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Acir AlmeidaAlexandre Cunha
Amlia CohnAntonio Lassance
Bernardo MedeirosCarlos Eduardo Carvalho
Cibele FranzeseEduardo Pinto
Eneuton PessoaFabio de S e Silva
Fabrcio Augusto de OliveiraFelix Garcia Lopez
Fernando FilgueirasFernando Luiz Abrucio
Francisco FonsecaGabriel Cohn
Gilberto Bercovici
Giuliano Contento de OliveiraHironobu SanoJos Carlos dos
SantosJos Celso Cardoso Jr.Leonardo AvritzerLcio RennLuiz Werneck
ViannaLuseni AquinoMarcelo Balloti MonteiroMarcos Antonio Macedo
CintraMaria Rita LoureiroMurilo Francisco BarellaOliveira Alves
Pereira FilhoPaulo de Tarso LinharesRenato LessaRoberto Rocha C.
PiresVictor Leonardo de Araujo
Misso do IpeaProduzir, articular e disseminar conhecimento para
aperfeioar as polticas pblicas e contribuir para o planejamento do
desenvolvimento brasileiro.
A temtica do desenvolvimento brasileiro em algumas de suas mais
importantes dimenses de anlise e condies de realizao foi eleita,
por meio de um processo de planejamento estratgico interno, de
natureza contnua e participativa, como principal mote das
atividades e projetos do Ipea ao longo do trinio 2008-2010.
Inscrito como misso institucional produzir, articular e
disseminar conhecimento para aper-feioar as polticas pblicas e
contribuir para o planejamento do desenvolvimento brasileiro , esse
mote pretende integrar-se ao cotidiano do instituto pela promoo de
iniciativas vrias, entre as quais se destaca o projeto Perspectivas
do Desenvolvimento Brasileiro, do qual este livro faz parte.
O projeto tem por objetivo servir como plata-forma de
sistematizao e reflexo acerca dos entraves e oportunidades do
desenvolvimento nacional. Para tanto, entre as atividades que o
compem incluem-se seminrios de abordagens amplas, oficinas temticas
especficas, assim como cursos de aperfeioamento em torno do
desenvolvi-mento e publicaes sobre temas afins. Trata-se de projeto
sabidamente ambicioso e complexo; mas indispensvel para fornecer ao
Brasil conhecimento crtico tomada de posio diante dos desafios da
contemporaneidade mundial.
Com isso, acredita-se que o Ipea conseguir, ao longo do tempo,
dar cabo dos imensos de-safios que esto colocados para a instituio
no perodo vindouro, a saber:
9 formular estratgias de desenvolvimento nacional em dilogo com
atores sociais; 9 fortalecer sua integrao institucional junto ao
governo federal; 9 caracterizar-se enquanto indutor da gesto pblica
do conhecimento sobre desenvolvimento; 9 ampliar sua participao no
debate internac-ional sobre desenvolvimento; e 9 promover seu
fortalecimento institucional.
A ideia de organizar esta coletnea nasceu da interao que se
estabeleceu entre um grupo de servidores do Instituto de Pesquisa
Econmica Aplicada (Ipea) e pesquisadores de vrias universidades e
diversos matizes terico-metodolgicos. Todos se envolveram,
diretamente, na produo de relatrios de pesquisa e artigos
destinados originalmente ao projeto Perspectivas do Desenvolvimento
Brasileiro (PDB trinio 2008-2010), particularmente na organizao e
edio dos trs volumes que compuseram o livro 9 deste projeto Estado,
instituies e democracia: repblica (volume 1), democracia (volume
2), desenvolvimento (volume 3).Em nvel agregado, o livro busca
estimular, particularmente no Ipea, uma dinmica de inves-tigao mais
sistemtica e organizada em torno dos temas aqui destacados, com
vistas tanto a subsidiar processos concretos de tomada de decises
estratgicas no mbito do Estado, como a melhor qualificar, enquanto
parte fundamental de suas rotinas e atividades regulares, o
trabalho de assessoramento governamental praticado pelo
instituto.Com esta publicao, esperamos ter alcanado tanto um
registro histrico de parte das ativi-dades em curso no Ipea em
trinio recente (2008 a 2010), como colaborado para atualizao e
redefinio de temas candentes para as polticas pblicas brasileiras e
para o prprio fortalec-imento do Estado e das instituies
republicanas e democrticas no Brasil.
Boa leitura e reflexo a todos!
Jos Celso Cardoso Jr.
No mbito do Projeto Perspectivas do Desen-volvimento Brasileiro,
a srie Dilogos para o Desenvolvimento produziu at aqui os
docu-mentos relacionados abaixo.
1. Dilogos para o Desenvolvimento: contribuies do ciclo de
seminrios Ipea 2008.
2. A Experincia do CDES sob o Governo Lula.
3. Complexidade e Desenvolvimento.
4. A Reinveno do Planejamento Governamental no Brasil.
5. Burocracia e Ocupao no Setor Pblico Brasileiro.
6. Gesto Pblica e Desenvolvimento: desafios e perspectivas.
7. Efetividade das Instituies Participativas no Brasil:
estratgias de avaliao.
8. Federalismo Brasileira: questes para discusso.
9. Gesto e Jurisdio: o caso da execuo fiscal da Unio.
10. Repblica, Democracia e Desenvolvimento: contribuies ao
Estado brasileiro contemporneo.
Repblica, Democraciae Desenvolvimentocontribuies ao Estado
brasileiro contemporneo
Volume 10
Dilogos para o Desenvolvimento
OrganizadoresJos Celso Cardoso Jr.
Gilberto Bercovici
Volume 10
Repblica, Democraciae Desenvolvimentocontribuies ao Estado
brasileiro contemporneo
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A temtica do desenvolvimento brasileiro em algumas de suas mais
importantes dimenses de anlise e condies de realizao foi eleita,
por meio de um processo de planejamento estratgico interno, de
natureza contnua e participativa, como principal mote das
atividades e projetos do Ipea ao longo do trinio 2008-2010.
Inscrito como misso institucional produzir, articular e
disseminar conhecimento para aperfeioar as polticas pblicas e
contribuir para o planejamento do desenvolvimento bra-sileiro ,
esse mote pretende integrar-se ao cotidiano do instituto pela
promoo de iniciativas vrias, entre as quais se destaca o projeto
Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro, do qual este livro faz
parte.
O projeto tem por objetivo servir como plataforma de
sistematizao e reflexo acerca dos entraves e oportunidades do
desenvolvimento nacional. Para tanto, entre as atividades que o
compem incluem-se seminrios de abordagens amplas, oficinas temticas
especficas, assim como cursos de aperfeioamento em torno do
desenvolvimento e publicaes sobre temas afins. Trata-se de projeto
sabidamente ambicioso e complexo; mas indispensvel para fornecer ao
Brasil conhecimento crtico tomada de posio diante dos desafios da
contemporaneidade mundial.
Com isso, acredita-se que o Ipea conseguir, ao longo do tempo,
dar cabo dos imensos desafios que esto colocados para a instituio
no perodo vindouro, a saber:
9 formular estratgias de desenvolvimento nacional em dilogo com
atores sociais; 9 fortalecer sua integrao institucional junto ao
governo federal; 9 caracterizar-se enquanto indutor da gesto pblica
do conhecimento sobre desenvolvimento; 9 ampliar sua participao no
debate internacional sobre desenvolvimento; e 9 promover seu
fortalecimento institucional.
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Dilogos para o Desenvolvimento
OrganizadoresJos Celso Cardoso Jr.
Gilberto Bercovici
Repblica, Democraciae Desenvolvimentocontribuies ao Estado
brasileiro contemporneo
Volume 10
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Governo Federal
Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica
Ministro interino Marcelo Crtes Neri
Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da
Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e
institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de
inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro
e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados
por seus tcnicos.
PresidenteMarcelo Crtes Neri
Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de
Azeredo
Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas
InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves
Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da
DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira
Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos
dos Santos
Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e
AmbientaisRogrio Boueri Miranda
Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e
InfraestruturaFernanda De Negri
Diretor de Estudos e Polticas SociaisRafael Guerreiro Osorio
Chefe de GabineteSergei Suarez Dillon Soares
Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia
Rodrigues Lima
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL:
http://www.ipea.gov.br
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Braslia, 2013
Dilogos para o Desenvolvimento
Repblica, Democraciae Desenvolvimentocontribuies ao Estado
brasileiro contemporneo
Volume 10
OrganizadoresJos Celso Cardoso Jr.
Gilberto Bercovici
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Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2013
As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira
responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o
ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da
Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.
permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos,
desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so
proibidas.
Repblica, democracia e desenvolvimento : contribuies ao Estado
brasileiro contemporneo / organizadores: Jos Celso Cardoso Jr.,
Gilberto Bercovici.- Braslia : Ipea, 2013. 746 p. grfs. tabs.
(Dilogos para o Desenvolvimento ;v. 10)
Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7811-179-3
1. Repblica. 2. Democracia. 3. Desenvolvimento Econmico.
4.Brasil. I. Cardoso Jnior, Jos Celso Pereira. II. Bercovici,
Gilberto. III. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. IV.
Srie.
CDD 321.860981
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DEDICATRIA
Dedicamos este livro queles e quelas que no desistiram de pensar
(e de trabalhar para)
o desenvolvimento brasileiro.
-
SUMRIO
APRESENTAO
.................................................................................................................................9
PREFCIO
.........................................................................................................................................11
PARTE I: REPBLICA
CAPTULO 1 A REPBLICA COMO REFERNCIA PARA PENSAR A DEMOCRACIA E O
DESENVOLVIMENTO NO BRASILLuseni AquinoAlexandre CunhaBernardo
Medeiros
.......................................................................................................17
CAPTULO 2 A ATUALIDADE DA QUESTO REPUBLICANA NO BRASIL DO SCULO
XXI: ENTREVISTAS COM GABRIEL COHN E LUIS WERNECK VIANNALuseni
AquinoAlexandre CunhaBernardo Medeiros
.......................................................................................................41
CAPTULO 3 PRESIDENCIALISMO, FEDERALISMO E CONSTRUO DO ESTADO
BRASILEIROAntonio Lassance
.........................................................................................................63
CAPTULO 4 O CONGRESSO NACIONAL NO PS-1988: CAPACIDADE E ATUAO NA
PRODUO DE POLTICAS E NO CONTROLE DO EXECUTIVOAcir Almeida
.................................................................................................................93
CAPTULO 5 TRAJETRIA RECENTE DA COOPERAO E COORDENAO NO
FEDERALISMO BRASILEIRO: AVANOS E DESAFIOSFernando Luiz
AbrucioCibele FranzeseHironobu Sano
...........................................................................................................129
CAPTULO 6 O LEVIAT EM AO: GESTO E SERVIDORES PBLICOS NO BRASIL
DE 1930 AOS DIAS ATUAISEneuton Pessoa
..........................................................................................................165
CAPTULO 7 CORRUPO E CONTROLES DEMOCRTICOS NO BRASILFernando
FilgueirasLeonardo Avritzer
.......................................................................................................209
PARTE II: DEMOCRACIA
CAPTULO 8 A DEMOCRACIA NO DESENVOLVIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA
DEMOCRACIAFabio de S e SilvaFelix LopezRoberto Rocha C.
Pires................................................................................................243
CAPTULO 9 DEMOCRACIA, REPRESENTAO E DESENVOLVIMENTORenato Lessa
..............................................................................................................269
-
CAPTULO 10 RESPONSIVIDADE E QUALIDADE DA DEMOCRACIA NO
BRASILLcio Renn
.............................................................................................................309
CAPTULO 11 RESPONSABILIZAO E CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAO
PBLICA FEDERAL BRASILEIRAFelix Garcia Lopez
.....................................................................................................345
CAPTULO 12 BUROCRATAS E PARTIDOS POLTICOS NA DEMOCRACIA
BRASILEIRAMaria Rita Loureiro
...................................................................................................371
CAPTULO 13 MDIA, PODER E DEMOCRACIA: ASPECTOS CONCEITUAIS E
REALIDADE HISTRICA NO BRASILFrancisco Fonseca
.....................................................................................................403
CAPTULO 14 A PARTICIPAO SOCIAL E OS CONSELHOS DE POLTICAS
PBLICAS: AVANOS E DILEMAS NA INSTITUCIONALIZAO DA RELAO
ESTADO-SOCIEDADE NO BRASILAmlia Cohn
............................................................................................................447
PARTE III: DESENVOLVIMENTO
CAPTULO 15 O ESTADO E O DESENVOLVIMENTO NO BRASILJos Celso
Cardoso Jr.Eduardo PintoPaulo de Tarso Linhares
.............................................................................................467
CAPTULO 16 O ESTADO E A GARANTIA DA PROPRIEDADE NO
BRASILGilberto Bercovici
.....................................................................................................497
CAPTULO 17 TRIBUTAO E FISCO NO BRASIL: AVANOS E RETROCESSOS
ENTRE 1964 E 2010Fabrcio Augusto de Oliveira
......................................................................................545
CAPTULO 18 O BANCO CENTRAL DO BRASIL: INSTITUCIONALIDADE, RELAES
COM O ESTADO E COM A SOCIEDADE CIVIL, AUTONOMIA E CONTROLE
DEMOCRTICOCarlos Eduardo CarvalhoGiuliano Contento de
OliveiraMarcelo Balloti Monteiro
..........................................................................................577
CAPTULO 19 A ATUAO DO ESTADO BRASILEIRO NO DOMNIO
ECONMICOGilberto Bercovici
.....................................................................................................617
CAPTULO 20 O ESTADO E AS EMPRESAS ESTATAIS FEDERAIS NO
BRASILMurilo Francisco BarellaOliveira Alves Pereira Filho
........................................................................................647
CAPTULO 21 O PAPEL DOS BANCOS PBLICOS FEDERAIS NA ECONOMIA
BRASILEIRAVictor Leonardo de AraujoMarcos Antonio Macedo Cintra
.................................................................................691
NOTAS BIOGRFICAS
......................................................................................................................737
-
APRESENTAO
Durante o processo de planejamento estratgico do Ipea, realizado
no ano de 2008, elegeu-se como prioritrio o tema do desenvolvimento
brasileiro, em suas diferentes dimenses de anlise e condies de
realizao. Como resultado, a instituio desenvolveu paralelamente trs
grandes projetos estruturantes, deno-minados Perspectivas do
desenvolvimento brasileiro, Brasil em desenvolvimento e Dilogos
para o desenvolvimento.
Do projeto Perspectivas do desenvolvimento brasileiro, que
envolveu os esfor-os conjuntos dos tcnicos de todas as diretorias
do Ipea, alm da contribuio de professores, pesquisadores e
servidores pblicos de outras organizaes, resultou a publicao de
quinze livros, que procuraram reunir e sistematizar o conhecimento
existente no Brasil sobre os subtemas que compem os sete eixos
temticos de atuao de nossa instituio, na perspectiva maior do
desenvolvimento brasileiro. Ao estabelecer o estado da arte, essas
publicaes constituram-se em grande esforo institucional de
deliberao interna e organizao das atividades de pesquisa e
assessoramento governamental normalmente desenvolvidas pelo Ipea,
norteando terica e metodologicamente sua atuao. No mesmo sentido, o
projeto Brasil em desenvolvimento, sucedneo do j tradicional O
estado de uma nao, procurou vincular a anlise anual da conjuntura
nacional ao novo momento histrico de um pas que se reencontrava com
a trajetria do desenvolvimento.
Paralelamente, o projeto Dilogos para o desenvolvimento
procurava construir, em debate com outros atores sociais, uma
reflexo sobre temas at ento pouco presentes na produo do Ipea,
embora essenciais compreenso do processo de retomada do crescimento
econmico brasileiro. Esse trabalho deu origem a uma srie de dez
livros, versando sobre a importncia das instituies participativas,
em especial do Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social; o
perfil e o papel desempenhado pela burocracia estatal, mormente em
atividades de planejamento governamental; os desafios contemporneos
que se apresentam ao nosso pacto federativo; e a importncia de
lanarmos luzes sobre a atuao do Poder Judicirio.
A presente obra, que encerra a srie Dilogos para o
desenvolvimento, aparece ao leitor justamente no momento em que se
conclui o ciclo do planejamento estratgico iniciado em 2008, com a
preparao do documento que nortear a atuao do Ipea at 2022. Nesse
contexto, muito mais do que uma demonstrao da capacidade
institucional de avanar em importantes projetos coletivos, o
lanamento deste livro aponta caminhos que o Ipea aprendeu a
trilhar, e que poder com muito mais desenvoltura percorrer no
futuro.
Marcelo Crtes NeriPresidente do Ipea
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PREFCIO
A ideia de organizar esta coletnea nasceu da interao que se
estabeleceu entre um grupo de servidores do Instituto de Pesquisa
Econmica Aplicada (Ipea) e pesquisadores de vrias universidades e
diversos matizes terico-metodolgicos.
O livro constitudo de textos assinados por colegas do Ipea e por
cola-boradores externos, os quais se envolveram, diretamente, seja
na produo de relatrios de pesquisa e artigos destinados
originalmente ao projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro
(PDB trinio 2008-2010), seja na organizao e na edio dos trs volumes
que compuseram o livro 9 deste projeto Estado, instituies e
democracia: repblica (volume 1), democracia (volume 2),
desenvolvi-mento (volume 3).
De modo geral, o projeto teve por objetivo servir como
plataforma de siste-matizao e reflexo acerca de entraves e
oportunidades do desenvolvimento nacional. Tratava-se, sabidamente,
de proposta ambiciosa e complexa, mas indispensvel para fornecer ao
Brasil conhecimento crtico tomada de posio frente aos desafios da
contemporaneidade mundial. Para tanto, o projeto foi concebido para
dar concre-tude aos chamados eixos estratgicos do desenvolvimento
nacional, estabelecidos mediante processo interno de discusses no
mbito do programa de fortalecimento institucional ento em curso no
Ipea. O conjunto de documentos da derivados relacionado a
seguir.
Livro 1 Desafios ao desenvolvimento brasileiro: contribuies do
conselho de orientao do Ipea
Livro 2 Trajetrias recentes de desenvolvimento: estudos de
experincias in-ternacionais selecionadas
Livro 3 Eixo Insero Internacional Brasileira Soberana
Volume 1 Insero internacional brasileira: temas de poltica
externa
Volume 2 Insero internacional brasileira: temas de economia
internacional
Livro 4 Eixo Macroeconomia para o Desenvolvimento
Volume nico Macroeconomia para o desenvolvimento: crescimento,
estabilidade e emprego
Livro 5 Eixo Estrutura Produtiva e Tecnolgica Avanada e
Regionalmente Integrada
Volume 1 Estrutura produtiva avanada e regionalmente integrada:
desafios do desenvolvimento produtivo brasileiro
Volume 2 Estrutura produtiva avanada e regionalmente integrada:
diagnstico e polticas de reduo das desigualdades regionais
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12 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
Livro 6 Eixo Infraestrutura Econmica, Social e Urbana
Volume 1 Infraestrutura econmica no Brasil: diagnsticos e
perspectivas para 2025
Volume 2 Infraestrutura social e urbana no Brasil: subsdios para
uma agenda de pesquisa e formulao de polticas pblicas
Livro 7 Eixo Sustentabilidade Ambiental
Volume nico Sustentabilidade ambiental no Brasil:
biodiversidade, economia e bem-estar humano
Livro 8 Eixo Proteo Social, Garantia de Direitos e Gerao de
Oportunidades
Volume nico Perspectivas da poltica social no Brasil
Livro 9 Eixo Fortalecimento do Estado, das Instituies e da
Democracia
Volume 1 Estado, instituies e repblica
Volume 2 Estado, instituies e democracia
Volume 3 Estado, instituies e desenvolvimento
Livro 10 Perspectivas do desenvolvimento brasileiro
Srie Brasil em Desenvolvimento: Estado, planejamento e polticas
pblicas
BD edio 2009
BD edio 2010
BD edio 2011
Srie Dilogos para o Desenvolvimento
Volume 1 Dilogos para o desenvolvimento: contribuies do ciclo de
seminrios Ipea 2008
Volume 2 A experincia do CDES sob o governo Lula
Volume 3 Complexidade e desenvolvimento
Volume 4 A reinveno do planejamento governamental no Brasil
Volume 5 Burocracia e ocupao no setor pblico brasileiro
Volume 6 Gesto pblica e desenvolvimento: desafios e
perspectivas
Volume 7 Efetividade das instituies participativas no Brasil:
estratgias de avaliao
Volume 8 Federalismo brasileira: questes para discusso
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13Prefcio
Volume 9 Gesto e jurisdio: o caso da execuo fiscal da Unio
Volume 10 Repblica, democracia e desenvolvimento: contribuies ao
Estado brasileiro contemporneo
A coletnea que ora se disponibiliza ao pblico representa,
portanto, algo como um aperitivo a este grande projeto levado a
cabo pelo Ipea entre 2008 e 2010, particularmente frente aos trs
volumes do livro 9 supracitados. Em nvel agregado, por sua vez,
busca-se instaurar, a partir desta iniciativa, uma dinmica de
investigao mais sistemtica e organizada em torno dos temas
apontados, com vistas tanto a subsidiar processos concretos de
tomada de decises estratgicas no mbito do Estado, como a melhor
qualificar, enquanto parte fundamental de suas rotinas e atividades
regulares, o trabalho de assessoramento governamental praticado
pelo instituto.
Nessa perspectiva, so textos que exploram aspectos centrais e
prementes das dimenses republicana (parte I), democrtica (parte II)
e do desenvolvimento brasileiro (parte III) nesta entrada do sculo
XXI. Em essncia, renem-se aqui textos organizados e editados a
partir da trilogia destas dimenses, por meio dos quais se oferece
um painel de ideias e questes que atravessam inmeras aborda-gens
destes temas, objetivando recoloc-los diante dos desafios
metodolgicos e polticos de nosso tempo.
Tamanho investimento de reflexo e de produo editorial em to
curto espao de tempo aproximadamente dois anos apenas foi possvel
por meio da competncia e da dedicao institucional no s dos
pesquisadores do Ipea, mas tambm de seu corpo funcional
administrativo. Neste perodo, a empreitada envolveu em intenso
trabalho contnuo, coletivo e cumulativo todas as reas da Casa, sem
exceo, nos diversos estgios de todo o processo que sempre sustenta
um trabalho deste porte.
, portanto, a esses dedicados servidores que gostaria
primeiramente de dirigir-me, em reconhecimento e gratido pela
demonstrao de esprito pblico e interesse incomum na tarefa
sabidamente complexa que lhes foi confiada, por meio da qual o Ipea
vem cumprindo sua misso institucional de produzir, articular e
disseminar conhecimento para o aperfeioamento das polticas pblicas
nacionais e para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.
Em segundo lugar, igualmente importante tornar pblico meu
agradeci-mento a todos os professores, consultores, bolsistas e
estagirios contratados para o projeto, bem como a todos os demais
colaboradores externos voluntrios e/ou servidores de outros rgos e
outras instncias de governo, convidados a compor cada um dos
documentos, os quais por meio do arsenal de viagens, reunies,
seminrios, debates, textos de apoio e idas e vindas da reviso
editorial puderam enfim chegar a bom termo, publicados.
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14 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
Registre-se, por oportuno, que, embora o livro reflita parte
importante dos contedos produzidos no mbito do projeto PDB entre
2008 e 2010, as ideias e os julgamentos nele perfilados so de
inteira e exclusiva responsabilidade dos autores dos respectivos
captulos. Em outras palavras, nem a instituio Ipea tampouco os
colaboradores envolvidos no projeto tm qualquer participao ou
responsabilidade por opinies e eventuais erros e omisses aqui
contidos.
Em suma, espera-se que, com o esforo empenhado, se possa ter
logrado tanto alcanar um registro histrico de parte das atividades
em curso no Ipea no trinio recente (2008 a 2010) agora acessveis a
um pblico mais amplo , como colaborar para atualizao e redefinio de
temas atuais para as polticas pblicas brasileiras e para o prprio
fortalecimento do Estado e das instituies republicanas e
democrticas no Brasil.
Boa leitura e reflexo a todos!
Jos Celso Cardoso Jr.
-
PARTE IREPBLICA
-
CAPTULO 1
A REPBLICA COMO REFERNCIA PARA PENSAR A DEMOCRACIA E O
DESENVOLVIMENTO NO BRASIL*
Luseni AquinoAlexandre Cunha
Bernardo Medeiros
1 INTRODUO
O conceito de repblica no unvoco e tem sido empregado no
pensamento e na anlise poltica para se referir a diferentes
questes. Em termos bastante sintticos, as duas acepes mais
comumente relacionadas a esta ideia referem-se, de um lado, a uma
forma de governo instituda pela vontade da comunidade poltica o
que, no caso das experincias contemporneas, contrape-se aos
governos monrquicos e aproxima-se dos regimes democrticos e, de
outro, a uma forma de vida poltica fundada na primazia do interesse
comum que requer o engajamento da comunidade na conduo da coisa
pblica e se faz expressar de maneira especial nos princpios, nas
prticas e nos procedimentos que conformam as instituies. Embora
ambas as acepes no se oponham, e at se complemen-tem, a discusso
que se pretende fazer neste texto aborda a repblica a partir da
segunda delas, interessando discutir especificamente o carter
republicano das instituies constitutivas do Estado brasileiro,
entendido enquanto agncia primordial da comunidade poltica para
gesto do que pblico.
E por que recolocar em debate o tema republicano? Primeiramente,
porque se reconhece que se trata de referncia importante na reflexo
poltica atual. Nas ltimas dcadas, a repblica ressurgiu como
referncia importante nas reflexes sobre a poltica. Noes como
virtude cvica, espao pblico, bem comum, bom governo, comunidade
poltica, interesse bem compreendido, entre outras pertencentes
gramtica da res publica, tm sido mobilizadas tanto para tematizar a
sociabilidade corriqueira nos diferentes contextos de interao
poltica, quanto para abordar a questo do desempenho e do
aprimoramento do Estado e das instituies democrticas.1
* Este captulo corresponde a uma verso ligeiramente modificada
da introduo do livro Estado, instituies e democracia: repblica
(volume 1), organizado e editado por Luseni Aquino, Alexandre dos
Santos Cunha e Bernardo Medeiros, todos da Diretoria de Estudos e
Polticas do Estado, das Instituies e da Democracia (Diest) do Ipea,
para o projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro. A
responsabilidade por este novo texto exclusiva dos autores que o
assinam. Com isso, isenta-se o Ipea por erros, omisses e opinies
assinadas neste novo trabalho autoral.1. A respeito, ver Pocock
(1975), Walzer (1980), Sandel (1982, 1984), Pettit (1997), Skinner
(1998), Viroli (2002), Bignotto (1991, 2000b, 2001, 2004) e Cardoso
(2004).
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18 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
A retomada do referencial republicano acontece em um contexto
marcado por crises econmicas, de regulao estatal, de representao e
de participao poltica manifestas, muitas vezes, em escala mundial
que impulsionaram uma onda crtica, endereada aos vrios aspectos da
teoria poltica liberal e, em especial, s instituies e s prticas
neoliberais.2
Remontando a uma longa tradio do pensamento poltico, o
republicanismo contemporneo prope uma teoria da poltica que, em
sntese, busca integrar as referncias modernas de liberdade
individual e garantia de direitos subjetivos na esfera privada com
as noes de virtude cvica e bem comum ligadas ao no espao pblico. No
Brasil, a ecloso deste movimento coincide com o perodo de
redemocratizao da vida poltica e de elaborao e vigncia do marco
jurdico-institucional consubstanciado na Constituio Federal de 1988
(CF/88), que forneceu ao pas um arcabouo, em grande medida,
inovador em face da tradio nacional. O texto constitucional no
apenas reafirmou que o Brasil constitui uma repblica, como tambm
estabe-leceu algumas das balizas que visam favorecer a cultura
republicana, ainda que no tenha delimitado completamente seus
contornos. Alguns exemplos so a fixao do princpio da publicidade
das contas e dos atos dos rgos pblicos; a incorporao da participao
social na formulao de polticas em diversas reas, bem como do
controle do Estado pela sociedade; o reconhecimento de associaes
civis como os partidos polticos e os sindicatos como agentes do
controle da constitucionalidade das leis; e a atribuio funcional de
defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e dos interesses
difusos ao Ministrio Pblico (MP). Ao lado dos direitos e dos
deveres individuais e coletivos, estas e outras previses
constitucionais tm contribudo para o surgimento de instigantes
experincias no espao pblico especialmente em torno do Estado ,
marcadas pela mobilizao de diferentes atores, para tratar dos mais
variados assuntos de interesse da sociedade.
Assim, no livro Estado, instituies e democracia: repblica (Ipea,
2010, v. 1), dedicado reflexo sobre o Estado e sua configurao
institucional no Brasil contemporneo, a repblica se impe como mote
central. Enquanto forma de vida poltica que se organiza com base na
primazia do interesse pblico, esta tambm estabelece parmetros
importantes para pensar os rumos da democratizao e do
desenvolvimento do pas temas que foram abordados, respectivamente,
nos volumes 2 e 3 que completam o livro. De um lado, considera-se
importante discutir se, vencidos mais de 25 anos desde a
redemocratizao e o retorno ao governo civil, a experincia
democrtica brasileira vem construindo uma trajetria republicana, ou
seja, se as instituies e as prticas que conformam o Estado
democrtico e social de direito no pas ecoam e respeitam o interesse
pblico.
2. Nas palavras de Cardoso (2000, p. 28-29), a retomada
contempornea da repblica carrega um acentuado agulho crtico (...),
faz contraponto celebrao da expanso do mercado e da esfera dos
interesses privados, retrao do espao pblico e das regulaes
polticas. as agressividades terica e prtica do ultraliberalismo, a
rarefao da atmosfera social, que parecem suscitar a necessidade de
devolver alguma densidade esfera do comum, dos interesses
partilhados, da ao coletiva e da solidariedade poltica no seio das
prprias sociedades democrtico-liberais contemporneas.
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19A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
De outro lado, em um contexto em que o tema do desenvolvimento
volta a ganhar fora no debate poltico e inspira uma imagem
projetada da nao no futuro, v-se como oportuno recolocar a
referncia republicana como parmetro para analisar a adequao da
configurao institucional presente do Estado em termos de sua
estrutura, organizao e abertura ao escrutnio e ao controle dos
atores que se movimentam no espao pblico aos objetivos do
desenvolvimento.
Este captulo, ao tempo em que sintetiza os argumentos centrais
dos quinze textos reunidos no volume 1 do livro Estado, instituies
e democracia (op. cit.), tambm busca inserir as reflexes
apresentadas no marco da questo republicana, apontando possveis
conexes com os problemas e as opes apresentadas em sua formulao
contempornea e identificando alguns dos temas que emergem da
leitura conjunta destes textos e que indicariam caminhos possveis
para o esforo continuado de reflexo sobre as instituies e as
prticas polticas brasileiras, tendo em vista o desenvolvimento do
pas.3
2 A CONTEMPORANEIDADE DA QUESTO REPUBLICANA NO BRASIL
Com base nas premissas anunciadas na introduo, pode-se dizer que
o livro Estado, instituies e democracia: repblica (Ipea, 2010, v.
1) dedica-se a compreender o Estado brasileiro do ponto de vista
institucional e organizacional, discutindo as relaes entre poderes,
o arranjo interfederativo, a dimenso burocrtica e os mecanismos de
controle do Estado. Para tanto, divide-se em quatro partes.
A parte I, Relaes entre os poderes no atual contexto de
desenvolvimento, concentra esforos no tema que, de certa forma, tem
sido angular no republicanismo, ou seja, as relaes horizontais
entre os poderes do Estado. Partindo da teoria clssica da tripartio
dos poderes, procura compreender qual a conformao atual e de que
modo se articulam e se coordenam as aes do Executivo, do
Legislativo e do Judicirio no pas.
Os textos que abordam especificamente essa temtica so precedidos
de um provocativo debate entre os professores Gabriel Cohn e Luiz
Werneck Vianna, o qual foi reproduzido aqui nesta coletnea como
captulo 2, A atualidade da questo republicana no Brasil do sculo
XXI. Nas entrevistas concedidas isoladamente aos autores deste
captulo, ambos enfrentam o tema republicano, discutindo pontos como
a incipiente democracia de massas brasileira, o problema da incluso
social, os desafios governana estatal e o papel da burocracia e dos
mecanismos de controle do Estado.
3. Por oportuno, esclarece-se que, para o presente livro, fez-se
uma seleo de captulos que, na opinio do organizador deste
volume-sntese, representariam to bem quanto possvel o temrio geral
do volume 1 da citada trilogia, guardando ademais correspondncia
com o esprito geral do projeto Perspectivas do Desenvolvimento
Brasileiro, ao qual ele se vincula. Desta feita, apesar deste livro
trazer na ntegra apenas sete dos quinze captulos originalmente
publicados na referida coletnea, optou-se, aqui neste captulo
introdutrio parte que trata do tema republicano, por manter
praticamente inalterada a verso original do texto, na crena de que,
com isso, seja possvel mais bem contextualizar e informar o leitor
acerca do conjunto de temas presentes na obra na qual se inserem os
captulos que vm a seguir reproduzidos.
-
20 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
Em linhas gerais, Cohn e Werneck Vianna parecem empenhados na
tarefa de resgatar o espao prprio da prtica poltica na sociedade
contempornea, tomando a cidadania como condio inescapvel do
indivduo moderno. Ante a preponderncia da vida econmica sobre a
poltica e a substituio do governo dos homens pela administrao das
coisas (Aron, 1976 apud Jasmin, 2000, p. 73), a referncia
republicana parece contribuir de forma privilegiada para aquela
tarefa, ao enfocar de modo especial o aspecto constitucional do
exerccio do poder da sociedade sobre si mesma.4
Ainda que por caminhos distintos, Cohn e Werneck Vianna
estabelecem dilogo no apenas entre si, mas tambm com o
republicanismo contemporneo. Suas referncias aos marcos da virtude
cvica e do bem comum no partem de uma concepo moral ou finalista da
comunidade poltica, como o fizeram o republicanismo clssico (de
inspirao aristotlica e ciceroniana) ou at mesmo o humanismo cvico
de Maquiavel.
Diferentemente dessas vertentes do republicanismo, para as quais
a natu-reza de um regime de governo reflete no apenas a delimitao
da extenso do poder soberano, mas tambm a definio da finalidade da
comunidade poltica (Cardoso, 2000), ou a manifestao dos valores
mais elevados da condio humana (Bignotto, 2000b), o republicanismo
contemporneo no ignora as exigncias da modernidade no que tange a
uma compreenso pluralista da formao social. Com isso, o conceito de
virtude cvica ganha novos contornos e, no lugar de corresponder a
uma noo de irrefutvel conotao moral, passa a ser entendido mais
estritamente como virtude poltica, como a capacidade e a
disponibilidade dos indivduos de atuarem, a partir de interesses
diversos, em um espao de compro-misso para a gesto do que de
todos.
Ao discutir a questo da virtude e seu papel no espao pblico,
Cohn e Werneck Vianna parecem acatar sem restries a afirmao de
Walzer, um dos inspiradores do republicanismo contemporneo, segundo
a qual o interesse pelas questes pblicas e a devoo s causas pblicas
so os principais sinais da virtude cvica (Walzer, 1980 apud Putnam,
2000, p. 101).
O mesmo se d com relao concepo do bem comum. Embora ambos
reconheam que, no espao pblico, o bem comum prevalece sobre
qualquer interesse particular, nenhum deles atribui contedo
substantivo a esta noo, recusando poltica a possibilidade de fixao
prvia de fins ltimos, definidos em termos substantivos. Ao
contrrio, a ideia de bem comum comparece, em
4. A politeia termo original grego adotado por Plato e
Aristteles e posteriormente traduzido para o latim como res publica
, em sentido tcnico e preciso, refere-se ao aspecto constitucional
da ordenao dos poderes da polis. Na origem da palavra, pode-se
identificar a preocupao fundamental com a relao entre a natureza e
a forma de vida de uma comunidade e seu regime de governo, enquanto
organizao do poder ou constituio propriamente dita do governo. Ver
Cardoso (2000).
-
21A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
suas vises, em harmonia com a noo de liberdade, to cara
modernidade e ao pensamento poltico em geral. Tambm neste ponto se
pode identificar um dilogo prximo s formulaes do republicanismo
contemporneo, para o qual a liberdade compreendida, de maneira
positiva, como a capacidade de livre ao e manifestao no espao
pblico, sendo totalmente compatvel com a ideia de bem comum.5
Essa compatibilizao fica evidente na formulao de Werneck Vianna,
que retoma a noo tocquevilleana de interesse bem compreendido para
se referir ao mecanismo que levaria os homens a se associar de uma
forma tal que redundasse em benefcio de todos. Tendo como cerne a
identificao racional entre os interesses particulares e os da
cidadania, esta noo expressa a condio de possibilidade da liberdade
nas sociedades em franco processo de individualizao, o que dota
esta doutrina, que moralmente fraca, de grande eficcia poltica
(Jasmin, 2000).
Outro aspecto que merece ser destacado diz respeito s relaes
entre rep-blica e democracia. Ainda que se aproximem, os dois
termos se referem a questes distintas. Em linhas gerais, a
democracia tem a ver com a ampliao da participao do demos no
exerccio do poder; a repblica, por sua vez, remete para as prprias
condies de exerccio do poder, o que especialmente problemtico
quando os que mandam devem tambm obedecer: Ora, toda a questo
republi-cana est, justamente, no autogoverno, na autonomia, na
responsabilidade ampliada daquele que ao mesmo tempo decreta a lei
e deve obedecer a ela (Ribeiro, 2000, p. 21). Outra distino
marcante entre democracia e repblica refere-se ao fato de que,
enquanto a primeira se satisfaz com a frmula do governo da maioria,
a segunda enfrenta o desafio de promover a implicao efetiva de
todos na expresso e realizao do bem comum (Cardoso, 2004, p. 46).
Assim, se a constituio da vontade geral se resolve na teoria
democrtica por meio da manifestao da vontade da maioria, o cerne do
problema republicano est na concertao de todos os interesses para o
bem comum, na regulao do conflito constante das partes que compem o
corpo poltico e ganha seus contornos institucionais e histricos na
medida em que se chega a uma configurao de direito que os acolhe
(Bignotto, 2004, p. 39).
5. De fato, dois entendimentos distintos sobre a liberdade podem
ser identificados na tradio republicana. O primeiro corresponde
ideia de liberdade positiva, entendida como a liberdade de
participar da autodeterminao coletiva da comunidade, o que Benjamin
Constant e Isaiah Berlin associaram viso dos antigos, mas tambm est
presente nas formulaes de Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville e
Hannah Arendt. O segundo entendimento remete ideia de estar livre
da dominao, isto , da interferncia ilegtima e em desacordo com a
lei. Esta noo est presente no republicanismo contemporneo, de forma
mais elaborada nas formulaes de Pettit (1997) e, em certo sentido,
compatvel com o individualismo da sociedade atual, estando
inclusive mais prxima da concepo liberal de liberdade negativa, da
liberdade como no interferncia o que, conforme alguns crticos,
limita a possibilidade de se chegar ao consenso sobre o bem comum
(Bignotto, 2004). Uma diferena fundamental entre ambas, no entanto,
o fato de que esta ltima v a lei como constrangimento necessrio
para a proteo da liberdade dos indivduos, ao passo que aquela
percebe a lei como fruto da ao e do assentimento de todos e cada um
dos indivduos e expresso da prpria possibilidade de efetivao da
liberdade.
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22 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
Nas palavras de Cardoso:
O que a repblica quer lembrar democracia to somente a exigncia
da encarnao institucional (e no meramente procedimental ou mesmo
simblica) e a dimenso social e histrica das formulaes do direito. O
que ela recorda democracia so as condies reais da produo e reproduo
das leis, a exigncia de que uma efetiva concertao ou acomodao dos
interesses sustente a sua promulgao, visto que a democracia tende a
tom-las (...) como produzidas imediatamente pela universalidade da
participao, pelo recurso ao voto e regra numrica da maioria, ou
ainda apenas pela negao da particularidade, pela contestao popular
da ordem estabelecida (Cardoso, 2004, p. 64).
Respeitando essas distines, os dois entrevistados parecem
convergir para uma compreenso processual da repblica, que
resultaria da prpria democratizao. Werneck Vianna j apontara a
necessidade de entender a repblica como uma construo
histrico-processual que resulta de um longo caminho de democratizao
da esfera pblica, que se tornou permevel vontade dos indivduos
(Vianna e Carvalho, 2000, p. 131). No mesmo sentido, Cohn
sinteticamente se refere ao percurso democracia como jogo e
democracia como aprendizado repblica, embora seja especialmente
exigente quanto aos requisitos para a efetivao da experincia
republicana, ao afirmar que, ao contrrio da democracia, que pode
ser aperfeioada continuamente, a repblica exige, de sada,
qualificaes e formas de sensibilidade social altamente
sofisticadas, que permitem manter viva uma coisa que a demo-cracia,
especialmente em sua verso mnima, negligencia, que o exerccio de
virtudes pblicas.
Na sequncia do debate entre Cohn e Werneck Vianna, os trs
captulos seguintes do livro do Ipea se dedicam reflexo sobre os
poderes da Repblica brasileira. Como j se afirmou anteriormente, a
partio do poder do Estado tem sido uma questo angular no pensamento
republicano. No sem tenses, o prin-cpio da separao e da harmonia
entre os poderes, presente no republicanismo da Revoluo Francesa de
1789, foi paulatinamente cedendo lugar a um modelo de
compartilhamento do poder poltico.
Nesse contexto, as formas de controle recproco tambm ganharam
relevncia, fazendo ecoar a doutrina de freios e contrapesos do
republicanismo norte-americano. No caso brasileiro, em que a
primeira experincia republicana significou, em grande medida, a
incorporao das prerrogativas do Poder Moderador imperial Presidncia
da Repblica, observou-se, historicamente, uma tendncia centralizao
do poder poltico em torno do Executivo, o que conferiu a tnica das
relaes entre os poderes no pas.
No entanto, fenmenos relativamente recentes, como a adoo do
controle concentrado da constitucionalidade das leis, exercido pelo
rgo de cpula do
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23A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
Judicirio,6 vm conferindo novas nuanas a essas relaes e ao
equilbrio entre os poderes.
Em tempos de disputas acirradas sobre o compartilhamento do
poder pol-tico, presses em cadeia no interior do circuito decisrio
e constantes conflitos de prerrogativas entre os poderes, o livro
sobre a Repblica procura ainda desvendar a configurao, o desempenho
e o padro de relacionamento estabelecido entre os poderes Executivo
e Legislativo, desde a CF/88. Partindo do pressuposto de que o
presidencialismo e o federalismo so as instituies centrais do Poder
Executivo brasileiro, o captulo 3, a seguir, Poder Executivo:
configurao histrico-institucional, recupera a trajetria de
conformao do presidencialismo federativo no pas. De um lado,
explora alguns dos mecanismos por meio dos quais a matriz
hori-zontal consagrou a prevalncia do Executivo frente aos demais
poderes, destacando como crucial a prerrogativa do chefe do
Executivo de tomar decises com eficcia legal imediata. De outro
lado, o texto discute alguns dos aspectos especficos do federalismo
brasileira, evidenciando o fato de que a paulatina ampliao das
atribuies, dos oramentos e da estrutura do governo federal, mesmo
diante do processo de descentralizao em curso desde o final da
dcada de 1970, reatualiza a matriz vertical da institucionalizao do
Estado.
De forma sugestiva, o texto chama ateno, ainda, para a
importncia de se considerar a dimenso burocrtica na configurao do
presidencialismo federativo brasileiro, dado o papel desempenhado
pela burocracia no processo de definio e implementao das polticas,
envolvendo a garantia de eficcia e eficincia das aes pblicas e a
intermediao entre Estado e sociedade e entre os poderes do Estado.
Os marcos adotados no resgate e na anlise da configurao
institucional do presidencialismo federativo brasileiro servem, ao
final do texto, proposio de que uma agenda inovadora de reflexo e
pesquisa sobre os poderes do Estado esteja fundada na anlise de seu
desempenho institucional, ou seja, das relaes entre o poder
formalmente atribudo ao Estado, os processos desenvolvidos para seu
exerccio e seus produtos resultantes.
Aceitando esse desafio metodolgico, o captulo 4 desta coletnea,
O Congresso Nacional no ps-1988: capacidade e atuao na produo de
polticas e no controle do Executivo, procura avaliar o desempenho
institucional do Congresso nos ltimos vinte anos. A partir de ampla
anlise quantitativa da atuao parlamentar, o texto
6. O sistema brasileiro de controle da constitucionalidade das
leis misto, combinando a forma difusa, exercida por qualquer juiz
em face de uma pretenso de direito que envolva, em carter
incidental, discusso da constitucionalidade, e a forma concentrada,
em que a questo constitucional constitui a prpria motivao da
demanda levada a juzo. A modalidade difusa de controle de
constitucionalidade foi adotada desde a primeira constituio
republicana, ao passo que a concentrada surgiu no incio da ditadura
militar. A Constituio de 1988 referendou o sistema misto e
instituiu instrumentos que conferem maior amplitude e eficcia ao
controle concentrado. Em certo sentido, este contexto contribui
para o aumento da tenso entre o Legislativo e o Judicirio, j que as
leis aprovadas em conformidade com a vontade parlamentar podem ser
derrubadas sob alegao judicial de inconstitucionalidade.
-
24 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
busca determinar em que medida a instituio capaz de influenciar
a produo de polticas pblicas, tanto elaborando iniciativas prprias
quanto alterando signi-ficativamente as propostas do Poder
Executivo, at mesmo contra a vontade deste. Debrua-se, ainda, sobre
o exerccio dos poderes parlamentares de fiscalizao e controle,
procurando conhecer o modo como a atividade do Poder Legislativo
impacta a execuo das polticas pblicas pelo Poder Executivo. Apesar
de a lite-ratura tradicionalmente classificar o Parlamento
brasileiro como essencialmente recalcitrante e tendente ao
comportamento venal, os dados empricos analisados no texto
demonstram no ser verdadeiro que o Poder Legislativo bloqueie
siste-maticamente ou submeta-se agenda imposta pelo Poder
Executivo.
O texto indica que o Congresso brasileiro seria descrito de
forma mais adequada como reativo-flexvel, ou seja, como um
legislativo disposto a priorizar as polticas propostas pelo
Executivo, negociando seu apoio.
A partir de outro captulo, mapeiam-se as consequncias das
recentes reformas do Poder Judicirio e sua relao com os outros
poderes do Estado, em poca de acentuado ativismo judicial e
progressiva judicializao das polticas pblicas. medida que estas
reformas vm sendo impulsionadas pelo Poder Executivo, em especial,
pelo exerccio do poder de agenda do presidente da Repblica sobre o
Congresso Nacional, em nome da ampliao do acesso justia e de maior
eficincia na prestao jurisdicional, torna-se pertinente avaliar se,
para alm da atuao da Secretaria de Reforma do Judicirio do
Ministrio da Justia (SRJ/MJ), a administrao pblica federal vem
comportando-se de modo coerente com estes objetivos. Partindo do
exame quantitativo do processamento de feitos nas Justias federal e
estadual, o captulo prope uma anlise das reformas empreendidas sob
o prisma da efetividade dos direitos subjetivos e das garantias
processuais. Desta forma, busca verificar os limites das reformas a
partir de trs temas centrais: execuo fiscal, relaes de consumo e
questes previdencirias em juizados especiais, evidenciando, de um
lado, melhorias na prestao jurisdicional e no acesso justia e, de
outro, o surgimento de novos problemas que levam a questionamentos
sobre a organizao do Poder Judicirio, seu papel institucional e
suas relaes com os outros poderes.
Na sequncia, a parte II do volume 1, Desenvolvimento federativo
e descentra-lizao das polticas pblicas, volta-se para as relaes
verticais entre a Unio e os entes subnacionais de governo, com
destaque para as questes do desenvolvimento federativo e da
descentralizao da execuo das polticas pblicas. No marco de uma
repblica federativa, pautada pelo compartilhamento de poder nos
nveis local, regional e nacional, a descentralizao administrativa
pode funcionar como mecanismo propulsor do desenvolvimento e
promotor da aproximao entre o cidado e a gesto da coisa pblica. No
entanto, a histria republicana brasileira consagrou um modelo
concentrador do poder poltico, que tem como vrtice
-
25A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
no apenas o Executivo, na dimenso horizontal, mas tambm o
governo central, na vertical. Em grande medida, isto est
relacionado com a prpria formao do Estado nacional e s iniciativas
que buscaram superar a fragmentao poltica e as prticas
patrimonialistas e de cooptao herdadas dos tempos coloniais, por
meio de uma estrutura fortemente hierarquizada de distribuio
vertical do poder.
O percurso trilhado desde ento no foi unidirecional, havendo
alternncia entre movimentos de centralizao e descentralizao, sem
que se tenha atingido algum tipo de equilbrio entre estas
tendncias. Neste contexto, as relaes federa-tivas enfrentaram
inmeras limitaes ao seu desenvolvimento. Estiveram sempre sujeitas,
de um lado, s vicissitudes dos diferentes momentos polticos e, de
outro, s barganhas e aos arranjos de compromisso estabelecidos,
caso a caso, entre o governo nacional e as oligarquias regionais e
locais, o que, de maneira geral, contribuiu para obstruir o
desenvolvimento e perpetuar as desigualdades territoriais.
Desde o incio dos anos 1980, vive-se uma nova onda
descentralizadora no pas. A descentralizao no apenas ganhou terreno
no debate sobre os arranjos institucionais mais eficazes
implementao de polticas pblicas, como tambm tem inspirado
experimentos inovadores em diversas reas. Os captulos reunidos na
Parte II do volume sobre Repblica se debruam sobre o conhecimento
acumulado acerca destas experincias ao longo das trs ltimas dcadas,
com o objetivo de apresentar seus traos e suas dinmicas principais,
bem como de refletir sobre os resultados obtidos, as dimenses a
serem aprimoradas e as perspectivas atuais em termos do
desenvolvimento da articulao federativa, da reconfigurao do Estado
brasileiro e de sua relao com a sociedade para a proviso de servios
e o exerccio do poder de polcia.
Nesse esprito, o captulo 5, Coordenao e cooperao no federalismo
brasileiro: avanos e desafios, introduz a temtica das relaes
intergovernamentais, da coor-denao federativa e da descentralizao
administrativa no Brasil contemporneo. Partindo do pressuposto de
que a literatura brasileira sobre o federalismo preocupa-se
fundamentalmente com o tema da descentralizao, deixando em segundo
plano os problemas da coordenao federativa e do relacionamento
entre os nveis de governo, o texto procura apresentar e analisar
diferentes experincias de cooperao intergovernamental existentes no
pas: os consrcios pblicos, os conselhos de gestores e os sistemas
nicos de polticas sociais.
Em que pese a novidade representada pela Lei de Consrcios
Pblicos, de 2005, o texto revela a importncia de que atualmente se
reveste esta institucio-nalidade na coordenao de esforos para a
proviso de servios pblicos; em especial, nas reas de sade e meio
ambiente. No que se refere aos conselhos de gestores, evidencia-se
a diversidade de experincias presentes no pas, sendo possvel
perceber que, em geral, organismos de alto grau de
institucionalizao
-
26 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
formal tendem a ter desempenho pior que os informais,
especialmente quando estes esto associados aos sistemas nicos de
polticas sociais.
Quanto a este arranjo, pode-se afirmar, a partir da anlise
desenvolvida no captulo 5, que representa exemplo promissor de que,
presentes os incentivos adequados, a cooperao federativa pode
produzir resultados positivos em termos da eficincia e da
efetividade na proviso de servios pblicos.
No captulo 6, Lei de Responsabilidade Fiscal, federalismo e
polticas pblicas: um balano crtico dos impactos da LRF nos
municpios brasileiros, procura-se compreender o fenmeno da
descentralizao da execuo das polticas sociais em meio s restries
impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Se a
descen-tralizao administrativa normalmente reconhecida como
benfica, em virtude da maior proximidade existente entre os
organismos de gesto e a cidadania, torna-se pertinente analisar at
que ponto este princpio coerente com os mecanismos de controle
financeiro criados pelo governo federal, os quais podem estar em
contradio com as aspiraes da comunidade poltica local. Para
analisar a questo, o texto recupera o processo de descentralizao
das polticas sociais brasileiras, que se acelera nos anos 1980, ao
mesmo tempo em que reconstri o movimento que resultou na aprovao da
LRF, inserido no contexto macroeconmico mais amplo de
recentrali-zao fiscal na Unio dos anos 1990. A partir disto, avana
na anlise das mudanas introduzidas nas finanas pblicas dos entes
subnacionais, para concluir com a an-lise dos impactos polticos,
institucionais, fiscais e de gesto/gerenciais exercidos pela LRF
sobre os municpios. O texto sinaliza no sentido de que, se, do
ponto de vista republicano, a imposio de certos padres e
procedimentos de gesto dos recursos oramentrios tem o intuito de
prevenir a corrupo e garantir o zelo com a coisa pblica, o governo
nacional acaba criando obstculos experimentao de novos modelos de
gesto e de controle social. Com esta atitude tutelar, termina por
impedir que os municpios amaduream padres prprios de administrao
pblica em nvel local e se tornem protagonistas da ao estatal.
O arranjo federativo no mbito do Sistema nico de Sade (SUS) e o
impulso que este vem exercendo sobre as reformas e as mudanas
organizacionais em estados e municpios so abordados em outro
captulo do livro sobre repblica. Considerada uma experincia
bem-sucedida, a trajetria do SUS tambm permite compreender quais so
as limitaes enfrentadas pelo modelo de descentralizao da execuo de
polticas pblicas por meio de sistemas nicos de polticas sociais,
possibilitando avaliar sua coerncia com o interesse pblico. Tendo o
SUS superado as dificuldades para promover adequadamente a
coordenao federativa, a questo que se apresenta atualmente a da
insuficincia dos modelos gerenciais previstos no direito
administrativo brasileiro, em especial, a Lei de Licitaes e o
Regime Jurdico nico (RJU). Este precisamente o tema do captulo, que
apresenta
-
27A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
e discute novas institucionalidades que vm sendo propostas ou
implementadas em diferentes unidades federadas com vistas ampliao
da efetividade na prestao de servios de sade. O texto delineia os
pontos essenciais do debate atual em torno da demanda por mais
autonomia na gesto das unidades assistenciais, que tem se
concentrado nas possibilidades de flexibilizao encerradas nos novos
modelos, sobretudo no que tange s formas de gesto de pessoas e ao
regime de contratao de bens e servios, de carter preponderantemente
privado.
A reflexo que o texto deixa ao leitor remete ao ncleo da questo
republicana expresso na tenso existente entre a preservao do carter
pblico do SUS consubstanciado no princpio da direo nica do poder
pblico e a garantia desses princpios na relao sempre cambiante com
o setor privado.
O captulo 8 Poltica de segurana pblica no Brasil: evoluo recente
e novos desafios aborda a articulao federativa no mbito da poltica
de segurana pblica. Em face da inexistncia de consenso sobre o que
vem a ser segurana pblica e qual o teor das aes a serem
empreendidas pelo Estado para garanti-la, o texto evidencia algumas
das dificuldades inerentes coordenao federativa em um quadro em que
polticas pblicas contraditrias podem ser adotadas pelos diferentes
entes federados, conduzindo a constantes impasses e a uma grande
perda de efetividade nas aes do Estado. Estas dificuldades so
agravadas no contexto recente pelo fato de que os rgos federais e
municipais tm ampliado suas aes de segurana pblica tradicionalmente
vistas como alada dos governos estaduais sem, no entanto, que se
tenha clareza sobre a diviso de competncias que rege o pacto
federativo do setor. Esta questo perpassa as anlises apresentadas
no texto sobre os temas que tm pautado o debate sobre a segurana
pblica no pas: a falta de transparncia e impermeabilidade das
organizaes policiais brasileiras; o modelo de policiamento
dominante no pas e possveis alternativas; a justia criminal, o
tempo da justia e a questo da impunidade; os desafios envolvidos na
gesto do sistema prisional; a necessidade de complementar as aes de
represso da crimi-nalidade com aes de preveno, entre outros. O
captulo sinaliza, ainda, para a importncia de se incrementar a
interlocuo da sociedade com os gestores, as polcias e o sistema de
justia, bem como fomentar a participao da sociedade civil em todas
as esferas do sistema de justia criminal, de modo a garantir a
ampliao do circuito de atores que vm debatendo a poltica de
segurana pblica no pas.
A parte III do volume 1, A burocracia estatal entre o
patrimonialismo e a repblica, volta o olhar para o interior do
aparelho de Estado, procurando compreender se a burocracia estatal
brasileira est migrando do modelo patri-monialista ao
republicano.
A fixao dos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficincia para a administrao pblica, na CF/88,
encerra um marco mnimo de
-
28 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
referncias republicanas e busca afastar prticas h muito
arraigadas na mquina pblica brasileira, como a ausncia de distino
entre as esferas pblica e privada, o uso de recursos pblicos para
beneficiar interesses particulares, ou a troca de favores por apoio
poltico. Ainda que a corrupo, o patrimonialismo, o fisiologismo e
at mesmo o nepotismo sejam fenmenos comuns e relativamente
acolhidos na lgica poltico-institucional de diversas sociedades, so
prticas que dilapidam no apenas o patrimnio pblico, mas tambm a
qualidade da administrao e a confiana dos cidados nas instituies do
mundo poltico, consequentemente comprometendo sua eficcia.
Os parmetros estabelecidos na anlise clssica de Weber (1982;
1997) sobre o fenmeno burocrtico consagraram a compreenso de que as
burocracias modernas, organizadas com base em regras racionais
expressas em normas e regulamentos escritos, so responsveis no
apenas pela conduo mais eficiente das funes da administrao pblica,
mas tambm pelo prprio exerccio da dominao legtima. Assim, pensar a
administrao pblica a partir do referencial republicano significa
refletir sobre as condies para a conformao de uma burocracia
qualificada tanto em termos de competncias tcnicas quanto no que
tange capacidade de observar o estatuto poltico que rege as relaes
sociais de dominao a partir de uma concepo do bem comum.
em torno de questes como essa que se desenvolvem as anlises
propostas na parte III do volume 1, com foco na histria da
organizao dos quadros e das carreiras do Estado e na discusso sobre
a configurao atual do servio pblico federal.
Os dois primeiros captulos desta parte percorrem a histria da
administrao pblica brasileira, de seu modelo de gesto e de seus
servidores pblicos, dividindo-a em dois blocos, dos quais o segundo
encontra-se aqui nesta coletnea reproduzido como captulo 6. Visto
em conjunto, este captulo trata de um perodo em que a formao social
brasileira, de cunho aristocrtico, agrrio e escravista, demandava
do Estado basicamente as tarefas de arrecadao fiscal, defesa do
territrio e manu-teno da ordem, delegadas pela Coroa aos detentores
do poder local. Ainda assim, o texto destaca que o perodo colonial
assistiu ao princpio da migrao para uma administrao minimamente
racional, a partir das reformas pombalinas do fim do sculo XVIII. A
transferncia da famlia real para o Brasil, em 1808, apesar de ter
sido determinante na construo do Estado Nacional e na transio para
a Indepen-dncia, trazendo maior autonomia administrativa e
liberdade econmica para o pas, no teria alterado substancialmente a
gesto da mquina pblica.
Com a manuteno do poder nas mos das oligarquias rurais, os
cargos p-blicos que se multiplicavam eram preenchidos por meio de
sistemas de clientela e utilizados como modo de apadrinhamento,
caractersticos de um Estado patri-monialista, no qual no havia
ntida distino entre a esfera pblica e a privada.
-
29A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
O texto argumenta que, sendo excessiva em certos casos e
disfuncional em outros, a burocracia estatal no constitua um
aparato efetivamente racional, sequer funo de administrar o
territrio.
A partir de 1930, contudo, as mudanas socioeconmicas e poltico-
administrativas impem novos padres para o crescimento de servios e
empregos pblicos no Brasil, o que teve como contrapartida a ampliao
das atividades estatais. a partir deste ponto que o captulo 6 aqui
transcrito, O Leviat em ao: gesto e servidores pblicos no Brasil de
1930 aos dias atuais, d sequncia anlise anterior, avanando at a
atualidade. O texto mostra que as dcadas que se seguiram Revoluo de
1930 foram de criao e reestruturao dos principais rgos e polticas
do Estado, ampliando seu raio assistncia social e ao
industrializante. Destaque especial cabe criao do Departamento
Administrativo do Servio Pblico (DASP), em 1936, com a funo de
reorganizar e racionalizar a estrutura administrativa embora muitos
dos rgos da administrao pblica ainda seguissem sendo criados para
dar conta de interesses particulares, no raro sobrepondo-se aos j
existentes. O captulo prossegue na anlise da burocracia estatal at
seus marcos mais recentes, passando pela Reforma Administrativa de
1967 e pela CF/88. Estes dois momentos so tomados como marcos a
partir dos quais vem melhorando significativamente o perfil
profissional dos servidores pbli-cos, selecionados necessariamente
pela via do concurso pblico, embora convivendo ainda com vrios
aspectos da herana patrimonialista.
Fechando a anlise do tema burocrtico, outro captulo enfoca o
quadro atual, tratando especificamente do movimento de recomposio
das carreiras p-blicas federais aps o severo ajuste fiscal dos anos
1990. Considerando as recentes transformaes experimentadas pelo
pas, como maior dinamismo econmico e incluso de camadas sociais,
surgiram novas demandas por mais e melhores servios pblicos, para
as quais o governo federal vem adotando uma poltica de gesto da
fora de trabalho calcada em trs pilares: recomposio de
quantitativos, implantao de novas carreiras e profissionalizao dos
cargos de direo e assessoramento superior.
O captulo alerta, no entanto, para dois aspectos: o mito do
inchao da mquina pblica e o profundo desequilbrio existente entre
as estruturas de controle e de execuo de polticas pblicas presentes
na administrao pblica federal. No primeiro caso, o que se verifica
a recomposio dos quadros e substituio de terceirizaes irregulares
por servidores concursados. A reduo do quantitativo de servidores
pblicos, que teve incio em 1990, interrompeu-se em 2003, mas, ainda
assim, um total de servidores civis na ativa consideravelmente
inferior ao de 1989, encontrando-se no mesmo patamar de 1997. No
tocante s estruturas de controle e de execuo de polticas pblicas,
um desenho institucional baseado na desconfiana quanto competncia
ou honestidade dos servidores pblicos
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30 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
que atuam nas reas finalsticas gerou uma hipertrofia da primeira
em relao segunda, e o modelo excessivamente centrado no combate ao
gasto pblico com sua perversa estrutura de incentivos conduzindo
cultura de inao e de averso ao risco por parte dos servidores
pblicos mostrou suas insuficincias em um cenrio de crescimento.
Concluindo o volume 1, a parte IV, Controle do Estado e defesa
do interesse pblico, dedica-se precisamente a refletir sobre a
defesa do interesse pblico no dia a dia das instituies estatais. De
certo, o Estado democrtico de direito a possibilidade de expresso
atual da repblica (Cardoso 2000; Vianna e Carvalho, 2000). Ainda
que esta no deva ser reduzida quela formao histrica, as instituies
e os procedimentos que esto na base do Estado democrtico de direito
podem referendar princpios e valores de carter republicano, a
comear pela compreenso de que o prprio Estado est sujeito ao
direito, s leis e s normas que visam materializar o bem comum, e
que o controle de seu aparelho administrativo visa, antes de
qualquer coisa, defesa da prpria administrao e dos direitos dos
cidados.
As formas de controle variam conforme diferentes aspectos, como
o momento de sua realizao (preventivo, concomitante ou corretivo),
o objeto em foco (legali-dade, mrito ou resultados), a tipologia
das organizaes responsveis pelo controle (administrativo,
judicirio, parlamentar ou social), entre outros. Os dois primeiros
captulos da parte IV do volume 1 abordam a questo do controle a
partir da posio do rgo controlador em relao administrao pblica: se
externo ou interno.
O captulo sobre o controle externo centra anlise no Tribunal de
Contas da Unio (TCU), realando sua insero no contexto de instituies
promotoras da accountability horizontal, na medida em que
desempenha a primordial funo de controlar os gastos pblicos com
base nos aspectos da legalidade, legitimidade, eco-nomicidade, e
tambm com relao eficincia. Ademais, o rgo tem se revelado um
importante instrumento para promover aes de responsabilizao
daqueles que provocaram danos ao errio pblico.
Com relao sua forma de atuao, se, de um lado, constatam-se
avanos, promovendo a responsabilizao dos causadores de danos ao
errio, de outro, surgem situaes que merecem melhor anlise. Uma
delas a delimitao da sua competncia de atuao e a sobreposio com
outros rgos de controle. o caso, por exemplo, da Avaliao de
Programas e Projetos de Governo, que suscita dvidas quanto
capacidade do rgo para realizar avaliao de eficcia das polticas
pblicas. Outro aspecto controverso a possibilidade de paralisao de
obras pblicas em anda-mento, independentemente de manifestao do
Congresso Nacional. No plano mais amplo, persistem dvidas sobre a
demarcao de competncias entre rgos do controle externo e interno,
do MP e do Parlamento.
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31A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
O controle interno, por sua vez, objeto de captulo sobre a
Controladoria Geral da Unio (CGU), que pretende compreender
especificamente as transfor-maes recentes do sistema de controle
interno do Executivo federal, tendo em vista tanto as reformas
legais e administrativas quanto o significado poltico destas
modificaes. O texto destaca como o apoio social e das instituies
polticas e partidrias ao fortalecimento dos vetores democrticos foi
fundamental para a criao e a estruturao deste sistema.
Considerando-se o processo de reforma iniciado nos anos 1980, a
criao da Secretaria Federal de Controle Interno, em 1994,
representa um marco no sistema federal de controle interno. Ela
vista tanto como consequncia quanto como motor de transformaes
polticas relacionadas redemocratizao pela qual passaram a sociedade
e as instituies brasileiras nos ltimos vinte anos, j que atua no s
na transparncia da gesto pblica, como tambm na responsabilizao de
gestores, reafirmando, assim, os princpios republicanos.
Contudo, se preciso empenhar-se para que os princpios
republicanos sejam internalizados pelas instituies polticas, em
especial as estatais, como forma de garantir a prevalncia do pblico
na vida poltica, tambm necessrio cuidar para que a repblica no seja
simplesmente naturalizada. Esta tenso j foi denominada como
dialtica dos procedimentos. Se estes requerem institucio-nalizao
contnua, tambm exigem vitalidade, animao, sob pena de ficarem
restritos s grandes mquinas burocrticas e perderem seu suporte
sociolgico: a cidadania ativa, a opinio, a participao e o controle
dos cidados comuns (Vianna e Carvalho, 2000, p. 133-134).7
A importncia de que o pblico seja continuamente reavivado em
face da cultura privatista dos tempos atuais exigiria, inclusive, a
implementao de polticas pblicas voltadas para este objetivo
especfico. Segue-se que a questo dos procedimentos bifronte,
dependendo tambm de movimentos de baixo para cima, que, quando
inexistentes, devem ser estimulados por polticas pbli-cas que visem
reanimao da sociabilidade, uma vez que, imersa no privatismo
absoluto tal como Tocqueville temia que viesse a ocorrer na vida
moderna , ela acabaria, no limite, por inviabilizar o Estado
Democrtico de Direito ele no pode, por exemplo, conviver com taxas
de participao eleitoral prximas de zero (Vianna e Carvalho, 2000,
p. 134).
o esprito da discusso sobre a vitalidade que deve impregnar a
tica pro-cedimental, de modo a garantir a defesa republicana das
instituies polticas, que comparecem nos captulos finais do volume
1, dedicados ambos ao tema do controle que a sociedade exerce, sem
intermedirios, sobre o Estado. O captulo 7, a seguir reproduzido,
Corrupo e controles democrticos no Brasil, debate um dos
7. Para uma crtica terica incisiva da repblica procedimental,
ver Sandel (1984).
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32 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
principais problemas para a gesto pblica e a democracia: a
corrupo e os de-safios relativos ao controle da sociedade sobre os
atos administrativos do Estado. Para pensar em perspectivas de
longo prazo sobre o problema, o texto resgata as diferentes
vertentes analticas do conceito de corrupo em busca de nexos mais
prximos com o tema do interesse pblico e, a partir disto, prope o
fortaleci-mento do controle pblico no estatal. Diferentemente dos j
consagrados con-troles burocrtico e judicial, esta modalidade se
afasta das instituies estatais e exercida pela sociedade, por meio
de movimentos, associaes civis e outras formas pblicas ou
semiestatais, com base em uma concepo mais substantiva, e no
estritamente formal, de interesse pblico.
O texto chama ateno para o fato de que a retomada da capacidade
de gesto e a busca de maior eficincia do setor pblico passam pela
inverso da relao entre os controles burocrtico, judicial e pblico
no estatal, com o resta-belecimento do equilbrio entre estas trs
dimenses. No caso brasileiro, em que as estratgias preponderantes
de combate corrupo tm se voltado para a pro-duo legislativa, as
reformas da mquina pblica e a criminalizao crescente das prticas
que esto no seu entorno, preciso tambm investir na ampliao
cres-cente da participao social em atividades de planejamento,
acompanhamento, monitoramento e avaliao das aes da gesto pblica,
incluindo a denncia de irregularidades, a participao em processos
administrativos e a presena ativa em rgos colegiados. Este um passo
fundamental tanto para assegurar maior eficincia da gesto e
efetividade das polticas pblicas, quanto para reforar o compromisso
da sociedade com o desenvolvimento poltico, econmico e social do
pas.
Fechar a obra, um ltimo captulo do livro sobre repblica que
aposta em uma via de carter societal para o aprimoramento da gesto
pblica no pas. O texto aborda comparativamente os princpios e as
estratgias empregados pela administrao pblica gerencial sucessora
dos movimentos de reforma do Estado da dcada de 1980 e pela
administrao pblica societal herdeira das mobili-zaes populares
contra a ditadura e pela redemocratizao do pas e presente em
experincias como os conselhos gestores e o oramento
participativo.
Tomando por base de anlise do modelo gerencial o caso mineiro do
cho-que de gesto, o texto reconhece seus mritos, especialmente em
relao a movi-mentos anteriores. No entanto, fundamenta a opo pela
administrao societal no princpio de construo social cotidiana da
gesto que est na base do mo-delo, e nas possibilidades de
participao e de controle social que este abre para a cidadania
brasileira.
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33A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
3 PERSPECTIVAS EM FACE DA ATUALIDADE DA QUESTO REPUBLICANA
Os textos reunidos no livro Estado, instituies e democracia:
repblica (Ipea, 2010, v. 1) abarcam diferentes dimenses da
organizao e do funcionamento das instituies que conformam o Estado
brasileiro. Juntos, permitem colocar em perspectiva algumas questes
sugeridas pelo referencial republicano, as quais so formuladas
brevemente a seguir.
3.1 Repblica, instituies e democracia: o desafio do
aprimoramento constante
Destaca-se, em primeiro lugar, a constatao de que a reflexo e a
anlise sobre a repblica devem estar referidas ao conjunto de
instituies que conformam o arcabouo institucional da democracia.
Tal afirmao encerra um duplo significado. De um lado, embute a
assuno de que, embora o iderio de construo da re-pblica esteja
tradicionalmente associado a uma perspectiva de transformao
cultural e, no limite, tica no mbito das comunidades polticas,
atualmente parece promissor centrar a anlise nas instituies
polticas. Estas, ao estabele-cerem marcos para a ao da cidadania e
do prprio Estado, podem ser mais ou menos capazes de instituir o
referencial republicano na gramtica da vida social. De outro, faz
coro percepo corrente de que a repblica se projeta hoje como um
qualificativo da democracia, que seu cenrio inescapvel. Sem se
confundir com a democracia, inegvel que o referencial republicano
acrescenta a esta uma qua-lidade fundamental, ao exigir que suas
instituies se aprimorem constantemente no sentido de ecoar o
interesse pblico.
Essa dupla constatao exige de analistas polticos e pesquisadores
que ado-tem como objeto de reflexo sistemtica no apenas o
funcionamento rotineiro das diversas instituies polticas do pas,
mas tambm as transformaes midas ou de grande envergadura por que
passam, de modo que seja poss-vel avaliar se vm se tornando mais
republicanas. Muitos estudos comprovam, por exemplo, que, ao longo
das ltimas duas dcadas, a democracia brasileira tem dado sucessivas
provas de consolidao, seja do ponto de vista das regras institudas
ou da crescente adeso normativa dos cidados aos seus princpios.
Adicionalmente, o Brasil tem vivido no apenas a solidificao das
instituies representativas, mas tambm a expanso de arenas
participativas que possibilitam o envolvimento da sociedade nos
processos de deliberao e implementao de polticas pblicas,
favorecendo o exerccio da liberdade positiva tal como conce-bida
pela tradio republicana.
A despeito desses avanos, cabe indagar se as instituies e os
procedimentos da democracia tm sido capazes de refletir e dar vazo
ao interesse pblico no pas. notrio o desgaste de instituies como os
partidos, o sistema eleitoral, as relaes intergovernamentais ou o
compartilhamento dos poderes de Estado. Sua credibilidade tem sido
abalada no apenas pelo desempenho insatisfatrio,
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34 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
marcado, entre outros aspectos, por pragmatismo eleitoral
excessivo, personali-zao do voto, (neo)populismo, ineficincia,
morosidade, baixa qualidade dos servios prestados. Outro conjunto
de problemas que as afeta est relacionado sua incapacidade de
garantir o interesse pblico em primeiro lugar, expressa em fenmenos
como corrupo, fisiologismo, falta de transparncia, centrali-zao do
poder e insulamento do processo decisrio em relao sociedade.
Conquanto sejam instituies basilares da democracia brasileira e
devam ser preservadas, seu aprimoramento envolve, como desafio
primordial, torn-las mais republicanas.
Entretanto, o pas tambm tem assistido conformao de novidades
rele-vantes em seu arranjo poltico-institucional. Destaca-se entre
elas a judicializao da poltica, tambm observada em vrias outras
democracias contemporneas. Este fenmeno vem sacudindo as
interpretaes mais sedimentadas sobre a din-mica das relaes entre os
poderes de Estado e dividindo a opinio dos analistas. Uns apontam o
crescente recurso ao Judicirio para discutir temas polticos como
uma ameaa aos princpios democrticos e republicanos que garantem
prerrogativas aos diferentes poderes do Estado. Outros veem este
fenmeno positivamente, como um tipo de inovao institucional que
benfico vida poltica e confere novos contornos s relaes entre os
poderes face s exigncias contemporneas para a defesa dos direitos
da cidadania.
Na teoria da democracia, o recurso ao Judicirio visto como
ferramenta disposio da cidadania para a defesa de direitos ameaados
pela ao do Estado. Ao lado de princpios como a possibilidade de
alternncia no poder e a liberdade de expresso, o recurso justia
compe o leque de medidas que visam ao respeito minoria e
caracterizam a poltica democrtica como um jogo pautado em
garan-tias mtuas pactuadas entre as partes. Contudo, observa-se que
a principal regra destinada a regular a produo de orientaes para a
deciso sobre os assuntos pblicos isto , a regra da maioria exclui
sistematicamente alguns da vontade geral assim constituda. Esta
minoria se v limitada a mobilizar seu poder de veto ou a atuar a
posteriori, recorrendo ao Judicirio. medida que mais e mais
aspectos da vida social so politizados e, pela dinmica democrtica,
submetidos ao crivo da maioria, no balano mais geral, o que assume
a forma de interesse pblico , de fato, um consenso que expressa uma
vontade parcial, mesmo que majoritria.
Esse fracionamento institucional da vontade promovido pela regra
da maioria problemtico do ponto de vista republicano, que exige, ao
mesmo tempo, um contexto institucional de no dominao (Pettit, 1997;
Bignotto, 2004) e a implicao efetiva de todos na expresso e
realizao do bem comum (Cardoso, 2004, p. 46). Ainda que a lgica
democrtica torne os consensos obtidos politica-mente sempre
provisrios, o referencial republicano lembra os atores polticos de
que sempre necessrio buscar a construo de alvos mais
universalizantes. Neste
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35A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
sentido, a repblica cobra da democracia o aprimoramento
constante do jogo poltico para promover a incorporao crescente de
todo o conjunto de preten-ses legtimas que compe o intricado tecido
social no processo de formao do interesse pblico.8
Nessa chave interpretativa, a judicializao da poltica pode ser
compreendida como um movimento que permite compensar o dficit
republicano do jogo de-mocrtico. Quando se apresentam ao Judicirio
pleitos que questionam o mrito de medidas tomadas pelo Executivo ou
pelo Legislativo, exigem-se decises que vo alm do reconhecimento de
direitos em favor de indivduos, mas que podem repre-sentar a
reverso no sentido de justia de resolues tomadas na arena poltica
ou administrativa. exatamente o que se passa nos casos em que se
demanda judicial-mente ao poder pblico a disponibilizao de
tratamentos ou medicamentos ainda no incorporados ao sistema de
sade, ou quando partidos polticos com representa-o no Congresso
Nacional questionam judicialmente a constitucionalidade de leis que
foram aprovadas pelo prprio Legislativo ou de polticas pblicas
adotadas pelo Executivo. A par de outros processos societais
incluindo mudanas processuais relevantes no mbito do direito , e a
despeito de todos os custos que costumeira-mente a judicializao da
poltica acusada de gerar, ela pode ser tomada como uma inovao
institucional que contribui para a vida republicana, pois, alm de
garantir a defesa de direitos afetados pela ao poltica de maiorias,
permite a aquisio de novos direitos em temas que, por falta de
consenso na sociedade, o legislador no tem condies de enfrentar
como lembra Werneck Vianna no captulo 2 adiante , ampliando, assim,
o escopo do interesse pblico.
Essas consideraes visam reforar a constatao referida
anteriormente de que a institucionalizao da repblica requer o
aprimoramento e at mesmo a radicalizao, ainda que incremental da
poltica democrtica, na direo da democracia como aprendizado
republicano, defendida por Cohn, capaz de torn-la mais apta a
refletir o conjunto do demos, a comunidade poltica em sua
integridade. Neste sentido, se a repblica ainda se mostra como
experincia incompleta no pas, a tarefa que se apresenta para os
analistas e os pesquisadores diz respeito no apenas a avaliar o
desempenho presente das instituies bsicas da democracia brasileira.
Um passo importante a ser dado tambm o de identificar as inovaes
institucionais que tm potencial para favorecer o enraizamento da
vida republi-cana e at mesmo prospectar os caminhos a serem
trilhados neste sentido, em face das mudanas institucionais que se
anunciam de tempos em tempos no pas.
8. Integridade no significa ausncia de conflito entre as partes
constitutivas da comunidade poltica. Como afirma Bignotto (2004, p.
39), na tica republicana, o poltico se funda no conflito constante
das partes que compem o corpo poltico e ganha seus contornos
institucionais e histricos na medida em que se chega a uma
configurao de direito que os acolhe. O desafio, neste sentido,
incorporar o conflito como fundamento da vida poltica que no pode
ser reduzido dimenso institucional, mas requer seu processamento na
prpria construo do bem comum.
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36 Repblica, Democracia e Desenvolvimento
3.2 O fortalecimento do carter pblico das instituies
estatais
A segunda questo que se projeta a partir das anlises reunidas no
livro sobre rep-blica diz respeito necessidade de que as instituies
estatais sejam especialmente consideradas no estudo sobre a
penetrao da repblica no pas. Certamente, a esfera pblica no pode
ser reduzida s instituies estatais. Boa parte do que se refere
experincia republicana tem a ver com a dinmica societal mais ampla
e a converso da cidadania em protagonista da ao e da deciso
poltica. Afinal, a figura central no republicanismo o cidado,
tomado enquanto membro de uma comunidade poltica efetiva (Bignotto,
2004, p. 36).
O prprio conceito de cidadania , a rigor, republicano, como
assevera Cohn, no captulo 2 a seguir, e refletir sobre a questo da
identidade entre os cidados, as leis que do forma jurdica
comunidade poltica e o arranjo poltico- institucional uma tarefa de
extrema relevncia.
Entretanto, o Estado o principal instrumento de ao coletiva da
comuni-dade poltica. Por isso, seus princpios de ao e organizao,
enquanto condies para o exerccio do poder, so centrais na anlise da
questo republicana do bom governo. Sob este enfoque, a agenda de
reflexes sobre o Estado impe, para alm da discusso sobre a eficcia
e a eficincia de suas aes, a anlise de sua legitimidade e adequao
ao interesse pblico. Neste sentido, preciso inquirir
permanente-mente as instituies estatais sobre seu carter
republicano. Em que medida o presidencialismo centralizador
brasileiro permite que o Legislativo, o Judicirio e o Executivo
atuem de forma equilibrada e em franco compartilhamento do poder na
efetivao dos direitos da cidadania assegurados pelo marco legal? O
insulamento da burocracia uma estratgia aceitvel para garantir a
qualidade tcnica das aes estatais e evitar sua captura por
interesses particulares? At que ponto a lgica que orienta as
atividades de controle desenvolvidas pelas prprias instituies
estatais desde logo imprescindveis incorpora o carter radical que s
a cidadania pode conferir ao interesse pblico?
Quando aqui se sugere que a reflexo sobre os poderes do Estado
deve estar fundada na anlise de seu desempenho institucional, a
mediao necessria entre o poder formalmente atribudo ao complexo
estatal e os produtos resultantes de sua ao exige o estudo de um
tema de inquestionvel dimenso republicana: os processos
desenvolvidos no prprio Estado para o exerccio deste poder. neste
mbito que se situa a discusso sobre a estrutura, a organizao e a
abertura das instituies estatais ao escrutnio e controle dos atores
que se movimentam no espao pblico, como forma de se refletir sobre
sua adequao ao interesse pblico.
Nesse ponto, cabe ressaltar que a aplicao do referencial
republicano s ins-tituies estatais no se restringe preocupao com as
formas de controle direto do Estado por parte da sociedade. inegvel
que esta vigilncia uma dimenso
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37A Repblica como Referncia para Pensar a Democracia e o
Desenvolvimento no Brasil
crucial da atuao da sociedade civil na esfera pblica, que
contribui para mitigar prticas como a corrupo e a dilapidao de
recursos financeiros e do patrimnio pblico, podendo, inclusive,
estimular a adoo de mecanismos de transparncia e accountability
pelos rgos do Estado, bem como a prpria reviso de procedi-mentos e
prticas adotados.
Contudo, o controle ex post apenas uma das formas de aproximao
entre sociedade e Estado com vistas a garantir a primazia do
interesse pblico nas vrias frentes de atuao estatal. extremamente
relevante tambm que diferentes segmentos e organizaes da sociedade
possam participar da definio da agenda do governo e da prpria gesto
pblica, ampliando suas oportunidades de influir no direcionamento
das aes do Estado.
A descentralizao administrativa para proviso de servios pblicos,
por exemplo seja no interior do Estado ou deste para a sociedade
promove a desconcentrao do poder. Em contexto de pleno
funcionamento das instituies democrticas, um mecanismo que pode
potencializar o efeito destas instituies e ampliar as oportunidades
de encontrar, na prpria gesto da coisa pblica, con-dies de dilogo
que neutralizem interesses nitidamente parciais e construam outros
de carter mais universalizante.
Nesse sentido, o prprio Estado pode atuar como agente
democratizante e promotor da repblica ao fomentar, nos processos de
gesto, algumas das possibili-dades de ampliao do espao pblico na
sociedade. Independentemente de quem protagoniza a configurao deste
cenrio, isto , se o prprio Estado que se abre na tentativa de
dividir responsabilidades com a sociedade ou legitimar suas
polticas, ainda que cooptando as bases de apoio ou a sociedade
civil organizada que pressiona as fronteiras deste para garantir
mais espao de participao no processo poltico e, assim, enseja a
configurao de uma arena pblica no estatal , importa, no livro,
reforar o carter promissor deste movimento.
Alm de gerar oportunidades para aprofundar a participao poltica
e promover a republicanizao das instituies estatais, pode
representar uma mediao interes-sante entre a democracia como forma
de instituio do poder e o desenvolvimento como objetivo das aes do
Estado.
3.3 Repblica e desenvolvimento
Se a repblica um referencial importante para balizar a
democracia brasileira e seu aprimoramento, bem como para avaliar o
carter pblico das instituies estatais, tambm serve reflexo sobre os
rumos do desenvolvimento do pas. Afinal, insti-tuies republicanas
robustas so um meio para garantir que as decises tomadas para
promover o desenvolvime