O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
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ELIANA RAYMUNDINI
O estudo dos impérios africanos de Gana e Mali
Material didático apresentado ao
Programa de Desenvolvimento
Educacional – PDE da Secretaria da
educação do estado do Paraná.
Orientadora: Profª Drª. Marlene Rosa
Cainelli
Londrina
2010
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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO - SEED
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO – SUED
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE
PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA – 2009/ 2010
1) DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Professor PDE : Eliana Raymundini
Área PDE : História
NRE: Apucarana
Município: Jandaia do Sul
Professor Orientador IES : Profª. Drª. Marlene Rosa Cainelli
IES vinculada : UEL – Universidade Estadual de Londrina
Escola de implementação: Colégio Estadual Carlos de Campos – Ensino
Fundamental
Público objeto da intervenção : Professores do Ensino Fundamental
2) TEMA DE ESTUDO DO PROFESSOR PDE
A História da África em sala de aula
3) TÍTULO
O estudo dos impérios africanos de Gana e Mali
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SUMÁRIO
IDENTIFICAÇÃO ..................................... ......................................................... 3
INTRODUÇÃO....................................................................................................5
1 – RACISMO, PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO........... ............................8
2-A IMPORTÂNCIA DA LEI 10.639/03 NO CONTEXTO ESCOLA R...............12
3-O ESTUDO DOS IMPÉRIOS DE GANA E MALI............. .............................23
3.1 – O IMPÉRIO DE GANA .......................... .................................................24
3.2 - O IMPÉRIO DE MALI........................... ...................................................31
4- SUGESTÕES PARA PRÁTICA EM SALA DE AULA ......... ........................37
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS............................ ..............................................44
6-REFERÊNCIAS.............................................................................................47
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INTRODUÇÃO
Embora a Lei 10639/2003, estabeleça a obrigatoriedade de
inclusão de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos da
Educação Básica, o estudo sobre a História da África ainda se baseia em uma
visão generalista e superficial. É necessário promover a valorização da história
e a cultura africana, principalmente no maior país de população negra fora da
África, segundo Dulce Maria Pereira, em um artigo publicado no site Direitos
humanos na internet, como é o caso do Brasil que mascara racismo e
preconceito, dizendo que em seu território existe democracia racial.
Consideramos importante abordar este conteúdo neste caderno
temático, que tem como principal objetivo acrescentar subsídios para que os
professores possam trabalhar este assunto, pois observamos que os materiais
didáticos disponíveis para a consulta nas escolas seja para sistematização dos
conteúdos, em suas aulas no Ensino Médio e Fundamental ou para auxílio dos
alunos em suas pesquisas em grande parte abordam a história da África a
partir da História da Europa. Precisamos começar a contar outras histórias dos
povos africanos para desconstruir estereótipos e ajudar a romper com os
pensamentos e atitudes tanto desinformados como preconceituosos.
Infelizmente, a implementação da lei tem encontrado barreiras, como
por exemplo, a falta de formação adequada dos professores, no que se refere
ao estudo da História da África, pois professores em formação e, até mesmo
formados, com algumas exceções, nunca tiveram, em seus estudos, contato
com disciplinas específicas sobre a África. Somado a isso, a preocupante
constatação de que os nossos livros didáticos de História não reservam à
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história da África um espaço adequado.
Para tanto teremos como ponto de partida o estudo dos impérios
que haviam em África antes da chegada dos europeus,destacando os Impérios
de Gana e Mali que tiveram significativa importância para o momento vivido
pela África dos século VII ao século XII . O material que segue abaixo é
resultado de uma pesquisa feita por nós, após a leitura de renomados autores
que escrevem sobre a África.
Para a efetividade deste estudo, serão realizados encontros com os
professores do Ensino Fundamental e Médio, de todas as disciplinas e, por
meio de discussão, levantaremos os conhecimentos prévios dos professores
sobre a África e os antigos impérios que existiram naquele continente. O
primeiro capítulo: Racismo, preconceito e discriminação , será discutido e
analisado, com os professores, pois, embora digam que essa temática
encontra-se esgotada, por meio de pesquisa e estudo, pode-se notar que esse
assunto é ainda muito atual e inesgotável. Nesse momento, também será
exibido o vídeo do Gabriel, O Pensador, com a música: Racismo é burrice .
No segundo momento, tentaremos despertar a motivação nestes
professores, em conhecer mais sobre o assunto, para que os mesmos possam
aprimorar suas práticas, em sala de aula, deixando de ser omisso, ao silenciar-
se, perante algumas situações de preconceito racial, que ocorre
frequentemente na escola, destacando a importância de se fazer cumprir a Lei
10.639/2003, que torna obrigatória o ensino de História e Cultura Afro-brasileira
e africana, assim analisaremos o segundo capítulo: A importância da Lei
10.639/03 no contexto escolar .
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No terceiro momento, serão estudados os impérios que existiam no
continente africano, antes da chegada dos europeus, com destaque para a
construção, apogeu e declínio do Império de Gana. Como material didático
será utilizado o capítulo referente ao Império de Gana .
No quarto momento, através do capítulo referente ao Império de Mali
, será estudada a construção, apogeu e declínio do Império de Mali .
Para enriquecer o conhecimento sobre tais impérios, será abordada
a importância dos Impérios Africanos de Gana e Mali, como meio de valorizar o
passado e a História da África, para que haja uma compreensão maior sobre
esse continente, que teve uma História de impérios ricos e grandiosos, que
tiveram seu máximo esplendor entre os séculos VII e XII, incluindo, o vídeo:
Carta à mãe África.
No quinto momento, trabalharemos, com os professores, novos
olhares para o livro didático, com relação ao africano , usando como fonte o
livro de Ana Célia Silva: A discriminação do negro no livro didático , e
outros materiais que podem até mesmo serem sugeridos pelos professores do
grupo. Nesse momento, teremos a exibição do vídeo: Vista a minha pele.
No sexto momento, no capítulo: Sugestões para a prática em sala
de aula , serão apresentados, aos professores, atividades, sugestões de
atitudes a serem tomadas, em sala aula, com o objetivo de esclarecer a
contribuição que os negros deram à história da humanidade e, que, por isso,
não havendo espaço mais, na sociedade, para a exclusão e o racismo. Como
auxílio, vídeos, para posterior aplicação em sala de aula, entre eles: O xadrez
das cores , e outros.
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Racismo, preconceito e discriminação
Racismo, preconceito e discriminação não são sinônimos, embora,
na prática, estejam relacionados.
No livro Cidadania em preto e branco, de Maria Aparecida Silva
Bento, aparecem algumas definições sobre preconceito racial, onde explica
que racismo significa atribuir falsamente características hereditárias de
personalidade ou de comportamento a indivíduos com uma dada aparência
física. Um racista é alguém que acredita que existe uma explicação biológica
para características de inferioridade supostamente possuídas por pessoas de
um ou outro tipo físico. O preconceito está ligado ao mundo das ideias, das
opiniões preconcebidas acerca de um indivíduo ou grupo.
Já a discriminação é a materialização do preconceito, por meio das
ações:violência,agressão. Segundo Sant’Ana
as relações raciais são um dos temas mais complexos dos dias atuais, e o racismo, como ele se apresenta hoje, é um fenômeno relativamente novo. É bom lembrar que nos tempos primitivos, até por volta da Idade Média, a discriminação baseava-se em fatores religiosos, políticos, nacionalidade e na linguagem, e não em diferenças biológicas ou raciais como acontece hoje. Era o “fiel” contra o “pagão”, o “cristão” contra o “muçulmano” ou mesmo contra o “judeu”. Observe, portanto, que o motivo era religioso, de nacionalidade, etc, mas nunca racial. (2005, p. 39)
Para Sant’Ana, houve uma conspiração histórica contra o povo
africano, registrado por meio de ensaios, tratados e teses, escritos por séculos
e que trouxeram conseqüências desastrosas para esse povo, que, a princípio,
originaram o berço de toda a civilização.
Tem-se a impressão de que o negro e o índio foram vítimas de uma conspiração bem planejada durantes todos esses séculos,
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onde foram elaboradas doutrinas com falsa base bíblica e filosófica, bem como tentativas de comprovação de teorias com uma falsa base científica, que não resistiram ao tempo. Mas as marcas do racismo e suas maléficas conseqüências permaneceram, já que estes preconceitos sobrevivem às gerações. A discriminação e o preconceito foram se fortalecendo no dia-a-dia, criando fortíssimas raízes no imaginário popular, chegando ao ponto no qual nos encontramos hoje. O racismo tomou-se uma ideologia bem elaborada, sendo fruto’ da ciência européia a serviço da dominação sobre a América, Ásia e África. E esta ideologia racista ganha força a partir da escravidão negra, adquirindo estatuto de teoria após a revolução industrial européia. (2005, p. 39)
Falar em racismo no Brasil sempre foi difícil, pois muito se fala que
aqui existiria uma “democracia racial”, este discurso impede o reconhecimento
das desigualdades raciais existentes. O Brasil foi o último país da América a
abolir a escravidão, em 1888. Segundo Lopes (2006), existe uma relação muito
forte entre a escravidão imposta ao negro e o racismo sofrido por ele na
atualidade, pois ao longo de séculos de história, senhores e escravos
representavam relações de dominação e subalternidade. A classe dominante
socialmente, justificava essa condição através de idéias religiosas e racistas
que afirmavam a sua superioridade e os seus privilégios. As diferenças étnicas
funcionavam como barreiras sociais. Sobre o negro criaram uma imagem
negativa, é o que chamamos de estereótipo. Segundo Ana Célia Silva
Durante a escravidão, o africano foi estereotipado como “selvagem”, “primitivo”, “mau”, “instintivo”, “sem alma”, pra justificar sua rejeição e maus tratos. Durante a campanha abolicionista, utilizaram-se os estereótipos do escravo demônio e imoral, respectivamente, para o escravo combativo e escrava “ávida de sexo”, como forma de amedrontar os senhores, lembrando-lhes os riscos da escravidão ao viverem com seres que podiam matá-los a qualquer momento e que contribuíam para dissolver a “moral” individual e familiar com sua incontinência sexual. ( 2004, p.47-48)
O Brasil apesar de ser um país com população em sua maioria negra
ou afro descendente, fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de
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Domicílios 2007, tem o racismo como uma prática muito freqüente, no seu
cotidiano o negro vivência circunstância como preconceito e descrédito,
evidenciando a sua difícil inclusão social. “As expressões que denotam o
preconceito racial estão de tal forma impregnados na nossa sociabilidade que
já ficaram naturalizados no nosso cotidiano, como padrão predominante de
comportamento social”. (Lopes, 2006, p.22). Muitas vezes o preconceito contra
o negro também pode estar presente entre os próprios negros. Essas
expressões de conteúdos de inferiorização , dificultam encontros positivos de
identidade e de auto-estima nos afro-descendentes. Para Maria Aparecida da
Silva Bento
O que podemos perceber é que, convivendo numa sociedade que os discrimina, que os associa sempre a uma imagem negativa, muitos negros internalizam uma imagem ruim sobre seu povo e sobre si próprios.Podem negar sua cor , criticar outros negros e se esforçar para perecerem brancos. Podem sentir-se inferiores e perderem a autoconfiança. Esse são os efeitos dos mais perversos do racismo. ( 2005, p.45).
A reflexão sobre esta temática se justifica pela necessidade de se
fazer um mapeamento histórico para desconstruir socialmente o preconceito e
a discriminação racial, pois os afro-descendentes sofreram por mais de três
séculos e meio a exploração até conseguirem a liberdade oficial. Hoje,
passados mais de cem anos da abolição da escravatura, os negros brasileiros
continuam lutando por ascensão social e melhores condições de vida.
Segundo Ana Lúcia Lopes
“A complexidade das relações raciais na sociedade brasileira foi construída com base no processo de escravização de africanos. Isto foi o que criou, ao longo de séculos de história, tanto no escravizado quanto no escravocrata, representações sociais e experiências de subalternidade que são, do ponto de vista individual, de uma fundura simbólica imensa, e que produzem, do
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ponto de vista social, um engessamento de lugares e de hegemonia”. ( 2007, p.17)
As origens da sociedade colonial do nosso país ficaram marcadas pela
pela exclusão dos negros. O estudioso e pesquisador da temática negra no
Brasil, Mangabele Munanga , em uma entrevista dada a Revista Educação,
comenta que o racismo, no país, é evidente. "Um negro que disser que nunca
foi direta ou indiretamente discriminado é um mentiroso. A não ser que tenha
introjetado tanto a discriminação que não perceba mais a sutileza", (Revista
Educação, Set. 2002).
Ainda concordando com o mesmo comentário sobre o racismo, em
nosso país, Véra Neusa Lopes diz que
Um olhar atento sobre a realidade do povo brasileiro mostra uma sociedade multirracial e pluri-étnica que faz de conta que o racismo, o preconceito e a discriminação não existem. No entanto, afloram a todo momento, ora de modo velado, ora escancarado, e estão presentes na vida diária. (2005.p.186)
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A Importância da Lei 10.639/03 no contexto escolar
Esse Caderno Temático tem como objetivo principal subsidiar o
professor, em suas aulas, sobre o povo africano e seus impérios, promovendo
por meio do conhecimento da história dos Impérios Africanos, a
conscientização da importância desses povos, para a História da Humanidade,
priorizando o combate ao preconceito, à discriminação e ao racismo, gerados
pelo desconhecimento da história da África, pois o conhecimento que se tem é
ainda fragmentado e equivocado, tendo em vista que a maioria do material,
disponível para estudos, é baseado na história desse continente, após a
invasão dos europeus. Esse Caderno pretende, inclusive, ressaltar a idéia de
que “Um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que
está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do
modo como o compreende e como dele lhe é possível participar.”(DCE, 2009,p.
14).
Observamos que o interesse e valorização do ensino da História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana começou a se desenvolver a partir das lutas
do Movimento Negro, de 1978. Logo depois, em 1985, com a Abertura Política,
iniciou-se a reconstrução da História. Em 1988, com o centenário da Abolição,
foram discutidas formas de combate ao racismo, que se transformaram em
ações previstas em lei, na Constituição, Artigo 5º, incisos XLI e XLII - considera
a prática do racismo crime inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei. Além disso, temos, como amparo legal, na
Educação, a Lei 10.639/03, que estabelece a obrigatoriedade de inclusão de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica.
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Aliadas à lei, surgem, em 2004, as Diretrizes das Relações Étnico-Raciais e
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira:
primeira grande política pública no país a trabalhar as relações étnico-raciais no ambiente escolar. Elas orientam as discussões a respeito da diversidade racial e cultural e centraliza-se na produção do conhecimento, “de formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos e seu pertencimento étnico-racial”. São portanto, uma clara intervenção nas concepções de ensino e de cidadania, que já haviam se esboçado em 1996, nos temas transversais, com a questão pluralidade cultural.( CERRI,2006,p.143)
A Lei 10 639/03, sancionada em 9 de janeiro de 2003, tornou
obrigatório, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais
(públicos) e particulares, o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileiras,
contemplando o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros
no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, valorizando a participação do povo negro nas áreas social, política e
econômica. Em parte de seu texto, acrescenta à nossa Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional - Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de
novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”.
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Alberto da Costa e Silva, um dos mais renomados pesquisadores
da cultura afro-brasileira, diz em entrevista ao blog "sapientias” , de Luiz
Fernando Martins da Silva, sobre a importância da Lei 10.639/2003
Ela representa uma virada, no sentido de desoeuropeizar a nossa história. A Europa é importante na história, o nosso esqueleto social é português, mas o que nós nunca nos lembramos que o nosso sistema nervoso é africano. É preciso estudar a história africana como se estuda a história européia no Brasil, agora PE preciso que a história africana não seja estudada como um gueto, é preciso que ela faça parte da história geral como a Europa, no seu contexto global e naão como curiosidade folclórica, nem como enfeite, nem guetificá-la, separadamente do resto, da história universal e deve estar também incluída na história do Brasil. A presença do ser africano, o papel do escravo na economia brasileira, o escravo não sofria apenas maus-tratos e era humilhado, apesar disso ele foi o construtor do Brasil, ele trouxe novas técnicas, trouxe seu trabalho, ele foi o elemento positivo da história brasileira, ele está em todos os elementos da vida brasileira ele e seus descendentes, estão no exército, estão na agricultura, na indústria, no ensino, na criação intelectual, estão em todos os aspectos da vida brasileira e isso é preciso destacar. Destacar o papel fundador e criador do escravo no Brasil, com mão de obra especializada, o escravo como introdutor de técnicas no Brasil e como construtor do Brasil. O que as pessoas precisam ter em mente e eu venho repetindo isso há anos é que não é possível compreender a história brasileira sem ter uma perspectiva africana.
O Caderno Temático: Inserção dos conteúdos de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos e scolares. (2005, p.27)
propõe que abordemos a História da África numa perspectiva positiva, não só
de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente. Sugere
ainda que na disciplina de História Antiga seja estudado às civilizações e
organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do
Zimbabwe . Podemos observar também na p.24:
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros em bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a História e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura
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afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática.
Conhecemos muito pouco sobre a África, e isto tem haver com a
história que aprendemos durante muito tempo, que valorizou a cultura branca
européia em detrimento da cultura africana e afro-brasileira, este fato nos
remete pra uma herança colonial que parece tão difícil de ser revista. Para
Elisa Larkin Nascimento, a África é considerada o berço da humanidade e da
civilização e, ao contrário do que se imagina:
A África tem sido palco de alguns dos maiores avanços tecnológicos da história, entre eles a prática agrícola, criação de gado, mineração e metalurgia (do cobre, do bronze, do aço), o comércio, a escrita,a arquitetura e engenharia na construção de grandes centros urbanos, a sofisticação da organização política, a prática da medicina e o avanço do conhecimento e da reflexão intelectual. Foi também o centro do desenvolvimento de civilizações, uma das mais avançadas da experiência humana. Entretanto,a imagem de seus povos como não construtores do conhecimento ou da tecnologia, complementada pela idéia de suas civilizações como “importadas” ou erigidas por povos estrangeiros, ainda molda o conceito comum da África como um continente sem história. Apenas muito recentemente, há o reconhecimento de uma África histórica repleta de grandes realizações. ( 2006, p.35)
A intenção agora não é passarmos de uma educação eurocêntrica
para uma educação afrocêntrica, mas sobretudo, em dispensar a devida
atenção aos aspectos culturais afro-brasileiros que durante muitos anos foram
discriminados e silenciados na educação nacional.
É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial,social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos
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descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia. (PARANÁ, 2006, p.24).
A História da África, pelo menos antes do contato com o mundo
ocidental parece ter ficado esquecida. Joseph ki-Zerbo, em seu livro “História
da África Negra” faz uma análise demonstrando que a África não é um
continente sem História. Verificamos, de acordo com Ki Zerbo, que há muitos
jovens buscando sua identidade, no passado histórico do Continente Africano,
conhecendo melhor os acontecimentos que marcaram as gerações passadas,
para entender seu presente. Sendo assim, é um desafio aos historiadores da
África e da história em geral, falar sobre esse continente com propriedade,
rompendo com o preconceito e trazendo novos e relevantes conhecimentos
sobre o povo africano e suas contribuições para o desenvolvimento da
humanidade:
Quanto à contribuição dos Negros para o movimento da história universal, basta-nos citar as invenções técnicas africanas do Paleolítico, a importância do ouro e dos negociantes do Sudão no comércio europeu asiático da Idade Média, a participação do capital-trabalho negro no desenvolvimento da revolução industrial e o papel planetário desempenhado pelos Afro-Americanos na formação do sentido artístico desde há mais de meio século para cá. Ao dizer isto, não somos movidos por nenhum complexo, nem de superioridade nem de inferioridade, mas por um “complexo” de igualdade (1972, p.13-14)
Com relação à questão de que a África tem uma história que
antecede a invasão dos europeus, no século XV, afirma Munanga Mangabele:
Quando os primeiros europeus desembarcaram na costa africana em meados do século XV, a organização política dos Estados Africanos já tinha atingido um nível de aperfeiçoamento muito alto. As monarquias eram constituídas por um conselho popular no qual as diferentes camadas sociais eram representadas. A ordem social e moral equivalia à política. Em contrapartida, o desenvolvimento técnico, incluída a tecnologia de guerra, era menos acentuado. Isto pode ser explicado pelas condições ecológicas, sócio-
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econômicas e históricas da África daquela época, e não biologicamente, como queriam os falsos cientistas.(1986, p.8).
O que se pretende com a lei 10639/03 é permitir que os conteúdos
da Cultura e História dos Afro-brasileiros e da África possam ser estudados
sem estereótipos e preconceitos. Há muito, verificamos na História do Brasil,
a reivindicação do movimento social negro pela inclusão da História da África e
da Cultura Afro-brasileira no currículo das escolas brasileiras, uma das razões
é o fato da criança negra não se reconhecer no espaço escolar, pois seus
antepassados são relatados apenas em condição de submissão e sofrimento,
dadas as condições de escravidão que foram submetidos em nosso país, é
preciso que nossos alunos saibam que a África teve uma história antes da
invasão dos europeus. O continente africano é apresentado como um
continente primitivo, menos civilizado. Segundo Maria Aparecida Silva Bento
Aqui no Brasil, crianças brancas e negras aprendem sobre figuras e fatos importantes de brancos – como Pedro Álvares Cabral e Tiradentes. Porém pouco ou nada sabem sobre os descendentes de africanos, povo que compõe metade da população brasileira. Se perguntarmos a uma criança branca quais são seus heróis, líderes, sábios, ela saberá apontar alguns. A criança negra, no entanto, terá dificuldade para identificar heróis negros, porque a memória de seu grupo foi omitida ou deturpada. Poucas crianças sabem que um dos principais escultores do Brasil, o Aleijadinho, era negro, bem como o escritor Machado de Assis, o orador e advogado Luís gama, os engenheiros Teodoro Sampaio e André Rebouças e tantos outros personagens importantes do país. ( 2005, p.44).
Sobre o esquecimento da valorização da História da África nos currículos
escolares do nosso país, e sobre a omissão de informações sobre a participação dos
negros na história do Brasil, Anderson Ribeiro Oliva comenta que:
Até a década de 1990, a pequena atenção de nossa historiografia para os estudos africanos, fez que a trajetória histórica do continente não fosse ensinada nas escolas brasileiras. Ignorada, ou simplesmente fundida aos estereótipos, como o de que o continente seria apenas o “local
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de onde vinham os escravos para trabalhar nas lavouras de cana-de-açúcar ou nas minas”, a história africana não aparecia nos programas e nem nos livros didáticos. Apesar dos avanços observados nos últimos anos, tanto na pesquisa histórica como no ensino, muito ainda está por ser feito.( 2006, p.97)
O preconceito e a discriminação racial, acontecem diariamente no
espaço escolar. Os alunos negros relatam que são vítimas de xingamentos,
piadas, apelidos, deixando claro que os traços que identificam o corpo negro
influenciam a construção de estereótipos, que marcam a trajetória escolar
desses alunos. Quando situações de racismo acontecem em salas de aula,
como as descritas há pouco, muitos professores não sabem como proceder.
Percebe-se que as práticas discriminatórias camufladas e silenciadas, no
espaço escolar, operam, de todas as formas, excluindo a verdadeira história
desses alunos. O não-reconhecimento dessas atitudes de discriminação, no
âmbito da escola, podem significar a reprodução do racismo. Para Ana Lúcia
Lopes
As experiências inicias com a escola precisam ser levadas a
sério, pois podem definir a base de uma trajetória escolar mais
tranqüila ou mais atribulada. Sentir-se acolhido, incluído e
integrado facilita a construção de uma auto-estima positiva,
elemento fundamental para o sucesso escolar. (2007,p.13)
“Não se trata aqui de culpar a escola ou os professores pela
perpetuação de práticas racistas que ocorram, mas de refletir sobre o papel da
escola e dos professores na transformação desta situação”. Lopes (2006, p.22)
Quase sempre a solução por eles encontrada é de não tomar conhecimento,
achando que é melhor deixar quieto, para não terem mais problemas. Com
esta atitude de omissão, o professor reforça, sem querer, o preconceito e
possibilita novas ações preconceituosas em sala de aula. Para Munanga
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Não precisamos ser profetas para compreender que o preconceito incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e materiais didáticos e às relações preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e prejudicam seu aprendizado. O que explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do alunado negro, comparativamente ao do alunado branco. ( 2005, p.14)
Nas graduações, principalmente para aqueles professores que se
formaram há décadas, muito pouco ou nada foi visto sobre a África, e ainda
hoje isto acontece na maioria dos cursos de graduação. Esta situação gera
insegurança na hora dos professores montarem suas aulas. Aliado a isso
ainda temos pouco acesso a materiais que falam sobre o assunto. Estas são as
maiores dificuldades enfrentadas pelos professores em ensinar conteúdos
referentes a África, sendo assim o estudo acaba ficando no esquecimento ou,
na melhor das hipóteses, deficiente. Falando sobre o espaço dedicado à
História Africana ,Anderson Ribeiro Oliva menciona que:
Ao folhearmos os índices dos manuais percebemos uma nítida distorção: o número de paginas utilizadas para abordar os conteúdos. Não acreditamos que o valor quantitativo por si só seja relevante. No entanto, se os capítulos que tratam assuntos ligados à história européia, como a Idade Média e o Renascimento Cultural, ocupam em média quinze páginas e possuem vasta bibliografia, seria de se esperar que a abordagem da história africana recebesse uma atenção’, pelo menos, proporcional. Porém, não é o que ocorre na maioria dos casos. ( 2006, p.91).
Não podemos deixar de mencionar os livros didáticos, que muitas
vezes estimulam o preconceito, pois mostram o negro, na maioria das vezes
realizando tarefas subalternas e desvalorizadas, se tornando um dos maiores
reprodutores de estereótipo, preconceito e racismo. Uma da maiores
pesquisadoras sobre a discriminação do negro no livro didático Ana Célia Silva
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diz:
O livro didático, de modo geral, omite o processo histórico cultural, o cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como o índio, o negro, sua quase total ausência nos livros e a sua rara presença de forma estereotipada concorrem, em grande parte, para o recalque da sua identidade e auto-estima. Não é apenas o livro o transmissor de estereótipos. Contudo é ele que, pelo seu caráter de “verdadeiro”, pela importância que lhe é atribuída, pela exigência social do seu uso, de forma constante e sistemática, logra introjetar na mente das crianças, jovens e adultos, visões cristalizadas da realidade humana e social. A identificação da criança com as mensagens dos textos concorre para a dissociação da sua identidade individual e social. ( 2004, p.51)
A escola viveu durante séculos absorvida por teorias racistas,
pensamentos científicos que colocaram os negros em condição de
inferioridade. Vários estudos, que abordam a análise de livros didáticos, têm
mostrado que o negro é apresentado com tons de inferioridade. Para Ana Célia
Silva
A presença do negro nos livros, freqüentemente como escravo, sem referência ao seu passado de homem livre antes da escravidão e às lutas de libertação que desenvolveu no período da escravidão e desenvolve hoje por direitos de cidadania, pode ser corrigida se o professor contar a história de Zumbi dos palmares, dos quilombos, das revoltas e insurreições ocorridas durante a escravidão; contar algo do que foi a organização sócio-política-econômica e cultural da África pré-colonial; e também sobre a luta das organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas. ( 2005, p.25)
A escola tem um papel fundamental no processo de construção de
valores sociais, por isso se faz uma análise profunda da questão racial, no
contexto escolar, pois sabe-se que o sistema de ensino brasileiro se baseia
numa visão eurocêntrica. Toda esta discussão que surge em torno da Lei
10.639/03 nos alerta para a necessidade de dispensar a devida atenção aos
aspectos culturais afro-brasileiros que, durante muito anos, foram
discriminados e silenciados na educação brasileira. Para Véra Neusa Lopes
21
É preciso insistir sempre que a sociedade brasileira é preconceituosa e discriminadora em relação à sua população. Em decorrência, o modelo de educação não tem sido inclusivo, ainda quando permita a entrada de todos na escola. Todos entram, ou a maioria entra, mas nem todos saem devidamente escolarizados, aptos a enfrentar a vida como verdadeiros cidadãos. A instituição escolar precisa desenvolver programas que, reconhecendo as diferenças e respeitando-as, promovam a igualdade de oportunidades para todos, o que se traduz pela oferta de escola de qualidade. Os negros, ao longo da história do Brasil, têm sido, juntamente
com os índios, os mais discriminados. Essa questão deve ser abordada na escola,incluída objetivamente no currículo, de tal forma que o aluno possa identificar os casos, combatê-los, buscar resolvê-los, fazendo com que todos sejam cidadãos em igualdade de condições, a despeito das diferenças e especificidades que possam existir. (2005,p.187)
Segundo Bento (2005), estudos mostram que “ mesmo quando
negros e brancos possuem a mesma escolaridade, o mesmo preparo para o
mercado de trabalho, os salários dos negros são inferiores aos dos brancos”.
Concluímos, portanto, que há uma desigualdade de oportunidades gerando
baixos índices socioeconômicos da população negra.
Uma das grandes disparidades ocorre paradoxalmente na
Educação, como pode ser visto no quadro abaixo, em que aparecem como
concluintes do ensino superior: 2,7% de negros, 16,4% de pardos e 77,8% de
brancos, desmistificando o discurso de que as condições de ingresso e
permanência dos alunos, independentemente da cor da pele, são as mesmas
para brancos, negros e pardos.
Fonte: IBGE, 1999/Inep,2001
22
A lei 10.639/03 trouxe a necessidade de construirmos outras histórias
e irmos em busca de outras memórias. O estudo dos impérios africanos que
existiram antes da invasão dos europeus, e o reconhecimento da importância
dos negros, na construção da sociedade brasileira, podem possibilitar a
afirmação e a valorização da identidade negra, e como educadores podemos
colaborar e muito nesta questão. Ana Célia Silva diz:
A presença do negro nos livros, frequentemente como escravo, sem referência ao seu passado de homem livre antes da escravidão e às lutas de libertação que desenvolveu no período da escravidão e desenvolve hoje por direitos de cidadania, pode ser corrigida se o professor contar a história de Zumbi dos Palmeares, dos quilombos, das revoltas e insurreições ocorridas durante a escravidão; contar algo do que foi a organização sócio-político-econômica e cultural na África pré-colonial; e também sobre a luta das organizações negras, hoje, no Brasil e nas Américas. (2005, p.25)
Ainda Marina de Mello e Souza afirma em sua obra África e Brasil
Africano:
Abordar conteúdos que trazem para sala de aula a história da África e do Brasil africano é fazer cumprir nossos grandes objetivos como educadores: levar à reflexão sobre a discriminação racial, valorizar a diversidade étnica, gerar debate, estimular valores e comportamentos de respeito,solidariedade e tolerância. E é também a oportunidade de levantar a bandeira de combate ao racismo e às discriminações que atingem em particular a população negra, afro-brasileira ou afrodescendente. (2006, p. 7).
23
O estudo dos Impérios africanos de Gana e Mali
Novos estudos apontam para as sociedades africanas tradicionais (
ou pré-coloniais) que tinham, em suas atividades econômicas, uma das formas
de sobrevivência. Haviam povos nômades, que precisavam se deslocar
periodicamente, e haviam povos sedentários, que, fundando territórios,
construíram grandes impérios, com formas de governo muito complexas.
Algumas chefias, consideradas estados tradicionais, são conhecidas desde o
século IV, como a primeira dinastia de Gana. Impérios como o de Gana e Mali
e outros se sucederam na África durante toda a Idade Média Européia. Para
tanto, vamos expandir nosso conhecimento sobre o continente africano,
especificamente os impérios de Gana e Mali.
24
O Império de Gana
Gana foi o primeiro império africano negro conhecido com bastante
precisão, as informações que temos sobre este império são de fontes árabes,
as principais das quais são Ibn Hawkal, Al-Idrisi e Al Bakri, viajantes e
estudiosos. Gana foi um dos maiores impérios formados no continente africano,
situava-se no oeste da África, na área que compreende o Mali e o sul da
Mauritânia atuais, fazendo divisa com o imenso deserto do Saara. Acredita-se
que seu florescimento teve início no século IV, e que tenha alcançado seu
esplendor máximo entre os séculos VII e XI. Para Alberto Costa e Silva:
Este reino consolidou-se, talvez a partir do século IV, pela aglutinação de vários conjuntos de vilarejos soninquês, na orla setentrional do Sael, próximo ao meio da base de um triângulo invertido, cujos dois lados se traçariam pelos eixos das bacias do alto Níger e do alto Senegal. A região não seria sáfara como hoje, embora quase à beira do deserto nos limites entre os domínios da agricultura e do pastoreiro extensivo. (SILVA,1996, p.245)
Ainda sobre a origem de Gana, conta-nos Mario Maestre que “as
primeiras notícias sobre ele são dadas por textos árabes, do século VIII, que
falam de um rico Estado no Sudão Ocidental” e havia ainda insólitas
possibilidades levantadas pelos “primeiros historiadores ocidentais”, que se
interessaram pelo continente africano.Maestre diz
(...) Ventilou-se a possibilidade de que sua fundação fosse obra de judeus sírios fugidos de perseguição romanas na Cirenaica ( região da atual Líbia), no séc.II d.c. As origens do reino são mais simples e menos fantasiosas. A origem de Ghana assentou-se nas condições geográficas, ecológicas, sociais, econômicas e históricas particulares do Sudão Ocidental. Como vimos, esta região da África Tropical Média possui terras próprias pra numa agricultura baseada em cereais e uma precipitação pluviométrica anual variando entre os 30 e 100cm, o que permite o cultivo sem o auxílio da irrigação artificial. A ocupação gradativa destas regiões favoráveis ao homem permitiu um acelerado crescimento
25
demográfico e a implantação de importantes comunidades de agricultores e pastores. A esta realidade, comum a quase toda a faixa sudanesa, juntava-se uma grande particularidade: a grande concentração de campos auríferos nestes territórios ou em regiões mais meredionais. (1988, p.15 -17)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Imp%C3%A9rio_Gana
Quando observamos as dificuldades naturais de se atravessar o
deserto, imaginamos os obstáculos encontrados, por esse povo, para
sobreviver. Mas, por meio de uma investigação mais detalhada, pudemos notar
que, quando as populações da África Subsaariana tiveram contato com o norte
do continente, tudo mudou. Domesticaram camelos e assim foi possível novas
atividades econômicas, realizadas próximo ao Deserto do Saara. Quando
chegava a época de seca, os pastores deslocavam-se para a região do Sahel e
realizavam as trocas comerciais. De acordo com Alberto da Costa e Silva:
A posse do dromedário alteraria completamente a vida dos berberes do deserto, permitindo que eles, de certa forma o ocupassem. Deixava o Saara de ser uma espécie de terra de ninguém, para ver-se apossado pelas tribos nômades que conheciam os seus caminhos - marcados pela existência de poços d’água e de oásis – e deles cuidavam, desde os litorais nortenhos até as praias do Sael... (SILVA,1996: p.239) ... O desenvolvimento, no Sudão ocidental, de numerosos reinos foi estimulado pelo comércio transaariano, que o camelo tornou possível. ... (1996, p.242)
26
O Império de Gana era também chamado Uagadu ( país dos
rebanhos), O clima era bastante úmido, o que favorecia a criação de gado e a
agricultura , sua economia também se baseava nas atividades artesanais e
no comércio transaariano. A economia comercial de Gana atingiu seu auge no
século VIII, ao interligar as regiões do norte da África, Egito e Sudão. Entre os
principais produtos comercializados estavam os tecidos, tâmaras, escravos, o
sal e o ouro. Como nos conta Alberto da Costa e Silva:
As duas mercadorias mais importantes e mais antigas do comércio transaariano eram, no entanto, o ouro e o sal.O ouro, tão necessário à economia monetária da Europa e do Oriente Próximo. O sal, indispensável às populações sudanesas e silvículas. No ouro e no sal assentar-se-ia a força de Gana. (SILVA,1996: p.244) ... O sal era artigo raro. Tanto assim que às vezes, era permutado, em Gana, por igual peso que o ouro. Ou pelo dobro. Graças a ele, até a descoberta das minas auríferas do Brasil, o Sudão foi o principal fornecedor de ouro ao Mediterrâneo, aos mundos islâmico e cristão. Raymund Mauny estima que a produção sudanesa fosse de nove toneladas por ano, sendo a metade proveniente de Bambuk, Buré e áreas vizinhas. Vitorino Magalhães Godinho julga esses números exagerados e propõe que atravessassem anualmente o Saara, antes da chegada dos portugueses à costa da Guiné, umas seis toneladas de ouro. (1996, p.256)
In: KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 137.
O comércio transaariano era realizado principalmente pelos povos
berberes islamizados do norte da África, eles cruzavam o deserto do Saara
27
transportando mercadorias. O grande lucro gerado pelo contato entre o povo
da África negra com o mundo árabe, permitiu que reinos africanos como Gana
e Mali se fixassem de forma sólida. As pessoas que viviam nos dois extremos
das rotas de comércio transaarianas participavam desse comércio e
enriqueciam. Mario Maestre conta que
O tráfico do ouro através do Saara era bastante antigo. Em torno de 681 de nossa era, a expansão muçulmana chegou às costas atlânticas do atual Marrocos. Sabedores da existência do comércio com o ouro, os mercadores arabizados começaram a enviar expedições mercantis para o sul. Elas levavam sal e produtos mediterrâneos para serem trocados pelo precioso metal. Como era de uso generalizado,as pequenas comunidades agrárias negro-africanas do Sudão Ocidental tributavam a passagem destes mercadores por seus territórios. O controle das rotas comerciais permitia vultuosos ganhos.As sociedades africanas da região haviam alcançado suficiente nível de desenvolvimento para se aproveitarem desta realidade. (1988, p.17)
Segundo relatos históricos, Gana era tão rico em ouro, que o chefe
do reino era denominado “ o senhor do ouro”, sendo responsável direto pelo
controle produtivo. Em 970, o viajante muçulmano Ibn Hawkal viajou de Bagdá
às margens do rio Níger, e declarou sobre o imperador de Gana: “É o mais rico
do mundo por causa do ouro”, citado por KI-ZERBO (1976, p. 133). Segundo
alguns relatos, o rei ficava com as pepitas e o povo com o pó do ouro achados
no reino. Os cachorros que estavam sempre junto ao rei, carregavam ricas
coleiras de ouro e prata. Para proteger a região aurífera, foi utilizado o uso de
lendas para afastar a cobiça de outros povos, com nos informa Mario Maestre
... O ghana recebia, sempre, os tributos devidos sobre o ouro e mercadorias (sal, cobre, tecidos, etc.) que entravam no reino. Recebia pepitas que os seus súditos encontravam quando mineravam ouro em pó nos cursos d’água do reino. As pepitas eram tidas como portadoras de malefícios. Só o ghana podia sobrepor-se às malignas influências que delas provinham. (1988, p.20)
28
Já Alberto da Costa e Silva diz que:
O gana dependia dos tributos ao comércio para manter sua numerosa corte e um exército permanente, pra distribuir, nas grandes festividades, a riqueza entre seus súditos, e para conservar, através de repetidas dádivas, a obediência ou a aliança de reis menores. (1996, p.255)
Quanto à religião, sabe-se que o império de Gana era, em sua
maioria, pagão, animista, mesmo com a influência dos muçulmanos.
Costumavam, segundo relatos, sacrificar pessoas quando da morte do rei.
Havia fetiches, para se descobrir se um homem era ou não culpado das
acusações que outros lhes faziam. Tomavam ervas que, em contato com a
água, ficavam muito amargas. Se vomitassem, eram inocentes. Caso contrário,
eram considerados culpados da acusação.
Sabe-se também que, apesar de pagão animista, o Império de Gana
autorizava a propagação do islamismo e a construção de ricas mesquitas. Além
disso, empregavam os muçulmanos como servidores públicos, pois
reconheciam a competência do trabalho na administração pública. Porém, isso
não foi o bastante. Movimentos fanáticos, liderados pelos almorávidas, com
interesses econômicos, provocaram a decadência de Gana.
Outra questão que nos chama a atenção é o fato da sucessão do
trono, que era matrilinear, ou seja, não era o filho do rei que o sucedia, mas
seu sobrinho, filho de sua irmã.
Mesmo possuindo um amplo território e uma organização política
típica dos governos imperiais, Gana não estava interessado em aumentar seus
domínios territoriais, queria mesmo era multiplicar sua riqueza. Nem se quer
as fronteiras do reino eram bem definidas.O Estado era mantido através de um
29
eficiente sistema de cobrança de impostos localizados nos principais
entrepostos comerciais.
Como nos informa Alberto da costa e Silva:
As relações entre o gana e os seus domínios eram grupais, pessoais, de linhagens. Sua soberania exercia-se sobre os homens e não sobre a terra. O monarca não estava interessado em ampliar seu poder pela adição de novos territórios, mas em submeter números crescentes de sobados, cidades , aldeias e grupos humanos, que lhe pagassem tributo e lhe pudessem fornecer soldados para a guerra, servidores para a corte, lavradores para os campos reais... (1996, p.248)
Já Mario Maestre diz que:
Não conhecemos os limites geográficos exatos do reino de Ghana. Possivelmente se reduziriam às fronteiras étnicas do povo sarakolê (que constituía a etnia de base do estado) e de alguns reinos vizinhos tributários... (1988, p.21)
No século XI, época do seu máximo esplendor Gana chegou a ter,
um exército de 200.000 homens, dos quais 40.000 eram arqueiros e que
tinham a missão de proteger o império. Mas todas estas estruturas não
puderam parar o ataque dos almorávidas ao império no século XI, pois sabe-
se, pelos registros dos estudiosos árabes, que a força do islamismo, aliada ao
enfraquecimento econômico e político de Gana, em decorrência da
independência dos estados conquistados e, ainda, dos interesses econômicos
dos almorávidas, provocaram a decadência desse império tão poderoso.
Audagoste foi tomada em 1054 e Kumbi Sahel em 1077. A esses fatos
sucederam-se as sublevações dos povos dominados, como os sossos, que
ocuparam a capital em 1203. O império mergulhou em lutas tribais até que, em
30
1240, suas últimas possessões foram incorporadas ao Império de Mali. Sobre
a dissolução do Império de Gana diz Mario Maestre:
... Não temos informações precisas sobre sua dissolução. O certo é que sua crise deu-se no contexto da expansão dos berberes das costas do atlânticas da África, que deu origem à dinastia almorávida e resultou no seu domínio sobre o Magrebe e a Espanha muçulmana. Os almorávidas, que se apoderaram de Sidjilmassa, em 1055, e de Audaghost, no ano seguinte, lançaram-se sobre a capital de Ghana e conquistaram-na, em 1077. Os ataques berbere não determinou o fim do reino de ghana. Ele sobreviveu ao saque, como tributário dos almorávidas, despido de seu antigo esplendor e com os territórios reduzidos. Mais tarde, em pleno séc.XVI, vamos encontrá-lo, decaído, como vassalo do Império de Mali, que ultrapassou o poder e a riqueza que o reino sarakolê havia conhecido no seus melhores tempos... (1988, p.21)
31
O Império de Mali
O Império do Mali teve uma longa duração, século XIII - XVI, que, em
termos políticos, era muito semelhante ao de Ghana, O Império do Mali, que
derrubou, primeiro, o Reino de Sosso e depois o de Ghana, não surgiu da noite
para o dia. Segundo alguns historiadores, começara sua vida como um
pequeno agrupamento sob as ordens de um chefe mandinga.
http://pt.wikibooks.org/wiki/Civiliza%C3%A7%C3%B5es_da_Antiguidade/Mali
O Império de Mali sucede o de Ghana e em termos de grandiosidade
é como se fosse uma continuação daquele, atribui-se a sua formação a
Sundiata Keita, que durante seu longo reinado, de 1234 a 1555, transformou
seu pequeno reino mandiga no poderoso e rico Império de Mali. Sobre o
surgimento deste império, Djibril Tamsir Niane escreve:
Na batalha de Kirina , os revoltosos venceram as tropas de Sonmavao, lançando as bases do Império de Mali. A tradição dos Mandinga atribui ao jovem vencedor de Kirina a Constituição, a codificação dos costumes e das proibições que ainda regem as relações dos clãs mandingas entre si e com outros clãs do oeste africano. .( 1979, p.60)
O reino de Mali era muito populoso, de acordo com Niane:
32
Pode-se admitir que a população do Mali chegava, à época a 40-50 milhões de habitantes. Os vales dos rios Níger e Senegal constituíam verdadeiros formigueiros humanos. No século XIV, Niani,a capital, contava pelo menos 100 mil almas.( 1985, p.175)
Ao contrário de Gana, Mali controlou, com competência, as regiões
produtoras de ouro, além de, na época do governo de Sundiata, ter
desenvolvido, com habilidade, a agricultura, especialmente a cultura e fiação
de algodão. Ao controlar as regiões produtoras de ouro, Mali atraiu para si a
rota das caravanas, tornando, em meados do século XIV, Niani, Jenne,
Tombuctu e Gao os mais importantes centros comerciais do Sudão ocidental.
Sundiata foi um grande líder, hábil em governar, em administrar, em
conquistar, fazendo florescer todo o potencial de Mali, assentando as bases do
Império, provendo-o de uma capital. Morreu em 1255 e, até o reinado de
Mansa Musa, existem poucos registros sobre seus sucessores.
De acordo com vários historiadores Mansa Musa foi o mais famoso
dos imperadores do Mali, muito conhecido pelos árabes e, em outros países.
ele reinou de 1307 a 1337, e até hoje é o mais recordado dos reis do Mali,
sobre ele escreve Catherine Coqueruy Vidrovitch
As tradições orais dos Negros do Sudão conservaram uma recordação viva das façanhas de Sundiata, o verdadeiro fundador do Mali; mas os Árabes conheceram melhor o rei Mansa-Mussa, conhecido como Kankan-Mussa, que, pelas suas prodigalidades aquando da peregrinação a Meca, no começo do séc. XIV, revelou ao mundo árabe as riquezas insuspeitadas da África Negra. (1965, p.47)
Já Alberto da Costa Silva diz que:
As estadas de Musa na capital egípcia, a caminho de Meca e de regresso da viagem devota, puseram seu nome e o de seu
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país na boca de todo o mundo árabe e espalharam sua fama até mesmo na Europa. (1996, p.294)
Os registros indicam que Mansa Musa foi um grande governante.
Promoveu a paz, a ordem e a prosperidade. Os comerciantes do norte e do sul
iam até Mali em busca de ouro e sal. Em troca, Mansa Musa garantia-lhes o
trajeto em segurança, mesmo entre as turbulentas tribos berberes, ao sudeste
do Saara. Sabedores disso, mercadores, especialmente do Egito e Marrocos,
podiam ser facilmente encontrados nos grandes centros comerciais de Mali,
como Niani, a capital, Tombuctu e Gao. Nesse período, Mali tornou-se um forte
e rico império, conhecido no mundo inteiro, por meio do seu próprio
governante, Mansa Musa, quando fez viagens a outros países. Foi a Meca e ao
Cairo, o que foi de grande importância, para o seu reconhecimento como
grande governante.
Consta que o Império de Mali possuía muito ouro e foi após as
viagens de Musa que outros países tomaram conhecimento das riquezas desse
império e de outros que existiam em África. De acordo com Niane, Mansa
Musa, se tornou muito conhecido após essa viagem.
Sua reputação era extraordinária devido à peregrinação que fez a Meca em 1325, e principalmente a sua estada no Cairo, onde distribuiu tanto ouro que fez baixar por muito tempo o valor desse metal precioso. .(1979, p.61)
Mansa Musa foi reconhecidamente um grande estadista, recebendo,
no Cairo, honras devidas a um grande sultão. Era generoso, pois chegou a
comprar terras e casas, em Meca e no Cairo, para abrigar peregrinos
sudaneses. Foi um grande diplomata, estabelecendo sólidas relações com os
países os quais visitou. Teve grande interesse nos livros, que comprava, em
grande quantidade, nos lugares santos e no Cairo, contribuindo, inclusive, para
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o surgimento da literatura negra de expressão árabe. Morreu em 1337, mas
seus feitos ficaram na memória do povo daquele império e de outros lugares,
por onde andou, e nos registros cuidadosamente guardados.
Seu sucessor foi Mansa Maghan, que teve um curto reinado de 1337
a 1341. O próximo a reinar foi Mansa Sulayman, irmão de Mansa Musa
tornou-se rei e governou até 1359, sendo um competente governante, e um
sucessor a altura de Mansa Musa.
Os séculos XIV e XV foi um período de brilho cultural e comercial para
o império do Mali, os europeus que o visitaram, trouxeram a imagem de um
estado com sólidas estruturas políticas, econômicas e sociais, após esse
período entrou num período de declínio gradual. É o que nos diz Madina Ly-
Tall:
Após o século XIV, as relações do Mali com a África setentrional intensificaram-se, em conseqüência da célebre peregrinação do mansa Kanku Musa a Meca. Dessa peregrinação resultou intenso desenvolvimento econômico e cultural, responsável pela expansão da influência do Mali para além de suas fronteiras. O século XIV, durante o qual se assistiu ao apogeu do império, terminou com o enfraquecimento do poder central. (1985, p.192)
In: KI-ZERBO, Joseph. História da África Negra I. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d, p. 165.
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Dentro do império encontramos os povos que viviam nas aldeias, que
se dedicavam a criação de animais e praticavam a agricultura. Nas cidades
encontramos a elite que se dedicava ao comércio, onde a maioria se converteu
ao Islamismo, quase que como um símbolo de distinção social em relação aos
aldeãos mas, de um modo geral, a massa da população conservava-se fiel à
religião dos ancestrais.
Sobre esse Islamismo Madina nos diz que “ era entre os chefes que
se encontrava o maior número de muçulmanos, na maioria das vezes um
islamismo de fachada” . ( LY-TALL, Madina, , A África do século XII ao século
XVI, p.197).
Na verdade, era um Islamismo de fachada, pois não abandonavam
totalmente a cultura animista, e é comum os chefes consultarem. Os adivinhos
antes de uma viagem ou de um grande negócio, assim como o culto aos
antepassados. Essa conversão ao islamismo, parece dar-se como forma de
melhorar o comércio com os adeptos do Islã, já que o controle das rotas
comerciais permitia vultosos ganhos e as sociedades africanas da região
haviam alcançado suficiente nível de desenvolvimento para se aproveitarem
desta realidade. Também como forma de se precaver de uma possível
escravidão, já que para os convertidos ao Islamismo, quem não é islâmico é
pagão, e quem é pagão pode ser escravizado.
Também é esse o entendimento de Alberto Costa e Silva,
Diante da resistência firme, constante e silenciosa das religiões tradicionais, o islamismo, ao contrário do que ocorreu em outras partes do mundo, irradiou-se lentamente pelas savanas do Sudão Ocidental. Mesmo em cidades mercantis, onde a presença maometana era dominante, os cultos tradicionais se preservaram, à vista de todos ou sob embuço. (1996, p.300)
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Mas, o que parece é que o comércio deu origem a importantes
cidades-mercados. O comércio de ouro, trazia lucros consideráveis e deu
origem a uma vasta casta de ricos negociantes.
Com a tomada de Ceuta em 1415, pelos portugueses, os árabes não
eram mais os únicos a comerciar com a África ocidental. As fontes árabes
sobre o Mali foram substituídas pelas européias, sobretudo pelo relato de
viagens dos portugueses. Há que se observar que os portugueses não
conseguiram penetrar de imediato no interior da África, apenas fundaram
feitorias no litoral. Pois esse primeiro contato foi entre potências iguais.
É nesse sentido a explicação de Madina:
Após os primeiros contatos particularmente violentos com a África negra, os portugueses viram-se obrigados a mudar de política, diante da firme resistência das populações costeiras. Assim, empenharam-se, principalmente, em ganhar a confiança dos soberanos locais. Os reis de Portugal enviaram numerosas missões diplomáticas a seus homólogos da África ocidental. (1985, p.202)
Portanto, o Império de Mali teve longa duração, e somente
quando se intensificam as disputas étnicas dentro do império, momento do
declínio, é que os portugueses começam a penetrar mais facilmente dentre do
império, incentivando essas disputas étnicas como forma de enfraquecê-los.
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SUGESTÕES PARA A PRÁTICA EM SALA DE AULA
O livro “Superando o racismo”, no artigo de Ana Célia da Silva ,
encontramos várias sugestões de atividades, que encaminharão para o
rompimento de estereótipos relacionados à população negra, reconhecendo a
identidade da mesma. Para isso, ela propõem um sutil levantamento dos
melhores alunos, segundo a própria turma, observando se algum aluno negro
faz parte da lista, para mais tarde, por meio de pesquisas feitas no bairro, na
cidade, por meio de livros ou internet, no estado, no país, até mesmo, no
mundo, possa ser feita uma reflexão sobre todas as personalidades negras
intelectualizadas, como cientistas, escritores, e por que isso não acontece com
freqüência, determinando os motivos que impedem o desenvolvimento do ser
humano e provando, com a ajuda da própria história, da sociologia e de outras
ciências, que a cor da pele não impede ou favorece a inteligência.Atividades
que evidenciem a cor negra associada a algo positivo como ébano, ônix,
jabuticaba, etc., concorrem para justapor à representação negativa uma outra
positiva. Tratar a razão de ser dos diferentes tipos de cabelo desconstruindo a
negatividade atribuída á textura dos cabelos crespos.
Outra sugestão muito interessante é a desconstrução de frases,
versos contidos em canções populares, piadas e outras representações
textuais que, de forma velada ou não, expressão racismo, preconceito.
Seguindo, ainda, as sugestões de Ana Célia da Silva:identificar e
corrigir a ideologia, ensinar que a diferença pode ser bela, que a diversidade é
enriquecedora e não é sinônimo de desigualdade, é um dos passos para a
reconstrução da auto-estima, do auto-conceito, da cidadania e da abertura para
o acolhimento dos valores das diversas culturas presentes na sociedade.
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A título de exemplo, apresento um trabalho de reconstrução realizado
em pesquisa anteriormente citada, que se revelou bela e criativa no desfazer o
recalque da cor.
Texto original:
A Borboleta
De manhã bem cedo Uma borboleta Saiu do casulo Era parda e preta. Foi beber no açude
Viu-se dentro da água E se achou tão feia
Que morreu de mágoa.
Ela não sabia – boba! – que Deus deu para cada bicho a cor que escolheu. Um anjo a levou,
Deus ralhou com ela, Mas deu roupa nova Azul e amarela. (Odilo Costa Filho, In: CEGALLA, 1980, p. 12)
O texto corrigido ficou assim:
Foi beber no açude Viu-se dentro da água
Sentiu-se ônix, e ébano, Azeviche e jabuticaba.
Aí entendeu, Tão linda que era,
por que as crianças, queriam pegá-Ia,
pra brincar com ela.
Há, também, o trabalho estatístico com o percentual de negros de
cada região brasileira, identificando regiões com menor ou maior concentração
de negros e as possíveis causas.
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Outra sugestão relevante, encontrada em alguns site, é a
elaboração de um mural com todas as etnias possíveis encontradas no Brasil,
valorizando, assim, a diversidade étnica e cultural seria um outro procedimento
didático-pedagógico bastante interessante e eficaz.
Acrescento, ainda, um trabalho de pesquisa sobre comida, música,
dança, vocabulário, lendas, religiões, enfim, tudo o que se referir à cultura
africana e que foi incorporado pelo povo brasileiro.
Sugestões de vídeo:
Vista a minha pele
· Línguas
· A cor púrpura – de Holp Gobery
· O xadrez das cores (20 min)
Diretor Marco Schiavam
Produção: midmix entretenimento
Site onde o filme pode ser encontrado:
HTTP/www.portacurta.com.br/filme.asp.cod=2932www.mec.gov.br/sb
· Atlântico Negro na rota dos Orixás - Renato Barbieri.
Leitura de Imagens
A paisagem e a cultura africana e afro-brasileira são lindas e devem
atrair a atenção dos alunos, como mostra o vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=UDmaz-2OCNo
Aproveite, então, o vídeo e elabore uma dinâmica de leitura de
imagens e reprodução de gravuras para o trabalho com os alunos.
40
Sugestões de sites:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/grp_l.php?t=007 (pesquisa)
Gabriel, o Pensador – Racismo é burrice (análise da canção)
http://www.youtube.com/watch?v=MDaB8muAANc
Dicas e sugestões de atividades do Banco de Ativida de
(http://bancodeatividades.blogspot.com/2009/11/20-de -novembro-
dia-da-consciencia-negra_03.html )
A cultura africana oferece elementos relacionados a todas as áreas do
conhecimento. Se a escola não inclui esses conteúdos no planejamento, cada
professor pode colocar um pouco de África em seu plano de ensino:
Língua Portuguesa:
- Para mostrar a influência dos falares africanos no Brasil, você pode
usar as palavras de origem banta já incorporadas ao nosso vocabulário.
- Leve para sala de aula lendas africanas e histórias que tratem de
diversidade.
- Use livros como Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria
Machado, O Pássaro-da-Chuva, de Kersti Chaplet, e o gibi Zumbi dos
Palmares (produzido em 2001 pela Editora Lake é distribuído gratuitamente)
para atividades de leitura e escrita.
- Familiares dos alunos afro-descendentes podem ser convidados para
contar histórias de sua vida, informações que serão transformadas em texto.
Artes:
- Podem ser trabalhados conceitos de arte abstrata e geometrismo,
danças, mitos e adereços e máscaras, relacionando essas produções às
manifestações artísticas do continente europeu.
O desafio é não resvalar no preconceito nem cair no encantamento do
exótico.
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Educação Física:
- Usar o iitop, o mbube-mbube (ou o tigre e o impala) e a mamba, e
jogos como o yote e a mancala. Iniciar contando a história do jogo e os valores
da cultura africana presentes em cada um.
Língua Estrangeira:
- Mesmo quando o idioma a ser aprendido é o inglês ou o espanhol, é
possível inserir a cultura africana e afro-descendente.Uma boa idéia é levar
para suas turmas letras de músicas do afro-descendente jamaicano Bob Marley
e de outros cantores negros e textos em inglês sobre a vida de lideranças
como os americanos Malcom X e Martin Luther King.
Ciências:
- Mencionar a evolução das espécies, esclarecendo que biologicamente
todos os seres humanos são parecidos e que as pequenas diferenças físicas
não interferem na capacidade intelectual.
História:
- É fundamental fazer a comparação com o modo de vida do negro no
nosso país, na época da escravidão, nos quilombos e nos dias de hoje.
Atualidade:
- Miséria, epidemias e guerras civis existem hoje nos diversos países da
África.Mas também estão presentes em outros lugares. Usando notícias de
jornal e livros, discutir com as turmas as guerras civis em Angola e em Ruanda,
a fome e a epidemia de Aids.
Geografia:
- Localize em mapas os diversos povos que vieram para o Brasil e as
riquezas de cada região, principalmente as minas de ouro e diamantes, para a
turma entender os motivos da exploração.
- Ao falar sobre os diversos povos, é possível destacar as contribuições
de cada um para a economia do Brasil Colônia.
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Educação Infantil:
- Pesquisa em jornais e revistas das palavras: Trabalho, escravo, Brasil,
Portugal e África.
- Identificação de palavras pesquisadas através de caça-palavras
- Leitura do texto “Zumbi pensava diferente”
- Observação do mapa mundi para localização do Brasil, África,
Portugal.
- Decomposição da palavra PALMARES para formação de novas
palavras.
- Roda de conserva enfocando a diferença entre o dia 13 de maio e o dia
20 de novembro
- Tentativa de escrita de palavras
- Registro de numerais comparando quantidades
- Exploração do calendário mensal
- Exploração do calendário anual com observação de datas que marcam
a história de negro
- Construção de um glossário com palavra de origem africana
- Rodas de conversa enfocando a irmandade dos homens, que todos
somos iguais.
- Exposição de ervas presentes principalmente na cultura afro
- Contagem de número de letras das palavras
- Localização identificando distâncias: Perto longe a partir da fala do
narrador ao afirmar que os negros cativos vinham de muito longe.
- Pesquisa de gravuras ou fotos que demonstrem atos fraternos entre
brancos e negros.
- Audição da música “O conto das três Raças” (Clara Nunes) entre
outras.
- Exploração de sons afros: tambor, atabaque, berimbau.
- Ilustração da História Tempo de Escravidão (através de pintura com
guache)
- Confecção de fantoches com perfil afro;
- Construção de retrato étnico da turma: produção de mural com fotos e
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frases que traduzem as características étnicas e culturais das crianças;
- Formação de painel coletivo com personalidades negras que
alcançaram a fama;
- Construção de maquete de um quilombo;
- Confecção de chocalhos, atabaque e berimbau.
Literatura: Sugerimos as histórias: O ratinho branco e o grilo sem Asas;
Menina bonita do laço de fita e a lenda Negrinho do Pastoreio.
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CONSIDERAÇÕES FINAS
ANTÔNIO FREDERICO DE CASTRO ALVES
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
(Excerto de O navio negreiro)
A ideia de trabalhar com os Impérios Africanos partiu de leitura, de
pesquisas feitas sobre Consciência Negra, em que se evidenciava a
necessidade de se conhecer a grandeza do continente africano e de seu povo,
a fim de despertar novas reflexões e de se quebrar paradigmas
preconceituosos, estabelecidos desde a vergonhosa escravidão.
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Observando o material de pesquisa, verificamos que os professores
são mal informados e formados, durante a graduação, e que o livro didático,
em geral, está aquém da proposta da Lei 10639/2003. Então, surge o Caderno
Pedagógico, para auxiliar esses educadores, por meio de informações, debates
e sugestões de como trabalhar a questão em sala de aula, como subsídio e um
incentivador no processo de reconhecimento da importantíssima contribuição
do povo africano, para a história da humanidade.
Durante as pesquisas, o trabalho tornou-se cada vez mais instigante
e inovador, ao trazer à luz da reflexão e do conhecimento, a grandeza de um
povo que, durante séculos, ficou à margem, à sombra, por causa dos
interesses, antes de tudo, econômicos e que, vergonhosamente, resultaram na
escravidão, trazendo, como justificativas, argumentos dos mais vis, desde o
fato de serem pagãos, até a insistência de torná-los sub-humanos, para
justificar tantas atrocidades cometidas.
Porém, com o reconhecimento da grandiosidade dos Impérios
Africanos, o início da restauração da identidade desse povo está por acontecer,
nos próximos anos.
As mudanças urgentemente necessárias acontecerão quando
chegarem, aos educadores, materiais condizentes com a realidade e se esses
mesmos educadores efetivamente abrirem um espaço, em sala de aula, para
estudo e reflexão sobre o assunto, promovendo o rompimento com os
conceitos erroneamente passados de geração em geração, que estereotiparam
a figura do negro, fazendo-o crer, também, que era inferior.
É imprescindível que isso aconteça, pois, desta forma, a Educação
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será realmente emancipadora, justa, igualitária e democrática.
Cabe, a cada um dos educadores, agora, aceitar esse desafio e
transformá-lo em uma grande conquista, realizada pela Educação, e que
gerará uma benéfica e substancial transformação na sociedade brasileira,
exemplo para o restante do mundo.
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relações raciais. 3ª edição, São Paulo, ática, 1999.
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