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[I PORTO FPCE FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CI~NCIAS DA EDUCA
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RESUMO
Partimos do desejo de uma maior humanizao das relaes humanas em
todos os contextos de vida e de Educao e particularmente nas
escolas. No quadro disciplinar das Cincias da Educao, potenciamos o
pensar e o interrogar o campo educativo, atravessado por discursos
hbridos e paradoxais, com o intuito de restituir educao uma
cientificidade em torno de racionalidades emocionais,
comunicacionais, crticas e emancipatrias.
Com o estudo dos discursos de autonomia, que nos levou a
(D)enunciar a autonomia escolar, perseguimos o objectivo principal
de compreender a gnese, a implementao e o desenvolvimento da
autonomia, no microcosmos escolar, decorrente da aplicao do modelo
de autonomia na escola pblica (o Decreto-lei n 115-A/98). Este
trabalho, construdo em torno da anlise crtica e compreensiva da
gnese da autonomia escolar enquanto modo de governao da escola
portuguesa, e especificamente da escola secundria portuguesa,
aborda, fundamentalmente, as concepes e as representaes da
autonomia e as tenses, conflitos, paradoxos gerados no universo
escolar, que (d)enunciam as possibilidades e as exigncias para uma
agncia humana capaz e mobilizada em ambiente poltico adequado.
Parte-se das premissas de que a autonomia moderna, de que as
pessoas tm sobre o conceito um entendimento sujeito sua prpria
experincia subjectiva de seres autnomos e que o desenvolvimento da
autonomia escolar se processa numa modernidade tardia e crsica, o
que nos leva a defender a simultnea gnese e crise da autonomia
escolar e a definir um lugar central para uma agncia humana no
desenvolvimento da autonomia.
Do ponto de vista terico, e numa perspectiva interaccionista,
trata-se, a propsito da autonomia, de dar conta de uma
fenomenologia da mudana. A partir da anlise e do enquadramento da
escola enquanto organizao complexa e especfica e enquanto espao
relacional e afectivo por excelncia, pretende-se discutir a
organizao educativa, convocando os contributos das teorias
organizacionais e comunicacionais e perspectivando as questes da
autonomia atravs do desenvolvimento de vises que potenciem a
comunicao e o esprito crtico e tico dos actores educativos, em
direco a
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um srio compromisso da escola com a formao das pessoas e a
democratizao da democracia, numa acepo de organizao comunicativa
autnoma.
Na prtica, tratou-se de observar e analisar as ambiguidades
presentes nas interaces humanas complexas aquando da implementao, a
partir de 1998, do governo autnomo da escola. Ao admitirmos no
estudo da gnese uma autonomia crsica, anunciamos a autonomia como
uma soluo exigente de possibilidades caleidoscpicas que revelam
diferentes recombinaes de aces dos sujeitos (actores escolares) e
entendimentos polticos de pendores reguladores e emancipadores.
Para a agncia humana identificamos um conjunto de exigncias e uma
recombinao de aces responsabilidade, vontade, conhecimento
informado e liberdade desenvolvidas em interaces: comunicativa
(Habermas), dialgica (Freire), sensata (Hameline) e crtica ou
transformadora (Giroux). Deste olhar, resultou a defesa de uma
autonomia sensata que reivindica uma tica do afecto e da relao
estruturada na livre subjectivao e no respeito solidrio pela pessoa
humana.
Nesta perspectiva de recomposio paradigmtica ou reconciliao
social, sabemos ser necessrio, para aqueles que aceitam o governo
da escola, uma liderana corajosa e cvica, capaz de envolver e
mobilizar os diversos actores escolares, para que o aprofundamento
da autonomia escolar, ao servio da comunidade educativa, seja
possvel e desejvel.
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RSUM
Nous souhaitons une plus grande humanisation des relations
humaines dans tous les contextes, de vie et dducation, mais en
particulier lcole.
Au niveau des Sciences de lducation, on donne plus dimportance
la pense, linterrogation et lapprentissage transperc de discours
hybrides et paradoxales, avec le but de restituer lducation un
scientisme autour de rationalits motionnelles, communicatives,
critiques et mancipatrices.
partir des recherches sur les discours au niveau de lautonomie,
qui nous ont men (D)noncer lautonomie scolaire, nous avons
poursuivi le principal objectif de comprendre la gense,
limplantation et le dveloppement de lautonomie, dans le micro
cosmos scolaire, advenant de lapplication du modle dautonomie lcole
publique (Dcret-loi n 115-A/98). Le prsent travail est une analyse
critique et comprhensive de la gense de lautonomie scolaire, en ce
qui concerne le gouvernement de lcole portugaise, particulirement
du lyce portugais. Le travail aborde fondamentalement, les
conceptions et les reprsentations de lautonomie, mais aussi, les
tensions, les conflits et les paradoxes engendrs au sein de
lunivers scolaire, qui (d)noncent les possibilits et les exigences
pour construire une agence humaine adroite et mobilise dans un
environnement politique adapt. On suppose que lautonomie est
moderne, et que les individus comprennent ce concept travers leur
propre exprience mais aussi, part la modernit tardive et critique,
selon laquelle, lautonomie se dploie lcole. Cette supposition nous
mne dfendre la simultane gense et crise de lautonomie scolaire et
dfinir un point central, pour le dveloppement de lautonomie.
Du point de vue thorique, et partir dune perspective inter
actionnaire, il sagit, propos de lautonomie, dun phnomne en
changement. partir de lanalyse et de lencadrement de lcole, comme
une organisation complexe et spcifique, mais aussi, comme un espace
relationnel et affectif, part excellence, nous prtendons discuter
lorganisation ducative, en appelant aux contributions des thories
organisationnelles et communicationnelles, en tenant compte les
questions de lautonomie, travers le dveloppement des visions qui
dploient la communication et lesprit critique et ethnique des
ducateurs
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(acteurs ducatifs). Il sagit donc, dun srieux compromis de lcole
envers la formation des individus et la dmocratisation de la
dmocratie, en tant quune organisation communicative autonome.
Ce travail sagit dobserver et danalyser les ambiguts qui
existent au sein des interactions humaines complexes, durant
limplantation, aprs 1998, du gouvernement autonome de lcole. Quand
nous avons tudi la gense de lautonomie, nous lavons proclame comme
une solution exigeante de possibilits kalidoscopiques qui rvlent
plusieurs engagements entre les ducateurs et les entendements
politiques du genre rgulateur et mancipateur. Pour lagence humaine,
il sagit didentifier en ensemble dexigences et dengagements au
niveau de la responsabilit, de la volont, du savoir et de la
libert. Ces engagements devraient se dvelopper selon des actions
rciproques: communicative (Habermas), dialogistique (Giroux).
Nous dfendons, donc, une autonomie sense, qui vise une thique
daffection et de libre relationnement, fonde sur la subjectivit et
le respect solidaire entre les tres humains.
Selon cette perspective de recomposition paradigmatique ou
rconciliation sociale, nous savons quil est extrmement urgent, que
ceux qui acceptent le gouvernement de lcole, occupent une position
plus courageuse et civique, tant capables de sengager et de
mobiliser les ducateurs, pour que lautonomie scolaire soit possible
et dsirable.
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ABSTRACT
It is our wish to humanize the relationship among people in
every context of life and Education, and particularly in
school.
In the Science of Education, major importance is given to the
thinking and questioning and the learning, supported by hybrid and
paradoxical speeches, in order to bring back to education a
scientific, critical and emancipated method of emotional
rationalism and communication. By studying what has been said about
autonomy, it took us to think about the school autonomy. We want
mainly to understand the genesis, the fulfilment and the
development of autonomy in schools, brought forth by the
implementation of the model of autonomy in public schools
(Decree-law n 115-A/98). The present study is about the critical
and understanding analysis of the genesis of school autonomy how it
is used as a way of working in Portuguese schools, especially in
secondary schools. Mainly, the research approaches the concept and
the presentation of autonomy versus tension, conflict and paradox
happening in the school universe, thus enunciating the possibility
of a human agency in a suitable political environment. It is
supposed that autonomy is modern, that people understand the
concept through their own personal experience and also that school
autonomy is being carried out in a late and critical modernism.
That supposition takes us to sustain the simultaneous genesis and
crisis of the school autonomy and also to point out a central place
of a human agency for the development of autonomy.
From a theoretical point of view, and from an interaction
perspective, it is, concerning autonomy, a change phenomenon.
Subjecting to analysis the organization of a school which is
complex and specific as well as a place of relationship and
affection, we aim to discuss the educational organization, calling
to the analysis for help in organization and communication
theories. We intend to preview the autonomic issues through a
development of vision in order to strengthen the communication,
critical and ethical mind of educators, moving to a serious
compromise of the school towards the students to create a
democratic autonomous organization.
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Our research was also to observe and analyse the ambiguities
which exist in human interaction which were difficult at the time
the school direction was implemented, from 1998 onward. When we
studied the genesis and accepted autonomy as a crisis, we
identified the autonomy as a demanding solution with many
possibilities, with plenty of compromises among educators and
politic understandings towards regulation and emancipation. To the
human agency we make a series of simultaneous demands and work such
as responsibility, will, knowledge and freedom. These demands
should be carried out inter-acting: should be communicative
(Habermas), dialogistical (Freire), wise (Hameline) and critical or
changeable (Giroux). So, we advise a wise autonomy with an ethic of
affection combined with free relationships based on subjectivity
and respect for human beings.
Under this perspective of paradigmatic organization or social
reconciliation, those who accept the leadership of school need to
undertake it with civic courage and be able to mobilise and engage
the different persons to turn the school autonomy into a possible
and desirable solution.
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AGRADECIMENTOS
Aos meus professores, por terem instigado e incentivado a minha
curiosidade cientfica e capacidade de aprender de forma crtica e,
hoje, na sua maioria, meus colegas do grupo de Cincias da Educao
(FPCE-UP), a todas/os sou grata pela oportunidade estimulante de
investigao e de trabalho conjunto.
Em particular, e em especial, ao Agostinho, eterno professor,
sbio, exigente e humano, que me inspira e me faz falta e que guardo
amorosamente.
Aos estudantes, aos (meus) jovens-alunas/os, sempre nicos e
especiais, presenas de esperana na minha vida, a quem ofereo a
minha rebeldia inquieta e com quem gosto de partilhar (provocar) e
aprender os mais diversos saberes, com rigor, mas tambm com afecto,
prazer e alegria. A todas e todos e a cada um em especial, uma
sentida gratido pela oportunidade de com eles continuar a desejar a
humanizao das relaes e, em especial, para a escola.
Ao Rui, Amlia, Ftima, Carlinda e Preciosa, agradeo-lhes e
expresso ternamente o meu reconhecimento pela capacidade com que
generosamente acolheram trabalho acrescido, para que eu terminasse
esta tarefa.
Quero ainda destacar o meu agradecimento e reconhecimento aos
meus orientadores, pelo rigor cientfico, pela inquietude e
desassossego que me provocaram, mas tambm pela serenidade com que
sempre me acolheram.
Ao professor Estvo, pelas crticas, pelo rigor e exigncia que
sempre me colocou no desenvolvimento do trabalho, mas tambm pela
compreenso e ateno dispensada.
Amlia, professora Amlia, orientadora sria, exigente e sensata,
cuja sensibilidade e humanidade sempre me tocaram, agradeo
especialmente
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10
a amizade cmplice e secreta, vivida na esperana e na confiana
que depositou em mim, apesar dos momentos pessoais, difceis, de
crise e adversidade com que me debato e que atravessaram toda esta
tese.
escola estudada, nas pessoas dos docentes dos rgos de direco e
de gesto pela sua disponibilidade e pacincia, e ainda pela coragem
e notvel abertura para colaborarem comigo num momento de frgil
arranque, bem como a todos os docentes, no docentes e discentes
pela sua contribuio e participao no nosso estudo.
Maria Jos S pela sua capacidade invulgar de trabalho e
profissionalismo, que sempre ps ao meu dispor, pela preciosa ajuda
ao nvel informtico, mas especialmente pela simples conivncia
amiga.
Um intenso obrigado a todas as Pessoas com quem conVivi nos
ltimos anos, s amigas e aos amigos, que me permitiram aprender a
Ser mais e a no querer ter nada sob controlo, e me ajudaram a
aceitar o medo de estar a perder metodicamente e a assumir o risco
louco de crescer para dentro.
Ao meu acampamento de abrigo, esse grupo alargado e generoso de
jovens e de pessoas carinhosas, que se mantiveram presentes e
confiantes na concluso deste trabalho.
s (minhas) trs Marias, mulheres, amigas, livres, inteligentes,
emancipadas e crticas, com quem pude sempre contar,
incondicionalmente, para discutir o trabalho, rir ou chorar, e s
quais agradeo o jeito, as cumplicidades e as intimidades do
quotidiano das mulheres.
Por ltimo, e em especial, s urgncias, vividas com sentido e
significado profundo com o Duarte, e, num reconhecido sentimento de
afecto e de amizade, de intersubjectividades, tambm com o Teixeira,
o Artur, o Pedro e o Camilo, com todos, numa genuinidade do riso e
numa cumplicidade do mundo da vida e das pessoas bonitas (que
sentem as emoes, o pulsar da
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11
vida, a inquietude, e que no me deixaram esquecer, nem perder,
essas sensibilidades).
Angelina, a minha abelha-mestra, cujo entendimento dispensa
palavras e vive de favos de mel de intimidade, de segredo e de
ternura afectiva.
minha famlia, pelo amor firme recproco e pela inspirao aos meus
pais, aos meus filhos, aos meus sobrinhos, a quem dedico este
trabalho, e ainda, de uma forma muito especial e particular, ao meu
irmo e cunhada, companheiros de vrias duras e longas travessias,
por razes e emoes (e)ternamente agradecida a todos eles, que nestes
tempos difceis tiveram sempre uma presena amorosa e sincera,
solidria e poderosa com contributos generosos para o
desenvolvimento da minha pessoa.
Finalmente (e porque sero sempre os primeiros), aos meus filhos,
Nuno e Gonalo, por no pararem de crescer e de me surpreender,
aguentamo-nos s horas tristes e de (im)pacincia e conseguimos
juntos, viver de modo inteiro e crescer em Amor sem fim.
A todas e a todos, de corao aberto, o meu sentido e emocionado
obrigado.
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13
memria de minhas Avs
Rosa, Florinda e Ana
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15
Aqui detesta-se a simetria. Aqui ama-se a harmonia suspensa por
um fio que se pode, que ameaa, a qualquer instante romper. Tudo
aqui se encontra em equilbrio instvel. A simetria uma forma pobre
de harmonia. A assimetria em equilbrio instvel uma forma superior
de harmonia. [] O simtrico est parado, no se move. O assimtrico est
em movimento, vai a correr e, se parar, cai.
(Paixo, 2004: 101)
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17
LISTA DE ABREVIATURAS
3/SEC 3 Ciclo do Ensino Bsico e Ensino Secundrio
AC Administrao Central
ACCE Actividades Cientficas, Culturais e Econmicas
AE Assembleia de Escola
AMB Antnio Manuel Baptista
AP Associao de Pais
APCC-UP Provas de Aptido Pedaggica e Capacidade Cientfica na
Universidade do Porto
BSS Boaventura de Sousa Santos
CAA Conselho de Acompanhamento e Avaliao
CAE Centro da rea Educativa CD Conselho Directivo
CD Compact Disk
CDT Coordenadora dos Directores de Turma
CE Conselho Executivo
CP Conselho Pedaggico
CPA Chefe do Pessoal Auxiliar
CRH Comunicao e Relao Humana
CRSE Comisso de Reforma do Sistema Educativo
CSA Chefe dos Servios Administrativos
DE Direco Executiva
DREN Direco Regional de Educao do Norte
DT Director de Turma
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18
EB 2/3 Ensino Bsico 2 e 3 Ciclo
EF Elisabete Ferreira (Investigadora) FPCE-UP Faculdade de
Psicologia e de Cincias da Educao
Universidade do Porto
GAL Grupo de Alunos
IGE Inspeco Geral do Ensino
IS Interaccionismo Simblico
LBSE Lei de Bases do Sistema Educativo
LP (Escola Secundria) Lurdes Pintassilgo MCE1 Membro do Conselho
Executivo
MCE2 Membro do Conselho Executivo
PAE Presidente da Assembleia de Escola
PAP Presidente da Associao de Pais
PCE Presidente do Conselho Executivo
PCP Presidente do Conselho Pedaggico
PE Projecto Educativo RI Regulamento Interno
SE Sistema Educativo
UM Universidade do Minho
UR Unidade de Registo
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19
NDICE GERAL
Resumos
............................................................................................................
3 Agradecimentos
.................................................................................................
9 Lista de
Abreviaturas........................................................................................
17 ndice Geral
......................................................................................................
19 ndice de Quadros
............................................................................................
25 ndice de
Figuras..............................................................................................
27 ndice de Grficos
............................................................................................
28 Lista de Apndices
...........................................................................................
29 Lista de
Anexos................................................................................................
30
Introduo
Geral...............................................................................................
33
I PARTE O PRETEXTO
Captulo I MODERNIDADE E AUTONOMIA(S)
Introduo
........................................................................................................
51
1. Processos de
Modernidade..........................................................................
51 1.1. A Modernidade no Domnio da Histria, da Filosofia, da
Cincia, da Teoria das Organizaes e da
Educao........................... 53 1.2. A Metanarrativa da
Modernidade.........................................................
82
2. Autonomias e Momentos da Modernidade: a Andarilhagem do bvio
...... 88 2.1. A(s) Autonomia(s)
................................................................................
90 2.2. Momentos da Modernidade: a Ideia da Mudana, o Encanto
do Consumo e o Desejo da
Utopia........................................................
96
-
20
Captulo II AUTONOMIA, REGULAO E EMANCIPAO EM EDUCAO
Introduo
......................................................................................................
111
1. Os Princpios de (Des)Regulao, de Emancipao e Autonomia em
Educao e na Escola
..............................................................................
111
2. Entre a Autonomia, a Regulao e a Emancipao: Tenses e
Paradoxos.................................................................................................
128 2.1. A Autonomia e a Heteronomia
........................................................... 131
2.2. A Autonomia entre a Auto e a Hetero Regulao
.............................. 132 2.3. A Autonomia e a
Emancipao..........................................................
134
3. Gafes e Contragafes no Conceito de
Autonomia..................................... 136 3.1. A Autonomia
Requentada
..................................................................
141 3.2. A Quase Autonomia
...........................................................................
142 3.3. A Autonomia Redonda
.......................................................................
143 3.4. A Autonomia Crsica
..........................................................................
144 3.5. A Autonomia Sensata
........................................................................
145
4. Entre a Autonomia, a Regulao e a Emancipao: um Dilogo
Conceptual................................................................................................
151
II PARTE O TEXTO
Captulo III A ESCOLA COMO ORGANIZAO E OS PROCESSOS DE COMUNICAO
E DE AUTONOMIA
Introduo
......................................................................................................
161
-
21
1. Administrao Educacional e Perspectivas Organizacionais
..................... 161 1.1. Administrao
Educacional................................................................
162 1.2. Perspectivas
Organizacionais............................................................
166 1.3. Anlise da Escola Pblica como
Organizao................................... 173
1.3.1. Modelos Organizacionais de Escola
....................................... 178
2. Processos Comunicacionais nas Organizaes e Representaes de
Autonomia.................................................................................................
193 2.1. Abordagens Relacionais e Comunicacionais
..................................... 199
2.1.1. Condenao
Comunicao.................................................. 204
2.1.2. Teorias da Comunicao
........................................................ 207 2.1.3.
Percepo Social e Representaes de Autonomia na
Escola
....................................................................................
211 2.2. A Escola como Organizao Comunicativa
..................................... 220
3. A Agncia Humana e a Autonomia: o Agir Organizacional e
Comunicacional
........................................................................................
229
Captulo IV POLTICAS EDUCATIVAS E AUTONOMIAS
Introduo
......................................................................................................
239
1. Das Polticas das Dcadas de 80 e 90 s Polticas
Actuais....................... 239 1.1. As Polticas Hbridas
..........................................................................
248 1.2. A Governao das
Escolas................................................................
254 1.3. Autonomia Decretada Decreto-lei n 115-A/98
............................... 260
2. As Autonomias, Tendncias e (Re)politizao da Escola: o
Peripatetismo
............................................................................................
272 2.1. A Autonomia e os Poderes Reguladores
........................................... 277 2.2. A Autonomia e
os Poderes Desreguladores ......................................
278
-
22
2.3. A Autonomia e os Poderes
Emancipadores....................................... 279
III PARTE O CONTEXTO
Captulo V O ESTUDO DA GNESE DA AUTONOMIA NUMA ESCOLA
SECUNDRIA
Introduo
......................................................................................................
287
1. Organizao e Percurso da
Investigao...................................................
288
2. Fundamentao Epistemolgica e Metodolgica
....................................... 291
3. Recolha de Dados e Procedimentos de Anlise
........................................ 296 3.1.
Observao........................................................................................
297 3.2. Recolha
Documental..........................................................................
298 3.3. Inquritos por
Questionrio................................................................
301 3.4. Entrevista
...........................................................................................
304
4. Anlise e Interpretao de Dados
.............................................................. 309
4.1. Contexto: Por uma Escola Medida do Nosso Querer
................... 310
4.1.1. Perspectiva Histrica
.................................................................
310 4.1.2. Equipa
.......................................................................................
313 4.1.3. Organizao Minuciosa
............................................................. 317
4.1.4. Tradio de Dinmica da Escola
............................................... 327 4.1.5. Por uma
Escola Medida do Nosso Querer: Sinopse ............ 330
4.2. Representaes dos Professores e dos Alunos sobre a Autonomia
Escolar A Hipocrisia Organizada..................................
331 4.2.1. Representaes dos Professores: A Burocratizao da
Mente
.........................................................................................
332 4.2.1.1. Autonomia
......................................................................
332
-
23
4.2.1.2. Ocupaes da Direco Executiva
................................. 336 4.2.1.3. Caractersticas da
Assembleia de Escola....................... 340
4.2.2. Representaes dos Alunos: A Hipocrisia Reina nas Escolas
....................................................................................
344
4.2.2.1. Autonomia
......................................................................
345 4.2.2.2. Ser Aluno num Contexto Autnomo
............................. 348
4.2.3. Representaes dos Professores e dos Alunos sobre a
Autonomia Escolar A Hipocrisia Organizada: Sinopse...........
352
4.3. Escola com Projecto Educativo: Apostar na Qualidade do
Ensino 356 4.3.1. A Escola j tinha Projecto
....................................................... 357 4.3.2.
Alunizao...............................................................................
365 4.3.3. Comunicao na Escola
............................................................ 366
4.3.4. Discurso Emancipatrio
.......................................................... 369
4.3.5. Escola com Projecto Educativo: Apostar na Qualidade do
Ensino:
Sinopse.......................................................................
372 4.4. O Direito e o Dever numa Autonomia Redonda
............................... 373
4.4.1. Processo de Implementao Legal: o Direito
............................ 374 4.4.2. Esperana de Mudana: o Dever
.............................................. 380 4.4.3. O Direito
e o Dever numa Autonomia Redonda: Sinopse.......... 384
4.5. A Centralidade de uma Agncia Humana nas Autonomias da
Escola a Lenda da Esttua com Ps de
Barro............................... 387
4.5.1. Os Professores
..........................................................................
388 4.5.2. Os Alunos
..................................................................................
397 4.5.3. Os Pais e Encarregados de Educao
...................................... 405 4.5.4. Outros Membros da
Comunidade.............................................. 410 4.5.5.
A Centralidade de uma Agncia Humana nas Autonomias
da Escola a Lenda da Esttua com Ps de Barro:
Sinopse........................................................................................
415
5. Sntese Interpretativa
.................................................................................
420 5.1. Da Autonomia Crisca (s) Autonomia(s) Sensata(s)
....................... 421
Consideraes Finais: Dilogos sobre Autonomias
....................................... 439
-
24
Referncias
Bibliogrficas..............................................................................
455
Pesquisa e Consulta Bibliogrfica
..................................................................
481
Apndices
Anexos
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25
NDICE DE QUADROS
Captulo I Quadro I.1. Autonomias: dimenses e princpios
............................................. 95
Captulo III Quadro III.1. Modelos organizacionais versus teorias
comunicacionais ........ 199 Quadro III.2. Representao social: a
autonomia na escola .......................... 219
Captulo IV Quadro IV.1. A administrao educacional em Portugal
(1980-2000)............ 242
Captulo V Quadro V.1. Entrevistados, local de realizao e da
durao das
entrevistas
................................................................................
307 Quadro V.2. Categorias de anlise das entrevistas
....................................... 309 Quadro V.3. Apresentao
da evoluo do nmero de turmas de 87/88
a
99/00......................................................................................
313 Quadro V.4. Apresentao da populao escolar nos ltimos anos
.............. 321 Quadro V.5. Apresentao da evoluo do nmero de
turmas de 96/97
a
02/03......................................................................................
322 Quadro V.6. Caracterizao da escola LP, no ano lectivo 99/00,
quanto
ao nmero de professores, funcionrios e alunos e distribuio das
turmas pelos nveis de ensino......................... 322
Quadro V.7. Sentido das concordncias face s afirmaes de acordo
com os professores respondentes
............................................ 334
Quadro V.8. Demonstra as principais ocupaes da DE tendo em conta
a maior votao dos professores respondentes
............................. 338
Quadro V.9. Caractersticas mais valorizadas para os elementos
que compem a AE aps somatrio dos resultados dos itens Relativamente
importante e Importante.......................................
342
Quadro V.10. Representaes sobre a autonomia (1)
................................... 347 Quadro V.11. Representaes
sobre a autonomia (2) ................................... 348
-
26
Quadro V.12. Representaes sobre ser aluno num contexto de
autonomia
.................................................................................
348
Quadro V.13. Quadro resumo das possibilidades de autonomias na
escola
.......................................................................................
427
-
27
NDICE DE FIGURAS
Captulo V Figura V.1. Estrutura orgnica da Escola
LP.................................................. 318 Figura
V.2. Construo dinmica das autonomias
escolares......................... 429
-
28
NDICE DE GRFICOS
Captulo V Grfico V.1. Apresentao da distribuio das principais
ocupaes da
DE aps somatrio dos resultados dos itens Importante e Muito
Importante
.......................................................................
337
Grfico V.2. Apresentao da distribuio das caractersticas mais
valorizadas pelos elementos da AE aps somatrio dos resultados dos
itens Importante e Muito Importante ................. 341
Grfico V.3. Distribuio das respostas dos alunos quanto ao
conhecimento sobre os rgos que governam a escola........... 345
Grfico V.4. Distribuio das respostas dos alunos quando
inquiridos sobre o conhecimento da autonomia
........................................ 346
-
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LISTA DE APNDICES
Apndice I. Esquema: Momentos da Investigao
Apndice II. Resumos das Actas das Reunies do Conselho Executivo,
Conselho Pedaggico e Assembleia de Escola
Apndice III. Inqurito aos Professores
Apndice IV. Inqurito aos Alunos
Apndice V. Anlise de Contedo das Entrevistas
Apndice VI. Transcrio da Entrevista ao PAE
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LISTA DE ANEXOS
Anexo I. Esquema Grfico da Escola LP
Anexo II. Estrutura Orgnica da Escola LP
Anexo III. Programa / Efemride dos 25 Anos da Escola LP
Anexo IV. Decreto-lei n 115-A/98 de 04 de Maio
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INTRODUO GERAL
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Introduo Geral
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Neste trabalho, assumimos uma constante curiosidade e atraco
pelos contextos de interaco, nomeadamente pela humanizao das relaes
humanas. A vontade de proceder a uma abordagem da educao nestes
moldes tambm devedora da preocupao de encontrar novos desafios e
ideias para a escola actual, em que no se descure um sentido crtico
interventivo e problematizador, capaz de promover na escola um
sentido dialgico, reflexivo e de bom senso; capaz de proporcionar
simultaneamente conhecimento rigoroso e bem-estar afectivo e
emocional.
Na alquimia da humanizao das relaes humanas seguimos os
pensamentos de Ribeiro (1992), quando nos afirma que as relaes
humanas so sistemas interaccionais em desenvolvimento dotados de
dinmicas internas e externas (isto , so sujeitas a influncias
prprias e dos contextos). E pensamos, de acordo com Lopes (1999),
que as concepes modernas tm privilegiado uma viso da pessoa
individualista e associal e que necessrio procurar desenvolver uma
outra viso mais social e solidria da pessoa.
Numa perspectiva global, este trabalho insere-se no quadro
disciplinar das Cincias da Educao e reala a possibilidade de pensar
o campo educativo atravessado por temas hbridos, questionando os
diferentes discursos e a cientificidade em educao.
Em nome da cincia e da capacidade de interrogar os discursos que
se produzem e que assumem a incerteza, a hibridez e a
conflitualidade contempornea, vale procurar a cincia tal qual se
pensa, se sente e se faz e analisar o processo de educao enquanto
projecto utpico, procurando deste modo, como sugere Correia (1998),
substanciar as ambiguidades constituintes das cincias da educao no
como perturbaes ou dfices epistemolgicos que as afasta de um ideal
de cientificidade, mas considerando-as como riscos inerentes ao
exerccio de uma actividade crtica e susceptveis de se tornarem numa
vantagem acrescida (1998: 189). Nesta ptica, o mesmo autor
caracteriza as Cincias da Educao como um espao de convergncia de
uma pluralidade de matrizes disciplinares e, portanto, um espao
potencialmente propenso interdisciplinaridade (ibidem: 19), cujo
objecto
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(D)Enunciar a Autonomia
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emprico se traduz num espao social apelante para a articulao
metdica do individual com o social (ibidem). Contudo, como tambm
nos evidencia Correia (ibidem), estes propsitos foram
instrumentalizados, acabando por fragilizar uma certa promessa das
Cincias da Educao de reconstruo do campo educativo em torno de
racionalidades comunicacionais, crticas e emancipatrias.
A possibilidade de (re)inventarmos a emancipao social enunciada
a partir da prpria modernidade. O cenrio da modernidade tardia
(Giddens, 1994a) envolve um quadro compsito de dimenses complexas e
de tenses que exigem o abandono da crena no desenvolvimento
harmonioso e dinmico do projecto da modernidade. As preocupaes em
torno do desenvolvimento equilibrado, ou mesmo dos (des)equlibrios
ou das rupturas, passam-se a acentuar e a intensificar o
desenvolvimento, diferenciado das esferas sociais e em simultneo,
dos princpios e racionalidades antes mais negligenciados, e agora
vistos como mais capazes para encetar novos modelos de
desenvolvimento. O desenvolvimento pretendido extremamente complexo
e sujeito a contradies, percursos irregulares e desequilibrados,
mas tambm capaz de infinitas possibilidades. Queremos com isto
dizer que uma das virtualidades do nosso tempo a possibilidade de
exigirmos e aceitarmos a presena simultnea de lgicas contraditrias,
valorizando ou identificando o que de mais positivo ou negativo
cada uma nos possa oferecer, ou seja, promovendo a simultaneidade
das lgicas at agora em oposio. Vivemos a hibridez dos tempos, a
incerteza e a crise, a influncia recproca da vida social e pessoal,
a subjectivao. um tempo desafiador, um tempo radical que exige uma
nova recombinao social.
Sousa Santos (2000) considera que as sociedades e as culturas
contemporneas esto em transio paradigmtica, isto , encontram-se em
trnsito do paradigma da modernidade, cuja falncia parece evidente,
e um outro paradigma emergente. Para o autor, esta transio tem uma
dimenso epistemolgica e outra dimenso social. A primeira refere-se
tenso entre o conhecimento regulao (o paradigma dominante da cincia
moderna) e o conhecimento emancipao (que caracteriza sucintamente
como um conhecimento prudente para uma vida decente). Na dimenso
societal, a
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Introduo Geral
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transio realiza-se no abandono da sociedade patriarcal de produo
e consumo capitalista e de uma democracia de desenvolvimento frgil
que pouco participada e reproduz desigualdades.
Correia (1998) reala a existncia de um consenso alargado sobre a
extenso da crise aos vrios nveis societais e, particularmente e de
modo profundo, ao nvel do mundo educativo. Contudo, alerta que esse
consenso deixa de ser unnime quando se estende a crise ao modo de
pensar cientificamente a educao. Acentuando a ideia de que a crise
da modernidade educativa resulta de uma crise das modernas
modalidades de se pensar e praticar a educao, partindo da crise,
prope uma digresso sustentada numa epistemologia da controvrsia e
da escuta.
Por seu lado, tambm Dubar (1997; 2006)1 comea por definir a
crise como fase difcil gerida por um grupo ou indivduos, constri a
sua argumentao centrando-se na relao entre a crise das relaes
sociais e as crises existenciais do sujeito e desenvolve uma viso
antropolgica, sustentando que este tipo de crise afecta, em
simultneo, os comportamentos econmicos, as relaes sociais e as
subjectividades individuais. No prefcio da obra, Correia (2006)
diz-nos que o autor, apoiado nas contradies e conflitos sociais da
modernidade nos seus vrios domnios (econmico, social e poltico),
analisa as relaes entre a crise da modernidade e a crise das
identidades.
Por sua vez, Lopes (1999) comea por constatar como as crises das
relaes sociais modernas so o ncleo estruturante para analisar as
crises de identidade, e para estudar e aprofundar as crises das
identidades docentes.
Com estes autores, fomos olhando e definindo os processos de
crise instalados nas sociedades modernas essencialmente nestas
ltimas duas dcadas. Referiremos os que foram mais estruturantes e
organizadores do nosso pensamento. Em geral, sobre a crise (e de
acordo com as leituras efectuadas), podemos afirmar e defender que
a modernidade nos seus vrios domnios produziu contradies
estruturais, incertezas e conflitos sociais, mas
1 Neste ltimo trabalho demonstra a propsito da construo das
identidades pessoais, sociais e profissionais a crise das
identidades que entende como devedora das alteraes das sociedades
nos diferentes campos: familiares, relaes de gnero, de trabalho,
profisses, religioso, poltico e institucional.
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(D)Enunciar a Autonomia
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tambm crises subjectivas e pessoais. Vivemos um tempo e um
contexto de crise da modernidade cujos mitos fundadores j no nos
satisfazem e em que no encontramos outros de substituio. Vivemos no
paradoxo, na hibridez e nas realizaes contraditrias, incertas e
flexveis. Esta dinmica da crise exacerba o carcter paradoxal da
conjuntura social e pessoal: acentua, por um lado, o fim das
metanarrativas e das certezas estruturantes e, por outro, abre um
conjunto de questionamentos e novas interpretaes heursticas. A
mesma dinmica tambm permite perceber o que se joga na crise e quais
os mecanismos para a superar, pois todas as crises transportam
possibilidades de superao (ainda que, por vezes, radicais).
Em geral, a comunidade das Cincias da Educao vem afirmando que a
crise da escola (a par de outras crises: a da modernidade, a das
metanarrativas, a das sociedades, a da educao, a dos professores, a
dos jovens) , antes de mais, a expresso de um desajustamento do seu
modelo organizacional (que secular) s caractersticas do momento da
modernidade em que nos encontramos. Baseando-nos na premissa de que
a escola e a autonomia so invenes modernas, consideramos que estes
desajustamentos se materializam em dois pontos fulcrais: os nossos
tempos exigem uma escola para e de todos que seja capaz de
respeitar, atender e ter sentido para cada um; a escola, em nome da
igualdade, da justia e da expanso, seleccionou, estratificou e
excluiu, e a emergncia da escola foi desenhada para ensinar a todos
como se fossem um s.
De facto, consideramos que, na crise da escola, se encontra
essencialmente um sentido pedaggico e organizacional, na medida em
que se mantm a forma escolar como um modo de organizao em que
imperam a ordem e a burocracia, o que contribui para que a escola
no satisfaa o mandato de democratizao de uma escola de massas. E
apesar de reconhecermos a existncia de alguns esforos e reformas
com intuitos generosos, o certo que se agravam as situaes de
conflito e injustia, quer para professores, quer para alunos.
A educao, e mais especificamente a escola, acompanham as mudanas
e as controvrsias do mundo social moderno. A escola enfrenta a
modernidade no seu espao institucional, ou seja, na sua dimenso
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Introduo Geral
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organizativa e na sua especificidade relacional, enquanto
contexto de pessoas professores, alunos, funcionrios, comunidade
que interagem individual e colectivamente e que espelham diferentes
dimenses e tempos da modernidade.
De certo modo, parte da crise da escola e do ensino reflecte a
natureza anacrnica da escola e o tipo de solues preconizadas;
segundo Hargreaves (1998: 27), As escolas e os professores ou se
agarram a solues burocrticas de tipo modernista (mais sistemas,
mais hierarquias, mais mudanas impostas, mais do mesmo), ou
retrocedem nostalgicamente em direco a mitos pr-modernos de
comunidade, de consenso e de colaborao [...]. As escolas espelham
esta co-presena de lgicas, aparentemente contraditrias e
ambivalentes, de registos pr-modernos, modernos e ps-modernos,
acentuando, medida que o tempo passa, este hiato entre o mundo da
escola e o que existe para alm dela [...] (ibidem).
Na narrativa da modernidade, a autonomia concebe-se subjacente a
ideais de liberdade, autoridade e respeito, e considera-se
intimamente ligada democracia, no sentido da proximidade dos
actores ao poder: no h autonomia da escola sem o reconhecimento da
autonomia dos indivduos que a compem. Ela portanto resultado da aco
concreta dos indivduos que a constituem, no uso das suas margens de
autonomia relativa (Barroso, 1997: 20).
Todavia, na anlise das organizaes modernas, a pertinncia e a
singularidade do discurso da autonomia atinge uma maior
centralidade, fazendo emergir os conceitos de liberdade,
independncia, subjectividade e potencial humano. O conceito, por
sua vez, tem um carcter, nas sociedades modernas, polissmico,
atravessado por uma simultaneidade de lgicas contraditrias, ambguas
e de difcil interpretao.
Este trabalho, (D)Enunciar a Autonomia, centra-se nos discursos
da autonomia e o seu principal objectivo estudar e perceber a gnese
da autonomia no microcosmos escolar; trata-se, concretamente, de
compreender o processo de gnese e de implementao do modelo de
autonomia na escola pblica decorrente da aplicao do Decreto-lei n
115-A/98, indagando sobre as possibilidades de uma agncia humana
capaz.
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(D)Enunciar a Autonomia
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No fim da dcada de 1990, instalou-se um discurso forte e
retrico, emanado pela administrao central, sobre a autonomia e a
governao da escola, que favoreceu um alargado debate na sociedade,
na escola e nos professores, quer atravs dos rgos de comunicao
social e dos sindicatos, quer da comunidade das Cincias da Educao,
dos investigadores e dos professores em geral.
Numa primeira fase, tentmos escutar as diversas ideias e
perspectivas e vises e preocupaes paradoxais. Percebemos que,
apesar da novidade que a autonomia poderia representar para a
escola portuguesa de larga tradio centralista, as pessoas falavam
da autonomia com muita proximidade e conhecimento, ainda que sobre
ela apresentassem vises dspares e aplicaes contraditrias. Os
discursos pautavam-se por vrios exageros e alertas ambguos,
criando-se aos poucos um clima de progressiva instabilidade e
desconfiana. A autonomia surgia com um carcter simultaneamente
simples e complexo. Estas observaes levaram-nos a pensar que
existia nas pessoas uma representao sobre a autonomia sujeita sua
prpria experincia de desenvolvimento humano e, portanto, pessoal e
subjectiva, representao essa que, aplicada escola, se traduziria
num desenvolvimento crsico da autonomia. Deste ponto de vista
tnhamos na prpria gnese da autonomia a sua crise. Esta passou a ser
a nossa primeira base de indagao: a gnese e a crise da autonomia
sero simultneas?
A autonomia era representada de acordo com um certo conhecimento
pessoal, representao aplicada realidade social e escolar. Estas
intimidade e familiaridade geravam ento retricas em que se perdiam
oportunidades de questionamento, e ao mesmo tempo, e
paradoxalmente, acentuavam-se os sentimentos de incerteza e
descontrolo nos diversos contextos de aco.
A crise espreitava e fazia-nos tambm perguntar sobre as relaes
da autonomia com o projecto da modernidade em crise, levando-nos s
trs primeiras perguntas que nos conduziram na pesquisa: Ser a
autonomia moderna? Ser simultnea a gnese e a crise da autonomia? A
agncia humana assume um lugar central no desenvolvimento da
autonomia?
Enunciar o conceito de autonomia e compreend-lo permitiria
avanar com as indagaes. Comemos (como j o dissemos) por orientar o
nosso
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Introduo Geral
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estudo, perscrutando uma pliade de autores que referiam a crise
nos seus trabalhos. Estas primeiras ideias levaram-nos pelos
meandros da modernidade e pelas definies de crise aplicadas aos
mais diversos sectores.
O nosso propsito de partida foi ento, o de tentar compreender a
dimenso do compromisso na autonomia, entendendo a autonomia
enquanto processo, vivncia e poltica de vida. Nas palavras de
Freire, a autonomia amadurecimento do ser para si, processo, vir a
ser. No ocorre em data marcada. neste sentido que uma pedagogia da
autonomia tem de estar centrada em experincias estimuladas de
deciso e de responsabilidade, vale dizer, em experincias
respeitosas de liberdade. (Freire, 1997a: 121).
Por isso, ns no nos baseamos tanto num olhar administrativo,
financeiro ou cientfico sobre a autonomia, mas essencialmente nas
dinmicas pessoal e intersubjectiva para que aponta o conceito.
Consideramos, no entanto, e de acordo com Freire, que Ningum
autnomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai-se
constituindo na experincia de vrias inmeras decises, que vo sendo
tomadas (1997a: 120). A ideia de co-responsabilizao dos grupos
envolvidos tornou-se central ao aprofundamento do nosso trabalho.
Queramos salientar a presena, o agir dos actores, ou seja, a agncia
humana que, na sua busca inconclusiva e identitria, fosse capaz de
nos levar pelos meandros da autonomia. A agncia humana que (tambm)
salientada pelos professores, que frequentemente referem os
recursos humanos as pessoas na organizao escola como fundamentais
ao desenvolvimento de verdadeiras prticas de autonomia.
Com este estudo, pretendemos captar o processo de gnese e
construo social da autonomia na escola secundria, na tentativa de
desocultar a presena simultnea de lgicas emancipatrias e
regulatrias na forma como os actores (agentes) sociais percepcionam
e desenvolvem o projecto de autonomia e como desenham o contexto
autonmico e de identificar os princpios de aco, de agir individual
ou social que nele se fazem sentir.
Trs afirmaes assumiram o estatuto de hipteses:
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(D)Enunciar a Autonomia
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- No processo de implementao do projecto de autonomia em
Portugal, as lgicas emancipatria e regulatria coexistem, como duas
faces de uma mesma moeda;
- A gnese da autonomia encerra a sua prpria crise; - O processo
de construo social da autonomia desenvolve-se num
contexto de interdependncias e de aco colectiva organizada em
que a agncia humana assume um lugar central.
De um modo especfico pretendamos:
- Esclarecer e reflectir sobre o processo de implementao do
Decreto-lei n 115-A/98 no contexto poltico da educao escolar
portuguesa;
- Estudar e conhecer, por dentro, o processo de (gnese e)
construo da autonomia na escola secundria atravs de um estudo de
caso (tipo observacional e descritivo) de uma escola 3/SEC,
realizado a partir da observao do quotidiano escolar (durante o
primeiro trinio da implementao da autonomia) e, essencialmente, dos
momentos de deciso e de reunio dos rgos de direco e gesto da
escola: Conselho Executivo (CE), Conselho Pedaggico (CP) e
Assembleia de Escola (AE);
- Identificar e reconhecer as lgicas que so ou no reforadas no
processo de desenvolvimento e exerccio da autonomia das
escolas;
- Compreender o impacto do modelo de autonomia, a crise ou o
fracasso, a limitao ou o aprofundamento.
Ancorados num paradigma qualitativo e numa perspectiva
fenomenolgica, procuramos com o nosso estudo dar conta da
compreenso interpretativa que subjaz diversidade de interaces
humanas no contexto escolar que se assume a implementar a
autonomia. Convocmos por isso o interaccionismo simblico (IS),
cujos principais percursores foram Mead (1962) e Blumer (1982), que
focaliza a ideia de mediao da experincia humana atravs da
interpretao.
So trs as premissas do interaccionismo simblico: a primeira a de
que as pessoas orientam os seus actos de acordo com o significado
que lhes
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Introduo Geral
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atribuem; a segunda define a interaco social que cada um mantm
consigo e com o outro ou outros como determinante do significado
das coisas; a terceira expe que os significados mudam em funo do
processo interpretativo desenvolvido pela pessoa e pela sua
interaco com os outros e com as coisas.
O interaccionismo simblico assume radicalmente a interaco
humana, entendendo-a (como sociedade) como processo dinmico de
construo social, em que as pessoas em aco interagem de modos
imprevisveis e complexos, construindo e interpretando (percebendo)
os seus mundos de vida e a sociedade. A abordagem valoriza o agir,
o criar activamente da pessoa humana e os processos interaccionais
realizados num determinado contexto, razo pela qual nos pareceu
profundamente pertinente para os objectivos da nossa pesquisa.
Este trabalho est estruturado em trs partes, o Pretexto, o Texto
e o Contexto. A primeira, o Pretexto, pretende dar conta das
motivaes e das preocupaes iniciais que nos moveram para esta
problemtica e engloba os Captulos I e II da tese onde
conceptualizamos os meandros da modernidade e da autonomia (desde
quando, aonde e como), os princpios, a polissemia, a ambiguidade e
os entendimentos sobre os conceitos. A segunda, o Texto, diz
respeito essencialmente configurao de um quadro de referncia terico
capaz de articular, integrar ou combinar o Pretexto e o Contexto.
Trata-se da chegada a um olhar possvel e textualizado para a anlise
de uma realidade especfica da escola, que conta com os contributos
dos Captulos III e IV, em que contextualizamos a escola e a
autonomia nas perspectivas organizacionais e da aco comunicacional
e na poltica educativa. A ltima parte, o Contexto, constituda pelo
Captulo V, relativa ao trabalho emprico realizado numa escola
secundria e evidencia o processo de gnese e implementao das prticas
inspiradas pelo projecto de autonomia.
Se o pretexto e o texto enunciam olhares caleidoscpicos das
autonomias, o contexto denuncia a autonomia crsica e permite
encontrar um quadro poltico de anunciao de um novo agir autonmico
que referimos como autonomia sensata.
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(D)Enunciar a Autonomia
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No Captulo I, partimos do pressuposto de que a autonomia se
desenvolve a par dos ideais da modernidade, e portanto, como tal,
de que a autonomia moderna. Percorremos o processo de modernidade
nos pontos de vista histrico, filosfico, cientfico, organizacional
e da educao, dando conta da metanarrativa da modernidade. Definimos
a modernidade nos diversos domnios atravs de uma argumentao
dialgica e poltica. Evidenciamos a perda das metanarrativas,
assumindo a fragmentao e a pluralidade da modernidade. Consideramos
a modernidade tardia no s como um tempo de transio paradigmtica mas
tambm um tempo de recomposio ou recombinao paradigmtica. Quanto
autonomia, anuncimo-la nas dimenses epistemolgica, pessoal,
filosfica e social. Conclumos com um quadro sinptico das dimenses e
dos princpios de autonomia que sustentam e justificam o uso neste
trabalho do termo no plural: autonomias.
Articulamos, ainda, os momentos da modernidade e as autonomias,
reflectindo os ideais que lhes so subjacentes e identificando em
cada um a representao de autonomia.
No Captulo II, caracterizamos os princpios de autonomia, de
regulao e de emancipao em sentido geral, na Educao, e especialmente
na Escola. Damos conta das tenses paradoxais entre os conceitos e
apresentamos uma leitura complexa que valoriza a presena simultnea
de lgicas contraditrias, quer nos discursos, quer nas aces e
decises. Por sua vez, apresentamos e reflectimos sobre os princpios
de autonomia, de emancipao e de regulao para a escola, de acordo
com a proposta regulamentar de governao da escola.
Discutimos a autonomia em e por relao com estes conceitos e
acabamos propondo um dilogo conceptual entre a Autonomia, a Auto e
Hetero Regulao e a Emancipao. Por ltimo, analisamos as peripcias do
conceito de autonomia propondo e articulando novas definies e
perspectivas de autonomia: autonomia requentada, quase autonomia,
autonomia redonda, autonomia crsica e autonomia sensata.
No Captulo III, privilegiamos um olhar informado pelos
contributos da investigao na perspectiva das Teorias da Organizao e
da Comunicao. Sobre as primeiras, traamos o impacto dos estudos da
administrao
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Introduo Geral
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educacional e de uma sociologia e de uma psicologia social das
organizaes. Ser com o entendimento da escola enquanto organizao
social (educativa) complexa e multifacetada mas especfica que
estudaremos o processo de construo social do projecto de autonomia.
Tentamos realar a panplia possvel de abordagens escola no domnio
organizacional, reconhecendo que, consoante o enquadramento que
faamos, obteremos para a escola um determinado modelo compreensivo
(explicativo) e um tipo de metfora ou imagem diferente. Acentuamos,
fundamentalmente, os contributos e as principais dimenses dos
modelos: burocrtico, poltico, de ambiguidade e cultural.
Desenvolvemos uma mesoabordagem escola como contexto
organizacional, e de comunicao e interaco social. Definimos, ento,
a escola como a oficina do Homem a fazer-se (Grcio, 1995) e
analisamos a organizao escola no mbito sistmico e contextual da
comunicao e da interaco social. Nesse mbito, importam-nos as
pessoas e os seus processos comunicacionais e relacionais (quer
organizacionais, quer interpessoais).
Realamos, na escola, uma viso interaccional que se assume como
possibilidade de humanizao das relaes humanas. Valorizamos um
entendimento centrado nas aces dos indivduos, nos seus interesses,
nos seus pontos de vista, nas suas estratgias, num dado sistema
concreto de aco, com um sentido Freireano de praxis dialgica, de
conflito e negociao seguindo Crozier e Friedberg (1977) ou, ainda,
com Ribeiro (1991a, 1992), relacional e de poder social, onde se
aprofunda o estudo sobre a agncia humana.
Estudamos os paradoxos e a diversidade de lgicas de aco
presentes na escola, bem como as representaes sociais de autonomia,
e tratamos de (re)criar o autor em cooperao e solidrio numa escola
mais democratizadora (Touraine, 1998).
Neste mbito, evidenciamos a importncia, nas organizaes, das
dinmicas de interaco, dos (micro) poderes e das influncias, da
dependncia autonmica relativamente agncia humana, isto ,
realamos
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(D)Enunciar a Autonomia
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que, na escola, o recurso (agente) so as pessoas que diariamente
so e fazem a escola e constroem a autonomia.
No captulo IV, aps reconhecermos a importncia, em Portugal, dos
avanos democrticos (do final da dcada de 60 e a dcada de 70) que
originaram novas reformas na escola e na Educao, partimos da
conjuntura poltica da educao de implementao do modelo de gesto e
autonomia da escola pblica (Decreto-lei n 115-A/98 modelo de
governao da escola) e tratamos de analisar, definir e compreender
como se processa a emergncia do projecto de autonomia na escola (a
gnese). Por um lado, enquadramos o desenvolvimento da gesto
democrtica at ao regime de autonomia (analisando o prprio decreto e
comparando-o com outros documentos). Por outro lado, clarificamos a
polissemia do conceito de autonomia, identificando equvocos,
representaes ou possibilidades de mudana, (re)politizao e acentuao
de poderes (regulatrios ou emancipatrios) na escola na assuno do
desenvolvimento de uma prtica educativa autnoma concretizada por
sujeitos participativos (nas aces e nas decises individuais e
colectivas). Concentramo-nos nos poderes da autonomia (reguladores,
desreguladores e emancipadores) e nas lgicas presentes na escola.
Estudamos a dimenso poltico-administrativa da autonomia,
apresentando tendncias e possibilidades de (re)politizao da
escola.
No captulo V, atravs da oportunidade emprica, evidenciamos o
(D)Enunciar da autonomia (Enunciar/Denunciar/Anunciar).
Apresentamos o estudo emprico, situado no paradigma qualitativo e
concernente a um estudo de caso. Fundamos o percurso e as opes,
contextualizando e caracterizando a escola secundria e o discurso
directo dos que governam a escola, enfatizando o olhar dos
professores e as suas representaes sociais sobre a autonomia da
escola pblica. Procuramos dar escola e aos actores a centralidade
devida, apresentando os diferentes momentos da construo social da
autonomia. Paradoxalmente, apresentamos a autonomia a
(des)fazer-se, conta-se o fracasso, a alienao, a perda, assumindo o
processo crsico e o dever de autonomia que se instalou na escola
pblica como a implementao da autonomia crsica.
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Introduo Geral
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O entendimento que fazemos (e enunciamos) sobre a gnese do
processo de autonomia faz-nos equacionar dimenses paradoxais que
nos levam a (re)pensar a autonomia da escola pblica como a lenda da
esttua com ps de barro. A nossa ideia, na utilizao desta imagem,
prende-se com este estudo sobre a gnese da autonomia, em que
estudamos (observamos) a presena simultnea e contraditria de
diferentes lgicas no desenvolvimento do projecto, que geram, nos
sujeitos de aco, uma ambiguidade de significado de difcil
interpretao e de conotao problemtica. Da esse mito da oponncia
categrica de conceitos que dependem e/ou de que depende a realizao
de horizontes humanos.
Realamos a centralidade de uma agncia humana, para finalmente
apontarmos as foras que emanam do interior da escola e as exigncias
do conceito de autonomia que, na sua realizao, exige conhecimento,
liberdade, responsabilidade e vontade. Por ltimo, assumimos a
centralidade de uma pedagogia da autonomia crsica.
A construo desta pesquisa foi efectuada num constante vaivm
entre a teoria e a empiria e atravessada por um longo perodo de
estudo, de pesquisa e de reflexo. Para a execuo final deste
trabalho tivemos que proceder a um esforo de organizao que se
traduz na estruturao da problemtica em captulos. Assumimos, no
entanto, a sua instabilidade e a possibilidade de outras
combinatrias.
Nas consideraes finais (e dado que o nosso estudo relativo a um
tempo eleito de esperana), apresentamos uma viso caleidoscpica da
autonomia em que se salienta a retrica inoponente do conceito de
autonomia (demasiado forte e possvel) em contraste com o horizonte
das suas prticas (humanas) difceis, controversas, polticas,
imprecisas e tendencialmente frgeis , contraste que acentua a
autonomia crsica da escola pblica ou a autonomia da escola pblica
como a lenda da esttua com ps de barro (Ferreira, 2004).
Neste estudo, tentamos, sem dvida, aprofundar a problemtica da
autonomia. Este trabalho permitiu-nos desenvolver um conjunto de
reflexes e de interrogaes que nos permitia comear por enunciar e em
seguida
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(D)Enunciar a Autonomia
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denunciar a autonomia para que, a partir da compreenso e da
reflexo da gnese da autonomia na escola pblica secundria, possamos
discuti-la no mbito da consolidao simultnea da gnese crsica da
autonomia. Ser este paradoxo que nos permitir anunciar outra(s)
autonomia(s) sensata(s).
Certamente, a reflexo demonstra a nossa implicao em construir
uma escola tendencialmente mais democrtica e dos sujeitos (da
agncia humana, isto , das pessoas, para as pessoas e com as
pessoas) e, nesse sentido, exige-se a compreenso e o aprofundamento
necessrio do compromisso das autonomias na escola, sintetizado no
(D)Enunciar a Autonomia e no argumento da educao da autonomia
crsica, pois a radica a autonomia da escola como um hbito que se
adquire, se apre(e)nde, atravs do conhecimento, da liberdade, da
responsabilidade e da vontade.
Neste meandro, fazemos uma sntese interpretativa da autonomia
crsica autonomia sensata, onde pretendemos discutir a autonomia
como uma soluo e no como um problema. Alis, esta perspectiva possui
algumas vantagens, inevitvel em muitas circunstncias, e ser um
modelo a seu tempo obrigatrio na escola. No entanto, a autonomia
sensata , desse ponto de vista, entendida como uma mudana radical.
Logo, precisamos de questes radicais: para que serve a autonomia
sensata? Em que difere da autonomia crsica ou de outras formas de
autonomia? Qual a sua especificidade?
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I PARTE O PRETEXTO
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CAPTULO I
MODERNIDADE E AUTONOMIA(S)
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Captulo I. Modernidade e Autonomia(s)
51
Introduo
A articulao entre a Autonomia e a Modernidade resulta da
associao do desenvolvimento do conceito de autonomia com o
nascimento da modernidade.
Esta ideia de uma ligao entre a autonomia e a modernidade
faz-nos levantar a questo: ser a autonomia moderna?
Entre as promessas iniciais que contamos da modernidade
revela-se o ideal de autonomia dos homens, ainda que, e em ltima
anlise, se mantenha incapaz a sua realizao. Este modo de abordagem
leva-nos a explicitar o que entendemos por modernidade e por
autonomia e, para alm da articulao e das diferentes perspectivas
encontradas, admitimos que este conceito atinge outra centralidade
no desenvolvimento das sociedades modernas, espelhando novos
constrangimentos e tenses medida que nestas sociedades se expandem
as organizaes.
Neste captulo, apresentamos o processo de modernidade nos
domnios da histria, da filosofia, da cincia, da teoria das
organizaes e da educao. Caracterizamos a metanarrativa da
modernidade. Desenvolvemos a autonomia nas dimenses epistemolgica,
pessoal, filosfica e social. Conclumos com um quadro sinptico de
apresentao de dimenses e princpios de autonomia e com a articulao
dos momentos de modernidade e as autonomias.
1. Processos de Modernidade
Recorrendo ao Dicionrio de Sociologia (1990), a modernidade
designa, simultaneamente, um perodo da histria humana e um conjunto
de fenmenos que a caracterizam, cujo lugar de aparecimento a
Europa. Na definio dos seus traos decisivos e do momento do seu
aparecimento encontramos algumas divergncias e diferentes
perspectivas.
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(D)Enunciar a Autonomia
52
Para uns, o seu incio ocorreu por volta do sculo XVI inaugurando
uma nova era, a ps-antiguidade. Para outros, a sua ligao faz-se ao
sculo XVII e deve-se ao aparecimento da cincia e da filosofia
poltica contratual. Ainda para outros, a sua emergncia ocorre no
sculo XVIII, com a Filosofia Iluminista, a par da industrializao e
dos ideais revolucionrios que nos levam at princpios do sculo XIX,
ao triunfo da cincia, da tcnica, do progresso e do capitalismo
industrial.
Quer no domnio poltico1, quer no religioso, a modernidade
apresenta traos estveis respectivamente de instaurao de polticas de
desenvolvimento europeu, de distino entre pblico e privado e do
desenvolvimento de registos democrticos, a par de uma tendncia para
a laicizao.
Por sua vez, na economia moderna reconhece-se um crescimento
exponencial de saber racional, inspirado pelo progresso, pelo
esforo das tcnicas de produo e de distribuio, de grande eficcia.
Economicamente, a modernidade prometeu a eficcia e a eficincia, a
produtividade e a prosperidade.
Estes traos tornam-se decisivos e de grandes repercusses sobre
todos os aspectos da nossa condio social e humana. No entanto,
quando se trata de atribuir isoladamente um ou diversos factores da
modernidade, a unanimidade de opinies cessa. Para uns foi
determinante a cincia (Comte), para outros a indstria ou o
capitalismo (Marx), para outros ainda, a racionalizao (Weber). De
facto, e de acordo com estes pontos de vista, vo-se desenvolvendo
diferentes argumentos e teorias.
Neste contexto, a modernidade sofre de contestao quer pela
nomenclatura, quer pela periodizao, quer mesmo pela unicidade e
traos dominantes. A modernidade muito mais que um novo olhar, uma
nova etapa no desenvolvimento humano em geral.
Na sua pluralidade de caractersticas dominantes, a modernidade
reconhecida e assenta em ideais que remontam Histria e s crenas da
Filosofia das Luzes.
1 Politicamente, a modernidade prometeu um Estado forte e a
consolidao de um Estado Nao militarizado e providencial.
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Captulo I. Modernidade e Autonomia(s)
53
Neste registo, comeamos por apresentar o processo de modernidade
tendo em conta alguns dos contributos e articulaes provenientes dos
domnios da Histria, da Filosofia, da Cincia, da Organizao e da
Educao.
1.1. A Modernidade no Domnio da Histria, da Filosofia, da
Cincia, da Teoria das Organizaes e da Educao
Atendendo ao domnio histrico, a referncia modernidade
aparece-nos em expresses como: novos tempos, tempos modernos, mundo
novo. Como refere Habermas2 (1998: 17), A descoberta do Novo Mundo
bem como o Renascimento e a Reforma os trs grandes acontecimentos
volta de 1500 constituem a transio epocal entre a Idade Moderna e a
Idade Mdia.3
Neste trabalho, e como base de reflexo, consideramos a Reforma,
o Iluminismo e a Revoluo Francesa (1789) para o nascimento dos
tempos modernos. No entanto, salientamos como motor da evoluo a
revoluo intelectual, moral e todos os seus componentes demogrficos,
sociais, econmicos, tcnicos e cientficos, pois s com esta
complexidade e pluralidade de factores faz sentido o discurso em
torno da modernidade. neste quadro compsito de conceitos dinmicos,
que nos acompanham at hoje (de crise, de revoluo, de
desenvolvimento, de progresso e de emancipao) que se inserem as
novas realizaes da sociedade, emergentes da conquista de relaes
sociais.
De acordo com o pensamento de Giddens (1996: 1), [...] o termo
modernidade refere-se a modos de vida e de organizao social que
emergiram na Europa cerca do sculo XVII e que adquiriram
subsequentemente, uma influncia mais ou menos universal. De facto,
a
2 Habermas apresenta-nos neste trabalho as origens filosficas da
era moderna, apontando novos contornos para as tenses e os
conflitos contemporneos.
3 Segundo o mesmo autor, o filsofo Hegel utilizava nas suas
aulas esta nomenclatura para referir os tempos no mundo. Hegel
comeou por utilizar o conceito de modernidade em contextos
histricos como conceito epocal: os novos tempos so os tempos
modernos (in Habermas, 1998: 16). tambm com estas expresses que
Hegel, nas suas lies de filosofia da histria, define os limites do
mundo germano-cristo sado, por seu lado, da antiguidade
greco-romana. (ibidem).
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(D)Enunciar a Autonomia
54
presena da temporalidade, do espao geogrfico esto presentes na
definio.
O incio do novo milnio (sculo XXI) traz consigo o desejo de
novas realizaes e a nostalgia dos balanos e das anlises
retrospectivas do nosso viver social. Alis, podem considerar-se os
problemas humanos (ser, mudar e transformar as relaes pessoais e
sociais e querer viver juntos) como um dos principais desafios
actuais. No entanto, o desnimo, o pessimismo, a angstia so
pressentidos face ao incumprimento das promessas consideradas
relevantes para as nossas vidas, como o sublinha Fukuyama4 (1999:
27): o sculo XX, pode-se diz-lo, fez de todos ns profundos
pessimistas histricos, na medida em que no nos possvel ignorar os
dramticos acontecimentos do sculo, nomeadamente as duas guerras
mundiais, a emergncia de Estados totalitrios e fascistas, e o
desenvolvimento de uma cincia nefasta quer do ponto de vista
ambiental quer sob a forma de armas nucleares. nesta conjuntura que
assistimos desumanizao da sociedade, ao regresso do individualismo
desenfreado, ao retorno do indivduo associal, competitivo,
destruidor, perda de regalias sociais fundamentais e emergncia de
um capitalismo desorganizado mas glorioso na sua lgica de mercado e
na sua influncia na (re)estruturao social e econmica na base do
consumo, reclamando prazer imediato e efmero, apontando no homem
unicamente o seu aspecto econmico.
Nesta perspectiva, Dalai-Lama (1999: 12) observa, na anlise da
sociedade moderna e na demanda da felicidade, que aqueles que vivem
em pases materialmente desenvolvidos apesar da industrializao, se
sentem mais insatisfeitos. De facto, h no mundo ocidental, nos
pases mais ricos, uma retrica de hipervalorizao da economia para o
bem-estar geral. Mas Este paradoxo pelo qual o sofrimento interior
podemos dizer o psicolgico e o emocional se encontra muitas vezes
no seio da riqueza, est patente no Ocidente (ibidem: 13). A
sociedade impe-nos o logro da felicidade humana na
4 Fukuyama, neste trabalho, regressa a questes
filosfico-histricas do passado: qual o sentido e a direco que segue
a histria da humanidade?, apresentando como resposta duas lgicas
poderosas, uma a lgica da cincia moderna e a outra a luta pelo
reconhecimento. Esta segunda lgica assenta na ideia de Hegel e a
sua filosofia social de que para ter valor para mim prprio tenho de
ter valor para os outros (Blackburn, 1997: 200).
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Captulo I. Modernidade e Autonomia(s)
55
conquista do bem-estar material e no poder do conhecimento; no
entanto, a felicidade nasce do desenvolvimento interior e no
depende de factores exteriores (ibidem: 15).
Se, por um lado, estas mudanas sociais evidenciam a
competitividade e a economia capitalista, afectando o sistema
mundial e influenciando o pensamento humano, por outro acentuam um
desejo humano comum de se ser feliz e evitar o sofrimento. Como o
refere o Grupo de Lisboa5 (1994: 17), O mercado concorrencial no
tudo, no pode impor a sua lgica a outras dimenses humanas e sociais
principalmente quando finge ignor-las. Nem todas as mercadorias
esto disponveis no mercado concorrencial.
Portanto, e apesar da evidncia e da fora da economia, impem-se
limites estruturais aos desgnios humanos, s questes familiares, s
relaes sociais, ao desenvolvimento ambiental, comunidade e
democracia. O que em certa medida leva este Grupo a considerar
possvel cumprir o desejo da partilha de uma experincia comum,
deixando de lado as conquistas hegemnicas, tendo em vista uma lgica
conciliadora de perspectivas de eficincia econmica, justia social e
democracia poltica, fazendo-os afirmar como sua responsabilidade
conjunta mobilizar o engenho humano para servir prioritariamente as
necessidades bsicas e as aspiraes da populao mundial. (ibidem:
23).
So de algum modo tambm estas ideias que levam Fukuyama (1999:
14) a questionar Se, no final do sculo XX, faz sentido para ns
falar, uma vez mais, de uma histria da humanidade, coerente e
direccionada, que eventualmente conduzir a maior parte da
humanidade para a democracia liberal. Reacende-se ento o debate em
torno do homem e da felicidade humana, demonstrando a incompletude
de um olhar que se feche na perspectiva econmica. Deste modo,
apresenta-nos uma considerao que procura recuperar a totalidade do
homem, e no apenas o seu aspecto econmico (ibidem: 17). O que vem
realar novamente as particularidades do
5 Este ttulo Grupo de Lisboa um nome relevante para Portugal
dado tratar-se de um grupo composto por membros do mundo tridico
(Japo, Amrica do Norte, Europa Ocidental) que inicia os seus
trabalhos conjuntos em Lisboa, em 1992. O seu nome possui, assim, o
simbolismo de revelar Portugal pela sua histria: os 500 anos de
Descoberta, isto , o 5 centenrio da Descoberta do Novo Mundo (Ptria
da Era dos Descobrimentos).
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(D)Enunciar a Autonomia
56
ser humano, isto , a sua vontade de prestgio, de dignidade, de
valor, de reconhecimento, fazendo-nos regressar a Hegel6 e ao no
materialismo histrico ou ainda complexidade do ser humano, da sua
personalidade, as suas atitudes e contradies, os seus desejos e as
suas razes.
Nas palavras de Lopes (2001: 33), De facto, a modernidade
confecciona uma sociedade atravs de uma epistemologia hegemnica
que, naturalizando o social como objectiva o natural, des-humaniza,
des-naturaliza o humano, definindo todo o homem atravs de uma s das
suas partes e apenas alguns homens (e raramente as mulheres) como
homens.
So estes tempos de crise e mudana e de contradies em que a vida
social e a cincia procuram novas relaes, que se intensificam
confrontos entre velhos e novos paradigmas; entre os velhos
pressupostos das teorias clssicas e este perodo intervalar em que,
parafraseando Sousa Santos (2000), admitimos a perspectiva de uma
sociedade em transio7 paradigmtica; ou seja, atravessamos um tempo
de transio entre a instabilidade, a ambiguidade, a complexidade do
presente e a incerteza, a subjectividade e a esperana num tempo que
se avizinha. Nas palavras de Sousa Santos (1998: 6), Tal como
noutros perodos de transio, difceis de entender e de percorrer,
necessrio voltar s coisas simples, capacidade de formular perguntas
simples, perguntas que, como Einstein costumava dizer,
6 Hegel, em 1807, iniciou os seus trabalhos de construo de um
Sistema de Filosofia em que questionou a cincia, o sujeito e
evidenciou o carcter sempre histrico e cientfico da filosofia,
desenvolvendo assim a complexa obra de dois volumes, Fenomenologia
do Esprito, procurando neste trabalho uma lgica que articulasse as
figuras de sujeito, de conscincia, com o mundo objectivo, ou seja,
o discurso cientfico; evidenciamos parte destas suas intenes e da
sua complexidade nestes dois pequenos excertos (Hegel, 1997: 67): A
srie de figuras que a conscincia percorre nesse caminho , a bem
dizer, a histria detalhada da formao para a cincia da prpria
conscincia, ou ainda mais especificamente, A razo apela para a
conscincia-de-si de cada conscincia: Eu sou Eu; o Eu o meu objecto
e a minha essncia, e nenhum lhe negar essa verdade. (ibidem:
154-155). Por sua vez, se atendermos a Althusser (1979: 133),
ficamos a dever a Hegel a concepo da histria como processo;
contrariando uma ideia antropolgica em Hegel da histria, este autor
revela que Para Hegel, a Histria um processo de alienao, mas este
processo no tem o homem por sujeito. Na Histria hegeliana no se
trata do Homem, mas essencialmente do Esprito [...].
7 Alis, a ideia de transio de variao em Hegel possibilitou a
dialctica do Iluminismo e ao mesmo tempo colocou no nvel filosfico
a histria contempornea. Como o refere Habermas, Hegel ps o eterno
em contacto com o transitrio, o intemporal com o actual e, deste
modo, transformou radicalmente o carcter da filosofia (1998:
57).
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Captulo I. Modernidade e Autonomia(s)
57
s uma criana pode fazer mas que depois de feitas, so capazes de
trazer uma luz nova nossa perplexidade.
Este apelo inquietante do autor ao levantamento de questes, este
modo de analisar estes tempos incertos, de algum modo alarga e
retoma a discusso do homem e a sua essncia e esta dimenso faz-nos
associar outras leituras, como as de Heidegger8 (cf. 2000: 13, 14),
que proferiu um discurso em meados da dcada de 50 em que apresentou
uma reflexo em torno do pensamento e o nosso tempo, na qual afirmou
a existncia de dois pensamentos no homem: o pensamento que calcula
e o pensamento que medita9.
Ao defini-los, teceu um emaranhado de considerandos e inquietaes
que o levaram a concluir do perigo que seria se (ibidem: 26) [...]
um dia, o pensamento que calcula viesse a ser o nico pensamento
admitido e exercido [...] porque ento o Homem teria renegado e
rejeitado aquilo que tem de mais prprio, ou seja, o facto de ser um
ser que reflecte. Ora, possivelmente esta dimenso de reflexo, de
intimidade, de proximidade de si prprio a maior liberdade das
pessoas.
Apesar de todos estes indicadores preocupantes, surgem outras
direces diferentes e inesperadas que nos fazem esperar novos
caminhos. De salientar que comea a ser reconhecido na comunidade
cientfica o contributo dos estudos das mulheres e os movimentos
histrico-sociais de emancipao da mulher podem referir-se como
contributos para a mudana. O pensamento feminista caracteriza-se
essencialmente por exibir as diferenas de poder dissimuladas no
gnero. Parafraseando Beauvoir (1949), a mulher o outro, trata-se de
contribuir para um outro sistema de definio, em que importa abolir
aquele sistema em que a mulher definida como um tipo de pessoa,
cujas idiossincrasias so descritas em oposio norma masculina.
Nesse sentido, Sousa Santos (1991) tambm refere a importncia dos
estudos feministas, principalmente nos ltimos vinte anos, pela
evidenciao
8 Reconhecemos neste pensador, questionador do homem e do seu
tempo, filsofo do sculo XX, uma vida envolta em controvrsia.
9 curiosa a argumentao em torno da definio dos pensamentos e o
poder da tcnica, da cincia contempornea e a relao do homem com o
que existe. O que nos leva a referenciar (Heidegger, 2000: 13, 14)
o pensamento que calcula corre de oportunidade em oportunidade. O
pensamento que calcula nunca pra, nunca chega a meditar. [...] o
pensamento que medita exige por vezes um grande esforo. Requer um
treino demorado.
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(D)Enunciar a Autonomia
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das concepes dominantes das diversas cincias. Alis, como afirma,
no contributo feminista torna-se claro que a natureza um mundo de
homens, organizada segundo princpios masculinos de guerra e luta,
de individualismo, de competio, de agressividade, de
descontinuidade com o meio ambiente. Enfim, um mundo capitalista e
machista. (ibidem: 36)10
Apesar de inegvel a visibilidade alcanada pelas mulheres nos
diferentes domnios, as assimetrias mantm-se e o homem continua a
usufruir dos lugares de poder maioritariamente em alguns sectores,
como na administrao, na gesto e nos negcios. De salientar que as
assimetrias no mundo e, basicamente, as conquistas em torno de um
espao pblico e de direitos iguais entre homens e mulheres,
referem-se ao mundo ocidental, porque a discriminao sobre as
mulheres no planeta impera. Muitos so os pases China, Tailndia,
Afeganisto, ndia, entre muitos outros em que nascer mulher pode ser
determinante e fatal.
Durante um longo perodo histrico os homens foram no espao pblico
a fora de trabalho, os detentores de lugares de chefia, e as
organizaes privilegiaram uma hierarquia empresarial em que imperava
uma lgica racionalizadora.11
10 A este propsito gostaramos de referir Condorcet (1743-1794)
citado por Eliard (1993), entusiasta dos princpios revolucionrios
da Revoluo Francesa, que acreditava na igualdade entre homens e
mulheres e defendia o desaparecimento de todos os males sociais,
valorizando as capacidades transformadoras do homem.
11 Apesar de no dedicarmos a devida ateno, neste trabalho, aos
movimentos libertrios da mulher, aos estudos e s relaes de gnero,
no podemos deixar de assinalar que o impiedoso mundo dos negcios,
de interesses rentveis, de uma racionalidade econmica, tentou
manter as mulheres na esfera privada e contribuiu para uma construo
hegemnica da masculinidade. Nessa construo, apelava-se s
competncias de uma inteligncia racional desprovida de emoes,
levando os homens a recear utilizar nos seus empregos outros
atributos para alm da cabea, admitindo mesmo que relaes empticas
com subordinados ou pares os levariam ao conflito dos objectivos
com a organizao. A alterao dos tradicionais papeis atribudos ao
homem e mulher, a entrada da mulher no mercado do trabalho, as
conquistas em torno de uma esfera poltica e social, a diviso de
tarefas, a partilha de espaos comuns e as lutas de poder, tero com
certeza contribudo para a dissipao de fronteiras e de esteretipos
entre homens e mulheres. Por outro lado, ainda deixamos estas reas
de desenvolvimento pessoal e social demasiadamente ao acaso, no
conseguindo uma verdadeira legitimao e aceitao no mundo das
Pessoas. Poderemos dizer que ainda impera uma vergonha hipcrita,
uma ironia desastrosa, que teima em no ver que a sensibilidade, a
intuio, a sensatez, a paixo, a emoo, no um exclusivo das mulheres
mas sim das pessoas. Entenda-se nesta perspectiva a razoabilidade
mencionada em Ribeiro (2003a), no se est a pensar na razo fria,
porque a razo mais razovel sabemo-lo hoje a razo emocional. No
esquecer nestes domnios os contributos do neurocientista Antnio
Damsio (2003) que pe fim oposio do paradigma da razo ao da emoo e
que enaltece a discusso da cincia dos sentimentos (ibidem: 18); ou
ainda nas
(Continua na pgina seguinte)
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Captulo I. Modernidade e Autonomia(s)
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Foi este o olhar poltico, poderoso e dominante na histria.
Apesar de algumas propostas mais revolucionrias do conhecimento,
mantm-se o predomnio de raciocnios conservadores e legitimados, sem
conflitos, sem dificuldades, enquanto que qualquer outra proposta,
mais progressista, carece imediatamente de legitimao.
As verdadeiras revolues do conhecimento, com novas formas de
descrever, analisar, explicar e interpretar a complexidade e
ambiguidade do novo tecido social so trabalhosas e arriscadas. Os
nossos esquemas mentais no mudam mesma velocidade com que evoluem
as sociedades modernas. Da que muitas vezes assistamos permanncia
em simultneo de vrias mentalidades durante o mesmo perodo histrico
e o mesmo espao-tempo.
No domnio da filosofia, e de um modo genrico, o enfoque das
controvrsias sobre a modernidade encontra-se essencialmente em
questes epistemolgicas e filosficas.
O primeiro filsofo que desenvolveu o conceito de modernidade foi
Hegel: Temos de nos certificar do conceito Hegeliano de modernidade
para podermos avaliar a razo daqueles que fazem as suas anlises
partindo de outras premissas (Habermas, 1998: 16).
A importncia da histria na interpretao dos conceitos e da
realidade foi, em Hegel, o seu ponto de partida e a sua filosofia
da histria. Apercebeu-se de que com a histria ocorria
desenvolvimento e, portanto, existia no processo histrico a noo de
mudana dialctica capaz de levar liberdade humana. Como j o
referimos, Hegel comeou por utilizar historicamente o conceito de
modernidade (novos tempos, mundo moderno). No entanto, esta passa a
problema filosfico na medida em que se coloca a questo de
autocertificao da modernidade usando, portanto, uma abordagem
filosfica e histrica da modernidade.
Para Habermas (1998: 11), desde finais do sculo XVIII, a
modernidade foi desenvolvida pela filosofia, O discurso filosfico
da modernidade tem a ver com o discurso esttico, e intersecta-o at
de mltiplas formas. O discurso da
_________________________________
palavras de Morin e Cyrulnik (2004: 51), O interessante isso:
por razes irracionais que racionalizamos!.
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(D)Enunciar a Autonomia
60
modernidade que foi inaugurado por Hegel descobre-se nos
princpios dos tempos modernos: a subjectividade (ibidem: 27). Ora,
esta reflexo e esta necessidade de traduzir em palavras o seu
prprio tempo reconhecendo as prioridades da liberdade, da
autonomia, da filosofia e do direito leva Hegel a concluir a
grandiosidade da sua poca no reconhecimento da liberdade da
subjectividade. Nesse contexto referencia quatro conotaes expresso
subjectividade (Habermas, 1998: 27): individualismo (pretenses
particulares), direito crtica (legitimidade para o reconhecimento),
autonomia do agir (responsabilizao pelas aces), filosofia idealista
(apreenso da ideia de filosofia). Assim, e como salienta Habermas
(ibidem: 28), Os conceitos morais dos tempos modernos esto
adaptados ao conhecimento da liberdade subjectiva dos
indivduos.
Ou ainda, como nos diz Hargreaves (1998: 28), Na essncia, a
modernidade assenta em crenas iluministas de que a natureza pode
ser transformada e que o progresso social pode ser realizado atravs
do desenvolvimento sistemtico do entendimento cientfico e
tecnolgico e da sua aplicao racional vida social e econmica.
As sociedades ocidentais contemporneas tipificaram o seu modo de
vida social em torno de uma repetio acelerada do presente, capaz de
estruturar toda a dinmica social em torno do trabalho, da mais
valia, descurando o sentido, a subjectividade do ser humano.
Por sua vez, Ricouer12 (1993: 71) afirma: J no vivemos num
consenso global de valores que seriam como estrelas fixas. Isto
constitui um aspecto da modernidade e um ponto de no retorno.
Evolumos numa sociedade pluralista, tanto religiosamente, como
poltica, moral e filosoficamente, onde cada um conta apenas com a
fora da sua palavra. O nosso mundo j no encantado.
12 Genericamente, salientamos em Ricouer a sua metodologia
hermenutica em que toda a filosofia pode ser interpretada como a
defesa da argumentao, da palavra em que nos mostra a insuficincia
constitutiva de cada interpretao, deixando claro que s a
convergncia de perspectivas opostas pode descrever os fenmenos
sociais. Tambm considerado, por muitos, um autor de encruzilhada,
entre a modernidade e a ps modernidade.
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Captulo I. Modernidade e Autonomia(s)
61
Tambm no discurso filosfico de Zambrano (2000)13 encontramos a
crtica razo, ao imprio da racionalidade, ainda que captado por
outras palavras; descobrem-se novas ideias, novas culturas que
surpreendem pelas expresses: corao, intimidade, transparncia,
felicidade. Na sua filosofia, o amor aparece como energia; h como
que uma renncia a um carcter demasiado cienticifista e um apelo
poesia, manifesto e expresso, numa razo apaixonada, a razo potica,
nas suas palavras (Zambrano, 1971: 54): s paixo e razo unidas []
podem reconhecer sem menosprezar a verdade desnuda. H segredo e
mistrio na vida humana: No s de po vive o homem, isto , no s de
Cincia e Tcnica. Tambm poderia dizer-se que no s de Filosofia, mas
tal coisa, ao falar-se das metforas, no tem sentido, porque a
Filosofia mais pura desenvolveu-se no espao traado por uma metfora,
a da viso e da luz inteligvel14 (Zambrano, 2000: 19).
Na mesma linha de pensamento, (re)lembramos as palavras de Sousa
Santos (2000: 23) na sua crtica razo indolente: A realidade,
qualquer que seja o modo como concebida, considerada pela teoria
crtica como um campo de possibilidades []. A anlise crtica do que
existe assenta no pressuposto de que a existncia no esgota as
possibilidades da existncia e que, portanto, h alternativas
susceptveis de superar o que criticvel no que existe.
Por ltimo, tendo presente o pensamento de Hegel, Habermas (1998:
58) refere: Neste sentido, a filosofia de Hegel a filosofia da
revoluo [], at porque Do discurso da modernidade, que continuamos
sem interrupo at aos nossos dias, tambm faz parte a conscincia de
que a filosofia chegou
13 Como afirma Jos Bento, na parte introdutria do livro, em
Maria Zambrano se ausculta um poder to secreto e comunicante: acaso
o que se diz ser inspirao [] (Zambrano, 2000: 12) ou ainda, a
capacidade de iluminar com a palavra o que a sua capacidade de
pensar vai descobrindo [] (ibidem).
14 As ideias aqui expressas, quer por Ricouer quer por Zambrano
(nomeadamente na obra A Metfora do Corao), salientam a importncia
atribuda ao texto e metfora como quadros de possibilidades. A este
propsito refere Zambrano: A metfora a funo de definir uma realidade
inabarcvel pela razo, mas propcia a ser captada de outro modo.
(2000: 19). Querendo com tudo isto salientar as caractersticas da
cultura racionalista, questiona: Ser uma simples metfora a viso
pelo corao? A metfora da viso intelectual tem sido ningum poder
neg-lo a definio de uma forma at ago