Automático Automático
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Debaixo de tanto calor,o pássaro arranjou um ramo verde e fresco,
e pôs-se a falar.
O pássaro perguntava-me:"Lembras-te das grandes árvores,
com lágrimas douradas de resina?“Respondi-lhe que sim, que me lembrava,
que naquele tempo ouvíramos falar em âmbar,e queríamos fazer colares de resina:
mas em nossas mãos ela perdia a transparência..
Respondi-lhe que sim, que ainda os via,muito longe, amarelos e túrgidos,às vezes, rebentados, na queda,
escorrendo, perfumosos, sumo doce.
"Lembras-te dos cajus maduros,caindo fofamente na folhagem morta do chão?"
" Lembras-te das rodelinhas douradas
que a folhagem e o sol balançavam por cima dos livros?"
Respondi-lhe que sim, e que eram livros de histórias,
e foram depois romances, um dia poemas,e mais tarde
pensamentos difíceis...
E eu me lembrava, mas não das palavras,
só que as respostas eram sempre incompletas.
E o passarinho perguntava:"Lembras-te da tua voz devolvida pelo eco?"
"E o recorte da montanha, no horizonte,
lembras-te como era azul e negro? E as palmeiras?
E as sebes de flores encarnadas?"
E eu me lembrava de tudo, e sentia o aroma da tarde,
e o canto das cigarras,
e o lamento dos sabiás e das rolas,e via brilhar a bola azul do telhado, que amei tanto, e sentia, tão doce,
a minha perpétua solidão.
E ele me respondeu: "Não, tudo isso está no fundo dos teus olhos.Eu só vou perguntando o que estou lendo...
E, porque o leio, canto."
E perguntei ao pássaro:"Onde estavas,para me perguntares tudo isso?
Também já viveste tanto?"
Música: Piano in the forest.Imagens: Internet
Que Seja Doce!