DA PROFECIA À APOCALÍPTICA Neri de Paula Carneiro A literatura apocalíptica está muito próxima da profética. Entretanto não se confundem. A atuação dos profetas teve começo meio e fim, na história de Israel. Desde o tempo dos juízes até o cativeiro, os profetas aparecem. Eles fazem parte da vida, da cultura e da organização do povo. Depois do cativeiro, o quadro mudou. O povo dizia “não há mais profetas” (Sl 74,9). Depois da queda definitiva da monarquia, cessou a atuação dos profetas de Israel. Não se pode dizer que a profecia morreu, mas que a atuação dos profetas deixou de ser algo marcante na vida do povo de Deus. O que levou alguns estudiosos a dizer que os profetas desapareceram ao findar a monarquia. Acontece que a ação profética havia sido nacional e localizada. Após a volta do exílio a conjuntura nacional passou a ser diferente; e as interferências de costumes estrangeiros eram mais intensas. O povo precisava manter a fé e a esperança. Mas a interferência externa era intensa e, em muitos casos, matava a esperança. Além disso, várias das promessas dos profetas ainda não se haviam cumprido. Ao desaparecerem, os profetas deixaram um vazio que precisava ser preenchido a fim de se manter a fé, a identidade e a perspectiva de um futuro. A falência da profecia deixa um vazio que precisa ser preenchido, pois os problemas continuam. É aí que surge a apocalíptica. Neste sentido, a apocalíptica é filha e herdeira da profecia. Parece que grupos proféticos marginalizados pelo crescente poder sacerdotal vão sendo empurrados na direção da apocalíptica. E a perspectiva nacional/local se amplia para um nível internacional e escatológico. Um dos elementos importantes, da profecia, permaneceu: a expectativa do "Dia do Senhor, Dia de Javé (YHWH)". Dia em que se manifestaria a justiça divina. Essa perspectiva permaneceu e se tornou um dos pilares da apocalíptica. Entretanto o dia do senhor, deixou de ser um momento histórico para ganhar configurações cósmicas; a justiça divina não recairá somente contra os soberanos cruéis, mas sobre todos os infiéis; já não se tratava mais de um evento histórico, mas do fim da história. Em razão disso a divisão do mundo em dois planos: o mundo terrestre (de baixo) e o mundo do alto (celeste). Aliás, essa visão também estava presente nas palavras de Jesus (Jo 8,23) e manifestava o novo conflito, agora não mais do povo contra os poderosos da terra, mas dos filhos da luz contra os filhos das trevas (Lc 16,8). Entretanto, e justamente para mostrar a proximidade dos dois estilos literários, a revelação apocalíptica também é chamada de profecia. "Feliz o leitor e os ouvintes desta profecia" (Ap 1,3). E isso também mostra mais uma característica deste gênero literário: enquanto a profecia havia sido uma prática do profeta falando contra os opressores, na apocalíptica se trata de um discurso literário a ser apresentado ao um grupo de ouvintes; enquanto a profecia destina-se ao público externo (rei, templo, falsos profetas, opressores do povo) a apocalíptica destina-se ao público interno: aos fiéis atribulados, assustados e carentes de um norte.
10
Embed
DA PROFECIA À APOCALÍPTICA - efapsaocarlos.net.br · Dia em que se manifestaria a justiça divina. ... a revelação apocalíptica ... povo de Deus gerando a libertação.
This document is posted to help you gain knowledge. Please leave a comment to let me know what you think about it! Share it to your friends and learn new things together.
Transcript
DA PROFECIA À APOCALÍPTICA
Neri de Paula Carneiro
A literatura apocalíptica está muito próxima da profética. Entretanto não se confundem.
A atuação dos profetas teve começo meio e fim, na história de Israel.
Desde o tempo dos juízes até o cativeiro, os profetas aparecem. Eles fazem parte da vida, da
cultura e da organização do povo. Depois do cativeiro, o quadro mudou. O povo dizia “não há mais
profetas” (Sl 74,9).
Depois da queda definitiva da monarquia, cessou a atuação dos profetas de Israel. Não se
pode dizer que a profecia morreu, mas que a atuação dos profetas deixou de ser algo marcante na
vida do povo de Deus. O que levou alguns estudiosos a dizer que os profetas desapareceram ao
findar a monarquia.
Acontece que a ação profética havia sido nacional e localizada. Após a volta do exílio a
conjuntura nacional passou a ser diferente; e as interferências de costumes estrangeiros eram mais
intensas. O povo precisava manter a fé e a esperança. Mas a interferência externa era intensa e, em
muitos casos, matava a esperança. Além disso, várias das promessas dos profetas ainda não se
haviam cumprido. Ao desaparecerem, os profetas deixaram um vazio que precisava ser preenchido
a fim de se manter a fé, a identidade e a perspectiva de um futuro.
A falência da profecia deixa um vazio que precisa ser preenchido, pois os problemas
continuam. É aí que surge a apocalíptica. Neste sentido, a apocalíptica é filha e herdeira da profecia.
Parece que grupos proféticos marginalizados pelo crescente poder sacerdotal vão sendo
empurrados na direção da apocalíptica. E a perspectiva nacional/local se amplia para um nível
internacional e escatológico.
Um dos elementos importantes, da profecia, permaneceu: a expectativa do "Dia do Senhor,
Dia de Javé (YHWH)". Dia em que se manifestaria a justiça divina. Essa perspectiva permaneceu e se
tornou um dos pilares da apocalíptica. Entretanto o dia do senhor, deixou de ser um momento
histórico para ganhar configurações cósmicas; a justiça divina não recairá somente contra os
soberanos cruéis, mas sobre todos os infiéis; já não se tratava mais de um evento histórico, mas do
fim da história.
Em razão disso a divisão do mundo em dois planos: o mundo terrestre (de baixo) e o mundo
do alto (celeste). Aliás, essa visão também estava presente nas palavras de Jesus (Jo 8,23) e
manifestava o novo conflito, agora não mais do povo contra os poderosos da terra, mas dos filhos
da luz contra os filhos das trevas (Lc 16,8).
Entretanto, e justamente para mostrar a proximidade dos dois estilos literários, a revelação
apocalíptica também é chamada de profecia. "Feliz o leitor e os ouvintes desta profecia" (Ap 1,3). E
isso também mostra mais uma característica deste gênero literário: enquanto a profecia havia sido
uma prática do profeta falando contra os opressores, na apocalíptica se trata de um discurso
literário a ser apresentado ao um grupo de ouvintes; enquanto a profecia destina-se ao público
externo (rei, templo, falsos profetas, opressores do povo) a apocalíptica destina-se ao público
interno: aos fiéis atribulados, assustados e carentes de um norte.
O APOCALIPSE DE JOÃO
Frei Bruno Glaab
INTRODUÇÃO
O Apocalipse é um livro cheio de símbolos difíceis de serem entendidos. Sua linguagem é
para nós um tanto estranha.
O livro foi escrito entre os anos 90 e 100 depois de Cristo. Era uma época de terrível
perseguição. O Imperador Romano, que controlava toda a região, queria acabar com o Cristianismo,
apesar disto os apóstolos espalhavam sempre mais o Evangelho aos povos. Nas escolas se ensinava
que o Imperador era o senhor do mundo. Prestava-se culto ao imperador como se este fosse divino.
Com isto subjugavam sempre mais o povo e aumentavam o luxo dos grandes às custas dos
pequenos. Os cristãos não aceitavam tal doutrina. Eles diziam: Jesus é o Senhor do mundo e não o
imperador. Queriam que todos os homens e mulheres fossem irmãos. Isto provocou um violento
choque entre o Império e os cristãos.
Os cristãos que só aceitavam Jesus como Senhor e diziam que todos os homens eram iguais,
com sua fraternidade destruíam o Império pela base, já que este era elitista. Pode-se definir o
Apocalipse como a Guerra dos Senhores. Jesus contra o Imperador.
Nos anos 60 do primeiro século de nossa era, desencadeou-se uma violenta perseguição
contra os cristãos movida pelo sangrento Imperador Nero. Nesta época provavelmente foi escrita
uma parte do Apocalipse. Nos anos 90 com o Imperador Domiciano deu-se nova perseguição. E1e
queria acabar com os cristãos. As perseguições se tornaram tão violentas que muitos acreditavam
que o cristianismo estava acabando. Muitos cristãos novatos abandonavam a sua fé com medo do
imperador. Neste contexto foi escrito o Apocalipse para dizer: "Não tenham medo, Jesus
ressuscitado é o Senhor do mundo" (Ap 1,17-18).
João escreveu seu livro para encorajar as pequenas comunidades perseguidas que não
encontravam saída. João queria incutir nelas a ideia: Jesus é o Senhor. O imperador é uma besta.
Por isto o Apocalipse é o livro da esperança e do encorajamento em meio às tribulações.
A palavra Apocalipse significa Revelação ou tirar o véu. Em outras palavras: em meio à
confusão, quando ninguém via claro, o livro quer clarear para que o povo possa perceber a verdade:
"Jesus é o Senhor. Ele vai vencer e desmascarar o Império. Deus vai libertar seu povo. Portanto, o
Apocalipse é uma injeção de ânimo para os primeiros cristãos e também para nós hoje.
O autor usa uma linguagem difícil. Em primeiro lugar porque eles tinham outra maneira de
pensar. Em segundo lugar, porque ele não podia escrever abertamente, para também ele não cair
nas mãos do imperador (Na realidade ele já estava preso na Ilha de Patmos: Ap 1,8). Ele fala para
que só os cristãos o entendam. Por isto, para entender o Apocalipse é necessário descobrir quais os
problemas que o povo e o autor viviam.
1) VISÃO GERAL DO APOCALIPSE
Como vimos, o Apocalipse é o livro do encorajamento. Então não se deve usar o Apocalipse
para meter medo sobre o fim do mundo. Isto é um erro grosseiro. É usar o sol para molhar.
Em grandes linhas pode-se afirmar que:
- Apesar das aparências, Deus não se esqueceu do povo.
- Os poderosos não são os donos do mundo. Por mais que o imperador mate ele é um pobre
coitado nas mãos de Deus. Seu destino é a derrota total.
- O Apocalipse não é previsão do futuro, é meditação da fé. A ressurreição de Jesus é a
certeza da vitória. O Apocalipse se apresenta em três blocos:
1) Cap. 1 até 3: Pedido de compromisso (dirigido às sete Igrejas, ou seja, a todas as Igrejas. Sete significa todas). 2) Cap. 4 até 11: Leitura dos acontecimentos da perseguição. As comunidades caminham como um Novo Êxodo para nova libertação. 3) Cap. 12 até 22: Nova leitura dos acontecimentos da perseguição. Julgamento a condenação dos opressores do povo.
2) MÉTODO
Para conseguir desenvolver os problemas, o autor segue método próprio: expressa a
realidade por visões e símbolos (não é linguagem como a nossa), divide a história em etapas, prevê
o que já tinha passado.
3) OS SÍMBOLOS USADOS (Cf. Carlos Mesters):
- A Mulher grávida: povo de Deus gerando a libertação. Igreja e Maria;
- Dragão ou Serpente: o poder do mal, o demônio;
- Sete Cabeças: sete colinas da cidade de Roma, sede do Império, e seus 7 reis;
- Dez chifres: Chifre = rei ou poder, Dez = totalidade;
- 1260 dias, 42 meses, 1 tempo, 2 tempos, meio tempo: significa a metade de sete anos. É
tempo limitado. Não é para sempre;
- Asas de Águia: proteção de Deus (cf. Dt 32,11);
- Besta-fera: Império Romano, capanga do dragão;
- Besta-fera com aparência de dragão: falsos profetas a serviço do império. Propagandistas
do sistema. Legitimadores;
- Pantera, urso, leão: símbolos da voracidade do império;
- Cordeiro: Jesus;
- 144.000 virgens: é o número completo. 12 do Antigo Testamento e 12 do Novo Testamento
vezes mil. Significa muitos de todos os tempos. Virgens: nunca andaram atrás de falsos
deuses do Império Romano;
- Babilônia: Roma, sede do Império;
- Filho do Homem: Jesus (cf. Dn 7.13);
- Hermaguedon/Armagedon: símbolo da derrota dos inimigos (cf. Zc 12,11);
- Cor Branca: Vitoria;
- Mil anos: tempo completo, muito tempo (hoje se diz mil e uma utilidades);
- Lago de Fogo: destino de tudo o que é mau;
- Segunda morte: morte da morte, condenação eterna;
- Nova Jerusalém: novo povo de Deus, Igreja;
- Núpcias do cordeiro: União do povo (Igreja) com Deus;
- Alfa e ômega (A e Z): princípio e fim, Senhor de tudo;
- 4 animais: toda a criação (quatro cantos da Terra).
4) POR QUE O AUTOR USA ESTES SÍMBOLOS?
- Para encorajar os cristãos na luta, diz com imagens o que não pode dizer com palavras
claras. Ex: "Vi sete candelabros de ouro e no meio alguém semelhante a um filho de homem, Ele
vestia uma longa túnica, um cinto de ouro..." (Ap 1,12-13) significa para os cristãos o mesmo que
dizer: Jesus é o filho de Deus, Juiz do mundo.
- Para transformar a saudade em esperanças usa figuras do AT que estavam na memória do
povo para apresentar o futuro. Se no passado foi assim, assim será no futuro. O Apocalipse usa 400
vezes o AT.
- Para comunicar ao povo a paz de Deus. O Apocalipse era um consolo para aqueles que
estavam lutando e que não podiam desanimar. Deus é maior.
- Para se defender contra os opressores: não se podia falar abertamente, pois isto seria
demais perigoso. Assim João ataca o Império de forma velada, chama o Império de Besta-fera.
- Para se fazer entender pelas comunidades: para o povo simples uma pintura, um cartaz ou
uma historinha conta mais do que uma carta escrita (Catequese primitiva à base de imagens).
5) O INÍCIO DO LIVRO
João inicia o livro da “Revelação de Jesus Cristo". Ela vem de Deus, é sua palavra. Deve ser
ouvida (1,1-3). Em 1,4-8 João deseja a paz e diz, como nós hoje: "Em nome do Pai, do Filho e do
Espírito santo. Ele, porém, tem outras palavras para isto:
PAI: João diz: “Aquele que era, é e vem” (o passado, o presente e o futuro). Aquele que age
na história. Javé do Êxodo (Ex 3,7-14). Ou seja, o Senhor da história.
FILHO: João diz: “Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dos mortos, o príncipe dos
reis da terra”. Jesus é testemunha de Deus. É primogênito dos mortos, pois ressuscitou. É príncipe,
pois está acima dos reis.
ESPÍRITO SANTO: João diz: "Sete Espíritos”. Espírito é a Ação de Deus na História, e sete
significa a Plenitude, Não são sete espíritos, mas o Espírito de Deus pleno.
6) A VISÃO DE JOÃO - Ap 1,9-20
João teve uma visão na Ilha de Patmos, por causa das perseguições. Ele estava preso ou
foragido. Jesus aparece e ordena: “Escreve...” (1,11).
Esta Visão é como um sonho. Não deve ser tomada ao pé da letra. Mostra a experiência que
João tinha de Jesus. Por meio da imagem da visão ele quer expressar para os seus amigos o que ele
vive: “Com Cristo venceremos”. Usa símbolos que falam: Sete candelabros: Sete comunidades, isto
é, todas as comunidades. O Filho do Homem é Jesus, o Messias. A túnica é o símbolo do sacerdócio
de Jesus. O Cinto de ouro significa que Jesus é rei. Os cabelos brancos significam eternidade. O olhar
com chamas de fogo lembra a ciência divina. Pés de bronze são a firmeza. Rosto como sol lembra a
autoridade.
7) CARTAS ÀS SETE IGREJAS - Ap 2,1-3,22
O número sete significa todas. João nomeia sete comunidades da Ásia menor, mas se dirige
a todas. Nas cartas, João vê os problemas que afligem todas as comunidades (Igrejas) nestes tempos
difíceis de perseguição. Todas as comunidades (Igrejas) precisavam de uma palavra de conforto e
esclarecimento nestes momentos tão difíceis.
1 - Éfeso: dificuldade de sustentar a fé, cansaço, esfriamento, falsos líderes, falsas doutrinas.