006 — 010 012 — 018 020 — 025 026 — 027 028 — 029 032 — 033 034 Pequeno tratado sobre as sublimes e engenhosas coisas que fazem de Curitiba uma cidade extraordinária Only a dream away My own personal urban legend Subtropicália 2039 Santas divas da Motown O diabo da Cruz Machado Plástico urbano 12 Deluxe
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
006 — 010
012 — 018
020 — 025
026 — 027
028 — 029
032 — 033
034
Pequeno tratado sobre as
sublimes e engenhosas coisas
que fazem de Curitiba uma
cidade extraordinária
Only a dream away
My own personal urban legend
Subtropicália 2039
Santas divas da Motown
O diabo da Cruz Machado
Plástico urbano
12 Deluxe
Não é preciso ser um Walter Benjamin ou um Georg Simmel para perce-ber o valor da sociabilidade. A vida humana depende do contato com companheiros de espécie. Muito mais na cidade, onde esse contato – ao contrário do que aconteceria nas ermidas taoístas ou no alto das colunas erguidas no deserto – é obrigatório e necessário. Deluxe examina a sociabilidade no cenário urbano a partir de um prisma positivo. Delibera-damente, desconectamos a militância da chatice e olhamos exclusiva-mente para quem transforma Curitiba em um lugar ao mesmo tempo instigante e amigável.
Em “Pequeno tratado sobre as sublimes e engenhosas coisas que fazem de Curitiba uma cidade extraordinária”, Diogo Dreyer conheceu curitibanos – por nascimento ou adoção (que diferenciação boba!) – que desmentem as velhas teses da cidade morna e autofágica. Em “My own personal urban legend”, Rodrigo Wolff Apolloni resgatou histórias curitibanas que redefinem os limites entre o real e o fantástico. Lest, but not (at all) at least, destinamos várias páginas a um ensaio fotográfico que desvenda as selvas na selva, isto é, as fantasias que brotam da mente exposta à natureza selvagem que ainda resiste no coração de nossa cidade. O trabalho é de Rafael Dabul, Michelle e Cristopher Kelly. Especiais agradecimentos ao arquiteto, urbanista e humanista Osvaldo Navarro Alves e família, que gentilmente forneceram a selva e a paciência necessárias ao ensaio. — O Editor
Cidade extraordinária
Não é preciso ser um Walter Benjamin ou um Georg Simmel para perce-ber o valor da sociabilidade. A vida humana depende do contato com companheiros de espécie. Muito mais na cidade, onde esse contato – ao contrário do que aconteceria nas ermidas taoístas ou no alto das colunas erguidas no deserto – é obrigatório e necessário. Deluxe examina a sociabilidade no cenário urbano a partir de um prisma positivo. Delibera-damente, desconectamos a militância da chatice e olhamos exclusiva-mente para quem transforma Curitiba em um lugar ao mesmo tempo instigante e amigável.
Em “Pequeno tratado sobre as sublimes e engenhosas coisas que fazem de Curitiba uma cidade extraordinária”, Diogo Dreyer conheceu curitibanos – por nascimento ou adoção (que diferenciação boba!) – que desmentem as velhas teses da cidade morna e autofágica. Em “My own personal urban legend”, Rodrigo Wolff Apolloni resgatou histórias curitibanas que redefinem os limites entre o real e o fantástico. Lest, but not (at all) at least, destinamos várias páginas a um ensaio fotográfico que desvenda as selvas na selva, isto é, as fantasias que brotam da mente exposta à natureza selvagem que ainda resiste no coração de nossa cidade. O trabalho é de Rafael Dabul, Michelle e Cristopher Kelly. Especiais agradecimentos ao arquiteto, urbanista e humanista Osvaldo Navarro Alves e família, que gentilmente forneceram a selva e a paciência necessárias ao ensaio. — O Editor
006 — 010 Pequeno tratado sobre as sublimes e engenhosas coisas que fazem de Curi-tiba uma cidade extraordinária
www.myspace.com/thisisourgang
Our Gang
André é uma dessas figuras onipresentes na noite “underground” curitibana. Oriundo da extin-ta banda , hoje ele faz parte do Our Gang. Se você topar com uma apresentação desses caras, pode pensar que se trata de uma trupe inglesa, francesa, carioca. Ritmo funkeado marcado por sintetizador e letras em inglês. André, aliás, foge do rótulo “curitibano”. “Dentro do contexto de produção independente, Curitiba é a cidade mais rica do país em diversidade musical. A força motriz dessa criatividade é justamente o esgotamento dos ‘movimentos’ por aqui. As bandas estão mais focadas em suas produções e estéticas individuais. Isso é ótimo, porque rompe a limitação e a barreira criativa imposta por um grupo/movimento e torna a produção mais livre, mais global”, explica.
Para ele, o sucesso, por aqui, não tem uma carac-terística comum. “Boss in Drama e Copacabana Club estão engatando turnês internacionais. Cassim e Barbária acaba de voltar de uma turnê americana, Wandula está tocando na Europa, Bonde do Rolê prepara-se para lançar seu segun-do disco, Je Rêve de Toi sai como revelação na cultuada revista inglesa , Relespública começa a colher os bons frutos do novo álbum, além de muitas outras coisas como um duo de house que muito pouca gente aqui conhece, chamado Vacuo Live”.
www.myspace.com/sabonetes
Sabonetes
Apesar de a música que nasce em Curitiba hoje ser "internacional", ela já teve uma “cara” comum, assim como acontece com os gaúchos.
“Isso já existiu, mas está caindo por terra”, analisa Wonder, guitarrista de uma das gratas surpresas da nova safra musical da cidade: o Sabonetes. A banda começou fazendo covers, apostou na produção própria e deve lançar seu primeiro disco nos próximos meses. “Acho que estamos seguindo uma tendência global. Se você olhar de perto o que está sendo feito no Rio Grande do Sul, também vai perceber que o tradicional rock gaúcho deu espaço a diversos estilos”, aponta.
O problema é que o “diferente” acabou ficando um pouco “igual”. “Hoje, a maior dificuldade de aparecer em Curitiba está em se diferenciar. Espaço pra tocar ainda é restrito, mas existe. Já quanto a público, depende do seu objetivo. Se é viver da sua banda, nenhuma cidade sozinha tem público suficiente pra isso, nem mesmo São Paulo. O artista tem então que divulgar, criar demanda em lugares diferentes.”
Curitiba província. Quintal de São Paulo. Cidade grande com espírito nanico. Cidade-ovo. O já caricato “conservadorismo” curitibano - discurso de araque que se sedimentou em crença, ela sim, conservadora – já não funciona se olharmos as coisas a partir de um filtro mais verdadeiro. Pois não é que há uma série de coisas interessantes acontecendo neste exato momento em Curitiba? Nascidas de curitibanos chegados há mais ou menos tempo que, com pequenas e energizadas iniciativas - algumas sutis mesmo, verdadeiras atitudes-haiku -, enfrentam obstáculos, fogem do mainstream e aceleram o metabolismo da cidade.
Graças a essa gente, a cidade hoje tem banda e tocando em festa em Nova York e na Alemanha, loja de roupas fora de shopping com cliente paulista, grafiteiro fazendo mestrado na Austrália. Não à toa, essas facetas não têm a “cara” de Curitiba. Têm a cara do mundo. A seguir, você conhece alguns desses heróis – na verdade, gente comum que não se rende a boba-gens apriorísticas - que trabalham para trocar a ancestral autofagia da terra das araucárias por um banquete de idéias e beleza.
006 — 010 Pequeno tratado sobre as sublimes e engenhosas coisas que fazem de Curi-tiba uma cidade extraordinária
www.myspace.com/thisisourgang
Our Gang
André é uma dessas figuras onipresentes na noite “underground” curitibana. Oriundo da extin-ta banda , hoje ele faz parte do Our Gang. Se você topar com uma apresentação desses caras, pode pensar que se trata de uma trupe inglesa, francesa, carioca. Ritmo funkeado marcado por sintetizador e letras em inglês. André, aliás, foge do rótulo “curitibano”. “Dentro do contexto de produção independente, Curitiba é a cidade mais rica do país em diversidade musical. A força motriz dessa criatividade é justamente o esgotamento dos ‘movimentos’ por aqui. As bandas estão mais focadas em suas produções e estéticas individuais. Isso é ótimo, porque rompe a limitação e a barreira criativa imposta por um grupo/movimento e torna a produção mais livre, mais global”, explica.
Para ele, o sucesso, por aqui, não tem uma carac-terística comum. “Boss in Drama e Copacabana Club estão engatando turnês internacionais. Cassim e Barbária acaba de voltar de uma turnê americana, Wandula está tocando na Europa, Bonde do Rolê prepara-se para lançar seu segun-do disco, Je Rêve de Toi sai como revelação na cultuada revista inglesa , Relespública começa a colher os bons frutos do novo álbum, além de muitas outras coisas como um duo de house que muito pouca gente aqui conhece, chamado Vacuo Live”.
www.myspace.com/sabonetes
Sabonetes
Apesar de a música que nasce em Curitiba hoje ser "internacional", ela já teve uma “cara” comum, assim como acontece com os gaúchos.
“Isso já existiu, mas está caindo por terra”, analisa Wonder, guitarrista de uma das gratas surpresas da nova safra musical da cidade: o Sabonetes. A banda começou fazendo covers, apostou na produção própria e deve lançar seu primeiro disco nos próximos meses. “Acho que estamos seguindo uma tendência global. Se você olhar de perto o que está sendo feito no Rio Grande do Sul, também vai perceber que o tradicional rock gaúcho deu espaço a diversos estilos”, aponta.
O problema é que o “diferente” acabou ficando um pouco “igual”. “Hoje, a maior dificuldade de aparecer em Curitiba está em se diferenciar. Espaço pra tocar ainda é restrito, mas existe. Já quanto a público, depende do seu objetivo. Se é viver da sua banda, nenhuma cidade sozinha tem público suficiente pra isso, nem mesmo São Paulo. O artista tem então que divulgar, criar demanda em lugares diferentes.”
Curitiba província. Quintal de São Paulo. Cidade grande com espírito nanico. Cidade-ovo. O já caricato “conservadorismo” curitibano - discurso de araque que se sedimentou em crença, ela sim, conservadora – já não funciona se olharmos as coisas a partir de um filtro mais verdadeiro. Pois não é que há uma série de coisas interessantes acontecendo neste exato momento em Curitiba? Nascidas de curitibanos chegados há mais ou menos tempo que, com pequenas e energizadas iniciativas - algumas sutis mesmo, verdadeiras atitudes-haiku -, enfrentam obstáculos, fogem do mainstream e aceleram o metabolismo da cidade.
Graças a essa gente, a cidade hoje tem banda e tocando em festa em Nova York e na Alemanha, loja de roupas fora de shopping com cliente paulista, grafiteiro fazendo mestrado na Austrália. Não à toa, essas facetas não têm a “cara” de Curitiba. Têm a cara do mundo. A seguir, você conhece alguns desses heróis – na verdade, gente comum que não se rende a boba-gens apriorísticas - que trabalham para trocar a ancestral autofagia da terra das araucárias por um banquete de idéias e beleza.
www.cabecadegato.com.br
Cabeça de Gato
Gastar uma grana e ainda correr o risco de cair numa constrangedora configuração “par de vasos” em algum cenário da cidade? Nada mais arriscado e out, segundo essa perspectiva, do que comprar em loja de shopping. Assim como acontece em Buenos Aires, São Paulo e Paris, a moda agora, em Curitiba, está nas calçadas, sobretudo no Centro e no Batel. “O curitibano está ficando mais ousado. Cansou da moda ‘uniformizada’ e resolveu apostar no exclusivo, no artesanal”, analisa Paty Bonat, que ao lado da sócia, Caroline Piegel, é responsável pela marca Cabeça de Gato.
“Começamos com toy art e acessórios sempre inspirados em gatos. Mas a coisa cresceu e hoje temos um ateliê que faz também roupas, que são distribuídas pela Lamb e pelo Novo Louvre Café Design”, conta Paty. Contudo, ela revela que ainda é difícil viver desse tipo de atividade em Curitiba, mas que a “permissividade boa” da moda de ateliê só faz aumentar por aqui. “Quere-mos abrir nossa própria loja em breve. Estamos percebendo que o perfil do consumidor de moda em Curitiba está mudando. E rápido!”, diz.
Rua Trajano Reis, 115
41 3224 8115
Trinca Z
A exclusividade não está somente nas roupas feitas sob medidas nos ateliês. Também seguindo uma tendência das grandes capitais do mundo, o designer Cacá Brainta montou um bazar – o Trinca Z – apenas com peças de brexó.
“Há dez anos comecei a comprar roupas desses lugares. Já tinha cerca de quinhentas peças e todo mundo sempre elogiou o estilo que criava com elas. Aí surgiu a idéia: por que não vender isso para os outros?”, conta.Com o espaço onde expõe as peças aberto há pouco mais de um mês, Cacá admite que se surpreendeu com a receptividade. “Imaginei que o pessoal teria mais preconceito para comprar ‘roupa usada’. Mas aconteceu exatamente o contrário”, diz.
O bazar funciona assim: Cacá monta “editoriais” com as peças que tem em casa. Pinça da sua coleção coisas que estão em voga. “As peças passam por um trabalho minucioso de limpeza e costura, e aí são expostas”. Ele até mesmo seleciona roupas que já sabe de antemão que os clientes vão gostar. Para fazer os editoriais, Cacá pesquisa cuidadosamente o que está acon-tecendo nos grandes centros, principalmente da Europa. “Mas me baseio num pensamento que li em uma revista há algum tempo: a moda morreu. O que vale é o estilo”. Uau! O Trinca Z fica anexo ao Lolitas Salon de Coiffure.
www.jekill.net
Jekill
Na média, o curitibano resiste quando o assunto é intervenção urbana, seja ela grafite, um simples lambe ou um sticker. “Curitiba tem um lado conservador bastante forte, que não permite que as pessoas aceitem com facilidade temas controversos como intervenções em espaços urbanos”, acredita o Bernardo Bento, o Jekill, artista que cria posters, stickers, graffitis, pinturas, vídeos e camisetas. Por outro lado, lembra ele, muitos bares e restaurantes estão utilizando a street art como inspiração para a decoração. “Acredito que isso se dê pelo simples fato de que ‘street art’ é um tema da moda, o qual pode ser esteticamente bem aproveitado de diversas maneiras diferentes”, aponta.
Atualmente, Bernardo faz mestrado de belas artes em Sydney, na Austrália. “O engraçado que a arte de rua daqui é muito diferente da feita em Curitiba. Só vi graffiti nos bairros mais ‘alternativos’ e mais pobres da cidade. Dá pra notar que as pessoas daqui não são lá muito favoráveis, talvez pelo falto de Sydney ser uma cidade turística e muito organizada”. Não que em Curitiba ele nunca tenha tido problemas para fazer suas intervenções urbanas. “Já tive respostas das mais inesperadas. Já vi pessoas que eu imaginava fossem me repreender me apoiar enquanto fazia um graffiti, e também já tive que interromper alguns trabalhos em lugares que imaginava receptivos. Na verdade, essa é uma das coisas mais legais de pintar na rua: você vê cair por terra muitos dos seus próprios preconceitos.”
Rua Benvindo Valente, 312
41 3203 2852
www.flickr.com/photos/acasagaleria
Coletivo A Casa
Percebendo então que o curitibano em geral ainda é contrário a intervenções urbanas, um grupo de artistas resolveu levar a street art para dentro de uma galeria. “Trata-se de um coletivo de artes visuais que trabalha com técnicas de grafitti em um espaço interno, não na rua. Acontece que isso acabou por criar uma polêmica sobre se o que se faz na rua é arte ou não. Mas se você levar as intervenções para dentro de uma galeria, isso vira arte?”, provoca a integrante do coletivo A Casa, Tatiana Alves de Souza.
Aberta em outubro de 2008, atualmente o espaço sedia sua primeira mostra individual, do portoalegrense Mateus Grimm. O artista/arquiteto traz um trabalho que envolve várias linguagens, passando por grafitti, desenho, pintura e escultura. “Apesar de o nosso coletivo ter o referencial da street art – o Mateus Grimm, por exemplo, pratica skate –, pretendemos discutir aqui arte contemporânea”, explica Tatia-na. Além das exposições, a Casa oferece ainda oficinas e cursos livres. “Queremos proporcionar o contato com a cultura do spray para o público em geral”, diz.
www.cabecadegato.com.br
Cabeça de Gato
Gastar uma grana e ainda correr o risco de cair numa constrangedora configuração “par de vasos” em algum cenário da cidade? Nada mais arriscado e out, segundo essa perspectiva, do que comprar em loja de shopping. Assim como acontece em Buenos Aires, São Paulo e Paris, a moda agora, em Curitiba, está nas calçadas, sobretudo no Centro e no Batel. “O curitibano está ficando mais ousado. Cansou da moda ‘uniformizada’ e resolveu apostar no exclusivo, no artesanal”, analisa Paty Bonat, que ao lado da sócia, Caroline Piegel, é responsável pela marca Cabeça de Gato.
“Começamos com toy art e acessórios sempre inspirados em gatos. Mas a coisa cresceu e hoje temos um ateliê que faz também roupas, que são distribuídas pela Lamb e pelo Novo Louvre Café Design”, conta Paty. Contudo, ela revela que ainda é difícil viver desse tipo de atividade em Curitiba, mas que a “permissividade boa” da moda de ateliê só faz aumentar por aqui. “Quere-mos abrir nossa própria loja em breve. Estamos percebendo que o perfil do consumidor de moda em Curitiba está mudando. E rápido!”, diz.
Rua Trajano Reis, 115
41 3224 8115
Trinca Z
A exclusividade não está somente nas roupas feitas sob medidas nos ateliês. Também seguindo uma tendência das grandes capitais do mundo, o designer Cacá Brainta montou um bazar – o Trinca Z – apenas com peças de brexó.
“Há dez anos comecei a comprar roupas desses lugares. Já tinha cerca de quinhentas peças e todo mundo sempre elogiou o estilo que criava com elas. Aí surgiu a idéia: por que não vender isso para os outros?”, conta.Com o espaço onde expõe as peças aberto há pouco mais de um mês, Cacá admite que se surpreendeu com a receptividade. “Imaginei que o pessoal teria mais preconceito para comprar ‘roupa usada’. Mas aconteceu exatamente o contrário”, diz.
O bazar funciona assim: Cacá monta “editoriais” com as peças que tem em casa. Pinça da sua coleção coisas que estão em voga. “As peças passam por um trabalho minucioso de limpeza e costura, e aí são expostas”. Ele até mesmo seleciona roupas que já sabe de antemão que os clientes vão gostar. Para fazer os editoriais, Cacá pesquisa cuidadosamente o que está acon-tecendo nos grandes centros, principalmente da Europa. “Mas me baseio num pensamento que li em uma revista há algum tempo: a moda morreu. O que vale é o estilo”. Uau! O Trinca Z fica anexo ao Lolitas Salon de Coiffure.
www.jekill.net
Jekill
Na média, o curitibano resiste quando o assunto é intervenção urbana, seja ela grafite, um simples lambe ou um sticker. “Curitiba tem um lado conservador bastante forte, que não permite que as pessoas aceitem com facilidade temas controversos como intervenções em espaços urbanos”, acredita o Bernardo Bento, o Jekill, artista que cria posters, stickers, graffitis, pinturas, vídeos e camisetas. Por outro lado, lembra ele, muitos bares e restaurantes estão utilizando a street art como inspiração para a decoração. “Acredito que isso se dê pelo simples fato de que ‘street art’ é um tema da moda, o qual pode ser esteticamente bem aproveitado de diversas maneiras diferentes”, aponta.
Atualmente, Bernardo faz mestrado de belas artes em Sydney, na Austrália. “O engraçado que a arte de rua daqui é muito diferente da feita em Curitiba. Só vi graffiti nos bairros mais ‘alternativos’ e mais pobres da cidade. Dá pra notar que as pessoas daqui não são lá muito favoráveis, talvez pelo falto de Sydney ser uma cidade turística e muito organizada”. Não que em Curitiba ele nunca tenha tido problemas para fazer suas intervenções urbanas. “Já tive respostas das mais inesperadas. Já vi pessoas que eu imaginava fossem me repreender me apoiar enquanto fazia um graffiti, e também já tive que interromper alguns trabalhos em lugares que imaginava receptivos. Na verdade, essa é uma das coisas mais legais de pintar na rua: você vê cair por terra muitos dos seus próprios preconceitos.”
Rua Benvindo Valente, 312
41 3203 2852
www.flickr.com/photos/acasagaleria
Coletivo A Casa
Percebendo então que o curitibano em geral ainda é contrário a intervenções urbanas, um grupo de artistas resolveu levar a street art para dentro de uma galeria. “Trata-se de um coletivo de artes visuais que trabalha com técnicas de grafitti em um espaço interno, não na rua. Acontece que isso acabou por criar uma polêmica sobre se o que se faz na rua é arte ou não. Mas se você levar as intervenções para dentro de uma galeria, isso vira arte?”, provoca a integrante do coletivo A Casa, Tatiana Alves de Souza.
Aberta em outubro de 2008, atualmente o espaço sedia sua primeira mostra individual, do portoalegrense Mateus Grimm. O artista/arquiteto traz um trabalho que envolve várias linguagens, passando por grafitti, desenho, pintura e escultura. “Apesar de o nosso coletivo ter o referencial da street art – o Mateus Grimm, por exemplo, pratica skate –, pretendemos discutir aqui arte contemporânea”, explica Tatia-na. Além das exposições, a Casa oferece ainda oficinas e cursos livres. “Queremos proporcionar o contato com a cultura do spray para o público em geral”, diz.
www.achadosnobatel.com.br
Achados no Batel
Se a tendência é a moda sair do shopping, alguns lojistas apostaram na tática do “se você não pode com eles, junte-se a eles”. É mais ou menos o que acontece com os participantes do bazar Achados no Batel, que três vezes por ano ocupa um galpão no Bigorrilho para uma feira com diversas marcas, a maioria encontrada apenas nos shoppings. “O objetivo é reunir em um ambiente alternativo as principais lojas de moda, acessórios e presentes de Curitiba, que vendem seus produtos por preços de ocasião – menores que os praticados em loja – para liquidar seus estoques”, explica o organizador do bazar, Alessandro Weber.
A idéia foi inspirada em bazares que artistas de Buenos Aires faziam para vender seus trabalhos lá pelo ano 2000. “Tentamos repetir a mesma receita, mas descobrimos que é muito difícil vender arte por aqui. Tentamos também com decoração e, por fim, percebemos que o formato dava certo mesmo era com moda”, conta. O Achados deu tão certo que, após trinta edições, Alessandro está levando a iniciativa para Joinvil-le, Blumenau e Londrina. “É uma forma que en-contramos para democratizar as boas marcas, as mesmas que dentro dos shoppings e lojas muito exclusivas, acabam intimidando os fregueses mais precavidos”, aponta. A próxima edição do Achados no Batel acontece em setembro.
Rua Jaime Reis, 28 – sobreloja
41 3022 3477
www.tomodachi.com.br
Centro Cultural Oriental Tomodachi
Concebido para levar o povo daqui a entender melhor o jeito oriental de pensar (e descobrir que, no fundo, não estamos tão distantes assim), o Centro Cultural Tomodachi traz aos interessa-dos um universo de cultura até pouco tempo restrito às colônias japonesa e chinesa. A idéia fundamental é democratizar as coisas, fazendo com que velhas barreiras étnico-culturais sejam superadas pela boa-vontade. Se a pessoa deseja realmente aprender japonês, chinês ou shodô (a caligrafia japonesa), por exemplo, ela terá acesso aos conteúdos. A coordenadora do Tomodachi, Lina Saheki, diz que o principal, mesmo, é a dedicação. “É uma questão de interesse e de alte-ridade. Se a transmissão do conhecimento se dá a partir de um respeito universal pelos valores do outro, a coisa funciona bem. É o que faz, por exemplo, com que o mundo tenha capoeiristas japoneses e mestres Zen brasileiros”, afirma.
Funcionando desde 2008 no Setor Histórico de Curitiba, o Tomodachi começou oferecendo aulas de japonês e mangá. Hoje, também oferece aulas de música tradicional japonesa (shakuhachi e yokubuê), origami, chinês (mandarim) e shodô/shutao (caligrafia clássica), além de semi-nários e cursos especiais. Durante o período de fechamento desta revista, por exemplo, estava promovendo uma série de seminários sobre língua e cultura chinesa para praticantes de Kung-Fu e Tai-Chi-Chuan. “A maior parte do nosso público é formada por jovens que buscam ir além dos clichês da cultura oriental. Aqui, eles descobrem quão vasta, bela e amigável essa cultura é”, diz Lina.
Se a tendência é a moda sair do shopping, alguns lojistas apostaram na tática do “se você não pode com eles, junte-se a eles”. É mais ou menos o que acontece com os participantes do bazar Achados no Batel, que três vezes por ano ocupa um galpão no Bigorrilho para uma feira com diversas marcas, a maioria encontrada apenas nos shoppings. “O objetivo é reunir em um ambiente alternativo as principais lojas de moda, acessórios e presentes de Curitiba, que vendem seus produtos por preços de ocasião – menores que os praticados em loja – para liquidar seus estoques”, explica o organizador do bazar, Alessandro Weber.
A idéia foi inspirada em bazares que artistas de Buenos Aires faziam para vender seus trabalhos lá pelo ano 2000. “Tentamos repetir a mesma receita, mas descobrimos que é muito difícil vender arte por aqui. Tentamos também com decoração e, por fim, percebemos que o formato dava certo mesmo era com moda”, conta. O Achados deu tão certo que, após trinta edições, Alessandro está levando a iniciativa para Joinvil-le, Blumenau e Londrina. “É uma forma que en-contramos para democratizar as boas marcas, as mesmas que dentro dos shoppings e lojas muito exclusivas, acabam intimidando os fregueses mais precavidos”, aponta. A próxima edição do Achados no Batel acontece em setembro.
Rua Jaime Reis, 28 – sobreloja
41 3022 3477
www.tomodachi.com.br
Centro Cultural Oriental Tomodachi
Concebido para levar o povo daqui a entender melhor o jeito oriental de pensar (e descobrir que, no fundo, não estamos tão distantes assim), o Centro Cultural Tomodachi traz aos interessa-dos um universo de cultura até pouco tempo restrito às colônias japonesa e chinesa. A idéia fundamental é democratizar as coisas, fazendo com que velhas barreiras étnico-culturais sejam superadas pela boa-vontade. Se a pessoa deseja realmente aprender japonês, chinês ou shodô (a caligrafia japonesa), por exemplo, ela terá acesso aos conteúdos. A coordenadora do Tomodachi, Lina Saheki, diz que o principal, mesmo, é a dedicação. “É uma questão de interesse e de alte-ridade. Se a transmissão do conhecimento se dá a partir de um respeito universal pelos valores do outro, a coisa funciona bem. É o que faz, por exemplo, com que o mundo tenha capoeiristas japoneses e mestres Zen brasileiros”, afirma.
Funcionando desde 2008 no Setor Histórico de Curitiba, o Tomodachi começou oferecendo aulas de japonês e mangá. Hoje, também oferece aulas de música tradicional japonesa (shakuhachi e yokubuê), origami, chinês (mandarim) e shodô/shutao (caligrafia clássica), além de semi-nários e cursos especiais. Durante o período de fechamento desta revista, por exemplo, estava promovendo uma série de seminários sobre língua e cultura chinesa para praticantes de Kung-Fu e Tai-Chi-Chuan. “A maior parte do nosso público é formada por jovens que buscam ir além dos clichês da cultura oriental. Aqui, eles descobrem quão vasta, bela e amigável essa cultura é”, diz Lina.
TRAJANO REIS, 115 - SÃO FRANCISCO, CURITIBA-pr(41) 3224 8115
LOLITASSALONDECOIFFURE.BLOGSPOT.COM
Rodrigo Wolff Apolloni
Rafael Dabul
020 — 025 My own personal urban legend
O tema é tão espinhoso que o primeiro a dar um depoimento deveria ser o próprio repórter, certo? Certo: eu tenho uma história e – depois de muito refletir - decidi contá-la. O ano era 1998 ou 1999, e eu trabalhava no time da comuni-cação social da prefeitura de Curitiba. Invariavelmente, ao entrar no banheiro da redação, escutava alguém folheando um jornal dentro de um dos cubículos. “Flip... flip....” Nada mais típico, principalmente em um meio que aproxima publicações de uma multidão de office-boys, contínuos, moto-ristas e outros agregados com muito tempo livre. Era, apenas e tãosomente, uma prática consagrada pela malandragem e abençoada pela crença no poder transformador das letras.
Manhã de domingo, dia de plantão na comunicação
social. Minha assinatura era a única a constar da odiada
“lista de presença”. Marasmo total. Como único vivente a circular pela repartição (e, provavelmente, pelo prédio), resolvi pegar um jornal e – por que não? - me dirigir ao sanitário. Assim que entrei no banheiro, meus ouvidos foram imediatamente chicoteados pelo mantra:
“flip... flip”. Chocado, decidi descumprir o “contrato social de banheiro” e olhar para o vão sob as portas, buscando o par de tênis de alguém que deveria estar a anos-luz dali. Secretamente, eu sabia que não havia ninguém lá – e, é claro, não havia. Mesmo assim, o ectoplasmático jornal continuava a ser lido com a mais absoluta serenidade. Deixei o banheiro na mesma hora, assolado, dali por diante, pela eterna lembrança de um fantasma cagão.
A internet e a tevê a cabo vul-garizaram o que havia de mais secreto e misterioso na vida das cidades. Hoje, ouvir falar em “lenda urbana” remete, quase que invariavelmente, a documentários chinfrins e filmes gore inapreensíveis por pessoas com mais de uma sinapse. Nesta reportagem, de-cidimos (depois de examinar a questão por dentro e de perto) tratar seriamente do assunto. Partimos da verdade crua: existem coisas estranhas e pes-soas que as testemunharam. Nós as levamos a sério e elas perceberam isso – tanto, que decidiram contar o que vivenciaram, sem rodeios. Depois de ler os testemunhos abaixo, você certamente não ficará mais insensível diante de certas situações.
O tema é tão espinhoso que o primeiro a dar um depoimento deveria ser o próprio repórter, certo? Certo: eu tenho uma história e – depois de muito refletir - decidi contá-la. O ano era 1998 ou 1999, e eu trabalhava no time da comuni-cação social da prefeitura de Curitiba. Invariavelmente, ao entrar no banheiro da redação, escutava alguém folheando um jornal dentro de um dos cubículos. “Flip... flip....” Nada mais típico, principalmente em um meio que aproxima publicações de uma multidão de office-boys, contínuos, moto-ristas e outros agregados com muito tempo livre. Era, apenas e tãosomente, uma prática consagrada pela malandragem e abençoada pela crença no poder transformador das letras.
Manhã de domingo, dia de plantão na comunicação
social. Minha assinatura era a única a constar da odiada
“lista de presença”. Marasmo total. Como único vivente a circular pela repartição (e, provavelmente, pelo prédio), resolvi pegar um jornal e – por que não? - me dirigir ao sanitário. Assim que entrei no banheiro, meus ouvidos foram imediatamente chicoteados pelo mantra:
“flip... flip”. Chocado, decidi descumprir o “contrato social de banheiro” e olhar para o vão sob as portas, buscando o par de tênis de alguém que deveria estar a anos-luz dali. Secretamente, eu sabia que não havia ninguém lá – e, é claro, não havia. Mesmo assim, o ectoplasmático jornal continuava a ser lido com a mais absoluta serenidade. Deixei o banheiro na mesma hora, assolado, dali por diante, pela eterna lembrança de um fantasma cagão.
A internet e a tevê a cabo vul-garizaram o que havia de mais secreto e misterioso na vida das cidades. Hoje, ouvir falar em “lenda urbana” remete, quase que invariavelmente, a documentários chinfrins e filmes gore inapreensíveis por pessoas com mais de uma sinapse. Nesta reportagem, de-cidimos (depois de examinar a questão por dentro e de perto) tratar seriamente do assunto. Partimos da verdade crua: existem coisas estranhas e pes-soas que as testemunharam. Nós as levamos a sério e elas perceberam isso – tanto, que decidiram contar o que vivenciaram, sem rodeios. Depois de ler os testemunhos abaixo, você certamente não ficará mais insensível diante de certas situações.
OFA
NTA
SMA
CA
GÃ
O
com a fivela, tentando fazer a fera parar. Em instantes, tudo ficou quieto. A tela tinha um buraco, e algo se movia ao meu redor. Ao meu lado, o anão canino estava pronto para atacar. Sem chance de fuga. Fui mordido e puxado para baixo. Dor e sangue. Sem largar minha perna, o maldito cão arrastou-me para fora, rumo ao lago. Sua força era assombrosa. Eu tentava me agarrar a qualquer coisa, e minhas mãos começaram a sangrar. Desmaiei.
Pela manhã, fui acordado por um funcionário que, histérico, me acusava de ter soltado os pássaros. Levou-me a até a administração. Contei minha história ao sujeito, que não acreditou. Fui preso. No final da tarde, Juarez, Ivan e um advogado foram me soltar. Respondi a um processo por invasão e depredação de patri-mônio público. Considerado
“momentaneamente insano”, fui liberado com a condição de, por um determinado período, freqüentar sessões de terapia. Na audiência, a bem da verdade, sequer tentei me defender – afinal, quem iria acreditar naquela história? A pequena cicatriz no tornozelo e a tremenda mácula no coração (além, é claro, de um ódio insano por poodles toy), porém, dão-me a certeza de minha própria sanidade – e da condição insólita da realidade.
semelhantes. Levantei e disse que iria dar uma volta antes de retornar ao apartamento. Os dois que ouvissem as histórias do pobre coitado. ‘- Cuidado por onde anda’, ele disparou.
Quase meia-noite. Subi a Riachuelo e desci a Carlos Cavalcanti rumo ao Passeio Público. Estava na frente do portão de entrada. Ouvi alguém me chamar. Olhei para trás, não havia ninguém. A voz, feminina, vinha do parque. Procurei alguma coisa na escuridão, mas nada. Só a voz. Minha respiração acelerou. Outro chamado. Acelerei o passo, a voz foi atrás. ‘Devem ser aqueles putos que saíram do bar e encontraram alguém para me pregar uma peça’, pensei.
Decidi entrar no jogo. Pulei o muro e tentei seguir a voz. Cheguei à área dos pássaros. Silêncio. Outro som, de um cão rosnando. Fechei os olhos, enguli a saliva. Outra vez o rosnado, mais alto e aterrador.
‘- What the hell!?’ O ruído nascia de um pequeno cão negro. Um poodle toy assassino, a não mais de cinco passos, mostrando enormes caninos brancos e olhos injetados de sangue. Uma baba espessa e escura caía-lhe da boca. Uma névoa amarelada pairava ao seu redor. Voou em minha di-reção. Só tive tempo de pular o gradil que cerca os viveiros e arrombar um deles, onde me tranquei. Por um instante, silêncio. Só até sentir aqueles dentes tentando romper a tela de arame com um barulho horrível.
‘- Pare! Saia daqui!’, gritei, en-quanto tirava o cinto e batia
e seu glorioso time. Em seguida chegou Ivan, com cara de poucos amigos. Havia sido demitido, segundo ele, por um motivo banal. Contou, depois, que tinha dado uns safanões numa velhota que o havia chamado de ‘Herman, o Monstro’. Ele era realmente parecido - só faltavam os parafusos no pescoço.
Tirei os dois de casa pelas 22 horas. Juarez, o aniversariante, escolheu um bar na Rua Riachuelo, próximo ao colégio Tiradentes. Queria ver as meninas saindo. Chegou a primeira cerveja e, com ela, um desses personagens típicos das cidades. Daqueles que vagueiam pelas ruas centrais vestindo trapos e com a barba grande e negligenciada. Ao contrário dos outros pedintes, essas pessoas geralmente não incomodam ninguém, e estão apenas buscando sobreviver do lixo ou da caridade alheia.
Com ar melancólico, pediu dinheiro. Oferecemos um copo de cerveja, que ele aceitou. Sem pedir licença, foi sentando. E contou sua história, marcada pela tragédia e pela loucura. Disse que tinha 46 anos (aparentava bem mais), e que havia sido funcionário graduado de uma grande empresa. As muitas horas de trabalho o fizeram perder a cabeça. Entrou em depressão, deixou a família e virou vagabundo. Desde então, vagueia por Curitiba com lembranças um carrinho de compras. Pediu mais cerveja e tirou do bolso uma fotografia, desatando a chorar.
Eu estava cansado e já havia ouvido muitas histórias
O caso ocorrido com o analista em informática Fernando Zanardini até hoje o oprime de tal forma que ele impôs uma condição para abordá-lo: nada de entrevista. Ele se com-prometeu a contar a história, e o fez por escrito. Vamos a ela:
“Aconteceu em 1984, no dia 29 de fevereiro. Noite de calor insuportável. As aulas na faculdade ainda não haviam reiniciado e as noites eram dedicadas ao que melhor sabíamos fazer, beber. Antes de sair, nos reuníamos em meu apartamento, num velho prédio atrás da Universidade Federal do Paraná, entre as ruas Presidente Faria e Alfredo Bufrem. Juarez, palmeirense fanático e aniversariante da noite, foi a primeiro a chegar. Entrou e ligou o rádio para escutar o jogo entre o Operário-MS
OC
ÃO
NE
GR
OD
OPA
SSE
IOP
ÚB
LIC
O
com a fivela, tentando fazer a fera parar. Em instantes, tudo ficou quieto. A tela tinha um buraco, e algo se movia ao meu redor. Ao meu lado, o anão canino estava pronto para atacar. Sem chance de fuga. Fui mordido e puxado para baixo. Dor e sangue. Sem largar minha perna, o maldito cão arrastou-me para fora, rumo ao lago. Sua força era assombrosa. Eu tentava me agarrar a qualquer coisa, e minhas mãos começaram a sangrar. Desmaiei.
Pela manhã, fui acordado por um funcionário que, histérico, me acusava de ter soltado os pássaros. Levou-me a até a administração. Contei minha história ao sujeito, que não acreditou. Fui preso. No final da tarde, Juarez, Ivan e um advogado foram me soltar. Respondi a um processo por invasão e depredação de patri-mônio público. Considerado
“momentaneamente insano”, fui liberado com a condição de, por um determinado período, freqüentar sessões de terapia. Na audiência, a bem da verdade, sequer tentei me defender – afinal, quem iria acreditar naquela história? A pequena cicatriz no tornozelo e a tremenda mácula no coração (além, é claro, de um ódio insano por poodles toy), porém, dão-me a certeza de minha própria sanidade – e da condição insólita da realidade.
semelhantes. Levantei e disse que iria dar uma volta antes de retornar ao apartamento. Os dois que ouvissem as histórias do pobre coitado. ‘- Cuidado por onde anda’, ele disparou.
Quase meia-noite. Subi a Riachuelo e desci a Carlos Cavalcanti rumo ao Passeio Público. Estava na frente do portão de entrada. Ouvi alguém me chamar. Olhei para trás, não havia ninguém. A voz, feminina, vinha do parque. Procurei alguma coisa na escuridão, mas nada. Só a voz. Minha respiração acelerou. Outro chamado. Acelerei o passo, a voz foi atrás. ‘Devem ser aqueles putos que saíram do bar e encontraram alguém para me pregar uma peça’, pensei.
Decidi entrar no jogo. Pulei o muro e tentei seguir a voz. Cheguei à área dos pássaros. Silêncio. Outro som, de um cão rosnando. Fechei os olhos, enguli a saliva. Outra vez o rosnado, mais alto e aterrador.
‘- What the hell!?’ O ruído nascia de um pequeno cão negro. Um poodle toy assassino, a não mais de cinco passos, mostrando enormes caninos brancos e olhos injetados de sangue. Uma baba espessa e escura caía-lhe da boca. Uma névoa amarelada pairava ao seu redor. Voou em minha di-reção. Só tive tempo de pular o gradil que cerca os viveiros e arrombar um deles, onde me tranquei. Por um instante, silêncio. Só até sentir aqueles dentes tentando romper a tela de arame com um barulho horrível.
‘- Pare! Saia daqui!’, gritei, en-quanto tirava o cinto e batia
e seu glorioso time. Em seguida chegou Ivan, com cara de poucos amigos. Havia sido demitido, segundo ele, por um motivo banal. Contou, depois, que tinha dado uns safanões numa velhota que o havia chamado de ‘Herman, o Monstro’. Ele era realmente parecido - só faltavam os parafusos no pescoço.
Tirei os dois de casa pelas 22 horas. Juarez, o aniversariante, escolheu um bar na Rua Riachuelo, próximo ao colégio Tiradentes. Queria ver as meninas saindo. Chegou a primeira cerveja e, com ela, um desses personagens típicos das cidades. Daqueles que vagueiam pelas ruas centrais vestindo trapos e com a barba grande e negligenciada. Ao contrário dos outros pedintes, essas pessoas geralmente não incomodam ninguém, e estão apenas buscando sobreviver do lixo ou da caridade alheia.
Com ar melancólico, pediu dinheiro. Oferecemos um copo de cerveja, que ele aceitou. Sem pedir licença, foi sentando. E contou sua história, marcada pela tragédia e pela loucura. Disse que tinha 46 anos (aparentava bem mais), e que havia sido funcionário graduado de uma grande empresa. As muitas horas de trabalho o fizeram perder a cabeça. Entrou em depressão, deixou a família e virou vagabundo. Desde então, vagueia por Curitiba com lembranças um carrinho de compras. Pediu mais cerveja e tirou do bolso uma fotografia, desatando a chorar.
Eu estava cansado e já havia ouvido muitas histórias
O caso ocorrido com o analista em informática Fernando Zanardini até hoje o oprime de tal forma que ele impôs uma condição para abordá-lo: nada de entrevista. Ele se com-prometeu a contar a história, e o fez por escrito. Vamos a ela:
“Aconteceu em 1984, no dia 29 de fevereiro. Noite de calor insuportável. As aulas na faculdade ainda não haviam reiniciado e as noites eram dedicadas ao que melhor sabíamos fazer, beber. Antes de sair, nos reuníamos em meu apartamento, num velho prédio atrás da Universidade Federal do Paraná, entre as ruas Presidente Faria e Alfredo Bufrem. Juarez, palmeirense fanático e aniversariante da noite, foi a primeiro a chegar. Entrou e ligou o rádio para escutar o jogo entre o Operário-MS
OC
ÃO
NE
GR
OD
OPA
SSE
IOP
ÚB
LIC
O
que, abismadas, olhavam para o dirigível das sacadas e calçadas da rua Barão do Rio Branco.
Fato é que o velho diário e seu autor (que, por sinal, não tem o primeiro nome conhecido, já que não é possível saber se a rebuscada inicial que antecede o sobrenome é um “S”, um “R” ou um “B”) se converteram em obsessão para Horácio. Emocionalmente impedido de compartilhar o baú com historiadores ou arqueólogos – ele não contempla a idéia de ter o material levado para um museu ou depósito -, o publicitário radicalizou: ele, que já planejava montar um bar-restaurante no Setor Histórico, decidiu batizá-lo de Garibaldi, em homenagem a seu misterioso herói. “Muita gente vai pensar que a home-nagem é ao herói italiano Giuseppe Garibaldi, mas não é. Aliás, nem é possível saber se os dois Garibaldis são a mesma pessoa!”, brinca. O espaço, inaugurado em abril, traz algumas das referências presentes nos diários. E, é claro, tem um lugar de honra para o personagem que o inspi-rou. “Pode parecer extravagan-te, mas eu realmente espero, um dia, poder compartilhar uma taça de vinho com esse extraordinário cavalheiro”, diz Horácio.
mundo de um certo Signore Garibaldi, um ítalo-curitibano cheio de histórias.
“A leitura daquele caderno me deixou simplesmente fascinado. Eu cheguei a sonhar várias vezes com o personagem”, conta Horácio. Escritos em um misto de português da Belle Époque e italiano castiço, os textos – estranhamente não-datados, o que lhes confere uma caracte-rística de atemporalidade – se referem a eventos não só do século XIX, mas de momentos tão recuados quanto o da crucifixão de Cristo. “Dá quase para imaginar o autor como centurião romano ou, então, como integrante da comitiva que acompanhou Napoleão à Ilha de Santa Helena, em 1815. Esses eventos estão lá e são muito realistas”, explica.
Algumas vezes, os textos parecem assumir um ar estranhamente profético, com referências a fatos futuros que o próprio Garibaldi, em tese, não poderia ter vivido. Coisas como o massacre da Praça da Paz Celestial ou o atentado ao trem em Madri. “É quase como se o autor tivesse uma vida exageradamente longa e retornasse ao diário de tempos em tempos para registrar suas impressões”, analisa Horácio.
“Essa perspectiva é intrigante e, ao mesmo tempo, um tanto assustadora!”, confessa. Encar-tadas nos livros estão algumas fotos, dentre as quais a única reconhecível se refere à passa-gem do Zepellin por Curitiba, em 1936. Mesmo essa imagem, porém, pouco revela sobre o autor do diário, que tanto pode ter sido o fotógrafo quanto uma das centenas de pessoas
“Há três anos, um velho mito curitibano foi colocado à prova. Quem, nesta cidade, nunca ouvir falar, ainda que en passant, sobre túneis que ligariam secretamente igrejas, ruínas e sedes de sociedades de imigrantes do chamado
“Setor Histórico”? Pois um grupo de myth busters desceu aos vetustos porões para provar que pelo menos algu-mas dessas passagens – como a do Clube Condórdia – real-mente existiam. É exatamente aí que começa a história do publicitário Horácio Nelson de Miranda Coutinho Junior. Participante de um grupo de exploradores, durante uma incursão ele encontrou uma pequena arca em um nicho de parede. Intrigado, apanhou a peça e cuidadosamente a transportou para casa. Dentro, uma relíquia: em um surrado caderno, as impressões de
UM
CE
RT
OSE
NH
OR
GA
RIB
ALD
I
que, abismadas, olhavam para o dirigível das sacadas e calçadas da rua Barão do Rio Branco.
Fato é que o velho diário e seu autor (que, por sinal, não tem o primeiro nome conhecido, já que não é possível saber se a rebuscada inicial que antecede o sobrenome é um “S”, um “R” ou um “B”) se converteram em obsessão para Horácio. Emocionalmente impedido de compartilhar o baú com historiadores ou arqueólogos – ele não contempla a idéia de ter o material levado para um museu ou depósito -, o publicitário radicalizou: ele, que já planejava montar um bar-restaurante no Setor Histórico, decidiu batizá-lo de Garibaldi, em homenagem a seu misterioso herói. “Muita gente vai pensar que a home-nagem é ao herói italiano Giuseppe Garibaldi, mas não é. Aliás, nem é possível saber se os dois Garibaldis são a mesma pessoa!”, brinca. O espaço, inaugurado em abril, traz algumas das referências presentes nos diários. E, é claro, tem um lugar de honra para o personagem que o inspi-rou. “Pode parecer extravagan-te, mas eu realmente espero, um dia, poder compartilhar uma taça de vinho com esse extraordinário cavalheiro”, diz Horácio.
mundo de um certo Signore Garibaldi, um ítalo-curitibano cheio de histórias.
“A leitura daquele caderno me deixou simplesmente fascinado. Eu cheguei a sonhar várias vezes com o personagem”, conta Horácio. Escritos em um misto de português da Belle Époque e italiano castiço, os textos – estranhamente não-datados, o que lhes confere uma caracte-rística de atemporalidade – se referem a eventos não só do século XIX, mas de momentos tão recuados quanto o da crucifixão de Cristo. “Dá quase para imaginar o autor como centurião romano ou, então, como integrante da comitiva que acompanhou Napoleão à Ilha de Santa Helena, em 1815. Esses eventos estão lá e são muito realistas”, explica.
Algumas vezes, os textos parecem assumir um ar estranhamente profético, com referências a fatos futuros que o próprio Garibaldi, em tese, não poderia ter vivido. Coisas como o massacre da Praça da Paz Celestial ou o atentado ao trem em Madri. “É quase como se o autor tivesse uma vida exageradamente longa e retornasse ao diário de tempos em tempos para registrar suas impressões”, analisa Horácio.
“Essa perspectiva é intrigante e, ao mesmo tempo, um tanto assustadora!”, confessa. Encar-tadas nos livros estão algumas fotos, dentre as quais a única reconhecível se refere à passa-gem do Zepellin por Curitiba, em 1936. Mesmo essa imagem, porém, pouco revela sobre o autor do diário, que tanto pode ter sido o fotógrafo quanto uma das centenas de pessoas
“Há três anos, um velho mito curitibano foi colocado à prova. Quem, nesta cidade, nunca ouvir falar, ainda que en passant, sobre túneis que ligariam secretamente igrejas, ruínas e sedes de sociedades de imigrantes do chamado
“Setor Histórico”? Pois um grupo de myth busters desceu aos vetustos porões para provar que pelo menos algu-mas dessas passagens – como a do Clube Condórdia – real-mente existiam. É exatamente aí que começa a história do publicitário Horácio Nelson de Miranda Coutinho Junior. Participante de um grupo de exploradores, durante uma incursão ele encontrou uma pequena arca em um nicho de parede. Intrigado, apanhou a peça e cuidadosamente a transportou para casa. Dentro, uma relíquia: em um surrado caderno, as impressões de
Para a maioria dos diabos, o inferno é apenas uma espécie de cidade-dormitório. Um lugar distante e pouco atraente aonde ir quando se faz ne-cessário recuperar as energias. Assim, raros — e bem infelizes — são os diabos que trabalham por lá. O grosso mesmo vem bater ponto entre os humanos, desempenhando em nossas cidades diversas funções fundamentais, mas todas muito pouco nobres.
Em Curitiba, um ótimo exemplo é o diabinho que amassa nosso
pão nas imediações da Rua Cruz Machado. Seu expediente se estende das dez da noite às seis da manhã, sem direito a intervalo ou folga de fim de semana. Em geral, esse peão noturno prefere assumir a aparência de um jovem suburbano de vinte anos, no máximo, embora já tenha, há muito, ultrapassado os vinte mil e poucos. De boné e piercing azul-pombinho no queixo, cabelo duro e alourado e unhas pintadas de ouro, ele dirige um Escort cin-zento com frisos vermelhos nas laterais. Seu trabalho é simples, como bem convém a qualquer simplório. Consiste em percorrer quase toda a Cruz Machado, desde o seu cruzamento com a Alameda Cabral até a Praça Tiradentes. Ali, o capeta vira duas vezes à direita para retornar, primeiro pela Cândido Lopes e, depois, pela Carlos de Carvalho, à alameda de onde partiu.
Durante a ronda, cumprida sempre com o escapamento escancarado, o diabo ouve música altíssima, poperôs nada empolgantes, mas poderosos. No caminho, a cada esquina, ofende meio submundo: travestis, prostitutas, pipoqueiros, traficantes e toda a clientela pedestre ou motorizada da região. Atira ovos nas bichas, mostra a bunda aos porteiros de boate e o dedo médio aos gigolôs. Sua atividade dá início a uma guerra sem fim de uivos e impropérios, maior especialidade desses diabos de poucos recursos. Impossível vencê-los com suas armas. A cada xingamento que lhe dirigimos, o demônio põe a cabeça para fora do veículo e lança ao vento a sua repugnante risada de caveira cartunesca.
É desesperador. Ele nunca pára e nunca é parado. Por ser uma criatura sobrenatural,
é invisível à polícia. Tente você descer bêbado a Ébano Pereira a partir do velho Belvedere, cantarolando a meia voz a melodia de “Boneca Cobiçada”, com o zíper aberto e o cabelo levemente engordurado. Será detido por vadiagem pela PM antes mesmo de alcançar a Augusto Stellfeld. O diabo não. Ele tem licença para agitar à vontade. Não está nem aí. Quer mais uma prova? Pois espie pela janela do seu Escort. Sim, é isso mesmo: o chofer está peladão ao volante.
O objetivo de tal trabalho sujo? É óbvio. Após meia dúzia de voltas, já está irreversivelmente semeada a discórdia. Uma algaravia animalesca domina o mundo, o ar pesa sobre todos, congestionado pelo grito de cem mil araras estranguladas. E, nas camas da vizinhança, vovós solitárias, aposentados solteirões, numerosas famílias de comerciantes chineses, ricos estudantes do interior, todos insones e irritados, passam a madrugada a desejar os piores tormentos ao piloto do carro escandaloso e a todos os seres que habitam a noite da Cruz Machado. Torcem para que o motorista fantástico se esborrache contra um poste, para que o travesti boca-de-gralha quebre uma perna ao perseguir de tamancos o seu agressor, para que as meninas sob a marquise do velho Cine Condor sejam espancadas por um grupo de pitboys entediados. E, a cada ataque de ódio e ressentimento que nos provoca, o diabo reforça o contingente de almas condenadas ao fogo inextinguível.
Mas, contra todas as expectativas, existe, sim, um antídoto
para esse veneno que o demo — como o infame assassino do rei, em “A Ratoeira” — nos entorna nos ouvidos. Para obtê-lo, basta substituirmos o ódio que viermos a desenvolver por outro sentimento grandioso, mas pouco usual. A compaixão por nossa espécie e pela necessidade selvagem de alegria que a move. Talvez isso exija de nós um certo esforço, uma dor de cabeça menos corriqueira, quem sabe? Em caso de
sucesso, porém, nossa recompensa será fabulosa: teremos noites e
noites de sono e amor garantidas, embaladas pelo hálito doce de
Para a maioria dos diabos, o inferno é apenas uma espécie de cidade-dormitório. Um lugar distante e pouco atraente aonde ir quando se faz ne-cessário recuperar as energias. Assim, raros — e bem infelizes — são os diabos que trabalham por lá. O grosso mesmo vem bater ponto entre os humanos, desempenhando em nossas cidades diversas funções fundamentais, mas todas muito pouco nobres.
Em Curitiba, um ótimo exemplo é o diabinho que amassa nosso
pão nas imediações da Rua Cruz Machado. Seu expediente se estende das dez da noite às seis da manhã, sem direito a intervalo ou folga de fim de semana. Em geral, esse peão noturno prefere assumir a aparência de um jovem suburbano de vinte anos, no máximo, embora já tenha, há muito, ultrapassado os vinte mil e poucos. De boné e piercing azul-pombinho no queixo, cabelo duro e alourado e unhas pintadas de ouro, ele dirige um Escort cin-zento com frisos vermelhos nas laterais. Seu trabalho é simples, como bem convém a qualquer simplório. Consiste em percorrer quase toda a Cruz Machado, desde o seu cruzamento com a Alameda Cabral até a Praça Tiradentes. Ali, o capeta vira duas vezes à direita para retornar, primeiro pela Cândido Lopes e, depois, pela Carlos de Carvalho, à alameda de onde partiu.
Durante a ronda, cumprida sempre com o escapamento escancarado, o diabo ouve música altíssima, poperôs nada empolgantes, mas poderosos. No caminho, a cada esquina, ofende meio submundo: travestis, prostitutas, pipoqueiros, traficantes e toda a clientela pedestre ou motorizada da região. Atira ovos nas bichas, mostra a bunda aos porteiros de boate e o dedo médio aos gigolôs. Sua atividade dá início a uma guerra sem fim de uivos e impropérios, maior especialidade desses diabos de poucos recursos. Impossível vencê-los com suas armas. A cada xingamento que lhe dirigimos, o demônio põe a cabeça para fora do veículo e lança ao vento a sua repugnante risada de caveira cartunesca.
É desesperador. Ele nunca pára e nunca é parado. Por ser uma criatura sobrenatural,
é invisível à polícia. Tente você descer bêbado a Ébano Pereira a partir do velho Belvedere, cantarolando a meia voz a melodia de “Boneca Cobiçada”, com o zíper aberto e o cabelo levemente engordurado. Será detido por vadiagem pela PM antes mesmo de alcançar a Augusto Stellfeld. O diabo não. Ele tem licença para agitar à vontade. Não está nem aí. Quer mais uma prova? Pois espie pela janela do seu Escort. Sim, é isso mesmo: o chofer está peladão ao volante.
O objetivo de tal trabalho sujo? É óbvio. Após meia dúzia de voltas, já está irreversivelmente semeada a discórdia. Uma algaravia animalesca domina o mundo, o ar pesa sobre todos, congestionado pelo grito de cem mil araras estranguladas. E, nas camas da vizinhança, vovós solitárias, aposentados solteirões, numerosas famílias de comerciantes chineses, ricos estudantes do interior, todos insones e irritados, passam a madrugada a desejar os piores tormentos ao piloto do carro escandaloso e a todos os seres que habitam a noite da Cruz Machado. Torcem para que o motorista fantástico se esborrache contra um poste, para que o travesti boca-de-gralha quebre uma perna ao perseguir de tamancos o seu agressor, para que as meninas sob a marquise do velho Cine Condor sejam espancadas por um grupo de pitboys entediados. E, a cada ataque de ódio e ressentimento que nos provoca, o diabo reforça o contingente de almas condenadas ao fogo inextinguível.
Mas, contra todas as expectativas, existe, sim, um antídoto
para esse veneno que o demo — como o infame assassino do rei, em “A Ratoeira” — nos entorna nos ouvidos. Para obtê-lo, basta substituirmos o ódio que viermos a desenvolver por outro sentimento grandioso, mas pouco usual. A compaixão por nossa espécie e pela necessidade selvagem de alegria que a move. Talvez isso exija de nós um certo esforço, uma dor de cabeça menos corriqueira, quem sabe? Em caso de
sucesso, porém, nossa recompensa será fabulosa: teremos noites e
noites de sono e amor garantidas, embaladas pelo hálito doce de
Nosso Senhor Jesus Cristo.
E ao diabo da Cruz Machado só restará
engolir nossos sonhos de
redenção.
O primeiro rodízio depicanha de Curitiba
De segunda a domingopara almoço e de terçaa sexta para o jantar
2.700Distribuição em prédios comerciais, clínicas de estética, salões de beleza, consultórios médicos, restaurantes, locadoras, academias, escolas de idiomas, lojas e hotéis
A Revista Deluxe é uma publicação de alto padrão, com distribuição dirigida e gratuita. Seus conteúdos são produzidos
por jornalistas profissionais, designers e publicitários. As re-portagens da revista tratam de
moda, comportamento, saúde, gastronomia, arquitetura e
decoração.
A publicação é voltada para um público diferenciado e de alto poder aquisitivo, e pode
ser encontrada em centenas de estabelecimentos comerciais
da cidade. Além disso, Curitiba Deluxe é distribuída para
maillings segmentados e para mais de 3 mil assinantes.
No ano de 2008, Curitiba Deluxe se reinventou.
Explique-se: optamos, em definitivo, pela ousadia gráfica
e por temas relacionados às pessoas e à cidade, descartando
de vez o luxo fácil e as caras mais do que manjadas das colu-nas sociais. Curitiba tem várias publicações voltadas ao merca-do de luxo e a um high-society que adora se ver – não temos
nada contra ninguém, mas pensamos que é uma bobagem
seguir por trilhas mais do que pavimentadas e que não despertam grandes emoções.
Com sua nova proposta editorial, Curitiba Deluxe
busca atrair um público mais interessado em viver do que em aparecer. Que gasta bem,
investe na vida, valoriza o que é raro. Deluxe, mesmo, é
uma publicação gratuita de alta qualidade, que instiga as pessoas a lerem mais, a olhar
para a cidade e a discretamente colocar a revista na bolsa para
novas consultas em casa.
Desta maneira, pretendemos seguir com a nossa missão de produzir uma revista cada vez
mais interessante para os leito-res e com ótimos resultados comerciais aos anunciantes.
2.700Distribuição em prédios comerciais, clínicas de estética, salões de beleza, consultórios médicos, restaurantes, locadoras, academias, escolas de idiomas, lojas e hotéis
A Revista Deluxe é uma publicação de alto padrão, com distribuição dirigida e gratuita. Seus conteúdos são produzidos
por jornalistas profissionais, designers e publicitários. As re-portagens da revista tratam de
moda, comportamento, saúde, gastronomia, arquitetura e
decoração.
A publicação é voltada para um público diferenciado e de alto poder aquisitivo, e pode
ser encontrada em centenas de estabelecimentos comerciais
da cidade. Além disso, Curitiba Deluxe é distribuída para
maillings segmentados e para mais de 3 mil assinantes.
No ano de 2008, Curitiba Deluxe se reinventou.
Explique-se: optamos, em definitivo, pela ousadia gráfica
e por temas relacionados às pessoas e à cidade, descartando
de vez o luxo fácil e as caras mais do que manjadas das colu-nas sociais. Curitiba tem várias publicações voltadas ao merca-do de luxo e a um high-society que adora se ver – não temos
nada contra ninguém, mas pensamos que é uma bobagem
seguir por trilhas mais do que pavimentadas e que não despertam grandes emoções.
Com sua nova proposta editorial, Curitiba Deluxe
busca atrair um público mais interessado em viver do que em aparecer. Que gasta bem,
investe na vida, valoriza o que é raro. Deluxe, mesmo, é
uma publicação gratuita de alta qualidade, que instiga as pessoas a lerem mais, a olhar
para a cidade e a discretamente colocar a revista na bolsa para
novas consultas em casa.
Desta maneira, pretendemos seguir com a nossa missão de produzir uma revista cada vez
mais interessante para os leito-res e com ótimos resultados comerciais aos anunciantes.