
Sneca,muitostmamigos,masnoaamizade(Ep.6.3).Poroutrolado,Ccero,emDenaturadeorum1.121,
informaque,paraosestoicos,o sbioamigode
45SCARPAT(1975)197.46Paraaamizadenoepicurismo,verBROWN(2009)18291.47Vere.g.Ep.92.3;SVFIII,p.157,fr.606;Lucr.5.8.48Cf.Ep.74.25.
-
282
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
outrosbiomesmosenooconhece,poisdesenvolveosentimentodeamizadepeloamordavirtudequevnooutrosbio,mesmodistante.Snecamostra
essa confiana na possibilidade de sempre encontrar um
novoamigo(Ep.9.5):TalcomoFdias,seperdesseumaesttua,imediatamenteesculpiria
outra, assim o sbio, verdadeiro especialista [artifex] em
fazeramizades, em lugar do amigo perdido depressa arranjaria outro.
Esseartficedeamizades,efetivamente, sempre terumamigo,aindaque
sejaeleprprio,comomostraSnecacitandoHecato(Ep.6.7):Comeceiaseramigodemimprprio.Muitolucrou:nuncaestarsozinho.Umtalamigo,ficasabendo,todaagenteotem.
Tal condiode total independnciadaquelequeatingiua
sabedoriacolocainevitavelmenteemquestoopapeldosbionasociedade,suafunona
repblica. primeira vista, no h no estoicismo a exigncia de que
osbio,paraconservarouatingirtalstatus,sejacaridosoouajudeosseusconcidados.Muitomais
importante levar a cabo um processo interno
devitriasobreaspaixese,emfortecontradiocomum
impulsodesocializao,desprezartodaequalquerinflunciaexterna:oquealheioemnadadizrespeitoaesseprocessodecontroledesimesmo,epodemesmoviraperturblo.Sneca
inmerasvezesabordaesses
temasemostraseemperfeitaconsonnciacomoditoacima.NoDetranquillitateanimi14.2lse:
Vtiqueanimusabomnibusexternisinsereuocandusest:sibiconfidat,segaudeat,suasuspiciat,recedatquantumpotestabalienisetsesibiadplicet,damnanonsentiat,etiamaduersabenigneinterpretetur.
Sejacomofor,aalmadeverecolherseemsimesma,deixandotodasascoisasexternas:queelaconfieemsi,sealegreconsigo,estimeoqueseu,seaparteoquantopodedoquealheio,esedediqueasimesma;queelanosintaasperdaseinterpretecombenevolnciaatmesmoascoisasadversas.49
A sadadesse isolamento,que porvezes
inevitvelounecessrio,emdireoaorelacionamentocomoutrem,est,porassimdizer,noinstintobenfazejodosbio.Talcomoodeus,porquebom,fezomundoomelhorquepde(65.10),tambmosbioterumapropensonaturalparafazerobem,eissoimplicaserbomparacomosoutros.SeguindoaliodeMichel
49Trad.deSEABRAFILHO(1994),comadaptaesminhas.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca283
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Foucault,Edwards50observaqueocuidadodesiemSnecanopodesertotalmenteinteriorizado,maspreocupasetambmcomodesenvolvimentofilosfico
do outro.Quer dizer, o prprio voltarse para simesmo
acabadescobrindoemsiabuscadooutro(Ep.26.7:Haecmecum
loquor,sedtecumquoquemelocutumputa;48.2:alteriuiuasoportet,siuistibiuiuere).
Daapreocupaocomosmtodosdeeducaofilosficaqueemergeemalgumascartas(e.g.29,94,95).Oestoicismoantigo,deregra,contrrioaqualquer
tipodeornamentaododiscursoouqualquermanipulao
retricadasemoes,51defendendoemseulugarumdiscursoqueselimitaaexporaverdadecomclarezaeaconvencerpelaforadalgica(verEp.100,esp.4).Sneca,contudo,declarasea
favordeumdiscurso filosficoque,embora semantendodentrodos
limitesdaverdade,
apresenteadeumamaneiravvidaeimpactante,queobtenhasucessoaoprocurarincutiraprticadavirtude,queexorte
fortementeaoabandonodosvcios
(verEp.82.1924,87.3841,108.711).52ArevelasequeSnecadesejacomunicar,queconstrisuas
frasespara comover,que encontrano outro a razode serde
suaspalavras.Aserevelatambmasensibilidadedosbioparacomosofrimentoalheioeaquelesquepedemajuda.EmSneca,esseservioprestadoaoutremsemanifestadediversas
formas.Por vezes falasemesmo em sacrificarsepela conservao da
liberdade alheia ou pela ptria (Ep. 120.7); por
outrolado,ganhamuitomaiordestaque,porassimdizer,afunoconsolatriadofilsofo,queoprprioSnecaassumeemvriosdeseusescritos:diantedador
do prximo, importa ensinlo a superar a dor,53 convenclo de
queaquiloqueovulgoconsidera infelicidadenaverdade indiferenteou
facilmentesupervel(e.g.Ep.63e99).Portanto,dentreosdiversosauxliosqueum
sbio pode prestar, a nfase acaba recaindo sobre o trabalho
didtico:ensinandose a sabedoria ensinase o outro a ser indiferente
aomales
quevmdefora.Emoutraspalavras,aaodofilsofoestmaiscomprometidacom
suportar os males exteriores do que com eliminlos do mundo.
50VerFOUCAULT(1984)745,EDWARDS(2008)[1997]901.51Paraateoriaretricaestoica,verLEIGH(2004)1289comn.54.52VerTRAINA(1974)3940.53VerWILSON(1997).
-
284
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Acorrespondncia com Luclio se insere no contexto desse tipo
deensinamento.
Emresumo,osbionoprecisadeamigos,emboradeseje,dentrodopossvel,terumamigo,eissoporuminstintonaturaldeatraopelooutro,noporqualquer
consideraoutilitria
(Ep.9.17).Ajudaroamigo,masnoparaserajudadoemtroca,poisele,tendojalcanadoosumobem,nonecessitadeajuda;ajudarporquefazerobemonaturaldosbio.Nocasoextremodeser
jogadonumdeserto,asbiovoltaseparasimesmoeestcontenteconsigomesmo,comovimosemEp.9.16.MasSnecamestreemnos
tiraro cho edestruirnossas certezas.Quando j estvamos
convencidosdequeasoluoencontradapelosbioexclusivamentedentrodesi,eleafirmaem109.9:osbionoconseguirmanteroseuestadoespiritualsenoaceitaracompanhiadealgunsamigosqueselheassemelhemecomosquaispratiqueemcomumassuasvirtudes(sapiensnonpotest
inhabitumentissuaestarenisiamicosaliquossimilessuiadmisitcumquibusuirtutessuascommunicet).
Inacessibilidade da sabedoria e necessidade de diversos
outros(interiores?)
Adificuldadedeserealizarnaprticaoidealdesabedoriaestoicoeraproverbial,eoprprioSnecaaissoserefere(Ep.104.26,116.7).Snecanoumsbio,edissotemconscincia.54TalcomoLuclio,elepertencecategoriadosproficientes,
isto,osqueaindaestoavanando,aquelesqueseesforamparaatingirasabedoria(ver71.2935,75.816).Paraestesaindamaisnecessriaaajudadooutro,especialmenteconsiderandoqueencontramosnoestoicismoantigoumaconceporadicaldesabedoriaquelananacategoriadaloucuraedamaldadetodoaquelequeaindanoatingiuasabedoria,mesmoquejtenhaprogredido.55Nessecontexto,asolidopodemesmoterumaspectomaligno.oqueseconcluidaEp.25.47:
54INWOOD(2007)xxi.VerEp.87.45,116.46.55nessesentidoqueCceroinforma,arespeitodosestoicos,emFin.3.48(=SVFIII,
p.142,fr.530):aquelequefezalgumprogresso[processit]emdireoaoestadodavirtude[aduirtutishabitum]noestmenosemmisriadoqueaquelequenadaprogrediu;ouemFin.
4.21 (= SVF III, p. 142, fr. 532): [vocs estoicos defendem] que
aqueles que
pornaturezaoupordoutrinamuitoavanaramparapertodavirtude,senoaalcanaramper
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca285
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
[...]Epicurus,cuiusaliquamuocemhuicepistulae inuolvam. Sic fac
inquit omniatamquam spectetEpicurus.prodest sinedubio custodem sibi
inposuisse
ethaberequemrespicias,queminteressecogitationibustuisiudices.Hocquidemlongemagnificentiusest,sicuiueretamquamsubalicuiusboniuiriacsemperpraesentisoculis,sedegoetiamhoccontentussum,utsicfaciasquaecumquefaciestamquamspectetaliquis:omnianobismalasolitudo
persuadet. Cum iam profeceris tantum ut sit tibi etiam tui
reuerentia,
licebitdimittaspaedagogum:interimaliquorumteauctoritatecustodiautCatoillesitautScipioautLaeliusautaliuscuiusinteruentuperditiquoquehominesuitiasupprimerent,dumteefficiseumcumquopeccarenonaudeas.Cumhoceffecerisetaliquacoeperitapudtetuiessedignatio,
incipiam tibipermitterequod idem suadetEpicurus: tuncpraecipue in
te
ipsesecedecumessecogerisinturba.Dissimilemtefierimultisoportet,dumtibitutum[non]sitadterecedere.Circumspicesingulos:nemoestcuinonsatiussitcumquolibetessequamsecum.Tuncpraecipueinteipsesecedecumessecogerisinturbasibonusuir,siquietus,sitemperans.Alioquininturbamtibiaterecedendumest:isticmalouiropropiuses.
Serdestefilsofo[deEpicuro]afrasequevouinserirnapresentecarta.Eila:ProcedeemtudocomoseEpicuroteestivesseobservando!til,semdvida,termosacimadensumguardio,algumcujaaprovaoprocuremos,algumque,porassimdizer,participedenossospensamentos.De
longemais importante serviver como se estivssemos
sempreperanteoolhardealgumhomemdebem;eujmedareiporsatisfeitosetuagiressemprecomoseestivessesaserobservado,poisasolidoconselheiradetodososvcios.Quandotiveresprogredidoapontodeteresomaiorrespeitoportiprprio,entopodersdispensaropedagogo.Por
enquanto, acolhete protecode alguma autoridade:pode ser
ograndeCato,ouCipio,ouLlio,ououtroqualquer,daquelesemcujapresenamesmooshomensmaisdepravadosreprimiamosseusvcios.Istoenquantoestsfazendodetiumhomememcujapresenanoousesprevaricar.Quandotiveresatingidoestenvel,quandocomearesasentirrespeitopor
timesmo,entoeucomeareiapermitirque
faasaquiloqueEpicuroigualmenteaconselha:Refugiatedentrodetiprprio,emespecialquandoforesforadoaestarnomeiodamultido.bomque
te
tornesdiferentedamaioria,desdequepossasrefugiartecomseguranadentrodetimesmo.Reparanocomumdaspessoas:todasteriammaisproveitonacompanhiadealgumquenofosseelasprprias!Refugiatedentrodetiprprio,emespecialquandoforesforadoaestarnomeiodamultido!masssetuforesumhomemdebem,tranquilo,moderado.Doutramaneiradevesprocurarrefgionamultidoefugirdetimesmo,escapandoassimpresenantimadeumhomemsemcarcter.
Namesmalinha,SnecacontaumaanedotaarespeitodeCrates,que,tendovistoumjovemquepasseavaass,perguntoulheoquefazia.Como
feitamente, esto na completa infelicidade [nisi eam plane
consecuti essent, summe
essemiseros],equenohdiferenaalgumaentreavidadeleseadosmaisperversos.VerSVFIII,p.143,fr.536(DigenesLarcio7.127):,Sodoparecerdequenohummeiotermoentreavirtudeeovcio.
-
286
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
esterespondesseFalocomigomesmo,Cratesretorquiu:Cuidado, tomabem
atenonoque fazes:olhaque ests falando
comumhomemmau(Ep.10.1;cf.104.78).PorissoSnecafazquestoderessaltarqueocionopode
ser exercido margem da cultura, situao que equivale morte(82.3), e
que de nada adianta evitar amultido por um sentimento
dederrotaemrelaoaosucessodosoutros,ouparaseentregaraumaexistnciasolitriadedicadaaosonoevolpia(55.35).Oprprioisolamentonumavidacontemplativatemseusperigos,jqueexcluirsetotalmentedasociedade
pode equivaler a alardear em excesso uma suposta virtude.Osbio no
precisa dessa propaganda, e ela pode mesmo ser
nocivaquandoatitudesdemasiadoantissociaisacabamporatiaracuriosidadedaturba(vere.g.19.2,68.35).
Nesse caminho em direo virtude, Sneca e Luclio so
companheirosntimos(ver6.23).Comovimosacima,arelaoentreelesimplicacolaborao
na tentativa de superar as paixes e os temores que
aindaassolamosproficientes.Essarelaotambmcheiadeafeto.Easdescriesdessa
intimidadeedesseafetochegamasugerirumLuclio interiorizado.Luclio
eoprprio Sneca acabammesmopor tornarsepraticamente
indissociveis.OoutrocomqueSnecaporvezesdizsepreocupar,que jse
limitamuitasvezesaodiscpuloescolhidoLuclio,esse indivduo
selecionadoedestinadoaumarelaontimaequedecorreparte,longedosrudosdovulgo,essealunoquaseseconfundecomoprprioeudoprofessor.Cabemaquialgunsexemplos.Logonoinciodacoleo,arelaodeamizadeapresentadacomonecessariamentesincerae
ntima (3.23): tamaudacitercum illo [sc.amico] loquerequam tecum.
[...]cumamicoomnescuras,omnescogitationestuasmisce.[...]quidestquaremecoramillononputemsolum?(falacomele[sc.oamigo]deformatoaudazquantocontigomesmo.[...]compartilhacomoteuamigotodososteuscuidados,todososteuspensamentos.
[...]Quemotivo pode levarme a nome considerar diante
delecomoseestivessesozinho?).Ocontuberniumadotadopelosepicuristas,i.e.,ocostumedediversos
filsofoscompartilharemamesmacasa,elogiadoumpoucomaisadiante(6.6).OobjetivodasCartas,dizseem23.1,beneficiarLuclioeoprprioSneca:Euescrevoaquiloquepossasertiltantoamimquantoa
ti.Eoqueser issoseno teexortarconquistadasabe
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca287
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
doria?AproximidadeespiritualentreSnecaeseualunotal,queaprpriacomunicaotornasequasesuprflua(32.12):
Inquirodeteetabomnibussciscitorquiexistaregioneueniuntquidagas,ubietcumquibusmoreris.Verbadarenonpotes:tecumsum.Sicuiuetamquamquidfaciasauditurussim,
immotamquamuisurus.Quaerisquidmemaximeex
iisquaedeteaudiodelectet?quodnihilaudio,quodpleriqueexiisquosinterrogonesciuntquidagas.Hocestsalutare,nonconuersaridissimilibusetdiuersacupientibus.
Atodagentequevemldastuasbandaseuperguntoporti,procurosabercomovais,ondeecomquemcostumaspassarotempo.Nopodesenganarme:estounatuacompanhia.Vivecomosetodososteusactosmefossemrelatados,oumelhor,comoseeuprprioassistisseaeles.Daquiloqueoiodizerdetisabesoquemedmaissatisfao?noouvirdizernada,umavezqueamaiorpartedaquelesqueeu
interrogo ignoraoque
tuandasfazendo.Aestumacoisasalutar,noterelacionarescompessoasde
ndoleeobjectivosdistintosdosteus.56
Sneca,porm,noimuneaosefeitosdasaudade(49.1):AminharecentepassagempelaCampnia,emespecialporNpolesepelatuaqueridaPompeia,despertou
emmim incrveis saudades tuas [desiderium tui]:osmeus olhos enchemse
com a tua imagem [totus mihi in oculis es].tambm nestamesma Carta
49 que vemos Sneca num dos
seusmomentosdemaiorfragilidade:elepareceprecisardeLucliomaisquenunca,e
lhe pede omesmo tipo de aconselhamento e exortao que ele
Snecaacostumaraseaproporcionar:Amortepersegueme,avidaescapaseme.Ensiname
[me doce] o que fazer nesta situao [...].Dme coragem
[...].Ensina[doce]queoqueavidatemdebomnoasuadurao,masomodocomoaempregamos,etc.(49.10).MastologoSnecarecebeumacartadeLuclio,comoseelesestivessemjuntos(40.1).Paraofilsofo,comovimosacima,possvelestarcomosamigosmesmoquandoestesestoausentes.Eoprazerdaamizadesuperiorprecisamentequandoelesestoausentes,enquantosuapresenaconstantenostornaquaseindiferentesasuacompanhia,
Sneca afirma na Carta 55.9. Ademais, mesmo encontrandose
namesmacidade,comumqueosamigospoucoseencontrem,perdidosqueestoemsuasinumerveisocupaes.dentrodaalmaquedevemosteroamigo,eaalmanuncaseseparadens
(55.11:Amicusanimopossidendusest;hicautemnumquamabest).Poderamosdizerquevenceaquioprimado
56Cf.Ep.50.1.
-
288
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
daamizade imaginria.Em34.2, emergeumaposio extrema,quepodemesmo
ser usada como argumento para defender o carter ficcional
dasEpistulae: Adsero temihi;meum opus es, Tu ests ligado amim, s
obraminha.Dapodermosavanara interpretaodesseoutro,desse
companheiroLuclio,comoumdesdobramento
interiordoautordasEpistulae.LogonaCartaseguinte,Snecaparececoncluiroretratodeumatotalsimbiose,num
tomque se aproximadoque encontramosna elegia
amorosa(comumlevetoquedevampirismo):
Cum te tamualde rogout studeas,meumnegotiumago:habereamicumuolo
[].Festinaergodummihiproficis,neistucalterididiceris.Egoquidempercipioiamfructum,cummihifingounonosanimofuturosetquidquidaetatimeaeuigorisabscessit,idadmeextua,quamquamnonmultumabest,rediturum.
Aoincitarteinsistentementeaoestudodafilosofiaestoutrabalhandoemmeuproveito:quepretendoterumamigo[...]Apressate,pois,enquantopodessermeproveitoso,nova
tua aprendizagem redundar em benefciode outro qualquer!Eu j estou
antevendo
oresultado,jimaginocomonsdoishavemosdeterumasalma,eseiqueoqueaminhaidadejperdeuemvigorpoderreceblodatua,emboranomuitodistante(35.12).
As outras formas de interlocuo citadas ou praticadas nas
Cartasapontamparaalgosimilar.ApesardeSnecarealizaroquepropeemtermosdefazerusodosexemplahistricoscomoparticipantesdeumaespciededilogo,porvezeshuma
tendncia auma certa abstraodos
interlocutores.Jnosreferimossmuitasocasiesemquevozesannimasinterpelamoautor.Outrasvozes
estoameiocaminhodessas
falasabstratas:porexemplo,afaladanaturezaem22.15,ouodiscursodafilosofiapersonificadaem53.10.PorvezesSnecaquemsedirigeataisentidades,comona
sua apstrofe dor em 24.14. Comentei acima que a presena
dadivindadeemnosso interiorumdos
fatoresdealteridadequeajudamoindivduoamanterconstantevigilnciasobresimesmoeevitarosvcios.Mas
se no estoicismo o deus perpassa toda a natureza, e o ser
humano,fazendopartedessanatureza,tememsiadivindade,57comonopensarquea
interlocuo com o deus tambm uma conversa consigo mesmo?Em41.5,
Sneca esforase por distiguir deus de nossa alma, e
conservarassimtalprincpiodealteridade:
57VerFOUCAULT(1984)1289.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca289
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
Quemadmodumradiisoliscontinguntquidemterramsedibisuntundemittuntur,sicanimus
magnus ac sacer et in hoc demissus, ut propius [quidem] diuina
nossemus,conuersaturquidemnobiscumsedhaeretoriginisuae;illincpendet,illucspectatacnititur,nostristamquammeliorinterest.
Osraiosdosolatingem,certo,aterra,masestonolugardeondeemanam;domesmomodoessaalmaexcelsaedivina,descidaatnsparanos
fazerconhecermaisdepertoadivindade, embora estando em nossa
companhia, mantmse ligada s suas
origens.Emanaoceleste,paraocuqueolhaesedirige,eestentrenssabendoquenarealidadeestacimadens.
Habitando o espao dessa interioridade, encontramos, quem
sabe,umaoutrainstnciacomqueoindivduoserelaciona:aconscincia.58Nofr.14Haase,amesmapalavracustos,guardio,protetor,queSnecautilizaparasereferiraosexempla
(Ep.25.5)edivindadequeestdentrodens (41.2),empregadaparase
referirconscientia:custos te tuus
sequitur.[]quidtibiprodestnonhabereconsciumhabenticonscientiam?,teuguardiote
segue. []deque teadiantano teralgum ciente [doque fizeste],
setensaconscincia?NasEpistulae,apalavraconscientiaapareceemdiversasoportunidades,comonoinciodaCarta8,ondeelarepresentaorefgiodequem
se separadamultido: Tume inquis uitare turbam iubes, secedere
etconscientiaessecontentum? []Ento tumeordenasevitara
turba,perguntas, apartarme e contentarme comminha conscincia?
[]NaEp.97.16, a conscincia acusa os criminosos e osmostra a
simesmos comoso. Na 105.7, a prpria conscincia impede os homens
violentos decontinuar a agir, e obrigaosmesmo a prestar contas de
seus crimes.Desta vez estaramos, talvez,mais proximos do eu, de um
espcie
deinstnciadapersonalidade,59queapesardesecomportarvoltaemeiacomo
58SobreaorigemeossignificadosdeconscientiaemSneca,verMOLENAAR(1969)
eHIJMANSJR.(1970).59Almdeconscientiacomooconhecimentocompartilhadocomalgumecomoo
estadodeconscinciaqueoindivduotemdequeagiudedeterminadaforma(boaoumconscincia),MOLENAAR
(1969)174 tambmadmiteosentidodeakindoforganof
thehumanpersonality[]aspacewhichcanbefilled.Oautorrelutaaoestabelecimentodeuma
relao entre conscientia e anoode custosobseruatorque encontramos
emoutraspassagens,associandoestaltimaentidadeaodeusinteriorqueencontramosemEpicteto(
ou ). Mas, como observa HIJMANS JR. (1970) 1901, Molenaar
noconsideraofr.14Haase.AafirmaodeFERRARI&PINARD(2006)76dequeosentidodeconscientiaalipresentestillessentiallypubliccarecedemelhorexplicao.
-
290
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
umoutro,maisseassemelhaaumafunodaprpriaalma,quepodesemanifestarcomoboaoumconscincia(e.g.97.12e122.14).Talvezsejanocampo
da conscientia que devamos entender o funcionamento domecanismoque
fazSneca to frequentemente falar consigomesmo, como
em57.6.Pormaisqueosexempla,odeus,Luclioeoutrasformasdealteridadeconservem
uma certa autonomia nos textos senecanos, todas
essasinstnciaspassamporumprocessodeinteriorizao.quinaconscientiaqueelasencontramseucampodeao.
Sneca reconhecequea luta comosprpriosvcios
exigemuitodoindivduo,equenessalutasobramuitopoucotempoparaavidaexterior.Aum
talponto,quemesmoosbioestarmaisdispostoa
fruiraprpriavitriadoquecombaterosmalesalheios(28.7):
Dissentioabhisqui in fluctusmedioseuntet
tumultuosamprobantesuitamcotidiecum difficultatibus rerummagno
animo conluctantur. Sapiens feret ista, non eliget,
etmaletinpaceessequaminpugna;nonmultumprodestuitiasuaproiecisse,sicumalienisrixandumest.
Noconcordocomaquelesqueseatiramparaomeiodasvagaseque,levandoumavidadeagitao,lutamdiariamente,comamaiorcoragem,contraasdificuldadesdasituao.Taltipodevida,osbiopodesuportlo,masnoescolhlo;preferirviverempaz,enoemconflito.quepoucoadianta
teralijadoosprpriosvciosparaandaracombaterosalheios.
Aoqueparece,pormaisqueSneca
faaquestoderessaltarqueosbiotendeabeneficiarosoutros,nossofilsofonosuperainteiramenteoproblema
da falta de comprometimento com outrem que, ele bem
sabe,umdospontosfracosdoestoicismo.Umasoluoestnacrenadequeavida
contemplativa do sbio redunda em bens para a humanidade,
namedidaemqueoconhecimentosobreouniverso,sobredeuseohomem,transmitidopelofilsofoposteridade.Ooutro,ento,queseapresentarestritoaLucliooumesmoaumdesdobramentodoprprioeudofilsofo,
tambm tem seusmomentosdeexpanso,quandochegaaenvolvertodoomundo,
incluirahumanidade inteira.Ofilsofoentoumgenerishumani paedagogus
(89.13), e a vida do filsofo tornase uma rplica
nodilogocomospsteros:posterorumnegotiumago(8.2;cf.79.17).JnaEp.8aparecera
a idia de isolarse para servir a filosofia, e por
consequnciaserviratodos.Essaposturadegenerosidade,contudo,nomantidacom
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca291
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
totalcoerncianasCartas.NaEp.7.9,aprpriapossibilidadedeensinarvistacomoincerta:
Aliquisfortasse,unusautalterincidet,ethicipseformandustibieritinstituendusqueadintellectumtui.Cuiergoistadidici?nonestquodtimeasneoperamperdideris,sitibididicisti.
Podeserquecasualmenteapareaumououtrodecujaformaoeeducaotedevasencarregaratoelevaresaoteunvel.Masento,emproveitodequemestudeieu?Notenhasreceio:setiveresestudadoparatimesmo,notersperdidooesforo.
MesmocomtodoocalorqueaamizadeentreLuclioeSnecasugere,eapesardetantascartassededicaremnicaeexclusivamenteadarconselhosaodestinatrio,hummomento
emqueo filsofod a impressode
implodir.Someaprpriaconfiananessacapacidadedeserumguiadaconscinciaalheia,eficamosnovamenteabandonadossolidodeumalutaindividualcontraosmalesinteriores.RefiromeaogestoderecusadaCarta68.89:
Nolo nolo laudes, nolo dicas, o magnum uirum! contempsit omnia
et damnatishumanaeuitae furoribus fugit.Nihildamnauinisime.Non
estquodproficiendi
causauenireadmeuelis.Erras,quihincaliquidauxilisperas:nonmedicussedaegerhichabitat.
No,eunopretendoquemecubrasdelouvores,oumechamesumhomemadmirvelqueseretiroupordesprezarasociedadeecondenartodasaspaixesqueafligemoshomens!Uma
coisa apenas eu condenei: amimmesmo!No devers aproximarte demim
naesperanadequeeupossasertetil.Estsenganadosepensasquepodesencontraraquialgumauxlio:quemmoranestacasaumdoente,noummdico.60
EssedesabafovazadocomtaisextremosdepessimismonootomtpicodasCartas,mas
indicaumsrioabalonarelaoentreSnecaeseupupilo. Para nossa edificao,
talvez seja mais til ver em Sneca
umexemplumaumstempopositivoenegativo,nemosantoCatonemoperversoAlexandre,masumhomemmedocrequeoferece
como
espetculosuasmazelasesuapatticalutacontraaspaixes.Noentanto,oidealpraticamente
inalcanvel do sbio e de sua liberdade interior objeto deconstante
meditao nas Cartas, e acaba por constituir, de certa forma,
60 Para os paralelos que o pensamento antigo e, em particular,
Sneca esta
beleciamentreateraputicadocorponamedicinaeadaalmanafilosofia,verFOUCAULT(1984)757,79.Jvimosessetpicoacima,nofinaldaintroduo,naEp.27.
-
292
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
omodelodeumoutroabsoluto:osbio tudooquenosomos.61Essemodelo,
contudo, Sneca o descobre como um potencial em seu
prpriointerior.Frenteaesseparadigmaqueofilsofoconstriumaimagemconvincentedasuaedanossahumanidade.
Concluso
UmadasvertentesdasEpistulaemoralesadLuciliumoensinamentodeexerccios
demeditao (82.8: adsidua meditatio, [] exercueris []
animum)destinados ao aperfeioamentomoraldodestinatrio.Em conexo com
taisexercciosencontramosumtemarecorrente:odediversosoutrosquevivemou
podem viver em nosso interior e l desempenham o papel de
companheiros, testemunhas, ou mesmo juzes. Assim aparecem as
figuras
daconscientia(comoemEp.43.45),dadivindadequeviveemnsetudov(83.1,102.29),oudepersonagenshistricasquetomamoscomomodelosepassamaserelacionarconosconoplanoda
imaginao (11.810).Notase tambmnasCartas a presena constante do
discurso citado (como em 7.10), de interlocutores annimos (9.13),
de rplicas imaginrias representando
possveisobjeesouperguntasdeLuclio(2.4),oudecitaesdepalavrasqueoprprioSneca
teria pronunciado ou pensado em outras ocasies (8.35). Tais
procedimentos estilsticos sugerem que o problema do outro
interiorizadomanifestasenoapenascomotemticadacorrespondnciaentreSnecaeseupupilo:asCartasjsotambmumexercciodemeditaocumdialogo.Nelas,
diversas instncias de alteridade do a Sneca a oportunidade
deconfrontar suas ideias compontosdevistadiferentesdos seus.At
certoponto, aprpriapresenadessasoutrasperspectivas emdilogo
comoeusenecanoqueoobrigaasetornarumpensadortomaleveleatentoaosdiversos
ladosdecadaquesto.AsEpistulaemoralesseoferecemcomouma obra emque os
limites tnues entreodilogo e o solilquio so aomesmo
tempodiscutidosedramatizados.A tensoeomagnetismoentreessespolos (a
conversa eomonlogo) se traduzem
tambmnosdebates,frequentesnasCartas,sobreosprseoscontrasdeseestarcomosoutrosouunicamenteconsigomesmo.
61Paraumareflexosobreaangstiaquepodenascerdoconfrontoentreoscon
ceitosabsolutosdesabedoria/virtudeeloucura/vcionoestoicismo,verLAMPE(2008)813.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca293
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
BibliografiacitadaABEL, K. (1981), Das Problem der Faktizitt der
Senecanischen Korres
pondenz:Hermes109.4,472499.ABEL,K.(1985),Seneca.LebenundLeistung:ANRWII.32.2,653775.ALEXANDRE
JR.,M. (2002), CartasdeconsolaoaLuclio:anlise retrica
da Epistula 63 de Sneca:NASCIMENTO,A.A.,De Augusto a
Adriano.Lisboa,CentrodeEstudosClssicos,115.
BAKHTIN, M. (1984), Problems of Dostoevskys Poetics, ed. and
trans. byC.EMERSON.Manchester,ManchesterUniversityPress.
BROWN, E. (2009), Politics and Society: WARREN, J. (ed.), The
CambridgeCompaniontoEpicureanism.Cambridge,CambridgeUniversityPress,17896.
BURNET,J.(1901),PlatonisOpera,vol.2.Oxford,OxfordUniversityPress.CHIAPPETTA,
A. (1999), De tranquillitate animi como exerccio
espiritual:LetrasClssicas3,2338.
COFFEY,M.(1989),RomanSatire.2.ed.Bristol,BristolClassicalPress.DAVIES,M.(2010),ACommentaryonSenecasEpistulaeMoralesBook4(Epistles3041).Diss.Auckland.
DIELS,H.&KRANZ,W.(1951),DieFragmentederVorsokratiker,vol.1.6.ed.Berlin:Weidmann.
DOSSANTOS,M.M. (1999),
ArtedialgicaeepistolarsegundoasEpstolasmoraisaLuclio:LetrasClssicas3,4593.
DUDLEYD.R. (1937),AHistoryofCynicism fromDiogenes to
the6thCenturyAD.London,Methuen.
EDWARDS, C. (2008) [1997], SelfScrutiny and SelfTransformation
inSenecasLetters: FITCH, J.G. (ed.),OxfordReadings inClassical
Studies:Seneca.Oxford,OxfordUniversityPress,84101.
FANTHAM,E.(2010),Seneca,SelectedLetters.Oxford,OxfordUniversityPress.FARQUHARSON,A.S.L.(1944),ThemeditationsoftheemperorMarcusAurelius,
vol.1.Oxford,OxfordUniversityPress.FERRARI,M.&PINARD,A.(2006),DeathandResurrectionofaDisciplined
ScienceofConsciousness:JournalofConsciousnessStudies13.12,7597.FOUCAULT,M.(1984),HistoiredelasexualitIII:Lesoucidesoi.Paris,Gallimard.GOTTSCHALK,H.B.(1982),DiatribeAgain:LCM7,912.GOTTSCHALK,H.B.(1983),MoreonDiatribe:LCM8,912.
-
294
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
GRIFFIN,M.T.(1992),Seneca:APhilosopherinPolitics.2.ed.Oxford,OxfordUniversityPress.
GRIMAL, P. (1978), Snque ou La Conscience de lempire. Paris, Les
BellesLettres.
GUMMERE, R. M. (1918), Seneca, Ad Lucilium Epistulae Morales,
vol. 1.London;NewYork,Heinemann;G.P.PutnamsSons.
HAASE, F. (1902), L. Annaei Senecae opera quae supersunt, vol.
4: Supplementum.Leipzig,Teubner.
HABINEK, T. (1998), The Politics of Latin Literature. Princeton;
Oxford,PrincetonUniversityPress.
HADOT, I. (1986), The Spiritual Guide [in Classical
Antiquity]:ARMSTRONG, A.H. (ed.),World Spirituality: An
EncyclopedicHistory
ofReligiousQuest,vol.15.NewYork,Crossroad,436459.
HADOT,P.
(2002),Exercicesspirituelsetphilosophieantique.Nouvelleditionrevueetaugmente.Paris,AlbinMichel.
HICKS,R.D.(1925),DiogenesLaertius,LivesofEminentPhilosophers.London;NewYork,Heinemann;G.P.PutnamsSons.
HIJMANS Jr.,B.L. (1970), Conscientia
inSeneca:ThreeFootnotes:Mnemosyne,FourthSeries,23.2,18992.
HINE,H. (2010), FormandFunctionofSpeech in theProseWorksof
theYoungerSeneca:BERRY,D.H.&ERSKINE,A.(edd.),FormandFunctioninRomanOratory.Cambridge,CambridgeUniversityPress,20824.
HIRZEL,R.(1895),DerDialog.Leipzig,S.Hirzel.INWOOD,B.(2005),ReadingSeneca:StoicPhilosophyatRome.Oxford,Oxford
UniversityPress.INWOOD, B. (2007), Seneca, Selected
Philosophical Letters. Oxford, Oxford
UniversityPress.JOCELYN,H.D.(1983),DiatribeandtheBookTitle:LCM8,8991.JOCELYN,H.D.(1982),DiatribesandSermons:LCM7,37.JOCELYN,H.D.(1979),Horace:Epistles1:LCM4,1456.KER,J.(2009),TheDeathsofSeneca.Oxford,OxfordUniversityPress.LAMPE,
K. (2008), SenecasNausea: Existencial Experiences and Julio
ClaudianLiterature:Helios35.1,6787.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca295
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
LEIGH,M. (2007),Neronian Literature and Society Seneca,
Letters.Oxford,materialdidticonopublicado.
LEIGH,M. (2004), Quintilianon theEmotions
(InstitutioOratoria6Prefaceand12):JRS94,12240.
LI,W.(1993),Sneca,Sobreabrevidadedavida.SoPaulo,NovaAlexandria.MAYER,R.G.
(2008) [1991], RomanHistoricalExempla in Seneca: FITCH,
J.G. (ed.),Oxford Readings in Classical Studies:
Seneca.Oxford,OxfordUniversityPress,299315.
MAZZOLI,G.(1989),LeEpistulaeMoralesadLuciliumdiSeneca.Valoreletterarioefilosofico:ANRWII.36.3,182377.
MAZZOLI,G. (2000), LevocideiDialoghidiSeneca:PARRONI,P.
(ed.),Senecaeilsuotempo.Roma,Salerno.
MOLENAAR,G. (1969), SenecasUse of the
TermConscientia:Mnemosyne,FourthSeries,22.2,17080.
NEWMAN, R. J. (1989), Cotidie Meditare. Theory and Practice of
theMeditatioinImperialStoicism:ANRWII.36.3,1473517.
OLTRAMARE,A.(1926),LesOriginesdeladiatriberomaine.Diss.Genve.PANNACIO,C.
(1999),LeDiscours intrieur dePlaton Guillaume dOckham.
Paris,ditionsduSeuil.PETERLINI,A.A.(1999),Umavisosenequianadaamizade:LetrasClssicas
3,95108.PICHON,R. (1912), Les travaux rcents sur la
chronologiedesoeuvresde
Snque:JS10,21225.REYNOLDS, L. D. (1965), L. Annaei Senecae ad
Lucilium EpistulaeMorales.
Oxford,OxfordUniversityPress.REYNOLDS,L.D.(1977),L.AnnaeiSenecaeDialogorumLibriDuodecim.Oxford,
OxfordUniversityPress.RICHARDSONHAY, C. (2006), First Lessons:
Book 1 of Senecas
EpistulaeMorales:ACommentary.Bern;Oxford,PeterLang.
ROBERTS, W. R. (1902), Demetrius on Style. Cambridge,
CambridgeUniversityPress.
RUSSELL,B.(1946),HistoryofWesternPhilosophy.London,GeorgeAllenandUnwin.
-
296
AlessandroRolimdeMoura
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
SARAIVA,F.R.dosS.(1927),Novissimodiccionariolatinoportuguez.9.ed.RiodeJaneiro;Paris,Garnier.
SCARPAT,G.(1975),LucioAnneoSeneca,LettereaLucilio,Libroprimo.Brescia,Paideia.
SEABRAFILHO,J.R.(1994),Sneca,Sobreatranqilidadedaalma;Sobreocio.SoPaulo,NovaAlexandria.
SEGURADOECAMPOS,J.A.(2004),CartasaLuclio,LcioAneuSneca.2.ed.Lisboa,FundaoCalousteGulbenkian.
SUMMERS,W.C.(1910),SelectLettersofSeneca.London,Macmillan.TRAINA,A.(1974),LostiledrammaticodelfilosofoSeneca.Bologna,Ptron.USENER,H.(1887),Epicurea.Leipzig,Teubner.VONARNIM,H.(19031905),Stoicorumueterumfragmenta.Leipzig,Teubner.WILLIAMS,
G. D. (2003), Seneca, De otio; De brevitate vitae. Cambridge,
CambridgeUniversityPress.WILSON, E. (2014), The Greatest Empire:
A Life of Seneca. Oxford, Oxford
UniversityPress.WILSON,M.(2008)[1987],SenecasEpistlestoLucilius:ARevaluation:FITCH,
J. G. (ed.), Oxford Readings in Classical Studies: Seneca.
Oxford, OxfordUniversityPress,5983.
WILSON,M.(1997),TheSubjugationofGriefinSenecasEpistles:BRAUND,S.M.&GILL,
C. (edd.), The Passions in Roman Thought and
Literature.Cambridge,CambridgeUniversityPress,4867.
WINTERBOTTOM, M. (1974), The Elder Seneca, Declamations.
Cambridge,Mass.;London,HarvardUniversityPress;Heinemann.
-
DilogointeriornasCartasaLuclio,deSneca297
gora.EstudosClssicosemDebate17(2015)
*********
Resumo:Esteartigodiscuteostatusdodilogo
interiornasCartasdeSnecaeofereceumadescriodosvriosoutrosqueparticipamdessainterao.
Palavraschave:Sneca;epistolografia;estoicismo;dilogointerior;meditao;amizade.
Resumen:Esteartculoexaminaelstatusdeldilogo interioren
lasCartasdeSnecayofreceunadescripcindelosdiferentesotrosqueparticipanenesainteraccin.
Palabrasclave:Sneca;epistolografa;estoicismo;dilogointerior;meditacin;amistad.
Rsum:CetarticletudielestatutdudialogueintrieurdanslesLettresdeSnqueetoffreunedescriptiondecertainsautresquiparticipentdecetteinteraction.
Motscls:Snque;pistolographie;stocisme;dialogueintrieur;mditation;amiti.