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GRAVEL ISSN 1678-5975 Outubro - 2004 Nº 2 25-39 Porto Alegre Diagnóstico geológico-geomorfológico da planície costeira adjacente à enseada dos Currais, Santa Catarina, Brasil N. O. Horn Filho¹; É. P. Filho² & E. Ferreira³ ¹ Programa de Pós-Graduação em Geografia – CFH/UFSC ([email protected] ); ² Departamento de Geociências – CFH/UFSC ([email protected] ); ³ Curso de Graduação em Geografia – CFH/UFSC ([email protected] ) RESUMO São apresentados os resultados do mapeamento geológico- geomorfológico realizado na planície costeira da enseada dos Currais, no setor Central do litoral de Santa Catarina. A planície é constituída de rochas graníticas do embasamento cristalino e sedimentos continentais dos depósitos coluvial e colúvio-aluvial do Quaternário indiferenciado; e sedimentos transicionais do depósito praial do Pleistoceno superior; eólico, aluvial, lagunar e fluvio-lagunar do Holoceno e praial do Holoceno-recente. Os sedimentos da planície costeira foram originados a partir de processos gravitacionais gerados por oscilações climáticas e relacionados às flutuações relativas do nível do mar ocorridas durante o Quaternário. ABSTRACT The results of the geologic-geomorphologic mapping developed in the coastal plain of the Currais bight, located in Central littoral of Santa Catarina State are presented. The plain is constituted of granitic rocks of the crystalline basement and continental sediments of the colluvial and colluvial- alluvial deposits of undifferentiated Quaternary; and transitional sediments of the beach deposit of upper Pleistocene: eolic, alluvial, lagoonal and fluvio- lagoonal of Holocene and beach deposit of Holocene-recent. The sediments of the coastal plain were originated from gravitational and climatic processes related to relative flutuactions of the sea level occurred during Quaternary. Palavras chave: geologia costeira, geomorfologia, paleogeografia, Santa Catarina.
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Jan 08, 2019

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GRAVEL ISSN 1678-5975 Outubro - 2004 Nº 2 25-39 Porto Alegre

Diagnóstico geológico-geomorfológico da planície costeira adjacente à enseada dos Currais, Santa Catarina, Brasil N. O. Horn Filho¹; É. P. Filho² & E. Ferreira³ ¹ Programa de Pós-Graduação em Geografia – CFH/UFSC ([email protected]); ² Departamento de Geociências – CFH/UFSC ([email protected]); ³ Curso de Graduação em Geografia – CFH/UFSC ([email protected])

RESUMO São apresentados os resultados do mapeamento geológico-

geomorfológico realizado na planície costeira da enseada dos Currais, no setor Central do litoral de Santa Catarina. A planície é constituída de rochas graníticas do embasamento cristalino e sedimentos continentais dos depósitos coluvial e colúvio-aluvial do Quaternário indiferenciado; e sedimentos transicionais do depósito praial do Pleistoceno superior; eólico, aluvial, lagunar e fluvio-lagunar do Holoceno e praial do Holoceno-recente. Os sedimentos da planície costeira foram originados a partir de processos gravitacionais gerados por oscilações climáticas e relacionados às flutuações relativas do nível do mar ocorridas durante o Quaternário.

ABSTRACT The results of the geologic-geomorphologic mapping developed in

the coastal plain of the Currais bight, located in Central littoral of Santa Catarina State are presented. The plain is constituted of granitic rocks of the crystalline basement and continental sediments of the colluvial and colluvial-alluvial deposits of undifferentiated Quaternary; and transitional sediments of the beach deposit of upper Pleistocene: eolic, alluvial, lagoonal and fluvio-lagoonal of Holocene and beach deposit of Holocene-recent. The sediments of the coastal plain were originated from gravitational and climatic processes related to relative flutuactions of the sea level occurred during Quaternary.

Palavras chave: geologia costeira, geomorfologia, paleogeografia, Santa Catarina.

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INTRODUÇÃO O litoral de Santa Catarina, localizado

entre as latitudes sul de 25°57’41” e 29°23’55”, representa nos seus 538 km de extensão, cerca de 7% do litoral do Brasil, na sua costa sudeste-sul. A planície costeira representa a porção emersa das bacias marginais marinhas de Santos e Pelotas, que juntamente com a plataforma continental e o embasamento, constituem a província costeira do Estado de Santa Catarina (DIEHL & HORN FILHO, 1996).

A planície costeira encontra-se em contato direto com as águas do oceano Atlântico sul. Nesta latitude a costa apresenta uma amplitude de maré inferior a 2 m, típico de um regime de micromarés. Os ventos predominantes são originados de nordeste, sudoeste e sudeste, responsáveis pela configuração das dunas litorâneas pretéritas e atuais.

As ondulações são geradas principalmente pelos ventos do sudeste do cinturão subpolar do Atlântico sul e as correntes litorâneas propiciam uma deriva resultante

direcionada para nordeste, um dos fatores mais importantes responsáveis pela conformação das praias do litoral. Pela sua posição entre as latitudes médias da zona subtropical, o clima é temperado, super úmido, sofrendo influência das massas Tropical Atlântica e Polar Atlântica.

Neste contexto, insere-se a planície costeira da enseada dos Currais, que localiza-se ao norte do setor Central (IV) do litoral catarinense, entre as latitudes sul de 27°24’23.9’’ e 27°24’48.3’’ e longitudes oeste de 48°33’47.0’’e 48°34’05.6’’ (Fig. 1). A área total da planície costeira em questão é de cerca de 890.000 m², considerando 1.120 m de largura máxima, no sentido leste-oeste e 790 m de comprimento máximo, no sentido norte-sul (Foto 1).

Com o objetivo de evidenciar em detalhe os depósitos sedimentares da planície costeira adjacente à enseada dos Currais, foi realizado o diagnóstico geológico-geomorfológico da referida área.

Foto 1. Foto aérea da área de estudo, ano de 1978, escala 1:25.000.

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Diagnóstico geológico-geomorfológico da planície costeira adjacente à enseada dos Currais, Santa Catarina, Brasil 27

Figura 1. Localização da planície costeira da enseada dos Currais em Santa Catarina.

METODOLOGIA

Para consecução do diagnóstico

proposto, foram realizadas as seguintes atividades:

Levantamento bibliográfico, com

informações pertinentes aos domínios da geologia, geomorfologia, paleogeografia, sedimentologia e oceanografia costeira.

Cadastramento de dados cartográficos e aerofotográficos da área considerada, destacando-se as fotos aéreas de 1978 (1:25.000), 1995 (1:12.500) e 2000 (1:8.000).

Trabalho de campo que constou de reconhecimento preliminar das características geológicas e geomorfológicas superficiais da área e mapeamento geológico-geomorfológico da planície costeira da enseada dos Currais, onde foram realizadas trincheiras e seções colunares estratigráficas de pacotes sedimentares em 12 (doze) afloramentos da planície e encosta adjacente (Tab. 1) (Fig. 2). Os afloramentos foram localizados com auxílio de GPS (Global Positioning System). Durante o mapeamento, foram analisados e descritos a estrutura dos pacotes sedimentares, espessura, granulometria dos sedimentos, morfoscopia, cor e composição mineralógica fundamental.

Tratamento dos dados obtidos em campo para elaboração do mapa geológico da planície costeira, contando estratigrafia e paleogeografia. FISIOGRAFIA

A praia dos Currais localiza-se no setor

Central (IV) do litoral catarinense, na Grande Florianópolis, próxima aos municípios de Biguaçu e Governador Celso Ramos, nas adjacências da ilha de Santa Catarina. Tem como mapa planialtimétrico de referência, a folha topográfica de Biguaçu (n°12), na escala 1:50.000 (IBGE, 1974) (Fig. 3).

O acesso à área é realizado pela BR-101 e estrada vicinal que inicia nas localidades de Areias Primeira e Areias Segunda, denominada de Estrada Geral da Costeira da Armação da Piedade.

Os limites geográficos são: a oeste, a serra da Armação; a leste, a enseada dos Currais; a nordeste, a ilha do Maximiliano e o canal Norte que interliga a baía Norte ao oceano Atlântico; a sudeste, a 10,5 km, a ponta Grossa na ilha de Santa Catarina, entre as praias do Forte e Jurerê Internacional e a norte, a localidade da Costeira da Armação.

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Tabela 1. Localização dos afloramentos na planície costeira dos Currais. Afloramento Altitude (m) Latitude (S) Longitude (W)

1 18 27°24’48.3’’ 48°34’04.7’’ 2 13 27°24’42.0’’ 48°34’04.3’’ 3 13 27°24’31.0’’ 48°34’05.6’’ 4 43 27°24’23.9’’ 48°34’01.2’’ 5 13 27°24’30.4’’ 48°34’04.6’’ 6 1 27°24’26.2’’ 48°33’59.7’’ 7 3.5 27°24’30.3’’ 48°34’02.1’’ 8 11 27°24’36.1’’ 48°34’04.1’’ 9 3 27°24’34.5’’ 48°34’02.0’’

10 2 27°24’43.7’’ 48°33’59.9’’ 11 1 27°24’51.5’’ 48°33’55.0’’ 12 3.5 27°24’48.0’’ 48°33’47.0’’

Figura 2. Localização dos afloramentos na planície costeira da enseada dos Currais.

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Figura 3. Localização da folha de Biguaçu no setor Central (IV) catarinense (DIEHL & HORN FILHO, 1996).

A enseada ou baía dos Currais

apresenta comprimento máximo no sentido norte-sul de 900 m e largura máxima no sentido leste-oeste de 600 m, totalizando 540.000 m² de área total (Foto 2).

A praia dos Currais localiza-se entre as pontas dos Currais, a sul e do Magalhães, a norte, apresentando comprimento de 788 m e largura média de 20 m, sendo mais estreita no setor norte e mais larga no setor centro-sul. Do ponto de vista morfológico, a praia dos Currais pode ser classificada como uma praia de enseada com forma parabólica, curvilínea no setor sul, onde encontra-se a zona de sombra e retilínea em direção ao norte (Foto 3). A zona de sombra é mais protegida da ondulação, consequentemente menos propícia a processos erosivos, possibilitando maior largura dos setores praiais. Estes são representados pelo estirâncio ou antepraia superior, pós-praia e base da duna frontal. Ao longo da praia, são típicas

feições morfológicas de cúspides praiais, que simbolizam praias de características intermediárias a reflectivas.

A planície costeira adjacente à enseada dos Currais é cortada no extremo oeste pela Estrada Geral da Costeira da Armação da Piedade. Ao longo desta, observa-se em direção à enseada, dois setores distintos do ponto de vista da ecologia costeira. O setor sul, menos degradado, preserva ainda, parte da cobertura vegetal típica dos depósitos sedimentares e rochas cristalinas e o setor norte, mais degradado, onde praticamente está ausente a vegetação original, retirada por processos naturais e artificiais sob influência antrópica.

A altitude média da planície costeira é de 11 m (Tab. 1), cujos gradientes diminuem suavemente em direção à enseada dos Currais, próximo ao nível do mar.

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Foto 2. Vista panorâmica da enseada dos Currais.

Foto 3. Vista panorâmica da praia dos Currais, típica praia de enseada com forma parabólica, curvilínea no

setor sul e retilínea em direção ao norte.

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ESTRATIGRAFIA A estratigrafia da planície costeira da

enseada dos Currais é constituída de 2 (duas) subprovíncias geológicas: a mais antiga, denominada de embasamento e a mais recente, a planície costeira. Nesta, são evidenciados depósitos de 2 (dois) sistemas deposicionais, denominados de sistema deposicional

continental e sistema deposicional costeiro ou transicional.

Na coluna estratigráfica aparecem 9 (oito) unidades geológicas, sendo 1 (uma) do embasamento, 2 (duas) do sistema deposicional continental e 6 (seis) do sistema deposicional transicional ou costeiro (Tab. 2).

Tabela 2. Coluna estratigráfica da planície costeira da enseada dos Currais.

Subprovíncia Sistema Unidade geológica Idade Anos* Depósito praial Holoceno-recente presente Depósito eólico Sistema Depósito aluvial Holoceno ± 5.1 ka costeiro Depósito lagunar

Planície Depósito fluvio-lagunar Costeira Depósito praial Pleistoceno superior ± 120 ka

Sistema continental

Depósito colúvio-aluvial

Quaternário

indiferenciado

± 2 Ma

Depósito coluvial Embasamento - Granito Armação Cambriano ± 550 Ma

Com exceção da unidade geológica do embasamento, que é rochosa na sua essência, as demais consistem de sedimentos de distintos depósitos. A idade cronológica das unidades varia de 550 Ma ao recente, estendendo-se do Cambriano ao Holoceno recente.

GEOLOGIA e GEOMORFOLOGIA

A evolução da geologia e da

geomorfologia da planície costeira da enseada dos Currais é resultado de episódios tectono-magmáticos associados com processos intempéricos derivados de flutuações paleoclimáticas e oscilações relativas do nível do mar. Estes processos originaram diferentes depósitos sedimentares, preservando somente os mais recentes do Quaternário indiferenciado, Pleistoceno superior e Holoceno. O clima é um dos fatores que promove a decomposição e desagregação das rochas, influenciando a evolução das formas de relevo.

A geologia da planície costeira é constituída de 2 (duas) subprovíncias maiores: o embasamento e a planície costeira propriamente dita (Fig. 4). Estas subprovíncias geológicas são representadas em unidades geomorfológicas da paisagem que caracterizam as serras do Leste

Catarinense ou terras altas, constituída de formações rochosas, e a planície costeira, ou terras baixas, onde se desenvolvem os depósitos sedimentares.

As nascentes da bacia hidrográfica da enseada dos Currais encontram-se em altitudes de 350 m, na serra da Armação, cujos vales e cristas estão orientados estruturalmente na direção nordeste-sudoeste, influenciando na dissecação do relevo e diferenciando os pontos mais resistentes dos maciços rochosos. A drenagem tem padrão dendrítico e paralelo, apresentando blocos rolados de tamanho e grau de alteração variados.

O embasamento geológico faz parte do domínio estrutural dos embasamentos em estilos complexos, sendo constituída por uma seqüência de colinas, outeiros, morros e montanhas dispostas de forma paralela e subparalela à linha de costa. Os modelados de dissecação estão associados com formas erosivas representadas pelas áreas mais elevadas. As cristas e vales são orientados segundo antigas zonas de fraqueza do embasamento cristalino e falhas relacionadas aos processos de rifteanento do Atlântico sul.

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Figura 4. Mapa geológico da planície costeira da enseada dos Currais, Santa Catarina.

A característica geral do relevo do

embasamento é dada pela intensa erosão diferencial condicionada pela disposição de estruturas dos terrenos cambrianos. A ilha do Maximiliano encontrada na enseada dos Currais, faz parte da unidade geomorfológica serras do Leste Catarinense constituída por núcleo de rochas proterozóicas do embasamento cristalino.

As serras de uma forma geral apresentam-se gradativamente mais baixas em direção ao mar. O intenso fraturamento possibilita a dissecação destes terrenos, apresentando interflúvios convexos e estreitos ressaltados, na forma alongada, e vertentes com altas declividades susceptíveis a movimentos de massa e ação do escoamento superficial. Os vales em “V” são profundos e apresentam grande quantidade de blocos rolados, em diferentes graus de alteração.

A planície costeira da área de estudo tem um relevo variando de plano à ondulado, com sedimentos pouco coesos e textura areno-quartzosa, apresentando moderada suscetibilidade à erosão, devido a baixa declividade deste setor. O escoamento concentrado em eventos intensos tem alto poder

de remoção e transporte destes sedimentos, podendo causar processos de voçorocamento em pontos de canalização das águas pluviais.

Os principais processos morfogenéticos associados à planície costeira são os pluviais, fluviais e gravitacionais através dos movimentos de massas localizados, relacionados ao clima úmido com elevadas precipitações anuais. Os modelados de acumulação são predominantes, a partir de material intemperizado proveniente das áreas mais elevadas, preenchendo os fundos dos vales e as baixas encostas.

A planície é caracterizada por uma área de transição entre ambientes continentais e marinhos, com a geração de rampas, leques ou cones de dejeção depositados ao longo de diferentes eventos climáticos. Os sedimentos apresentam alta susceptibilidade à erosão devida as características texturais e estruturais dos depósitos. Os processos de erosão eólica, fluvial, pluvial, marinha e antrópica interferem diretamente nos sedimentos e formas de relevo desta unidade, podendo causar danos se forem utilizados de forma inadequada.

As formas de relevo são esculpidas pela ação das ondas, correntes, marés, ventos e

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cursos fluviais ao longo da planície costeira, formando na área de estudo os depósitos coluvial, colúvio-aluvial, aluvial, fluvio-lagunar, lagunar, praial e eólico. Na linha de costa, a unidade geomorfológica da planície costeira ocorre junto à praia e enseada.

Na planície costeira, dois sistemas deposicionais ocorrem inrterdigitados: sistema deposicional continental, associado às encostas das terras altas e o sistema transicional ou litorâneo ou costeiro, associado às terras baixas, sob condições paleoclimáticas diversas e ação das águas fluviais, ondas, marés, correntes e ventos.

DESCRIÇÃO DAS UNIDADES GEOLÓGICAS

As unidades geológicas da área de

estudo foram descritas em base ao trabalho de campo, complementado pelos resultados dos mapeamentos geológicos de MARTIN et al. (1988) e HORN FILHO et al. (1996), que apresentaram mapas geológicos do Quaternário costeiro do Estado de Santa Catarina, nas escalas de 1:200.000 e 1:120.000, respectivamente.

No que se refere ao embasamento da planície costeira, está sendo considerado somente uma unidade geológica representativa desta subprovíncia, denominada de Granito Armação. Esta unidade está inserida na Suite Intrusiva Tabuleiro, de idade de cerca de 550 Ma (Cambriano). Aflora predominantemente no setor oeste da planície costeira, integrando as elevações da serra da Armação. Faz contato com praticamente todas unidades geológicas da área e representa a área fonte de muitos sedimentos continentais e costeiros. Os litotipos predominantes estão representados por granitos, leucogranitos e quartzo-monzonitos. Compõe-se basicamente de ortoclásio, quartzo, plagioclásio (oligoclásio) e biotita subordinada. O manto de alteração desta rocha é profundo, os sedimentos encontram-se em processo de podzolização, com dominância de textura areno-argilosa com horizonte B textural, que aumenta a sensibilidade a movimentos de massa.

No que se refere ao sistema continental da planície costeira, está sendo considerado 2 (duas) unidades geológicas representativas deste sistema, denominadas de depósito coluvial e depósito colúvio-aluvial, ambas do Quaternário indiferenciado.

O depósito coluvial está restrito às encostas junto às terras altas em uma faixa paralela à linha de costa e acompanhando praticamente a Estrada Geral da Costeira da Armação da Piedade. Esta unidade encontra-se localizada entre o embasamento e os depósitos de origem transicional. Caracterizam sedimentos semiconsolidados a inconsolidados, com grande variação granulométrica, incluindo cascalho areno-argiloso e cascalho areno-síltico argiloso, com estratificação ausente ou incipiente. Os depósitos apresentam formas de rampas coluviais e tálus, geralmente constituídos de alternância de níveis de deposição cascalhosa, arenosa e argilosa, mal selecionados, com a presença de horizontes de seixos e blocos, os quais tornam-se mais expressivos próximo às áreas fontes. Estes depósitos são encontrados com freqüência no sopé das encostas.

O depósito colúvio-aluvial representa em área, o depósito que ocupa a maior superfície da planície costeira da enseada dos Currais, em altitudes que variam de 3 a 12 m acima do nível do mar. Faz contato com praticamente todas demais unidades, com exceção ao embasamento, cujo contato é feito com o depósito coluvial. A largura média deste depósito é de 160 m, sendo mais largo no extremo sul da área. Encontra-se vegetado em direção ao sul, sendo que do centro da planície para norte, a vegetação foi retirada pela ação dos agentes naturais e influência antrópica. Este depósito tem sofrido ação erosiva marcante ao longo do tempo geológico (Foto 4), evidenciado pela série de ravinas, sulcos e vales observados ao longo do depósito e que evidenciam o depósito aluvial. No centro-norte da planície, próximo ao setor praial, o depósito colúvio-aluvial encontra-se em contato interdigitado com o depósito eólico de idade holocênica. A forma deste depósito é de terraço e rampa aluvial, de baixa declividade, em direção à enseada. Observa-se uma superfície plana e levemente inclinada. O depósito é constituído do ponto de vista sedimentar de areia média a muito grossa, grânulo e eventualmente finos (silte e argila), mal selecionado e grãos imaturos, pouco retrabalhados, típicos de área fonte muito próxima (Foto 5). Ao ser lixiviado pela ação pluvial e fluvial, ficam expostos na superfície do terreno, grãos de quartzo e feldspato, produtos do intemperismo do depósito coluvial e granitos do embasamento cristalino.

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Foto 4. Depósito colúvio-aluvial do Quaternário indiferenciado, observando-se a erosão dos sedimentos pela

ação conjunto dos processos pluvial e fluvial.

Foto 5. Detalhe do depósito colúvio-aluvial, com presença de macroclásticos mal selecionados imersos em

matriz síltico-argilosa.

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No que se refere ao sistema transicional da planície costeira, está sendo considerado 6 (seis) unidades geológicas representativas deste sistema, sendo 1 (uma) do Pleistoceno superior – depósito praial; 4 (quatro) do Holoceno – depósito eólico, depósito aluvial, depósito lagunar e depósito fluvio-lagunar; e 1 (uma) do Holoceno recente – depósito praial.

O depósito praial de idade pleistocênica superior (120 ka) é composto de areias quartzosas, de granulação média a grossa e coloração variando de amarelo a marrom, geralmente impregnado de ácidos húmicos e óxidos de ferro. Aflora subsuperficialmente no setor norte da planície costeira, entre o depósito coluvial e colúvio-aluvial ou intercalado entre depósitos colúvio-aluviais, em pacotes marinhos de espessura variável. As areias grossas se assemelham com as areias lixiviadas dos depósitos coluviais, entretanto, são mais maturas tanto textural como mineralógicamente, predominando grãos de quartzo, arredondados a subarredondados e bem selecionados. Este depósito é visível somente em seções colunares estratigráficas ou ao longo das trincheiras e falésias esculpidas pela ação erosiva dos processos naturais. Apesar de constituir uma unidade geológica da planície costeira da enseada dos Currais, não representa uma unidade mapeável do ponto de vista estratigráfico.

O depósito eólico do Holoceno representa uma faixa de cerca de 30-40 m de largura e altitudes entre 3 e 5 m, no setor centro-sul da planície costeira, em contato geológico com o depósito colúvio-aluvial, a oeste; com o depósito praial recente, a leste e com o depósito coluvial, a sul. A forma do depósito é plana ondulada, assemelhando-se a forma do depósito colúvio-aluvial. Encontra-se adjacente aos sedimentos praiais, separado destes por dunas embrionárias e falésias erosivas e são constituídos de areia média, quartzosa, bem selecionada e de coloração bege claro. A cobertura vegetal deste depósito é típica de restinga.

O depósito aluvial holocênico aflora no extremo norte da planície costeira esculpido no depósito colúvio-aluvial, configurando 3 (três) típicos vales transversais à linha de costa atual, de largura média de 20 m e profundidades máximas de cerca de 2 m. O vale fluvial apresenta base plana, suavemente inclinado em

direção à enseada dos Currais, onde faz contato interdigitado com os sedimentos praiais atuais (Foto 6). Apesar de ser originário da ação predominante de processos erosivos e deposicionais continentais, pela sua posição geográfica na planície costeira, foi considerado como um depósito do sistema transicional. O depósito é constituído de areia e cascalho, mal selecionado, retrabalhado pela ação fluvial, com presença eventual de matacões e blocos do embasamento cristalino.

O depósito lagunar holocênico está relacionado à sedimentos de lagoas e/ou lagos, com areias síltico-argilosas, inconsolidadas, mal selecionadas, de cores em tons de cinza a creme. São oriundos do assoreamento de lagoas e/ou lagos associados aos canais fluviais que deságuam na planície costeira, alcançando a praia atual e enseada dos Currais. Estão localizados no meio do depósito coluvial, em depressões inundadas com vegetação típica, em altitudes de cerca de 15-20 m. Dois corpos são identificados na área de estudo, um no extremo sul no centro da planície e outro no setor centro-norte.

O depósito flúvio-lagunar do Holoceno tem relação direta com o depósito lagunar que se encontra à montante, originado da ação fluvial em depressões, sendo constituído de sedimentos areno-argilosos, freqüentemente ricos em matéria orgânica. São influenciados pela ação das marés, originando vegetação típica dos marismas atuais (Foto 7). Situam-se em depressões na planície costeira em função de oscilações positivas e negativas do nível médio do mar. Os sedimentos são halomórficos, com alta salinidade e rico em matéria orgânica. O depósito localiza-se no extremo norte oriental junto aos depósitos coluvial e colúvio-aluvial.

O depósito praial do Holoceno – recente representa o depósito atual da praia dos Currais, uma praia típica de enseada de características intermediária a reflectiva. A largura média da praia é de 20 m, a declividade do setor de pós-praia está entre 15-20° e o comprimento total no sentido norte-sul é de 788 m. Observa-se o predomínio de material arenoso de textura média a muito grossa e predomínio de grãos de quartzo, subarredondados a arredondados. O sedimento é moderadamente selecionado. São visíveis bioclastos inteiros e recentes (Foto 8). Estratificação plano-paralela horizontal é incipiente entre as camadas

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arenosas. Processos erosivos costeiros foram identificados no setor centro-norte da praia, coincidindo com os locais onde foram

implantadas construções junto ao setor de pós-praia e duna frontal.

Foto 6. Vista para leste do depósito aluvial holocênico, produto da erosão do depósito colúvio-aluvial do

Quaternário indiferenciado.

Foto 7. Depósito flúvio-lagunar holocênico, com sedimentos halomórficos, de alta salinidade e vegetação

típica dos marismas atuais.

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Diagnóstico geológico-geomorfológico da planície costeira adjacente à enseada dos Currais, Santa Catarina, Brasil 37

Foto 8. Detalhe do sedimento bio e litoclástico do depósito praial do Holoceno-recente da praia dos Currais.

PALEOGEOGRAFIA

A paleogeografia da planície costeira

da enseada dos Currais é definida em base às unidades geológicas presentes, considerando as características altimétricas, litológicas, sedimentológicas, geomorfológicas e posicionais em relação à linha de costa atual.

São propostos para a evolução paleogeográfica da planície costeira, 6 (seis) estádios evolutivos, descritos a seguir.

Estádio 1 - pré-Quaternário: durante

este estádio, anterior a 2 Ma, o nível relativo do mar encontrava-se mais elevado que o atual, provocando erosão marinha nos costões graníticos da serra da Armação.

Estádio 2 - EoQuaternário: durante

este estádio, com início a 2 Ma, o nível relativo do mar regrediu, possibilitando acumulação de sedimentos continentais do depósito coluvial.

Estádio 3 - Quaternário: entre 2 Ma e

18 ka, o nível relativo do mar transgrediu e regrediu a planície costeira em diversas ocasiões, possibilitando quando da regressão, a acumulação de sedimentos continentais dos depósitos coluvial e colúvio-aluvial e quando da transgressão, acumulação de sedimentos praiais

do Pleistoceno superior, que encontram-se intercalados entre os sedimentos continentais. Para os depósitos continentais, esta deposição perdura até os dias atuais.

Estádio 4 - entre 18 ka e 5.1 ka:

durante este estádio, o nível do mar subiu novamente desde (–)105 m abaixo do atual à (+)4-5 m acima do atual, provocando erosão das rochas do embasamento e dos depósitos coluvial, colúvio-aluvial e praial pleistocênico preexistentes.

Estádio 5 - Holoceno: entre 5.1 ka ao

presente, quando do recuo do mar, foram originados os depósitos lagunar, flúvio-lagunar e aluvial, os dois últimos alcançando praticamente a linha de costa atual e o depósito eólico, formado pelo avanço das areias da praia da época e da antepraia.

Estádio 6 - Holoceno-recente:

formação do depósito praial atual que caracteriza a praia dos Currais, no extremo leste da planície costeira, adjacente à enseada dos Currais.

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N. O. Horn Filho et al. 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS As planícies costeiras têm sido

utilizadas para os mais diversos usos ao longo das costas do planeta. Para tanto, tem se recomendado a utilização racional dos recursos minerais costeiros, tanto para exploração, como para assentamentos urbanos, turísticos e industriais.

Os recursos minerais costeiros estão associados às rochas, depósitos da planície costeira e fácies sedimentares da plataforma continental e têm sido explotados indiscriminadamente na maioria dos setores do litoral. Entre eles, destacam-se: fragmentos de rocha do embasamento; saibro dos colúvios e leques aluviais; carbonato do depósito lagunar; areia dos depósitos marinho e eólico; turfa dos depósitos paludial e lagunar e água do mar.

A planície costeira da enseada dos Currais não foge à regra da maioria das planícies costeiras. Especificamente, esta destaca-se pela exuberância de sua paisagem, que inclui a praia e a enseada.

Quanto às unidades geológicas da planície costeira, destacam-se os granitos da serra da Armação e os sedimentos arenosos dos depósitos coluvial, colúvio-aluvial e praial, passíveis de exploração, entretanto, com uso recomendado.

A maioria da planície costeira é constituída do depósito colúvio-aluvial do Quaternário indiferenciado, tal como foi observado no trabalho de campo realizado na área de estudo (Fig. 5). Afloram na superfície, sedimentos mal selecionados, arenosos e cascalhosos, quartzo-feldspáticos, imaturos e pouco retrabalhados.

Figura 5. Seção geológica da planície costeira da enseada dos Currais.

É visível a erosão continental e

costeira, atingindo o setor centro-norte da planície, praticamente desvegetado. Esta erosão é produto dos fluxos torrenciais aluviais e da sobelevação do nível do mar, que atinge o setor menos protegido da praia dos Currais. Este setor encontra-se afastado do promontório rochoso da ponta dos Currais, que protege a praia da ondulação sul, associado a característica parabólica da praia.

Recomenda-se para futuros trabalhos a realização de sondagens estratigráficas ao longo da planície costeira, a análise de detalhe dos sedimentos quanto a morfoscopia e mineralogia, o monitoramento morfodinâmico e sedimentológico do arco praial e a batimetria e faciologia da antepraia e plataforma continental interna adjacente.

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AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a oportunidade

de realização do diagnóstico à empresa Sócioambiental Consultores Associados Ltda. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS DIEHL, F. L. & HORN FILHO, N. O. 1996.

Compartimentação geológico-geomorfológica da zona litorânea e planície costeira do Estado de Santa Catarina. Notas Técnicas, 9:39-50.

HORN FILHO, N. O.; DIEHL, F. L. & AMIN Jr., A. H. 1996. Geologia do Quaternário da planície costeira do litoral centro-norte do Estado de Santa Catarina, Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE

GEOLOGIA, 39, Salvador, 1996. Anais... Salvador, SBG, v.5, p.278-280.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. 1974. Mapa planialtimétrico da folha Biguaçu – Escala 1:50.000.

MARTIN, L.; SUGUIO, K.; FLEXOR, J. M. & AZEVEDO, A. E. G. de. 1988. Texto explicativo do mapa geológico do Quaternário costeiro dos estados do Paraná e Santa Catarina. Geologia 28, Geologia básica 18, DNPM, Brasília.

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