EXPEDIENTE
Conselho editorial Eduardo Saron Ana de Fátima Sousa Claudiney Ferreira Laerte Coutinho Rafael Coutinho
Coordenação editorial Carlos Costa
Produção editorial Lívia G. Hazarabedian
Edição Roberta Dezan
Revisão Polyana Lima Karina Hambra (terceirizada)
Edição de arte Liane Iwahashi
Projeto gráfico Megalodesign (terceirizado)
Edição de imagem Rafael Coutinho
Colaboraram nesta edição André Conti André Seiti Bianca Selofite Ebony Pinup Letícia Lanz Maria Clara Carneiro Maria Meskelis Paula Bertola
Agradecimentos Graziela MarcGomes Leonardo Nogueira
Algumas obras contidas neste catálogo não foram publicadas na íntegra.
Cartunista e ilustradora, Laerte Coutinho é a homenageada da 20a edição da Ocupação. Sua produção intensa no campo do desenho e da narrativa, iniciada nos anos 1970, revela uma obra vasta, criativa e, sobretudo, crítica, bem-humorada e elegante na forma como desenvolve questões políticas, filosóficas e psicológicas de nossa sociedade.
Seu trabalho é adaptado e difundido por diversas mídias e áreas de expressão e sua importância vai além do universo da arte, com ecos no movimento sindical e nas questões de gênero e preconceito.
Rafael Coutinho, quadrinista, artista plástico e filho de Laerte, foi a escolha natural para a curadoria da mostra, e o cenógrafo Fred Teixeira é o responsável pela criação do espaço expositivo.
O resultado são cerca de 2 mil obras (em torno de 300 originais) e um panorama geral do labirinto que Laerte constrói. Os visitantes acessarão histórias das diversas fases de sua carreira e encontrarão no percurso personagens de sua galeria de criações, como os Piratas do Tietê, a Muchacha, os moradores de O Condomínio, Deus, Overman, Muriel (versão travestida de Hugo) e Los 3 Amigos (parceria com Angeli e Glauco).
A Ocupação Laerte se desdobra na web (itaucultural.org.br/ocupacao) com informações, entrevistas e imagens de outros trabalhos da artista.
Com esta Ocupação, o Itaú Cultural festeja mais de cinco anos de programa, que propicia diálogo entre a nova geração e criadores referenciais e reforça a atuação do instituto na preservação da memória da produção cultural brasileira.
ITAÚ CULTURAL
“Existe uma diferença entre o trabalho do artista e o do moldureiro. O do moldureiro tem que ficar bom.” O texto é de uma tira de Laerte Coutinho, de um moldureiro debruçado sobre seu trabalho. A brincadeira não ilustra o fogo cruzado sob o qual escreve o quadrinista? A tira diária, ofício de Laerte, é suposto entretenimento: sujeita às restrições da língua dos quadrinhos e da língua do humor. Deve ficar “boa”, para descansar a cabeça.
As tiras em quadrinhos estão fadadas a mecanismos que podem condenar seu autor a lesão por esforço repetitivo e seu leitor a um pensamento único. Sobretudo a certo humor que pressupõe o uso de caricaturas – “humor esquemático”, diz Laerte ao mexicano Juan Navarrete, ao comentar como sua geração se propôs a deixar uma estrutura humorística fechada em “tipos” em prol de um humor que faça pensar1.
Laerte talvez seja um de nossos autores mais conscientes desses mecanismos de poder que nos obrigam a contar sempre as mesmas histórias – preceitos de uma ideologia que se finge inexistente, como reflete uma lagartixa de uma série de tiras suas. Essa consciência – política – sempre guiou o seu trabalho, que ela usa “para investigar o mundo”2. Por meio do jogo com as fôrmas, as formas, a narrativa,
1 Navarrete pesquisa o humor gráfico do final do século passado no Brasil, na Argentina e no México.
2 Cf. Lívia Brandão em O Globo on-line de 12 de novembro de 2010: “Rio Comicon: Laerte, Angeli, Ota e os Quadrinhos Autobiográficos”.
POR MARIA CLARA CARNEIRO
o desenho, as palavras, coloca-se em xeque a ordem das coisas, a aparente naturalidade das coisas.
Encontrei Laerte ao vivo e em cor-de-rosa a primeira vez no lançamento do último livro da saga completa dos Piratas do Tietê – em três volumes: roxo, marrom e verde –, no final dos anos 2000. Rosa era seu tênis: daí fiquei com mania de olhar para os seus pés pelo puro prazer estético, para citar o seu Capitão.
Já nesse período, os piratas haviam desaparecido – o espaço das tiras continuava com o mesmo nome, mas sem lobos (ou lobisomens) do mar. O sumiço deixou seus leitores saudosos, não apenas dos piratas, mas do Overman, dos gatos, do Fagundes, dos moradores do condomínio. Todos substituídos por desenhos de santinhos, janelas, poemas, ninhos de mafagafos, e só sobrava o Hugo, de minissaia.
Doutoranda em teoria literária, com pesquisa sobre metalinguagem em histórias em quadrinhos. Faz parte do grupo Grena (Groupe de Recherche sur le Neuvième Art), da Sorbonne.
Diz-se que o insólito tinha mandado embora toda a lógica de Laerte, de uns anos para cá. Eu até a ouvi dizer poema em vez de discurso, em uma premiação em que ela usava meias de bolinhas amarelas.
Mas o insólito é que sempre esteve em sua obra. Um de seus primeiros personagens era um Leão semi-humano, nascido da vontade dessa mescla entre o cotidiano e o fantástico.
Seu estilo é de linhas firmes, bem definidas e contínuas. Linhas mais finas vão detalhar cenários, com a opção pela simplicidade e pela clareza. Das referências, o Popeye, de Segar; o Ken Parker, de Milazzo e Berardi; e os trabalhos de Quino, Watterson, Crumb, Tardi, Altan, Ziraldo (e por que não o pré-surrealismo de McCay, o experimentalismo de Doré). Da primeira geração em frente à TV, narrativas e imaginários televisivos são parte essencial de sua obra. Essas duas mídias bem populares, Laerte as costura com entrelinhas.
Talvez os anos 1970 representem a era dourada do quadrinho nacional. Chegam à vida adulta os que liam gibi na infância e HQ na adolescência. Tempo de O Pasquim, Balão, OBORÉ e o quadrinho-arma. Talvez os anos 1980 sejam a era mais antropofágica, com Los 3 Amigos & cia. reinventando tudo em um sonho coletivo de um humor anárquico. É quando muitos de seus principais personagens surgem. Hoje, em tempos pós-modernos, seus novos personagens e temas ainda dialogam com esse passado. A vizinhança, como
a de O Condomínio, reaparece num thriller em preto e branco, Vizinhos. Se antes os Palhaços Mudos tinham o humor silencioso como arma, Lola, a andorinha, cantarola nonsenses.
No lançamento de Muchacha, perguntei a Laerte sobre tabu no humor brasileiro; diziam não haver aqui censura equivalente a de desenhar mamilos ali ou o profeta Alá. Laerte – de meia-calça fumê – respondeu que nosso problema não seria a interdição, mas a obrigação dos dizeres que reforça uma cultura que insulta os mais fracos para dar mais força aos mais fortes e tenta fechar pessoas em ideias pré-emolduradas.
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