Captulo IIIRELAO DAS FACULDADES NA CRTICA DO JUZOH uma forma
superior do sentimento Esta pergunta significa: h representaes que
determinem a priorium estado do sujeito como prazer ou dor?
Uma sensao no abrangida por este caso: o prazer ou a dor que ela
produz (sentimento) s pode ser conhecido empiricamente.
E o mesmo sucede quando a representao de objeto a priori.
Invocar-se- a lei moral como representao de uma pura forma? (O
respeito como efeito da lei seria o estado superior da dor,o
contentamento intelectual, o estado superior do prazer.)
A resposta de Kant negativa[footnoteRef:1]. [1: CJ, 12.]
Pois o contentamento no um efeito sensvel nem um sentimento
particular, mas um anlogo intelectual do sentimento.
E o prprio respeito s um efeito na medida em que um sentimento
negativo; na sua positividade, confunde-se com a lei como mbil,
mais do que dela deriva.
Em regra, impossvel que a faculdade de sentir alcance a sua
forma superior, quando ela prpria encontra a sua lei na forma
inferior ou superior da faculdade de desejar.
Que seria, ento, um prazer superior? Ele no deveria estar ligado
a nenhum atrativo sensvel (interesse emprico pela existncia do
objeto de uma sensao) nem a nenhuma inclinao intelectual(interesse
prtico puro pela existncia de um objeto da vontade).
A faculdade de sentir s pode ser superior sendo desinteressada
no seu princpio.
O que conta no a existncia do objeto representado, mas o simples
efeito de uma representao sobre mim.
O mesmo dizer que um prazer superior a expresso sensvel de um
juzo puro, de uma pura operao de julgar [footnoteRef:2]. [2: CJ,
9.]
Esta operao apresenta-se primeiramente no juzo esttico do tipo
belo.
Mas qual a representao que, no juzo esttico, pode ter como
efeito este prazer superior?
Dado que a existncia material do objetopermanece indiferente,
trata-se ainda da representao de uma pura forma.
Mas, desta vez, uma forma de objeto.
E esta forma no pode ser simplesmente a da intuio, que nos
refere a objetos exterioresmaterialmente existentes.
Na verdade, forma significa agora o seguinte:
reflexo de um objeto singular na imaginao.
A forma o que a imaginao reflete de um objeto, por oposio ao
elemento material das sensaes que este objeto provoca enquanto
existe e age sobre ns.
Acontece por vezes a Kant perguntar:
uma cor, um som, podem ser ditos belos por si mesmos?
Talvez o fossem se, em lugar de apreendermosmaterialmente o seu
efeito qualitativo sobre os nossos sentidos,
fssemos capazes de refletir pela nossa imaginao as vibraes de
que eles se compem.
Mas a cor e o som so demasiado materiais e acham-se demasiado
impregnados nos nossos sentidos para se refletirem assim na
imaginao:
so adjuvantes, mais do que elementos da beleza.
O essencial o desenho, a composio, os quais so precisamente
manifestaes da reflexo formal [footnoteRef:3]. [3: CJ, 14.]
A representao refletida da forma causa, no juzo esttico, do
prazer superior do belo.
Devemos ento verificar que o estado superior da faculdade de
sentir apresenta dois caracteres paradoxais, intimamente ligados um
ao outro.
Por um lado, contrariamente ao que se passava no caso das outras
faculdades, a forma superior no define aqui nenhum interesse da
razo: o prazer esttico to independente do interesseespeculativo
como do interesse prtico e define-se a si prprio como inteiramente
desinteressado.
Por outro lado, a faculdade de sentir sob a sua forma superior
no legisladora:
toda a legislao implica objetos sobre os quais ela se exerce e
que lhe esto submetidos.
Ora, no s o juzo esttico sempre particular, do tipo esta rosa
bela (implicando a proposio as rosas so belas em geral, uma
comparao e um juzo lgicos)[footnoteRef:4]. [4: CJ, 8.]
Mas, sobretudo, ele nem sequer legisla sobre o seu objeto
singular, visto que permanece inteiramente indiferente sua
existncia.
Kant recusa assim o emprego da palavra autonomia para a
faculdade de sentir sob a sua forma superior: impotente para
legislar sobre objetos, o juzo s pode ser heautnomo, o que
significa que legisla sobre si[footnoteRef:5]. [5: CJ, Introduo, 4
e 5.]
A faculdade de sentir no tem domnio (nem fenmenos nem coisas em
si);no exprime condies a que um gnero de objetos deve estar
submetido,mas unicamente condies subjetivas para o exerccio das
faculdades.Senso comum esttico Quando dizemos belo, no queremos
dizer simplesmente agradvel: aspiramos a uma certa objetividade, a
uma certa necessidade,a uma certa universalidade.
Mas a pura representao do objeto belo particular:
a objetividade do juzo esttico no tem, portanto, conceito ou (o
que vem a dar no mesmo) a sua necessidade e a sua universalidade so
subjetivas.
Cada vez que intervm um conceito determinado (figuras
geomtricas, espcies biolgicas, ideias racionais), o juzo esttico
cessa de ser puro ao mesmo tempo que a beleza deixa de ser
livre[footnoteRef:6]. [6: CJ, 16 (pulcbritudo vaga).]
A faculdade de sentir, sob a sua forma superior,
no pode depender do interesse especulativo,
tal como no depende do interesse prtico.
por este motivo que s o prazer admitido como universal e
necessrio no juzo esttico.
Supomos que o nosso prazer de direito comunicvel ou vlido para
todos, presumimos que cada qual deve experiment-lo.
Esta presuno, esta suposio nem sequer um postulado, visto que
exclui todo o conceito determinado[footnoteRef:7]. [7: CJ, 8.]
Contudo, tal suposio seria impossvel se o entendimento no
interviesse de certa maneira.
Vimos qual era o papel da imaginao: ela reflete um objeto
singular, do ponto de vista da forma.
Procedendo assim, no se refere a um conceito determinado do
entendimento.
Mas refere-se ao prprio entendimento como faculdade dos
conceitos em geral;
refere-se a um conceito indeterminado do entendimento.
Quer dizer: a imaginao na sua liberdade pura concorda com o
entendimento na sua legalidade no especificada.
Poderia afirmar-se em rigor que a imaginao, aqui, esquematiza
sem conceito[footnoteRef:8]. [8: CJ, 35.]
Mas o esquematismo sempre o ato de uma imaginao que j no livre,
que se acha determinada a agir conformemente a um conceito do
entendimento.
Na verdade, a imaginao faz algo diferente de esquematizar:
manifesta a sua liberdade mais profunda refletindo a forma do
objeto,
ela joga-se de certo modo na contemplao da figura, torna-se
imaginao produtiva e espontnea como causa de formas arbitrriasde
intuies possveis[footnoteRef:9]. [9: CJ, 16 e nota geral sobre a
primeira seco da analtica.]
Eis, pois, um acordo entre a imaginao como livre e o
entendimento como indeterminado.
Eis um acordo igualmentelivre e indeterminado entre
faculdades.
Devemos dizer acerca deste acordoque ele define um senso comum
propriamente esttico (o gosto).
Com efeito, o prazer que supomos comunicvel e vlido para todos
apenas o resultado deste acordo.
No se fazendo sob um conceito determinado, o livre jogo da
imaginao e do entendimento no pode ser intelectualmente conhecido,
mas apenas sentido[footnoteRef:10]. [10: CJ, 9.]
A nossa suposio de uma comunicabilidade do sentimento (sem a
interveno de um conceito)funda-se assim na idia de um acordo
subjetivo das faculdades, na medida em que tal acordo forma tambm
um senso comum[footnoteRef:11]. [11: CJ, 39 e 40.]
Poderia crer-se que o senso comum esttico completa os dois
precedentes:
no senso comum lgico e no senso comum moral, ora o entendimento
ora a razo legislam e determinam a funo das outras faculdades;
agora, seria a vez da imaginao.
Mas no pode ser assim. A faculdade de sentir no legisla sobre
objetos;
no h, portanto, nela uma faculdade (no segundo sentido da
palavra) que seja legisladora.
O senso comum esttico no representa um acordo objetivo das
faculdades (isto :uma submisso de objetos a uma faculdade
dominante, a qual determinaria ao mesmo tempo o papel das outras
faculdades relativamente a estes objetos), mas uma pura harmonia
subjetiva onde a imaginao e o entendimento se exercem
espontaneamente, cada qual por sua, conta.
Por conseguinte, o senso comum esttico no completa os outros
dois; funda-os ou torna-os possveis.
Jamais uma faculdade assumiria um papel legislador e
determinante se, porventura, todas as faculdades juntas no fossem
primeiro capazes desta livre harmonia subjetiva.
Mas, ento, encontramo-nos perante um problema Particularmente
difcil.
Explicamos a universalidade do prazer esttico ou a
comunicabilidade do sentimento superior pelo livre acordo das
faculdades.
Mas bastar presumir este livre acordo, sup-lo a priori ?
No deve ele, pelo contrrio, ser produzido em ns?
Quer dizer: o senso comum estticono deve ser objeto de uma gnese
, gnese propriamente transcendental?
Tal problema domina a primeira parte da Crtica do juzo; a sua
prpria soluo comporta vrios momentos complexos.
Relao das faculdades no Sublime Enquanto permanecemos no juzo
esttico do tipo belo, a razo no parece ter qualquer papel: s
intervm o entendimento e a imaginao.
Alm disso, encontrada uma forma superior do prazer, no uma forma
superior da dor.
Mas o juzo belo apenas um tipo de juzo esttico.
Devemos considerar o outro tipo, sublime.
No Sublime, a imaginao entrega-se a uma atividade de todo em
todo diferente da reflexo formal.
O sentimento do sublime experimentado diante do informe ou do
disforme (imensidade ou potncia).
Tudo se passa ento como se a imaginao fosse confrontada com o
seu prprio limite, forada a atingir o seu mximo, sofrendo uma
violncia que a leva ao extremo do seu poder.
Decerto que a imaginao no tem limite enquanto se trata de
apreender(apreenso sucessiva de partes).
Mas, na medida em que deve reproduziras partes precedentes
conforme vai chegando s seguintes, tem efetivamente um mximo de
compreenso simultnea.
Ante o imenso, a imaginao experimenta a insuficincia deste
mximo, ela busca ampli-loe recai sobre si mesma[footnoteRef:12].
[12: CJ, 26.]
primeira vista, atribumos ao objeto natural, ou seja, Natureza
sensvel, essa imensidade que reduz impotncia a nossa imaginao.
Mas, na verdade, unicamente a razo nos fora a reunir num todo a
imensidade do mundo sensvel.
Todo esse que a Ideia do sensvel, tanto quanto este ltimo tem
como substrato algo de inteligvel ou de supra-sensvel.
A imaginao aprende assim que a razo que a impele at ao limite do
seu poder, forando-a a confessar que toda a sua potncia nada
relativamente a uma Ideia.
O Sublime coloca-nos, pois, na presena de uma relao subjetiva
direta entre a imaginao e a razo.
Mas mais do que um acordo, esta relao em primeiro lugar um
desacordo, uma contradio vivida entre a exigncia da razo e a
potncia da imaginao.
E por isso que a imaginao parece perder a sua liberdade e o
sentimento do sublime ser uma dor mais do que um prazer.
Porm, no fundo do desacordo, surge o acordo; a dor torna possvel
um prazer.
Quando a imaginao posta na presena do seu limite por alguma
coisa que a supera por todos os lados,ela mesma supera o seu prprio
limite, verdade que de maneira negativa,representando-se a
inacessibilidade da Ideia racional e fazendo desta prpria
inacessibilidade algo de presente na natureza sensvel.
A imaginao, que fora do sensvel nada encontra onde se situar,
sente-se no entanto ilimitada graas ao desaparecimento das suas
balizas; e esta abstrao uma apresentao do infinito, que, por tal
razo, s pode ser negativa, mas que, todavia, alarga a
alma[footnoteRef:13]. [13: CJ, 29, Nota geral.]
Tal o acordo discordante da imaginao e da razo: no apenas a razo
que tem uma destinao supra-sensvel mas tambm a imaginao.
Neste acordo, a alma sentida como a unidade supra-sensvel
indeterminada de todas as faculdades; somos ns prprios referidos a
um foco, como a um ponto de concentrao no supra-sensvel.
Ento, v-se que o acordo imaginao-razo no simplesmente presumido:
verdadeiramente engendrado , engendrado no desacordo.
Eis porque o senso comum que corresponde ao sentimento do
sublime se no separa de uma cultura, como movimento da sua
gnese[footnoteRef:14]. [14: CJ, 29.]
E nesta gnese que aprendemos o essencial respeitante ao nosso
destino.
Com efeito, as Ideias da razo so especulativamente
indeterminadas,praticamente determinadas.
Tal j o princpio da diferena entre o Sublime matemtico do imenso
e o Sublime dinmico da potncia
(um pe em jogo a razo do ponto de vista da faculdade de
conhecer,
o outro,do ponto de vista da faculdade de
desejar)[footnoteRef:15]. [15: CJ. 24.]
De sorte que,
no sublime dinmico, a destinao supra-sensvel das nossas
faculdades aparece como o pr-destino de um ser moral.
O sentido do sublime engendrado em ns de tal maneira que ele
prepara uma mais alta finalidade e nos prepara a ns prprios para o
advento da lei moral.
Ponto de vista da gneseO difcil achar o princpiode uma gnese
anloga para o sentido do belo, dado que no sublime tudo
subjetivo,
relao subjetiva entre faculdades;
o sublime apenas se refere natureza por projeo, e esta projeo
efetua-se sobre o que h de informe ou de disforme na natureza.
Tambm no belo nos encontramos diante de um acordo subjetivo; mas
este faz-se a propsito de formas objetivas, de tal modo que se
coloca no caso do belo um problema de deduo que se no colocava para
o sublime[footnoteRef:16]. [16: CJ, 3o.]
A anlise do sublime ps-nos no caminho, visto que ela nos
apresentava um senso comum que no era apenas presumido, mas
engendrado.
Todavia, uma gnese do sentido do belo coloca um problema mais
difcil, dado que requer um princpio cujo alcance seja
objetivo[footnoteRef:17]. [17: (17) Da o lugar da anlise do Sublime
na Crtica do Juzo.]
Sabemos que o prazer esttico inteiramente desinteressado, j que
em nada concerne existncia de um objeto.
O belo no objeto de um interesse da razo.
O que no obsta a que ele possa estar sinteticamente unido a um
interesse racional.
Suponhamos que assim: o prazer do belo no deixa de ser
desinteressado, mas o interesse a que est unido pode servir de
princpio para uma gnese da comunicabilidade ou da universalidade
deste prazer; o belo no deixa de ser desinteressado,
mas o interesse a que est unido sinteticamente pode servir de
regra para uma gnese do sentido do belo como senso comum.
Se a tese kantiana realmente esta, devemos indagar qual o
interesse unido ao belo.
Pensar-se-, antes de mais, num interesse social emprico, to
amide ligado aos objetos belos e capaz de engendrar uma espcie de
gosto ou de comunicabilidade do prazer.
Mas bvio que o belo apenas est ligado a um tal interesse a
posteriori , no a priori[footnoteRef:18]. [18: CJ, 41.]
S um interesse da razo pode responder s exigncias
precedentes.
Mas em que pode consistir aqui um interesse racional?
Ele no pode incidir sobre o prprio belo.
Incide exclusivamente sobre a aptido que a natureza possui para
produzir belas formas, ou seja, formas capazes de se refletirem na
imaginao.
(E a natureza apresenta esta aptido, at mesmo onde o olho humano
penetra demasiado raramente para as refletir efetivamente: por
exemplo, no fundo dos oceanos)[footnoteRef:19]. [19: CJ, 30.]
O interesse unido ao belo no incide, pois, sobre a bela forma
enquanto tal, mas sobre a matria empregue pela natureza para
produzir objetos capazes de se refletirem formalmente.
No causar espanto que Kant, tendo comeado por dizer que as cores
e os sons no eram em si mesmos belos, acrescente em seguida que
eles so objeto de um interesse do belo[footnoteRef:20]. [20: CJ,
42.]
Alm de que, se procurarmos qual a matria-prima que intervm na
formao natural do belo, vemos que se trata de uma matria fluida (o
mais antigo estado da matria), da qual uma parte se separa ou
evapora e da qual o resto se solidifica bruscamente (cf. formao dos
cristais)[footnoteRef:21]. [21: CJ, 58.]
O mesmo dizer que o interesse do belo no parte integrante do
belo nem do sentido do belo, mas concerne a uma produo do belo na
natureza, e pode nesta qualidade servir de princpio em ns para uma
gnese do prprio sentido do belo.
Toda a questo reside nisto: de que espcie esse interesse?
Temos at agora definido os interesses da razo por um gnero de
objetos que se achavam necessariamente submetidos a uma faculdade
superior.
Mas no h objetos que estejam submetidos faculdade de sentir.
A forma superior da faculdade de sentir designa somente a
harmonia subjetiva e espontnea das nossas faculdades ativas, sem
que uma destas faculdadeslegisle sobre objetos.
Quando apreciamos a aptido material da naturezapara produzir
belas formas, no podemos concluir da a submisso necessria desta
natureza a uma das nossas faculdades, mas unicamente o seu acordo
contingente com todas as nossas faculdades em
conjunto[footnoteRef:22]. [22: CJ, Introduo, 7.]
Mais ainda: procurar-se-ia em vo um fim da Natureza quando ela
produz o belo; a precipitao da matria fluida explica-se de maneira
puramente mecnica.
A aptido da natureza apresenta-se assim como um poder sem
objetivo, apropriado por acaso ao exerccio harmonioso das nossas
faculdades[footnoteRef:23]. [23: CL 58.]
O prazer deste exerccio tambm desinteressado; o que impede que
experimentemos um interesse racionalpelo acordo contingente das
produes da natureza com o nosso prazer
desinteressado[footnoteRef:24]. [24: (25) CJ, 42.]
Tal o terceiro interesse da razo: define-se, no por uma submisso
necessria, mas por um acordo contingente da Naturezacom as nossas
faculdades.
O simbolismo na naturezaComo se apresenta a gnese do sentido do
belo?
Parece certo que as matrias livres da natureza, as cores, os
sons, se no referem apenas a conceitos determinados do
entendimento.
Eles extravasam o entendimento, do que pensar muito mais do que
est contido no conceito.
Por exemplo, no referimos somente a cor a um conceito do
entendimento que se aplicaria diretamente a ela, referimo-la ainda
a qualquer outro conceito, que no tem sua conta um objeto de
intuio,mas que se assemelha ao conceito do entendimento porque fixa
o seu objeto por analogia com o objeto da intuio.
Estoutro conceito uma Ideia da razo, que apenas se assemelha ao
primeiro, do ponto de vista da reflexo.
Assim o lis branco no simplesmente referido aos conceitos de cor
e de flor, visto despertar a Ideia de pura inocncia, cujo objeto no
mais do que um anlogo (reflexivo) do branco na
flor-de-lis[footnoteRef:25]. [25: (25) CJ, 42 e 59.]
Eis que as Ideias so objeto de uma apresentao indireta nas
livres matrias da natureza.
Esta apresentao indireta chama-se simbolismo e tem como regra o
interesse do belo.
Seguem-se duas consequncias: o prprio entendimento v os seus
conceitos alargados de maneira ilimitada;
a imaginao encontra-se liberta do constrangimento do
entendimento que ela ainda sofria no esquematismo e torna-se capaz
de refletir livremente a forma.
O acordoda imaginao como livre e do entendimento como
indeterminado j no , portanto, simplesmente presumido:
de certo modo animado,vivificado, engendrado pelo interesse do
belo.
As livres matrias da natureza sensvel simbolizam as Idias da
razo;
assim, elas permitem que o entendimento se alargue, que a
imaginao se liberte.
O interesse do belo atesta uma unidade supra-sensvel de todas as
nossas faculdades,como um ponto de concentrao no supra-sensvel, de
que decorre o livre acordo formal ou a harmonia subjetiva
delas.
A unidade supra-sensvel indeterminada de todas as faculdades e o
acordo livre que da deriva so o mais profundo da alma.
Efetivamente,quando o acordo das faculdades se acha determinado
por uma de entre elas(o entendimento no interesse especulativo, a
razo no interesse prtico),supomos que as faculdades so, antes de
mais , capazes de uma livre harmonia (segundo o interesse do belo),
sem a qual nenhuma destas determinaesseria possvel.
Mas, por outro lado, o acordo livre das faculdadesdeve j fazer
aparecer razo como chamada a desempenhar o papel determinante no
interesse prtico ou no domnio moral.
neste sentido que a destinao supra-sensvel de todas as nossas
faculdades o predestino de um ser moral;
ou que a idia do supra-sensvel como unidade indeterminada das
faculdades prepara a idia do supra-sensvel tal como ela
praticamente determinada pela razo (como princpio dos fins da
liberdade);
ou que o interesse do belo implica uma disposio para ser
moral[footnoteRef:26]. [26: CJ, 42.]
Como afirma Kant, o prprio belo smbolo do bem (pretende dizer
que o sentido do belo no uma percepo confusa do bem, que no h
qualquer relao analtica entre o bem e o belo, mas uma relao
sinttica segundo a qual o interesse do belo nos dispe a ser moral,
nos destina moralidade)[footnoteRef:27]. [27: CJ, 59.]
Deste modo a unidade indeterminada e o acordo livre das
faculdades no constituem unicamente o mais profundo da alma,mas
preparam ainda o advento do mais alto , ou seja, a supremacia da
faculdade de desejar, e tornam possvel a passagem da faculdade de
conhecer faculdade de desejar.
O simbolismo na arte, ou o gnio verdade que tudo o que precede
(o interesse do belo, a gnese do sentido do belo, a relao do belo e
do bem) s diz respeito beleza da natureza.
Tudo assenta, de fato, no pensamento de que a natureza produziu
a beleza[footnoteRef:28]. [28: CJ, 42.]
por isso que o belo na arte parece ser desprovido de relao com o
bem e o sentido do belo na arte no poder ser engendrado a partir de
um princpio que nos destina moralidade.
Donde a frase de Kant: respeitvel aquele que sai de um museu a
fim de se voltar para as belezas da natureza...
A no ser que a arte se revele igualmente susceptvel de se
sujeitar, sua maneira, a uma matria e a uma regra fornecidas pela
natureza.
Mas a natureza, aqui, no pode proceder seno por uma disposio
inata no sujeito.
O Gnio precisamente a disposio inata pela qual a natureza d arte
uma regra sinttica e uma rica matria.
Kant define o gnio como a faculdade das Ideias
estticas[footnoteRef:29]. [29: Cf, 57, nota 1.]
primeira vista, uma Ideia esttica o contrrio de uma Idia
racional.
Esta um conceito a que nenhuma intuio se ajusta; aquela, uma
intuio a que nenhum conceito se adequa.Mas, perguntar-se-, tal
relao inversa suficiente para descrever a Ideia esttica?
A Ideia da razo supera a experincia, quer por no ter objeto que
lhe corresponda na natureza (por exemplo, seres invisveis) quer por
fazer de um simples fenmeno da natureza um acontecimento do esprito
(a morte, o amor...).
A Ideia da razo contm, pois, algo de inexprimvel.
Mas a Ideia esttica supera todo o conceito porque cria a intuio
de uma natureza diferente da que nos dada:
outra natureza cujos fenmenos seriam autnticos acontecimentos
espirituais e os acontecimentos do esprito, determinaes naturais
imediatas[footnoteRef:30]. [30: CJ, 49.]
Ela d que pensar, fora a pensar.
A Ideia esttica , sem dvida, a mesma coisa que a Ideia
racional:
exprime o que nesta h de inexprimvel.
Assim se explica que ela surja como uma representao secundria,
uma expresso segunda.
Por isso mesmo, acha-se bastante prximo do simbolismo (o gnio
tambm procede por alargamento do entendimento e libertao da
imaginao)[footnoteRef:31]. [31: Ibid.]
Mas, em vez de apresentar indiretamente a Idia na natureza,
exprime-a secundariamente na criao imaginativa de uma outra
natureza.
O gnio no o gosto, mas anima o gosto na arte dando-lhe uma
almaou uma matria.
H obras que so perfeitas do ponto de vista do gosto,mas que
carecem de alma, isto , de gnio[footnoteRef:32]. [32: Ibid.]
que o prprio gosto no passa do acordo formal de uma imaginao
livre e de um entendimento alargado.
Permanece sombrio e morto, e somente presumido, se porventura no
remeter para uma instncia mais alta, como para uma matria capaz
justamente de alargar o entendimento e de libertar a imaginao.
O acordo da imaginao e do entendimento, nas artes, s vivificado
pelo gnio, e sem ele ficaria incomunicvel.
O gnio um apelo lanado a outro gnio; mas, entre os dois, o gosto
torna-se uma espcie de mdium;
e ele permite esperar, quando o outro gnio ainda no
nasceu[footnoteRef:33]. [33: Ibid.]
O gnio exprime a unidade supra-sensvel de todas as faculdades, e
exprime-a como viva.
Fornece, portanto, a regra sob a qual as concluses do belo na
natureza podem ser estendidas ao belo na arte.
Logo, no apenas o belo na natureza que smbolo do bem; tambm o
belo na arte, sob a regra sinttica e gentica do prprio
gnio[footnoteRef:34]. [34: Contrariamente ao 42, o 59 (da beleza,
smbolo damoralidade) vale tanto para a arte como pata a
natureza.]
esttica formal do gosto, Kant junta assim uma meta-esttica
material , de que os dois principais captulos so o interesse do
belo e o gnio, e que patenteia um romantismo kantiano.
Designadamente, esttica da linha e da composio, por conseguinte,
da forma, Kant juntauma meta-esttica das matrias, das cores e dos
sons.
Na Crtica do Juzo,o classicismo acabado e o romantismo nascente
encontram um equilbrio completo.
No devemos confundir as diversas maneiras como, segundo Kant, as
Ideias da razo so susceptveis de uma apresentao na natureza
sensvel.
No sublime, a apresentao direta mas negativa, e faz-se por
projeo;
no simbolismo natural ou no interesse do belo, a apresentao
positiva,mas indireta, e faz-se por reflexo;
no gnio ou no simbolismo artstico, a apresentao positiva, mas
secundria, e faz-se por criao de outra natureza.
Veremos mais adiante que a Ideia susceptvel de um quarto modo de
apresentao, o mais perfeito, na natureza concebida como sistema de
fins.
O juzo uma faculdade?O juzo sempre uma operao complexa, que
consiste em subsumiro particular no geral.
O homem do juzo sempre um homem da arte: um perito, um mdico, um
jurista.
O juzo implica um verdadeiro dom, uma queda[footnoteRef:35].
[35: CRP, Analtica, do juzo transcendental em geral. ]
Kant foi o primeiro a saber colocar o problema do juzo ao nvel
do seu tecnicismo ou da sua originalidade prpria.
Em textos clebres, Kant distingue dois casos: ou o geral j dado,
conhecido, e basta aplic-lo, quer dizer, determinar o particular a
que ele se aplica (uso apodctico da razo, juzo determinante);
ou, ento, o geral constitui problema, e deve ele mesmo ser
encontrado (uso hipottico da razo, juzo reflexivo)[footnoteRef:36].
[36: (36) CRP, Dialctica, Apndice, do uso regulador das idias.]
Todavia, esta distino muito mais complicada do que parece: deve
ser interpretada, tanto do ponto de vistados exemplos como da
significao.
Um primeiro erro seria crer que s o juzo reflexivo implica uma
inveno.
Mesmo quando o geral dado, h necessidade de juzo para fazer a
subsuno.
Decerto que a lgica transcendental se distingue da lgica formal,
porquanto contm regras que indicam a condio sob a qualse aplica um
conceito dado[footnoteRef:37]. [37: CRP, Analtica, do juzo
transcendental em geral.]
Mas estas regras no se reduzem ao prprio conceito:
para aplicar um conceito do entendimento, preciso o esquema, que
um ato inventivo da imaginao capaz de indicar a condio sob a qual
casos particulares so subsumidos no conceito.
Deste modo o esquematismo j uma arte, e o esquema, um esquema
dos casos que obedecem lei.
Seria, pois, errneo crer que o entendimentojulga por si
mesmo:
o entendimento no pode fazer dos seus conceitosoutro uso que no
seja o de julgar, mas tal uso implica
um ato original da imaginao
e tambm um ato original da razo (o que leva a que o juzo
determinante aparea, na Crtica da Razo pura , como um certo
exerccio da razo).
Todas as vezes que Kant fala do juzo como de uma faculdade, para
marcar a originalidade do seu ato, a especificidade do seu
produto.
Mas o juzo implica sempre vrias faculdades e exprime o acordo
destas faculdades entre si.
O juzo dito determinante quando exprime o acordo das faculdades
sob uma faculdade tambm determinante, ou seja, quando determina um
objeto em conformidade com uma faculdadeencarada antes de mais como
legisladora.
Assim, o juzo terico exprime o acordo das faculdades que
determina um objeto conformemente ao entendimento legislador.
De igual modo h um juzo prtico, que determina se uma ao possvel
um caso submetido lei moral: exprime o acordo do entendimento e da
razo, sob a presidncia da razo.
No juzo terico, a imaginao fornece um esquema em conformidade
com o conceito do entendimento;
no juzo prtico, o entendimento fornece um tipoconformemente lei
da razo.
E a mesma coisa dizer que o juzodetermina um objeto, que o
acordo das faculdades determinado, que uma das faculdades exerce
uma funo determinante ou legisladora.
Importa, pois, fixar os exemplos correspondentes aos dois tipos
de juzos, determinante e reflexivo.
Seja um mdicoque sabe o que a febre tifide (conceito), mas no a
reconhece num caso particular (juzo ou diagnstico).
Ter-se-ia tendncia a ver no diagnstico(que implica um dom e uma
arte) um exemplo de juzo determinante, visto que se supe o conceito
conhecido.
Mas, relativamente a um caso particular dado, o prprio conceito
no dado: problemtico ou absolutamente indeterminado.
De fato, o diagnstico um exemplo de juzo reflexivo.
Se procuramos na medicina um exemplo de juzo determinante,
devemos antes pensar numa deciso teraputica:
a, o conceito efetivamente dado em relao ao caso particular, mas
o difcil aplic-lo (contra-indicaes em funo do doente, etc.).
Precisamente, no h menos arte ou inveno no juzo reflexivo.
Mas esta arte nele distribuda de outra maneira.
No juzo determinante, a arte est como que escondida: o conceito
dado, seja conceito do entendimento seja lei da razo;
h, pois, uma faculdade legisladora, que dirige ou determina o
contributo original das outras faculdades, de sorte que este
contributo difcil de apreciar.
Mas, no juzo reflexivo, nada dado do ponto de vista das
faculdades ativas:
s se apresenta uma matria bruta, sem ser, para falar em termos
precisos, representada.
Todas as faculdades ativas se exercem assim livremente em relao
a ela.
O juzo reflexivo exprimir um acordo livre e indeterminado entre
todas as faculdades. A arte, que permanecia escondida e como que
subordinada no juzo determinante,
torna-se manifesta e exerce-se livremente no juzo reflexivo.
No h dvida de que podemos por reflexo descobrir um conceito que
j existe; mas o juzo reflexivo ser tanto mais puro quanto no houver
conceito algum para a coisa que ele reflete livremente ou quando o
conceito for (de uma certa maneira) alargado, ilimitado,
indeterminado.
Na verdade, juzo determinante e juzo reflexivo no so como que
duas espcies de um mesmo gnero.
O juzo reflexivo manifesta e liberta um fundo que permanecia
escondido no outro.
Mas j o outro no era juzo seno por este fundo vivo.
Sem o que no compreenderamos como que a Crtica do Juzo pode
intitular-se assim, embora apenas trate do juzo reflexivo.
que todo o acordo determinado das faculdades, sob uma faculdade
determinante e legisladora, supe a existncia e a possibilidadede um
acordo livre indeterminado.
neste acordo livre que o juzo no s original (o que ele era j no
caso do juzo determinante), como ainda manifesta o princpio da sua
originalidade.
Segundo este princpio, as nossas faculdades diferem em natureza,
e todavia nem por isso deixam de ter um acordo livre e espontneo,
que torna possvel em seguida o seu exerccio sob a presidncia de uma
de entre elas, conforme uma lei dos interesses da razo.
O juzo sempre irredutvel ou original: motivo pelo qual pode ser
chamado uma faculdade (dom ou arte especfica).
Nunca consiste numa nica faculdade, mas no seu acordo,
quer num acordo j determinado por uma delas que desempenhe um
papel legislador
quer mais profundamente num livre acordo indeterminado, que
constitui o objeto ltimo de uma crtica do juzo em geral.
Da esttica teleologiaQuando a faculdade de conhecer apreendida
sob a sua forma superior, o entendimento legisla nesta
faculdade;
quando a faculdade de desejar apreendida sob a sua forma
superior, a razo legisla nesta faculdade.
Quando a faculdade de sentir apreendida sob a sua forma superior
, o juzo que legisla nesta faculdade[footnoteRef:38]. [38: CJ,
Introd., 3 e 9.]
Acresce que este caso muito diferente dos outros dois:
o juzo esttico reflexivo; no legisla sobre objetos, mas somente
sobre si mesmo;
no exprime uma determinao de objeto sob uma faculdade
determinante,
mas um acordo livre de todas as faculdades a propsito de um
objeto refletido.
Devemos perguntar se no h um outro tipo de juzo reflexivo ou se
um livre acordo das faculdades subjetivas se no manifesta de outro
modo que no seja no juzo esttico.
Sabemos que a razo, no seu interesse especulativo , forma Ideias
cujo sentido somente regulador.
Quer dizer: elas no tm objeto determinado do ponto de vista do
conhecimento, mas conferem aos conceitos do entendimento um mximo
de unidade sistemtica.
Nem por isso deixam de ter um valor objetivo, posto que
indeterminado;
pois no podem conferir uma unidade sistemtica aos conceitos sem
emprestar uma unidade semelhante aos fenmenos considerados na sua
matria ou na sua particularidade.
Esta unidade, admitida como inerente aos fenmenos, uma unidade
final das coisas (mximo de unidade na maior variedade possvel, sem
que se possa dizer at onde vai essa unidade).
Tal unidade final s pode ser concebida segundo um conceito de
fim natural ;
com efeito, a unidade do diverso exige uma relao da diversidade
com um fim determinado, conforme os objetos que referimos a essa
unidade.
No conceito de fim natural, a unidade sempre unicamente
presumida ou suposta como concilivel com a diversidade das leis
empricas particulares[footnoteRef:39]. [39: CJ, Introd. 5 (cf..
CRP, Dialctica, apndice).]
Por tal motivo no exprime ela um ato pelo qual a razo seria
legisladora.
Tambm o entendimento no legisla.O entendimento legisla sobre os
fenmenos, mas somente enquanto so considerados na forma da sua
intuio;
os seus atos legislativos (categorias) constituem, pois, leis
gerais e exercem-se sobre a natureza como objeto de experincia
possvel (toda a mudana tem uma causa..., etc.).
Mas nunca o entendimentodetermina a priori a matria dos
fenmenos, o pormenor da experincia real ou as leis particulares
deste ou daquele objeto.
Estas s so conhecidas empiricamente e permanecem contingentes
relativamente ao nosso entendimento.Toda a lei comporta
necessidade.
Mas a unidade das leis empricas,do ponto de vista da sua
particularidade, deve ser pensada como uma unidade de tal ordem que
apenas um entendimento diferente do nossopoderia d-la
necessariamente aos fenmenos.
Um fim define-se precisamente pela representao do efeito como
motivo ou fundamento da causa; a unidade final dos fenmenos remete
para um entendimento capaz de lhe servir de princpio ou de
substrato, no qual a representao do todoseria causa do prprio todo
enquanto efeito (entendimento-arqutipo,intuitivo, definido como
causa suprema inteligente e intencional).
Mas seria errado pensar que um tal entendimento existe na
realidade ou que os fenmenos so efetivamente produzidos desta
maneira:
o entendimento-arqutipoexprime um carcter prprio do nosso
entendimento, isto , a nossa impotncia para determinarmos ns mesmos
o particular, a nossa impotncia para concebermos a unidade final
dos fenmenos segundo um outro princpio que no o da causalidade
intencional de uma causa suprema [footnoteRef:40]. [40: CJ,
77.]
neste sentido que Kant sujeita a noo dogmtica de entendimento
infinito a uma profunda transformao: o entendimento arqutipo j s
exprime at ao infinito o limiteinerente ao nosso entendimento, o
ponto em que este deixa de ser legislador no nosso prprio interesse
especulativo e pelo que respeita aos fenmenos.
Em consequncia da constituio particular das minhas faculdades de
conhecer, no posso, acerca da possibilidade da natureza e da sua
produo, julgar de outro modo que no seja imaginando uma causa
agindo por inteno[footnoteRef:41]. [41: CJ, 75.]
A finalidade da natureza est, portanto, ligada a um duplo
movimento.
Por um lado, o conceito de fim natural deriva das Ideias da razo
(na medida em que exprime uma unidade final dos fenmenos):
Ele subsume a natureza numa causalidade somente concebvel por
razo[footnoteRef:42]. [42: CJ. 74.]
S que ele no se confunde com uma Idia racional, pois o efeito
conforme a esta causalidade encontra-se de fato dado na
natureza:
Neste aspecto, o conceito de fim natural distingue-se de todas
as outras ideias[footnoteRef:43]. [43: (43 ) CJ , 77.]
Diferentemente de uma Ideia da razo, o conceito de fim natural
tem um objeto dado; diferentemente de um conceito do entendimento,
no determina o seu objeto.
Na realidade, intervm para permitir que a imaginao reflita sobre
o objeto de maneira indeterminada, de tal forma que o entendimento
adquire conceitos em conformidade com as Ideias da prpria razo.
O conceito de fim natural um conceito de reflexo que deriva das
Ideias reguladoras: nele todas as nossas faculdades se harmonizam e
entram num livre acordo, graas ao qual refletimos sobre a Natureza
do ponto de vista das suas leis empricas. O juzo teleolgico ,pois,
um segundo tipo de juzo reflexivo.
Inversamente, a partir do conceito de fim natural determinamos
um objeto da Ideia racional.
Sem dvida, a Ideia no tem em si mesma umobjeto determinado; mas
o seu objeto determinvel por analogia com os objetos de
experincia.
Ora, esta determinao indireta e analgica (que se concilia
perfeitamente com a funo reguladora da Ideia) s possvel na medida
em que os prprios objetos da experincia apresentam a unidade final
natural, relativamente qual o objeto da Ideia deve servir de
princpio ou de substrato.
Deste modo o conceito de unidade final ou de fim natural que nos
fora a determinar Deus como causa suprema intencional agindo
maneira de um entendimento.
Em tal sentido,Kant insiste muito na necessidade de ir de uma
teleologia natural para a teologia fsica.
O caminho inverso seria um mau caminho, assinalando uma Razo
invertida (a Ideia teria ento um papel constitutivo e j no
regulador, o juzo teleolgico seria tomado como determinante).
No encontramos na natureza fins divinos intencionais; pelo
contrrio, partimos de fins que so antes de mais os da natureza e
acrescentamos-lhes a Ideia de uma causa divina intencional como
condio da sua compreenso.
No impomos fins natureza, violenta e ditatorialmente; pelo
contrrio, refletimos sobre a unidade final natural, empiricamente
conhecida na diversidade, para nos elevarmos at Ideia de uma causa
suprema determinada por analogia[footnoteRef:44]. [44: CRP,
Dialctica, apndice, do objetivo final da dialctica natural. CJ, 68,
75 e 85.]
O conjunto destes dois movimentos define um novo modo de
apresentao da Ideia, ltimo modo que se distingue dos que analisamos
anteriormente.
Qual a diferena entre os dois tipos de juzo, teleolgico e
esttico?
Devemos considerar que o juzo esttico j manifesta uma verdadeira
finalidade.
Mas trata-se de uma finalidade subjetiva , formal , excluindo
qualquer fim (objetivo ou subjetivo).
A finalidade esttica subjetiva,visto que consiste no livro
acordo das faculdades entre si[footnoteRef:45]. [45: Donde, CJ, 34,
a expresso finalidade subjetiva recproca.]
Decerto que ela pe em jogo a forma do objeto, mas a forma
precisamente o que a imaginao reflete do prprio objeto.
Trata-se, pois, objetivamente de uma pura forma subjetiva da
finalidade, excluindo todo o fim material determinado (a beleza de
um objeto no se avalia nem pelo seu uso, nem pela sua perfeio
interna nem pela sua ligao com um interesse prticoseja ele qual
for)[footnoteRef:46]. [46: CJ, 11 e 15.]
Objectar-se- que a Natureza intervm, como vimos,pela sua aptido
material para produzir a beleza; neste sentido, devemos j falar, a
propsito do belo, de um acordo contingente da Natureza com as
nossas faculdades. Esta aptido material at para ns objeto de um
interesse particular.
Mas tal interesse no faz parte do sentido do prprio belo, se bem
que nos d um princpio segundo o qual este sentidopode ser
engendrado.
Aqui, o acordo contingente da Natureza e das nossas faculdades
permanece pois, de certo modo, exterior ao livre acordo das
faculdades entre si: a natureza d-nos unicamente a ocasio exterior
de apreender a finalidade interna da relao das nossas faculdades
subjetivas[footnoteRef:47]. [47: CJ, 58.]
A aptido material da Natureza no constitui um fim natural (que
viria contradizer a ideia de uma finalidade sem fim):
Somos ns que recebemos a natureza favoravelmente, ao passo que
ela mesma nos no faz favor algum [footnoteRef:48]. [48: Ibid.]
A finalidade, sob estes diferentes aspectos, objeto de uma
representao esttica.
Ora, vemos que, nesta representao, o juzo reflexivo apela para
princpios particulares, de vrios modos:
por um lado,o acordo livre das faculdades como fundamento deste
juzo (causa formal);
por outro, a faculdade de sentir como matria ou causa material,
relativamente qual o juzo define um prazer particular como estado
superior; de um terceiro modo, a forma da finalidade sem fim como
causa final;
por ltimo, o interesse especial pelo belo, como causa fiendi
segundo a qual engendrado o sentido do beloque se exprime de
direito no juzo esttico.Quando consideramos o juzo teleolgico,
achamo-nos diante de uma representao da finalidade completamente
diferente.
Trata-se agora de uma finalidade objetiva , material ,
implicando fins.
O que domina a existncia de um conceito de fim natural,
exprimindo empiricamente a unidade final das coisas em funo da sua
diversidade.
A reflexo muda ento de sentido: j no reflexo formal do objeto
sem conceito,
mas conceito de reflexo pelo qual se reflete sobre a matria do
objeto.
Neste conceito, as nossas faculdades exercem-se livre e
harmoniosamente.
Mas, aqui, o acordo livre das faculdades fica compreendido no
acordo contingente da Natureza e das prprias faculdades.
De sorte que, no juzo teleolgico, devemos considerar que a
Natureza nos faz realmente um favor (e quando, da teleologia,
regressamos esttica, consideramos que a produo natural das coisas
belas era j um favor da natureza a nosso respeito)[footnoteRef:49].
[49: CJ, 67.]
A diferena entre os dois juzos consiste no seguinte:
o juzo teleolgico no remete para princpios particulares (exceto
no seu uso ou na sua aplicao).
Ele implica, sem dvida, o acordo da razo, da imaginao e do
entendimento, sem que este legisle;
mas esse ponto onde o entendimento abandona as suas pretenses
legisladoras faz plenamente parte do interesse especulativo e
permanece compreendido no domnio da faculdade de conhecer.
por isso que o fim natural objeto de uma representao lgica.
Decerto que h um prazer da reflexo no prprio juzo teleolgico; no
experimentamos prazer na medida em que a Natureza necessariamente
submetida faculdade de conhecer, mas experimentamos algum na medida
em que a Natureza se concilia de maneira contingente com as nossas
faculdades subjetivas.
Mas, tambm aqui, este prazer teleolgico se confunde com o
conhecimento: no define um estado superior da faculdade de sentir
tomada em si mesma, mas antes um efeito da faculdade de conhecer
sobre a faculdade de sentir[footnoteRef:50]. [50: CJ, Introd.,
6.]
Que o juzo teleolgico no remeta para um princpio a priori
particular, coisa que se explica facilmente.
Na verdade, ele preparado pelo juzo esttico e ficaria
incompreensvel sem esta preparao[footnoteRef:51]. [51: CJ, Introd.,
8.]
A finalidade formal esttica prepara-nos para formar um conceito
de fim que se acrescenta ao princpio de finalidade, o completa e o
aplica natureza;
a prpria reflexo sem conceito que nos prepara para formar um
conceito de reflexo.
Outrossim no h problema de gnese a propsito de um senso comum
teleolgico; este admitido ou presumido no interesse especulativo,
faz parte do senso comum lgico,
mas acha-se de certo modo encetado pelo senso comum esttico.
Se considerarmos os interesses da razo que correspondem s duas
formas do juzo reflexivo reencontramos o tema de uma preparao,mas
num outro sentido.
A esttica manifesta um acordo livre das faculdades, que se liga
de uma certa maneira a um interesse especial pelo belo; ora, este
interesse predestina-nos a ser moral, logo, prepara o advento da
lei moral ou a supremacia do interesse prtico puro.
A teleologia, por seu lado, manifesta um acordo livre das
faculdades, desta vez, no prprio interesse especulativo: sob a
relao das faculdades tal como ela determinada pelo entendimento
legislador, descobrimos uma livre harmonia de todas as faculdades
entre si, donde o conhecimento extrai uma via prpria (vimos que o
juzo determinante, no conhecimento mesmo, implicava um fundo vivo
que apenas se revela reflexo).
Deve ento pensar-se que o juzo reflexivo em geral torna possvel
a passagem da faculdade de conhecer faculdade de desejar,
do interesse especulativo ao interesse prtico,
e prepara a subordinao do primeiro ao segundo, ao mesmo tempo
que a finalidade
toma possvel a passagem da natureza liberdade
ou prepara a realizao da liberdade na natureza[footnoteRef:52].
[52: CJ, Introd., 3 e 9.]