1 CURSO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino Março de 2009 VVVV VVVV
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CURSO DE GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA
Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino
Março de 2009
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1
Apresentação do Curso ................................................................................................... 1 Sobre as unidades que compõem o Curso ...................................................................... 4 Instruções operacionais aos alunos do Curso ................................................................. 5 Metodologia de aprendizado ............................................................................................ 5 O esforço individual ......................................................................................................... 6 A bibliografia e o ordenamento dos assuntos .................................................................. 7
O esforço coletivo ............................................................................................................ 8 Avaliação ......................................................................................................................... 9 Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso ....................................................................... 9 Roteiro ........................................................................................................................... 10 Conteúdo programático ................................................................................................. 12
CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA .... 18
1. Introdução .................................................................................................................. 18
1.1. Um breve histórico do planejamento ....................................................................... 18 1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica Pública ..... 20 1.3. As características do “Estado Herdado”.................................................................. 22 1.4. A democratização política e o “Estado Necessário” ................................................ 23
1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública ................... 28 1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas ..................................................... 32
1.7. O gestor público e o administrador de empresas .................................................... 36 1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração Pública ....... 37
1.9. A formação do gestor público ................................................................................. 39 CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE ENFOQUES ......................................................................................................................... 46
2. Introdução .................................................................................................................. 46
2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político ................................................. 47 2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito ......................................... 47 2.3. A concepção ingênua do Estado neutro ................................................................. 48
2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública ................................................................. 50
2.5. O enfoque da Análise de Política ............................................................................ 52 2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional .............................................. 57
CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES ............................... 59 3. Introdução .................................................................................................................. 59
3.1. Uma visão preliminar do resultado .......................................................................... 61 3.2. O que é o “agir estratégico”? .................................................................................. 64
3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental ................. 64 3.4. O conceito de Ator Social ........................................................................................ 64 3.5. Características do Jogo Social ................................................................................ 65 3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica ..................................................................... 65 3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo ........................................ 66
3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública .......................... 71 3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema) ....................................................... 71 3.10. Tipos de Problemas .............................................................................................. 72 3.11. Conformação de um Problema ............................................................................. 73 3.12. Como formular um Problema? .............................................................................. 73
3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada ....................... 74 3.14. A Descrição de um Problema ............................................................................... 75
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3.15. A Explicação da Situação-problema ..................................................................... 76 3.16. A diversidade das Explicações Situacionais ......................................................... 76
3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação ................................................................. 76 3.18. Seleção de Nós Críticos ........................................................................................ 77 3.18.1. Critérios para Seleção de Nós Críticos .............................................................. 78
CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO .......................................................... 81 4. Introdução .................................................................................................................. 81 4.1. Sistemas e enfoque sistêmico ................................................................................ 81 4.2. O conceito de Sistema ............................................................................................ 82 4.3. Sistemas simples e complexos ............................................................................... 83
4.4. Atributos dos sistemas complexos .......................................................................... 83 4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas .......................................... 85 4.6. Realidade, modelização e modelo .......................................................................... 87 4.7. Formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis ................................... 89
4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional .................................. 91 4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade .......................... 92 4.10. Análise Sistêmica e Dinamização ......................................................................... 94
4.11. O caráter intrinsecamente normativo da modelização .......................................... 97 4.12. Modelização e Gestão Estratégica Pública ......................................................... 100 4.13. Exemplos de modelização .................................................................................. 104 4.14. Considerações Finais.......................................................................................... 109
CAPÍTULO V: METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO DE SITUAÇÕES .......................... 113 5. Introdução ................................................................................................................ 113 5.1. Uma visão preliminar do resultado ........................................................................ 113
5.2. Planejar por Situações-Problema ......................................................................... 115 5.3. Operações ............................................................................................................ 118 5.4. Matriz Operacional ................................................................................................ 119 5.5. Ações, Atividades, Tarefas ................................................................................... 119
5.6. Resultados ............................................................................................................ 120 5.7. Produtos ................................................................................................................ 120 5.8. Recursos ............................................................................................................... 120
5.9. Prazos ................................................................................................................... 121 5.10. Responsáveis ..................................................................................................... 121
5.11. Etapas para a formulação de um Plano de Ação ................................................ 121 5.12. Gestão do Plano ................................................................................................. 122
5.13. Atuar sob incerteza ............................................................................................. 123 5.14. Focos de Debilidade de um Plano ...................................................................... 123 5.15. Componentes de um sistema de Gestão Estratégica Pública ............................ 124
CAPÍTULO VI: METODOLOGIA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS ...................... 126 6. Introdução ................................................................................................................ 126 6.1. Explorando o conceito de Análise de Política ....................................................... 127 6.1.1. O conceito de política ......................................................................................... 128
6.1.2. O conceito de Análise de Política ...................................................................... 130 6.1.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico .......................... 131 6.1.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre descritivo e o prescritivo .. 132 6.1.5. A postura do analista de políticas ...................................................................... 134 6.1.6. A Análise de Política e o contexto da política .................................................... 136
6.1.7. A Análise de Política e os níveis de análise ....................................................... 141 6.2. Visões do Estado e Análise Política ...................................................................... 144 6.2.1. A visão Pluralista ............................................................................................... 144 6.2.1.1. A visão Elitista ................................................................................................. 145
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6.2.1.2. A visão Marxista .............................................................................................. 145 6.2.1.3. A visão Corporativista ..................................................................................... 146
6.2.2. Um quadro sinóptico .......................................................................................... 147 6.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo ............................... 148 6.4. Poder e tomada de decisão .................................................................................. 150
6.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo .................................................................. 151 6.4.2. As duas faces do poder ..................................................................................... 152 6.4.3. A terceira face do poder ..................................................................................... 155 6.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão ........................... 156 6.5. Os modelos de tomada de decisão: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo ........................................................................................................... 160 6.5.1. As origens do debate ......................................................................................... 161 6.5.2. Algumas propostas intermediárias ..................................................................... 164 6.5.3. O processo de Elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise ....... 169
6.6. Modelos para o estudo da implementação de políticas ........................................ 170 6.6.1. O enfoque top down ........................................................................................... 171 6.6.2. O enfoque bottom up ......................................................................................... 172
6.7. O estudo das organizações e a Análise de Política .............................................. 174 6.7.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração de políticas ........................................................................................................................ 174 6.7.2. Os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas ............ 176
6.8. Os Momentos da elaboração de políticas públicas ............................................... 179 6.9. Experiências de Planejamento Público ................................................................. 182 6.10. Um roteiro para a Análise de Políticas ................................................................ 184
6.10.1. Os instrumentos da Análise de Política............................................................ 185 6.10.2. Tipos de Análise de Política ............................................................................. 187 6.10.3. Uma visão de conjunto dos três momentos da Elaboração de Políticas .......... 188 6.10.4. Uma tipologia das organizações ...................................................................... 192
6.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociação ....................... 193 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 196 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 197
ÍNDECE DE ESQUEMAS, FIGURAS E QUADROS ESQUEMA 3.12.1: FORMULAÇÃO DE PROBLEMAS ........................................................ 69 ESQUEMA 5.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON .................................................................... 132
FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES ... Consulte
FIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS .................... Consulte
FIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO PROBLEMA ............. 58 FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS ................................................................. 70 FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL ................................................................. 72 FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS ............................................. 73 FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO.................................................................. 75 FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO ....................................................................... 62 FIGURA 3.7.2: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO ............ 64 FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO ............ 65 FIGURA 4.1.1: AÇÕES ...................................................................................................... 109 FIGURA 4.1.2: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO ..................................................... 109, 110 FIGURA 4.12.2: CICLO DA MODELIZAÇÃO ....................................................................... 98 FIGURA 4.2.1: ANÁLISE DE SITUAÇÕES-PROBLEMA ................................................... 112 FIGURA 5.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ............................................. 128
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FIGURA 5.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS ....... 137 FIGURA 5.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS .......... 179 FIGURA 5.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK” ..................... 181 FIGURA 5.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO ................................. 142 FIGURA 5.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO .............................................. 162 FIGURA 6.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO ............................................................... 91 FIGURA 6.11.1: MODELO 1 ................................................................................................ 92 FIGURA 6.11.2: MODELO 2 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.3: MODELO 3 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.4: MODELO 4 ................................................................................................ 93 FIGURA 6.11.5: MODELO 5 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.6: MODELO 6 ................................................................................................ 94 FIGURA 6.11.7: MODELO 7 ................................................................................................ 95 FIGURA 6.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO ................................................................. 96 FIGURA 6.12.2: MODELIZAÇÃO DE POLÍTICAS ............................................................... 99 FIGURA 6.12.3: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA ................................................................ 99 FIGURA 6.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS ...................................................................... 100 FIGURA 6.5.1: MODELIZAÇÃO ........................................................................................... 82 QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA ............................. 60 QUADRO 4.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO ........................................................................................................................................... 117 QUADRO 4.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES ...................................... 111 QUADRO 4.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS ............................................. 115 QUADRO 5.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS ........................................... 180 QUADRO 5.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA ....................................... 181 QUADRO 5.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ........ 182 QUADRO 5.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES .................. 187 QUADRO 5.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................... 188 QUADRO 5.4.4.1 ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO .............................................. 154 QUADRO 5.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE.............. 158 QUADRO 5.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO . 171 QUADRO 5.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO ....... 171 QUADRO 5.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL ........................................................................................................... 172 QUADRO 5.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA ....................................................................................................................... 172
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INTRODUÇÃO
Apresentação do Curso
Este Curso foi concebido tendo por referência a constatação de que os gestores
públicos terão que seguir por muito tempo atuando no interior de um aparelho de “Estado
Herdado” que não se encontra preparado para atender as demandas que o estilo alternativo
de desenvolvimento mais justo, economicamente igualitário e ambientalmente sustentável
que a sociedade deseja. E que, ao mesmo tempo, terão que transformá-lo no sentido da
criação do “Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenas de atender
as demandas presentes, mas de fazer emergir e satisfazer novas demandas embutidas
nesse estilo alternativo1.
Por isso, e para que fiquem claras as razões que explicam as características que o
Curso possui, se irá mencionar em mais de uma oportunidade ao longo dos capítulos
iniciais deste texto vários dos aspectos envolvidos na transição do “Estado Herdado” para o
“Estado Necessário”2. De fato, há que ressaltar nossa opção de levar em conta esses
aspectos para a concepção deste Curso. E, também, que a realização de opções distintas
levaria, como é evidente, à elaboração de uma disciplina de Gestão Estratégica Pública
(GEP) com características distintas.
Há que ressaltar, adicionalmente, e de partida, que entendemos que ajustar o aparelho
de Estado visando a alterar a conformação das relações Estado-Sociedade, desde que
respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo, uma necessidade, e um dever
colocados aos governos eleitos com o compromisso político de levar a cabo suas propostas.
1 O recurso que utilizamos para marcar a diferença entre a situação atual e a futura, desejada, de opor o “Estado Herdado” e a proposta de “Estado Necessário”, tem como inspiração o tratamento dado ao tema por Aguilar Villanueva (1996). Vários outros autores latino-americanos, entre os quais Atrio e Piccone (2008) e Paramio (2008) para citar apenas dois dos mais recentes, têm abordado, ainda que focalizando uma “cena de chegada” um tanto distinta, o processo de transição que nos preocupa. Com uma perspectiva ideológica bem mais próxima com a aqui adotada, cabe citar, também para ficarmos nos mais recentes, os trabalhos de O’Donnell (2007 e 2008), onde atualiza sua visão sobre o Estado latino-americano e indica novos rumos para o debate, de Thwaites Rey (2008), que apresenta uma análise inovadora sobre a intermediação que realiza o Estado na relação entre as classes dominantes latino-americanas e o cenário globalizado, e Brugué (2004) que provocativamente coloca como condição de transformação do Estado a promoção e um estilo de gestão baseado na “paciência” e na “feminilização”. 2 A maneira que adotamos para referir a uma configuração do Estado capitalista alternativa da atualmente existente, pela via de uma aderência e de uma condição de viabilização de um cenário normativo em construção no âmbito de um processo de radicalização da democracia, é distinta daquela proposta, por exemplo, por Guillermo O’Donnell. Num pronunciamento recente, este que é reconhecido como um dos mais agudos analistas latino-americanos das relações Estado-Sociedade se referiu a um Estado que apesar de abrigar bolsões autoritários, é capaz de impulsionar a expansão e consolidação das diversas cidadanias (civil, social e cultural, ademais da política já estabelecida num regime democrático) implicadas por uma democracia mais plena, e ir-se transformando, assim, num Estado democrático (O’DONNELL, 2008).
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Assumir explicitamente essa intenção, portanto, não diferencia o atual governo de outros
que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado.
Não obstante, parte-se também da constatação de que a Reforma Gerencial do
Estado brasileiro inaugurada na década de 1990, dado o impulso que ganhou e os laços de
realimentação sistêmica que produziu, segue em curso. O que ocorre de modo lento e
desigual, em virtude da oposição, às vezes meramente corporativa, que vem sofrendo no
âmbito da sociedade e do próprio aparelho do Estado. E, de modo genérico, porque a
correlação de forças políticas impede que ela siga no ritmo pretendido pelos seus
partidários.
Há que reconhecer, ademais, que o fato da Reforma Gerencial continuar, ainda que de
forma fragmentada, na lista das mudanças que estão sendo realizadas no âmbito do
aparelho de Estado não deixa espaço para que as ações que conduziriam ao “Estado
Necessário” sejam hoje colocadas na agenda governamental com a centralidade que elas
merecem.
Em conseqüência, se está assistindo a um paradoxo, que é extensivo a outros países
latino-americanos, de governos de esquerda democraticamente eleitos não estarem sendo
capazes de fazer para avançar a democratização de seus respectivos países3.
O que se observa, então, freqüentemente, é a implementação de algo mais alinhado
com a Reforma Gerencial do que com a proposta do “Estado Necessário”. E isso apesar de
que parece ser este o modelo de Estado privilegiado pelo atual governo. Por encontrar-se
num nível claramente incipiente, o processo que irá possibilitar a transição do “Estado
Herdado” para o “Estado Necessário” não pode prescindir de conteúdos como os que este
curso pretende proporcionar aos gestores públicos. Os quais, é importante que se diga,
consideramos atores indispensáveis para que esse processo se efetive4.
3 Vários autores latino-americanos têm apontado que esses governos, embora estejam sancionando e respaldando a cidadania política, se estão omitindo ou se demonstrando incapazes de sancionar e respaldar direitos emergentes de outros aspectos da cidadania (O’DONNELL, 2008), e correndo o risco de sofrer uma derrota catastrófica por caírem da armadilha do "possibilismo" e do tecnicismo que conduz ao imobilismo (BORÓN, 2004). Coutinho (2007), assumindo uma postura ainda mais crítica e usando categorias gramscianas, considera que a época neoliberal que vivemos no Brasil não deveria ser considerada como uma “revolução passiva” e sim como uma “contra-reforma”. Apontando para o fato de personalidades dos partidos democráticos de oposição se estarem incorporando à “classe política” conservadora, hostil à intervenção das massas populares na vida estatal, ou de grupos radicais inteiros estarem passando ao campo moderado, ele faz referência ao conceito de transformismo: processo em que as classes dominantes buscam obter governabilidade em processos de transição “pelo alto” através da cooptação das lideranças políticas e culturais das classes subalternas diminuindo sua propensão à transformação social). 4 Parecem concordar com essa idéia, tanto pesquisadores latino-americanos orientados a formular recomendações para a capacitação de gestores públicos, como Ospina (2006) e Longo (2006), quanto outros, como Koldo Echebarría (2006), preocupados em comparar países latino-americanos em termos da relação entre o que denomina “configuração burocrática” e “efetividade do sistema democrático”. Também O’Donnell
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Este Curso é então entendido uma condição necessária, inclusive, para assegurar que
as mudanças que venham a ser realizadas o sejam de forma competente, criteriosa, sem
comprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máxima aderência aos consensos
que alcançou a sociedade brasileira de respeito à participação cidadã, democrática e
republicana de todos os seus integrantes5.
Seu objetivo, num plano mais específico é contribuir para que as atividades de gestão
pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado
brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princípios da Gestão
Estratégica Pública (GEP). Entendido, este, vale repetir, como um dos instrumentos para
viabilizar a transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”.
Ela trata de uma atividade que ainda não se encontra enraizada na gestão pública
brasileira e que teria que substituir outra, que aqui se denomina simplesmente planejamento
governamental para marcar alguns aspectos distintivos que evidenciam a utilização do
termo estratégico. Na sua dupla conotação de movimento que visa à solução de uma
situação que se configura como um problema para o ator que planeja em que ocorre um
enfrentamento com um adversário que também se move, inclusive em resposta às suas
ações. Aquelas ações que irão construir o cenário normativo; aquele cujo conteúdo
interessa ao ator que planeja. Estratégico, ademais, projeto ter seu foco nos projetos de
longo prazo de maturação, mais do que em simples manobras táticas (de curto prazo).
Essa diferença, além de outra que, por evidente, sequer iremos voltar a mencionar: a
que existe entre o planejamento estratégico corporativo ou empresarial, do qual
lamentavelmente se originam muitas das propostas que são “contrabandeadas” para o
território governamental. Essa diferença ficará clara à medida que os assuntos forem sendo
apresentados.
O Curso pode ser entendido como o resultado da convergência de dois enfoques
relacionados à gestão pública, ou mais especificamente ao processo de elaboração de
(2008) que considera os gestores públicos uma “âncora” indispensável dos direitos da cidadania e que ressalta que sem esta “ancoragem” um regime democrático simplesmente não existe, ou se converte numa caricatura em que se realizam eleições que não satisfazem requisitos mínimos de competitividade, equidade e institucionalização. E que afirma que sem eles os setores postergados e discriminados, que não têm possibilidade de “fugir” do Estado (Herdado) mediante a contratação de diversos serviços ou benefícios privados continuarão sendo excluídos. 5 Schmitter (2006) encontrou, a partir de uma análise transversal para mais de cem países, um índice de correlação significativamente alto (aproximadamente de 0,9) entre “grau de democracia de um país” e “capacidade de gestão do seu Estado”. Embora não seja possível afirmar que exista uma relação de causalidade em qualquer dos dois sentidos, a alta correlação já é suficiente para chamar a atenção para a necessidade de que mudanças na configuração do Estado acompanhem o ritmo do processo de democratização em curso no País.
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políticas públicas, que são visualizados como coerentes com o aquele conjunto de opções
que se realizou: a Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional. Na
realidade, ele é fruto de um processo que se inicia em meados da década de 1990, quando,
no âmbito de um projeto que visava à criação de uma Escola de Governo na Unicamp, se
iniciam as primeiras iniciativas de docência e pesquisa que resultaram na implantação do
Curso de Especialização em Gestão Estratégica Pública junto ao Grupo de Análise de
Políticas de Inovação (GAPI), em 2001, e do Programa de Gestão Estratégica Pública
ligado à Pró-reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários desta universidade.
Sobre as unidades que compõem o Curso
Para que o objetivo mais ambicioso expresso nos parágrafos iniciais ─ fazer com que
as atividades de gestão pública do Estado brasileiro passem a ser realizadas em
conformidade com os princípios da GEP de modo a contribuir para viabilizar a transição do
“Estado Herdado” para o “Estado Necessário” ─ é necessário tratar em separado cada um
dos elementos dessa declaração.
A longa trajetória que visa a concretizar esse objetivo se inicia com o primeiro capítulo
de “Conteúdos Introdutórios à Gestão Estratégica Pública”. Seu propósito central é
examinar o contexto sócio-político brasileiro em que se deve inserir a GEP, que se
caracteriza pelo processo em curso de construção do “Estado Necessário”, e o contexto
disciplinar da Administração Pública, uma vez que ambos, por se apresentarem como
adversos, devem estar sempre presentes na ação dos atores sociais interessados na
implantação da GEP no âmbito do Estado brasileiro.
O segundo capítulo ─ “A Gestão Estratégica Pública como convergência de enfoques”
─ possui um propósito semelhante. Isso porque é também importante para os alunos, uma
vez que se espera que eles venham a se constituir naqueles atores, terem presente as
opções que conduziram à proposta de GEP com as características que possui este Curso.
O capítulo apresenta, por isso, a Análise de Políticas, que surge nos países avançados, na
década de 1970, de uma confluência entre a Ciência Política e a Administração Pública, e o
Planejamento Estratégico Situacional que surge na América Latina na mesma época como
uma crítica ao planejamento convencional.
Explicadas as razões que levaram a proposta do Curso aqui apresentada e
estabelecidos os fundamentos teórico-metodológicos em que ela se apóia, os capítulos três,
quatro e cinco se concentram na apresentação das três metodologias cujo objetivo é a sua
operacionalização: a Metodologia de Diagnóstico de Situações, concentrada na construção
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do fluxograma explicativo de situações-problema; a Metodologia de Modelização, cujo
emprego, no âmbito da Gestão Estratégica Pública, se dá, fundamentalmente, para
proceder à análise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de
governo; e a Metodologia de Planejamento de Situações que, a partir deste fluxograma,
permite o detalhamento da matriz operacional (ações, atores, recursos, prazos etc.) e
completa o ciclo da GEP.
O sexto capítulo tem por finalidade apresentar a Metodologia de Análise de Políticas.
Essa metodologia é destacada devido à sua capacidade de enfocar a interface entre a
sociedade e o Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até
então fazia a Ciência Política. E também por enfocar a questão da elaboração dos planos e
da sua execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia
a Administração Pública. .
Finalmente, se apresenta as Considerações Finais que chamam a atenção para a
necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas colocadas pela atual
conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser construído. Ajustar o
aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade é um direito legítimo
de governos eleitos com o compromisso de levar a cabo suas propostas.
Instruções operacionais aos alunos do Curso
Metodologia de aprendizado
Parte-se da idéia de que, mais do que um certificado, é importante para alunos que
concluem um curso de pós-graduação como este produzir algo que represente o resultado
que alcançaram ao longo de seu processo de aprendizado e que possa ser apresentado e
utilizado em seu ambiente de trabalho.
Ademais, no caso de um curso cujo objetivo é fornecer elementos teórico-práticos
orientados a aumentar a capacidade de equipes para atuar em ambientes de governo de
um país periférico, onde é claramente deficitária a Gestão Estratégica Pública,
consideramos que esse instrumento deve satisfazer condições adicionais.
Acreditamos que ele deve ser um documento que registre de forma sistemática os
resultados parciais e final que forem sendo alcançados com vistas àquele objetivo. Se isso
ocorrer, os alunos estarão contribuindo com o esforço dos professores e ex-alunos do Curso
de aprimorar o processo de elaboração (formulação, implementação e avaliação) das
políticas públicas nacionais.
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Dada a natureza do Curso, consideramos que esse documento, que denominamos
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), deve ser elaborado por equipes de 3 a 4 alunos,
simulando as atividades que costumam ser realizadas em ambientes de gestão.
O TCC será elaborado paulatinamente em torno de uma situação-problema escolhida
e enunciada por cada equipe. Este enunciado, que servirá de base para o TCC, deverá
tomar como ponto de partida os problemas enfrentados pelos alunos em seu ambiente de
trabalho. O TCC será, então, elaborado mediante a aplicação dos conceitos, metodologias e
conteúdos apresentados ao longo do curso com vistas a “processar” a situação-problema.
A metodologia de aprendizado adotada no Curso está baseada na identificação e no
“processamento” de uma situação-problema e tem como elemento aglutinador a elaboração
do TCC. No que segue são apresentadas algumas características da metodologia de
aprendizado. Talvez o seu cabal entendimento só ocorra numa segunda leitura, após a
apresentação das metodologias de diagnóstico e planejamento de situações-problema;
respectivamente, Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) e Metodologia de
Planejamento de Situações (MPS).
A ênfase do TCC irá recair inicialmente sobre o “momento descritivo” da situação-
problema. E, em seguida, sobre o “momento explicativo”, dedicado a explicar como e por
que se chegou à situação-problema descrita. Esses dois primeiros momentos são tratados,
principalmente, com base na MDS. O terceiro momento ─ o “momento normativo” ─, que na
nossa metodologia de trabalho se segue aos dois anteriores, tem início com a apresentação
da MPS. Esse último momento tem por objetivo focalizar a transformação da situação-
problema mediante a aplicação dos instrumentos adquiridos durante o Curso, e de acordo
com sua visão de mundo, suas opções políticas, culturais, de gênero etc.
A elaboração do TCC supõe um esforço coletivo da equipe e, também, um esforço
individual, sem o qual o primeiro dificilmente terá êxito.
O esforço individual
O esforço individual se relaciona a uma tarefa que deve ser realizada por cada aluno.
Todos deverão entregar via Teleduc (ferramenta de ensino-aprendizagem à distância
desenvolvida pela Unicamp), até sete dias antes de cada Encontro (impreterivelmente),
suas Impressões de Leitura sobre o conteúdo da bibliografia para ela indicada. As
Impressões de Leitura não têm um modelo ou um tamanho rígido. Em cerca de 6 mil
caracteres e incorporando em um documento único todos os textos utilizados em cada
encontro, elas deverão sintetizar as reflexões do aluno acerca do conteúdo à luz de sua
7
formação, experiência profissional e convicções. Em outras palavras, as impressões de
leitura devem ser redigidas com base em duas questões: 1) o posicionamento crítico do
aluno com relação às propostas e argumentos dos textos; e 2) sua relação com o seu
ambiente de trabalho no setor público. Elas serão comentadas e devolvidas aos alunos até
24 horas antes do início do Encontro correspondente. A avaliação individual de cada aluno
levará em conta as suas Impressões de Leitura. Atrasos na entrega serão penalizados da
seguinte forma: 20% de desconto do peso máximo para até uma semana de atraso e 40%
de uma a duas semanas. Impressões de leitura enviadas com três ou mais semanas de
atraso não terão mais valor para a avaliação. Mas além de ser um mecanismo de avaliação
as impressões de leitura são atividades importantes para a elaboração do TCC. Boas
impressões de leitura auxiliam na sua confecção. Os Encontros serão desenvolvidos tendo
como referência as Impressões de Leitura preparadas pelos alunos. De maneira a evitar
uma relação unidirecional pouco produtiva, sobretudo em cursos de pós-graduação como
este, as exposições do professor devem ser limitadas. Deverá ser privilegiada uma
discussão que contemple os pontos de interesse (dúvidas, críticas, complementação em
função de outras leituras e de experiências pessoais etc.) dos alunos.
A bibliografia e o ordenamento dos assuntos
A bibliografia foi escolhida em função das opções metodológicas e programáticas do
Curso. Deu-se preferência a autores brasileiros e de outros países latino-americanos,
mesmo quando o assunto tratado se refere à realidade de outras regiões ou quando o
conteúdo versa sobre contribuições originalmente propostas por autores estrangeiros. Isso
porque se considerou que a perspectiva de análise daqueles autores tende a ser mais
adequada para a compreensão de nossa realidade e mais pertinente aos objetivos do
Curso. E também porque o esforço realizado por vários dos autores, de proporcionar uma
perspectiva comparada entre os vários países da região e destes com os países de
capitalismo avançado, é útil para a melhoria da Gestão Pública brasileira. Foram também
selecionados trabalhos de estrangeiros com familiaridade com a realidade de América
Latina.
A opção de basear a metodologia de aprendizado na leitura de artigos recentemente
publicados em revistas especializadas se deve à intenção de simular, ao longo do Curso, o
trabalho que os gestores devem se acostumar a realizar quando da pesquisa sobre um
assunto pertinente às suas preocupações. Isso envolve uma familiarização com os
diferentes tipos de linguagem utilizados, as fontes de referência mais importantes, a
8
bibliografia nacional e estrangeira de natureza seminal ou considerada mais pertinente, as
técnicas de leitura e interpretação de texto etc. Envolve, também, a percepção de como
pesquisadores contemporâneos debatem, atualizando ou aprimorando as contribuições de
seus predecessores.
Na escolha da bibliografia buscou-se associar o tema de cada Encontro e Sessão a
uma ou mais referências que dele tratassem de forma específica e exclusiva. O que não é,
evidentemente, exeqüível. Faz parte da boa prática acadêmica que pesquisadores, ao
focalizar um assunto, abordem outros que estão à montante ou que são influenciados por
ele. Embora em alguns poucos casos se tenha “mutilado” um trabalho recomendando a
leitura de só uma de suas partes, ou “esquartejado”, sugerindo a leitura de uma delas para
uma sessão e outra para outra, se preferiu evitar este procedimento. Isso porque pareceu
importante que os alunos percebessem a maneira particular como o autor interpreta as
situações que analisa e as contribuições de seus antecessores. Caso o aluno tenha
interesse por bibliografia complementar sugerimos a leitura das referências indicadas nos
textos da bibliografia obrigatória.
Quando, em sala de aula, o professor comentar o conteúdo da bibliografia, será
privilegiada a apresentação das idéias dos autores e a crítica interna aos seus argumentos.
Só depois disso, será formulada uma crítica externa buscando contrastar essas idéias e
argumentos com a de outros autores lidos pelos alunos.
O ordenamento dos assuntos visou encadeá-los tratando em cada sessão um assunto
que “respondesse” a outro abordado na anterior e “perguntasse” algo a ser abordado na
seguinte, a partir da leitura da bibliografia correspondente. E, também, é claro, materializar
intenção de respeitar o preceito pedagógico de tratar assuntos numa ordem que propicie ao
aluno um envolvimento com eles crescente e adequado ao seu interesse.
No que se refere às metodologias ─ MDS, Modelização e MPS ─ o ordenamento deu-
se em virtude da precedência das primeiras em relação à terceira. No que se refere à
Metodologia de Análise de Políticas sua posição no Programa se deve ao fato de que
àquela altura do Curso os alunos já terão elementos suficientes para a sua aplicação.
O esforço coletivo
O esforço coletivo se relaciona à elaboração em equipe do TCC. Ele se inicia no
primeiro Encontro com a formação de oito equipes (duas de 3 integrantes e seis de 4
integrantes) que se constituirão em torno das situações-problema identificados. Até 48
horas antes do segundo Encontro (e até o quarto), cada equipe entregará o fluxograma
9
resultante da aplicação da MDS sobre a “sua” situação-problema para serem comentadas
visando a sua adequação ao formato pretendido. Sempre com a mesma antecedência, a
cada Encontro, cada equipe apresentará via Teleduc o resultado de seu trabalho no período
que se iniciou com o Encontro anterior; em especial o relacionado à bibliografia sugerida
para o Encontro correspondente.
A idéia é que cada equipe registre o modo como a bibliografia contribui para
enriquecer o diagnóstico da situação-problema com a qual está trabalhando (o que
reputamos como um insumo essencial para o trabalho coletivo de elaboração do TCC).
Após da apresentação da MDS, a partir do segundo e até o nono Encontro, logo no
início da sessão de sexta-feira, duas das oito equipes apresentarão o andamento de seu
trabalho em até 20 minutos (seguidos de até 15 minutos de discussão). Isso permitirá que
cada equipe apresente duas vezes o andamento de seu trabalho ao longo do curso e que
receba os comentários, críticas e sugestões dos demais participantes.
No quinto Encontro será apresentada a MPS e a partir de então as equipes
trabalharão visando a sua aplicação à “sua” situação-problema já previamente processada
com a MDS.
A partir do sexto Encontro, e seguindo o mesmo procedimento anterior, cada equipe
entregará o resultado de seu trabalho de incorporar, ao produto da aplicação da MPS, os
assuntos relacionados à bibliografia sugerida para a sessão correspondente. Assim, as
opiniões de cada integrante da equipe, independentemente de terem sido registradas nas
correspondentes Impressões de Leitura, serão incorporadas ao TCC.
Também a partir do sexto Encontro, logo no início da sessão de sexta-feira, duas das
oito equipes apresentarão o andamento de seu trabalho em até 20 minutos (seguidos de até
15 minutos de discussão).
Avaliação
A avaliação dos alunos contemplará tanto o esforço individual quanto o esforço
coletivo. Para a avaliação final o esforço individual (Impressões de Leitura) tem um peso de
60% e o esforço coletivo (TCC) um peso de 40%.
Sobre o Trabalho de Conclusão de Curso
Coerentemente com o acima indicado, esta seção detalha as características do TCC
deste módulo de 120h e de seu processo de elaboração.
10
Devido à importância do TCC, consideramos que o processo de sua elaboração deve
receber atenção prioritária por parte de todos os envolvidos com o Curso (alunos e
professores) devendo as demais atividades (aulas presenciais e leituras) ser concebidas de
maneira a subsidiar este processo.
Características esperadas do TCC
Deverá ser evitada, na concepção do TCC, uma ênfase excessiva na apresentação e
descrição de propostas, atividades, programas, processos de formulação, implementação e
avaliação, aspectos institucionais, resultados já obtidos etc., relativos à situação-problema
escolhida.
A originalidade do enfoque de gestão estratégica pública adotado neste Curso, em
particular a combinação concebida entre os instrumentos de Modelização, Análise de
Políticas e Planejamento Estratégico Situacional, demanda uma cuidadosa elaboração do
TCC. Ela deverá estar apoiada nas atividades a seguir indicadas que, sem serem todas
obrigatórias, servirão de balizamento para tanto. As reações das equipes a elas e a sua
eventual realização deverá ser sistematicamente registrada, de modo a permitir uma boa
organização do trabalho e o encadeamento seqüencial dos resultados parciais obtidos.
Roteiro
São propostos dois blocos de procedimentos para a elaboração do TCC:
O primeiro bloco ─ Procedimentos Básicos ─ pode ser entendido como algo
“obrigatório” ou essencial para a elaboração de um bom TCC.
O segundo ─ Procedimentos de Aprofundamento ─ apresenta sugestões para que as
equipes possam aprofundar seu trabalho e deverá ser utilizado a partir das especificidades
de cada situação-problema escolhida.
1) Procedimentos Básicos
Os procedimentos para a elaboração do TCC envolvem, necessariamente, as
atividades apresentadas abaixo:
i) Identificar uma situação-problema relevante para o trabalho cotidiano de uma equipe
de gestão.
ii) Realizar um diagnóstico da situação-problema que merece o envolvimento da
equipe como “ator que declara” e como ator disposto a atuar. A aplicação da Metodologia de
Diagnóstico de Situações (MDS) é o primeiro marco do processo de elaboração do TCC,
uma vez que permite a obtenção de uma clara identificação das variáveis e relações de
11
causalidade que compõem a modelização do sistema sobre o qual se desenvolverá o
trabalho até o final do Curso.
iii) Elaborar uma lista preliminar dos indicadores disponíveis acerca da situação-
problema aparentemente adequados para o seu processamento.
iv) Identificar os atores sociais pertinentes ao âmbito da situação-problema e descrever
a forma como atuam no sentido de mantê-la ou alterá-la.
v) Descrever o processo decisório mediante o qual a situação-problema foi gerada e
pode ser explicada e identificar os atores mais significativos.
vi) Analisar os processos de definição e priorização de assuntos que integram a
agenda pública (ou sistêmica).
vi) Identificar o processo de conformação da agenda decisória (ou política)
protagonizado pelos atores com maior poder e pelo governo (agenda governamental)
indicando eventuais conflitos abertos, encobertos e latentes que podem ser associados a
ela e a conveniência da transformação destes em conflitos abertos.
viii) Apontar os descritores de Situação-Objetivo (ou Resultados esperados) com a
resolução ou a superação da situação-problema escolhida.
ix) Descrever as restrições identificadas no balanço expresso no Triângulo de Governo
relacionando a ambição de mudança do projeto político do “ator que declara” à
disponibilidade de apoio político e de capacidade de governo.
x) Revisar a lista de indicadores da situação-problema de modo a eliminar os
desnecessários ou inadequados e incorporar os que decorrem das análises realizadas.
2) Procedimentos de aprofundamento
Sugere-se que, além de realizar as tarefas listadas acima, os grupos atendam às
seguintes recomendações:
i) Tendo como referência a situação-problema escolhida, avaliar as dificuldades
enfrentadas pelo governante em fazer cumprir a agenda governamental (aquela que decorre
de seu plano de governo) e dos demais compromissos em relação às praticas de governo
adotadas.
ii) Tendo em vista a situação-problema estudada, relacionar as escolhas da equipe
com a idéia de que a expressão: “o Estado (ou governo) não funciona”, tende a obscurecer
o fato de que sua racionalidade e funcionalidade correspondem a um dado balanço de
poder político e econômico e que esse mau-funcionamento favorece certos segmentos
sociais. Quais os beneficiários e eventuais perdedores do “mau-funcionamento” do Estado?
12
iii) Identificar características da situação-problema que podem ser associadas aos
elementos presentes na implantação do modelo de Reforma do Estado Gerencial em curso
(processos de privatização e terceirização; transferência de funções/recursos do nível
federal para o municipal; diminuição da capacidade de regulação, planejamento e gestão;
desmobilização dos funcionários etc.).
iv) Identificar, nas instituições, equipes e atores envolvidos com o assunto as
dificuldades e deficiências relacionadas ao modo de funcionamento da “máquina pública”.
v) Indicar operações capazes de buscar equacionamento ou alterar a situação-
problema propiciando um aumento da governabilidade e de objetivos colaterais, como a
elevação do grau de participação popular etc.
Conteúdo programático
A tabela apresentada a seguir proporciona uma idéia geral do desenvolvimento do
Curso, composto por dez Encontros Semanais, cada um com três sessões de quatro horas,
num total de 120 horas-aula. Ali se indica, para cada sessão, o assunto tratado e a
bibliografia cuja leitura deverá ser realizada com anterioridade à sessão.
Observe que apenas quando necessário se indica a data de publicação. Veja na seção
seguinte ─ Bibliografia ─ a indicação bibliográfica completa. Em alguns casos, os trabalhos
sugeridos não tratam especificamente do tema das sessões e por esta razão aparece um
intervalo de páginas que são as que deverão ser lidas para a sessão correspondente.
13
Enc. Assunto da
Sessão Objetivo (compreender/entender...) Bibliografia
sex M
Apresentação do Curso
Uma visão preliminar de conjunto sobre o enfoque estratégico da Gestão Pública como uma alavanca de transformação do “Estado Herdado” em
direção ao “Estado Necessário”
Dagnino (2009:
Introdução e cap I e II)
1 sex T
O Global e o Local
A atual crise como manifestação das contradições do capitalismo à escala mundial; a Bahia de uma perspectiva exógena
Boaventura, Gonçalo
sáb Metodologia de Diagnóstico de
Situações
Apresentação da MDS visando à concepção preliminar do modelo da situação-problema que será enriquecido ao longo do Curso através das
leituras e discussões
Dagnino (2009:
cap.III e IV)
sex M
Sobre os Governos de Esquerda na
América Latina
Caracterização da conjuntura que vivem os governos latino-americanos como um momento da trajetória da esquerda
Fiori
2 sex T
Análise sobre a Conjuntura
Análises críticas sobre o desempenho dos governos de esquerda (revolução passiva ou contra-reforma? e o “possibilismo”)
Borón, Coutinho, Oliveira
sáb Metodologia de
Modelização
Pensamento complexo, sistemas e modelização; a Gestão Estratégica Pública e sua interface com a sociedade como um sistema complexo;
modelização de sistemas (situações-problema)
Dagnino (2009: cap.
III)
sex M
O Estado na América Latina Contemporânea
Oito proposições e dez teses sobre o Estado latino-americano contemporâneo
O´Donnell (2007)
3 sex T
Caráter do Estado
Capitalista
O Estado como “garantidor” das relações de produção capitalistas (organização, exterioridade, racionalidade limitada e contradição)
O’Donnel (1981 p. I)
sáb Cidadania,
Nação e Povo
O papel das três mediações entre o Estado-Sociedade (a cidadania como fundamento, a nação como referencial e o povo como fundamento e
referencial ambíguo do Estado) para o movimento do capital e as suas relações
O’Donnel (1981 p. II)
sex M
As relações Estado-
Sociedade no Capitalismo
A tripla relação Estado-Sociedade (a funcional ou da divisão social do trabalho, a material ou da distribuição do excedente social, e a da dominação
ou da correlação de poder) e a conformação da agenda
Oszlak (1997)
4 sex T
Trajetória da relação Estado-Sociedade no
Brasil
A evolução do Estado brasileiro e da Gestão Pública à luz das particularidades (patrimonialismo e outros “ismos”) e do caráter das relações Estado-Sociedade referentes à trajetória sócio-política e econômica do País
até o surgimento do neoliberalismo
Tenório e Saravia
{107-122}, Costa {140-
155}
sáb
O Estado Brasileiro e as
Políticas Sociais
Como se materializam, no caso brasileiro, as características do Estado capitalista tendo como referência as políticas sociais; a relação público-
privado e as políticas sociais Faleiros
sex M
Antecedentes da Reforma Neoliberal
O pensamento neoliberal como uma reação ao movimento dos trabalhadores e pelo socialismo e um ataque ao Estado de Bem-estar tendo como foco a
“questão social” Fonseca
5 sex T
A Proposta do Estado
Gerencial
A proposta (Gerencial) de Reforma do Estado segundo o seu personagem principal (postura de crítica “interna”)
Bresser
sáb Críticas à
Reforma do Neoliberalismo
O conceito de governança da Reforma Gerencial; por que não se aplicam as suposições da Reforma Gerencial (um teste empírico numa postura de crítica
“interna”) Schmitter
sex M
Críticas à Reforma Gerencial Brasileira
Críticas pontuais à Reforma Gerencial brasileira e proposições relativas à gestão social
Tenório e Saravia
{122-130}, Costa {133-
140}
6 sex T
As Políticas Sociais no pós-neoliberalismo
Como vem sendo enfrentada a “questão social”? a nova geração de políticas sociais latino-americanas
Kliksberg (2006), Diniz
sab Metodologia de Planejamento de Situações
Apresentação da MPS visando à proposição preliminar de ações, identificação de atores, definição de prazos, responsáveis, etc. a partir do
modelo da situação-problema concebido no início do Curso
Dagnino (2009: cap
V)
sex M
Metodologia de Análise de
Políticas - visão panorâmica
Metodologia de Análise de Políticas: conceitos, momentos e modelos Ham e Hill
7 sex T
Metodologia de Análise de Políticas -
roteiro
Roteiro para a realização de Análise de Políticas; a análise das agendas pública, decisória e governamental; a agenda decisória como Estado em
processo
Dagnino (2009: cap
VI)
sáb Metodologia de
Análise de Diferenças entre Avaliação e Análise de Políticas; tendência ao
tecnocratismo versus politização da política pública; por que ao gestor não Cavalcanti e
Dagnino
14
Políticas - o Gestor e o
Analista
basta ser um avaliador? por que ele tem que ser um analista de políticas?
sex M
Burocratas e o Estado
Modelos de prática administrativa, tipologia das burocracias latino-americanas; os burocratas e o desenvolvimento brasileiro
Koldo Echebarría,
Rua e Aguiar
8 sex T
Capacitação do Funcionalismo
e Mudança Social
A institucionalização da direção pública profissional Ospina, Longo, Pullido
sáb
Características da Gestão
Pública Latino-americana
Especificidades da Gestão Pública latino-americana (insularidade, hibridismo, etc.)
Waissbluth (2003), Evans
sex M
Propostas para a Gestão
Pública Latino-americana
Indicações para mudança; recomendações aos dirigentes sobre o quê fazer e o quê não fazer.
Waissbluth (2002)
9 sex T
Experiências de Democracia Participativa
Dilemas e dificuldades da gestão participativa em diferentes níveis da estrutura administrativa (experiências latino-americanas de orçamento
participativo e Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social brasileiro)
Kliksberg (2005),
Cunil Grau, Goldfrank
sáb
O “Técnico” e o “Político”:
Combinar ou Fundir?
É possível uma combinação entre o “técnico” e o “político” na transição para o “Estado Necessário”
Brugué
sex M
O Estado e os Desafios da Democracia
Uma tentativa de síntese dos desafios atuais da Gestão Pública latino-americana apontando as várias “caras” com que ela se apresenta aos
diferentes atores sociais
O’Donnel (2008)
10 sex T
E depois do Estado
Neoliberal? Uma proposta heterodoxa para a Gestão Pública
Thwaites Rey
sáb Encerramento
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18
CAPÍTULO I: CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS À GESTÃO ESTRATÉGICA
PÚBLICA
1. Introdução
Embora com um título que pode dar a impressão de que seu objetivo é tão-
somente introduzir o tema e que por isso não merece ser entendido como um
assunto importante para a formação do aluno, este capítulo é, de fato, uma das
unidades do Curso. Tal como o capítulo seguinte, ele é essencial para a
compreensão dos que o seguem, orientados à exposição das metodologias mais
utilizadas na GEP.
O Capítulo se inicia com um breve histórico do planejamento de modo a
explicitar algumas características do contexto sócio-político em que se verificam as
relações Estado-Sociedade no capitalismo periférico. Em conjunto com as demais
seções, ele permite ressaltar o ambiente adverso no qual se pretende que a GEP
seja implantado.
1.1. Um breve histórico do planejamento
Embora o planejamento possa ser considerado como uma extensão do
pensamento marxista, na medida em que estava nele implícita a possibilidade de
conferir ao Estado herdado do capitalismo um papel destacado na organização das
tarefas associadas à transição ao socialismo, foi somente no período da Nova
Política Econômica, já no início dos anos de 1920, que o planejamento se integra ao
arsenal do Estado soviético.
O planejamento ─ com a conotação que é a aqui adotada e que se refere ao
âmbito nacional, global ─ passa a ser entendido, então, como uma possibilidade de
superar as relações sociais e técnicas de produção capitalistas. E, assim, substituir
o mercado como ente regulador e alocador de recursos. Inspirado na experiência do
exército revolucionário advinda da luta contra a burguesia e contra os inimigos
externos, e apoiado pelos estudos sobre o que viria a constituir a metodologia de
balanço intersetorial (matriz de insumo-produto), o planejamento logo se afirmou
como instrumento de organização da economia socialista.
A potencialidade que ele apresentava em termos de prospectiva, simulação e
organização para a consecução das metas econômico-produtivas permitiu que em
19
menos de um qüinqüênio fosse possível atingir os níveis de produção agrícola e
industrial vigentes antes da destruição causada pela guerra, pela revolução e pela
sabotagem contra-revolucionaria.
A rápida industrialização e o crescimento da produção agrícola da URSS
permitiram que ela despontasse como uma aliada essencial para a vitória sobre o
nazismo e, já num contexto de Guerra Fria, o planejamento passou a gerar efeitos
sócio-econômicos positivos nos demais países do bloco socialista.
No âmbito dos países capitalistas, e buscando uma emulação da experiência
soviética, um planejamento de tipo socialista foi adotado por um curto período na
França da Frente Popular em meados dos anos de 1930.
De fato, nos países capitalistas, foi só em situações onde era necessária uma
intensa mobilização econômica que os dirigentes preferiram a racionalidade do
planejamento à capacidade do mercado de otimizar a alocação de recursos. Isso
ocorreu primeiro na Alemanha nazista, no período de preparação do esforço de
guerra que antecedeu o conflito, estendendo para a economia como um todo os
métodos desenvolvidos no âmbito militar.
Assim, embora sem que se possa caracterizar propriamente como
planejamento na acepção que o termo viria a ter posteriormente, as iniciativas
implementadas durante o esforço de guerra e nos processos de reconstrução
Européia no imediato pós-guerra se utilizaram de métodos que se aproximavam
daqueles usados no campo socialista.
Parece que o sucesso dessas iniciativas foi um elemento importante para que
a idéia do planejamento se fortalecesse na América Latina. Experiências anteriores,
como as que ocorreram no início da década de quarenta no Brasil, ganharam
impulso, estimuladas no pós-guerra pela Organização das Nações Unidas (em
especial da Comissão Econômica para a América Latina e o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento).
No plano teórico, esse processo levou a importantes contribuições amparadas
num amplo espectro ideológico que ia desde o materialismo histórico até o
pensamento conservador, passando pela visão keynesiana. No plano das ações de
governo, surgiram no Brasil, a partir dos anos cinqüenta, sucessivas experiências de
planejamento no âmbito federal. Algumas das quais, como a do Plano de Metas
20
(1956-1961) do governo de Juscelino Kubitschek, bastante bem sucedidas a julgar
pelos resultados que obtiveram.
A experiência brasileira de planejamento se aprofunda durante o período
militar. Sucessivos planos são formulados e implementados a partir de 1964
seguindo o estilo autoritário, centralizador e economicamente concentrador que
caracterizou os governos militares. Seu projeto de Brasil-grande-potência
demandava uma mobilização que, ainda que em menor grau do que havia ocorrido
no âmbito dos países avançados, demandava um significativo esforço de
planejamento.
No início dos anos setenta, a implantação de um Sistema de Planejamento
Federal, deu origem a três edições do Plano Nacional de Desenvolvimento. O último
deles, com um período de execução que coincidiu com a perda de legitimidade da
ditadura militar que antecedeu a abertura e a redemocratização do País, terminou
por explicitar o caráter demagógico e manipulador que envolveu a experiência de
planejamento dos militares.
Com o governo civil da Nova República, iniciado em 1985, é tentado sem muito
sucesso retomar iniciativas de planejamento que fossem mais além do plano
setorial. A partir do governo Collor, com a adoção da orientação neoliberal,
iniciativas de planejamento no sentido estrito do termo, sobretudo as que visavam o
âmbito nacional, global, passam a ser cada vez mais escassas.
1.2. O contexto sócio-político em que se deve inserir a Gestão Estratégica
Pública
Esta seção, assim como as duas que seguem, tem por objetivo precisar o
contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso ─ contribuir para que as
atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis e instâncias
governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em
conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer.
Nesse sentido, há que esclarecer nossa opinião, já esboçada ao longo da
retrospectiva realizada na seção anterior, de que o contexto brasileiro atual é
adverso à adoção da Gestão Estratégica Pública como um instrumento de gestão
pública. As atividades a ele correspondentes terão que se desenvolver no interior de
um aparelho de “Estado Herdado”, não preparado para atender as demandas que a
21
sociedade hoje lhe coloca. E, ao mesmo tempo, deverão atuar no sentido de
transformá-lo no sentido da criação do “Estado Necessário”, entendido como um
Estado capaz não apenas de atendê-las, mas de fazer emergir e satisfazer as
demandas da maioria da população.
Para introduzir o tema central desta seção vamos colocar uma pergunta que
possui como resposta, justamente, o porquê da existência de uma disciplina de GEP
num Curso de Especialização que deve ter como compromisso capacitação de
gestores públicos para promover a construção do “Estado Necessário”. Um Estado
que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da população e
projetar o País numa rota que leve a estágios civilizatórios sempre superiores?
A resposta a esta pergunta será formulada em duas etapas. Primeiramente
serão identificadas as características do “Estado Herdado”. Do processo de sua
constituição, em particular do seu crescimento durante o período autoritário6 que
sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento pelo
neoliberalismo7. Em segundo lugar, serão fornecidos elementos que levam à
constatação de que este Estado que herdamos é duplamente incompatível com a
proposta de mudança que a sociedade brasileira deseja: sua forma não
corresponde ao conteúdo para onde deve apontar sua ação. De um lado porque, a
forma como se relaciona com a sociedade, impede que ele formule e implemente
políticas públicas com um conteúdo que contribua para alavancar essa proposta. De
outro porque o modo como se processa a ação de governo na sua relação com o
Estado existente, determinado pelos contornos de seu aparelho institucional, é
irreconciliável com as premissas de participação, transparência e efetividade dessa
proposta.
6 Guillermo O’Donnell, pesquisando sobre as particularidades de um tipo específico de Estado capitalista, o Estado burocrático autoritário latino-americano (O’DONNEL, 1981), é provavelmente o pesquisador que mais tem contribuído para o entendimento desse primeiro componente da matriz que conforma o que chamamos “Estado Herdado”, que provém do período militar. Sua expressão “corporativismo bifronte”, que seria a combinação de uma face “estatista” que teria levado à “conquista” do Estado e à subordinação da sociedade civil com outra “privatista” que o teria colocado a serviço de setores dominantes suas áreas institucionais próprias é especialmente elucidativa (O’DONNELL,1976:3). 7 Entre os muitos trabalhos que conceituam o neoliberalismo e que nos autorizam a caracterizar a Reforma Gerencial que caracteriza o segundo componente que conforma o que chamamos “Estado Herdado” como neoliberal, recomendamos pela sua clareza e facilidade de entendimento a excelente resenha feita por Diniz (2007).
22
1.3. As características do “Estado Herdado”
Mais além das preferências ideológicas, a combinação que o País herdou do
período militar (1964-1985), de um Estado que combinava autoritarismo com
clientelismo8, hipertrofia com opacidade, insulamento com intervencionismo,
deficitarismo com megalomania não atendiam ao projeto das coalizões de direita ou
de esquerda que, a partir da redemocratização que se inicia em meados dos anos
de 1989, o poderiam suceder.
É um princípio básico da ação humana, da atuação das organizações, e
também da GEP, o fato de que todas as decisões têm um custo de operação e que,
se equivocadas, demandam a absorção de custos de oportunidade econômicos e
políticos.
O Estado legado por mais de 20 anos de autoritarismo não contemplava os
recursos como escassos. Os econômicos podiam ser financiados - interna ou
externamente - com aumento da dívida imposta à população, os políticos eram
virtualmente inesgotáveis, uma vez que seu aparato repressivo a serviço do regime
militar sufocava qualquer oposição.
A reforma gerencial desse Estado9, que pregava a doutrina neoliberal e que
empreenderam os governos civis que sucederam à débâcle do militarismo, não
encontrou muitos opositores. Para a direita, questão era inequívoca. Não havia
porque defender um Estado que ela considerava super-interventor, proprietário,
deficitário, “paquidérmico”, e que, ademais, se tornava crescentemente anacrônico
na cena internacional. Na verdade, já há muito, desde o momento em que, no
cumprimento de sua função de garantir a ordem capitalista, ele havia sufocado as
forças progressistas e assegurado as condições para a acumulação de capital, ele
se tornara disfuncional.
Para a esquerda, que havia participado no fortalecimento do Estado do
nacional-desenvolvimentismo, a questão era bem mais complicada. Ela o entendia
8 8 Para uma análise detalhada deste e de outros “ismos” que caracterizam o “Estado Herdado” (patrimonialismo, mandonismo, personalismo, formalismo) ver Costa (2006). Reconhecendo a existência de características semelhantes da relação Estado-Sociedade em outros países latino-americanos, Fragoso (2008) mostra como se manifestam trajetórias distintas entre eles no que diz respeito ao desenvolvimento do que ele denomina “nova gerência pública”. 9 O mais conhecido expoente da proposta de Reforma Gerencial do Estado brasileiro é Luis Carlos Bresser Pereira. Entre vários outros trabalhos de sua autoria, em Bresser Pereira (1998) são apresentadas as principais características da Reforma Gerencial. Seu documento oficial (Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado, 1995), que pautou as iniciativas governamentais neste sentido é uma transposição de suas idéias para uma linguagem não-acadêmica.
23
como um baluarte contra o que denominava a dominação imperialista e como uma
espécie de sucedâneo de uma burguesia incapaz, por estar já aliada com o capital
internacional, de levar a cabo sua missão histórica de promover uma revolução
democrático-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo, o crescimento do
Estado era visto pela esquerda como um “mal menor”: ao mesmo tempo em que
denunciava o caráter de classe, repressivo e reprodutor da desigualdade social do
Estado brasileiro, ela via este crescimento como necessário para viabilizar seu
projeto de longo prazo de reconstrução nacional. E, também, para sentar as bases
do que seria o Estado forte capaz de planejar e viabilizar a transição ao socialismo
segundo o modelo soviético ainda vigente.
A questão dividiu a esquerda. De um lado os que, frente à ameaça de um
futuro incerto defendiam intuitivamente o passado, e os que, defendendo interesses
corporativos mal-entendendo os conceitos de Estado, nação e autonomia nacional,
defendiam ardorosamente o Estado que herdáramos. De outro os que, por entender
que a construção do “Estado Necessário” iria demandar algumas das providências
que estavam sendo tomadas e que o fortalecimento de uma alternativa democrática
e popular ao neoliberalismo não privilegiava a questão, defendiam o controle da
sociedade sobre o processo de privatização.
1.4. A democratização política e o “Estado Necessário”
Com o final do regime militar, o Brasil inicia um processo de democratização
política que tende a possibilitar um aumento da capacidade dos segmentos
marginalizados de veicular seus interesses levando à expressão de uma demanda
crescente por direitos de cidadania.
Na medida em que este processo avançar, aumentará ainda mais a
capacidade dos segmentos marginalizados de veicularem seus interesses e
necessidades não atendidas por bens e serviços ─ alimentação, transporte,
moradia, saúde, educação, comunicação etc. ─ e, com isto, a demanda por políticas
públicas capazes de promover seu atendimento. É o que tem sido chamado de
cenário tendencial da democratização.
Para satisfazer essas necessidades sociais com eficiência, e no volume que
temos em países como o Brasil, será necessário “duplicar o tamanho” dessas
24
políticas para incorporar os 50% desatendido da população. Tarefa que, por si só, já
evidência a importância da GEP.
Se não for possível promover um processo de transformação do “Estado
Herdado” em direção ao “Estado Necessário”10 que permita satisfazer necessidades
sociais represadas ao longo de tanto tempo o processo de democratização pode
ver-se dificultado e até abortado, com enorme esterilização de energia social e
política.
É claro que para satisfazer aquelas demandas, o ingrediente fundamental, que
não depende diretamente do Estado, é uma ampla conscientização e mobilização
políticas que, se espera, ocorra sem um custo social maior do que o que esta
sociedade vem pagando.
O fato de que parece necessário que o Estado faça a "sua parte" é uma das
motivações deste Curso. Isto é, aumentar as chances de êxito do trabalho que deve
ser desenvolvido na "frente interna" de gerar as condições cognitivas necessárias
para a transformação do Estado. A qual está sendo impulsionada na "frente externa"
do contexto social e político, pelos segmentos da sociedade identificados com o
estilo alternativo de desenvolvimento que se desenha para o futuro.
É verdade que a correlação de forças políticas, que sanciona uma brutal e até
agora crescente concentração de poder econômico, muito pouco espaço deixa para
que uma ação interna ao Estado possa alterar a situação de miséria em que se
encontra a maioria da população.
Há que entender a esse respeito que a configuração que hoje possui o Estado
brasileiro ─ o “Estado Herdado” ─ é uma conseqüência da concentração de poder
econômico e político que temos no País que foi estabelecendo um tipo particular de
relação Estado-Sociedade. Ela se revela na coexistência, no âmbito das políticas
públicas que implementa o Estado, de dois espaços distintos. Um, que serve à
classe proprietária, à criação da infraestrutura econômico-produtiva e à
coordenação econômica, que são relativamente preservados e insulados do
clientelismo e que seguem um padrão de eficiência e eficácia11 semelhante àquele
10 Muitas contribuições, a partir de uma crítica à Reforma Gerencial, têm apresentado elementos do que aqui enfeixamos na proposta de “Estado Necessário”. Entre as mais recentes, podemos citar Tenório e Saravia (2006), Thwaites Rey (2008), Costa (2006). 11 O’Donnell (2004) formula um esquema para entender e avaliar o Estado baseado em quatro dimensões. A da eficácia do conjunto de burocracias que o compõem; da efetividade do seu sistema legal; da credibilidade que granjeia como realizador do bem comum da nação, ou do povo; e da
25
que vigora no Estado de bem-estar dos países avançados. Outro, que abrange os
órgãos pertencentes aos ministérios sociais que servem às classes subalternas, que
são objeto de repartição política entre os partidos que apóiam o governo e em que é
usual a prática do clientelismo, onde aquele padrão se situa muito abaixo daquele
que exibem países periféricos com renda per capita muito inferior à nossa.
Esse tipo particular de relação Estado-Sociedade se revela, também e por
conseqüência, numa segmentação do funcionalismo público em duas categorias
que convivem no interior do Estado. Elas se conformaram na década de 1950,
quando o recém se consolidava uma administração meritocratica de tipo
“weberiano” que pretendia se impor ao modelo burocrático patrimonial12. Com
características profissionais e remuneração muito distintas, elas passaram a ser
responsáveis pelo funcionamento daqueles dois espaços de política pública que
vêm desde então contribuindo para aprofundar nossa concentração de poder
econômico e político.
A existência desses dois espaços e, conseqüentemente de dois tipos de
burocracia, é também necessário que se entenda, nunca foi vista como um
problema. Como algo que devia ser “resolvido” no sentido de modernizar o Estado
tornando-o mais próximo daquele dos países de capitalismo avançado que se
tomava como modelo. Ao contrário, uma espécie de acordo entre a classe política e
o segmento não-estatutário, mais bem pago, em geral mais bem preparado e que
teve um papel fundamental na execução dos projetos de desenvolvimento do
período militar terminou levando a uma situação totalmente anômala quando
comparada com a dos países avançados em que cada vez que assume um novo
Presidente da República, abrem-se 50 mil cargos de “livre provimento” para
nomeação (BRESSER-PEREIRA, 2007).
Para aprofundar-nos no entendimento das dificuldades que envolvem a
transição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” é conveniente lembrar
capacidade de atuar como filtro adequado ao interesse geral de sua população. Concordando com o que coloca para a América Latina em geral, podemos dizer que, também em geral, ainda que com diferenças relativas àqueles dois espaços, temos tido e seguimos tendo um Estado que registra um baixo escore nessas quatro dimensões. 12 Bresser Pereira (2007:15) mostra como a partir dessa época de institui um descolamento, que se viria a se aprofundar consideravelmente durante o governo militar entre os “barnabés”, cujo estatuto foi estabelecido com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), por ocasião da reforma do Estado iniciada em 1938, e a “burocracia pública moderna” que, no núcleo do aparelho administrativo ou nas empresas estatais, passava a implementar a estratégia de desenvolvimento do capitalismo brasileiro: o nacional-desenvolvimentismo.
26
uma passagem da obra de Claus Offe. Ela é tão elucidativa para entender porque
malograram as tentativas de reforma do Estado que há mais de oitenta anos se
sucedem em nosso país que tem sido usada por muitos autores (entre eles Martins
(199.) e Costa (2006)) para criticar a Reforma Gerencial.
Diz ele: “é bem possível que o desnível entre o modo de operação interno e as
exigências funcionais impostas do exterior à administração do Estado não se deva à
estrutura de uma burocracia retrógrada, e sim à estrutura de um meio sócio-
econômico que (...) fixa a administração estatal em um certo modo de operação... É
óbvio que um desnível desse gênero entre o esquema normativo da administração e
as exigências funcionais externas não poderia ser superado através de uma reforma
administrativa, mas somente através de uma ‘reforma’ daquelas estruturas do meio
que provocam a contradição entre estrutura administrativa e capacidade de
desempenho” (OFFE, 1994:219).
Dessa colocação decorre que mesmo nossa proposta de promover a transição
do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” começando, não por um dos
extremos ─ ambos irrealistas ─ de reforma do Estado ou do meio sócio-econômico
e sim na mobilização de um ciclo virtuoso que vá da capacitação dos gestores
públicos para a transformação das relações Estado-Sociedade, deve ser vista com
cautela.
Não obstante, é verdade que à medida que a democratização avance e a
concentração de renda que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a
sociedade brasileira for sendo alterada, se irá ampliando o espaço econômico e
político para um tipo de atuação da burocracia com ela coerente13.
E, nessa conjuntura, o conhecimento que passarão a deter os gestores que se
pretende capacitar através de iniciativas como a que estamos tratando poderá fazer
toda a diferença. Isto é, talvez seja esse conhecimento o responsável por se
alcançar ou não a governabilidade necessária para tornar sustentável o processo de
13 Diversos autores de países latino-americanos têm refletido sobre a associação entre a reflexão desenvolvida sobre as características da relação Estado-Sociedade, o aumento da participação política, e a mudança da arquitetura do Estado; e, em conseqüência, nas políticas públicas elaboradas nesses países. Paramio (2008) mostra como as propostas sobre a segunda geração de reformas, iniciada no final dos anos de 1990, combinada com a pressão política contra o impacto social e econômico negativo da primeira, origina, em função das características daquela relação, reações distintas em dois grupos de países da região. Atrio e Piccone (2008), concordando com a idéia de que a mudança no modo de operação da burocracia depende criticamente das exigências impostas pela relação Estado-Sociedade, aponta recomendações para esta mudança.
27
mudança social que se deseja14. Daí a importância de disponibilizar conhecimentos
aos gestores públicos que possam levar à melhoria das políticas, ao aumento da
eficácia da sua própria máquina, e à sua transformação numa direção coerente com
a materialização daquele novo estilo de desenvolvimento.
Privatização, desregulação, liberalização dos mercados têm impedido que o
Estado brasileiro se concentre em saldar a dívida social e, enquanto Estado-nacão
─ capitalista, por certo ─, assumir suas responsabilidades em relação à proteção
aos mais fracos, à desnacionalização da economia e à subordinação aos interesses
do capital globalizado.
Assumir essas responsabilidades e materializar os processos de
democratização e redimensionamento do Estado são desafios interdependentes e
complementares que demandam de maneira evidente os conteúdos que trata este
Curso e, no plano operacional, da implementação das ações, não poderão
prescindir da GEP.
A redefinição das fronteiras entre o público e o privado exige uma cuidadosa
decisão: quais assuntos podem ser desregulamentados e deixados para que as
interações entre atores privados com poder similar determinem incrementalmente
um ajuste socialmente aceitável e quais devem ser objeto da agenda pública, de um
processo de decisão racional, participativo e de uma implementação e avaliação sob
a responsabilidade direta do Estado.
A democracia é uma condição necessária para construir um Estado que
promova o bem-estar das maiorias. Só o conjunto que ela forma com outra condição
necessária ─ a capacidade de GEP ─ é suficiente. Só a democracia aliada à
eficiência de gestão pode levar à transformação do “Estado Necessário” no sentido
que almeja a sociedade brasileira.
Sem democracia não há participação e transparência nas decisões, não há
planejamento participativo, avaliação de políticas, prestação de contas. Não há
responsáveis, há impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso político
genérico e sem correlação com ação de governo cotidiana pode degenerar num
assembleísmo inconseqüente e irresponsável e numa situação de descompromisso
e ineficiência generalizada.
14 A seção que analisa a questão da governabilidade e do Triângulo de Governo é especialmente elucidativa a este respeito.
28
Governar num ambiente de democracia e participação e, ao mesmo tempo,
com enormes desigualdades sociais, requer capacidades e habilidades
extremamente complexas e difíceis de conformar, sobretudo no âmbito de um
Estado como o que herdamos. E sem a utilização das ferramentas da GEP isso será
ainda mais difícil.
Entre outras coisas porque tanto a direita como a esquerda perceberam a
necessidade de contar com metodologias de planejamento e gestão que, ao mesmo
tempo, promovam e dêem conseqüência à participação popular. A primeira, porque
já não pode manter o estado de ignorância e subordinação do qual até agora têm
lançado mão para seguir governando. A segunda, porque ao abandonar sua
estratégia de revolução armada que permitiria a seus quadros, tomando o poder e
através de um renovado apoio das massas, usar o Estado para alcançar o seu
cenário normativo, percebeu que a simples mobilização política não era suficiente.
De fato, ao abraçar a via eleitoral, a participação, mais do que a mobilização
política, é a garantia que tem para dar conseqüência e para, assim, manter o apoio
popular que foi capaz de conquistar.
1.5. A construção do “Estado Necessário” e a Gestão Estratégica Pública
Esta seção se inicia com a apresentação do argumento de que o trânsito do
“Estado Herdado” para o “Estado Necessário”, aquele que possa servir como um
instrumento para implementar aquela proposta de mudança, demanda a
capacitação de seus quadros. Demanda a formação de gestores que aliem dois
tipos de capacidades ou habilidades básicas. A primeira, é dominar os aspectos
teóricos e práticos do processo de elaboração de políticas públicas a ponto de
serem capazes de utilizá-lo como ferramenta da mudança social, econômica e
política. A segunda capacidade é atuar de maneira tão eficiente no seu dia-a-dia a
ponto de fazer com que a estrutura que corporificam ─ o Estado ─ seja cada vez
mais eficaz no uso dos recursos que a sociedade lhe faculta e que produza
impactos crescentemente efetivos.
A democratização política está levando a um crescimento exponencial da
agenda de governo; a erupção de uma infinidade de problemas que, em geral,
demandam soluções específicas e criativas, muito mais complexas do que aquelas
que o estilo tradicional de elaboração de políticas públicas e de planejamento
29
governamental ─ homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático, típico
do Estado que herdamos ─ pode absorver.
No Brasil, a maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os
problemas que o Estado deveria tratar ficava restrita ao que a orientação ideológica
e o pensamento político conservador dominante eram capazes de visualizar. A
explicação dos problemas públicos estava constrangida por um modelo explicativo
que, de um lado, tendia à quase monocausalidade e, de outro, a soluções
genéricas, universais. O que levou ao estabelecimento de um padrão único do tipo
causa-problema-solução no qual, embora fosse percebida uma certa especificidade
nos problemas enfrentados, o fato de que segundo o modelo explicativo adotado,
sua causa básica era a mesma, terminava conduzindo à proposição de uma mesma
solução.
O governo não apenas filtrava as demandas da sociedade com um viés
conservador e elitista. Ele adotava uma maneira tecnoburocrática para tratá-las que
levava à sua uniformização, ao seu enquadramento num formato genérico que
facilitava tratamento administrativo. Ao fazê-lo, escondia sob um manto de aparente
eqüidade os procedimentos de controle político e se assegurava a docilidade do
povo, desprotegido e desprovido de cidadania, frente ao burocratismo onipotente do
Estado15. Era na fila do INPS que este povo aprendia o que era a democracia...
As características do “Estado Herdado” faziam com que as demandas da
população se tornassem assuntos genéricos, nacionais, a serem resolvidos
mediante a distribuição dos recursos arrecadados de forma centralizada. Assim,
sem nenhuma preocupação com a elaboração de políticas apropriadas e com a
adoção de ferramentas da GEP, os recursos fluíam através de uma complexa rede
de influências e favores até os lideres políticos locais que discricionariamente os
transformavam em benesses com que atendiam a suas clientelas.
Esta situação perpetuava e retroalimentava um modelo de planejamento
governamental e de elaboração de políticas que eram não apenas injustos e
genéricos. Eram também inócuos, uma vez que as verdadeiras causas ou não eram
visualizadas ou não podiam ser enfrentadas. Este modelo que se consolidou ─
objetivos, instrumentos, procedimentos, agentes, tempos ─ além de incremental,
15 Para uma excelente retrospectiva de como se deu ao longo do nosso processo de desenvolvimento sócio-econômico a relação entre o Estado e os interesses das classes dirigentes e subordinadas ver Bresser-Pereira (2007).
30
assistemático e pouco racional tendia a gerar políticas que eram facilmente
capturadas pelos interesses das elites16.
As demandas que o processo de democratização política irá cada vez mais
colocar, e que serão filtradas com um viés progressista por uma estrutura que deve
celeremente se aproximar do “Estado Necessário”, originarão outro tipo de agenda
política. Serão muito distintos os problemas que a integrarão e terão que ser
processados por este Estado em transformação. Eles não serão mais abstratos e
genéricos, serão concretos e específicos, conforme sejam apontados pela
população que os sente, de acordo com sua própria percepção da realidade, com
seu repertório cultural, com sua experiência de vida, freqüentemente de muito
sofrimento e justa revolta.
Construir o “Estado Necessário” não é somente difícil. É uma tarefa que, para
ser bem sucedida deveria contar a priori com algo que já deveria estar disponível,
mas que é, ao mesmo tempo, seu objetivo criar. Isto é, as capacidades e
habilidades extremamente complexas necessárias para transformar o Estado
Herdado. Assim colocado, o problema parece não ter solução. Não obstante, ela
existe. E existe porque já existe a consciência do problema que é a construção do
“Estado Necessário”. E quando existe esta consciência é porque a solução já é
vislumbrada por uma parte dos atores envolvidos com o problema.
A decisão de criar este Curso supõe uma consciência por parte desses atores
de que a emergência da forma institucional “Estado Necessário”, aquela que
corresponde ao conteúdo das políticas que cabe a ele implementar depende de uma
preocupação sistemática com a capacitação do conjunto de seus funcionários.
A criação do Curso representa uma demonstração de que o primeiro
indispensável e corajoso passo está sendo dado. Ele revela a percepção de que
rotinas administrativas que dão margem ao clientelismo, à iniqüidade, à injustiça, à
corrupção e à ineficiência, que restringem os resultados obtidos com a ação de
governo, que frustram a população e solapam a base de apoio político dificultando a
governabilidade, não podem ser toleradas. E que para que isto ocorra, não bastam
o compromisso com a democracia e com um futuro mais justo, o ativismo e a
16 São muitos os trabalhos de pesquisadores que descrevem as características que foram impregnando a gestão pública latino-americana e que configuram o que denominamos “Estado Herdado” e que apontam propostas para sua modificação. Entre eles, recomendamos Oszlak (1999), Evans (2003), Waissbluth (2002 e 2003).
31
militância. Este passo denota a percepção de que para criar condições favoráveis
para que seu corpo de funcionários materialize esse compromisso é imprescindível
que um novo tipo de conhecimento teórico e prático acerca de como governar (para
a população e em conjunto com ela) seja urgentemente disponibilizado. E que é
através dele que uma nova cultura institucional será criada e alavancará a
construção do “Estado Necessário”.
Do ponto de vista cognitivo, esta nova situação demanda do gestor público um
marco de referência analítico-conceitual, metodologias de trabalho, e procedimentos
qualitativamente muito diferentes daqueles que se encontram disponíveis no meio
em que ele atua. O conteúdo a ser incorporado às políticas, fruto de um viés não
mais conservador e sim progressista, transformador, irá demandar um processo
sistemático de capacitação17.
Para dar uma idéia do desafio cognitivo que isto significa vale introduzir um
dos elementos-chave da GEP: a forma como se dá a determinação do que são
problemas e o que são soluções, o que são causas e o que são efeitos, o que são
riscos e o que são oportunidades. Isso porque, em muitos casos, ela terá que ser
invertida.
Há que ressaltar, nesse sentido, que a GEP é um dos instrumentos por meio
dos quais novas inter-relações, sobre-determinações, pontos críticos para a
implementação de políticas etc., terão que ser identificados, definidos e
processados. Só assim os novos problemas poderão ser equacionados mediante
políticas específicas; por exemplo, por meio de redes de poder locais, com a
alocação de recursos sendo decidida localmente.
Estamos vivendo um momento da democratização política em que as duas
pontas da gestão pública e do processo de elaboração de políticas estão sofrendo
uma rápida transformação. Na sua ponta inicial ─ a veiculação da demanda ─ há
claramente maior probabilidade de que assuntos “submersos” e de grande
importância para a população passem a integrar a agenda de decisão política. Na
17 É conveniente ressaltar, neste sentido, que a idéia que orientou a concepção deste Curso é muito distinta daquela que subjaz às propostas realizadas pela Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998) ou, para tomar uma referência mais recente e menos irrealista, pela Carta Ibero-americana de Qualidade na Gestão Pública (2008), acerca de qual deveria ser o comportamento do “bom burocrata”. Ao invés de postular uma lista de recomendações sobre a sua conduta, baseada na “responsabilidade social”, na “ética”, na “qualidade” etc., o que esperamos é proporcionar aos gestores um conteúdo analítico-conceitual e metodológico que os tornem capazes de exercer sua discricionariedade para materializar a escolha que fizeram de melhorar a relação Estado-Sociedade.
32
sua ponta terminal ─ a decisão de onde alocar recursos ─ existe igualmente uma
grande probabilidade de que problemas originais passem a ter sua solução
viabilizada. Como tratar essas novas demandas até transformá-las em problemas
que efetivamente entrem na agenda decisória? Como fazer com que o momento da
implementação da política (que se segue ao da formulação) possa contar com um
plano para sua operacionalização eficaz, que maximize o impacto favorável dos
recursos cuja alocação pode ser agora localmente decidida de forma rápida,
mediante instrumentos inovadores e transformadores como é o caso do Orçamento
Participativo?
Não é nossa intenção apresentar a GEP como a panacéia que irá resolver
todos os problemas e enfrentar todos os desafios que estamos comentando nesta
parte introdutória, mas caberá ao leitor, ao final, avaliar a potencialidade deste
instrumento.
1.6. O contexto de elaboração de Políticas Públicas
Esta seção focaliza o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso
─ contribuir para que as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários
níveis e instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser
realizadas em conformidade com os princípios da GEP ─ terá que ocorrer.
Ela irá tratar de questões associadas ao marco analítico-conceitual da GEP
introduzidas a partir de uma postura crítica em relação à “Administração Geral”,
derivada da Administração de Empresas e utilizada na conformação dos conteúdos
da Administração Pública; os quais marcam aquele contexto e o tornam inadequado
para a consecução daquele objetivo.
Para iniciar, é conveniente explicar porque se usa neste Curso o termo Gestão
Pública e não o de Administração Pública. A literatura anglófona de Administração
(que mantém um enfoque que apesar de alegadamente genérico se refere às
empresas) costuma utilizar o termo management para referir-se ao mundo privado.
O termo administration teria um significado mais amplo, buscando um status
“universal” capaz de abarcar todos os âmbitos de atividade humana, inclusive o
mundo público; ou aquilo que em seguida se designa como “Administração Geral”.
O primeiro termo tem sido traduzido para o português como gestão e o segundo
como administração.
33
A mesma literatura usando o “prefixo” public enfatiza o que tem sido traduzido
como administração pública para referir ao ambiente público, de governo. Não
obstante, é mais usado hoje no Brasil o termo gestão pública para fazer referência
às atividades que têm lugar no ambiente público ou aos conhecimentos que nele
são aplicados.
Feita essa aclaração terminológica, cabe uma outra, de conteúdo. Esta seção
se baseia em constatações e argumentos acerca de qual deveria ser o marco
analítico-conceitual da GEP no âmbito de uma Gestão Pública coerente com os
balizamentos expostos nas seções anteriores. Sua fundamentação, embora mais ou
menos evidente, não é aqui apresentada em detalhe.
A indagação sobre a adequação do marco analítico-conceitual da
“Administração Geral”, que é o que tem orientado as experiências brasileiras de
planejamento governamental, se inicia pela caracterização da área de atuação
conhecida como “Políticas Sociais” que é aquela na qual se desenvolvem boa parte
das ações voltadas para o desenvolvimento social.
Embora não devesse ser assim e não seja esta a nossa visão, a expressão
Gestão Pública tem sido freqüentemente utilizada no meio acadêmico e profissional
para designar um corpo de conhecimentos (ou um conjunto de atividades entre as
quais se encontra a GEP) associado de modo muito estreito à elaboração das
políticas orientadas ao atendimento de demandas sociais, as Políticas Sociais18.
É por isso importante entender o que significam as chamadas Políticas
Sociais19.
Os serviços educacionais, de orientação social, de assistência médica, de
ajuda jurídica e outros providos pelas Políticas Sociais, mesmo que garantidos por
lei, geralmente aparecem como favores à população sendo implantados em
conjunturas políticas mais ou menos específicas e cambiantes.
18 A individualização das Políticas Sociais no âmbito das Políticas Públicas revela uma concepção de desenvolvimento que entende como separáveis e, por isso, passíveis de serem tratados em separado os aspectos relativos ao econômico e ao social. Ao escamotear essa relação, os partidários dessa concepção reforçam a idéia que é útil aos seus interesses, de que o desenvolvimento econômico e suas políticas e instituições devem tratar do crescimento econômico, da competitividade e do avanço tecnológico etc., e que as atinentes ao desenvolvimento social deveriam compensar seus eventuais efeitos colaterais negativos. Essa separação entre duas esferas de políticas, por estar solidamente ancorada na hegemonia (ideológica) construída pela classe dominante, não precisa ser revestida de um aparato legal. Ao conformar o modelo cognitivo que impregna a ação do Estado ela a naturaliza e materializa a condição subordinada, residual e acessória que possui a Política Social. 19 Uma das obras mais completas e conhecidas (já possui mais de dez edições) publicadas no Brasil sobre o tema é a de Faleiros (2000). Nela nos baseamos para realizar os comentários feitos aqui.
34
No passado, o Código Civil obrigava que o trabalhador fosse sustentado por
seus filhos quando ficasse velho. Isso não é mais assim. No regime salarial da
economia capitalista, é o individuo que é contratado para o trabalho, e não o grupo
familiar como chegou a ocorrer no passado; e as formas de produção atuais
destruíram a família extensa que se organizava em torno da economia de
subsistência.
É claro que a intervenção do Estado na garantia de benefícios e serviços não
substituiu a família. E mais, sua ação parece pautar-se no modelo familiar. As
Políticas Sociais são organizadas em nome da solidariedade social: os jovens
trabalhadores contribuem para a aposentadoria dos velhos e para o cuidado e a
educação das crianças; as pessoas sãs para o tratamento dos doentes; os
empregados para os desempregados; os ativos para os inativos; os solteiros para
os casados (salário-família) etc. A razão de existência das políticas sociais seria,
então, fazer com que a sociedade, assimilada a uma grande família, viva em
harmonia e paz social, uns colaborando com os outros.
A articulação do econômico e do político através das políticas sociais é um
processo complexo que se relaciona com a produção, com o consumo e com o
capital financeiro. Porque as políticas sociais (talvez em menor grau do que as
demais políticas públicas, mas ainda assim de forma majoritária) não costumam ser
implementadas diretamente pelo Estado, mas por meio de convênios e contratos
com empresas privadas, ONGs e empresas envolvidas com atividades de RSE
(Responsabilidade Social Empresarial), que passam a oferecer os serviços
financiados pelo Estado.
Este é o caso de hospitais, escolas, bancos. Os hospitais particulares atendem
a clientes da Previdência ou da Assistência Social e cobram do Estado pelo serviço,
não raro com margem de lucro. As escolas particulares recebem subsídios e bolsas
para certo número de estudantes e os bancos servem de intermediários para vários
serviços aos beneficiários, como, por exemplo, pagamentos e cobranças
previdenciárias, evidentemente cobrando por eles.
Assim, e de modo que pode parecer paradoxal, essas organizações mantêm
seu processo de acumulação de riqueza através da implementação de políticas
sociais. No entanto, cabe ao Estado, por exemplo, a compra de equipamentos
sofisticados e intensivos em tecnologia para oferecer os serviços mais caros e
35
menos lucrativos; a manutenção das faculdades mais caras, como as de Medicina e
Odontologia enquanto os cursos menos dispendiosos e mais lucrativos são
mantidos por empresas privadas.
O caso das políticas orientadas para o trabalhador é um bom exemplo.
Trabalhadores desempregados, doentes, acidentados ou velhos são atendidos
através de uma articulação do econômico e do político (as políticas sociais) que
possibilita um ganho para o setor privado capaz de compensar o prejuízo causado
pelo fato deles e outros segmentos não-produtivos não estarem inseridos na
produção de mercadorias.
Essas políticas servem também para "retirar" do âmbito da fábrica conflitos e
reivindicações, que são encaminhados e tratados por órgãos governamentais
(hospitais, repartições públicas ou tribunais) que os despolitizam, transformando-os
em assuntos individuais. As vítimas de eventos negativos ligados ao processo
produtivo (acidentes, doenças, incapacitação e invalidez) cuja origem está no
processo produtivo são responsabilizadas pela sua ocorrência.
Os órgãos de atendimento ao trabalhador que implementam essas políticas
não questionam as origens dos problemas dos assalariados, o ambiente que os
condiciona, nem as relações que os produzem, contudo, trata-se cada "caso"
através da "perícia", relegando-o ao saber e ao sabor de especialistas que
examinam individualmente a vítima, e não as condições de produção e de trabalho.
Por essas e outras razões, as políticas sociais, são vistas por alguns críticos
como algo incompatível com aquele modelo familiar. Apesar de aparecerem como
compensações, elas constituiriam um sistema político de mediações entre capital e
trabalho que visa à articulação de diferentes formas de reprodução das relações de
exploração e dominação da forca de trabalho entre si, com o processo de
acumulação e com a correlação de forças políticas e econômicas.
Devido a suas características, as políticas sociais costumam ter, sobretudo em
países periféricos como o nosso, seu conteúdo definido, em boa medida, no
momento da implementação. E não apenas no momento da sua formulação, como é
o caso clássico em que os momentos de formulação, implementação e avaliação
que integram o processo de elaboração da política estão mais claramente definidos.
Diferentemente de outras políticas públicas que, por estarem destinadas a
orientar ou subsidiar as atividades empresariais possuem “lógica” e “racionalidade”
36
facilmente operacionalizáveis pelos profissionais da Administração de Empresas, as
políticas sociais demandam, não apenas para sua formulação, mas também para a
sua implementação, de um tipo específico de gestor. A formação desse tipo de
gestor demanda a veiculação de um conhecimento distinto daquele oferecido pelas
profissões tradicionais que são adequadas para a elaboração de políticas voltadas
ao bom funcionamento da economia capitalista e às quais as Políticas Sociais
devem em muitos casos se opor.
1.7. O gestor público e o administrador de empresas
De modo a tratar sobre o tipo de formação que deveria ter o gestor público
para, desta maneira, avançar na caracterização do marco analítico-conceitual da
GEP, é necessário precisar o que entendemos por ele.
Por diferenciação, o concebemos como aquele profissional cuja especificidade
consiste fundamentalmente na sua capacidade de traduzir, interpretar ou
“decodificar” para uma “lógica” e “racionalidade” empresariais o conteúdo e forma de
implementação das políticas sociais. E cuja atuação não deverá estar orientada
para a administração das atividades mais propriamente empresariais realizadas no
âmbito privado. Atuação, esta, desempenhada por administradores de empresa,
engenheiros, etc.
Conceber o processo de capacitação de um profissional que seja capaz de
atuar na elaboração de políticas públicas é um desafio difícil. Pela primeira vez, em
função das mudanças de orientação que estão ocorrendo nos Estados de uma
região conhecida como a mais desigual do planeta e cujos governos estão a
privilegiar o atendimento de demandas sociais de grandes proporções, se coloca na
América Latina a necessidade de abreviar um processo lento e que se estava
efetivando de forma mais ou menos autodidata de formação de gestores públicos
interessados na consolidação dessas mudanças.
Mais que em outros países da região, o Brasil conta com um superávit de
vagas universitárias visando à capacitação de administradores de empresa20. Isso,
associado ao fato de que o gestor social, além de ter que trabalhar na empresa
privada como implementador das políticas sociais (e, de certa forma, devido às
20 Segundo Fischer (2004) existiriam no Brasil mil e quinhentos cursos de Administração reconhecidos pelo Conselho Federal de Educação.
37
características, também como o seu formulador), deverá atuar igualmente na sua
elaboração no âmbito do Estado, obriga a uma difícil inflexão.
Difícil, entre outras coisas porque, por razões históricas e pela conhecida
formação multidisciplinar e “multipropósito” do administrador de empresa, tem sido
nos espaços destinados à sua formação que estão surgindo as iniciativas de
capacitação de gestores públicos e de gestores sociais (à semelhança do que
ocorreu no passado com a formação dos administradores públicos). Um
“distanciamento crítico” em relação ao que é entendido como a formação do
administrador de empresa parece essencial. Ele deve começar pelo questionamento
do caráter “universal” conferido ao conceito de Administração, entendido como um
corpo de conhecimento aplicável em qualquer ambiente (público ou privado), e
explicitado nas conceituações usualmente propostas e empregadas em nosso meio
e que têm servido para informar a criação de cursos de Administração Pública.
1.8. Administração de Empresas, “Administração Geral” e Administração
Pública
Embora as teorias da administração possam ser divididas em várias correntes
ou abordagens, cada abordagem associada a uma maneira específica de encarar a
tarefa e as características do trabalho de administração, é possível alinhar
brevemente algumas características da “Administração Geral”.
Um conceito contemporâneo entende que administrar é dirigir uma
organização (grupo de indivíduos com um objetivo comum, associados mediante
uma entidade pública ou privada) utilizando técnicas de gestão para que alcance
seus objetivos de forma eficiente, eficaz e com responsabilidade social e ambiental.
Lacombe (2003) diz que a essência do trabalho do administrador é obter resultados
por meio das pessoas que ele coordena. Drucker (1998) diz que administrar é
manter as organizações coesas, fazendo-as funcionar.
Entende-se a “Administração Geral” como subdividida segundo o tipo de
organização à qual ela é aplicada: a administração que se aplica a uma empresa
privada é diferente daquela aplicada às instituições governamentais ou, ainda,
daquela de um setor social sem fins lucrativos.
Uma organização seria uma combinação de esforços individuais que tem por
finalidade realizar propósitos coletivos. Por meio de uma organização torna-se
38
possível perseguir e alcançar objetivos que seriam inatingíveis para uma pessoa.
Uma grande empresa ou uma pequena oficina, um laboratório ou o corpo de
bombeiros, um hospital ou uma escola são todos exemplos de organizações
(MAXIMIANO, 1992).
Uma organização seria formada pela soma de pessoas, máquinas e outros
equipamentos, recursos financeiros e outros; seria o resultado da combinação de
todos estes elementos orientados a um objetivo comum; uma entidade social,
conscientemente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas que funcionam
numa base relativamente contínua, tendo em vista a realização de objetivos comuns
que exigem grupos de duas ou mais pessoas, que estabelecem entre eles relações
de cooperação, ações formalmente coordenadas e funções hierarquicamente
diferenciadas (BIHIM, 1997).
Administrar uma organização (ou organizar) supõe atribuir responsabilidades
às pessoas e atividades aos órgãos (unidades administrativas).
A pessoa encarregada do ato de administrar ou organizar, o administrador,
embora investido de um poder dentro de uma hierarquia pré-definida, deve possuir
uma capacitação intelectual e moral para exercê-lo que o diferencie dos demais
membros da organização e atuar como um líder.
O objetivo de um líder é exercer influência em um determinado grupo de
pessoas a fim de que elas façam o que ele deseja, porém esta influência não deve
ser coercitiva e por meio do poder de um cargo, obrigando as pessoas a fazerem o
que ele deseja, e sim, deve-se usar da autoridade e respeito com elas, oferecendo
um meio de trabalho propício para que todas desenvolvam suas atividades por
vontade própria.
Depois que a Teoria das Relações Humanas colocou no campo de
preocupações da Administração de Empresas a figura do líder como uma alternativa
à do administrador clássico com sua face coercitiva e autoritária, a liderança passou
a ser um assunto recorrente.
A liderança vem assumindo um papel central na Administração. Segundo a
visão contemporânea, todo líder deve ser um servidor para seus funcionários, ele
deve possuir amor por seus comandados. Este amor não é apoiado em sentimento
e sim em comportamentos, como cuidar, ajudar, elogiar, entre outros.
39
Isso acontece, em particular, no campo da Administração Pública, uma vez
que nele coerção, autoritarismo e até mesmo hierarquia são dificilmente obteníveis.
E que o seu exercício muitas vezes não implica num benefício material.
1.9. A formação do gestor público
No Brasil, como em muitos outros países, a consolidação da Administração
Pública como um curso superior é posterior àquela dos cursos de Administração de
Empresas. Até a sua criação, eram os administradores de empresas, juntamente
com outros tipos de profissionais, que compunham o quadro da burocracia. A
crescente complexidade do aparelho de Estado passou a exigir um tipo de
capacitação que não era oferecido pelas escolas de Administração de Empresas.
Foi só então que elas, para enfrentar o desafio de formar esses gestores públicos,
as tiveram que buscar identificar dentre os conteúdos que ministravam aqueles que
poderiam ser aplicados no ambiente público; aqueles que constituiriam a
“Administração Geral”.
Diferentemente do que seria desejável, esse movimento não esteve
suficientemente aberto ao aporte de outras abordagens disciplinares mais afeitas ao
tratamento das questões sociais e políticas que inevitavelmente se fazem presentes
na interface entre o Estado e a sociedade e mesmo no interior do próprio aparelho
de Estado. Ele foi marcado por um processo que, em vez de estar guiado por um
objetivo de fusão interdisciplinar (ou, pelo menos, multidisciplinar), se manteve
basicamente orientado pela tentativa de conformar, por eliminação ou exclusão do
que se entendia como Administração de Empresas, do que viria a ser conhecido
como “Administração Geral”. A qual, então, passou a constituir a espinha dorsal dos
cursos de Administração Pública.
Posteriormente, num processo de crescente sofisticação do instrumental
analítico usado para compreender o funcionamento das organizações (entendidas
como um conceito genérico que abarca empresas, Estado, etc.), da sua gestão e
dos seus integrantes, que se deu através da incorporação de disciplinas como a de
Psicologia, o ensino da Administração passou a ter como eixo a Teoria das
Organizações.
Em conseqüência, o currículo dos cursos de Administração Pública foi sendo
conformado através da adaptação de conteúdos previamente existentes naquele
40
dos cursos de Administração de Empresas e pela adição de outras disciplinas.
Freqüentemente, e isso não apenas no Brasil, o quadro de professores dos cursos
de Administração Pública é formado por professores de cursos de Administração de
Empresas (em muitos casos oferecidos na mesma instituição) e por professores de
disciplinas que provêm de áreas como Direito, Ciências Contábeis, Sociologia,
Economia, Ciência Política.
Embora com o correr do tempo sucessivas gerações de formandos de
Administração Pública tenham sido absorvidos como professores desses cursos,
essas disciplinas continuaram a ser ministradas por profissionais nelas formados. O
resultado foi a permanência de uma espécie de apartheid disciplinar muito distinto
daquilo que seria necessário para propiciar uma fusão (supondo que ela fosse
possível), entre a “Administração Geral” (supondo que ela efetivamente existisse e
que fosse capaz de ser conformada por exclusão ou eliminação de conteúdos
previamente enfeixados na Administração de Empresas) e aquelas disciplinas.
Os administradores públicos, formados naquilo que no melhor dos casos era
uma tensão disciplinar entre conteúdos de Administração de Empresas e de
disciplinas que freqüentemente se orientavam a produzir argumentos para
questionar as idéias de propriedade privada dos meios de produção, venda da força
de trabalho, lucro etc. que são os pressupostos e razão de existência da
Administração de Empresas, dificilmente seriam capazes de autonomamente
produzir uma síntese interdisciplinar como a que sua atuação demandava21.
Agravava essa situação o fato de que, com muita freqüência, os conteúdos das
disciplinas como Sociologia e Ciência Política, que mais subsídios poderiam
fornecer para um correto diagnóstico dos problemas que o administrador público
enfrenta e para o seu equacionamento de modo coerente com os direitos
democráticos e de cidadania, eram vistos como de escassa importância para a sua
formação. Dificilmente modelizáveis e aplicáveis em conjunto com os conteúdos que
provinham da Administração de Empresas, com os quais por “defeito de construção”
não tinham como dialogar, mas que eram, estes sim, modelizáveis,
operacionalizáveis, e aparentemente dotados de um potencial de equacionamento
21 Atkouff (1996) chama a atenção para essa tensão apontando o ambiente elitista das escolas de Administração como um instrumento de reprodução de uma visão conservadora entre os profissionais da área.
41
de problemas muito valorizado por quem se preocupa em “resolver problemas”, eles
eram, de fato, quase inúteis.
O resultado dessa situação era, então que os problemas públicos ─ aqueles
que ocorrem na interface entre a sociedade e o Estado ou no seu interior ─ ainda
que fossem, na melhor das hipóteses, diagnosticados (momento descritivo: foto) e
explicados (momento explicativo: filme retrospectivo) através daquelas disciplinas,
eram resolvidos (momento normativo: construção do futuro) mediante a aplicação
do conhecimento que provinha da Administração de Empresas.
Mas a tensão entre aquelas disciplinas e a “Administração Geral” não se
situava apenas no plano dos conteúdos. Ela se estendia para os planos da
abordagem cognitiva (dedutiva vs. indutiva, respectivamente); do enfoque da
situação-problema (contextualizado vs. autocontido); do tratamento metodológico
(análise globalizante do mais freqüente ou provável vs. estudo de “cases” sobre o
mais exitoso ainda que atípico e não-generalizável); do objetivo intermediário
(produzir tendências e fatos estilizados vs. assinalar best practices e possibilitar o
benchmarking); do objetivo final (equacionar problemas estruturais de modo racional
visando a resultados positivos sistêmicos e de longo prazo vs. atacar problemas
pontuais passiveis de solução imediata de modo incremental, visando resultados
localizados e de alto impacto a curto prazo).
Ainda no campo cognitivo ou, mais especificamente, pedagógico, a
“Administração Geral” permanece baseada na idéia de que é uma pessoa que se
destaca das demais por atributos inatos, mas que podem até certo ponto ser
adquiridos pela via da capacitação formal, a responsável por “fazer as coisas
acontecerem”. Característica que, como é compreensível, contagia o processo de
formação, seja do administrador tradicional seja do líder, com um ethos de
diferenciação, de elitismo meritocrático e, no limite, de prepotência; ainda que
entendido como um “mal menor” face ao imperativo tradicional de “apreender para
saber mandar” ou ao contemporâneo “apreender para saber liderar”. Tudo isso
marcando com atributos de competição e rivalidade tanto o processo formativo
quanto o comportamento profissional.
Apesar de precária, essa breve caracterização permite apontar a inadequação
da “Administração Geral” como plataforma cognitiva para a concepção de um curso
de gestão (ou administração) pública; e, também, do processo até agora seguido.
42
Mesmo que se considere a empresa privada como um ambiente em que
“pessoas tendo em vista a realização de objetivos comuns, estabelecem relações de
cooperação”, o que como se sabe é muito questionável, não há como negar que
ambiente em que atua o gestor público ─ o aparelho de Estado ─ é politizado. Isto
é, um ambiente onde interesses políticos, econômicos e de outra natureza não
apenas se expressam como devem, numa sociedade democrática, fazê-lo.
Se isso é assim, a Administração de Empresas, que é por muitos entendida
como um conjunto de conhecimentos cujo objetivo é, senão eliminar, manter os
conflitos entre capital e trabalho num nível que não inviabilize a produção, numa
sociedade em que o uso da força é monopólio do Estado, não poderia ser a
plataforma cognitiva de um curso de Gestão Pública.
Até mesmo o papel central que vem assumindo o líder na “Administração
Geral” e por extensão na Administração Pública teria que ser repensado. Ainda que
a figura do líder seja mais coerente com ela do que a do administrador tradicional,
parece legítimo indagar de sua pertinência para o ambiente público. Sobretudo
aquele cuja função é a elaboração das Políticas Sociais, que cada vez mais de
substituem pelo cooperativismo, a autogestão e a solidariedade as práticas do
empreendedorismo, da competição.
Mesmo uma análise superficial do currículo dos cursos de Administração
Pública, inclusive dos mais recentemente criados, permite evidenciar a adoção da
idéia de existência de uma “Administração Geral” ─ entendida como neutra e capaz
de atender tanto as empresas quanto o Estado ─ como diretriz para a sua
concepção. Em vários cursos, as disciplinas iniciais, denominadas Introdução à
Administração, Teoria da Administração etc., são de fato um conjunto de idéias,
princípios etc., que, embora derivados ou “destilados” da Administração de
Empresas são apresentados como portadores de um conteúdo universal. É comum
a existência de disciplinas com forte caráter empresarial, como administração da
produção, gestão da qualidade total etc., e de disciplinas que buscam implementar a
denominada “nova de gestão pública”, como as que tratam das parcerias público-
privado, projetos com o Terceiro Setor, Responsabilidade Social Empresa, etc.
Nota-se, também, que disciplinas cujo nome alude a conteúdos próprios da gestão
pública são ministradas mediante a utilização de bibliografia orientada para a
43
administração de empresas que tende a dar aos alunos a falsa impressão de que os
conceitos e relações nela tratados são aplicáveis ao ambiente público.
Uma das exceções mais interessantes no quadro aqui traçado é o movimento
em torno do conceito de Administração Política liderado pelo prof. Reginaldo Souza
Santos da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia desde o final
dos anos de 1990. Influenciou esse movimento a leitura dos clássicos do campo da
Administração a partir da perspectiva oferecida por economistas marxistas. Em que
pese à radicalidade que se faz à idéia do que aqui denominamos Administração
Geral por muitos dos autores que integram a coletânea organizada por aquele
professor (Souza, 2004), e pelo caráter seminal que o movimento pode vir a
representar num processo de renovação como o que aqui defendemos,
consideramos que ele está ainda marcado por uma visão de neutralidade que é hoje
criticada, inclusive, na esfera das ciências consideradas duras (Dagnino, 2008).
Segundo essa visão, que apesar de contrariar até mesmo a visão marxista
convencional (para não falar daquela liberal) é crescentemente aceita, até mesmo
elas seriam influenciadas de modo quase irreversível pelos valores e interesses
predominantes no ambiente (e no próprio momento) em que ocorre a sua produção.
De forma que a menos que um processo de desconstrução e reconstrução (que
naquele livro denominamos Adequação Sociotécnica) seja efetivado, o
conhecimento científico desenvolvido segundo a lógica da apropriação privada do
excedente econômico não poderia ser utilizado em empreendimentos pautados por
outra lógica, como a imposta pela propriedade coletiva dos meios de produção.
De fato, mesmo a visão contida no livro que nos parece ser mais próxima
àquela que apresentamos não consegue abandonar a idéia de que existiria um
conteúdo capaz de ser aplicado indistintamente a organizações públicas e privadas
(França Filho, 2004). O autor dá preferência ao subcampo dos Estudos
Organizacionais (integrariam o conjunto outros dois subcampos: as Técnicas
Gerenciais e as Áreas Funcionais) e considera seriamente a opção de que a
Administração deva ser considerada como ideologia (e não como arte ou ciência), o
que é sem duvida uma postura promissora. Não obstante, ao orientar sua reflexão
para a controvérsia acerca de qual deveria der o objeto da Administração (a gestão
ou a organização), e talvez angustiado em apresentar uma solução de compromisso
capaz de, ainda que incrementalmente, debilitar o viés privado que apresentaria a
44
Administração, o autor não penetra no espaço de politização que nos parece
conveniente para alcançar seu propósito.
A situação brevemente apresentada nesta seção, e este é um dos argumentos
centrais deste trabalho, parece estar associada à falta de um marco analítico-
conceitual específico e adequado à gestão pública. O qual, diga-se de passagem,
tem a sua elaboração dificultada pela Reforma Gerencial do Estado brasileiro que
se iniciou em meados da década de 1990, marcada pela proposição de que a lógica
e os métodos de administração empresarial deveriam ser adotados para promovê-
la. Não surpreende, portanto, que o currículo dos cursos de Administração Pública
reflitam essas duas orientações: a da “Administração Geral” e a da Reforma
Gerencial. E tendam, por isso, a formar gestores públicos que as aceitem
acriticamente e, paradoxalmente, dificultem o processo de transformação do Estado
Herdado para o Estado Necessário que se discutiu anteriormente.
Como tantas outras controvérsias que se manifestam no campo do
conhecimento e da educação, esta, pelo seu conteúdo ideológico, tende a
permanecer e se reproduzir quando novos argumentos são incorporados ao debate.
Passado o auge do pensamento neoliberal, quando a Nova Gerência Pública
divulgada pelos professores universitários dos países centrais penetrou na
universidade brasileira, e como mostra o movimento da Administração Política antes
comentado, volta-se a discutir a questão de como orientar a formação do gestor
público.
Ao evidenciar o caráter falacioso e predatório daquelas idéias, muitos autores
brasileiros e latino-americanos, alguns dos quais serão intensamente discutidos
neste Curso, inaugurou um novo período em que se busca um novo arranjo. O que
não quer dizer que novos argumentos não surjam e devam ser analisados. Entre
outros, aqueles que afirmam que a controvérsia estaria perdendo sentido porque
“um gestor pode, sem sair da mesma organização, passar da condição de
funcionário público pare empregado, como as privatizações mostraram” (Fischer,
2004:168). Ou que o gestor social, entendido como aquele profissional de crescente
importância, que no âmbito do Estado, da empresa ou do “terceiro setor” se envolve
diretamente com as políticas sociais, deveria ter uma formação tão eclética que as
distinções que aquela controvérsia alude estaria perdendo sentido e que, portanto, a
45
sua formação não teria porque, mesmo no campo analítico-conceitual, contemplá-
las.
46
CAPÍTULO II: A GESTÃO ESTRATÉGICA PÚBLICA COMO CONVERGÊNCIA DE
ENFOQUES
2. Introdução
No capítulo anterior traçamos de forma esquemática, mas suficiente para
nosso propósito, o contexto em que se devem inserir as atividades de GEP do
Estado brasileiro e apontamos a dimensão do desafio cognitivo que a construção do
“Estado Necessário” coloca para a realização dessas atividades.
Este capítulo investiga o processo de constituição dos fundamentos da GEP e
procura mostrar porque se considera que este Curso pode ajudar na sua superação.
Para tanto, analisa a contribuição de dois enfoques relacionados à gestão pública,
ou mais especificamente ao processo de elaboração de políticas públicas ─ a
Análise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional ─ que constituem o
fundamento da disciplina de GEP.
Dentre o conjunto das Ciências Sociais aplicadas as disciplinas de Ciência
Política e de Administração Pública eram até bem pouco tempo as únicas que
forneciam subsídios especificamente orientados para a análise das questões
públicas objeto da intervenção dos governos. Embora tenham ocorrido, tanto nos
países centrais como nos da América Latina, importantes movimentos recentes de
crítica, renovação, ampliação e fusão multidisciplinares, essas duas matrizes de
conhecimento teórico e aplicado são ainda as mais amplamente disponíveis,
difundidas e utilizadas para a análise da interface entre o Estado e a sociedade ─
Ciência Política ─ e para a execução da gestão pública ─ Administração Pública.
Por essa razão, mais precisamente porque a quase totalidade das iniciativas
de formação de gestores públicos existentes na região adota, ao contrário do que
aqui se propõe, essas matrizes de conhecimento ─ em especial a da Administração
Pública ─ é que se apresenta a seguir uma crítica às mesmas. Posteriormente, na
seção que segue, se apresentam dois de seus recentes desdobramentos ─ a
Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ considerados como
as abordagens mais adequadas para conformar o fundamento da GEP.
47
2.1. A Ciência Política e a supervalorização do político
O processo de governo ou, mais precisamente, os processos de tomada de
decisão (a formulação das políticas públicas) e de sua implementação, não ocupam
um papel central no horizonte de preocupações da Ciência Política. Suas principais
teorias, modelos cognitivos ou visões que tratam a relação entre a sociedade e o
Estado (marxista, pluralista, sistêmica, elitista) explicam as decisões de governo ─
tomadas no interior do aparelho de Estado ─ através da consideração de elementos
a ele externos.
Essa afirmação pode ser corroborada por um exame, ainda que superficial,
das suas duas visões extremas. A visão pluralista, que entende o resultado do
processo decisório ─ o conteúdo da política ─ como algo quase indefinido, posto
que fruto de um ajuste incremental das preferências de uma infinidade de atores
indiferenciados do ponto de vista de seu poder político. A outra ─ marxista ─
entende aquele resultado ─ o conteúdo da política ─ como algo quase que
inteiramente pré-determinado pela estrutura econômica, posto que resultante da
ação de um ator hegemônico: a classe capitalista.
Era como se o Estado fosse dirigido pelo contexto político, econômico e social,
como se carecesse de poder de autodeterminação e de ‘autonomia relativa’. Como
se os instrumentos colocados à disposição das burocracias dos Estados
contemporâneos não terminassem gerando uma elite com interesses próprios e até
certo ponto independentes das demais.
Era natural, portanto que os cientistas políticos se concentrassem no estudo
deste contexto para entender as implicações sociais, econômicas etc. do exercício
do poder; as quais, de certa forma, apenas fluíam através do Estado sem ser por ele
determinadas. O problema da Ciência Política era de tipo investigativo: indicar as
razões contextuais que explicavam o caráter do que havia sido decidido. Seu foco
era, portanto, a política (politics) e não as políticas (policies), o sistema e o processo
político (political process) e não o processo de elaboração de políticas (policy
process).
2.2. A Administração Pública e a subvalorização do conflito
O enfoque da Administração Pública, por outro lado, tem como premissa a
separação entre o político (politics) e o administrativo; o mundo da política (politics)
48
e o das organizações; a tomada de decisão e a implementação. O primeiro termo
desta dicotomia era entendido como caracterizado pelo conflito de interesses e o
dissenso político que se manifesta na sociedade e, o segundo, pelo consenso
técnico em torno de um interesse comum que se expressa no interior do aparelho
de Estado: implementar eficientemente o que havia sido, não interessa como nem
porque, decidido. Era como se o primeiro fosse o ponto cego do segundo; e, o
segundo, uma simples decorrência e conseqüência, inclusive temporal, do primeiro.
Diferentemente da Ciência Política, o problema da Administração Pública pode
ser entendido, para marcar a diferença entre eles, como de tipo operacional.
Executar da melhor forma possível as decisões tomadas pelos governos, que
freqüentemente eram entendidas como a expressão do desejo da maioria, numa
estrutura político-social percebida como uma poliarquia, era o objetivo precípuo da
Administração Pública. O estudo do processo de tomada de decisão e da natureza
conflitiva de sua implementação era, por isto, descuidado.
2.3. A concepção ingênua do Estado neutro
Na visão simplista de certos setores da esquerda latino-americana, o enfoque
da administração era “de direita” uma vez que o que buscava era a otimização das
condições de reprodução do capital e, portanto o aumento da exploração da classe
trabalhadora. As tímidas incursões que se fazia, utilizando a abordagem sistêmica
(rejeitada pelo marxismo e pela esquerda), para entender o que se encontrava à
montante do território que dominava ─ da simples implementação das decisões
tomadas ─ no sentido da compreensão do processo de elaboração da política eram
vistas como mais uma tentativa do capital para instrumentalizar este processo em
seu beneficio.
A Ciência Política, ao contrário, era entendida como um enfoque “de
esquerda”, na medida em que iluminava as contradições de classe e permitia
discernir a dominação e a exploração. Era como se a Ciência Política fosse a
encarregada de condenar o caráter anti-social, repressivo, demagógico do Estado
capitalista periférico através de análises e pesquisas, realizadas é claro fora do
aparelho de Estado. E, a Administração Pública fosse a encarregada de “tocar” o
estilo tradicional de planejamento governamental e de elaboração de políticas
49
públicas ─ homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático ─ típico do
Estado burocrático e autoritário que herdamos.
Na verdade, o fato de que nenhum dos enfoques tenha considerado o
processo de elaboração de políticas como problemático levou a que a superação do
desafio cognitivo colocado pela construção do “Estado Necessário” seja
especialmente difícil. A (inevitável) adoção privilegiada do enfoque da Administração
Pública no âmbito do aparelho de Estado foi conformando uma concepção ingênua:
a do Estado neutro. Embora contraditória com a orientação da Ciência Política ele é
hoje dominante. De fato, na atual conjuntura em que quadros dirigentes da
esquerda que hoje chega a ser governo em sua trajetória até agora bem-sucedida
da aceitação da via eleitoral para a transformação da sociedade capitalista, essa
concepção tem se manifestado como especialmente desastrosa.
Para ela, o caráter do processo de elaboração de políticas e o seu resultado (o
conteúdo da política) é uma simples decorrência das relações de poder existentes
no contexto externo ao Estado. É uma concepção mecanicista, uma espécie de
determinismo social do processo de elaboração da política e do conteúdo da
política. Como se todo o processo se orientasse automaticamente de acordo com as
características do bloco dominante de poder. Como se existisse uma relação de
causalidade linear e estrita entre as relações de poder vigentes no contexto que
envolve o aparelho de Estado e o conteúdo das políticas que dele emanam. Algo
assim como se Estado fosse um elemento semelhante a um dispositivo transdutor,
eletrônico ou pneumático, que ao receber um impulso externo de entrada gera um
outro, de saída, cujas características dependem apenas da intensidade e “sinal” do
impulso de entrada.
Mas a suposição de que numa sociedade de classes, a “ocupação” do Estado
pela classe dominante leva inexoravelmente a políticas que mantêm e reproduzem a
dominação desta sobre as demais classes não é tão mecanicista como a sua
recíproca. A concepção ingênua do Estado neutro, que supõe que uma mudança na
correlação de forças na sociedade num grau que permita o controle do seu aparelho
por forças progressistas originaria, automaticamente, políticas capazes de alavancar
a desconcentração de poder e a equidade social, esta sim, pode ter conseqüências
desastrosas.
50
A concepção de que o aparelho de Estado seja um simples instrumento neutro
capaz de, de uma hora para outra, operar de forma a implementar políticas que
contrariam as premissas de manutenção e naturalização das relações sociais de
produção capitalistas que o geraram, pode levar a uma postura voluntarista que
tende a minimizar as dificuldades que enfrentam os governos de esquerda. O preço
do equívoco em que eles têm freqüentemente incorrido, de subestimar das relações
entre forma e conteúdo, é proibitivo e não pode mais ser tolerado.
2.4. Os enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico
Situacional como fundamentos da Gestão Estratégica Pública
Este item apresenta dois desdobramentos relativamente recentes ─ a Análise
de Política e o Planejamento Estratégico Situacional ─ das matrizes de
conhecimento analisadas no anterior. Elas são consideradas como as abordagens
mais adequadas para a formação de gestores capazes de realizar as atividades de
GEP demandadas pela construção do “Estado Necessário”.
No “Estado Herdado”, os marcos de referência cognitivos dos gestores eram
em geral originários de uma daquelas duas matrizes que conformavam o repertório
de conhecimento “formal” disponível no âmbito do aparelho de Estado (e também
fora dele) para o tratamento das questões de governo. Um outro corpo de
conhecimento ─ informal, intuitivo, específico, assistemático, e gerado de forma ad
hoc, indutiva, on the job ─ fazia parte da sua formação. Era ele o que de alguma
forma, ao adicionar-se a esses dois enfoques, permitia sua combinação
preenchendo os vazios cognitivos e amenizando o “desvio ingênuo” a que se fez
referência.
O fato de que este outro corpo de conhecimentos, apesar da sua fundamental
importância para o exercício de governar, não era ensinado, mas sim, a duras
penas, e só por alguns, apreendido, não passou despercebida aos pesquisadores
acadêmicos nem aos gestores que, tanto nos países centrais como na América
Latina, se interessavam ou estavam envolvidos com assuntos de governo. Este fato,
aliado a outros tipos de preocupação, entre as quais as de natureza ideológica e
política são as mais relevantes, originou movimentos de crítica e fusão
multidisciplinar entre essas duas matrizes de conhecimento e delas com outras
disciplinas das Ciências Sociais.
51
Esses movimentos foram penetrando a “caixa preta” do processo (ou sistema)
de elaboração de políticas ─ aquilo que era até então interpretado como um
transdutor ─ por um de seus dois extremos (inputs e outputs), ou de seus dois
principais momentos (formulação e implementação).
A Administração Pública, a partir da constatação de que os hiatos entre o
produto (output do sistema) obtido e o previsto mediante o planejamento
governamental (déficit de implementação) não eram simplesmente um sintoma de
má administração, mas que poderiam dever-se a problemas anteriores à fase de
implementação propriamente dita. Isto é aos processos decisórios em que atores
políticos defendiam seus interesses e valores.
A Ciência Política, a partir da constatação de que a formação da agenda
decisória que ocorria no âmbito do processo de formulação das políticas
influenciava muito significativamente o conteúdo da política, entrou na “caixa preta”
pelo lado dos seus inputs. Como a agenda decisória era determinada pelas forças
políticas que se expressavam no contexto econômico social que envolvia a interface
público-privado a Ciência Política não poderia se manter à margem da análise das
políticas públicas. Uma das conseqüências imediatas desse envolvimento foi a
constatação de que as determinações políticas, econômicas e sociais não eram um
simples insumo (input) do processo de formulação das políticas, e sim algo que
seguia atuando ao longo do processo da elaboração das políticas, abarcando todos
os seus momentos: formulação, implementação, avaliação.
Algumas perguntas fundacionais como as que seguem orientaram esse
movimento e estão na base da insatisfação com o planejamento governamental
tradicional que veio a desembocar na proposta da GEP.
Quais são os grupos que realmente conformam a agenda de decisão mediante
sua capacidade de transformar (ou travestir) seus problemas privados em assuntos
públicos, em questões de interesse do Estado, sobre os quais ele deve atuar
(agendum = algo sobre o qual se deve atuar)? E mais do que isto, como fazem para
impedir que outros assuntos de outros grupos sociais não sejam incorporados à
agenda fazendo com que ela fique restrita a assuntos sobre os quais têm controle?
Que procedimentos usam e de que mecanismos do próprio aparelho de Estado ─
legítimo e eles acessíveis por direito ─ se utilizam para fazer com que os assuntos
52
que logram colocar na agenda sejam decididos e implementados de acordo com
seus interesses?
2.5. O enfoque da Análise de Política
Este enfoque é o primeiro dos novos enfoques multidisciplinares que se
analisa aqui. Ele foi conformado a partir da confluência entre a Administração
Pública, ou mais precisamente da problematização que começara a fazer acerca da
implementação das políticas públicas, de um lado, e da Ciência Política, e mais
especificamente da problematização da formação da agenda e do processo
decisório, por outro.
Sua importância para formar os fundamentos em que se apóia a proposta da
GEP se relaciona à sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o
Estado e o seu próprio funcionamento de um modo mais revelador do que até então
fazia a Ciência Política. E enfocar a questão da elaboração dos planos e da sua
execução, da alocação de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia
a Administração Pública.
Em alguns casos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa nos
círculos ligados à disciplina de Administração Pública. Como, nos EUA, nos anos de
1960, a eles estavam focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos
etc., e não enfatizavam a questão dos valores e interesses que a Análise de Política
argumentava que era essencial para a Administração Pública, essa relação foi
muitas vezes complicada. Em outros casos, a Análise de Política se estabelece por
diferenciação/exclusão em relação à Ciência Política, em círculos a ela ligados.
Como resultado ocorreu uma inflexão no seu enfoque. Ele passou a incorporar a
análise das organizações e das estruturas de governo, deslocando um pouco o foco
da análise do institucional para o comportamental.
Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por
cientistas sociais para questões como essas, o que é novo é a escala em que elas
passam a ocorrer a partir dos anos de 1970 nos países capitalistas centrais, e o
ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato, muitos
pesquisadores já se tinham interessado por questões ligadas à atuação do governo
e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto, se caracterizou por
oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas atinentes aos
53
enfoques que tomaram por modelo áreas da Administração Pública ou deram
excessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análise organizacional.
Embora várias definições tenham sido cunhadas pelos autores que primeiro de
dedicaram ao tema, pode-se iniciar citando Bardach (1998), que considera a Análise
de Políticas como um conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas
disciplinas das ciências humanas utilizados para analisar ou buscar resolver
problemas concretos relacionados à política (policy) pública.
Para Wildavsky (1979), a Análise de Política recorre a contribuições de uma
série de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüências da
ação do governo, em particular, do processo de elaboração de políticas. Ele
considera, ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada, cujo conteúdo
não pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma abordagem
que pareça apropriada às circunstâncias do tempo e à natureza do problema.
Segundo Lasswell (1951), essa abordagem vai além das especializações
acadêmicas existentes.
Já segundo Dye (1976), fazer “Análise de Política é descobrir o que os
governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise de
Política é a descrição e explicação das causas e conseqüências da ação do
governo. Numa primeira leitura, essa definição parece descrever o objeto da Ciência
Política, tanto quanto o da Análise de Política. No entanto, ao procurar explicar as
causas e conseqüências da ação governamental, os pesquisadores cien¬tistas
políticos têm-se concentrado nas instituições e nas estruturas de governo, só há
pouco registrando-se o deslocamento para um enfoque comportamental que
caracteriza a Análise de Política. Ham e Hill (1993) ressaltam que “só recentemente
a política pública tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos”. E o
que “o que distingue a Análise de Política do que se produz em Ciência Política é a
preocupação com o que o governo faz”.
O fato de que a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados
por problemas das esferas pública e política (politics), que os processos e
resultados de políticas sempre envolvem a vários grupos sociais e que as políticas
públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os
diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que
54
têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão torna a Análise de
Política, um campo de trabalho cada vez mais importante.
Segundo os pesquisadores que fundam o campo, a “policy orientation” é o que
distingue a Análise de Política da Administração Pública. Seu caráter normativo (no
sentido de explicitamente portador de valores) revela uma preocupação acerca de
como as idéias que emergem da análise podem ser aplicadas no sentido de
alavancar um projeto social alternativo. Neste caso, a melhoria do processo político
através das políticas públicas que promovam a democratização do processo
decisório é assumida como um viés normativo.
Mas segundo eles a Análise de Política é também problem-oriented, o que
demanda e suscita a interdisciplinariedade. A Análise de Política se caracteriza,
assim, pela sua orientação aplicada, socialmente relevante, multidisciplinar,
integradora e direcionada à solução de problemas. Além de sua natureza ser ao
mesmo tempo descritiva e normativa.
Na opinião de alguns pesquisadores de Análise de Política, o analista das
políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política (politics) de
maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões relacionadas à
função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder entre
diferentes grupos sociais.
Para uma análise adequada é necessário explorar três níveis. Níveis que
podem ser entendidos, ao mesmo tempo, como aqueles em que se dão realmente
as relações políticas (policy e politics) e como categorias analíticas, isto é, como
níveis em que estas relações devem ser analisadas. São eles:
1 - O do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). É o nível
superficial, descritivo, que explora as ligações e redes intra e inter agências,
determinadas por fluxos de recursos e de autoridade etc. É o que se pode
denominar nível da aparência ou superficial;
2 - O do processo de decisão. É o nível, em que se manifestam os interesses
presentes no âmbito da estrutura administrativa, isto é, dos grupos de pressão que
atuam no seu interior e que influenciam o conteúdo das decisões tomadas. Dado
que os grupos existentes no interior de uma instituição respondem a demandas de
grupos, situados em outras instituições públicas e em organizações privadas, as
características e o funcionamento da mesma não podem ser adequadamente
55
entendidos a não ser em função das relações de poder que se manifestam entre
esses grupos. É o que se pode denominar nível dos interesses dos atores;
3 - Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e
das regras de sua formação, o da “infraestrutura economicomaterial”. É o
determinado pelas funções do Estado que asseguram a reprodução econômica e a
normatização das relações entre os grupos sociais. É o que explica, em última
instância, a conformação dos outros dois níveis, quando pensados como níveis da
realidade, ou as características que assumem as relações a serem investigadas,
quando pensados como categorias analíticas. Este nível de análise trata da função
das agências estatais que é, em última análise, o que assegura o processo de
acumulação de capital e a sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode
denominar nível da essência ou estrutural.
A análise deve desenvolver-se de forma reiterada (em ciclos de
retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa buscando
responder as questões suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como indicado, é
no terceiro nível onde as razões últimas destas questões tendem a ser encontradas,
uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e pela
legitimidade do processo de elaboração de políticas.
No momento de formulação, através da filtragem das demandas, seleção dos
temas e controle da agenda mediante um processo cujo grau de explicitação é
bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito, onde há uma
seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são necessárias
para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como
suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “não-
decisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam
à estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária),
selecionando os que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram
ideologicamente os temas e os problemas.
Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de
controle político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como
âmbito maior e mais complexo de determinação, o terceiro.
É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações,
é possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área
56
qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características
mais essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de
relações de interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a
relação entre o primeiro nível superficial das instituições e o terceiro nível mais
profundo da estrutura econômica.
Assim, pode-se dizer que a análise de uma política implica, primeiramente, em
identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e os atores
que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda no
primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é,
aquelas sancionadas pela legislação) que elas e seus respectivos atores-chave
mantêm entre si.
Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se
estabelecem entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse
existentes no interior de uma instituição e de grupos externos, situados em outras
instituições públicas e em organizações privadas. As relações de poder, coalizões
de interesse, formação de grupos de pressão, cooptação, subordinação etc., devem
ser cuidadosamente examinadas de maneira a explicar o funcionamento da
instituição e as características da política. A determinação de existência de padrões
de atuação recorrente de determinados atores-chave e sua identificação com o de
outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos políticos etc., de modo a
conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido neste nível de
análise.
O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma
tentativa sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de
poder e das regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista
─ sua “infraestrutura economicomaterial” e sua “superestrutura ideológica” ─,
explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entre a situação específica que
está sendo analisada ao que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado
(ou periférico, no caso latino-americano) que se pode chegar a entender a essência;
isto é, entender porque as relações que se estabelecem entre as várias porções do
Estado e destas com a sociedade são como são.
57
Pode-se entender o percurso descrito como uma tentativa sistemática de
percorrer este “caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este
terceiro nível de análise proporciona.
2.6. O enfoque do Planejamento Estratégico Situacional
O Planejamento Estratégico Situacional, método PES, surge em meados da
década de 1970 como resultado da busca de uma ferramenta de suporte ao mesmo
tempo científica e política para o trabalho cotidiano de dirigentes públicos e outros
profissionais em situação de governo. Seu criador foi o ex-ministro de planejamento
chileno do governo Allende, Carlos Matus. Nas suas próprias palavras, o método
PES nasceu de um longo processo de reflexão que teve lugar no período em que
ele ficou preso em função do golpe militar que levou à morte do presidente Allende,
em setembro de 1973. Essa reflexão, o levou a formular uma crítica ao
planejamento governamental tradicional e propor um método alternativo, que
levasse em conta o caráter situacional (situação do ator que planeja) e estratégico
que deveria possuir o planejamento, em especial aquele necessário para lidar com
as particularidades do Estado latino-americano.
A leitura de qualquer um dos vários livros que escreveu revela que essa crítica
tem como pressupostos muitos dos conteúdos abordados pelo enfoque da Análise
de Políticas. Aspecto que ficou ainda mais patente para os que tiveram a
oportunidade de serem alunos do Prof. Matus. Por estar baseado em pressupostos
muito semelhantes aos da Análise de Política, o método PES é uma alternativa ao
planejamento tradicional e, por isso, foi escolhido como um dos fundamentos deste
curso de GEP. Também o foi o fato de ele ter sido concebido através do
aprendizado proporcionado por sucessivas experiências de planejamento
governamental em países periféricos, que permite que o Curso que aqui se
apresenta conte com um repertório de instrumentos e metodologias que adicionam
à reflexão sobre Análise de Políticas preocupações mais realistas e próximas do
contexto latino-americano.
Dado que, tal como indicado acima, não cabe aqui uma apresentação
sistemática da proposta do PES, se destaca a seguir alguns pontos que a tornam
apropriada para servir de fundamento à disciplina de GEP:
58
a) A crítica radical que faz ao planejamento tradicional “normativo” (não no
sentido de prescritivo, mas sim de voluntarista ─ escassamente apoiado em análise
metodologicamente coerentes ─ e autoritário ─ baseado em “acordos de gabinete”
─ sem participação) e à sua própria epistemologia, de caráter positivista e
comportamentalista;
b) O esforço de construção de um método para compreender o jogo social, a
relação entre os homens, e atingir resultados relevantes apesar da incerteza sempre
presente, a partir de categorias como ator social, teoria da ação social, a produção
social e conceitos como o de situação e o de momento.
O método PES se coloca, assim, como uma “contraproposta epistemológica”
ao planejamento de tipo economicista ao:
a) Negar a possibilidade de um único diagnóstico da realidade, ao enfatizar
que os vários atores “explicam” ou fazem “recortes” interessados da realidade, a
partir de suas situações particulares e sempre voltados para a ação. Não é possível,
nunca, um conhecimento “fechado”, uma verdade acabada sobre a realidade?
b) Reconhecer que os atores em situação de governo nunca têm o controle
total dos recursos exigidos por seus projetos e, por isto, nunca há certeza de que
suas ações alcançarão os resultados esperados. Os recursos escassos não são só
os econômicos, mas os de poder, de conhecimento e de capacidade de organização
e gestão, entre outros;
c) Que a ação humana é intencional e nunca inteiramente previsível como
fazem supor os comportamentalistas;
d) Que o jogo social é sempre de “final aberto”.
Nesta medida, apesar da incerteza, da incapacidade de controlar os recursos,
do abandono de qualquer posição determinística, há sempre espaço para a ação
humana intencional, para se “fazer história”, para se “construir sujeitos” individuais e
coletivos e para se lutar contra a improvisação, construindo um caminho possível
que se aproxime do rumo desejado.
59
CAPÍTULO III: METODOLOGIA DE DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES
3. Introdução22
Este capítulo trata de uma metodologia que tem como objetivo propiciar uma
aproximação ao nosso propósito de subsidiar a transição do “Estado Herdado” para
o “Estado Necessário”.
Suas características decorrem do fato de que, tal como já observamos, nossa
proposta a esse respeito é distinta daquela que postula uma “cena de chegada” ─
uma configuração de Estado democrático (O’DONNELL, 2008) coerente com um
cenário normativo a ser construído pela via da observância das cidadanias que
estão além da cidadania política ─ que, por oposição, se diferencia da “cena inicial”
─ o “Estado Herdado”. Tal proposta, por não explicitar a natureza da “trajetória” que
as separa, coloca o “Estado Necessário” como uma espécie de “farol” situado num
cenário futuro. Ele seria o responsável para guiar a transição.
Acreditamos que para materializar a intenção de gerar uma configuração de
Estado com atributos previamente especificados (consolidar as cidadanias que
estão além da cidadania política), devido à escassa possibilidade que temos de
especificar a cena de chegada, às incertezas associadas ao processo e à
necessidade de que o processo esteja sempre submetido à vontade de coletivos
participativos com alto poder de decisão, é necessário outro tipo de abordagem
metodológica. Mantendo a analogia náutica, podemos dizer que sem que uma
“bússola” se encontre disponível, é baixa a probabilidade de alcançar a um
resultado coerente com os valores e interesses do conjunto dos atores que, como
atores mais envolvidos com esse processo, queremos promover.
A bússola é um instrumento que nos permite navegar mesmo quando as
condições de visibilidade não nos permitem enxergar o farol. Especialmente
quando, por estarmos numa embarcação à vela, é inconveniente manter um rumo
fixo. Quando é necessário aproveitar uma lufada de vento forte que nos permite
avançar mais rápido, mesmo sabendo que termos que bordejar depois para
recuperar a direção em que estávamos; afinal velejar é aproveitar a força do vento e
da maré. Ou quando percebemos que não é conveniente tentar manter o rumo para
22 Este texto é uma adaptação do capítulo sobre a Metodologia de Diagnóstico de Situações de Dagnino e outros (2002).
60
chegar a um ponto rigidamente pré-determinado (farol). Quando o mais importante,
naquela conjuntura, é chegar logo à costa, ainda que num ponto distinto do que se
havia programado, de maneira segura e aproveitando as condições que se
apresentarem. A bússola é o que nos permitirá, inclusive, saber o quanto estamos
nos afastando daquele ponto e quais os inconvenientes que isto nos poderá causar.
Gerar um produto adequado a um cenário postulado como desejável (farol),
mas numa situação em que o contexto sócio-econômico e político é cambiante,
assim como o são os interesses e projetos políticos dos atores que se quer
favorecer, sobretudo quando é difícil visualizar sua provável evolução, não é o mais
sensato. O que não quer dizer, é claro, que devamos deixa o barco à deriva.
Nossa bússola é, justamente, a metodologia que apresentamos neste capítulo.
Por trabalhar com situações-problema que derivam do ambiente sócio-econômico e
político em que estamos “velejando” e que são definidas no âmbito dos atores que
nos interessa promover e que por isso trazem embutidos seus valores e interesses,
ela é mais eficaz do que qualquer “farol” que a priori, antes de começar a viagem,
possamos divisar.
Ela começa com a construção de um mapa cognitivo de uma determinada
situação-problema. Este mapa pode ser considerado, para todos os efeitos, como
um modelo descritivo de uma realidade complexa sobre a qual, num momento
normativo posterior, com o emprego da Metodologia de Planejamento de Situações
(MPS), elaborar-se-ão estratégias especificamente voltadas a alterar a configuração
atual descrita.
A Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) busca viabilizar uma
primeira aproximação aos conceitos adotados para o PEG e ao conjunto de
procedimentos necessários para iniciar um processo dessa natureza numa
instituição pública, de governo. Do ponto de vista mais formal e enfatizando seu
caráter pedagógico mais do que o de ferramenta de trabalho que ela possui, a MDS
pode ser considerada como uma variação da metodologia do estudo de caso ou do
“método do caso”23, amplamente utilizada desde o início do século XX nas Escolas
de Direito e de Administração (pública e de empresas) em todo o mundo. Sem
pretender comparar esse método de ensino com a MDS, mesmo porque esta possui
23 Sem aprofundar, vale mencionar a distinção que fazem Aragão e Sango (2003) entre esses dois termos.
61
um caráter que pretende transcender em muito esta condição, ou criticar a forma
com foi concebido ou tem sido utilizado24, cabe enfatizar que os esforços iniciais
para a sua concepção e utilização, realizados por Carlos Matus, se dão em
ambientes de governo para resolver problemas concretos e não para a “construção”
ou idealização de casos úteis para o ensino de Administração.
Na primeira parte desse capítulo, que engloba as duas primeiras seções, são
apresentados conceitos como Ator Social e Jogo Social, e são apontadas diretrizes
para a ação estratégica.
Na sua segunda parte é apresentada uma visão sobre os condicionantes da
ação de governo a partir de alguns conceitos como projeto de governo,
governabilidade, a capacidade para governar, o tempo e a oportunidade. Especial
destaque se dá ao Triângulo de Governo como ferramenta para a análise de
Governabilidade.
Na terceira parte é apresentada a maneira como se dá o tratamento de
problemas no âmbito da metodologia. É apresentado o conceito de problema (em
tudo análogo ao de situação- problema) e são exemplificados os procedimentos
adotados para sua identificação e formulação adequada.
Na quarta parte são apresentados os procedimentos para a construção do
fluxograma explicativo da situação. Fica ali evidente a relação que essa metodologia
possui com as metodologia de modelização e de mapas cognitivos e com os
trabalhos sobre Planejamento Estratégico Situacional, desenvolvidos pelo Prof.
Carlos Matus. O diagnóstico de uma situação é a base para a definição das ações
em um plano estratégico, assunto que é desenvolvido no capítulo que segue,
referente à Metodologia de Planejamento Situacional.
3.1. Uma visão preliminar do resultado
Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MDS pode ser obtida
através de um exemplo bem simples, ainda que sofrido pelos Palmeirenses, que
mostra os problemas identificados por um ator ─ o time do Palmeiras ─ no âmbito
de uma situação-problema, a sua derrota frente ao Corinthians.
24 Kliksberg (1992), Costa e Barroso (1992) e Aragão e Sango (2003), entre outros, sistematizaram algumas dessas críticas de modo bastante acertado e que se mostrou útil para a concepção das melhorias que fomos ao longo do tempo introduzindo na MDS.
62
Frente à derrota, o presidente do Palmeiras reuniu os jogadores para entender
porque o time foi derrotado e buscar soluções. Iniciou a reunião perguntando a cada
jogador: qual foi a causa da derrota, e pediu que cada um escrevesse numa ficha
esta causa. Pediu também que os jogadores respondessem usando uma ficha para
cada problema com uma frase objetiva, curta, direta, com poucas palavras,
ressaltando que não colocassem mais de um problema na mesma folha; se
quisessem indicar mais de um problema, deveriam usar outra ficha. E que, de
preferência, a frase não começasse com “falta ...”, pois se fosse assim o enunciado
do problema já estaria enunciando a sua solução ─ providenciar o que está faltando
─, e isso deveria ser evitado para que se pudesse ter uma visão mais adequada da
situação-problema como um todo. Finalmente, pediu que evitassem o ruído do tipo
1: eu falo x e o outro entende y e, também, o do tipo 2: eu acho que falei m mas, na
realidade, falei n.
Vejamos o que eles conseguiram (ver Figura 3.1.1):
FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORES
Em seguida, eles tentaram ordenar os problemas identificados colocando as
causas mais determinantes à esquerda. O resultado foi o seguinte (ver Figura
3.1.2):
JOGADORES
QUEREM SAIR
DO PALMEIRAS
PALMEIRAS
POUCO
MOTIVADO
POUCAS JOGADAS
COM CHANCE
DE GOL
CORINTHIANS BEM
PREPARADO
E MOTIVADO
ATRITOS ENTRE
JOGADORES
E DIRIGENTES
JOGO LENTO E
MÁ PONTARIA
ATRASO DE
PAGAMENTO
NO PALMEIRAS
CORINTHIANS
POSSUI MAIS
SÓCIOS PALMEIRAS COM MÁ
PREPARAÇÃO
FÍSICA
BAIXA RENDA
NOS JOGOS
63
FIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS
JOGADORES
QUEREM SAIR
DO PALMEIRASPALMEIRAS
POUCO
MOTIVADO
POUCAS JOGADAS
COM CHANCE
DE GOL
CORINTHIANS BEM
PREPARADO
E MOTIVADO
ATRITOS ENTRE
JOGADORES
E DIRIGENTES
JOGO LENTO
E MÁ
PONTARIAATRASO
DE PAGAMENTO
NO PALMEIRAS
CORINTHIANS
POSSUI MAIS
SÓCIOS
PALMEIRAS COM
MÁ PREPARAÇÃO
FÍSICA
BAIXA RENDA
NOS JOGOS
ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOS
Depois, eles organizaram os problemas classificando as causas segundo a
capacidade que tinham de agir sobre elas (governabilidade) para tentar entender
quais eram as “relações de causalidade” que existiam entre elas (ver Figura 3.1.3).
Eles chegaram ao que na terminologia da MDS é um fluxograma explicativo da
situação-problema. Ou o que, de forma mais genérica, é um mapa cognitivo de
como os jogadores do Palmeiras explicam a sua derrota. Ou, ainda, utilizando o
jargão da Análise de Sistemas é um modelo de um sistema complexo (a derrota).
FIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO PROBLEMA
PALMEIRAS
PERDEU
POR 3 X 0
PALMEIRAS
POUCO
MOTIVADO
POUCAS JOGADAS
COM CHANCE
DE GOL
CORINTHIANS BEM
PREPARADO
E MOTIVADO
JOGO LENTO
E MÁ
PONTARIAATRASO DE
PAGAMENTOS
NO PALMEIRAS
CORINTHIANS
POSSUI MAIS
SÓCIOS
PALMEIRAS COM
MÁ PREPARAÇÃO
FÍSICA
BAIXA RENDA
NOS JOGOS
FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAÇÃO-PROBLEMA
conseqüênciascausas
espaço de
governabilidade
fora do
“jogo”
fora da
governabilidade
JOGADORES
QUEREM SAIR
DO PALMEIRAS
ATRITOS ENTRE
JOGADORES
E DIRIGENTES
64
3.2. O que é o “agir estratégico”?
Apresentada essa visão preliminar do resultado da aplicação da MDS,
podemos iniciar o detalhamento dos conceitos e relações que ela compreende.
O foco da ação estratégica é tornar possível, no futuro, o que hoje parece
impossível ou improvável, e manter atenção sobre o que é mais importante fazer
para atingir os objetivos traçados. Nossa concepção de planejamento implica,
portanto, enfrentar problemas planejando para construir viabilidade.
3.3. Pressupostos para uma ação estratégica em ambiente governamental
Para uma mesma situação-problema é possível construir diferentes
explicações ou diagnósticos válidos. Cada ator social tem a sua visão da realidade,
dos resultados que deve e pode alcançar e da ação que deve empreender. No
entanto, é preciso avançar, na percepção sobre o conceito de Diagnóstico,
incorporando a idéia mais apurada de análise de situações e tendo presente que é
necessário saber interagir com outros atores para ganhar sua colaboração ou
vencer suas resistências.
Partimos da hipótese realista e minimalista de que o ator que planeja está
inserido no objeto planejado e não tem controle sobre o contexto sócio-econômico e
político onde vai agir. A GEP supõe que o ator que planeja atua em um ambiente
marcado por incerteza, em que surpresas podem ocorrer a todo o momento e em
que a possibilidade do insucesso está sempre presente e deve ser incorporada no
cálculo político.
3.4. O conceito de Ator Social
Ator social é uma pessoa, grupo ou organização que participa de algum “jogo
social”; que possui um projeto político, controla algum recurso relevante, tem,
acumula (ou desacumula) forças no seu decorrer e possui, portanto, capacidade de
produzir fatos capazes de viabilizar seu projeto (MATUS, 1996).
Todo ator social (com projeto e capacidade de produzir fatos no jogo) é capaz
de fazer pressão para alcançar seus objetivos, podendo acumular força, gerando e
mudando estratégias para converter-se num centro criativo de acumulação de
poder.
65
O diagnóstico inicial de problemas que conformam uma situação-problema a
ser enfrentada por um ator pode ser visto como o resultado do jogo realizado por um
conjunto de atores num momento pretérito.
3.5. Características do Jogo Social
É possível caracterizar o agir social como um jogo que pode ser de natureza
cooperativa ou conflitiva. Num no jogo social, diferentes jogadores têm perspectivas
que podem ser comuns ou divergentes e controlam recursos que estão distribuídos
entre os jogadores segundo suas histórias de acumulação de forças em jogos
anteriores. Um conjunto de jogos sociais conforma um contexto que pode ser
entendido como um sistema social. Mas, diferentemente de jogos esportivos, por
exemplo, no jogo social, ou no jogo político que tipicamente ocorre nas atividades
de GEP, as regras do jogo podem alterar-se em função de jogadas e de
acumulações dos jogadores.
3.6. Os Momentos da Gestão Estratégica
A Gestão Estratégica pode ser entendida como uma composição de quatro
momentos principais25 (ver Quadro 3.6.1):
QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA
FONTE: elaborado pelo autor.
25 “Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). O conceito não tem uma característica meramente cronológica e indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos.
66
Adotamos aqui a nomenclatura “momento” conforme proposta por Matus,
como crítica à concepção de planejamento convencional como sendo composto por
um conjunto de etapas ou de fases separadas e estanques.
Os momentos indicados no diagrama e as atividades que implicam podem ser
assim caracterizados:
DIAGNÓSTICO: Explicar a realidade sobre a qual se quer atuar e mudar; foi, é
e tende a ser.
FORMULAÇÃO: Expressar a situação futura desejada ou o Plano; o que deve
ser.
ESTRATÉGIA: Verificar a viabilidade do projeto formulado e conceber a forma
de executá-lo; é possível? como fazer?
OPERAÇÃO: Agir sobre a realidade; fazer, implementar, monitorar, avaliar.
3.7. A análise de Governabilidade - o Triângulo de Governo
O conceito de Governabilidade pode ser entendido através de uma ferramenta
simples e muito útil para a análise de viabilidade política de projetos e de ações de
governo: o Triângulo de Governo (ver Figura 3.7.1). Esse modelo é formado por três
variáveis interdependentes que se encontram nos seus vértices. Correndo o risco da
simplicidade excessiva, pode-se dizer que Governar é controlar de forma adequada
essas três variáveis. O Triângulo de Governo que expressa o balanço entre elas
pode ser esquematicamente concebido como a área da figura.
Um grupo político que pretende governar formula um Projeto de Governo, que
pode ser entendido como o conjunto dos objetivos que ele possui e que expressam
os desejos da parte da população que o elegeu conferindo Apoio Político ao
governo eleito. Este Projeto de Governo é posteriormente transformado num
conjunto de planos, dando origem à GEP. É intuitiva a idéia que o Apoio Político, em
qualquer mandato de um governo eleito, começa alto e tende a diminuir. Como
também o é a de que um Projeto de Governo que não pretende mudar a situação
previamente existente ─ um projeto meramente “administrativo” ─ não irá requerer
uma alta governabilidade, pois não existirão muitos obstáculos à sua ação. Ao
contrário, um Projeto de Governo “transformador”, que expressa uma grande
ambição do ator social de mudar a situação previamente existente exigirá alta
governabilidade. Então, o grau de Governabilidade que um ator social precisa para
67
governar é inversamente proporcional ao Projeto de Governo, entendido, este, como
a ambição de mudar a situação previamente existente.
FIGURA 3.7.1: TRIÂNGULO DE GOVERNO
projeto de governo
apoio político
capacidadede governo
balanço de governabilidade
governabilidade = “área” do triângulo
para manter g acima de um patamar mínimo,
o governante deve obter um balanço favorável entre
a, c e p.
FONTE: elaborado pelo autor. O sistema em que está inserido o Projeto de Governo não é passivo. As
resistências e os apoios indicam uma relação de forças que expressam a maior ou a
menor sustentação política que o ator social que governa possui para implementar
seu projeto político. Esse “Apoio Político” que a sociedade confere ao governante a
ao seu Plano de Governo pode ser entendido também como a força (que o ator
possui) para “fazer acontecer”, está representado no vértice esquerdo do Triângulo.
É também intuitiva a idéia que a Governabilidade é diretamente proporcional ao
Apoio Político com que conta o ator social.
A equipe dirigente deve analisar, para cada projeto ou proposta de governo,
qual é o efetivo apoio/rejeição/desinteresse de atores políticos. No caso de um
governo municipal, eles serão o(a) Prefeito(a), secretariado, movimentos sociais e
sindicais, apoio partidário, opinião pública, legislativo, meios de comunicação,
formadores de opinião...
O controle dos aspectos que integram o sistema depende da capacidade que o
dirigente possuir para implementar seu projeto, construindo resultados, mudando a
realidade e ampliando, assim, sua Governabilidade.
68
Mas a análise deve informar, também, para cada projeto ou proposta de
governo, qual é a capacidade de governar da equipe dirigente, sua experiência de
gestão, seus métodos de trabalho, sua organização interna, suas habilidades
pessoais, seu controle de meios para empreender o projeto, seu controle de
recursos (tempo, conhecimento, financeiros, pessoal capacitado, capacidade para
formar opinião, para gerenciar ou para coordenar processos de trabalho, para gerar
legislação ou regulamentações, comunicação, mobilização de apoio). A Capacidade
de Governo (ou governança) é o recurso cognitivo (saber governar) com o qual
conta a equipe de governo, deriva desse conjunto de fatores. Ela está representada
no vértice direito do Triângulo. A Governabilidade é diretamente proporcional à
Capacidade de Governo.
Essa capacidade de análise de viabilidade é essencial para Governabilidade.
Ela é uma avaliação sistemática sobre a força (ou Apoio Político) necessária para
implementar ações de governo e a Capacidade de Governo. A Governabilidade vai
depender, a cada momento, e para um dado projeto, das situações específicas
proporcionadas pela ação sob análise. Dois fatores importantes que afetam a
Governabilidade são o tempo, entendido como o recurso mais escasso do
governante e a oportunidade política para empreender uma dada ação de governo.
Em termos matemáticos, pode-se escrever que g = F (a; c; 1/p); onde
Governabilidade: g; Apoio Político: a; Capacidade de Governo: c; ambição do
Projeto de Governo: p.
Para deixar o conceito de Governabilidade ainda mais claro, vamos analisar
dois casos tendo como referência gráficos em que o Apoio Político e a Capacidade
de Governo estão indicadas no eixo vertical e o tempo de governo no eixo horizontal
(ver Figura 3.7.2).
A curva da Capacidade de Governo se inicia baixa e negativa, indicando que a
equipe do governo eleito, em geral, não sabe governar. E só o faz, de fato, quando
ela atravessa o eixo horizontal.
A curva do Apoio Político se inicia positiva e alta, indicando que a equipe do
governo eleito conta sempre, no início, com muita aprovação da população.
No primeiro caso, se a equipe dirigente não possui suficiente Capacidade de
Governo ela demorará em começar a governar de fato. E por causa disso, o Apoio
Político que em geral tende a diminuir se verá reduzido pela incapacidade da equipe
69
satisfazer ao interesse da população. Neste caso, o governo terminará de fato antes
término previsto. Ou então, para manter a Governabilidade a equipe terá que reduzir
o seu Projeto de Governo (isto é, a ambição de mudar a situação previamente
existente). Ele terá que ser sacrificado de modo a obter apoio político das forças
conservadoras.
FIGURA 3.7.2: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO
Capacidade
de governo
Apoio Político
Período Efetivo
de Governo
+
-
FONTE: elaborado pelo autor.
No segundo caso, a equipe dirigente consegue adquirir Capacidade de
Governo mais rapidamente e, em conseqüência, o período efetivo de governo
começa mais cedo e seu projeto poderá ser mantido até o fim. Isso significa que o
governante não irá ser obrigado a diminuir sua expectativa de mudar a realidade.
Essa equipe, por começar a governar com uma capacidade de governo maior,
pode impedir que o apoio político se reduza. Pelo contrário, ele pode aumentar. Isso
pode fazer com que essa equipe de governo seja promotora do perfil de sua
sucessora a qual terá a mesma linha política e projeto que foram bem sucedidos e
que têm o apoio da população.
A equipe, por saber governar, faz com que o resultado que alcança promova
uma ampliação do mandato previsto. Todavia, para que isso ocorra é necessária
capacidade de governo. Quem não der a devida atenção à capacidade de governo
(que é um dos recursos mais importantes para se governar), não conseguirá
governar. Poderá até pensar que está governando, ou mesmo governar durante
certo tempo, porém a partir de um dado momento não irá mais fazê-lo.
70
Antes das eleições, a população pode votar num candidato porque acha que
ele sabe governar, por ele falar bem, ser simpático, defender uma parte importante
da população etc. O apoio político inicialmente não depende da capacidade de
governo.
Todavia, no momento posterior, depois se assumir o mandato, o apoio político
não será um mero reflexo da plataforma política ou da simpatia da população pelas
idéias da equipe que governa. Depois que o governo está em execução a simpatia
não é tão importante como era quando da eleição. A partir desse momento, o apoio
político se torna proporcional à capacidade de governo. E, neste segundo caso,
como se pode ver no gráfico (ver Figura 3.7.3), a partir de um determinado momento
a curva de apoio político começa a subir.
Para manter a Governabilidade a equipe não precisará sacrificar o Projeto de
Governo (ambição de mudar a situação existente). Ele poderá ser mantido até o fim
e o governo terminará depois do término previsto. Ou seja, a equipe poderá fazer a
sua sucessora.
FIGURA 3.7.3: GRÁFICO DO APOIO POLÍTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO
+
-
Capacidade
de governo
Apoio Político
Período Efetivo
de Governo FONTE: elaborado pelo autor.
Dessas evidências surge o argumento de que o tempo que a equipe de
governo demora a adquirir capacidade de governo é uma variável crítica. Tempo
este que, na realidade, não pode ser considerado como um tempo de governo.
Enquanto a equipe está adquirindo capacidade de governo, enquanto a curva não
ultrapassa a linha horizontal mostrada no gráfico, alguém, que não ela, está de fato
governando. É um tempo durante o qual a tendência é de perda de apoio político.
71
3.8. A situação-problema como objeto da Gestão Estratégica Pública
Introduzido o conceito de Governabilidade, é possível aprofundar o
entendimento do conceito de situação-problema e o papel que ela desempenha na
GEP. Esta seção parte da idéia de que qualquer situação pode ser entendida pelo
ator com ela envolvido como o resultado, o “placar”, de um jogo. E que esta situação
pode ser por ele encarada como um problema a resolver. Ou seja, o êxito em um
jogo será a solução de um problema ou a mudança do placar. Neste contexto,
portanto, situação, problema e situação-problema são, para todos os efeitos,
sinônimos.
Pode-se entender a realidade social como um grande jogo integrado por
muitos jogos parciais e que possuem suas próprias regras, em que atores se vêem
envolvidos ou procuram se envolver. Em todos os jogos há alguns jogadores e
alguns espectadores: nenhum ator social participa de todos os jogos.
O governante, o ator que planeja ou o encarregado da gestão de uma situação
pode ser vistos como um jogador que, com suas ações, produze acumulações
procurando alterar o resultado do jogo. É com base nessas acumulações que ele
pode ampliar, ou reduzir, sua capacidade de produzir novas jogadas e alterar a
situação inicial. Este é o mecanismo básico através do qual se acumula ou se
desacumula poder e se produz, ou não, mudanças significativas sobre uma dada
situação-problema.
Observar a ação de governo, que gera acúmulos de poder e resultados
socialmente valorizados, é uma atividade-chave da GEP. Essa observação exige: a
identificação dos jogos e dos problemas em que o ator que planeja está envolvido; a
determinação de sua relação com outros problemas e jogadores; a identificação de
suas manifestações sobre a realidade ou das evidências que permitam verificar se o
problema está se agravando ou sendo solucionado pela ação de governo; a
diferenciação entre as causas e as conseqüências dos vários jogos parciais.
3.9. Conceito de Problema (ou situação-problema)
O elemento central do momento de Diagnóstico é a produção de um quadro
que identifique e relacione entre si os problemas mais relevantes associados a uma
dada situação (Instituição etc.) em um determinado momento. Recordando, um
72
problema, ou uma situação problema, é o resultado de um jogo. É algo que o ator
declare como insatisfatório e evitável.
Um problema é estruturado quando é possível: enumerar todas as variáveis
que o compõem; precisar todas as relações entre as variáveis; fazer com que todos
os jogadores reconheçam como tal a solução proposta.
E é quase-estruturado, quando se podem: enumerar apenas algumas das
variáveis que o compõem; precisar apenas algumas das relações entre as variáveis;
entender suas soluções como, necessariamente, situacionais. Isto é, aceitáveis para
um ator e vistas com restrições por outros.
Os problemas produzidos pelos jogos sociais e por inclusão os que são alvo da
GEP são quase-estruturados. Um problema quase-estruturado pode conter, como
elementos parciais, problemas estruturados. Isto é, os problemas estruturados não
existem na realidade social, salvo como aspectos ou como partes de problemas
quase estruturados.
3.10. Tipos de Problemas
No jogo social são produzidos três tipos de problema. Adotando como
referencial o tempo, o significado e a natureza do seu resultado para um
determinado ator, o problema pode ser: uma ameaça, isto é, um perigo potencial de
perder algo conquistado ou agravar uma situação; uma oportunidade, isto é, a
possibilidade que o jogo social abre e sobre a qual o ator pode agir para aproveitá-la
com eficácia ou desperdiçá-la; um obstáculo, ou seja, uma deficiência passível de
ser atacada através da adequada observação e qualificação do jogo em curso.
É possível classificar os problemas quanto a: tempo: atuais ou potenciais;
governabilidade: controle total, baixo controle e fora de controle; abrangência:
nacionais, locais, específicos, estaduais, municipais; estruturação: estruturados ou
quase-estruturados.
O enfrentamento de problemas já criados ou presentes é um ato reativo. O
enfrentamento das ameaças e das oportunidades é um ato propositivo. A ação de
caráter propositivo é um objetivo a ser perseguido permanentemente pelo ator que
busca melhores resultados e mais possibilidades de êxito. Tais possibilidades, no
entanto, não estão usualmente sob controle dos dirigentes públicos. Ao assumir a
frente de uma organização ou instância de governo, a escala e a gravidade dos
73
problemas já detectados e que exigem soluções imediatas costuma ser de tal monta
que a ação do governante tende a ser de caráter reativo. Simultaneamente,
entretanto, devem ser vislumbradas novas ameaças e oportunidades, procurando
evitar o agravamento da situação (ação de caráter propositivo).
3.11. Conformação de um Problema
Um problema só existe quando uma situação adversa se torna foco de
interesse de um ator social. Isto ocorre devido ao mal-estar claramente percebido
que produz o resultado de algum jogo em que ele está envolvido. Ou, em menor
medida, à identificação de que o jogo contém oportunidades cujo resultado pode
beneficiá-lo. Antes que isso ocorra, o resultado deste jogo é, para o ator, um mal-
estar impreciso ou uma mera necessidade sem demanda política.
O diagnóstico da situação supõe: listar os problemas declarados pelos
diversos atores sociais relevantes; avaliar os problemas segundo a perspectiva
desses atores; situar os problemas no tempo e no espaço; verificar se existe
complementaridade ou contradição entre os problemas declarados; identificar fatos
que evidenciam e precisam a existência de problemas; levantar suas causas e
conseqüências;selecionar as causas críticas que podem ser objeto de intervenção.
3.12. Como formular um Problema?
Uma correta formulação de um problema é condição essencial para seu
equacionamento. Um problema mal formulado pode levar a uma visão distorcida da
situação e à tomada de decisões equivocadas, que podem debilitar o ator.
Um problema pode ser uma situação ou um estado negativo, uma má
utilização de recursos, uma ameaça ou uma intenção de não perder uma
oportunidade.
É necessário identificar e precisar problemas atuais ou realmente potenciais, e
evitar exercícios de futurologia e de imaginação dispersiva; um problema não é a
“ausência de uma solução”.
Exemplos de como formular os problemas imersos numa situação (ver
Esquema 3.12.1):
74
ESQUEMA 3.12.1: FORMULAÇÃO DE PROBLEMAS
FONTE: elaborado pelo autor.
É conveniente evitar a indicação de temas gerais como problemas. Exemplo:
saúde, transporte etc. É também conveniente evitar listar objetivos, como atingir
50% de imunização, concluir a estrada entre A e B.
3.13. Perguntas para verificar se a seleção de Problemas é apropriada
Parte-se do princípio de que a ação de um governo pode ser pior, mas nunca
superior à seleção de problemas efetuada pelo dirigente e sua equipe. Os critérios
de seleção enunciados não devem ser aplicados problema por problema, mas sim
na avaliação do conjunto de problemas selecionados.
Convém verificar a seleção do conjunto de problemas, respondendo as
seguintes perguntas: a) Qual é o valor político dos problemas selecionados versus o
valor dos problemas postergados? b) Há concentração ou dispersão de esforços
para enfrentá-los? c) Qual é a proporção de problemas que exigem continuidade
frente aos que exigem inovação? d) Qual é a proporção de problemas cujos
resultados irão amadurecer dentro do período de gestão ou mandato? e) Qual é o
balanço entre os recursos necessários para o enfrentamento dos problemas
selecionados em relação aos recursos disponíveis? f) Algum dos problemas
selecionados pode dissolver-se num problema maior que o compreende?
75
3.14. A Descrição de um Problema
Um problema deve ser descrito por intermédio de fatos verificáveis através dos
quais ele se manifesta como tal em relação ao ator que o declara. Esses fatos
devem ter sua existência amplamente aceita para que possam ser validados.
A descrição de um problema é relativa ao ator que o declara: o resultado de
um jogo pode ser um problema para um ator, uma ameaça para um segundo, um
êxito para um terceiro e uma oportunidade para um quarto. A descrição de um
problema deve precisar seu significado e torná-lo verificável mediante os fatos que o
evidenciam.
A descrição de um Problema deve: 1) reunir suas distintas interpretações
possíveis em um só significado; 2) precisar o que deve ser explicado: definir seu
significado em termos de quantidade e de qualidade, de tempo e de localização; 3)
evidenciar o problema de uma forma monitorável, isto é, que permita o
acompanhamento de sua evolução; 4) permitir que sejam previstas ou definidas
fontes de verificação para a descrição construída.
Exemplos de descrição de Problemas (ver Figura 3.14.1):
FIGURA 3.14.1: DESCRIÇÃO DE PROBLEMAS
FONTE: elaborado pelo autor.
76
3.15. A Explicação da Situação-problema
O conceito de diagnóstico aqui adotado está referido à forma como os atores
participantes de um jogo social observam e, portanto, explicam a realidade em que
estão inseridos. Toda explicação pressupõe reflexão. É ela que permite que o ator
perceba possibilidades para transformar ou para manter uma dada situação.
Para explicar um problema, é necessário fazer uma distinção entre:
i) Causas (o problema se deve a);
ii) Descrição (o problema se verifica através de);
iii) Conseqüências (o problema produz um impacto em).
As causas imediatas da decisão de um jogo são as jogadas (fluxos ou
movimentos). Para produzir jogadas, é necessário capacidade de “produção”
(acumulações ou potenciais que os jogadores possuem ou utilizam). Mas as
jogadas válidas são aquelas permitidas pelas regras estabelecidas para cada jogo.
Explicar uma situação ou um problema é construir um modelo explicativo de
sua geração e de suas tendências. Devem-se precisar as causas diferenciando-as e
indicando se são fluxos (jogadas), acumulações (capacidades ou incapacidades) ou
regras. O modelo explicativo se completa quando as causas são inter-relacionadas.
3.16. A diversidade das Explicações Situacionais
Uma mesma realidade pode dar margem a diversas explicações. A carga de
subjetividade que anima o diagnóstico de situações implica em: 1) distintas
respostas para uma mesma pergunta; 2) distintas perguntas sobre uma mesma
situação (as perguntas relevantes são distintas para os distintos jogadores); 3)
distinta seleção do foco de atenção sobre a realidade.
Explicar uma realidade implica em distinguir entre explicações. Para explicar
uma situação que me afeta preciso compreender a explicação do outro, incluindo o
que o ele pensa sobre minha explicação. Quanto maior for a minha capacidade de
entender a explicação do outro, maior será a probabilidade de êxito das minhas
jogadas e de ser mais potente minha ação.
3.17. O Fluxograma Explicativo da Situação
A visualização gráfica do resultado da aplicação da Metodologia de
Diagnóstico de Situações é a mesma proposta por Matus (1993) para o seu
77
fluxograma explicativo situacional. O fluxograma é um mapa cognitivo que busca
sintetizar a discussão realizada por uma equipe sobre uma determinada situação-
problema. A sua estruturação é baseada no estabelecimento de relações de causa
e de efeito entre as variáveis que a conformam.
Um fluxograma situacional, como aquele apresentado no início deste capítulo,
referente à derrota do Palmeiras, deve permitir uma rápida interação entre a equipe
que realiza o trabalho de análise de problemas e o tomador de decisões que a
solicitou, porque: mostra, num golpe de vista. A elaboração de um modelo
explicativo do problema por uma equipe faz com que ela construa uma síntese
rigorosa, seletiva e precisa, com base em nós explicativos concisos e monitoráveis;
facilita a permanente adaptação da explicação à mudança da situação; facilita a
compreensão, restringindo a possibilidade de ambigüidades devido ao uso de uma
simbologia simples e uniforme.
A Figura 3.17.1 mostra um exemplo de fluxograma situacional elaborado por
funcionários de um governo municipal com o objetivo de processar a situação-
problema enunciada inicialmente como: “os programas e ações da Prefeitura
padecem de descontinuidade”.
FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL
3.18. Seleção de Nós Críticos
A GEP exige o compromisso de atuar sobre problemas e situações como algo
preciso e operacional. De outra maneira, a reflexão como suporte à tomada de
decisões não leva à ação efetiva nem se revela prática.
78
Um fluxograma bem feito deve responder às perguntas: como e onde atuar
para mudar a descrição de um problema? A mudança provocada será suficiente
para alcançar os objetivos perseguidos?
Os “nós explicativos” de um fluxograma (encadeamento de causas ou cadeias
causais da situação-problema) sobre os quais se pode atuar com eficácia prática,
são denominados “Nós Críticos”.
3.18.1. Critérios para Seleção de Nós Críticos
Os “Nós Críticos” devem cumprir simultaneamente as seguintes condições:
Ser centros práticos de ação, isto é, o ator que declara o problema pode atuar
prática, efetiva e diretamente sobre eles sem precisar atuar sobre suas causas;
Ser nós explicativos que, se resolvidos ou “desatados”, terão alto impacto
sobre o problema declarado;
Ser centros oportunos de ação política, ou seja, seu ataque deve ser
politicamente viável durante o período definido pelo ator como relevante e a ação
possui uma relação custo-benefício favorável.
Para melhor precisar um Nó Crítico é preciso descrevê-lo de forma a torná-lo
monitorável e restringir a ambigüidade possível nas interpretações a ele referidas.
Com a seleção dos Nós Críticos de uma cadeia explicativa do problema (ou
situação) o diagnóstico está concluído.
Um último conceito importante da MDS é a árvore de problemas. Ela é
formada pelo conjunto de Nós Críticos e o resultado do problema, e indica onde o
ator deve concentrar a atenção (ver Figura 3.18.1).
FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS
3 X 0
PROBLEMAS CRÍTICOS SELECIONADOS
JOGADORES DO
PALMEIRAS
DESMOTIVADOS
ATRASO
NOS SALÁRIOS
NO PALMEIRAS
PALMEIRAS COM
PREPARO FÍSICO
DEFICIENTE
No nosso exemplo do jogo de futebol, a árvore de problemas se apresenta da
seguinte forma. Para ver se você entendeu bem o conceito de Nó Crítico, observe
79
que o nó “poucas jogadas com oportunidade de gol” não é crítico (e, portanto, não
pertence à árvore de problemas. A ação que pode resolver o problema ─ “treinar
chutes a gol” ─ poderia melhorar a pontaria, mas, como o time permaneceria
desmotivado e com má preparação, o resultado do jogo não mudaria.
Os Nós Críticos escolhidos indicam os centros onde se deve dar a ação de
gestão sobre a situação. A definição dessas ações é realizada através da aplicação
da Metodologia de Planejamento se Situações, tratada no capítulo seguinte.
Apresentamos a seguir, como ilustração, um exemplo real de Fluxograma
Explicativo26 (ver Figura 3.18.2). Verifique se a escolha dos nós críticos (assinalados
no fluxograma com NC) está de acordo com a sua opinião acerca da situação-
problema diagnosticada.
26 Elaborado por José Alexandre da Graça Bento e por Paulo Corrêa Luiz Ferroz durante o Curso Gestão Estratégica Pública, Campinas, Outubro de 2005.
80
FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO
81
CAPÍTULO IV: METODOLOGIA DE MODELIZAÇÃO
4. Introdução27
Este capítulo tem por finalidade apresentar uma metodologia apropriada para a
análise de sistemas e para a construção de modelos. Seu emprego, no âmbito da
Gestão Estratégica Pública se dá, fundamentalmente, para proceder à análise de
sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo de modo
a proceder à sua modelização e posterior tratamento por outras metodologias
usualmente empregadas neste âmbito, como as apresentadas em outros capítulos.
Este capítulo baseia-se extensamente em trabalhos desenvolvidos por Cláudio
Porto e Sérgio Buarque, Michel Godet, Edgar Morin, Gilberto Gallopín e, antes
deles, por Oscar Varsawsky.
4.1. Sistemas e enfoque sistêmico
A Gestão Estratégica Pública requer o emprego da Metodologia de
Modelização ou, mais simplesmente, do enfoque sistêmico (ou, como se indicará
mais adiante, do pensamento complexo, que é outra expressão para designar mais
ou menos a mesma coisa) por duas razões principais. Por um lado, porque a
apreensão de uma política, ou do conjunto das organizações com a qual se
relaciona, como um sistema passível de modelização, é um significativo facilitador.
Por outro, porque a relação deste sistema ─ o ambiente de governo onde ocorrem
as ações de gestão ─ com seu entorno mais amplo ─ o contexto socioeconômico ─,
e mais ainda a sua dinamização mediante o exercício da análise prospectiva,
também se vêem facilitadas com o emprego do enfoque sistêmico.
De acordo com o enfoque sistêmico, as propriedades essenciais de um
organismo, uma sociedade, ou outro sistema complexo, são propriedades do todo,
que surgem das interações e relações entre suas partes. As propriedades das
partes de um sistema, por sua vez, não são intrínsecas a elas mesmas, e só podem
ser entendidas em relação a um contexto maior. Este enfoque não se concentra nas
partes ou nos blocos de um edifício maior, mas em princípios básicos de
organização. Ele é, por oposição, "contextual".
27 Este Capítulo é uma versão revista e ampliada do capítulo 4 do livro Dagnino, Renato e outros (2002): Gestão Estratégica da Inovação: metodologias para análise e implementação. Taubaté, Editora Cabral Universitária, 350 p.
82
O emprego do enfoque sistêmico implica em duas tarefas básicas. A primeira é
a identificação dos componentes ou aspectos mais significativos do sistema e o
entendimento das inter-relações causais mais importantes, que permitem avaliar o
impacto de mudanças originadas num componente em outras partes do sistema e
no sistema como um todo. A segunda tarefa é entender a dinâmica do sistema:
além de entender a estrutura dos componentes e das relações, é essencial a
análise das forças que geram o comportamento do sistema de modo a evidenciar a
maneira como diferentes componentes e processos interagem funcionalmente
gerando as respostas do sistema e dando origem a novas propriedades. Isto é,
como o sistema se adapta e se transforma.
Na seção intitulada “Operadores de complexidade e Tetragrama
Organizacional” se oferece um detalhamento acerca de como se pode
operacionalizar essas tarefas. Apesar do emprego crescente do enfoque sistêmico,
ele não é a norma no ambiente da gestão pública. Isto embora já se possa
depreender do dito acima que olhar para o todo e não somente para as partes, e
com um estilo de abordagem interdisciplinar, seja crucial para dar conta da
complexidade dos ambientes de governo e seja um requisito para a sua boa gestão.
4.2. O conceito de Sistema
Avançando conceitualmente, é possível entender o sistema como uma porção
de uma realidade qualquer concebida como um conjunto de elementos (aspectos ou
componentes) relacionados. Estes elementos podem ser moléculas, organismos,
máquinas ou partes deles/delas, entidades sociais, pessoas ou até mesmo
conceitos abstratos. As inter-relações, ou "relações" entre os elementos podem ser
de diferentes tipos (transações econômicas, fluxos de informação, energia,
determinações causais de natureza política etc.).
Como já foi mencionado, mas vale ressaltar, o comportamento e propriedades
de um sistema não decorrem apenas das propriedades dos elementos que o
compõem, mas sim, em grande medida, da natureza e intensidade das relações
dinâmicas entre eles. Isto é particularmente verdade em sistemas sociais, que
podem ser considerados a unidade básica envolvidas em processos complexos,
como os atinentes ao governo de países ou o desenvolvimento de sociedades.
83
Um número infinito de sistemas pode ser definido a partir de uma dada porção
da realidade, dependendo da perspectiva, objetivo, e experiência prévia do
pesquisador. Cada um destes sistemas terá algum tipo de correspondência com o
que "realmente” existe.
4.3. Sistemas simples e complexos
Pode-se dizer que existem sistemas complexos (o que não quer dizer
“complicados”) e sistemas simples. Um sistema é “simples” se pode ser
adequadamente capturado mediante o emprego de uma única perspectiva ou um
modelo analítico padrão que provê para ele uma descrição satisfatória (ou “solução
geral”) através de operações rotineiras. Um exemplo é o sistema de uma mistura de
gases, uma vez que o modelo de “gases ideais” oferece soluções satisfatórias
quando se trata de prever o seu comportamento. Outro é o do movimento de um
corpo submetido a uma força, que pode ser tratado pela Mecânica.
Dizemos que um sistema é complexo quando não pode ser capturado
satisfatoriamente através da aplicação de um modelo genérico, padrão, mediante
operações rotineiras. Ele necessita para ser analisado e caracterizado através do
emprego de duas ou mais perspectivas singulares irredutíveis.
4.4. Atributos dos sistemas complexos
A definição de complexidade não é trivial. Existem diferentes concepções de
complexidade, mas o que nos interessa enfatizar é que ela não é um resultado
automático do aumento do número de elementos ou de relações de um sistema.
Sistemas complexos geralmente exibem atributos que os fazem mais difíceis de
entender e tratar do que sistemas simples. São eles:
Multiplicidade de perspectivas de abordagem. Por exemplo, é difícil
entender um sistema adaptativo sem considerar o seu contexto. Um exemplo trivial
é um conflito, cuja resolução não pode ser alcançada sem levar em conta as
perspectivas e interesses de diferentes atores (nenhuma delas devendo ser
considerada ”correta” ou “verdadeira”).
Não-linearidade. Muitas das relações entre os elementos de um sistema
complexo são de tipo não-linear. Em conseqüência, a intensidade do efeito nem
sempre é proporcional à magnitude das causas, e existe um amplo espectro de
84
comportamentos possíveis (por exemplo, comportamento caótico, multi-estabilidade
devido à existência de steady states alternativos etc.). A não-linearidade costuma
ser responsável por comportamentos de natureza contra-intuitiva, típicos de
sistemas complexos.
Propriedades inesperadas. Podem ser consideradas características de um
sistema complexo o fato de que “o todo é mais que a soma de suas partes", de que
as propriedades das partes só podem ser entendidas levando em consideração o
todo (o contexto maior que as envolve) e que o todo não pode ser completamente
percebido através da análise de suas partes. É por esta razão que propriedades
realmente inesperadas podem emergir das interações entre os elementos de um
sistema.
Auto-organização. Refere-se ao fenômeno pelo qual os componentes de um
sistema, ao interagir, cooperam para produzir estruturas e comportamentos
coordenados, como os padrões criados por estruturas.
Hierarquia de níveis. Muitos sistemas complexos são hierárquicos, no sentido
que cada um de seus elementos é, em si, um subsistema. E que o próprio sistema é
um subsistema de outro de maior ordem. Em muitos casos, há uma forte relação
entre os diferentes níveis e, em conseqüência, a análise e gestão do sistema devem
ser feitas simultaneamente em mais de um nível. Os diferentes níveis de um
sistema complexo costumam ter diferentes tipos de interações, e diferentes
velocidades de mudança, o que obriga a adoção de distintas perspectivas de
análise.
Incerteza irredutível. Existem muitas fontes de incerteza no comportamento
de sistemas complexos. Algumas delas podem ser amenizadas através da coleta de
dados e pesquisa, como a incerteza devido a processos aleatórios, que pode ser
tratada através da análise probabilística, ou a falta de conhecimento devido à
inadequada definição dos elementos do sistema, das relações entre eles ou dos
seus limites. Outras fontes de incerteza, entretanto, não podem ser superadas, uma
vez que decorrem da natureza não-linear dos processos que afetam o sistema
(comportamento caótico, auto-organização, sem falar nos comportamentos
propositados de diferentes atores sociais em busca do cumprimento de suas
próprias metas).
85
Além disso, sistemas complexos “reflexivos”, como os relativos às interações
humanas ou a organizações e instituições, podem “apreender” com a própria
evolução produzindo novos padrões de resposta e novas relações. Neste tipo de
sistemas, outra fonte “dura” de incerteza é a do “efeito Heisenberg”, em que a
simples observação e análise se tornam parte da atividade do sistema,
influenciando seu comportamento. Isto é bem conhecido nos sistemas sociais
“reflexivos”, em que ocorrem fenômenos como “perigo moral”, profecias
autocumpridas e pânico de massa.
Enquanto alguns dos atributos acima, típicos de sistemas complexos, podem
ser encontrados em sistemas simples (como a não-linearidade e a incerteza) ou
“complicados”, é provável que qualquer sistema complexo apresente um grande
número desses atributos.
4.5. Sistema, contexto, e variáveis endógenas e exógenas
O conceito de componente ou aspecto de um sistema pode ser tomado como
primitivo. A palavra "sistema" já evoca um conjunto de componentes
interconectados, como as peças de um mecanismo ou as partes de um organismo.
Aos componentes de um sistema se associam atributos do modelo. A palavra
"variável" designa um atributo do modelo associado a uma característica ou aspecto
do sistema que possui vários valores possíveis; os quais podem variar no tempo.
O comportamento de um sistema descreve-se ao longo do tempo mediante um
conjunto de atributos, características, sintomas ou índices do modelo. Estas séries
temporais se denominam "variáveis de estado" (ou, simplesmente, variáveis) porque
seus valores em um tempo dado constituem por definição o estado do sistema neste
momento.
Um sistema pode ser entendido como uma “caixa preta” em que só se
distinguem suas saídas (características que descrevem o que ele faz ou produz, o
resultado de sua atividade) e entradas (fatores variáveis que tendem a influir sobre a
saída). Não se analisa o interior da caixa: o mecanismo de funcionamento ou
“teoria” de comportamento do sistema. Esta perspectiva é um tanto limitada, mas
"entrada" e "saída" são conceitos importantes.
Existem sistemas cuja correta definição, explicação, ou normatização
(prescrição) não pode ser realizada sem a consideração do contexto no qual ele
86
está inserido. Isto porque sistemas deste tipo possuem relações de determinação do
seu comportamento pelo seu contexto, tão fortes que tornam imprescindível a
consideração de algumas de suas características. Quando se trabalha com um
sistema deste tipo, é necessário incluir na sua modelização estas características do
contexto que explicam essas relações. Estas características quando, através da
modelização, se transformam em variáveis, são denominadas variáveis exógenas.
As variáveis do modelo podem, então, ser de natureza endógena ─ quando
correspondem a aspectos gerados internamente ao sistema ─ ou exógenas ─
aspectos gerados externamente ao sistema. Estas, embora correspondentes a
características do contexto em que o sistema está inserido, e não ao sistema
propriamente dito, são imprescindíveis para sua modelização. A caracterização
destas variáveis (ademais, é claro, das de natureza endógena) permite, então,
descrever, explicar, prescrever (momento prescritivo ou normativo) ou planejar
ações a serem implementadas sobre sistemas que possuem fortes relações de
determinação do seu comportamento pelo seu contexto.
Um modelo compreende não apenas um conjunto de variáveis selecionadas
por analogia às características de uma realidade delimitada (sistema), mas as
relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que modeliza) que explicam a
trajetória seguida pelo modelo, seja ela “natural” ou forçada por ações planejadas e
implementadas.
A Figura 4.5.1 abaixo mostra, no seu lado esquerdo, um sistema (S), objeto de
interesse do ator, inserido num outro sistema maior, denominado ambiente ou
contexto. O processo de modelização dá origem a um modelo do sistema (S’)
indicado através de uma figura mais regular de maneira a sugerir as simplificações e
reduções que o processo impõe. O modelo contém um número de variáveis muito
inferior ao número de aspectos ou características do sistema. E o número de
variáveis sobre as quais, mediante a escolha do planejador, será exercida alguma
ação de gestão é ainda muito menor.
87
FIGURA 4.5.1: MODELIZAÇÃO
Contexto
Sistema (S)
Modelização
VEx
VEn
S’
Sistema S
Infinitos aspectos e
desconhecidas
relações
de causa-efeito
Modelo S’
Variáveis Endógenas (VEn)
+ Variáveis Exógenas (VEx)
+ Relações de causa-efeito inputadas
FONTE: elaborado pelo autor.
Resumindo, um modelo compreende um conjunto de variáveis endógenas
(cujo comportamento é determinado internamente ao sistema, em função de
relações de causalidade a ele internas) e exógenas (cujo comportamento é
determinado externamente ao sistema, em função de relações de causalidade que
guardam com variáveis pertencentes ao contexto) selecionadas de uma realidade
delimitada (sistema) e as relações de causa e efeito (imputadas pelo ator que
modeliza para planejar) que explicam a trajetória seguida pelo modelo, seja ela
“natural” ou forçada por ações planejadas e implementadas.
4.6. Realidade, modelização e modelo
Esta seção e as que seguem têm por objetivo apresentar procedimentos de
modelização de sistemas através dos quais o enfoque sistêmico pode ser
correntemente utilizado para o tratamento de realidades complexas e o
acompanhamento de sua evolução ao longo do tempo.
Para introduzir o conceito de modelização cabe ressaltar que a modelização de
um sistema que é observado na realidade ocorre quase sempre de maneira implícita
e quase inconsciente para atender a uma finalidade qualquer. Os historiadores
fazem modelos de civilizações, países, épocas; os novelistas fazem modelos de
grupos humanos imaginários. A anatomia, fisiologia e psicologia, mais o exame
clínico, dão ao médico um modelo de seu paciente. As leis físicas são modelos que
88
funcionam como sugestões para entender as relações entre componentes dos
sistemas físicos.
O fato de que um menino tem um modelo de como funciona seu televisor, que
é muito diferente do técnico que a construiu, ou de um físico teórico, ressalta a
importância do "modelista" quando analisamos um modelo. Dependendo das
experiências individuais, experiência social etc., do "modelista", um mesmo sistema
pode ter diferentes modelos. E a sua própria experiência pode alterar o modelo
construído por um mesmo “modelista”: o menino pode converter-se em engenheiro
eletrônico...
O uso dos modelos que mais nos interessa é o que consiste em extrair
conclusões por analogia mediante a modelização de um sistema: qualquer coisa
que o modelo sugira ou implique pode ─ e às vezes deve ─ ter seu análogo em
relação ao sistema por ele representado. Mais do que isto, pretende-se que os
modelos sirvam como instrumentos para a tomada de decisão e às vezes de
predição quantitativa. Para isto, quanto mais confiável for a analogia melhor será o
modelo. Um modelo pode servir também como um instrumento de descrição e
explicação tentativa de uma situação quando um grupo inicia sua abordagem e
encontra dificuldade em chegar a uma definição clara e unânime das idéias.
O tipo mais imediato e comum de modelo de um sistema é o modelo mental.
Ele contém o que sabemos e pensamos acerca do sistema a partir do momento em
que o individualizamos e aprendemos a reconhecê-lo. Está formado por uma
descrição do sistema ─ componentes e características que conseguimos diferenciar
nele ─ e uma explicação ou teoria de seu funcionamento ─ relações causais
(sempre hipotéticas) entre seus componentes ─ que nos permite acreditar que
podemos predizer em algum grau seu comportamento. E, em alguma medida,
controlá-lo.
Esse modelo ou imagem mental vai sendo corrigido por tentativa e erro, por
experiência própria ou comunicada, irracional ou científica de modo a sanar seus
pontos fracos. Pode ocorrer, entretanto, que ele adquira uma rigidez quase total
com o tempo em função de preconceitos e dogmas que se vão acumulando na
mente do “modelista”.
Os critérios com que se constroem esses modelos são: importância,
conveniência, experiência e raciocínio lógico. A ordem depende da pessoa e da
89
situação ou problema, mas em geral o mais relevante é uma percepção acerca da
importância dos múltiplos aspectos envolvidos, e menos freqüentemente, uma
dedução lógica.
Quando o “modelista” deseja comunicar seu modelo a alguém, ele tem que
explicitar seu modelo mental. O que o obriga a tornar seu modelo mais estável e
melhor definido.
A relação entre uma representação mental e seu modelo explícito tem a ver
com o conceito de "fidelidade". O modelo explícito dificilmente será fiel ao mental,
posto que este inclui todos os fatores imaginados pelo “modelista”, com distintos
pesos etc., e explicitá-los iria requerer um tempo enorme (durante o qual o modelo
mental pode, inclusive, ser alterado). Como é necessário colocar limites ao processo
de construção de um modelo, os modelos explícitos são sempre simplificações. Mas
o modelo mental, por ser mais rico, é mais bem adaptado aos "métodos" de tipo
intuitivo.
A descrição ─ explicitação ─ de um modelo mental numa linguagem de uso
comum origina um modelo verbal. Embora às vezes se tenda a menosprezar a
importância dos modelos mentais, eles alcançaram um êxito considerável ao longo
da historia humana. A partir de umas poucas frases sobre como cultivar o milho se
obteve um modelo que foi suficiente para modificar o destino de muitos povos.
As representações de modelos mentais por meio de objetos ou sistemas
materiais, sejam eles artificiais ou naturais, são denominados modelos físicos. Uma
experiência de laboratório costuma ser realizada com a ajuda de um modelo físico.
Uma cobaia pode servir de modelo para um homem, para certos propósitos. Os
modelos em escala, reduzida ou aumentada, possuem utilização generalizada.
A complexidade passível de ser alcançada com modelos físicos costuma não
ser suficiente para modelizar as relações sociais. O que obriga a utilização de
modelos explícitos obtidos a partir de uma linguagem próxima à da matemática.
4.7. Formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis
A modelização supõe uma preocupação com a escolha das variáveis que irão
representar, através da construção do modelo, os aspectos da realidade a serem
privilegiados (Que aspectos serão estudadas? Quais de suas características serão
pesquisadas?). E, em seguida, com as relações entre os aspectos escolhidos da
90
realidade que serão buscadas (Que tipo de relações existem entre os aspectos?
Que hipótese de relação causal entre as variáveis do modelo podem ser
formuladas?).
Uma hipótese de relação causal afirma que determinado aspecto,
característica, ocorrência ou variável (X) é um dos fatores que determinam o
comportamento de outra variável (Y). O senso comum costuma postular que um
único fenômeno (a causa) sempre provoca outro fenômeno (ou variável) único (a
conseqüência ou efeito). O enfoque sistêmico (ou pensamento complexo) coloca a
necessidade de pesquisar as condições que tornam provável a ocorrência de um
determinado fenômeno a partir da análise de outros fenômenos (ou variáveis). O
senso comum sugere que haja uma causa (condição) necessária e suficiente para
cada fenômeno; o enfoque sistêmico procura as condições contribuintes,
contingentes e alternativas dos fenômenos.
A pesquisa das condições de ocorrência de um fenômeno ou, em outras
palavras, a formulação de hipóteses de relação causal entre variáveis, necessária
para a modelização de um sistema, pode ser levada a efeito através de uma
comparação entre a realidade observada e as seis possibilidades idealizadas a
seguir apresentadas.
Condição Necessária: para que Y ocorra é necessário que X tenha ocorrido;
não é possível que ocorra Y sem que tenha ocorrido X. Exemplo: X (fulano usa
drogas) Y (fulano é viciado em drogas).
Condição Suficiente: sempre que X ocorre Y ocorre. Exemplo: X (fulano tem o
nervo ótico rompido) (fulano é cego).
Condição Necessária e Suficiente: não é possível que ocorra Y sem que tenha
ocorrido X, e sempre que X ocorre, Y ocorre; Y e X sempre ocorrem conjuntamente.
Exemplo: X (N é número primo) Y (N é divisível apenas por 1 e por si próprio).
Condição Contribuinte: X aumenta a probabilidade de ocorrência de Y.
Exemplo: X (má distribuição de renda) Y (alta mortalidade infantil)
Condição Contingente: X(A) Y: X, na contingência de A, aumenta a
probabilidade de Y. Condição contingente (A) é aquela sob as quais X é causa
contribuinte de Y. Uma variável que atua como condição contribuinte de um
fenômeno sob uma determinada condição contingente, pode não fazê-lo sob outra.
91
Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de saneamento básico) Y (alta
mortalidade infantil)
Condição Alternativa: [X1,..., Xn](A) Y: na contingência de A, X1, X2, ..., Xn
aumentam a probabilidade de Y. Exemplo: X (má distribuição de renda) e A (falta de
saneamento básico) Y (alta mortalidade infantil); X1, X2,..., Xn (má distribuição de
renda, alcoolismo, corrupção pública) e A (falta de saneamento básico) Y (alta
mortalidade infantil).
Dada um sistema que se deseja descrever e explicar, e escolhidos os aspectos
que serão transformadas em variáveis do modelo, a comparação dessas seis
possibilidades com o que está sendo observado pode ajudar bastante na
formulação de hipóteses sobre as relações de causalidade existentes entre as
variáveis.
4.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional
A proposta do pensamento complexo (ou do que acima nos referimos como
enfoque sistêmico) está baseada no conceito de complexus: aquilo que é tecido em
conjunto.
Para tornar possível o entendimento da maneira como a realidade se auto-
organiza, como se dá o processo que resulta em algo que é “tecido em conjunto”, o
pensamento complexo propõe os conceitos de Operadores de complexidade e
Tetragrama Organizacional. Eles são ferramentas especialmente adequadas para a
concepção de modelos descritivos e explicativos de um sistema.
São três os operadores de complexidade: Dialógico, Recursivo e
Hologramático.
Esses operadores podem ser explicados como segue:
- Dialógico: o entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas (conceber
o sistema por constelação e solidariedade de suas partes);
- Recursivo: a causa produz um efeito, que por sua vez produz uma causa
(produtos e efeitos são ao mesmo tempo causas e produtores daquilo que se
produziu);
- Hologramático: a parte está no todo, e o todo está na parte (conceber o
sistema a partir do núcleo e nunca pelas fronteiras).
92
Tal como já enunciado na seção intitulada “Sistemas e enfoque sistêmico”, o
pensamento complexo (ou o enfoque sistêmico) propõe uma série de procedimentos
para a explicitação das características e propriedades de um sistema. Ela pode ser
sintetizada de forma simples detalhando os procedimentos abarcados pelos três
operadores de complexidade através de quatro recomendações: Juntar coisas que
estavam separadas; Fazer circular o efeito sobre a causa; Não dissociar a parte do
todo; Apreender a totalidade (o todo está na parte assim como a parte está no todo,
a simples soma das partes não leva a esse total, a totalidade é mais do que a soma
das partes e pode ser menos que a soma das partes, existem qualidades do
sistema que emergem da interação entre as partes).
Ainda com o objetivo de facilitar o entendimento da maneira como a realidade
se auto-organiza, o pensamento complexo propõe o que denomina Tetragrama
Organizacional. Partindo da idéia de que qualquer atividade de seres vivos envolve
relações entre eles, se propõe a investigação de quatro características dos sistemas
estudados: Ordem (regularidades); Desordem (emergências, desavenças);
Interação (relações não previstas); Reorganização (para onde vai o sistema).
4.9. Estabilidade, Resistência, Resiliência e Análise de Sensibilidade
Os sistemas, em sua estrutura e funcionamento, tendem a alcançar uma
organização ajustada às condições impostas por forças controladoras externas.
Mantendo-se essas condições, os sistemas permanecem em seu estado ajustado,
de estabilidade.
O estado de estabilidade não é indicador de equilíbrio estático: as forças
controladoras podem variar em intensidade e freqüência e o sistema pode oferecer
reações através de mecanismos que absorvem essas oscilações sem mudar as
suas características internas. Quando isso ocorre, é porque essas reações levam a
um equilíbrio dinâmico, conferindo estabilidade ao sistema.
A estabilidade é, então, a capacidade que um sistema apresenta de manter
(resistência) ou retornar (resiliência) às condições originais após um distúrbio
provocado por forças externas de origem natural ou pela ação humana.
A estabilidade é tanto maior quanto menor a flutuação que o sistema apresenta
frente às forças externas (resistência), e maior a capacidade de recuperar a sua
configuração anterior (resiliência).
93
Resistência ou inércia de um sistema é sua capacidade para permanecer sem
ser afetado pelos distúrbios externos (forças controladoras).
Resiliência de um sistema é a capacidade para retornar às condições originais
após ser afetado pela ação de distúrbios externos. Da Física, sabemos que
resiliência é a capacidade de um corpo recuperar sua forma e seu tamanho original
após ser submetido a uma tensão (perturbação) que não ultrapasse o limite de sua
elasticidade.
Para quem se lembra da fábula de Esopo ─ O Carvalho e os Juncos ─ fica
fácil entender os dois conceitos. A resistência é a qualidade do carvalho robusto e
orgulhoso, que fazia pouco caso dos fracos juncos porque qualquer brisa os
dobrava. A resiliência é a qualidade do junco, que depois do vendaval que arrancou
o carvalho, voltou a ficar de pé.
A resiliência é um indicador da persistência das relações internas do sistema, e
reflete sua capacidade de absorver mudanças, cujos resultados levam a flutuações
do estado final em torno das condições iniciais. Ela indica em que medida o sistema
é capaz de manter sua estrutura e características; isto é, o quanto variam os valores
que traduzem os atributos de seus elementos.
A análise da resiliência de um sistema envolve a avaliação de quatro atributos:
(1) elasticidade: rapidez com que o sistema retorna ao estado original; (2) amplitude:
zona dentro da qual o sistema tem condições de se recuperar; (3) maleabilidade:
grau em que o novo estado estável alcançado difere do original; (4) histerese:
diferença relativa entre a trajetória que levou ao estado causado pela perturbação e
a trajetória de recuperação, que conduziu o sistema ao novo estado estável.
Como se pode ver, então, a estabilidade de um sistema depende de processos
de ajuste interno e retroalimentação. É vital, por isso, distinguir processos que
absorvem alterações (de forma passiva ou através de processos de
retroalimentação) e mantêm o estado de estabilidade daqueles que levam à
instabilidade.
A análise de estabilidade (e de resiliência), incluindo intensidade dos distúrbios
e tempo de reação, se completam com a análise da sensibilidade.
A análise da sensibilidade de um sistema permite romper com a concepção
tradicional de que sistemas pequenos podem ser modificados por forças e eventos
94
pequenos, enquanto os sistemas grandes e complicados só serão afetados pelos de
grande magnitude.
Um conceito-chave para a análise da sensibilidade de um sistema é o estado
de criticalidade auto-organizada. Ele está relacionado a dois aspectos contraditórios,
mas complementares, que determinam o comportamento do sistema: a) um sistema
no estado crítico tende para eventos catastróficos; e b) o sistema, após alcançá-lo,
tende a permanecer num estado estacionário auto-organizado.
Quem já fez um castelo deixando escorrer entre os dedos a areia molhada
lembra quando, depois de estar bem alto, um grãozinho a mais pode
repentinamente fazê-lo desabar.
4.10. Análise Sistêmica e Dinamização
O componente de futuro é inerente à Gestão Estratégica Pública. Esta seção
trata desse componente focalizando o problema da dinamização de sistemas cuja
configuração está fortemente determinada (exogenamente) pelo contexto no qual
estão inseridos. A dinamização supõe que se conheça (ou se possa estimar) a
relação existente entre o sistema e seu contexto no momento atual, e que se
disponha de um cenário elaborado para o contexto (que envolve e determina o
sistema) num momento futuro.
Quando isso ocorre, o exercício prospectivo para conceber o estado futuro de
um sistema deve ser abordado em duas etapas. A primeira imagina o estado futuro
do sistema como resultante de um vetor que expressa a acumulação resultante da
sua trajetória passada, da inércia (momentum) do sistema. A segunda etapa
corresponde ao efeito do contexto sobre a trajetória do sistema. É como se o
sistema fosse “carregado” para um futuro pelo seu contexto. Tal procedimento,
semelhante à “composição de movimentos” que se faz para descrever a trajetória de
um corpo submetido a duas forças quaisquer, pode se desdobrar em duas outras
etapas: aquelas que correspondem ao exercício da vontade dos atores sobre o
sistema e seu contexto no sentido de alterar a trajetória passada. Ela supõe um
futuro significativamente distinto do passado, visto que está associado ao impacto
que causa a estratégia política dos atores envolvidos com o sistema. Neste caso,
não pode ser feita uma simples extrapolação do passado.
95
No que segue se apresenta, com o auxílio de rudimentos formais da linguagem
matemática, o processo de dinamização referente à segunda etapa; isto é, supondo
que o sistema se move apenas em função dos efeitos provocados pelo contexto.
Este processo de dinamização do modelo (S’) de um sistema qualquer (S)
inserido num contexto (C) que o determina de forma importante mediante uma
relação conhecida (R), consiste em projetar o sistema a partir de um instante (to) em
que seu estado é conhecido (So), para um instante futuro qualquer (tf).
A existência de um conjunto de variáveis interdependentes ligadas por
relações de causalidade conhecidas pode ser indicado por:
S = R [C]
No momento atual, em que se analisa o sistema (e se processa sua
modelização), tem-se que:
So = Ro [Co]
Supondo que a relação (R) que existe entre (S) e (C) não se altera ao longo do
tempo, têm-se que:
Ro = Rt = R, e, no momento (f) qualquer,
St = R [Ct].
O que significa que, conhecidos:
i) As características do sistema objeto de análise e do seu contexto no
momento atual;
ii) A relação existente entre o sistema e seu contexto no momento atual
(supondo que a mesma não se altera ao longo do tempo);
iii) O estado (ou configuração) do contexto num instante futuro qualquer;
iv) É teoricamente possível determinar o estado (ou configuração) do sistema
neste instante.
A Figura 4.10.1 abaixo representa graficamente o processo de dinamização.
Nela aparece, à esquerda, o sistema, seu contexto, e relações de causalidade ─
indicadas por setas ─ que a análise cuidadosa dos mesmos possibilitou, no
momento atual.
FIGURA 4.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAÇÃO
96
to tpr
CENÁRIO NORMATIVO
CENÁRIO TENDENCIAL
Contexto
Modelo do
Sistema (S)
(S)
FONTE: elaborado pelo autor.
À direita, na parte de cima, temos o cenário normativo para um sistema mais
abrangente (que por conter o sistema em análise é denominado contexto) ─ (Cf).
Este cenário normativo, obtido através da metodologia de construção de cenários, é
o que serve de “moldura” para a dinamização do sistema (S).
Dado que se pode entender o exercício de elaboração do cenário normativo
(Cf) como a operação de “levá-lo” para o futuro juntamente com o sistema que ele
abarca (S), o estado deste no momento (tf). Ou seja, (Sf), pode ser conhecido (uma
vez que as relações de causalidade entre o sistema e seu contexto se consideram
invariáveis).
Se o sistema e seu contexto podem ser aproximados pelos seus modelos
(modelizados), tudo o que se disse até agora continua válido. Isto é:
St = R [Ct].
O contexto (C), entretanto, não precisa ser modelizado, uma vez que de um
modelo que eventualmente poder-se-ia dele fazer interessariam apenas aquelas
variáveis que determinam (explicam) o estado do sistema, isto é as variáveis
exógenas do modelo de (S), (S’).
De tal forma que para conhecer (St) não é de fato necessário conhecer (Ct).
Basta conhecer os valores assumidos pelas variáveis exógenas de seu modelo (S)
no instante (t), (S’t).
As suposições de que o estado futuro do sistema depende apenas do efeito do
contexto sobre (como se o sistema fosse “carregado” para um futuro pelo seu
contexto) e de que a relação entre (S) e (C) não se altera ao longo do tempo são
evidentemente reducionistas e irrealistas. Não obstante, se pensadas como
abordagens para tratar sistemas complexos que podem ser pouco a pouco
97
sofisticadas até dar conta da complexidade do fenômeno observado, elas podem
ser de grande valia.
4.11. O caráter intrinsecamente normativo da modelização
A modelização, que pode ser entendida como um processo de transformação
de um sistema (caracterizado pelos atributos de complexidade, infinitos aspectos e
relações de causalidade desconhecidas) em um modelo (caracterizado por atributos
simétricos, de simplicidade, poucas variáveis e relações de causalidade imputadas),
implica a concepção de uma teoria. A qual estará, inevitavelmente, influenciada
pelos valores morais, interesses econômicos, crenças e visões de mundo do
“modelista”.
Baseada na idéia simples de que o modelo é construído para mostrar aquilo
que o “modelista” quer ressaltar, se apresenta a seguir, utilizando o recurso da
representação gráfica, o caráter intrinsecamente normativo da modelização (ver
Figuras 4.11.1; 4.11.2; 4.11.3; 4.11.4; 4.11.5; 4.11.6; 4.11.7).
FIGURA 4.11.1: MODELO 1
FIGURA 4.11.2: MODELO 2
98
FIGURA 4.11.3: MODELO 3
FIGURA 4.11.4: MODELO 4
99
FIGURA 4.11.5: MODELO 5
FIGURA 4.11.6: MODELO 6
FIGURA 4.11.7: MODELO 7
100
4.12. Modelização e Gestão Estratégica Pública
A modelização é uma condição para o tratamento analítico de qualquer objeto
em qualquer campo do conhecimento. Em especial, é condição para o exercício da
Gestão Estratégica Pública.
A modelização compreende a identificação das características (cujo número é,
para efeitos práticos, infinito) do sistema que descrevem seu estado num dado
instante (momento descritivo), que explicam sua trajetória (momento explicativo) e
que permitem orientar sua trajetória ou características, mediante o exercício de uma
ação sobre suas variáveis com maior poder de determinação, visando à alteração
de seu estado numa direção desejada (momento prescritivo).
A construção de um modelo é, então, um passo essencial para entender o
funcionamento de um sistema (uma organização pública ou privada, uma política,
um processo de governo etc.) e, desta forma, poder atuar sobre suas características
(ver Figura 4.12.1). Na maioria das vezes em que se busca entender sistemas que
tratam de relações envolvendo a sociedade, é impossível contar a com modelos
preexistentes e muito menos com modelos de tipo quantitativo.
FIGURA 4.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAÇÃO
101
A figura mostra como apesar de termos construído equipamentos adequados para a observação do infinitamente grande, as estrelas (telescópio), e do infinitamente pequeno, as células (microscópio), ainda não temos ferramentas para analisar o infinitamente complexo, as relações entre a sociedade e a natureza (“macroscópio”). Essa ferramenta é a modelização.
Freqüentemente, trabalhar sobre um sistema com o objetivo de simplesmente
descrevê-lo, ou explicar seu funcionamento e mais ainda quando se pretende
planejar, implica em previamente em construir um modelo. E isto começa com
produzir uma lista de características do sistema que irão dar origem, depois de
“filtradas” às variáveis qualitativas (quantificáveis ou não) do modelo.
Existe uma infinidade de maneiras de construir modelos, de complexidade,
finalidade, formalização do resultado etc., distintas. Todas elas iniciam com o
levantamento das principais características do sistema e o seu ambiente tendo em
vista não apenas descrever e explicar o sistema (modelizar), mas identificar o
potencial de impacto do contexto sobre a trajetória futura do sistema.
Duas destas maneiras ou metodologias, que podem ser consideradas como
extremos de um amplo espectro ─ “Metodologia de Diagnóstico de Situações” e
“Metodologia de Análise de Políticas” ─ são particularmente úteis para reunir a
informação acerca das características e relações que, do ponto de vista analítico,
compõem um sistema de interesse para a Gestão Estratégica Pública e possibilitar
a modelização.
A primeira metodologia, de aplicação relativamente fácil e imediata, pode ser
usada em praticamente qualquer situação em que um sistema possa ser descrito
por uma lista de característica. A segunda, de aplicação mais difícil e demorada,
mas que oferece resultados muito mais sofisticados, é utilizada quando o objeto de
102
análise possui alto grau de complexidade; como é o caso de uma organização, uma
política ou processo em que estão envolvidos atores com interesses distintos e
quando a presença do Estado é importante.
A importância da modelização para a Gestão Estratégica Pública pode ser
avaliada pelo processo de diferenciação em relação à gestão tradicional que lhe dá
origem. Nesse processo, a gestão tradicional é caracterizada como sendo
voluntarista; com metas rigidamente definidas; pouca preocupação com o contexto e
pela suposição de que o futuro é decorrência direta das ações a serem
implementadas. Por oposição, a Gestão Estratégica Pública é entendida como
caracterizada pela utilização de modelos descritivos, explicativos, normativos e
institucionais; por metas, objetivos, dependentes do contexto; pela suposição de que
o futuro é um cenário a ser modelizado e construído em função do interesse dos
atores envolvidos.
Segundo o enfoque da Gestão Estratégica Pública, a “boa” Gestão depende
muito fortemente da qualidade do modelo descritivo-explicativo construído a partir
do qual ela será concebida e implementada; isto é, da relevância das variáveis
escolhidas e da fidedignidade das relações de causalidade imputadas. E,
adicionalmente, da seleção das variáveis do modelo sobre as quais serão exercidas
as ações relativas à gestão.
Essa preocupação com a modelização decorre da constatação de que o
insucesso de uma política, embora, obviamente, só se materialize quando ela é
implementada, possui suas causas associadas ao momento da formulação da
política. Ou seja, de que a maioria das falhas (ou déficits) de implementação decorre
de uma modelização imperfeita: de um modelo descritivo ou explicativo falhos ou da
escolha de variáveis que não eram sensíveis à ação da política formulada. De fato,
por mais que possam estar asseguradas as condições para a implementação
perfeita, uma política mal formulada (apoiada num modelo descritivo pouco coerente
com a realidade, num modelo normativo irrealista, ou numa agenda bloqueada por
atores dominantes) jamais poderá ser bem implementada.
A Figura 4.12.2 que segue mostra ciclo de um processo típico de modelização.
Vale destacar a importância que possui o os momento da escolha do marco
analítico-conceitual para a análise da realidade, que serve de referência para o
conjunto dos demais momentos.
103
FIGURA 4.12.2: CICLO DA MODELIZAÇÃO
FONTE: elaborado pelo autor.
É freqüente que gestores, quando indagados acerca das razões do insucesso
de uma política ou de uma ação qualquer de gestão, indiquem a existência de falhas
de implementação, apontando que faltou financiamento, tempo, poder político,
coordenação, autoridade ou cooperação entre as agências. Dificilmente serão
apontadas falhas de formulação. Isso é, que houve deficiências associadas ao
modelo descritivo (uma “fotografia” fidedigna da situação atual), ao modelo
explicativo (um “filme” plausível que mostrasse as causas que levaram à situação
atual e as variáveis sobre as quais elas atuaram), ao modelo normativo (um cenário
futuro desejável com cena de chegada e trajetória cuja construção podia ser
viabilizada tendo em vista a força política do ator) ou ao modelo institucional
(conjunto de instituições, legislação, recursos etc., compatível com o modelo
normativo) (ver Figura 4.12.3).
FIGURA 4.12.3: MODELIZAÇÃO E OS MOMENTOS DESCRITIVO E NORMATIVO
104
modelo descritivo-explicativo
momento descritivo-explicativo
momento normativo
a POLÍTICA atua sobre umnúmero pequeno de variáveis do modelo (ou aspectos do sistema)
modelo normativo
e, para conseguir o efeito desejado, concebe instituições (modelo
institucional)
Um último aspecto a ser ressaltado sobre a importância da modelização para a
Gestão Estratégica Pública é o relativo ao acompanhamento da trajetória que segue
o sistema quando submetido a uma ação de gestão. Uma representação gráfica
como a que segue (ver Figura 4.12.4) pode ajudar a entender de forma simples a
idéia de que a trajetória de um sistema pode ser entendida como uma composição
de três vetores que devem ser investigados em separado: “natural”, “de arrasto”
(pelo contexto) e “forçado” por ações de gestão ou de política pública formuladas e
implementadas.
FIGURA 4.12.4: TRAJETÓRIA DE UM SISTEMA
“arrasto”
“natural”
“forçado”
política
4.13. Exemplos de modelização
105
Para seguir tratando a relação entre sistema e modelo, vamos apresentar três
exemplos.
O primeiro é o Sistema “Secretaria de Obras uma Prefeitura”, tratado tendo por
objetivo analisar a questão de recursos, por exemplo. A figura a seguir mostra a sua
representação possível.
Ela indica os três tipos de variáveis escolhidas através da modelização do
sistema para relacioná-lo com seus contextos (sistemas de maior abrangência)
considerados relevantes para descrevê-lo (ver Figura 4.13.1).
FIGURA 4.13.1: VARIÁVEIS ESCOLHIDAS
Variáveis
Endógenas:
Geradas Internamente ao Sistema
Exógenas:
Geradas Externam ente ao Sis tema(e internamente ao Contex to)
( VS = [ VI , VE] )
Var iáveis do am bient e Pr ef eit ur a
Var iáveis do am bient e socio- econom .
Var iáveis endógenas da Secr et ar ia
Sis te m a : Se cre taria d e um a Prefe itu ra
São elas:
- As geradas internamente à Secretaria, como a capacitação de seu pessoal
para acompanhar e avaliar projetos, capacidade habilidade para captar de
recursos públicos e privados, habilidade para obter o apoio de outras
secretarias, do Gabinete e de diferentes atores políticos e da opinião pública
às ações da Secretaria;
As pertencentes ao ambiente Prefeitura, como disponibilidade orçamentária,
demandas de outras secretarias ou do Gabinete, atendimento às normas
internas e dispositivos legais que regulam a execução de obras públicas,
disponibilidade de outras secretarias em apoiar as ações da Secretaria,
definição de atribuições e responsabilidades da Secretaria;
As pertencentes ao entorno socioeconômico, como demandas da população
pelo serviço prestado pela Secretaria, imagem da Secretaria junto a atores
106
políticos que controlam recursos (econômicos, políticos, midiáticos) da opinião
pública.
A apresentação dos outros dois exemplos é realizada de modo distinto uma
vez que é nosso objetivo introduzir mais alguns conceitos úteis para a modelização.
Inicialmente se caracterizam os sistemas que originam os dois modelos e, a seguir,
se vai introduzindo os conceitos cuja utilização se sugere.
O primeiro desses dois sistemas se refere a uma política de controle de
natalidade. Trata-se de elaborar uma política demográfica, e mais especificamente,
de controle de natalidade, em um país. Alguns indicadores ou variáveis de saída do
modelo são indiscutíveis; tamanho da população ao longo do tempo, bens
necessários para consumo, demanda de mão-de-obra e equipamento para produzi-
los e necessidade de financiamento externo resultante. Em segunda aproximação, o
grau de desagregação dessas variáveis: pirâmides de população por regiões, sexo
e talvez outros critérios (como grupos sociais ou nível de ingresso); níveis de
qualificação da mão-de-obra; setores produtivos etc.
O segundo sistema, bem mais simples, e tomado justamente com o objetivo de
realizar um contraste entre situações-problema de tipo físico e social, se refere à
velocidade de escape de um foguete. Trata-se de calcular com que velocidade deve
lançar-se verticalmente um satélite artificial de uma dada forma para que possa
escapar à atração do planeta sem consumo de energia ulterior. Neste caso existe
uma única variável de saída: altura máxima alcançada.
Existem três tipos de variáveis que influem diretamente sobre os valores das
variáveis de saída.
Controles
São variáveis de tipo instrumental, associadas às decisões que se pretende
tomar ou às políticas que poderiam ser formuladas para atacar a situação em
análise. Seus valores durante o período em estudo irão variar em decorrência delas.
Elas são de tipo exógeno, embora às vezes não pareçam, dado que seus valores
dependem do que está ocorrendo na realidade (no sistema).
No primeiro exemplo, os controles poderiam ser o gasto em campanhas
sanitárias ou de controle de natalidade, planos de desenvolvimento regional e
setorial, política fiscal, salarial, de introdução de novas tecnologias etc.
No segundo exemplo, o controle é a velocidade inicial.
107
Variáveis exógenas
Exemplos de variáveis que dependem das condições de contorno, que influem
sobre o sistema, mas não são influenciadas por ele nem controláveis pelo ator que
modeliza, são, no primeiro exemplo, avanços na tecnologia de saúde e saneamento
ou de produção, disponibilidade de recursos naturais, preços internacionais,
exportações. No segundo exemplo, propriedades da atmosfera, massa e raio do
planeta, que podem ser considerados também como parâmetros.
Variáveis endógenas
As variáveis endógenas podem ser entendidas, por exclusão, como todas as
demais variáveis necessárias para calcular a saída do modelo, incluindo as próprias
variáveis de saída. Seus valores são calculados em função das exógenas, dos
controles e valores anteriores delas mesmas e indicam o estado do sistema.
Quando se trata de analisar o comportamento do sistema ao longo do tempo, os
valores iniciais dessas variáveis são imputados pelo ator que modeliza.
No primeiro exemplo, são variáveis endógenas, ademais das de saída, a oferta
de recursos humanos de distintos tipos, número de nascimentos, mortes,
casamentos etc., importações, dívida externa, capacidade ociosa da economia etc.
No segundo exemplo, a posição, velocidade e aceleração do satélite artificial;
forças de atração gravitacional e de atrito atmosférico.
As hipóteses sobre o mecanismo causal do sistema indicam explicitamente
como calcular a saída em função das demais variáveis endógenas, exógenas e
controles.
Dados os valores da entrada (os controles, variáveis exógenas e valores
iniciais das variáveis endógenas ou de estado) chega-se aos valores das variáveis
de saída por uma sucessão de passos intermediários; cada um destes é uma
relação ou conexão (lei natural ou simples hipótese) entre várias variáveis, que
permite calcular algumas delas, conhecidas as demais.
Esta conexão pode ser uma definição, explícita ou implícita (por exemplo, uma
identidade que se usa para calcular um término em função de outro).
No caso do primeiro exemplo, o número de nascimentos se obtém somando o
resultado da multiplicação da população feminina de cada idade e região por seu
respectivo coeficiente de natalidade; e o número dos que completam 20 anos num
108
dado ano são as que completaram 19 anos no ano anterior menos os que morreram
durante o período.
No segundo exemplo, a velocidade é a derivada da posição com respeito ao
tempo.
A conexão entre as várias variáveis, que permite calcular algumas delas,
conhecidas as demais, pode ser também uma lei ou hipótese causal (equação de
comportamento). Neste caso, algumas das variáveis funcionam como fatores
independentes ─ causas ─ e outras são definidas como dependendo causalmente
daquelas. Cada uma destas hipóteses inclui todos os fatores que possuem uma
influência significativa (dado um certo grau de precisão) e os que não aparecem
explicitamente costumam estar implícitos nos valores dos parâmetros.
A linguagem usada tem que ser capaz de representar estas influências e
conexões da maneira mais fiel possível, não se limitando às formas funcionais
usualmente empregadas na matemática. As variáveis qualitativas exigem o uso de
procedimentos em geral mais complicados e trabalhosos, como tabelas de
correspondências.
No primeiro exemplo, o coeficiente de natalidade depende da educação, nível
de renda, do gasto em campanhas de controle de natalidade. As migrações
dependem do estado dos mercados de trabalho. O consumo depende do nível de
renda, dos preços etc. É importante destacar que cada relação destas implica a
aceitação de uma teoria de comportamento das variáveis e, em ultima instância, do
funcionamento da realidade observada.
No segundo exemplo, a força gravitacional é função da altura (lei de Newton).
A força de atrito como o ar é uma função da velocidade e forma do satélite artificial e
das propriedades da atmosfera à altura em que ele se encontra.
As leis ou conexões entre as várias variáveis costumam incluir coeficientes,
expoentes e outros parâmetros cujos valores devem ser conhecidos e que em geral
são constantes. São análogos às variáveis exógenas, mas seu significado é dado
pelas das relações em que figuram. Por isto, não têm conteúdo empírico
independente, a menos que se tornem muito familiares (como a produtividade).
No primeiro exemplo, os parâmetros podem ser: coeficientes de deserção e
repetição, elasticidades de consumo, coeficientes marginais de capital. No segundo
109
exemplo: constante gravitacional, parâmetros que definem a forma do satélite
artificial.
Sobre as conexões causais, três observações bem conhecidas e já
comentadas merecem ser relembradas.
Causalidade não implica determinismo: as conexões podem conter variáveis
aleatórias, de modo que só determinam certos parâmetros estatísticos da saída.
A concatenação de várias relações causais pode fazer com que A apareça
como causa de B, e B como causa de A. Isto não implica numa contradição, pois as
influências estão separadas no tempo: A(t) influi sobre B(t), mas B(t) sobre A(t+1).
Como vimos, é aconselhável não empregar a linguagem causal e sim a
estatística: A e B estão correlacionados. Mas se o modelo que criamos, para
calcular B, se baseia no valor observado de A, a diferença é puramente
terminológica.
4.14. Considerações Finais
A complexidade dos contextos e sistemas com que se trabalha ao modelizar
aspectos dos ambientes onde se realiza a Gestão Estratégica Pública, sua incerteza
irredutível e sua capacidade de auto-organização, sugerem que não se tente
formular receitas e regras rígidas para orientar as tarefas de modelização.
Entretanto, é possível indicar alguns balizamentos gerais como os que se
apresentam a seguir.
O primeiro, e de certa forma contraditório, é de que nem toda a pesquisa
acerca de uma realidade sobre a qual se pretende atuar deve adotar uma
abordagem sistêmica. Há muitos casos, por exemplo, em que as relações entre o
sistema e o contexto podem ser ignoradas. É uma tarefa e uma responsabilidade do
gestor avaliar até que ponto a natureza sistêmica, e a relação entre seu objeto de
análise e a realidade mais ampla, podem ser negligenciadas de modo seguro. Vale
ressaltar que essa consideração deve estar submetida a um fundamento
estritamente descritivo-explicativo e, portanto, não deve basear-se em critérios
normativos (valores sociais ou preferências ideológicas).
Nesse sentido, é importante lembrar que um gestor deve considerar a
probabilidade de cometer um erro associado à rejeição de uma hipótese falsa; a
110
ausência de prova de que algo é necessário não é o mesmo que a prova da
ausência de que algo é necessário.
Não se deve aumentar além do imprescindível o número de variáveis ou
relações necessário para explicar um dado sistema (porção da realidade).
Uma prática útil é definir o sistema dentro do qual se concebe o problema a ser
investigado e, em seguida, procurar as relações pertinentes com o seu contexto
imediato. Isto é, examinar “de dentro para fora” como o problema está relacionado
com outros problemas, variáveis, assuntos ou sistemas, em termos temporais e
espaciais. Só a partir daí, se as relações puderem ser desprezadas, poder-se-á
ignorar de forma segura o contexto.
Na caracterização de um problema ou sistema e sua possível evolução, é
necessário incluir todas as variáveis e relações que se considere importantes,
mesmo aquelas que não possam ser quantificadas. Isto porque se elas não forem
incluídas na definição inicial do problema será pouco provável ou muito difícil que
elas possam ser consideradas na análise subseqüente.
É melhor conceber uma explicação aproximada e precária para um problema
complexo na sua totalidade do que uma precisa, mas que dê conta de apenas um
de seus componentes isolados.
Ao abordar um assunto ou problema, é necessário distinguir claramente entre
considerações relativas ao conhecimento em si (incluindo as ignorâncias e
incertezas de tipo científico) e as de natureza política (que compreendem os valores
sociais). É necessário, portanto, assegurar o envolvimento dos tomadores de
decisão, os formuladores da política, desde a caracterização inicial do problema.
É conveniente considerar variáveis e relações que expliquem não apenas a
trajetória histórica observada do sistema, mas sim um espectro mais amplo de
possibilidades de comportamento, que contemple mudanças estruturais, incertezas
e surpresas. E, ademais, avaliar as respostas possíveis do sistema a políticas e
ações humanas.
Finalmente, e para chamar a atenção de uma forma talvez mais eficaz do que
a até aqui empregada, para algumas questões importantes referentes à aplicação
da metodologia aqui apresentada, vamos fazer referência a três passagens da obra
do admirável Jorge Luis Borges.
111
A primeira, refere-se ao modo como se deve proceder à identificação de
aspectos de uma dada realidade que se afiguram como bons candidatos a variáveis
de um modelo. Ou, de forma mais genérica, a como se deve proceder para construir
uma taxonomia.
Citando uma certa enciclopédia chinesa, diz Borges (1979) que “...os animais
se dividem em:
a) pertencentes ao Imperador;
b) embalsamados;
c) domados;
d) leitõezinhos;
e) sereias;
f) fabulosos;
g) vira-latas;
h) incluídos na presente classificação;
i) histéricos;
j) inumeráveis;
k) pintados com pincel muito fino, de pelo de camelo;
l) et Cetera;
m) que acabam de quebrar a bilha;
n) que de longe parecem moscas''.
A segunda passagem refere-se ao grau de detalhe com o qual devemos
analisar a realidade observada a fim de modelizá-la.
A esse respeito, lembramos o que Borges (1960) nos conta sobre um Reino da
antiguidade em que a Arte da Cartografia havia alcançado tal perfeição que o mapa
de uma província ocupava toda uma cidade, o mapa do Reino uma província. Com
o tempo, conta ele “esses Mapas Desmesurados não satisfaziam mais e o Colégio
de Cartógrafos elaborou um mapa do Reino que tinha o tamanho do próprio Reino e
coincidia pontualmente com ele.“
A situação equivalente a de um cartógrafo perfeccionista que termina
desenhando um mapa em escala 1:1, “perfeito”, mas totalmente inútil, é equivalente
a de um gestor que constrói um modelo de uma dada realidade tão complexo e
“pesado” que não pode ser operado.
112
A terceira passagem nos permite adicionar mais um elemento a esta aide-
mémoire. Relativo também ao grau de detalhe, abstração e generalização que
devemos adotar para analisar a realidade que pretendemos modelizar, ele se refere
ademais à dimensão temporal envolvida no processo de modelização.
Em “Funes el memorioso”, Borges (1979) nos conta de um gaúcho do final do
século XIX que uma queda de cavalo havia deixado mentalmente perturbado:
“Funes não apenas era incapaz de compreender que o símbolo genérico cão
abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma;
perturbava-lhe que o cão das 3:14 horas (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que
o cão das 3:04 horas (visto de frente). Sua própria face no espelho, suas próprias
mãos, surpreendiam-no cada vez.”
Funes “não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte, mas
também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado.”
“Resolveu reduzir cada uma de suas jornadas pretéritas a umas setenta mil
lembranças, que definiria logo por cifras. Dissuadiram-no duas considerações: a
consciência de que a tarefa era interminável, a consciência de que era inútil. Pensou
que na hora da morte não haveria acabado ainda de classificar todas as lembranças
da infância”.
113
CAPÍTULO V: METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO DE SITUAÇÕES
5. Introdução28
Este capítulo sintetiza os elementos e conceitos da Metodologia de
Planejamento de Situações (MPS) necessários para apoiar o trabalho a ser
desenvolvido pelos alunos. Retomando a analogia náutica que traçamos no capítulo
anterior, ela corresponderia às ações que o gestor (velejador) teria que tomar para,
utilizando a informação proporcionada pela MDS (bússola) e aproveitando a
governabilidade propiciada pelas condições do contexto político e sócio-econômico
(vento, maré etc.), engendrar situações que permitam atingir seu objetivo (alcançar
um ponto da costa o mais próximo possível daquele que havia inicialmente
programado).
A MPS se baseia nos resultados alcançados com a aplicação da MDS
apresentada no capítulo anterior. Em especial, no fluxograma explicativo da
situação. É sobre esta base que o trabalho de análise e de planejamento de
situações tem início. Reflexões suscitadas em outras disciplinas são também
essenciais, com também o são no caso da MDS, para colocar a “carne” no processo
de aplicação da MPS. São elas que irão complementar e criar melhores condições
para a formulação de ações, a fixação de recursos a utilizar e de resultados a
atingir.
Da mesma forma que a MDS se dedica a elucidar os momentos descritivo e
explicativo do tratamento de uma situação-problema, a MPS o faz em relação ao
momento normativo.
5.1. Uma visão preliminar do resultado
Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MPS pode ser obtida
retomando exemplo mostrado no capítulo anterior, da derrota do Palmeiras frente ao
Corinthians.
Depois de terem selecionados os Nós Críticos e elaborada a árvore de
problemas, os jogadores formularam, para cada Nó Crítico, ações para atacá-los.
Eles chegaram à seguinte formulação (ver Figura 5.1.1).
28 Este texto é uma adaptação do capítulo sobre a Metodologia de Planejamento de Situações de Dagnino e outros (2002).
114
FIGURA 5.1.1: AÇÕES
A1.1. renegociar pagamentos atrasados
A1.2. buscar fontes alternativas de recursos
A2.1. Realizar 2 próximas partidas com Palmeiras B
A2.2. implementar programa intensivo de preparação
A3.1. convencer Daniela Ciccarelli para atuar como madrinha e motivadora
A3.2 contratar assessoria psicológica
A3.3 substituir jogadores mais desmotivados por jovens dispostos
ATRASO
NOS SALÁRIOS
NO PALMEIRAS
PALMEIRAS COM
PREPARO FÍSICO
DEFICIENTE
JOGADORES DO
PALMEIRAS
DESMOTIVADOS
3 X 0
Em seguida, os jogadores definiram para cada ação de cada um dos três nós
crítico, os atores envolvidos. Eles chegaram, então, aos resultados mostrados
abaixo (ver Figura 5.1.2; 5.1.3; 5.1.4), que são o ponto de partida para o
detalhamento das ações seguintes da MPS.
FIGURA 5.1.2: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO
ATRASO
NOS SALÁRIOS
NO PALMEIRAS
A1.1. renegociar os SALÁRIOS atrasados
atores envolvidos
- comissão de jogadores
- patrocinador do Palmeiras
- presidente do Palmeiras
- agência que detém os direitos de transmissão de TV
A1.2. buscar fontes alternativas de recursos
atores envolvidos
- empresa de marketing contratada
- chefes de torcidas organizadas
- presidente da CBF
- presidente do Palmeiras
- patrocinador do Palmeiras
115
FIGURA 5.1.3: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO
FIGURA 5.1.4: AÇÃO PARA CADA NÓ CRÍTICO
PALMEIRAS
POUCO
MOTIVADO
A3.1. convencer uma modelo a atuar como madrinha da equipe
atores envolvidos
- empresa de marketing contratada pelo Palmeiras
- representante da modelo
- chefes de torcida organizada
- presidente da CBF
- presidente do Palmeiras
- patrocinador do Palmeiras
A3.2 contratar assessoria psicológica
atores envolvidos
- presidente do Palmeiras
- patrocinador do Palmeiras
- técnico do Palmeiras
A3.3 substituir jogadores mais desmotivados por jovens motivados
atores envolvidos
- técnico do Palmeiras
- patrocinador do Palmeiras
5.2. Planejar por Situações-Problema
O dirigente público necessita capacitar-se para jogar o jogo social e
institucional. O que significa “jogar bem”? Jogar bem depende de quatro
capacidades (habilidades e conhecimentos) para o tratamento de problemas em
âmbito público:
i) Explicar a situação-problema que afeta uma instituição;
ii) Formular propostas de ação para resolver problemas sob incerteza;
iii) Conceber estratégias que levem em conta outros atores e eventuais
mudanças de contexto;
iv) Atuar no momento oportuno e com eficácia, recalculando e completando um
Plano de Ação.
PALMEIRAS COM MÁ
PREPARAÇÃO
FÍSICA
A2.1. postergar os próximos jogos
atores envolvidos
- presidente da CBF
- presidente do primeiro clube adversário
- presidente Do segundo clube adversário
- agência que detenha os direitos de transmissão de TV
- presidente do Palmeiras
A2.2. implementar programa intensivo de preparação
atores envolvidos
- técnico do Palmeiras
- preparador físico
- jogadores
116
Explicar a situação em que uma instituição ou um ator está ou pretende estar
envolvido foi o assunto tratado pela Metodologia de Diagnóstico de Situações. A
Metodologia de Planejamento de Situações proporciona conceitos para os outros
três pontos acima indicados, a partir de uma estrutura lógica que centra a ação de
governo na resolução de problemas.
A decisão de buscar soluções para um problema identificado permite:
i) Administrar o problema em um espaço menor;
ii) Enfrentá-lo no espaço originalmente declarado;
iii) Dissolvê-lo em um espaço maior.
A seguir, apresentamos um exemplo relacionado ao aumento do número de
crimes cometidos por adolescentes (ver Quadro 5.2.1).
QUADRO 5.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES
Espaço Problema
Administrar o problema num espaço menor.
Ação: Ação sobre os adolescentes infratores.
Espaço: Punição a delitos.
Enfrentar o problema no espaço originalmente declarado.
Ação: Ampliação da cobertura da assistência a crianças e a
adolescentes. Espaço: Prevenção dos delitos.
Dissolver o problema num espaço maior.
Ação: Reforma do Sistema Educacional
Espaço: Garantia de direitos básicos que tenderá a evitar delitos.
A escolha entre estes três tipos de ação vai definir a estratégia geral, os
contornos e a abrangência dos resultados que serão obtidos mediante a
implementação de um conjunto de operações consignado num Plano de Ação.
As principais categorias analíticas aqui adotadas, tais como ator social, ação
ou momento no processo de planejamento, são definidas em função do conceito de
situação-problema. O dirigente público, ao atuar em contextos sujeitos à constante
mudança, pode ser representado como um ator que se movimenta num jogo social.
Todo ator social pode desempenhar um papel de protagonista e não de simples
observador, mas para isto precisa compreender a realidade em transformação.
Como foi destacado anteriormente, cada "realidade" será percebida de modo
distinto dependendo do ponto de observação (valores, interesses, experiências
prévias etc.) do ator que planeja (ou, simplesmente, observa). Uma mesma
117
realidade pode ser percebida de modo diferente dependendo de como está situado
um observador específico; quais são seus interesses e seus objetivos. Dessa forma,
a análise de uma determinada situação é uma apreciação da realidade que enfrenta
um determinado ator a partir da sua visão. A explicação situacional resultante é
auto-referenciada, isto é, ela é condicionada pelo ponto de vista do ator. E, por isto,
influenciado pelo tipo de inserção na realidade que possui o ator que planeja.
Uma explicação formulada por um ator social sobre um aspecto da realidade
pode ser verificada ou refutada apenas em função da maior ou menor capacidade
de sua cadeia de argumentos em sustentar seus questionamentos. Portanto,
sempre haverá mais de uma visão acerca da realidade e os ideais de objetividade e
as distinções entre verdadeiro e falso perdem força no trabalho do analista e na
reflexão voltada para a ação que caracteriza a GEP.
Apresentamos a seguir um esquema (ver Figura 5.2.1) que sintetiza a
metodologia de planejamento baseado na análise de situações-problema que é a
que adotamos como eixo de nossa proposta de GEP.
FIGURA 5.2.1: ESQUEMA GERAL PARA PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO
Figura 01 - Esquema Geral para Planejamento Estratégico
Ator que planeja
Confiabilidade:
- Conhecimento
- Qualidade do Projeto
- Capacidade de Coordenação
Resultados
Situação
Inicial
Contexto:
- Variáveis
- Surpresas
- Outros jogadores
Situação
Objetivo
Plano: Meios, Tempo, Gente, Ações.
Estratégia
Táticas
Situação
Objetivo
FONTE: Matus, (1994).
118
Na situação-inicial, o ator declara sua insatisfação sobre uma dada realidade
em um determinado momento e, por isto, tem demandas a viabilizar, necessidades
a satisfazer e problemas a resolver. Esse ator constrói uma explicação que serve de
base para a definição fundamentada de uma situação-objetivo. Ela envolve a
explicitação de um conjunto de resultados que se espera atingir ao final de um
determinado tempo e que resolverão os problemas iniciais formulados ou atenderão
as demandas e as necessidades identificadas.
O plano é uma construção que implica em uma estratégia e um conjunto de
táticas a implementar. E demanda gente em condições de realizar e de coordenar
as ações a serem executadas. As operações são os módulos de ação previstos em
um plano. Planejar implica ainda em identificar e disponibilizar os meios necessários
para a ação, os diversos recursos necessários, poder político, conhecimento,
capacidades organizativas, equipamentos e tecnologia e também, mas nem sempre,
recursos econômico-financeiros.
O esquema destaca a confiabilidade do plano elaborado e o contexto em que
ele será desenvolvido como elementos essenciais para a obtenção dos resultados
desejados. Nesse sentido, um plano só se completa na ação e este agir implica em
permanente avaliação e revisão do que foi planejado. Para obter Confiabilidade é
necessário verificar a todo o momento a qualidade da proposta, a sua consistência e
fundamentação, e garantir a boa coordenação da formulação e da implementação.
O monitoramento das alterações que se verificam na situação-problema e o
acompanhamento do contexto em que ela se insere são fundamentais, já que atingir
uma determinada situação-objetivo não depende apenas da vontade de ator que
planeja. Sobre suas ações e sobre os resultados que serão obtidos influenciam
mudanças no contexto, a ocorrência de surpresas e, principalmente, os planos e as
ações de outros atores sociais.
5.3. Operações
As operações podem ser entendidas como os grandes passos (conjunto de
ações) ou como o conjunto de condições que deve ser criado para a viabilização do
plano. São elaboradas como a solução de cada Nó-Crítico identificado num
fluxograma explicativo. Solução a ser alcançada no âmbito deste problema no prazo
do plano. O conjunto deve ser suficiente para assegurar o cumprimento do plano.
119
i) As Operações podem também ser entendidas como atos lingüísticos
enunciados no espaço das declarações de compromissos visando à mudança
da realidade. Sua formulação deve iniciar por “Comprometo-me a ... (fazer
algo) “. As Operações podem ser:Bem-estruturadas (operações de resolução
normalizada, sem deliberação);
ii) De risco calculado (operações com uma probabilidade precisa de êxito);
iii) Apostas operacionais (operações quase-estruturadas sob incerteza).
Um compromisso visando à ação deve ser diferenciado de:
i) Uma recomendação (seria bom que...);
ii) Um critério (deve-se....);
iii) Um enunciado de um objetivo (devemos alcançar....);
iv) Uma proposta de política (enunciado geral);
v) Uma declaração de prioridade.
Cada uma das operações formuladas para enfrentar uma situação-problema
determinada deve ser detalhada para viabilizar sua implementação. A seguir são
apresentados os principais componentes deste detalhamento.
5.4. Matriz Operacional
A Matriz Operacional detalha o conjunto de procedimentos através do qual
devem ser atingidos os resultados esperados nas operações. Cada ação poderá ser
dividida em atividades que, por sua vez, podem ser detalhadas em tarefas,
dependendo da complexidade da operação ou da ação e das características do
cenário que pretende construir o ator que planeja. De qualquer forma, o enunciado
das ações, das atividades e/ou das tarefas na matriz operacional deve vir
acompanhado pelos respectivos produtos, resultados esperados, datas (início/fim),
responsáveis, apoios e recursos necessários.
5.5. Ações, Atividades, Tarefas
São as unidades de implementação de um plano. Seu detalhamento deve ser
feito até o nível necessário para uma compreensão clara da operacionalização de
um plano ou projeto. Se for necessário, até mesmo as tarefas podem ser
subdivididas de acordo com o interesse ou a necessidade do ator que planeja.
120
O detalhamento das tarefas deve ser refeito periodicamente, em função das
necessidades. A somatória das ações e tarefas, verificáveis em forma de produtos,
devem garantir que se alcance os resultados.
5.6. Resultados
São os impactos sobre as manifestações concretas do problema que está
sendo atacado (avaliado pelos seus descritores); a mudança na realidade
observada. A definição dos resultados possibilita uma avaliação do plano, assim
como a condução precisa das ações no sentido da estratégia geral.
5.7. Produtos
São parâmetros concretos ─ quantidade, qualidade, tempo e lugar ─ que
auxiliam na execução das atividades planejadas. Se os produtos estão sendo
obtidos e os problemas identificados persistem é porque os resultados esperados
não estão ocorrendo. Há então necessidade de rever as operações e as ações
projetadas.
5.8. Recursos
Recurso é tudo aquilo que um ator pode mobilizar para viabilizar a consecução
dos seus objetivos. A execução de um plano implica no gerenciamento de múltiplos
recursos escassos.
Para o processo de planejamento que aqui propomos, é necessário trabalhar
com um conceito bastante amplo de recurso. O Quadro 5.8.1 abaixo indica os
recursos que podem ser utilizados para a viabilização de ações planejadas.
QUADRO 5.8.1: VIABILIZAÇÃO DE AÇÕES PLANEJADAS
Recursos: cognitivos políticos financeiros organizacionais pessoal capacitado ou tempo
Capacidades: para formar opinião para gerar legislação ou regulamentações para agenciar pessoas e organizações para gerenciar ou coordenar processos de trabalho para gerar capacidade de mobilização
FONTE: elaborado pelo autor.
121
Para cada ação prevista, devem-se detalhar quais recursos de diferentes tipos
serão necessários, ajustar a utilização dos recursos à sua disponibilidade,
especificar os custos para cada ação/tarefa. A partir desta informação será possível
uma alocação realista dos recursos. Torna-se fundamental avaliar em que medida
as atividades previstas em um plano necessitam consumir os diferentes tipos de
recursos para avaliar sua eficiência.
5.9. Prazos
O tempo talvez seja o recurso mais escasso com os quais lidam os dirigentes
públicos e os seus planos de governo. A determinação dos prazos das operações e
das ações marca a trajetória do plano, com os pré-requisitos, as concomitâncias, os
intervalos ou os pontos pré-determinados de confluência (datas simbólicas etc.). A
indicação de prazos é indispensável para o acompanhamento e a avaliação do
plano e indica o compromisso do responsável com a execução das ações. Os
prazos referem-se à data limite para a finalização da ação (para ser mais preciso, o
intervalo entre o início e o fim da ação).
5.10. Responsáveis
São os coordenadores e os articuladores de tarefas a serem desenvolvidas no
plano. As responsabilidades devem ser nominais ou no mínimo por função, evitando
a diluição de responsabilidades (“quando todos são responsáveis por tudo, ninguém
é responsável por nada”). É também importante distinguir entre o responsável
(pessoa que está comprometida diretamente com a realização da ação) e eventuais
apoios (pessoas que contribuem para a realização da ação).
5.11. Etapas para a formulação de um Plano de Ação
O Quadro 5.11.1 abaixo resume os elementos fundamentais para formulação
de um plano:
122
QUADRO 5.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO
Identificação do ator que planeja; Descrição da situação-problema onde se quer atuar; Problemas precisos a enfrentar; Objetivos bem definidos; Identificação de interessados e de beneficiários; Nome do plano (aspecto comunicacional); Principais ações a realizar, trajetória, encadeamento; Definição de responsáveis, rede de ajuda e parceiros; Previsão de recursos necessários, produtos e resultados esperados; Indicação do prazo de maturação dos resultados; Indicadores para verificação do andamento dos trabalhos, produtos, uso de recursos, contexto e resultados; Clareza como atuar em relação a aliados e a oponentes; Clareza como atuar em relação a mudanças no contexto; Previsão de procedimentos para acompanhamento das ações, cobrança e prestação de contas; Previsão de procedimentos para avaliação e para revisão durante a execução do que foi planejado.
FONTE: elaborado pelo autor.
Como complemento, a partir da análise do balanço entre apoios e oposições
previsíveis a um plano de ação formulado, cabe identificar um tipo especial de
operação a ser planejada. Trata-se de um tipo de operação que apresenta um
caráter mais político do que operacional. Aquele que tem como objetivo construir
viabilidade para a implementação de um projeto através do apoio ou da
contraposição à resistência percebida. Esta modalidade de análise estratégica leva
em conta o estudo de motivações e de interesses de atores envolvidos com os
problemas que a equipe dirigente pretende enfrentar.
5.12. Gestão do Plano
O plano só se completa na ação, nunca antes. E a ação de governo
freqüentemente exige adaptações de último momento que completam e viabilizam o
plano. Essas adaptações são uma forma de improvisação necessária e quase
inexorável. A questão consiste, no momento da ação, se o domínio será de
improvisação sobre o plano ou do plano sobre a improvisação. Não obstante, há
que reconhecer que as equipes dirigentes podem escolher os problemas, formular
seus planos para solucioná-los e o momento de fazê-lo, mas não podem escolher
as circunstâncias do contexto em que deverão agir.
123
5.13. Atuar sob incerteza
O plano formulado mediante simples cálculo determinista inviabiliza, no limite,
a avaliação do seu cumprimento e do compromisso com as responsabilidades
assumidas. Isso porque é impossível valorar o significado dos resultados frente a
metas previstas se são verificadas mudanças significativas no contexto em que ele
deve ser implementado.
O contexto do plano é um conjunto de condições fora do controle do ator que
planeja. Ele influencia o desenvolvimento e os resultados finais do plano. Surpresas
sempre ocorrem e podem gerar alto impacto sobre o plano e os resultados
esperados.
Planejar sob incerteza significa, então:
i) Não congelar o cálculo sobre o futuro; refazê-lo constantemente;
ii) Utilizar recursos de cálculo como previsão, reação rápida diante da
mudança imprevista, aprendizado com o passado recente;
iii) Trabalhar com diferentes cenários, com visões alternativas sobre o futuro;
iv) Estar preparado para enfrentar surpresas;
v) Dispor de sistema de manejo de crises;
vi) Afastar a incerteza evitável mediante ações preventivas.
O exercício do planejamento significa enfrentar as incertezas e as dificuldades
impostas pela realidade, alcançando os objetivos a que o plano se propõe. Todos os
cálculos realizados quando da elaboração do plano precisam ser refeitos
permanentemente a partir da análise sobre:
i) Desenvolvimento dos fatos concretos;
ii) Evolução do plano;
iii) Avanço da elaboração individual e coletiva na instituição.
5.14. Focos de Debilidade de um Plano
Concluindo a apresentação da MPS, se apresenta um conjunto de pontos
(uma check list) para a verificação da qualidade de um plano de ação. São
preocupações enunciadas de forma negativa que se considera importantes para o
planejamento e acompanhamento das operações, avaliação e replanejamento de
um plano de ação:
124
Seleção de problemas inadequada ou desfocada;
Compreensão precária sobre a situação problemática a ser enfrentada:
diagnóstico de situações mal formulado;
Má qualidade do projeto de ação elaborado;
Projeção mal formulada para resultados esperados;
Despreparo ou não previsão para ocorrência de surpresas ou mudanças no
contexto;
Deficiente análise estratégica;
Suposições gerenciais otimistas.
5.15. Componentes de um sistema de Gestão Estratégica Pública
Para o ator que planeja, a informação é o meio que lhe permite conhecer a
realidade na qual atua e verificar o resultado causado por sua ação. Disso depende
sua capacidade para alterar oportunamente suas decisões, quando as metas
alcançadas se distanciam das propostas. Sem informação oportuna, confiável e
relevante não se identificam bem os problemas, não se pode atacá-los a tempo e
posterga-se a ação corretiva. O que condiciona a eficácia das operações levando a
que os resultados previstos não sejam alcançados.
O monitoramento, na GEP, responde a este princípio elementar: não se pode
atuar com eficácia se os dirigentes não conhecem de maneira contínua, e o mais
objetiva possível, os sinais vitais do governo que lideram e das situações sobre as
quais intervêm. Um sistema de informação casuístico, parcial, assistemático,
atrasado, inseguro e sobrecarregado de dados primários irrelevantes é um aparato
sensorial defeituoso que limita severamente a capacidade de uma equipe dirigente
de se sintonizar com as situações que busca enfrentar, de identificar os problemas
atuais e potenciais, de avaliar os resultados de sua ação e de corrigir
oportunamente os desvios com relação aos objetivos traçados.
São três os componentes que devem constituir um sistema de GEP que
garanta um acompanhamento e um processamento adequado dos fluxos de
informação que alimentam as decisões de uma equipe dirigente:
1 - Sistema de Constituição da Agenda: no qual se decide o uso do tempo e o
foco de atenção dos dirigentes, o que, em síntese, constitui o menu de decisões.
125
Nesse sistema, o fluxo contínuo de informações estabelece a luta entre a
improvisação e o planejamento.
2 - Sistema de Cobrança e Prestação de Contas: em que se torna efetiva a
responsabilidade de cada membro da unidade organizacional sobre as missões
assumidas como compromissos. Com este sistema, conforma-se um processo de
trabalho com base na responsabilidade. Ele não pode ser estruturado sem que
informações confiáveis e oportunas estejam disponíveis.
3 - Sistema de Gestão Operacional: onde é viabilizada a ação diária num
processo em que se enfrentam a rotina e a criatividade. Na gestão predomina a
ação sujeita a diretrizes, mas elas devem deixar um amplo campo à criatividade, à
iniciativa e à inovação.
Esses três Sistemas e alguns de seus subsistemas necessários para a criação
de uma estrutura que garanta a efetividade da GEP, como os de Gestão de Crises e
de Comunicação Governamental, são objeto de outros trabalhos sobre o tema.
126
CAPÍTULO VI: METODOLOGIA DE ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
6. Introdução
Este capítulo se orienta a sistematizar a contribuição de autores que buscam
melhorar a maneira como se desenvolve o processo de elaboração de políticas no âmbito
do Estado contemporâneo. Desta forma, pretende possibilitar aos profissionais ali situados,
e interessados em construir alternativas aos cursos de ação tradicionais, um conjunto de
conceitos, modelos e métodos de análise apropriados à gestão pública.
Ele pode ser entendido como um auxílio metodológico para a pesquisa de situações
─ políticas, organizações, processos etc. ─ relevantes do ponto de vista da Gestão
Estratégica Pública; um arsenal para tratar essas situações ou sistemas complexos e
possibilitar a construção de modelos descritivos, explicativos, normativos e institucionais
apropriados. Neste sentido, este capítulo complementa outros conteúdos e metodologias
(de modelização, de diagnóstico de situações, de planejamento de situações) abordados
no Curso.
A metodologia de que trata este capítulo, é de aplicação mais complexa e demorada,
mas oferece resultados extremamente relevantes para o entendimento dos ambientes de
governo e para a elaboração de políticas públicas.
Sua estrutura segue muito de perto a proposta feita por um livro bem conhecido (HAM
e HILL, 1993), que pode ser usado para aprofundar os temas aqui tratados e guiar o
processo de consulta à bibliografia sobre Análise de Política. O público-alvo desse livro é
os profissionais de formação variada (engenheiros, médicos, administradores, economistas
etc.) que atuam no setor público ou privado lidando com temas, de natureza também muito
distinta, relacionados a áreas onde é importante a presença do Estado na produção (ou
sua regulação) de bens e serviços para a população (energia, saúde, educação, transporte
etc.).
Este capítulo trata quase que exclusivamente da análise do processo de elaboração
de políticas. Seu propósito, tal como acima indicado, é proporcionar ao gestor, cujo foco é
a implementação das políticas públicas, uma visão compreensiva e um entendimento mais
“politizado” do processo mais abrangente, da elaboração da política, que abarca os três
grandes momentos da Formulação, Implementação e Avaliação. O capítulo está, portanto,
orientado a capacitar o gestor enquanto analista da política pública; atividade, esta,
127
considerada essencial para o seu adequado desempenho como responsável pela Gestão
Estratégica Pública na implementação, acompanhamento, avaliação e crítica de políticas.
Embora seu foco não seja na Formulação da política, é por isto que só na seção 6.8 é
abordado o tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnica de governo”. Assim,
só nesta seção é que se discorre sobre os procedimentos que devem ser realizados, da
metodologia que deve ser utilizada, e dos cuidados que devem ser tomados para formular
políticas que possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam
implementadas de forma a alcançar os objetivos e os impactos visados. Este tema,
entretanto, não será abordado em detalhe. Mais do que os demais, ele tem sido tratado de
forma exaustiva por muitos autores.
Não obstante, o conteúdo apresentado nas seções que precedem a 6.8 constitui-se
num subsídio tão importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar
e também avaliar) políticas públicas, que se espera de um profissional situado no interior
do aparelho de Estado, que omiti-las seria algo assim como esperar que alguém que
nunca pisou numa cozinha possa fazer um bom bolo apenas com uma receita (por melhor
que ela seja). Em outras palavras, seria aceitar a proposição tecnocrática de que a
elaboração de política pública pode ser encarada como a simples operacionalização de um
conjunto de normas, procedimentos e passos de um manual.
A seção 6.10 é uma espécie de resumo das anteriores (com exceção seção 6.8) e
pode ser usada como um guia para a Análise de Políticas.
A intenção deste capítulo é, então, construir uma ponte entre as metodologias de
planejamento usualmente adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm sido
insistentemente apontada, e conteúdos relacionados aos aspectos políticos da elaboração
de políticas.
6.1. Explorando o conceito de Análise de Política
Antes de qualquer coisa, um lembrete:
A Análise de Políticas não necessariamente implica numa identificação do analista
com os objetivos daqueles que controlam o processo político. A subversão do status quo
demanda, talvez mais do que sua preservação, o seu correto entendimento.
Esta extensa seção procura dar conta da complexidade do conceito de Análise de
Política introduzindo o leitor, simultaneamente, à bibliografia produzida pelos principais
128
autores que se dedicam a este campo e à forma como se vão estabelecendo (e alterando)
os demais conceitos com ele relacionados.
6.1.1. O conceito de política
Easton (1953:130) nos diz que “uma política (policy) é uma teia de decisões que
aloca valor”. Mais especificamente, Jenkins (1978:15) vê política como um ”conjunto de
decisões inter-relacionadas, relacionado à seleção de metas e aos meios para alcançá-las,
dentro de uma situação especificada”.
Segundo Heclo (1972:84-85), o conceito de política (policy) não é “auto-evidente”. Ele
sugere que “uma política pode ser considerada como um curso de ação ou inação (ou
“não-ação”), mais do que como decisões ou ações específicas”.
Wildavsky (1979:387) lembra que o termo política é usado para referir-se a um
processo de tomada de decisões, mas, também, ao produto desse processo.
Ham e Hill (1993:13) analisam as “implicações do fato de que a política envolve antes
um curso de ação ou uma teia de decisões que uma decisão”, destacando aspectos como:
Há uma rede de decisões de considerável complexidade;
Há uma série de decisões que, tomadas em seu conjunto, compreende o que é a
política;
Políticas mudam com o passar do tempo e, em conseqüência, precisar o término de
uma política é uma tarefa difícil;
O estudo de políticas deve deter-se, também, no exame de “não-decisões”.
Os autores colocam, ainda, que o estudo de não-decisões tem adquirido importância
crescente nos últimos anos.
Uma forma de resumir as características do conceito é dada por três elementos:
Uma teia de decisões e ações que alocam (implementam) valores;
Uma instância que, uma vez articulada, vai conformando o contexto no qual uma
sucessão de decisões futuras serão tomadas;
Algo que envolve uma teia de decisões ou o desenvolvimento de ações ao longo do
tempo, mais do que uma decisão única localizada no tempo.
Ao trabalhar com Análise de Políticas há que levar em conta que o termo política
pode ser empregado de muitas maneiras. Por exemplo, para designar:
i) Campo de atividade ou envolvimento governamental (social, econômica), embora
com limites nem sempre definidos;
ii) Objetivo ou situação desejada (estabilidade econômica);
129
iii) Propósito específico (inflação zero) em geral relacionado a outros de menor ou
maior ordem;
iv) Decisões do governo frente a situações emergenciais;
v) Autorização formal (diploma legal), ainda que sem viabilidade de implementação;
vi) Programa (“pacote” envolvendo leis, organizações, recursos);
vii) Resultado (o que é obtido na realidade e não os propósitos anunciados ou
legalmente autorizados);
viii) Impacto (diferente de resultado esperado);
ix) Teoria ou modelo que busca explicar a relação entre ações e resultados;
x) Processo (os nove acima são “fotos” é necessário um “filme”: enfoque processual).
As definições e os cuidados que se deve tomar mostram que na Análise de Política
há levar em conta que
Os political aspects (aspectos políticos) são inerentes ao processo de elaboração
de políticas (tradução para o termo em inglês policy process);
E que a política envolve uma teia de decisões e o desenvolvimento de ações no
tempo, mais do que uma decisão isolada.
Para resumir pode-se criar um “decálogo” como o que segue que nos lembra que
para entender o conceito de política, sempre entendido na sua acepção de policy ou
política pública, é necessário ter presente:
i) A distinção entre política e decisão: a política é gerada por uma série de interações
entre decisões mais ou menos conscientes de diversos atores sociais (e não somente dos
tomadores de decisão);
ii) A distinção entre política e administração;
iii) Que política envolve tanto intenções quanto comportamentos;
iv) Tanto ação como não-ação, podendo assumir, inclusive o caráter de política
simbólica; isto é, que uma política cujo objetivo é mais gerar um impacto político favorável
para quem a formula do que ser implementada de fato;
v) Que a política pode determinar impactos não esperados;
vi) Que seus propósitos podem ser definidos ex post: racionalização;
vii) Que ela é um processo que se estabelece ao longo do tempo;
viii. Que envolve relações intra e inter organizações;
ix) Que é estabelecida no âmbito governamental, mas envolve múltiplos atores
x) Que é definida subjetivamente segundo as visões conceituais adotadas.
130
6.1.2. O conceito de Análise de Política
Embora várias definições tenham sido cunhadas por autores que se têm dedicado ao
tema, pode-se iniciar dizendo que a Análise de Políticas pode ser considerada como um
conjunto de conhecimentos proporcionado por diversas disciplinas das ciências humanas
utilizados para buscar resolver ou analisar problemas concretos em política (policy) pública
(BARDACH, 1998).
Para Wildavsky (1979:15), a Análise de Política recorre a contribuições de uma série
de disciplinas diferentes, a fim de interpretar as causas e conseqüências da ação do
governo, em particular, ao voltar sua atenção ao processo de formulação de política. Ele
considera, ademais, que Análise de Política é uma sub-área aplicada, cujo conteúdo não
pode ser determinado por fronteiras disciplinares, mas sim por uma abordagem que pareça
apropriada às circunstâncias do tempo e à natureza do problema. Segundo Lasswell
(1951:3), essa abordagem vai além das especializações existentes.
Segundo Dye (1976:1), fazer “Análise de Política é descobrir o que os governos
fazem, porque fazem e que diferença isto faz”. Para ele, Análise de Política é a descrição e
explicação das causas e conseqüências da ação do governo. Numa primeira leitura, essa
definição parece descrever o objeto da Ciência Política, tanto quanto o da Análise de
Política. No entanto, ao procurar explicar as causas e conseqüências da ação
governamental, os cientistas políticos têm-se concentrado nas instituições e nas estruturas
de governo, só há pouco se registrando um deslocamento para um enfoque
comportamental. Ham e Hill (1993:5) ressaltam que “recentemente a política pública
tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos. O que distingue a Análise de
Política do que se produz em Ciência Política é a preocupação com o que o governo faz”.
O escopo da Análise de Política, porém, vai muito além dos estudos e decisões dos
analistas, porque a política pública pode influenciar a vida de todos os afetados por
problemas das esferas pública (policy) e política (politics), dado que os processos e
resultados de políticas sempre envolvem a vários grupos sociais. E, também, porque as
políticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os
diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que têm no
aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão.
A Análise de Política engloba um grande espectro de atividades, todas elas
envolvidas de uma maneira ou de outra com o exame das causas e conseqüências da
ação governamental. Assim, uma definição correntemente aceita sugere que a Análise de
131
Política tem como objeto os problemas com que se defrontam os fazedores de política
(policy makers) e como objetivo auxiliar o seu equacionamento através do emprego de
criatividade, imaginação e habilidade.
6.1.3. O surgimento da Análise de Política como campo acadêmico
Ham e Hill (1993) apontam que a preocupação com as políticas públicas, que dá
origem ao surgimento da Análise de Política, acentua-se no início da década de 1960 e
tem origem em duas vertentes de interesse:
As dificuldades porque passavam os formuladores de política frente à complexidade
cada vez maior dos problemas com que se deparavam, fato que os levou paulatinamente a
buscar ajuda para construção de alternativas e propostas para soluções;
E a atenção de pesquisadores acadêmicos em ciências sociais (Ciência Política,
economia, sociologia) que progressivamente passaram a trabalhar com questões
relacionadas às políticas públicas e procuraram construir e aplicar conhecimentos à
resolução de problemas concretos do setor público.
Foi, assim, a escala dos problemas com que, nos anos de 1960, deparavam-se os
governos das sociedades ocidentais industrializadas o que levou a um crescente interesse
pela Análise de Política. Por outro lado, a dificuldade de tratar problemas fez com que
pesquisadores acadêmicos, sobretudo da área de ciências sociais, se interessassem,
progressivamente, por questões relacionadas às políticas públicas e procurassem aplicar
seus conhecimentos na sua elucidação. Ao longo dos anos, surgiram programas e cursos
universitários, novas disciplinas e publicações acadêmicas sobre o tema.
Simultaneamente, agências de governos dos países avançados começaram a empregar
analistas de políticas e a adotar novas práticas, como a análise de custo e benefício, o
orçamento por programa e a análise de impacto.
Em alguns círculos, a Análise de Política nasce como área de pesquisa, contrapondo-
se à administração pública. Não obstante, o formato inicial dos cursos (nos EUA, nos anos
de 1960) a ela dedicados (focalizados na análise organizacional, métodos quantitativos
etc.) não enfatizavam com propriedade a questão dos valores, intrínseca à Análise de
Política.
Em outros círculos, a Análise de Política se estabelece por diferenciação/exclusão em
relação ao de Ciência Política, determinando uma inflexão no seu enfoque, concentrado na
132
análise das organizações e estruturas de governo. Isto é, deslocando o foco da análise do
institucional para o comportamental.
Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sido realizadas por
cientistas sociais, o que é novo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos anos
de 1970, e o ambiente mais receptivo que passa a existir por parte dos governos. De fato,
pesquisadores, como Keynes e Marx, já se tinham interessado por questões inerentes à
atuação do governo e às políticas públicas. Esse movimento recente, entretanto,
caracterizou-se por oferecer uma nova abordagem e por tentar superar problemas
atinentes aos cursos de Ciência Política, que tomaram por modelo áreas da administração
pública ou deram excessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análise
organizacional.
Segundo alguns os pesquisadores que fundam o campo, a “policy orientation” é o que
distingue a Análise de Política da administração pública. Seu caráter normativo (no sentido
de explicitamente portador de valores) revela uma preocupação acerca de como as idéias
que emergem da análise podem ser aplicadas no sentido de alavancar um projeto social
alternativo. Neste caso, a melhoria do processo político através das políticas públicas que
promovam a democratização do processo decisório é assumida como um viés normativo.
Mas segundo eles a Análise de Política é também problem-oriented, o que demanda
e suscita a interdisciplinaridade. A Análise de Política caracteriza-se, assim, pela sua
orientação aplicada, socialmente relevante, multidisciplinar, integradora e direcionada à
solução de problemas, além da sua natureza ao mesmo tempo descritiva e normativa.
Nos anos de 1980, o debate Estado vs. mercado, privatização, e a consideração da
incapacidade do Estado para resolver os problemas sociais, levaram à utilização de
técnicas de administração desenvolvidas no setor privado. A subestimação das
dificuldades relacionadas à implementação de políticas é um traço marcante da postura da
administração.
6.1.4. Uma tipologia da Análise de Política: a tensão entre descritivo e o prescritivo
Sobre a tensão entre descritivo e o prescritivo, Ham e Hill (1993) classificam os
estudos de Análise Política (abordagens, perspectivas) em duas grandes categorias:
1) A análise que tem como objetivo desenvolver conhecimentos sobre o processo de
elaboração políticas (formulação, implementação e avaliação) em si mesmo ─ estudos
133
sobre as características das políticas e o processo de elaboração de políticas ─ que
revelam, portanto, uma orientação predominantemente descritiva;
2) E a análise voltada a apoiar os fazedores de política, agregando conhecimento ao
processo de elaboração de políticas, envolvendo-se diretamente na tomada de decisões,
revelando assim um caráter mais prescritivo ou propositivo.
Já Dye (1976) se refere ao tema dizendo que a Análise de Política tem um papel
importante na ampliação do conhecimento da ação do governo e pode ajudar os
“fazedores de política” (policy makers, no original) a melhorar a qualidade das políticas
públicas. Com isso, ele corrobora a visão de outros autores, como Lasswell (1951) e Dror
(1971), segundo a qual, a Análise de Política é tanto descritiva, quanto prescritiva.
Na visão de Wildavsky (1979:17) “o papel da Análise de Política é encontrar
problemas onde soluções podem ser tentadas”, ou seja, “o analista deve ser capaz de
redefinir problemas de uma forma que torne possível alguma melhoria”. Portanto, a Análise
de Política está preocupada tanto com o planejamento como com a política (politics).
Assim, dois termos que podem ser encontrados reiteradamente na literatura anglo-
saxã são:
i) Analysis of policy, referindo à atividade acadêmica visando, basicamente, ao melhor
entendimento do processo político;
ii) Analysis for policy, referindo à atividade aplicada voltada à solução de problemas
sociais.
A Figura 6.1.4.1 que segue, que aparece em Hogwood e Gunn (1981 e 1984), e está
baseada, por sua vez, em Gordon, Lewis e Young (1977), propõe uma tipologia da Análise
de Política que abrange um amplo espectro. Ele vai desde os estudos descritivos - “análise
do conteúdo da política” ─ até os francamente normativos ─ “defesa de políticas”.
FIGURA 6.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANÁLISE DE POLÍTICAS
Estudo do
conteúdo
da política
Estudo do
processo de
elaboração
de política
Estudo dos
resultados
da política
Avaliação
Informação
para a
formulação
de políticas
Defesa de
processos
Defesa de
políticas
Analista
como ator
político
Ator político
como
analista
Estudos de política
(Conhecimento do processo
de elaboração de políticas)
Análise de políticas
(Conhecimento no processo
de elaboração de políticas)
134
FONTE: Hogwood e Gunn, (1981 e 1984). Essa tipologia distingue sete tipos de Análise Política e esclarece muitos dos termos
usados correntemente na área:
i) Estudo do conteúdo das políticas (study of policy content), no qual os analistas
procuram descrever e explicar a gênese e o desenvolvimento de políticas, isto é,
determinar como elas surgiram, como foram implementadas e quais os seus resultados;
ii) Estudo do processo das políticas (study of policy process): nele, os analistas
dirigem a atenção para os estágios pelos quais passam questões e avaliam a influência de
diferentes fatores, sobretudo na formulação das políticas;
iii) Estudo do resultado das políticas (study of policy output), no qual os analistas
procuram explicar como os gastos e serviços variam em diferentes áreas, razão por que
tomam as políticas como variáveis dependentes e tentam compreendê-las em termos de
fatores sociais, econômicos, tecnológicos e outros29;
iv) Estudo de avaliação (evaluation study), no qual se procura identificar o impacto
que as políticas têm sobre a população30;
v) Informação para elaboração de políticas (information por policy making): neste
caso, o governo e os analistas acadêmicos organizam os dados para auxiliar a elaboração
de políticas e a tomada de decisões;
vi) Defesa de processos (process advocacy): os analistas procuram melhorar os
sistemas de elaboração de políticas e a máquina de governo, mediante a realocação de
funções, tarefas e enfoques para avaliação de opções;
vii) Defesa de políticas (policy advocacy), atividade exercida por intermédio de grupos
de pressão, em defesa de idéias ou opções específicas no processo de políticas.
6.1.5. A postura do analista de políticas
É possível identificar três tipos de analistas:
- O “técnico”: interessado em pesquisa policy-oriented, é um acadêmico preocupado
com a (ou atuando na) burocracia;
- O “político”: interessado em Análise de Política na medida em que lhe permite
aumentar sua influência política;
29 Tais estudos têm recebido muita atenção nos E.U.A., Europa e Reino Unido. 30 Esse tipo de estudo pode ser descritivo e prescritivo e marca a fronteira entre a “análise de política” e a “análise para política”.
135
- O “empreendedor” interessado em usar a Análise de Política para influenciar a
política.
O caráter de policy orientation da Análise de Política sugere que a preocupação do
analista seja mais direcionada à “análise da determinação da política” (postura normativa)
do que à “análise do conteúdo da política” (postura descritiva).
A posição não-engajada, puramente acadêmica, é válida na medida em que a
isenção permite uma análise mais rigorosa. Ela não deve impedir o cumprimento do
objetivo maior (normativo), que deve ser a melhoria do processo político. Esta não
necessariamente implica numa identificação com os objetivos daqueles que controlam o
processo político. A subversão do status quo demanda, talvez mais do que sua
preservação, o seu correto entendimento.
Análises neutras, desprovidas de valores, são um mito. A pesquisa é sempre
influenciada pelos valores do analista. É difícil, mas necessário, que ele não se converta
num “político” (policy advocate).
Wildavsky (1979:7) destaca que a Análise de Política envolve um certo aprendizado,
a partir da experiência, especialmente da experiência do fracasso e da correção dos erros
cometidos. Segundo Ham e Hill (1993:22), os analistas não se deveriam restringir a
examinar como políticas podem ser melhoradas, dentro das relações sociais e políticas já
existentes: essas próprias relações deveriam ser parte do campo de investigação. Se a
análise política está localizada na estrutura existente de relações sociais e se o escopo é
limitado a questões já postas na agenda para discussão, então questões significativas
podem ser ignoradas e as necessidades de grupos particulares podem ser negligenciadas.
Uma postura cética, que questione os pressupostos dos tomadores de decisão é
aconselhável. Não fazê-lo leva a uma posição conservadora. Buscar simplesmente a
melhoria das políticas (e não do processo político) no âmbito das relações sociais e
políticas existentes termina levando à adoção de um critério de qualidade enviesado: a boa
política é aquela que pode ser implementada (viável).
Restringir o foco de análise aos problemas já contemplados pela “agenda (de
discussão) política” leva a excluir questões que interessam a grupos política e socialmente
desfavorecidos.
A percepção de que as políticas, mais do que o mercado, são os responsáveis pelo
progresso social, envolve o questionamento das relações sociais e políticas existentes; a
consideração tanto das decisões tomadas como das “não-decisões”.
136
Mesmo a analysis for policy, que supõe um interesse não (apenas) acadêmico e
aplica o instrumental da administração visando à sua consecução, demanda a analysis of
policy como etapa prévia. Caso contrário, se o policy process (processo de elaboração da
política) não for entendido como um political process, esse instrumental será ineficaz (não
adaptado ao mundo real).
A postura do analista deve, em suma, levar em conta que a Análise de Política
envolve tanto a melhoria do entendimento acerca da política e do processo político como
prescrições visando a melhores políticas.
6.1.6. A Análise de Política e o contexto da política
Ham e Hill (1993), citando Minogue (1983), ressaltam que dado que as políticas
públicas produzem efeitos sobre a economia e a sociedade qualquer teoria que as explique
satisfatoriamente deve também explicar as inter-relações entre Estado, política e
sociedade.
Para entender o processo de elaboração de políticas, Easton (1953) baseia-se num
paradigma semelhante ao sistema biológico. Ele propõe que a atividade política seja
analisada em termos de um sistema abarcando uma série de processos que devem
permanecer em equilíbrio a fim de que a atividade sobreviva.
Assim, a teoria dos sistemas proposta por Easton (1953), considera a vida política
como um processo que engloba inputs (entradas ou perguntas), que vêm do ambiente
externo (econômico, religioso, cultural etc.), que se transformam em outputs (saídas ou
respostas) ─ as decisões políticas ─ os quais, por sua vez, retroagem sobre o ambiente
circundante, provocando, assim, sempre novas perguntas (BOBBIO, 1993).
A Análise de Política, dado que deve levar em consideração o contexto social,
econômico e político no qual se inserem os problemas enfocados, tem seu objeto
representado por alguns autores pelo Esquema 6.1.6.1 proposto por Easton (1953) como
segue.
137
ESQUEMA 6.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON
Demandas
Apoio, recursos
Entradas Decisões e açõesSaídas
Ambiente Ambiente
AmbienteAmbiente
SISTEMA
POLÍTICO
FONTE: Easton (1953).
Ham e Hill (1993) dizem que uma das vantagens do paradigma adotado por Easton
está em que a teoria dos sistemas oferece uma forma de conceituar complexos fenômenos
políticos. Ao enfatizar os processos, em oposição a instituições ou estruturas, o enfoque de
Easton representa um avanço, em relação a análises mais tradicionais, no âmbito da
Ciência Política e da administração pública.
Esta visão permite que se defina um setor de política como “um grupo de
organizações complexas, conectadas umas às outras por dependência de recursos”. Ela
permite abordar a dependência de uma organização em relação à outra através do exame
do fluxo de recursos financeiros. Ao fazê-lo, destaca três características da Análise de
Política:
As organizações são influenciadas pelas sociedades nas quais operam;
É necessário assegurar que a análise do Estado seja baseada na compreensão de
sua relação com a sociedade;
As atividades do Estado nas sociedades modernas é essencialmente uma atividade
organizacional.
De fato, aplicada às organizações, a teoria dos sistemas permite analisá-las como
conjunto de entidades mais ou menos interdependentes e constituídas de partes, que são
variáveis mutuamente dependentes. Além disso, alguns temas são mais ou menos comuns
às teorias da organizarão e dos sistemas: os agregados de indivíduos inseridos no
sistema, as relações entre os indivíduos e o ambiente do sistema organizacional, as
138
interações dos indivíduos dentro do sistema e as condições necessárias para garantir a
estabilidade do sistema.
Ham e Hill (1993), porém, fazem algumas críticas à concepção geral do modelo
sistêmico. A primeira destaca que ele faz uma excessiva redução lógica dos processos, em
termos de demandas e apoios convertidos em saídas, o que raramente ocorre de modo tão
simples, no mundo prático da elaboração de políticas. O reconhecimento de alguns
processos (manipulação de linguagem, criação de crises, imposição de agendas para
autoridades ou mesmo simulação de políticas, por exemplo) é um importante corretivo de
ingênuas hipóteses encontradas na teoria dos sistemas.
Um segundo comentário ressalta que o enfoque sistêmico enfatiza a importância do
processo central de conversão ─ a caixa preta (black box) ─, isto é, da tomada de decisões
e, no entanto, dá-lhe pouca atenção, ao compará-lo às demandas e apoios externos. Isso
indica a necessidade de os estudos basearem-se não apenas na análise de sistemas, mas
também na dinâmica da tomada de decisões.
Uma terceira crítica refere-se ao fato de o sistema e, em particular, a forma em que
os processos ocorrem dentro da caixa preta constituírem o próprio objeto da ação política.
A relação entre as entidades de governo está sujeita a ajustes contínuos, na medida em
que obrigações e orçamentos são alterados. Reapresentações sistemáticas do processo
de políticas tendem a dar aos conflitos a aparência de jogos. Nesse caso, o problema
reside na possibilidade de a política tratar tanto da garantia de um resultado específico,
quanto da mudança nas regras do jogo.
Para Ham e Hill (1993), a própria ênfase da teoria sistêmica na idéia da black box
(caixa peta) é ilustrativa: a imagem salienta que os processos implícitos na caixa preta
dificilmente são penetrados e pesquisados. Tomando os três modelos de Allison (1971),
que ajudam a entender os processos, Ham e Hill (1993) lembram que há o modelo do ator
racional, o modelo do processo organizacional e o modelo de políticas burocráticas. No
primeiro, os agentes devem escolher, entre alternativas, as metas e objetivos da ação, de
modo que suas conseqüências sejam as maiores possíveis. No segundo, a ação é vista
como resultado do comportamento organizacional, estabelecido pelas rotinas e
procedimentos operacionais. O terceiro considera a ação como resultado de acordos entre
grupos e indivíduos, no sistema político.
Uma outra contribuição importante à compreensão dos processos políticos abordados
nesta pesquisa é a metodologia desenvolvida por Matus (1996). No seu trabalho “Política,
139
Planificación y Gobierno”, a preocupação implícita é com a análise para a política.
Entretanto, algumas das suas críticas dos pressupostos básicos do planejamento sistêmico
exibem elementos interessantes para a abordagem da análise de política. Como
decorrência da discussão das falácias da teoria sistêmica, o autor introduziu dois novos
conceitos, um dos quais foi adotado no presente estudo, como se abordará a seguir.
De acordo com Matus (1996:72), “o modelo sistêmico tradicional tende a tratar o
próprio sistema como algo estático e incontestável ou, pelo menos, sujeito a raras
mudanças fundamentais”. Considera, como pressuposto, que, nesse modelo, o “ator que
planeja está fora ou sobre a realidade que planifica”. O ator “não coexiste nessa realidade
com outros atores, que também planejam”. Isso leva “o planejador sistêmico, ao não
aceitar que sua teoria se baseia neste pressuposto básico, coloque-se diante do seguinte
dilema: ou aceita o pressuposto mencionado, e tem uma teoria consistente, mas irreal nos
seus pressupostos, ou o rechaça por ser irreal, mas então sua teoria é inconsistente”.
Apoiando-se na suposição anterior, Matus (1996:76-80) deduz, como postulados do
modelo sistêmico, que:
1. Sujeito é diferençável do objeto;
2. Não pode haver mais de uma explicação verdadeira;
3. Explicar é descobrir as leis que regem o objeto;
4. O poder não é um recurso escasso;
5. Não existe uma incerteza mal definida;
6. Os problemas a que se refere o plano são bem estruturados e têm solução
conhecida.
Todos esses pressupostos têm regido as teorias em que se baseia a prática do
planejamento, na América Latina e, exceto nos meios acadêmicos, não são questionados.
A explicação, que se tem procurado para os irrisórios efeitos alcançados pelos
planejadores, passa ao largo da crítica a tais postulados, contentando-se com apontar a
precária qualidade dos planos, as deficiências das estatísticas, o escasso poder dos
órgãos de planejamento, a inexperiência dos economistas, a deficiência de sua formação e
o desinteresse político. O trabalho de Matus (1996) vai mais além, ao sustentar que os
poucos resultados do planejamento tradicional latino-americano devem ser procurados
naqueles pressupostos, que conduzem a um conceito restrito de planejamento e de
planejador e a uma prática economicista e tecnocrática, que se isola do planejamento
político e do processo de governo.
140
Matus (1996:76-80) rejeita, de início, a suposição de que o ator que planeja está fora
da realidade e que a realidade planejada é um objeto planificável, que não contém outros
sujeitos criativos, que também planejam. Com isso, abrem-se novas portas para
reformular, teoricamente, o planejamento, a função do planejador e a Análise de Políticas.
Ao assumir que o ator está inserido numa realidade, em que coexiste com outros, que
também planejam, Matus (1996) propõe alguns postulados:
1) Sujeito não é distinto do objeto;
2) Há mais de uma explicação verdadeira;
3) Os atores sociais geram possibilidades, em um sistema social criativo que, só em
parte;
4) Segue leis;
5) O poder é um recurso escasso e limita a possibilidade do “deve ser”;
6) Existe uma incerteza mal definida, que domina todo o sistema social;
7) Os problemas, a que se refere o plano, são quase-estruturados31.
Com esses postulados, supera-se também a exigência de que o sistema esteja em
equilíbrio, a fim de que a atividade sobreviva.
Se uma das vantagens do modelo sistêmico “é que ele chama a atenção entre
sistemas políticos e outros sistemas” (HILL, 1993:17), a abordagem de Matus (1996),
introduzindo uma nova conceituação de “meio-ambiente”, vai bem mais além, ao
considerar que os atores e os outros sistemas são elementos intrínsecos ao modelo de
planejamento. Matus (1996) ainda introduz dois conceitos importantes: o de situação e o
de momento32. Este último será extensamente utilizado, dado que possibilita um recorte
dinâmico e mais adequado ao enfoque analítico usado, a Análise de Política. Evitou-se a
adoção do primeiro conceito, porquanto envolveria uma postura acadêmica um tanto
controversa, na medida em que implica diferentes leituras e explicações de uma mesma
31 “Problema quase-estruturado” é o que não se pode definir nem explicar com precisão; por isso, não se sabe bem como enfrentá-lo e, muito menos, se conhecem os critérios para escolher entre as opções concebidas para enfrentá-lo. A primeira dificuldade com tais problemas está em reconhecê-los (MATUS, 1993:580). 32 Estas duas expressões, adotadas e empregadas neste capítulo foram definidas por Matus (1996:584) como segue. “Situação” é a realidade explicada por um ator, que vive nela e a interpreta em função de sua própria ação. Por isso, cada ator pode ter uma explicação diferente de uma realidade. “Momento” é uma instância repetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS, 1996:577). Em texto anterior, Matus detalha esse conceito, explicitando que ele não tem uma característica meramente cronológica e que indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. Enfatiza que a passagem do processo por um momento determinado é apenas o domínio transitório desse momento sobre os outros, que sempre podem estar presentes (MATUS, 1996:577).
141
realidade. Além do mais, a opção pela Análise de Política facultou uma compreensão
satisfatória do problema proposto, nos termos do enfoque de Ham e Hill (1993), com a
achega do conceito de momento, de Matus (1996).
6.1.7. A Análise de Política e os níveis de análise
O analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo do dia-a-dia da política
(politics) de maneira a poder indagar acerca de algumas das grandes questões
relacionadas à função do Estado na sociedade contemporânea e à distribuição de poder
entre diferentes grupos sociais.
Para uma análise adequada é necessário explorar três níveis. Níveis que podem ser
entendidos, ao mesmo tempo, como níveis em que se dão realmente as relações políticas
(policy e politics) e como categorias analíticas, isto é, como níveis em que estas relações
devem ser analisadas. São eles:
i) Do funcionamento da estrutura administrativa (institucional). É o nível superficial
das ligações e redes intra e inter agências, determinadas por fluxos de recursos e de
autoridade etc., em que a análise está centrada no processo de decisão no interior das
organizações e nas relações entre elas. É o que se pode denominar nível da aparência ou
superficial;
ii) Do processo de decisão. É o nível, em que se manifestam os interesses presentes
no âmbito da estrutura administrativa, isto é, dos grupos políticos presentes no seu interior
e que influenciam no conteúdo das decisões tomadas. Dado que os grupos existentes no
interior de uma organização respondem a demandas de outros grupos externos, situados
em outras instituições públicas e em organizações privadas, as características e o
funcionamento da mesma não podem ser adequadamente entendidos a não ser em função
das relações de poder que se manifestam entre esses grupos. É o que se pode denominar
nível dos interesses dos atores;
iii) Das relações entre Estado e sociedade. É o nível da estrutura de poder e das
regras de sua formação, o da “infra-estrutura econômico-material”. É o determinado pelas
funções do Estado que asseguram a acumulação capitalista e a normatização das relações
entre os grupos sociais. É o que explica, em última instância, a conformação dos outros
dois níveis, quando pensados como níveis da realidade, ou as características que
assumem as relações a serem investigadas, quando pensados como níveis de análise.
Este nível de análise trata da função das agências estatais que, em sociedades capitalistas
142
avançadas é, em última análise, o que assegura o processo de acumulação de capital e a
sua legitimação perante a sociedade. É o que se pode denominar nível da essência ou
estrutural.
FIGURA 6.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANÁLISE DE POLÍTICAS E SEUS NÍVEIS
FONTE: elaborado pelo autor.
A Figura 6.1.7.1 acima ilustra o Ciclo Iterativo da Análise de Política e os seus
respectivos Níveis de Análise. Ela mostra que análise deve desenvolver-se de forma
reiterada (em ciclos de retroalimentação) do primeiro para o terceiro níveis e vice versa
buscando responder as perguntas suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como
indicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destas perguntas tendem a ser
encontradas, uma vez que é ele o responsável pela manutenção da estabilidade política e
pela legitimidade do processo de elaboração de políticas.
No momento de formulação da política é quando, através da filtragem das demandas,
seleção dos temas e controle da agenda, ocorre um processo de enfrentamento entre os
atores com ela envolvidos cujo grau de explicitação, pelas razões que se explora nas
seções que seguem, é bastante variável. Ele vai desde uma situação de conflito explícito,
onde há uma seleção “positiva” das demandas que se refere às funções que são
necessárias para manutenção de formas de dominação na organização econômica, como
suporte à acumulação de capital e resolução de conflitos abertos até uma de “não-tomada
de decisão”, que opera no nível “negativo” da exclusão dos temas que não interessam à
estrutura capitalista (como a propriedade privada, ou a reforma agrária), selecionando os
que entram ou não na agenda através de mecanismos que filtram ideologicamente os
temas e os problemas.
143
Nos momentos da implementação e da avaliação outros mecanismos de controle
político se estabelecem tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbito maior e
mais complexo de determinação, o terceiro.
É através do trânsito entre estes três níveis que, depois de várias reiterações, é
possível conhecer o comportamento da “comunidade política” presente numa área
qualquer de política pública, e desta maneira chegar a identificar as características mais
essenciais de uma política. Este processo envolve examinar a estrutura de relações de
interesses políticos construídos pelos atores envolvidos; explicar a relação entre o primeiro
nível superficial das instituições e o terceiro nível mais profundo da estrutura econômica.
Para ilustrar este ponto, pode-se dizer que a análise de uma política implica,
primeiramente, em identificar as organizações (instituições públicas) com ela envolvidas e
os atores que nestas se encontram em posição de maior evidência. Em seguida, e ainda
no primeiro nível (institucional) de análise, identificar as relações institucionais (isto é as
sancionadas pela legislação, públicas etc.) que elas e seus respectivos atores-chave
mantêm entre si.
Passando ao segundo nível, passa-se a pesquisar as relações que se estabelecem
entre esses atores-chave que representam os grupos de interesse existentes no interior de
uma organização e de grupos externos, situados em outras instituições públicas e em
organizações privadas. As relações de poder, coalizões de interesse, formação de grupos
de pressão, cooptação, subordinação etc., devem ser cuidadosamente examinadas de
maneira a explicar o funcionamento da organização e as características da política. A
determinação de existência de padrões de atuação recorrente de determinados atores-
chave e sua identificação com o de outros atores, instituições, grupos econômicos, partidos
políticos etc., de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivo a ser perseguido
neste nível de análise.
O terceiro nível de análise é, finalmente, o que permitirá, mediante uma tentativa
sistemática de comparar a situação observada com o padrão (estrutura de poder e das
regras de sua formação) conformado pelo modo de produção capitalista ─ sua “infra-
estrutura econômico-material” e sua “superestrutura ideológica” ─, explicá-lo. É através do
estabelecimento de relações entre a situação específica que está sendo analisada ao que
tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ou periférico, no caso latino-
americano) que se pode chegar a entender a essência; isto é, entender porque as relações
144
que se estabelecem entre as várias porções do Estado e destas com a sociedade são
como são.
Pode-se entender o percurso proposto neste capítulo, e de resto por muitos dos
pesquisadores da Análise de Política, como uma tentativa sistemática de percorrer este
“caminho de ida e volta” apoiando-se sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise
proporciona.
6.2. Visões do Estado e Análise Política
A natureza do modelo que o analista utiliza para entender as relações entre Estado e
sociedade é crucial para os resultados que se obtêm ao analisar (e elaborar) uma política
pública. A tal ponto, que os resultados que muitas vezes se obtém podem variar
consideravelmente segundo a visão que se adote.
É claro que a escolha da visão a ser adotada como guia para a análise não é neutra.
Mesmo quando se trata apenas de descrever e não de prescrever, neste caso como em
outros que envolvem uma escolha onde a postura ideológica dificilmente pode ser
colocada de lado, a opção realizada não é simplesmente metodológica. Não obstante, a
escolha deve dar-se tendo em vista as características específicas da política em análise. O
que implica dizer que mesmo a visão particular do analista acerca do conjunto dos órgãos
e políticas que conformam o Estado seja mais próxima a uma das quatro visões
(entendidas, sempre e como em outros casos em que modelos de análise são propostos,
de situações extremas), ele não deve descartar a possibilidade de que a análise da política
em foco tenha, como guia metodológico, uma das outras visões.
Esta seção apresenta as visões Pluralista, Marxista, Elitista e Corporativista.
6.2.1. A visão Pluralista
A visão Pluralista enfatiza as restrições que colocam sobre o Estado um grande
espectro de grupos de pressão dotados de poder diferenciado nas diversas áreas onde se
conformam as políticas públicas (embora nenhum possa ser considerado dominante),
sendo estas um resultado das preferências destes grupos. O Estado (ou seus integrantes)
é considerado por uma de suas variantes como um entre estes grupos de pressão.
Esta visão tem como interlocutor a visão Marxista clássica, contrapondo-se a ela e
reafirmando a democracia como valor fundamental e o voto como meio de expressão
145
privilegiado dos indivíduos. A poliarquia (“democracia real”) e a ação de grupos de pressão
é adotada, entretanto, como uma concepção mais realista.
A aceitação da interpretação Pluralista implica na adoção de uma visão incremental
(em oposição à racional) sobre o processo de elaboração de políticas, como se verá
posteriormente.
6.2.1.1. A visão Elitista
A visão Elitista pode ser considerada como uma derivação/ extensão da Pluralista. O
esforço de superação das óbvias limitações (e irrealismo) da visão Pluralista levou à
aceitação da existência de elites, proposta como fundamento teórico da visão Elitista.
A visão Elitista (ou neopluralista) ressalta o poder exercido por um pequeno número
de bem organizados interesses societais e a habilidade dos mesmos para alcançar seus
objetivos.
6.2.1.2. A visão Marxista
A visão Marxista aponta a influência dos interesses econômicos na ação política e vê
o Estado como um importante meio para a manutenção do predomínio de uma classe
social particular.
Entre as suas subdivisões é importante destacar:
- Instrumentalista: Entende o Estado liberal como um instrumento diretamente
controlado “de fora” pela classe capitalista e compelido a agir de acordo com
seus interesses (ela rege, mas não governa). Capitalistas, burocratas do Estado
e líderes políticos formam um grupo coeso em função de sua origem de classe
comum, estilos de vida e valores semelhantes etc.. (afinidade com a visão
Elitista). (Miliband);
- Estado como árbitro: Quando existe relativo equilíbrio entre forças sociais, a
burocracia estatal e líderes político-militares podem intervir para impor políticas
estabilizadoras que, embora não sejam controladas pela classe capitalista,
servem aos seus interesses. Em situações normais (que não as de crise) o
Estado atua como árbitro entre frações da classe dominante. A burocracia
estatal é vista, diferentemente da corrente funcionalista, como um segmento
independente/distinto da classe dominante, embora a serviço de seus interesses
de longo prazo. (Poulantzas);
146
- Funcionalista: A organização do Estado e a policy making é condicionada pelo
imperativo da manutenção da acumulação capitalista. Funções: preservação da
ordem, promoção da acumulação de capital, e criação de condições para a
legitimação. Os gastos governamentais para manter essas funções são: “gastos
sociais”, “investimento social” (para reduzir custos de produção), e “consumo
social”. Enfatiza os processos macro e não, por exemplo, a questão do caráter
da burocracia ou das elites (O’Connor);
- Estruturalista: O Estado é visto como um fator de coesão social, com a função
de organizar a classe dominante e desorganizar as classes subordinadas
através do uso de aparatos repressivos ou ideológicos (Althusser);
- Escola da “lógica do capital”: Deduz a necessidade funcional do Estado da
análise do modo de produção capitalista. O Estado é entendido como um
“capitalista coletivo ideal”. Ele provê as condições materiais gerais para a
produção; estabelece as relações legais genéricas; regula e suprime os conflitos
entre capital e trabalho; e protege o capital nacional no mercado mundial
(Altvater);
- Escola “de Frankfurt”: O Estado é entendido como uma “forma
institucionalizada de poder político que procura implementar e garantir o
interesse coletivo de todos os membros de uma sociedade de classes dominada
pelo capital”. Combina as visões funcional e organizacional (Offe).
6.2.1.3. A visão Corporativista
A visão Corporativista, mantendo a ênfase na atuação de grupos de pressão
(organizações de trabalhadores e patrões), coloca que estes passam a ser integrados no
Estado. Este é entendido como um mecanismo de controle de conflitos entre os grupos,
subordinando-os aos interesses mais abrangentes e de longo prazo dos Estados nacionais
num ambiente de crescente concorrência internacional e busca de competitividade e
diminuição do crescimento econômico dos países capitalistas. Embora os primeiros
Estados corporativos tenham sido autoritários, depois de 1945, vários adotaram o
neocorporativismo como forma de concertação.
A premissa em que se apóia esta visão é a de que os indivíduos podem ser mais bem
representados através de instituições funcionais/ocupacionais do que através de partidos
políticos e mesmo do que unidades eleitorais geograficamente definidas. Trabalhadores,
147
através de sindicatos; empregadores, através de federações: fazendeiros, através de
câmaras de agricultura. As unidades de categorias são reconhecidas pelo Estado como
possuindo monopólio de representação (podendo assim ser por ele controladas) e
responsabilizadas por funções administrativas em lugar do Estado.
6.2.2. Um quadro sinóptico
A Figura 6.2.2.1.que segue oferece um quadro sinóptico das visões acima
caracterizadas.
FIGURA 6.2.2.1: VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO
FONTE: elaborado pelo autor.
Nele as quatro posições estão colocadas em situações opostas, querendo indicar-se
com isto as diferenças ideológicas que guardam entre si. O traço vertical separa ─ à
esquerda ─ as que aceitam a hipótese de existência de um poder concentrado. A
importância da burocracia no controle do aparelho de Estado e a autonomia relativa deste
em relação à classe dominante. As flechas, finalmente, indicam as possibilidades teóricas
de derivação das visões.
Assim, a visão Elitista pode ser considerada como uma extensão da Marxista, uma
vez que considera outros fatores que não os econômicos como determinantes na formação
de elites políticas.
A visão Corporativista pode ser considerada como resultado da ênfase colocada
pelas interpretações neo-Marxistas no papel central do Estado no processo político. Por
outra via, convergente, da ênfase colocada pela interpretação Elitista no papel das “state
elites”.
CORPORATIVISTA
MARXISTA
ELITISTA
PLURALISTA
poder “não-
econômico”
internalização
do conflito
poliarquia
inexistência de
interesses de classe
poder moderador
da burocracia
PODER DISTRIBUÍDOPODER CONCENTRADO
RELEVÂNCIA DA BUROCRACIA DEMOCRACIA = VOTO
AUTONOMIA RELATIVA
VISÕES DO ESTADO CAPITALISTA MODERNO
148
As visões Pluralista, Elitista e Corporativista são ao mesmo tempo visões/
interpretações e propostas normativas de organização da sociedade e da economia no
capitalismo. A Marxista, pelo contrário, constitui-se numa crítica à formação social
capitalista. A proposta normativa que apresenta transcende os limites do capitalismo.
6.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo
O estudo das organizações deve muito a Max Weber, com seu enfoque da burocracia
no Estado moderno. Ele desenvolveu proposições sobre a estrutura das organizações, em
que a administração se apóia na racionalidade formal. Segundo Ham e Hill (1993:132-133),
Weber ─ objetivando estabelecer um tipo genérico de organização e explicar por que
motivo ela cresce em importância ─ apontou as seguintes características definidoras de
burocracia:
i) Uma organização contínua, com uma ou mais funções específicas, cuja operação é
delimitada por certas regras: a consistência e a continuidade, no interior da
organização, são garantidas pelo registro de todos os atos, regras e decisões
inerentes à organização;
ii) A organização dos funcionários está na base da hierarquia: o escopo da
autoridade, no interior dessa hierarquia, é claro, definindo os direitos e deveres dos
funcionários, em cada nível hierárquico então especificado;
iii) Os funcionários são separados da propriedade dos meios de administração e
produção: eles são livres, estando sujeitos à autoridade somente no que diz respeito
a suas obrigações oficiais, enquanto funcionários de uma organização;
iv) Os funcionários são indicados, não eleitos, baseando-se essa indicação em
critérios impessoais, e são promovidos por mérito;
v) Pagam-se salários fixos aos funcionários e as regras de emprego e relações de
trabalho são previamente definidas: a escala de salários é graduada de acordo com a
posição dos funcionários na hierarquia, e o emprego é permanente, estando
garantida uma certa estabilidade e previsto o pagamento de pensões após a
aposentadoria.
A discussão sobre o papel da burocracia no Estado capitalista contemporâneo pode
ser entendida a partir do ideal Weberiano nele introduzindo os “desvios” impostos pela
realidade. Balizam esta discussão perguntas como:
Quem controla a burocracia?
149
Os políticos, as elites, a opinião pública?
Ela está submetida apenas a controles internos?
Como atua a burocracia?
Ela age segundo seus próprios interesses (bureau maximazing, bureau shaping)?
Em termos econômicos funciona como um monopólio administrador de preços e
quantidades em seu próprio interesse (public choice);
Como se organiza?
A reflexão sobre a burocracia dá-se num contexto marcado pelo embate capitalismo x
socialismo (que terminaria por extinguir o Estado e a própria burocracia). Não terá a
benevolência do “marxismo oficial” ante a burocracia soviética neutralizado a crítica que
deveriam fazer seus partidários à burocracia das sociedades capitalistas.
À pergunta de como se afasta a burocracia “real” do paradigma ideal Weberiano, ou o
que é, hoje, um bom burocrata, autores como Chapman respondem:
A burocracia pode ser um instrumento que permite atenuar o poder econômico da
burguesia ─ defendendo a democracia ─ (visão pluralista);
Ou, agir em conformidade com ele ─ autonomia relativa ─ (visão elitista).
Muitos advogam que, pelo menos nos países capitalistas avançados, o poder
decisório da burocracia no processo de policy making parece ser capaz, em situações
normais, de contrabalançar os interesses econômicos. Mas até que ponto a burocracia
pode atuar num ambiente distinto? Não estará ela presa às formas de dominação
existentes (conservadorismo “intrínseco”)?
O fato é que ela possui um poder cada vez maior de definir o caráter das políticas
públicas no âmbito de um sistema presidido por Estado crescentemente corporativo, que
combina a propriedade privada dos meios de produção com o controle público exercido por
uma burocracia constituída de “filhos da classe média” que acedem a privilégios no âmbito
do Estado de Bem-estar.
A corrente da public choice que propõe a privatização e a reforma do Estado parece
visualizar, na sua versão mais de “direita”, o mercado como “regulador” da burocracia,
enquanto que uma visão mais de “esquerda” entende a participação e controle públicos
como antídotos eficazes ao poder da burocracia.
Em suma, as contribuições teóricas a respeito das organizações e da burocracia
pública ultrapassaram a perspectiva do formalismo idealizado por Max Weber. Alguns
estudos, ao longo das últimas décadas, deslocaram a ênfase para o ambiente das
150
organizações, enquanto outros deram prioridade às regras e às estruturas, bem como às
relações entre as organizações, os indivíduos e as estruturas informais. A evolução das
abordagens evidenciou as conexões entre questões organizacionais internas e o contexto
externo.
6.4. Poder e tomada de decisão
O estudo dos processos de decisão é um importante ponto de partida para entender
as relações de poder.
A análise sobre poder e decisão parte do debate entre elitistas e pluralistas, que
diferem nas concepções sobre a distribuição do poder na sociedade atual, como também
nos métodos de análise que devem ser usados para proceder a investigação.
Num dos estudos seminais acerca das “elites governantes”, Robert Dahl (1958)
tomou como ponto de partida os resultados do trabalho, por um lado, de Floyd Hunter
(1953) sobre o poder local (concluindo que o controle estava nas mãos de um pequeno
grupo de indivíduos-chave) e do estudo de e Wright Mills (1956) a respeito do poder
nacional, nos EUA (que apontava a existência de uma elite formada pelos militares,
corporações e agências estatais). Segundo ele, os métodos utilizados por Hunter e Mills
não foram suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões a respeito da
existência de elites.
Defendendo um ponto de vista pluralista (em contraposição ao elitista), ele entende
que os pesquisadores deveriam analisar casos em que existam diferenças de preferência
entre os atores: quem estuda o poder deve analisar decisões reais, envolvendo atores que
possuam preferências diferentes, e explorar se as preferências de uma hipotética elite
dominante são adotadas no lugar das de outros grupos. Isso porque, para Dahl (1958:203),
“a tem poder sobre B, na medida em que ele pode levar B a fazer algo que, de outra forma,
não faria”. E conclui: “Atores cujas preferências prevalecem em conflitos sobre questões
políticas-chave são os que exercem o poder em um sistema político”.
Segundo outros autores, existe consenso de que os conflitos sobre assuntos-chave
fornecem evidências sobre a natureza da distribuição de poder, mas estas evidências
precisam ser suplementadas por análises de não-tomada de decisão. Em alguns casos, a
não-tomada de decisão assume a forma de decisão e, ao contrário do que postulam os
pluralistas, pode ser investigada com a metodologia que estes propõem. Mais complicado
é estudar o poder quando exercido como formador de opinião. Essa dimensão é
151
considerada por muitos como sendo a mais importante e o aspecto mais difícil da pesquisa
de poder.
Esta discussão metodológica é o que leva Ham e Hill (1993) a chamar a atenção para
o fato de que muitas vezes os debates sobre a distribuição de poder na sociedade
desenvolvem-se no terreno das metodologias de pesquisa utilizadas e definições,
desviando o foco da natureza e estrutura do poder.
De modo a tornar mais focada a discussão, estes autores descrevem o debate
travado entre os analistas vinculados às vertentes elitista e pluralista, a partir de meados
da década de 1950, englobando as relações que podem ser estabelecidas entre o poder e
sua determinação ou influência sobre as decisões tomadas em âmbito governamental.
Embora se adote aqui o roteiro de apresentação por eles formulado, vale uma
lembrança, que talvez pareça óbvia. Neste caso, como em tantos outros que se apresenta
ao longo deste capítulo, e que envolvem escolhas metodológicas, a opção do analista não
deve dar-se em função de qualquer consideração normativa. Trata-se de escolher um
modelo descritivo; isto é, que melhor descreva a realidade existente. Algo que represente,
explique, o que é e não o que deve ser.
Assim, embora o enfoque de apresentação que adota o capítulo procure revelar o
embate ideológico que preside a discussão acadêmica, isto não deve ser tomado (pelo
contrário!) como uma intenção de sugerir ao analista que seu trabalho de análise deva
implicar escolhas que não aquelas baseadas exclusivamente na fidedignidade, da
aderência em relação ao mundo real.
6.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo
Este debate revela as divergências de posição entre os estudos de Dahl (1958), por
um lado, e os de Hunter (1953) e Mills (1956), por outro, sobre a existência de uma elite
dominante, beneficiária das decisões e dos resultados das políticas públicas em cidades
norte americanas, nos trabalhos de Dahl e Hunter, e para todos os EUA, no estudo de
Mills.
Em seu trabalho, Dahl (1961) aponta que os métodos de pesquisa utilizados por
Hunter e Mills não foram suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões.
Utilizando a metodologia que propôs, no seu estudo empírico acerca de New Haven
(publicado sob o título de “Quem governa”), ele conclui as desigualdades (cumulativas ou
não) em recursos de poder, a forma de tomada de decisões importantes e o padrão de
152
liderança (se oligárquico ou pluralista). E concluiu que, no período de 1780 a 1950, ocorreu
uma transição gradativa, em New Haven, da oligarquia para o pluralismo.
Outros estudos sobre educação e saúde concluíram que o poder não estava
concentrado em grupos particulares, como teóricos elitistas haviam suposto. Pelo
contrário, devido ao fato de os recursos, que contribuem para o poder, estarem dispersos
na população, o poder estava fragmentado entre diferentes atores. Embora apenas
algumas pessoas tivessem influência sobre questões-chave, a maioria tinha influência
indireta, através do poder do voto. Essa abordagem evidenciou a importância de
considerar como decisões-chave são tomadas e como as preferências, não só da elite,
mas também dos outros grupos de atores, atuam no processo.
Dahl (1961) afirma não haver encontrado evidências da existência de uma elite que
seria beneficiada por decisões e orientações das políticas públicas. Diferentemente, Mills
(1956) afirmara, antes dele, que uma elite de poder composta de militares, corporações e
agências de Estado governava os EUA, e Hunter (1953), examinado a distribuição do
poder em Atlanta, relatara ter observado que o poder nesta cidade se concentrava sob o
controle de um certo número de indivíduos-chave.
A crítica de Dahl (1961) aos estudos elitistas concentra-se no fato de que os trabalhos
que afirmam haver encontrado evidências da existência de beneficiários de políticas
públicas teriam examinado a “reputação de poder” (posição ou status) de indivíduos em
sua comunidade ou organização.
Segundo Dahl (1961), estas pesquisas não teriam se detido sobre as decisões reais
que teriam sido tomadas e se, nestas decisões, as preferências expressas por algum
grupo de poder teriam sido de fato atendidas em lugar das de outros grupos. Estas seriam
as bases da metodologia proposta por Dahl (1961) para o exame da influência do poder
nas decisões.
6.4.2. As duas faces do poder
Ham e Hill (1993) afirmam que os trabalhos de Dahl (1958), longe de resolverem as
pendências entre elitistas e pluralistas, teriam aberto uma nova perspectiva de estudos
sobre o exercício do poder quando Bachrach e Baratz (1963), criticando as conclusões de
Dahl (1958), afirmam que o exame do poder não poderia ficar restrito a decisões chave ou
a um comportamento efetivo.
153
Estes autores formularam um “complemento” à definição de Dahl (1958) sobre o
poder afirmando que “o poder também é exercido quando um ator A utiliza suas forças
para criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais que venham a
restringir o debate a questões que possam ser politicamente inócuas à A”.
Esta definição dá origem aos conceitos de mobilização de opinião ou de conformação
do processo político a questões seguras. Desta forma, os autores apontam para a
existência de duas faces do exercício do poder:
Uma explícita, atuando no nível dos conflitos abertos sobre decisões chave;
E outra, não aberta, em que os grupos jogam para suprimir os conflitos e impedir
sua chegada ao processo de elaboração da política (à agenda de política).
Bachrach e Baratz (1963) contribuíram para o surgimento de uma nova fase do
debate sobre a decisão e o poder, ao sustentar que pesquisar o poder não envolve
simplesmente o exame de decisões-chave, como propunha a metodologia de Dahl (1958).
Para eles, o poder é também exercido, quando A utiliza suas energias para criar ou
reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais que limitam o escopo dos
processos políticos à consideração pública somente das questões inócuas para A.
Citam, como exemplo, as questões sobre preconceito de cor, nas quais se vêem
claramente as duas faces do poder: uma operando nos conflitos abertos sobre decisões-
chave, e a outra, buscando suprimir conflitos e fazendo de tudo para o assunto não entrar
no processo político, mediante o que Bachrach e Baratz (1963) denominam de “não-
tomada de decisão”.
A idéia forte dos autores no campo metodológico é que a metodologia de Dahl (1958)
para pesquisar o poder é inadequada ou, pelo menos, parcial. Isto porque a teoria
pluralista é baseada numa concepção liberal que iguala os interesses das pessoas a
preferências por elas expressadas. Mas se os interesses das pessoas forem entendidos
não como aquilo que elas afirmam ser, a natureza destes interesses pode ser inferida
através da observação da ação e da não-ação políticas
Assim, uma análise completa deve perceber tanto o que de fato acontece como
aquilo que não acontece, e revelar os meios pelos quais a mobilização de opinião atua
para limitar o escopo do debate.
Bachrach e Baratz (1963) definem a não-tomada de decisão como sendo a prática de
limitar o alcance real da tomada de decisão a questões seguras, através da manipulação
de valores dominantes na comunidade, mitos, procedimentos e instituições políticas. A
154
não-tomada de decisão existe quando os valores dominantes, regras do jogo aceitas, as
relações de poder entre grupos e os instrumentos de força, separadamente ou
combinados, efetivamente previnem que certas reclamações transformem-se em assuntos
maduros que exijam decisão, diferindo de assuntos que não se devem tornar objeto de
decisão (entrar na agenda de política).
Nesta caracterização, convém chamar a atenção ainda para que a conceituação
apresentada pode ser distinguida de situações como a decisão de não agir ou a decisão de
não decidir. Nestes dois casos, os temas ou assuntos focos de debate são explicitados.
Isto é, entram na agenda e são objeto de uma decisão de não agir. Na situação de não-
tomada de decisão sequer se permite que as questões e demandas venham a se tornar
temas para uma eventual decisão.
Autores como Easton (1965a), ao trabalhar com seu enfoque sistêmico do processo
político também apontam o fato de que existe um modo de regulação de demandas
políticas que busca proteger e preservar a estabilidade de sistemas políticos, e adotando
um ponto de vista bastante semelhante, discute a existência de “gate-keepers” que ajudam
a controlar o fluxo de assuntos para dentro da arena política.
Bachrach e Baratz (1963) vão mais além ao enfatizar os meios pelos quais os
interesses estabelecidos se protegem pela não-tomada de decisão. Assim, a regulação da
demanda não é uma atividade neutra, mas, sim, contrária ao interesse das pessoas e
grupos que procuram uma realocação de valores. Segundo eles, então, a forma como
certos interesses presentes no processo político protegem-se dos que pretendem alterar o
status quo são as estratégias de não-tomada de decisão.
O processo de regulação de demandas seria, portanto, uma forma de atuação política
fundamentalmente não “neutra” buscando, de fato, favorecer ou preservar interesses de
pessoas ou grupos. Esta posição está inserida no interior de uma concepção para a ação
política onde a distribuição de poder é percebida como muito menos equilibrada do que
acreditam Dahl (1958) e os autores da vertente pluralista.
Crenson (1971) corrobora, através de um estudo de caso, as críticas de Bachrach e
Baratz (1963) aos pluralistas e afirma que a ação observável oferece um guia incompleto
para pesquisar o exercício do poder. De fato, ao colocar que como uma das implicações
das suas análises, que a distribuição de poder tende a ser menos equilibrada que a
referida pelos pluralistas, a visão elitista nega no terreno metodológico a afirmação de que
as não-decisões serão não-pesquisáveis quando não se puder identificar reclamações
155
encobertas e conflitos que não entram na agenda de política. Isto é, se nenhuma queixa ou
conflito puder ser descoberta pode-se afirmar que a não-tomada de decisão pode não ter
ocorrido.
Assim, respondendo à réplica dos pluralistas, que afirmavam que a não-tomada de
decisões seria “não pesquisável”, Bachrach e Baratz (1963) apresentam a possibilidade de
seu estudo através do levantamento de demandas, reclamações ou conflitos que não
entraram na arena política: se nenhuma queixa ou conflito puder ser descoberta, então
existiria uma situação de consenso político e uma situação de não-tomada de decisão não
teria ocorrido.
Diante das críticas de que sua metodologia e seus conceitos não seriam adequados
para investigar (e contribuir para resolver) questões relativas a conflitos potenciais ou
emergentes, e que assim era legítimo considerar a não-tomada de decisão como um tipo
de decisão, os partidários da visão elitista foram reformulando suas posições.
É preciso examinar não apenas os conflitos abertos, mas o sistema de dominação:
“quem ganha em uma organização não o faz somente através de batalhas”. Na verdade,
quem conquista vantagens, beneficia-se dos valores dominantes, que agem como padrões
ou critérios para a operação de uma organização. Dessa forma, o poder é exercido, ainda
que conflitos abertos possam não ocorrer.
É nesse ponto que a chamada segunda dimensão do poder “descoberta” por
Bachrach e Baratz (1963) começa a dar lugar a uma nova visão. Aquela que enfatiza que o
poder pode ser usado para manipular os interesses e preferências das pessoas e, assim,
aumentar ainda mais o poder de quem o detém. É isto que diferencia a posição de Lukes
(1974), examinada a seguir, daquela assumida por Bachrach e Baratz (1963).
6.4.3. A terceira face do poder
Segundo Lukes (1974), o poder pode ser estudado em três dimensões:
- A dos conflitos abertos entre atores sobre assuntos-chave, quando o exercício do
poder pode ser observado através da metodologia proposta pela concepção
pluralista;
- A dos conflitos encobertos, quando ocorre a supressão das reclamações impedindo
que cheguem a ser incluídas na agenda de decisão, como em Bachrach e Baratz
(1963), com a não-tomada de decisão;
156
- A dos conflitos latentes, quando o exercício do poder se dá conformando as
preferências da população, de maneira a prevenir que nem conflitos abertos nem
encobertos venham a se manifestar (conflitos latentes ou “potenciais”).
Lukes (1974) chama a atenção para algo distinto ao conceito de “não-tomada de
decisão”. Algo distinto de decidir, não decidir ou decidir não agir porque os assuntos nem
sequer se tornam matéria de decisão (permanecem encobertos).
Para esclarecer sua posição, Lukes (1974) formula uma nova definição de poder que
é por ele utilizada: “A exerce poder sobre B na medida em que A influencia ou afeta B de
um modo que contraria os interesses de B”.
Ele se refere, portanto, a uma situação em que o poder é usado de forma abrangente,
mas difusa e sutil, para impedir que até mesmo conflitos encobertos e assuntos potenciais
que poderiam vir a entrar na agenda de política se conformem.
Uma situação em que se manifesta a terceira face do poder ocorre quando os valores
dominantes, as regras do jogo, as relações de poder entre grupos, efetivamente impedem
que determinados desacordos possam vir a se transformar em disputas que demandem
decisões.
Neste tipo de situação, a existência de consenso não indica que o poder não esteja
sendo exercido. As “preferências” das pessoas (tal como entendidas pelos pluralistas) já
seriam conformadas pela sociedade em que vivem (socialização pela educação, mídia
etc.), dando lugar a uma situação em que estas poderiam ser significativamente diferentes
de seus “interesses reais”. Estes, então, só poderiam ser por eles percebidos como tais,
dando margem a conflitos abertos ou mesmo encobertos, em situações de elevada
autonomia relativa dos atores sociais sobre os quais atua este processo de mobilização ─
ou manipulação ─ de opinião.
6.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e decisão
A discussão que se estabelece entre as duas visões ─ pluralista e elitista ─ no plano
metodológico, se torna ainda mais complexa e interessante com a contribuição de Lukes
(1974) quando ele afirma que o poder teria que ser estudado segundo aquelas três
dimensões. Isto explicita a existência de mais um grau de dificuldade de análise das
situações e processos concretos através dos quais políticas são formuladas.
Visto que o interesse dos cidadãos é apontado pela visão pluralista como o
fundamento principal das escolhas realizadas, a proposição de que os interesses
157
manifestos, os que aparentemente (mas não efetivamente, segundo os elitistas) estão em
jogo, podem ser apenas o resultado da manipulação de interesses “reais”, coloca para
aquela visão um problema metodológico insolúvel (“impesquisável”).
A pesquisa do poder teria então que se valer de outros conceitos e relações, senão
alternativos, suplementares aos propostos pela visão pluralista. Um deles seria o de
sistema de dominação: o sistema de valores dominante que atua na sociedade e, em
particular, no interior das organizações, em favor de certos grupos. Outros seriam os
mecanismos ideológicos de difusão do sistema de crenças e valores; os quais não devem
ser entendidos como uma manipulação simples, evidente e nem mesmo consciente. Eles
conformam uma situação em que as elites não precisam “lutar” para exercer o poder.
É evidente que o exercício do poder tende a beneficiar os grupos que o detêm. O que
esses conceitos pretendem desnudar é o fato de que mesmo as ações pontuais de um
determinado grupo subordinado poder podem não ser tentadas devido à postura fatalista
de que suas reclamações nunca serão atendidas.
É oportuno lembrar, entretanto, que mudanças econômicas ou políticas numa
determinada sociedade podem tornar possível a inclusão na agenda de política de
assuntos até então não considerados porque envolvidos na penumbra que caracteriza a
terceira face do poder. Mudanças que permitam um aumento do grau de autonomia
relativa dos atores sociais subordinados em relação aos dominantes, ou mais
precisamente, ao processo de mobilização de opinião que estes instrumentalizam ─ o que
se poderia referir como um ganho de consCiência Política ─ faria com que conflitos
latentes pudessem emergir.
No decorrer do debate entre as duas visões, os pluralistas passam a admitir que é
necessário examinar as relações entre poder, interesses das pessoas e as preferências
por elas manifestas. Isto é, relaxa-se a posição pluralista extrema, baseada na concepção
liberal, que iguala os interesses das pessoas às suas preferências expressas, de que os
interesses das pessoas são o que elas afirmam ser. E, desta forma, altera-se também a
premissa metodológica de que a natureza desses interesses não pode ser inferida pela
observação de situações de não-tomada de decisão.
Essa argumentação coloca dois problemas: o primeiro refere-se às situações em que
as pessoas agem ou não, contrariamente aos seus interesses (quando as elites
conseguem controlar suas opiniões e preferências); o segundo é que o modo mais efetivo
de dominação de um “grupo de poder” é prevenir o surgimento e crescimento de conflitos.
158
Os mecanismos ideológicos são caminhos através dos quais as pessoas interpretam
o mundo, transmitem e perpetuam um sistema de valores e verdades. Esses mecanismos
resultam na dominação de uns grupos por outros, cujos interesses estes grupos passam
também a defender ou servir. Torna-se ainda mais complexa a situação quando se tem em
conta que “ideologias dominantes refletem a experiência de vida de todas as classes e são
consenso, porque refletem o modo de vida da sociedade, como um todo” (SAUNDERS,
1980). Ademais, a manipulação consciente faz da ideologia uma força poderosa,
subjacente à aderência da comunidade a um conjunto de normas e metas aparentemente
auto-impostas, auto-reguladas ou “naturais”.
Mecanismos de seleção de assuntos, típicos do capitalismo regulado pelo Estado,
incluem tanto os de tipo ideológico e comportamental, como os de tipo repressivo (polícia,
justiça) e estruturais (limites impostos pelas demandas da acumulação capitalista que
podem ser tratados pelo Estado).
Do ponto de vista metodológico, argumenta a visão elitista, que como o Estado
capitalista, para melhor servir aos objetivos da acumulação, precisa aparentar
neutralidade, ele deve adotar um padrão consistentemente enviesado de filtragem de
assuntos; o que torna realmente difícil pesquisar situações de conflito encoberto ou latente.
Como situações em que existe cooptação, ou que envolvem a delegação de poder de
decisão a comissões que nunca se reúnem, ou ainda que envolvem a conformação de
interesses mediante mecanismos de controle ideológico podem ser pesquisadas?
É interessante, embora possa ser considerada hipócrita, a reação pluralista ao
conceito desenvolvido por Lukes (1974): a pesquisa dos “interesses reais” poderia ser feita
através de avaliações acerca de quem ganha e quem perde em determinadas situações.
Mas, a pergunta de “quem se beneficia?”, apesar de interessante, pouco tem a ver com a
de “quem governa?”
De acordo com essa formulação, examinar quem ganha e quem perde, em uma
comunidade ou sociedade particular, revela aqueles cujos interesses reais foram ou não
contemplados. Tanto Saunders (1980) quanto Bachrach e Baratz (1963) concordam em
que a questão central, nas pesquisas sobre o poder, diz respeito a quem se beneficia.
Segundo Polsby (1980:208), saber quem se beneficia é tema interessante e frutífero
para a pesquisa, mas difere da questão relativa a quem governa. Para ele, mesmo
demonstrando que um dado status quo beneficia algumas pessoas de forma
desproporcional, isso não prova que tais beneficiários possam, no futuro, vir a agir
159
efetivamente, para impedir mudanças; isto é governar. Seria isso um lembrete útil de que
indivíduos se podem beneficiar, de forma não-intencional, da elaboração de políticas.
Quando o poder é exercido como formador de opinião, torna-se mais complicado
estudá-lo. No entanto, este ângulo é o que mais importa. Por isso, a despeito dos
problemas de realizar a sua pesquisa, um grande esforço vem sendo feito e alguns
caminhos foram apontados, em particular o do emprego simultâneo de teorias
aparentemente conflitantes.
Segundo Blowers (1984:250-251) “é óbvio que perspectivas diferentes iluminam
aspectos diferentes do conflito do poder e cada uma delas é incompleta”. Essa observação
põe em relevo a importância da multidisciplinaridade e interdisciplinaridade nas pesquisas
sobre o poder.
As abordagens disciplinares tradicionais da Ciência Política revelam bastante força
analítica quando se trata da fase ativa do conflito e quando há evidências para embasar a
idéia da existência de participação, de receptividade e do papel dos atores. A crítica neo-
elitista é, de certa forma, complementar.
O estruturalismo com raiz na abordagem da economia, com sua ênfase na natureza
de classe dos interesses e das forças econômicas subjacentes e com sua negação da
importância da ação individual na explicação da natureza dos resultados dos conflitos leva
a análise adiante. Ela pode auxiliar, mesmo sem os determinantes de “interesses de
classe” ou “forças econômicas”, porquanto bastaria o conceito de “grupos de poder”, que
incluem elites profissionais e burocráticas.
Ressalte-se, porém, que as estruturas não são fixas e imutáveis: ao invés disso, elas
se modificam pela ação e algumas ações podem ser, de propósito, direcionadas à tentativa
de modificação das estruturas. A ordem reinante é renegociada, incessantemente. Essa
renegociação, decerto, não constitui um processo fácil, mas, ao abordar os determinantes
da tomada de decisões, ela não deve ser, em absoluto, desconsiderada. O Quadro 6.4.4.1
que segue sistematiza a proposição de Ham e Hill (1993) que, reunindo a contribuição de
Bachrach e Baratz (1963) e de outros autores, sugerem cinco formas que a não-tomada de
decisão pode assumir e que deveriam ser tomadas como guia para a pesquisa.
QUADRO 6.4.4.1: ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO (AS TRÊS
FACES DO PODER)
160
O ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISÃO
(as três faces do poder)(as três faces do poder)
abertos
(DAHL: visão pluralista)
encobertos
(BACHRACH e
BARATZ)
latentes
(LUKES)
A tem poder sobre B,
na medida em que A
leva B a fazer algo que
de outra forma não
faria
A cria ou reforça valores e
práticas institucionais que
restringem o debate a questões
politicamente inócuas à A
A exerce poder sobre B
quando influencia B
de um modo que contraria
seus interesses
não-tomada de
decisão
conflitos abertos
e decisões-chave
limitação do alcance da
tomada de decisão
através da manipulação
de valores
pesquisa sobre situações de:
concepções de poder:
tipos de conflito:
FONTE: Ham e Hill (1993).
6.5. Os modelos de tomada de decisão: o confronto entre o racionalismo e o
incrementalismo
Como indicado acima, a expressão “elaboração de políticas” dá conta de três
processos ligados através de laços de realimentação, que denominamos de momentos,
mas que são mais comumente (embora equivocadamente, no nosso entender) referidos
como fases ou etapas. Esses processos são usualmente separados, para fins de análise,
em formulação, implementação e avaliação de políticas.
O debate acerca do grau de objetividade e racionalidade com que deve ser efetivado
o primeiro destes processos ─ o processo decisório ou da formulação de políticas, ou
ainda, o momento de definição preliminar de objetivos e estratégias ─ através da ação dos
analistas, fazedores de política ou mesmo dos dirigentes públicos, é um tema importante
da Análise de Políticas.
A posição aparentemente predominante no debate entre a visão racional e a
incremental é aquela que atribui a esta última um maior peso aos fatores de ordem política
(politics) nas escolhas que são efetivamente realizadas no decorrer do processo decisório.
Podem ser encontradas na literatura diversas abordagens que buscam verificar os limites e
relações entre racionalidade, poder e decisão e desta forma fazer com que a Análise de
Política possa de fato ser um suporte às decisões e uma ferramenta para a melhoria do
processo de elaboração de políticas.
161
6.5.1. As origens do debate
Ham e Hill (1993) utilizam um enfoque histórico que é o aqui adotado para entender
as origens deste debate. Para tanto, examina-se os autores mais representativos das duas
visões, estudando, especialmente, as abordagens críticas de Lindblom (1965), Simon
(1945), Dror (1964), e Etzioni (1967), sobre os modelos racional-compreensivo, de
racionalidade limitada, incremental e de análise estratégica, buscando pontos em comum e
relações entre eles.
Partindo das duas posições extremas, é possível mostrar como se pode ir gerando
uma postura eqüidistante e eclética. Reconhecendo que os dois modelos ─ incremental e
racional ─ são lentes conceituais irreconciliáveis enquanto tais, o objetivo é chegar a uma
visão adaptável às diferentes situações encontradas na realidade.
As duas devem, de fato, ser interpretadas como modelos idealizados do processo de
tomada de decisão que se baseiam em posições no limite antagônicas acerca da estrutura
de poder na sociedade capitalista, da concepção do Estado e do papel da burocracia.
Para entender mais claramente a questão, cabe lembrar a distinção clássica entre:
- Modelo ideal: é uma construção mental, um exercício artificial de raciocínio que
consiste, inicialmente, em selecionar aspectos de uma dada realidade (ou sistema), que
atuarão como variáveis do modelo, e imputar relações de causalidade entre estas. Ele é
uma caricatura que, mais do que explicar a realidade, permite contrastá-la e explicá-la
como um desvio em relação ao modelo;
- Modelo descritivo: partindo do modelo ideal, e identificando os limites que
condicionam o processo de decisão, pode-se chegar a modelos que descrevem
satisfatoriamente a realidade;
- Modelo prescritivo: supõe uma intenção acerca de como deve ser a realidade.
Existe uma fundada associação entre o incrementalismo e a postura descritiva da
análise política, e entre o racionalismo e a postura normativa. Não obstante é uma
preocupação recorrente dos autores que pesquisam o tema formular um instrumento
normativo que evite o irrealismo do racionalismo e a incompletude do incrementalismo.
A visão incremental coloca que a ação de “partidários” de posições distintas
interessados em influenciar as decisões no âmbito do processo político, ao provocarem um
ajuste mútuo e contínuo entre suas posições, asseguraria o ideal democrático do
162
pluralismo. Coloca, por outro lado, que o racionalismo, por não considerar os interesses
políticos existentes na sociedade, conduziria à “engenharia social” e ao autoritarismo.
Simon, em “O comportamento administrativo” (1945), ao concentrar a ênfase na
busca por eficácia administrativa no interior das organizações para a análise do processo
de decisão avança na caracterização das duas visões.
Segundo ele, a visão racional envolve comparar (e escolher) as alternativas que
melhor sirvam à obtenção de um dado resultado. Ela envolve: listar todas as estratégias
alternativas; determinar todas as conseqüências que decorrem de cada estratégia
alternativa; avaliar comparativamente cada um dos conjuntos de conseqüências.
Simon (1945) reconhece que seu enfoque possui limitações. Isto porque, pergunta
ele: Que valores devem ser usados para guiar o processo de escolha? Como identificar os
valores das organizações? As organizações não são homogêneas? Os valores a elas
imputados terminam sendo aqueles dos indivíduos nelas dominantes? A tomada de
decisão não se processa da forma lógica, abrangente e objetiva inerente ao procedimento
racional? Como separar fatos e valores, e meios e fins no processo decisório se os meios
para tanto também supõem valores?
Simon evolui, em 1957, para um conceito mais realista de bounded rationality: a
alternativa escolhida não precisa ser a que maximiza os valores do tomador de decisão; só
precisa ser boa o suficiente. Portanto, não todos os cursos alternativos de ação precisam
ser ponderados.
Lindblon (1959) parte da visão de racionalidade restrita de Simon para formular seu
enfoque de “comparações limitadas sucessivas”. Ao invés de partir de questões básicas e
construir a análise de baixo para cima (“método da raiz”), parte da situação existente
buscando alterá-la incrementalmente (“método dos galhos”).
Contrapondo-se a posições da abordagem racionalista, ele tem como preocupação
central produzir uma análise ampla sobre as características do processo de tomada de
decisões. O processo decisório é percebido como algo bem mais complexo do que propõe
a abordagem racional, sem princípio ou fim e com limites um tanto incertos. A democracia
é vista como determinando um processo contínuo de tomada de decisões relacionadas às
políticas públicas que serão definidas, formuladas e implementadas e sobre problemas ou
demandas sociais e políticas que serão ou não incluídas na agenda de decisões
governamentais. Nesta configuração, o governo e a política são também vistos pelo autor
como processos contínuos de decisão.
163
Ele aponta para o fato de que a preocupação da Ciência Política em produzir estudos
sobre o processo decisório, então incipiente, havia-se iniciado devido a necessidade de
uma maior racionalidade, controle e criação de possibilidades para a avaliação dos
resultados obtidos na atividade pública (de governo). A preocupação com a racionalidade
é, por isto, muito influente nos estudos sobre Análise de Políticas desde a sua origem.
Segundo ele, a reflexão sobre o tema da racionalidade exige a resposta às seguintes
perguntas: As decisões dos dirigentes públicos são, em alguma medida, sustentadas por
um comportamento de caráter racional? Os analistas podem oferecer formas de trabalho
científico que venham a garantir algum apoio contra a incerteza que caracteriza os
processos de decisão em âmbito governamental?
Respondendo a estas perguntas, Lindblon (1965) afirma que, nos sistemas políticos,
as pessoas buscam apropriar-se de informações, estudos e resultados de investigações ou
análises científicas para fortalecer suas próprias posições, ou de seus grupos de interesse,
e justificar suas decisões. Este seria o principal obstáculo ao uso das ferramentas de
Análise de Políticas ou métodos de trabalho de base racional no processo de elaboração
de políticas. Este seria também o ponto desde onde se instauram os conflitos entre a
análise e a política. Ainda que os estudos especializados, baseados em informações bem
fundamentadas, sejam aceitos como componentes importantes nos processos decisórios,
sua influência é limitada. Na visão do autor estes limites seriam: a própria Análise de
Política, e as pessoas que a realizam, podem cometer erros; os processos de investigação
baseada na ciência ou em métodos racionais são muito mais lentos e custosos do que o
permitem os prazos e capacidade de financiamento na esfera pública.
A análise por si só não é capaz de avaliar a importância social e política e selecionar
os problemas que necessitam ser enfrentados prioritariamente, isto é, não se pode decidir
os conflitos a respeito de valores e interesses apenas com estudos ou investigações que
se apresentam como racionais, científicos ou metodologicamente corretos.
Outro autor que contribuiu significativamente ao tema é Forester (1989). A partir dos
estudos de Lindblom e March (1978 e 1982), ele apresenta uma sistematização que
explicita as diferenças entre a posição racional-compreensiva e a vertente analítica que
percebe limites à racionalidade no processo decisório. É baseando-se na sua importante
contribuição, que se organizou o Quadro 6.5.1 apresentado a seguir:
QUADRO 6.5.1: UMA SÍNTESE DA DISCUSSÃO SOBRE A RACIONALIDADE
Na posição racional-compreensiva os Na visão baseada em uma racionalidade limitada:
164
analistas trabalhariam com:
1. problemas bem definidos os problemas são ambíguos e pouco determinados
2. uma lista completa de alternativas para sua consideração
a informação para identificação de alternativas é precária e muitas alternativas são desconhecidas
3. uma base completa de informação sobre contexto e ambiente
a informação sobre o contexto ou ambiente é problemática é incompleta
4. visão adequada sobre os impactos de cada alternativa
os impactos das possíveis alternativas levantadas é desconhecido
5. informação completa sobre os valores e interesses dos cidadãos e grupos de interesse
os interesses, valores e preferências não são bem estabelecidos
6. competências, recursos e tempo suficientes o tempo, as competências e os recursos são limitados
FONTE: elaborado pelo autor.
A posição de Forrester (1989) é que, dado a consciência dos limites da utilização de
métodos inteiramente racionais para a tomada de decisão, o que se acaba fazendo em
termos práticos é adotar esquemas simplificados para a busca de compreensão sobre
cada situação. Em situações em que prevalecem os juízos e preconceitos estabelecidos,
as tradições e práticas anteriores, e quando nem todas as alternativas para cursos de ação
são examinadas, sendo escolhida a primeira que se apresenta como satisfatória e não a
que seria ótima são a regra e não a exceção.
A opção por adotar uma postura racional-comprensiva na formulação de políticas
pode ser irrealista e inócua. Alternativamente, conceber a formulação como baseada na
racionalidade limitada ou pior, na postura meramente incremental pode deixar o fazedor de
políticas de “mãos atadas” e simplesmente reproduzir o passado.
6.5.2. Algumas propostas intermediárias
Braybrooke e Lindblon (1969) formulam oito críticas ao modelo racional. Segundo
eles, este modelo não é adaptado:
1. Às limitadas capacidades humanas para resolver problemas.
2. À inadequação da informação.
3. Ao custo da análise.
4. As falhas na construção de um método estimativo satisfatório.
5. Às estreitas relações observadas entre fato e valor na elaboração de políticas.
6. À abertura do sistema de variáveis sobre o qual ele opera.
7. À necessidade do analista de seqüências estratégicas de movimentos analíticos
8. As diversas formas em que os problemas relacionados às políticas realmente
ocorrem.
165
O modelo que propõem (“análise incremental objetiva”) se diferencia do anterior
porque:
1. Considera apenas as alternativas que pouco se afastam da situação observada (e
das políticas existentes);
2. Não indaga acerca das conseqüências de alternativas;
3. Não analisa separadamente meios e fins, e fatos e valores;
4. Não parte da especificação de objetivos para a formulação de políticas que levem a
um “estágio futuro ideal”. Propõe a comparação de políticas específicas “possíveis” tendo
como referência sua aderência aos objetivos e o tratamento iterativo dos problemas
visando a sua superação;
5. Considera que uma boa política não é aquela que passa no teste do racionalismo,
mas aquela que maximiza os valores do tomador de decisão e que permite um acordo
entre os interesses envolvidos;
6. Considera que, apesar de suas imperfeições, o incrementalismo é preferível a um
futile attempt at superhuman comprehensiveness;
7. Considera que agindo incrementalmente pode-se alterar eficazmente o status quo
─ ainda que pouco a pouco ─ evitando os grandes erros que o modelo racional pode
implicar;
8. Considera que o mútuo ajuste entre partidários de políticas atuando
independentemente, adaptando-se a decisões tomadas no seu entorno, e respondendo às
intenções de seus pares, é o melhor modo de alcançar uma coordenação compatível com
a democracia.
Apoiando a idéia de que uma racionalidade restrita no processo de políticas seria “o
melhor que se poderia obter” ou que “é melhor do que nada”, Lindblom (1979) apresenta o
conceito de análise estratégica como uma análise limitada a um conjunto de
procedimentos para o estudo de políticas obtido a partir da escolha informada e atenta
entre os métodos disponíveis para a simplificação de problemas complexos.
Já Harrison, Hunter e Pollit (1990), por sua vez, propõem que uma seqüência de
mudanças incrementais pode muito bem ocorrer num contexto no qual certos interesses
são dominantes, e que, portanto, em situações como esta tenderia a não ocorrer um ajuste
“mútuo”.
Dror (1964) critica o conservadorismo do modelo incremental, e o apoio que confere
às forças pró-inércia e anti-inovação. O incrementalismo seria adequado somente quando
166
existissem políticas razoavelmente satisfatórias e um alto grau de continuidade dos
problemas e dos meios para tratá-los, isto é, quando existisse grande estabilidade social.
O modelo que ele sugere (optimal method) combina o emprego de métodos “extra-
racionais” de identificação de preferências dos atores com o exame criterioso, ainda que
seletivo, das opções e metas de política. Embora aceitando o modelo incremental como
uma descrição aceitável da realidade, ele considera necessário adotar um modelo
normativo mais próximo ao racional. O problema é como operacionalizar o modelo.
Etzioni (1967) critica a idéia de Lindblom (1979) de que uma sucessão de pequenos
passos podem produzir mudanças tão significativas quanto passos grandes mas pouco
freqüentes, como implicitamente proposto pela visão racional. Nada garante que pequenos
passos levem à acumulação de resultados ao invés de um movimento circular em torno da
situação inicial, sem direcionalidade e de pouco impacto.
Segundo ele, o ajuste mútuo entre partidários de interesses diferentes nem sempre é,
de fato, mútuo e tende a estar enviesado em favor dos atores mais influentes e mais
organizados (grandes corporações, por exemplo); inovações básicas a respeito de
questões fundamentais tendem a ser negligenciadas.
Ele sugere o método do mixed scanning: situações que envolvem grandes decisões,
dado que sentam as bases para decisões incrementais futuras, devem ser analisadas de
uma maneira mais cuidadosa, próxima à proposta pelo modelo racional. Desta forma, os
aspectos negativos de cada modelo seriam minimizados. O problema é como identificar
essas situações e distinguir as decisões fundamentais das incrementais. Muitas vezes
ações são implementadas justamente porque “as coisas sempre foram feitas deste
modo...”
O “incrementalismo revisitado” de Lindbom (1979) e as críticas de Dror e Etzioni
(1967) dão origem a três tipos de análise para a tomada de decisão; cada um deles
embutido no seguinte de maior nível:
Análise incremental simples: envolve a consideração de alternativas que se
diferenciam apenas incrementalmente do status quo;
Análise incremental objetiva: envolve a consideração de umas poucas alternativas
conhecidas; da relação existente entre objetivos e valores, e os aspectos empíricos do
problema. Supõe uma preocupação maior com o problema do que com os objetivos
perseguidos e explora apenas algumas das conseqüências de uma dada alternativa. A
análise é dividida entre vários participantes;
167
Análise estratégica: envolve a consideração de estratagemas (algoritmos,
indicadores etc.) capazes de simplificar problemas complexos de política.
Ao invés de buscar uma análise racional sinóptica, considerada um ideal impossível,
a proposta sugere a complementação do modelo incremental através de um alargamento
do campo de análise, podendo até incluir uma busca especulativa sobre futuros possíveis,
envolvendo prazos mais longos.
O incrementalismo revisitado reconhece que o ajuste mútuo é eficaz para abordar
questões corriqueiras. Mas que, ao contrário, as grandes questões ─ como, por exemplo, a
distribuição de renda ─, acerca das quais existe uma manipulação ideológica por parte dos
grupos dominantes, exigem tratamento distinto (análise estratégica).
Desenvolvendo sua análise na direção de produzir subsídios para a Análise Política,
Forrester (1989) compara a posição racional-compreensiva às diferentes vertentes
compatíveis com a concepção da racionalidade limitada. Ele aponta cinco concepções
analítico-teóricas ou modelos, que estudam as relações entre a racionalidade e os
processos decisórios envolvidos na elaboração de políticas, e que poderiam ser usados
para definir diferentes estratégias de resposta, ação e tomada de decisão para cada
situação específica (ver Figura 6.5.2.1).
FIGURA 6.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISÓRIO Modelos
Elementos
Compreensiva (sem limites)
Limitação Cognitiva – I
Diferenças Sociais - II
Pluralista - III
Limitação Estrutural – IV
Ator um ator racional decide e executa
um ator não- racional, falível
diversos atores e competências em cooperação
atores competindo organizados em grupos de interesses
atores em estruturas políticas e econômicas com desigualdade
Problema bem definido definido de forma imprecisa
interpretação variável a cada ator
múltiplas definições de valores, impactos e direitos
definições em bases ideológicas
Informação
perfeita Imperfeita qualidade e acesso variados
contestada e aceita como manipulada
desinformação ideológica e vinculada ao poder
Tempo infinito ou sempre suficiente
limitado limitado tempo é poder
é poder e é limitado conforme interesse dos atores
168
Estratégia prática
tecnicamente perfeita, ótima
baseada em baixas expectativa e satisfação
atuação em redes
incremental, com verificação e ajustes
baseada em antecipação, neutralização, organização
FONTE: Forrester (1989).
As diferentes concepções apresentadas revelam o debate sobre as possibilidades do
apoio racional às decisões e podem fixar os limites entre o mundo da política e as
pretensões técnico-racionalistas dos analistas. Na posição IV, de limitação estrutural,
podem ser encontradas as bases teórico-conceituais para a análise de muitas das políticas
que são elaboradas em nosso meio.
A imagem concebida por Ham e Hill (1993) sobre o ambiente de elaboração da
política pública, resultante da extensa revisão e sistematização da literatura que realizam,
aproxima-se do modelo IV de racionalidade limitada, com distribuição não eqüitativa de
poder entre os diversos interesses em jogo, proposto por Forester (1989).
Outros dois autores que realizaram um importante trabalho de sistematização são
Hogwood e Gunn (1984). Para entender o processo político (penetrar na caixa preta do
enfoque sistêmico) utilizam três modelos (idealizações) do processo de formulação de
política:
- Modelo racional: baseia-se na hipótese de que a formulação é um processo
essencialmente racional, em que os atores tomam suas decisões apoiando-se numa
seqüência de passos sistematicamente observada. No limite, os problemas são
entendidos como “técnicos” (e não políticos), o ambiente, consensual, e, que o
processo está permanente sob controle.
- Modelo (burocrático) incremental: supõe que a formulação é um processo
inescapavelmente político, no qual as percepções e interesses dos atores invadem
todas as suas etapas. A implementação, mais do que a formulação, é vista como
especialmente problemática. A política é o resultado de uma permanente barganha
num ambiente conflitado.
- Modelo do processo organizacional: interpreta as decisões e ações não como
resultado de uma escolha racional, mas de um comportamento baseado em rotinas e
procedimentos-padrão sistemática e previamente definidos.
A opção de adotar o modelo racional como referência, com status normativo, não
deve levar a uma desconsideração dos aspectos políticos inerentes ao processo de
elaboração de políticas. Por outro lado, descartar esse modelo, seria compactuar com
169
aqueles que, cinicamente, desqualificam qualquer pretensão de tornar o processo de
elaboração de políticas mais adequado para a solução dos problemas sociais.
Com ressaltam Hogwood e Gunn (1984), o modelo racional é aplicado para resolver
problemas de uma forma sistemática. Ele deve ser também usado para resolvê-los de uma
maneira democrática.
Do ponto de vista da análise, deve ser sempre lembrado que a opção por uma das
interpretações impõe diferenças substantivas em termos da metodologia de pesquisa a ser
usada e, portanto, hipóteses quanto à conformação das estruturas de poder que estão por
trás da formulação das políticas. E que as metodologias empregadas condicionam o tipo
de assuntos a serem pesquisados e os “achados” que podem ser descobertos.
6.5.3. O processo de Elaboração de Políticas Públicas e os modelos de análise
Para terminar esta extensa seção, a segunda que trata do tema da formulação da
política, parece conveniente apresentar um resumo sobre o processo de Elaboração de
Políticas Públicas. Ele costuma ser dividido em três fases sucessivas ─ Formulação,
Implementação e Avaliação ─ que conformam um ciclo que se realimenta.
A política é, primeiramente, formulada. Isto é, concebida no âmbito de um processo
decisório pelos “tomadores de decisão” que pode ser democrático e participativo ou
autoritário e “de gabinete”; de “baixo para cima” ou de “cima para baixo”; de tipo racional e
planejado ou incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores intervenientes; com ou
sem manipulação e controle da agenda dos atores com maior poder; detalhadamente
definida ou deixada propositadamente incompleta para “ver se cola” e como é que fica “na
prática”. Dependendo principalmente do grau de racionalidade do processo decisório, a
fase de Formulação pode contemplar etapas como pesquisa do assunto, filtragem do
assunto, prospectiva, explicitação de valores e objetivos globais
Depois de formulada, inicia-se a Implementação da política, mediante os órgãos e
mecanismos existentes ou especialmente criados, pelos burocratas. Dependendo,
sobretudo, do grau de definição da política, eles exercem seu poder discricionário ─
variável principalmente segundo o nível em que se encontram na hierarquia ─ adaptando a
política formulada à realidade da relação Estado-Sociedade e das regras de formação do
poder econômico e político que estas impõem ao jogo entre os atores sociais.
Finalmente, ocorre a Avaliação da política, quando os resultados ─ entendidos como
produtos e metas definidos e esperados num âmbito mais restrito ─ e impactos ─
170
entendidos como produtos sobre um contexto mais amplo e muitas vezes não esperados
ou desejados ─ decorrentes de sua Implementação são comparados com o planejado. Ou,
no limite, quando a Formulação se dá de forma totalmente incremental, aprovados através
de um critério de satisfação dos interesses dos atores envolvidos. É o grau de
racionalidade da fase de Formulação e o estilo de Implementação o que define como irá
ocorrer a Avaliação. No extremo racional, em que existe uma intencionalidade da mudança
de um determinado sistema, a Avaliação é condição necessária. É através dela que o
trânsito do sistema de uma situação inicial a uma outra situação, tida como desejada, pode
ser promovida. É a Avaliação que aponta as direções de mudança e as ações a serem
implementadas num momento ulterior. Após a implementação dessas, e a avaliação dos
resultados alcançados é que, iterativamente, serão propostas novas ações que levarão o
sistema a aproximar-se do cenário desejado.
Pode-se sintetizar a discussão colocada nesta seção dizendo que a associação entre
incrementalismo e sociedades plurais e entre racionalismo e sociedades totalitárias é falsa.
E que, muito importante, é necessário resgatar a questão central acerca do que significa o
racionalismo em sociedades democráticas. Uma coisa é tentar definir os objetivos de uma
determinada sociedade de uma forma racional. Outra é procurar implementar os objetivos
democraticamente estabelecidos através de um modelo racional.
6.6. Modelos para o estudo da implementação de políticas
O estudo da implementação é às vezes denominado o “elo perdido” entre a
preocupação com o policy making e a avaliação dos resultados e impactos da política. Ele
pode ser resumido à pergunta; porque certas políticas são bem sucedidas (bem
implementadas) e outras não?
Dizemos que a implementação foi mal sucedida quando a política foi colocada em
prática de forma apropriada sem que obstáculos sérios tenham-se verificado, mas ela
falhou em produzir os resultados esperados. Neste caso, é provável que o problema (falha)
da política não esteja na implementação propriamente dita, mas na formulação.
Dizemos que há um hiato (gap) de implementação quando a política não pôde ser
colocada em prática de forma apropriada porque aqueles envolvidos com sua execução
não foram suficientemente cooperativos ou eficazes, ou porque apesar de seus esforços
não foi possível contornar obstáculos externos.
171
Para verificar de que tipo é a situação que se está tratando, a questão chave é
escolher quais dos dois enfoques (top down e bottom up) é a ela mais adequado. Isto é, a
qual destes dois extremos a política em análise se encontra mais próxima. Esta escolha
deve dar-se em função de uma avaliação de conjunto que deve ser realizada tendo em
conta as características que apresenta a política. Freqüentemente, inclusive porque ela é
sempre uma solução de contingência, de compromisso (situações mistas podem ocorrer) e
por aproximação, esta escolha pode se modificar ao longo da análise.
6.6.1. O enfoque top down
O modelo ou enfoque top down aborda o porquê de certas políticas serem bem
sucedidas (bem implementadas) e outras não, partindo de uma definição de
implementação como um processo em que “ações de atores públicos ou privados são
dirigidas ao cumprimento de objetivos definidos em decisões políticas anteriores”.
A política é, assim, entendida como uma “propriedade” dos policy makers situados no
topo das organizações, como atores que têm o controle do processo de formulação.
O hiato entre as aspirações desses atores situados num plano central (federal, por
exemplo) e realidades locais seria a causa dos déficits de implementação.
Para que uma política de tipo top down seja bem implementada é necessário que dez
pré-condições sejam observadas:
1. Que as circunstâncias externas à agência responsável pela implementação não
imponham a esta restrições muito severas.
2. Que tempo adequado e recursos suficientes sejam colocados à disposição do
programa.
3. Que não haja nenhuma restrição em termos de recursos globais e que, também,
em cada estágio do processo de implementação, a combinação necessária de
recursos esteja realmente disponível.
4. Que a política a ser implementada seja baseada em uma teoria de causa e efeito
válida.
5. Que as relações de causa e efeito sejam diretas e em pequeno número.
6. Que haja uma única agência de implementação que não dependa de outras ou, se
outras agências estiverem envolvidas, que as relações de dependência sejam
pequenas em número e importância.
172
7. Que haja entendimento completo, e consentimento, acerca dos objetivos a serem
atingidos; e que estas condições persistam durante o processo de implementação.
8. Que ao mobilizar-se para o cumprimento de objetivos acordados seja possível
especificar, em completo detalhe e perfeita seqüência, as tarefas a serem levadas a
cabo por cada participante do programa.
9. Que haja perfeita comunicação e coordenação entre os vários elementos
envolvidos no programa.
10. Que aqueles com autoridade possam exigir e obter perfeita obediência.
6.6.2. O enfoque bottom up
O enfoque bottom up constitui-se a partir de críticas ao enfoque top down ou da
introdução de restrições ao que se poderia considerar o caso perfeito, ideal, de elaboração
de política. Elas são classificadas em:
i) Relativas à natureza da política: A política entendida como instância que, ao ser
definida (ou “indefinida”), “cria problemas” de implementação. Políticas deste tipo, que
projetam conflitos (ou compromissos) não resolvidos, que não contemplam recursos
para sua implementação, que envolvem relações pouco definidas entre organizações
que as devem implementar, que envolvem a criação de novas organizações etc., são
denominadas “simbólicas”;
ii) relativas às relações entre a formulação e a implementação: A política entendida
como uma instância e como um compromisso que se mantém e renova ao longo do
processo de implementação; o que faz com que se torne difusa a interface entre
formulação e implementação;
iii) relativas às instâncias normativas adotadas pelos analistas.
O enfoque bottom up parte da análise das redes de decisões que se dão no nível
concreto em que os atores se enfrentam quando da implementação, sem conferir um papel
determinante às estruturas pré-existentes (relações de causa e efeito e hierarquia entre
organizações etc.).
O enfoque bottom up parte da idéia de que existe sempre um controle imperfeito em
todo o processo de elaboração de política, o que condiciona o momento da
implementação. Esta é entendida como o resultado de um processo interativo através do
qual uma política que se mantém em formulação durante um tempo considerável se
173
relaciona com o seu contexto e com as organizações responsáveis por sua
implementação.
Segundo o enfoque bottom up: a implementação é uma simples continuação da
formulação. Existiria um continuum política/ação no qual um processo interativo de
negociação tem lugar entre os que buscam colocar a política em prática ─ aqueles dos
quais depende a ação ─ e aqueles cujos interesses serão afetados pela mudança
provocada pela política. Ele supõe (no limite) que a implementação carece de uma
intencionalidade (racionalidade) determinada pelos que detêm o poder.
Esse enfoque chama atenção para o fato de que certas decisões que idealmente
pertencem ao terreno da formulação só são efetivamente tomadas durante a
implementação porque se supõe que determinadas opiniões conflitivas não podem ser
resolvidas durante o momento da tomada de decisão. Seria ineficaz (ou prematuro e por
isto perigoso) tentar resolver conflitos aí, uma vez que são as decisões do dia-a-dia da
implementação as que realmente requerem negociação e compromisso entre grupos
poderosos e decisões-chave só podem ser tomadas quando existe uma percepção mais
clara dos potenciais resultados da política à disposição dos “implementadores”. Assim, são
os “implementadores” os melhor equipados para tomar essas decisões que “deveriam” ser
tomadas no momento da formulação.
O processo de implementação pode ser estudado segundo distintas perspectivas de
análise:
i) Organizacional: quando o tipo de organização é planejado em função do tipo de
ação;
ii) Processual: a implementação é um resultado de uma sucessão de processos;
iii) Comportamental: há uma ênfase na necessidade de reduzir conflitos durante o
processo;
iv) Político: padrões de poder e influência entre e intra-organizações são enfatizados.
Em situações em que uma política possui objetivos e contempla atividades
claramente definidos, e mais ainda se os inputs e resultados são quantificáveis, é possível
identificar déficits de implementação e o enfoque top down é aconselhável.
Embora isto freqüentemente ocorra, a Análise de Política não deve privilegiar a
análise do processo de implementação ou tomá-la com algo à parte. O estudo de aspectos
relacionados ao estudo das organizações, ao papel da discricionariedade e dos street level
174
bureaucrats, entre outros, são os passos seguintes do percurso para a análise do processo
de elaboração de políticas.
6.7. O estudo das organizações e a Análise de Política
O estudo das organizações e da formulação de políticas tem evoluído muito nas
últimas décadas, desde Weber (1961), para quem “todo poder se manifesta e funciona
como administração”, aos enfoques estruturalistas e comportamentais, que incorporam
variáveis inerentes ao contexto externo ao âmbito interno às organizações.
O crescimento das ciências sociais nos EUA, e, em particular, dos estudos
sociológicos e psicológicos sobre o comportamento dos indivíduos no interior das
organizações, teve como resultado uma crescente ênfase: à abordagem das relações
humanas (atribuindo-se relevância à motivação, ao entusiasmo e às relações nos grupos
de trabalho); ao enfoque dos psicólogos sociais (procurando explorar o conflito entre as
necessidades humanas e os aparentes pré-requisitos das organizações formais); à “teoria
da contingência” (proclamando a existência de uma interação complexa entre variáveis
contingentes e estruturais, que relacionam o poder organizacional interno e o contexto
externo).
6.7.1. A discricionariedade dos escalões burocráticos inferiores e a elaboração de
políticas
O conceito de discricionariedade reporta a uma situação em que um funcionário
público possui um grau de poder de decisão que o torna capaz de escolher entre distintos
cursos de ação ou “não-ação”. Neste caso, diz-se que ele poder discricionário.
Existe uma diferença entre o conceito de “julgamento”, quando uma simples
interpretação das regras é requerida, e “discricionariedade”, quando as regras conferem a
um certo tipo de funcionário, em situações específicas, a responsabilidade de tomar
decisões que ele considera apropriadas.
Toda delegação de poder envolve facultar ao burocrata situado numa posição
hierárquica inferior, discricionariedade. O conflito entre regra e discricionariedade é o outro
lado da moeda do conflito entre autoridade dos chefes e a sua confiança nos
subordinados.
A delegação de poder remete a perguntas do tipo: Como atua a parte da burocracia
que interage diretamente com os cidadãos no desempenho de suas funções, aquela que
175
se situa mais distante dos centros de decisão política e mais próximo à implementação das
políticas, no “nível da rua” (street-level bureaucrat)?
Este tipo de funcionário público costuma ter um considerável poder discricionário na
execução de seu trabalho. Suas decisões, baseadas nas rotinas que estabelece, nos
mecanismos que inventa para enfrentar as incertezas resultantes da pressão do trabalho, é
o que determina a maneira como as políticas são efetivamente implementadas.
Isso nos leva a indagar sobre até que ponto a política pública deve ser entendida
como algo feito no legislativo ou nos gabinetes dos administradores de alto escalão, uma
vez que, de uma maneira importante, ela é de fato feita nas repartições lotadas onde se dá
o atendimento diário do público pelos street-level bureaucrats.
O poder desses funcionários na conformação das políticas efetivamente
implementadas é consideravelmente superior ao de outros funcionários públicos de mesmo
nível hierárquico e remuneração, mas que não atuam diretamente com o público. Isto faz
com que possam ser considerados como os efetivos “fazedores da política”.
Estes funcionários ─ os “implementadores” ─ quebram regras e estabelecem rotinas
para poderem trabalhar. Caso operassem “segundo o regulamento” paralisariam o serviço.
Que é o que ocorre em situações de conflito em que, freqüentemente, antes de entrarem
em greve, realizam uma “operação tartaruga” como forma de boicote.
Seu poder manifesta-se tanto em relação aos consumidores como em relação às
agências às quais pertencem.
Seu poder discricionário é tanto maior quanto:
i) Maior a diferença entre a demanda e a oferta de recursos disponíveis para serem
alocados;
ii) Menos claras forem as determinações emanadas da direção da agência;
iii) Mais pobre ou menos poderosa e difusamente organizada for a clientela.
Como uma recomendação conclusiva para que a análise do comportamento dos
burocratas chegue ao resultado esperado, cabe lembrar que eles muitas vezes entram na
carreira com ideais que não conseguem realizar na prática. Passam sua vida produtiva
num ambiente de trabalho corrompido. E, em geral, consideram que estão fazendo o
melhor que podem, alocando recursos materiais e tempo sempre escassos para atender a
uma demanda que pode ser entendida (segundo a teoria neoclássica) como virtualmente
infinita, uma vez que o preço do serviço que prestam é nulo.
176
6.7.2. Os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas
As organizações são elementos centrais no processo de elaboração de políticas. São
o lócus onde ocorre o processo decisório, o principal agente responsável pela
implementação das políticas e, freqüentemente, onde se avalia o resultado das políticas
que nela se formulam e implementam.
Também no caso das organizações é possível “destilar” modelos capazes de serem
usados para sua análise. Apoiando-se na contribuição de Elmore (1978), é possível
classificar as organizações em quatro tipos tomando como referência particular o momento
da implementação e referindo-os a quatro categorias de análise. Para cada um dos tipos, a
implementação é entendida, respectivamente, como um sistema de gerenciamento, como
um processo burocrático, como desenvolvimento organizacional e como um processo de
conflito e barganha é referido a quatro categorias de análise - Princípio Central,
Distribuição de Poder, Processo de Formulação de Políticas e o Processo de
Implementação propriamente dito.
Os Quadros 6.7.2.1, 6.7.2.2, 6.7.2.3 e 6.7.2.4 que seguem mostram as características
de cada tipo de organização.
QUADRO 6.7.2.1: TIPO 1 – ORGANIZAÇÃO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO
177
Organizações são estruturadas sobre o princípio do controle hierárquico. A
responsabilidade pela formulação de políticas e controle completo sobre os
sistemas operacionais recai sobre a alta gerência que aloca tarefas específicas e
objetivos a unidades subordinadas e acompanha seu desempenho.
Organizações operam como maximizadores racionais de valor. O atributo
essencial é o procedimento direcionado a metas; as organizações são eficientes
na medida em que maximizem seu desempenho em relação a seus objetivos e
metas centrais. Cada tarefa que uma organização executa deve contribuir para
pelo menos um dos objetivos que refletem os propósitos da organização.
Para todas as tarefas que a organização executa, existe uma alocação ótima
de responsabilidade entre sub unidades que maximiza o desempenho da
organização para o cumprimento de seus objetivos. A formulação consiste em
encontrar este ponto ótimo e mantê-lo, ajustando continuamente a alocação
interna de responsabilidades.
Consiste em definir de uma detalhada relação de metas que reflita
exatamente os objetivos de uma política; determinar responsabilidades e
padrões de desempenho para sub unidades consistente com seus objetivos;
monitorar sistematicamente desempenho, e elaborar ajustes internos que
melhorem a consecução das metas. O processo é dinâmico, não estático; o
desenvolvimento impõe continuamente novas demandas que requerem
ajustes internos. Mas a implementação é sempre direcionada a metas e
maximizadora de valor.
Princípio
Central
Distribuição
de Poder
Formulação
Implementação
QUADRO 6.7.2.2: TIPO 2 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO BUROCRÁTICO
O domínio de arbítrio e rotina significa que o poder tende a ser fragmentado e
disperso entre pequenas unidades que exercem estrito controle sobre tarefas
específicas em sua esfera de autoridade. O controle que qualquer unidade pode
exercer sobre uma outra, lateralmente ou hierarquicamente, se deve a que, como
as organizações vêm se tornando crescentemente complexas, as unidades se
tornam altamente especializadas e exercem grande controle sobre suas operações
internas.
As duas características centrais são discricionaridade (arbítrio) e rotina; todos os
procedimentos importantes podem ser explicados a partir do irredutível arbítrio
exercido por funcionários individualmente em suas decisões do dia a dia e a
operação de rotinas desenvolvidas para manter e fazer crescer sua posição na
organização.
Consiste em controlar o arbítrio e mudar rotinas. Todas as propostas visando
mudanças são avaliadas por unidades organizacionais em termos de uma
gradação de afastamento em relação às normas determinadas; desta forma, as
decisões na organização tendem a ser incrementais.
Consiste em identificar onde a discricionariedade está concentrado e onde, no
repertório de rotinas organizacionais, são necessárias mudanças, criando-se
rotinas alternativas que representem o propósito da política e induzindo as
unidades organizacionais a substituir velhas rotinas por outras novas.
Princípio
Central
Distribuição
de Poder
Formulação
Implementação
178
QUADRO 6.7.2.3: TIPO 3 – ORGANIZAÇÃO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL
Organizações devem ser estruturadas para maximizar o controle individual,
participação e compromisso em todos os níveis. Burocracias hierarquicamente
estruturadas maximizam estes aspectos, mas para pessoas que se encontram nos
níveis mais altos da organização, às custas dos que se encontram nos níveis
inferiores. Portanto, a melhor estrutura é a que minimiza o controle hierárquico e
distribui capacidade de decisão entre todos os níveis da organização.
Organizações devem funcionar para satisfazer as necessidades psicológicas e
sociais básicas dos que as constituem, a partir da autonomia e controle sobre seu
próprio trabalho, da participação nas decisões que os afetem e do compromisso
com os propósitos das mesmas.
Consiste na construção de consensos e sólido relacionamento interpessoal entre
os membros do grupo. Depende da criação de grupos de trabalho efetivos. A
qualidade das relações interpessoais determina em grande medida a qualidade das
decisões. Grupos de trabalho efetivos são caracterizados por metas
compartilhadas, comunicação aberta, confiança e apoio recíprocos entre membros
do grupo, completa utilização das habilidades e controle de conflitos.
Consiste na construção de consensos e acomodação entre fazedores de
política e implementadores. O problema central da implementação é a
dificuldade do processo resultar em consensos quanto às metas, autonomia
individual e compromisso com as políticas por parte daqueles que devem
executá-la.
Princípio
Central
Distribuição
de Poder
Formulação
Implementação
QUADRO 6.7.2.4: TIPO 4 – ORGANIZAÇÃO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA
Nunca é estável. Ela depende de habilidades transitórias de indivíduos ou unidades
para mobilizar recursos para manejar os procedimentos dos outros. A posição
formal na hierarquia é apenas um dos fatores que determinam a distribuição do
poder. Outros fatores são conhecimento, controle de recursos materiais e
capacidade de mobilizar apoios externos. O exercício do poder nas organizações é
fragilmente relacionado à sua estrutura formal.
Organizações são arenas de conflitos nas quais indivíduos e sub unidades com
interesses específicos competem por vantagens relativas no exercício do poder e
na alocação de recursos escassos.
Consiste em um processo de barganha no interior e entre unidades da
organização. Decisões negociadas são o resultado de consenso entre atores com
diferentes preferências e recursos. Negociação não requer que as partes entrem
em acordo sobre objetivos comuns nem eventualmente requer que elas contribuam
para o êxito do processo de negociação. A barganha exige apenas que as partes
concordem em ajustar mutuamente sua conduta no interesse de preservar a
negociação como um instrumento para a alocação de recursos.
Consiste numa complexa série de decisões negociadas refletindo as preferências
e recursos dos participantes. Sucesso ou fracasso não podem ser avaliados
comparando-se o resultado com uma simples declarações de intenção, porque
uma lista de propósitos simples não pode gerar um enunciado consistente dos
interesses das diversas partes participantes do processo. O sucesso só pode ser
definido em relação aos objetivos de um ator no processo de negociação ou em
termos de preservação do processo em si mesmo.
Princípio
Central
Distribuição
de Poder
Formulação
Implementação
179
6.8. Os Momentos da elaboração de políticas públicas
A partir das considerações realizadas nas seções anteriores, que se referem quase
que exclusivamente à análise, propriamente dita, do processo de elaboração de políticas e
que buscam capacitar o leitor a analisar criticamente políticas cuja responsabilidade de
formulação e implementação não é dele, cabe explorar um outro tema.
Esta seção apresenta os procedimentos que devem ser seguidos para formular
políticas que possam ser implementadas de maneira adequada e para que elas sejam
implementadas de forma a alcançar os objetivos e os impactos visados. Ela visa à
capacitação do leitor enquanto responsável pela elaboração, propriamente de políticas
públicas.
Este tema da elaboração de políticas enquanto “arte e técnica de governo” tem sido
tratado de forma exaustiva por muitos autores, ao contrário do que ocorre com o objeto das
seções precedentes. O fato de que o conteúdo apresentado nestas seções ser um
subsídio tão importante para adquirir a capacidade de elaborar (formular, implementar e
também avaliar) políticas públicas, quanto aquele que se apresenta a seguir, é o que nos
leva a abordá-lo com um detalhe comparativamente menor. Na verdade, a ênfase que
damos aos dois tipos de conteúdo é coerente com a negação que temos feito da
proposição tecnocrática de que a elaboração de política pública pode ser encarada como a
simples operacionalização de um conjunto de normas, procedimentos e passos de um
manual.
A intenção desta seção é, por isso, construir uma ponte entre as metodologias de
planejamento usualmente adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm sido
insistentemente apontada, e os conteúdos apresentados até aqui. Ou, alternativamente,
através da fundamentação proporcionada pela Análise Política, e seu emprego para
desvelar os aspectos mais propriamente políticos envolvidos no planejamento, contribuir
para tornar aquelas metodologias mais realistas e eficazes.
Assim, esta seção apresenta os procedimentos sugeridos por diversos autores que
buscam melhorar a maneira como o processo de elaboração de políticas se desenvolve no
âmbito do Estado capitalista contemporâneo oferecendo aos profissionais ali situados, e
interessados em construir alternativas aos cursos de ação tradicionais, um conjunto de
categorias e métodos de análise.
Há que ressaltar, entretanto, que talvez mais do que no caso das seções anteriores, a
leitura desta seção não substitui a consulta às obras aqui referidas. Entre elas, recomenda-
180
se enfaticamente a consulta ao livro de Hogwood e Gunn (1984), Policy Analisys for the
Real World.
Para facilitar a consulta aos autores citados, talvez seja conveniente classificá-los em
dois grupos. Um primeiro mais preocupado em construir categorias de análise e descrever
processos de trabalho voltados ao conjunto do processo de elaboração de políticas (como
Lindblom (1981) e Hogwood e Gunn (1964) e um outro grupo, com interesse mais focado
no momento de formulação (como Dror (1983) e Bardach (1998)).
Como método de trabalho para a compreensão do processo de elaboração de
políticas, Lindblom (1981) em seu trabalho seminal propõe a sua divisão no que considera
seus componentes principais. Disto resulta sua sugestão de que os seguintes passos
sejam observados:
1. Os diferentes problemas e reclamações, sociais ou de governo, chegam ao
processo decisório e se convertem em temas da agenda de política dos dirigentes;
2. As pessoas ou atores concretamente envolvidos com o processo concebem,
formulam ou descrevem estes temas objeto da ação governamental;
3. Planejam-se a ação futura, os riscos e potencialidades envolvidas, as alternativas,
os objetivos previstos e os resultados esperados.
4. Os administradores aplicam (implementam) a política formulada;
5. Uma determinada política pode ser avaliada, o que pressupõe a construção de
metodologias específicas para este tipo de análise.
Uma observação dos três primeiros passos remete ao processo de formulação de
uma política. Muito embora a preocupação com a implementação, para que ela seja
eficiente e eficaz, e também a definição dos processos de avaliação devam existir
previamente à implementação da política, este processo de planejamento deve ser
separado de sua execução propriamente dita.
Estes cinco passos ou “instâncias” de análise apresentadas por Lindblom (1981) são
desdobrados de modo didático e rigoroso, ao longo de nove capítulos de seu livro, por
Hogwood e Gunn (1964). O percurso que adotam para organizar o trabalho do profissional
encarregado da elaboração de uma Política Pública engloba um conjunto de nove fases:
Escolha de Assuntos para Definição da Agenda;
Filtragem de Assuntos (ou decidir como decidir);
Definição ou processamento do Assunto;
Prospecção ou estudo dos desdobramentos futuros relativos ao Assunto;
181
Definição de Objetivos, Resultados e Prioridades da Política;
Análise de Opções ou Alternativas para Cursos de Ação;
Implementação da Política (incluindo seu monitoramento e controle);
Avaliação e revisão da Política;
Manutenção, sucessão ou encerramento da Política.
Entre os trabalhos voltados à elaboração de políticas, merece ser destacada a análise
realizada por Dror (1983) e que pode ser resumida, utilizando-se os termos do autor, como
as etapas para um policy making ótimo:
A - Meta Policy making:
1. Análise de Valores Sociais e de Atores envolvidos;
2. Análise da Realidade onde se pretende atuar;
3. Processamento de Problemas;
4. Desenvolvimento de Recursos;
5. Montagem do sistema de Formulação de políticas;
6. Alocação e definição de Problemas, Valores e Recursos;
7. Determinação da Estratégia;
B – Policy making:
1. Alocação de recursos;
2. Estabelecimento de metas operacionais;
3. Estabelecimento de priorização de valores;
4. Preparação de um conjunto de alternativas;
5. Análise de custos e benefícios futuros;
6. Identificação dos melhores resultados por alternativa;
7. Avaliação de custos e benefícios das melhores alternativas;
C – Post Policy making:
1. Incentivo à implantação da política;
2. Execução da política;
3. Avaliação da formulação de política.
Dror (1964) propõe que todas estas 17 fases sejam apoiadas e interligadas por uma
forte rede de comunicação e retroalimentação.
Bardach (1968), ao sugerir uma seqüência de oito “passos” para a formulação de
políticas, ressalta que ela não deve ser entendida como rígida ou completa e que em
muitas situações é necessário realizar os passos em ordem diversa da apresentada. Além
182
disso, e tal como Hogwood e Gunn (1964), o autor afirma que o processo de formulação da
política é sempre interativo e muitas das etapas repetem-se e algumas, como a obtenção
de informação, pode ter sua execução realizada recorrentemente ao longo de todo o
processo.
Os passos propostos por Bardach (1968) são os seguintes:
1. Definição do Problema a ser enfrentado;
2. Obtenção de informação;
3. Construção de Alternativas;
4. Seleção de critérios para avaliar alternativas;
5. Projeção dos Resultados;
6. Confrontação de custos;
7. Tomada de Decisão;
8. Argumentação e defesa da Proposta: Comunicação.
Todos os autores chamam a atenção para a existência de restrições ao processo de
elaboração “perfeita” de uma política. Entre elas, são enfatizadas restrições como o tempo
decorrido entre a decisão, a formulação e a verificação dos resultados obtidos; a
subordinação da avaliação à obtenção de informação qualificada e em tempo oportuno; e a
preponderância de valores e diferenças de visão política no decorrer dos processos. A
estas haveria que agregar outras especialmente importantes nos países periféricos como o
fato de que as políticas são aqui geradas e implantadas em um ambiente marcado por uma
grande desigualdade de poder, de capacidade de influência e de controle de recursos
entre os diversos atores sociais; o que por si só aponta as dificuldades para adotar
rigorosamente as proposições feitas pelos autores.
6.9. Experiências de Planejamento Público
Alguns processos concretos de planejamento realizados em organizações públicas de
países latino-americanos, como a construção de Planos Institucionais, têm adotado
metodologias de trabalho inspiradas no método do Planejamento Estratégico Situacional,
do professor Carlos Matus (MATUS, 1993), e no método ZOPP33 (BOLAY, 1993).
Métodos que se aproximam em muitos aspectos ao conteúdo apresentado na seção
anterior.
33 Sigla em alemão para Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos. O método ZOPP incorpora o Logical Framework Approach, LFA, desenvolvido pela USAID nos anos de 1960. Posteriormente foi revisto pela GTZ, agência do governo alemão, para a apoio a projetos de desenvolvimento.
183
Em geral, o desenvolvimento deste tipo de trabalho tem sido apoiado em consultoria
externa especialmente contratada, uma vez que a “cultura” do planejamento estratégico
encontra-se ainda muito incipientemente implantada nessas organizações.
O processo costuma ter início com um encontro de planejamento envolvendo os
atores relevantes à ação do órgão seguido da realização de seminários de planejamento
organizados com técnicas participativas para tomada de decisões. De forma geral, o
processo realizado pode ser resumido a partir das próprias instâncias de formulação, como
segue:
Conformação da Agenda:
Escolha dos participantes
Definição de objetivos do Processo
Definição da Missão da Organização
Levantamento dos Obstáculos ao Cumprimento da Missão
Definição do Problema Estratégico
Diagnóstico
Análise da situação problemática definida a partir do problema estratégico
Levantamento e análise de interesses para os Atores envolvidos
Explicação de cada problema na perspectiva de cada um dos atores envolvidos
Proposição:
Escolha dos cursos de ação
Definição de projetos de ação e resultados pelo Ator que planeja
Levantamento de Cenários futuros
Precisão de Resultados esperados
Estratégia:
Análise de posicionamento dos Atores relevantes em função dos resultados
esperados
Estudos de viabilidade para cada um dos projetos de ação definidos
Formulação de cursos de ação para movimento junto aos atores
Montagem de grupos tarefa para detalhamento dos cursos de ação
Preparação da Implementação:
184
Definição de mecanismos de implementação
Formação de equipe de suporte para o processo
Definição de mecanismos de controle e acompanhamento
Definição de procedimentos para avaliação e revisão permanente da Ação
6.10. Um roteiro para a Análise de Políticas
Esta seção tem por objetivo oferecer ao leitor um roteiro de trabalho que o ajude a
analisar uma área de atividade econômica, social etc. onde o governo possua um poder de
influência elevado na definição dos rumos de seu desenvolvimento. Em outras palavras,
uma área qualquer onde exista, ou possa ser explicitada a existência de uma política
pública.
Seu conteúdo é duplamente inespecífico. Primeiro porque esteja o analista situado no
próprio aparelho de Estado ou fora dele, numa empresa privada ou no chamado terceiro
setor, em todos os casos, ele terá que “... descobrir o que os governos fazem, porque
fazem e que diferença isto faz” (DYE, 1953). Para desempenhar seu trabalho de forma
mais eficaz, ele terá que atuar (ou transformar-se) necessariamente num analista de
política. Em segundo lugar, porque ele se adéqua a qualquer das áreas de atividade onde
a atuação do governo é importante.
Para desenvolver sua análise, o profissional (agora convertido em analista) deverá
conhecer com alguma profundidade a área em que trabalha e o ambiente em que se
insere. Se isto ocorrer, ele será capaz de identificar adequadamente os objetos, fatos,
atores, organizações, relações, que correspondem aos elementos do marco analítico-
conceitual ─ conceitos, modelos, fatos-estilizados ─ que se apresentou até aqui e que a
seguir sintetiza-se. Pelo menos é este o desafio que esta seção procura enfrentar ao
sistematizar a grande variedade de temas abordados pela também variada literatura
consultada através de quadros sinópticos etc.
Ao organizar esta seção adotou-se um estilo ao mesmo tempo “telegráfico” e
abrangente coerente com a suposição de que o leitor não apenas conhece o conteúdo até
aqui apresentado como terá condições de aprofundá-lo consultando a bibliografia indicada.
Sua finalidade é que ele possa funcionar como um apoio metodológico quando não se
conta ainda com elementos suficientes para realizar um trabalho mais focado e
proporcionar insights e pistas de pesquisa que permitam iniciar o trabalho de uma forma
185
metódica, através do uso inter-relacionado dos conceitos próprios da Análise de Política
com coerência e consistência.
6.10.1. Os instrumentos da Análise de Política
A Figura 6.10.1.1 que segue ilustra a função do processo de análise de uma política
no contexto mais amplo de um setor de atividade pública qualquer. Ela mostra como este
processo, cujo objetivo é, por um lado apreender esta realidade e, por outro, fornecer
indicações úteis para a elaboração propriamente dita da política, relaciona-se com a
realidade. A característica policy oriented da atividade de análise é assinalada com a
finalidade de enfatizar seu objetivo de, tendo em vista as restrições impostas por esta
realidade, transformá-la buscando uma situação desejada.
FIGURA 6.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS
REALIDADE
politics
ANÁLISE DE
POLÍTICA
POLICYpolicy
orientation
restrições
mudança
apreensão problem oriented
FONTE: elaborado pelo autor.
O Quadro 6.10.1.2 oferece uma visão mais detalhada dessas duas funções da
análise de política: apreender a realidade e atuar sobre ela. Eles devem ser vistos como
uma síntese do conteúdo desenvolvido nas seções precedentes que busca proporcionar
ao analista um guia para a análise assinalando a série de conceitos, relações e escolhas
que deve manter-se no seu foco. Coerentemente com a característica desta seção, as
expressões usadas não estão aqui definidas ou relacionadas a outras que, no entanto,
contribuem a dar-lhes o significado que possuem.
QUADRO 6.10.1.2: FUNÇÕES DA ANÁLISE DE POLÍTICAS
186
para apreender a realidade: MODELIZAÇÃO
variáveis endógenas e exógenas
relações de causalidade fatos estilizados
comparações (diacrônicas e sincrônicas)
modelos descritivo e explicativo
determinações do contexto sócio-econômico
aspectos da realidade
• para atuar sobre a realidade (policy)
• modelos normativo e institucional
• níveis de análise: atores e instituições, interesses e regras de
formação do poder
• processo de tomada de decisão: conformação da agenda,
participação dos atores
• “as três faces do poder”, racionalismo x incrementalismo, ‘non
decison making’
• implementação: discricionariedade, “street level bureaucrat”
déficit de implementação, enfoque top down x bottom up
A Figura 6.10.1.3 que segue ilustra como a partir desses instrumentos é possível
conceber um marco de referência para a análise da política. Seu entendimento, tendo em
vista os conteúdos até aqui apresentados, não demanda muitos comentários. Parece
necessário apenas salientar dois aspectos. Primeiro: é sobre o modelo produzido por meio
do procedimento de modelização que a política é elaborada e, por isso, tudo se passa
como se fosse sobre ele que o analista aplica marco de referência concebido; e é assim
que ele pretende atuar sobre a realidade a ser modificada. Segundo: tanto quanto como o
modelo, é importante para a concepção do marco de referência o ambiente institucional em
que se dá o processo de elaboração da política.
FIGURA 6.10.1.3: CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK”
187
CONCEPÇÃO E USO DE UM “POLICY FRAMEWORK”
sIstema
contexto
MODELO
AMBIENTE
INSTITUCIONAL
VARIÁVEIS endógenas e exógenas
(SELEÇÃO)
RELAÇÕES CAUSAIS
(HIPÓTESE)
POLICY FRAMEWORK
+
realidade
MODELIZAÇÃO
modelo
sistema
FONTE: elaborado pelo autor.
6.10.2. Tipos de Análise de Política
Entre as várias opções que deve realizar o analista no decorrer de uma análise de
política, uma, crucial, é o tipo de trabalho que pretende desenvolver. O Quadro 6.10.2.1
que segue indica as sete variedades possíveis mostrando as respectivas características. A
escolha do analista depende de sua perspectiva ideológica, objetivo, posição que ocupa no
ambiente político etc. Freqüentemente, no entanto, o analista altera as características de
seu trabalho, à medida que aumenta seu envolvimento com a política que analisa,
podendo inclusive percorrer todo o espectro conformado pelas sete variedades abaixo
indicadas.
QUADRO 6.10.2.1: VARIEDADES DE ANALISE DE POLÍTICA
(1 ) Estudo do conteúdo das
políticas
analistas procuram descrever e explicar a gênese e o
desenvolvimento de políticas, isto é, determinar como
surgiram, como foram implementadas e quais seus
resultados;
(2) Estudo da elaboração das
políticas
analistas dirigem a atenção para estágios pelos quais
passam questões e avaliam a influência de diferentes
fatores, sobretudo na formulação das políticas;
(3) Estudo do resultado das
políticas
explicar como os gastos e serviços variam em
áreas diferentes, políticas interpretadas como variáveis
dependentes entendidas em termos de fatores sociais,
econômicos, tecnológicos e outros;
(4 ) Avaliação de políticas identificar impacto que políticas têm sobre o contexto
sócio-econômico, ambiente político, população;
(5) Informação para elaboração
de políticas:
governo e analistas acadêmicos organizam os dados,
para auxiliar a elaboração de políticas e a tomada de
decisões;
(6) Defesa do processo de
elaboração da política
: analistas procuram melhorar processos de elaboração
de políticas e máquina de governo, mediante realocação
de funções, tarefas e enfoques para avaliar opções;
7) Defesa de políticas Atividade exercida por grupos de pressão que defendem
idéias ou opções específicas no processo de elaboração
de políticas. FONTE: elaborado pelo autor.
188
6.10.3. Uma visão de conjunto dos três momentos da Elaboração de Políticas
O Quadro 6.10.3.1 abaixo apresenta uma síntese do Processo de Elaboração de
Políticas Públicas enfatizando aspectos dos seus três momentos. Ele pode ser usado
como uma ajuda para a análise simplificada (e é claro, simplista e ainda pouco refinada) de
uma política qualquer. Algo como um checklist.
Sua utilização como uma espécie de guia de análise implica no procedimento de
tentar “enquadrar” (ou classificar) cada um dos três momentos do processo de elaboração
de uma dada política sob análise em um dos dois modelos estilizados extremos. Isto
porque é tomando um dos dois como “caso puro, ideal” em relação ao qual se desvia o
caso concreto que se está analisando é que se pode proceder de maneira segura à análise
do processo concernente a cada momento.
De modo a auxiliar a compreensão do quadro e facilitar seu uso, se realiza abaixo a
sua “leitura por coluna”. Em cada coluna se indica os dois modelos ou aspectos extremos
que costuma assumir, na realidade, o processo concernente a cada um destes momentos.
QUADRO 6.10.3.1: O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
FORMULAÇÃO IMPLEMENTAÇÃO AVALIAÇÃO
INCREMENTAL(modelodescritivo =normativo)
RACIONAL(modelo explicativo= normativo)
BOTTOM UP TOP DOWN RITUALÍSTICA INDUTORA DEMUDANÇAS
NegociaçãoAjuste
InteressesValoresObjetivos
“profissionais”decisorescontinuumdiscricionaridade
burocratasagências“manual”
“consenso” forçadopela segunda eterceira faces do
poder
Plano comoinstância de
explicitação deconflitos
Irrupção de conflitosencobertos naformulação
Terceira face dopoder comogarantia deimplementação
- o “bom é opossível, o quesatisfaz a elite
- o “bom é oque satisfaz o plano
RESULTADOS, PRODUTOSE IMPACTOS
- critérios ex-post,exógenos
- critérios ex-ante,endógenos
Monitoramento dos
efeitos
Metas, prazos Satisfação das
Elites
comparação:
metas x resultados
combinação mais usual FONTE: elaborado pelo autor.
Na primeira coluna, da Formulação, opõe-se os modelos incremental e racional, na
segunda, da implementação, confrontam-se os modelos bottom up e top down e, na
terceira, da avaliação, apresentam-se as alternativas da avaliação simplesmente ritualística
e a que é, de fato, indutora de mudanças sobre o ambiente em que atua a política.
189
Existe uma óbvia correspondência entre o modelo situado à esquerda na segunda e
terceira colunas com aquele situado à esquerda na primeira coluna. Ou seja, se o modelo
que mais se adequai à realidade observada é o racional, é provável que a implementação
da política tenha transcorrido de acordo com um modelo top down e deva ser por seu
intermédio analisada. E, se este é o caso, é provável que a avaliação dos resultados da
política possa se dar em torno às metas, objetivos etc., previamente definidos e que ela
seja capaz de induzir mudanças no processo de formulação e, assim por diante, ao longo
do “ciclo da elaboração de política”.
Apesar disto, o procedimento que se aconselha é considerar esta correspondência
como algo a ser testado. Isto porque situações mistas podem ocorrer.
Voltando à Formulação, vemos que o processo decisório pode seguir (ou ser
assimilado a) um modelo incremental, cuja ênfase é basicamente descritiva e,
aparentemente sem conteúdo normativo, ou racional, cujo objetivo não é apenas descrever
a realidade, mas explicá-la e, explicitamente, atuar sobre ela (prescrever).
No primeiro modelo, o processo decisório caracteriza-se pela negociação e barganha,
sem a utilização de qualquer metodologia específica de planejamento, por exemplo. Vigora
apenas o diálogo entre partidários de interesses e cursos de ação distintos, todos eles
dispondo, idealmente, de informação plena e poder indiferenciado. O resultado do
processo é um ajuste entre eles, que tenderá a assumir uma característica incremental, na
medida em que a situação a que tende a chegar o processo decisório diferencia-se de
forma apenas marginal, incremental, da existente.
A formulação tem como resultado um “consenso” de caráter freqüentemente ilusório e
precário, posto que baseado em mecanismos de manipulação de interesses (segunda e
terceira faces do poder) que constringem a agenda de decisão a assuntos “seguros” e
conduzem a situações de não-tomada de decisão que costumam favorecer as elites de
poder. Este “consenso” possui, ademais, um caráter efêmero, na medida em que se pode
desfazer quando da implementação da política. Sua representatividade será, assim, tanto
menor quanto mais desequilibrada for a correlação de forças entre os atores.
A Implementação deste “consenso” é, na aparência, desprovida de conflitos. E, na
medida em que não existe um elemento concreto como um plano, que explicite o acordo
alcançado, o critério usado para a avaliação de seu resultado é: o “bom é o possível” ou,
em outras palavras, o bom é o que satisfaz a elite.
190
O segundo modelo envolve a utilização de metodologias específicas de planejamento
como apoio ao processo decisório. É através delas que se realiza uma minuciosa definição
dos interesses, valores e objetivos de cada um dos atores (ou partidários) de interesses e
cursos de ação distintos. O plano funciona, então, como uma instância que se levada a
efeito de modo cabal obriga à explicitação de conflitos encobertos (segunda face do poder)
e latentes (terceira face do poder). Neste caso, existe um elemento concreto ─ o plano ─
que explicita o acordo alcançado. Em conseqüência, o critério usado para a avaliação do
resultado da política é a sua aderência aos objetivos planejados e aos impactos desejados:
o “bom é o que satisfaz o plano”.
Em termos do acompanhamento do processo de implementação da política, enquanto
o primeiro modelo permite apenas o monitoramento de alguns efeitos (impactos) da
política, o segundo contempla o monitoramento acerca do cumprimento das metas, prazos,
utilização de recursos etc.
Na segunda coluna, da Implementação, opõem-se os modelos bottom up e top down
que devem ser escolhidos pelo analista para proceder a sua análise. Esta escolha deve
dar-se em função de uma avaliação de conjunto que deve ser realizada acerca das
características que apresenta a política e, freqüentemente, inclusive porque ela é sempre
uma solução de contingência, de compromisso (situações mistas podem ocorrer) e por
aproximação, ela se modifica ao longo da análise.
Embora possa parecer óbvio, vale a lembrança: Neste caso, como no anterior ─ dos
modelos racional e incremental ─ e em tantos outros que se apresenta ao longo deste
capítulo, e que envolvem escolhas metodológicas, a opção do analista não deve dar-se em
função de qualquer consideração normativa. Trata-se de escolher um modelo descritivo;
isto é, que melhor descreva a realidade existente. Algo que represente, explique, o que é;
e não o que deve ser.
Os processos de Implementação de tipo top down possuem uma aparência mais
“organizada”, planejada, racional. Teoricamente, eles seriam a conseqüência, no plano da
implementação, da escolha do modelo racional para guiar (cuidado, não para analisar) o
processo de formulação. Como existe neste caso uma nítida separação entre o dois
momentos, a implementação só se inicia depois da formulação ter sido finalizada em todos
os seus detalhes pelos policy makers. Burocratas operando agências com hierarquias,
cadeias de comando, atribuições, atividades etc. bem definidas, sem superposições e
rigorosamente consignadas em manuais são, neste caso, a regra. Havendo ou não
191
racionalidade no processo, o certo é que a existência de mecanismos de manipulação de
interesses associados à “terceira face do poder” são uma garantia da implementação de
processos tipo top down.
Por oposição, no caso dos processos de tipo bottom up são profissionais com
considerável poder de decisão sobre os assuntos-chave, de conformação da agenda, e
elevada discricionariedade, os que implementam a política. Um continuum formulação-
implementação é típico neste caso e as organizações envolvidas (ver item seguinte nesta
seção) possuem uma aparência e lógica de funcionamento totalmente distinta: muito mais
“frouxa e desorganizada”. É freqüente em processos deste tipo que conflitos encobertos no
momento da formulação, por impossibilidade ou inconveniência de que as decisões sejam
de fato tomadas, irrompam com toda a força durante a implementação.
A forma como os resultados, produtos e impactos são obtidos em cada caso, ao
longo da implementação, é compreensivelmente variada.
Por isso, na terceira coluna ─ momento da avaliação ─ sistematiza-se as duas
situações extremas, correspondentes, conforme se apontou, aos modelos incremental e
racional, respectivamente. No primeiro caso, do modelo incremental, uma vez que não
houve uma preocupação prévia em definir indicadores (metas etc.) que pudessem
mensurar os resultados alcançados, compará-los com os projetados, e assim avaliar em
que medida o processo de implementação foi bem sucedido, a avaliação só poderá ser
realizada, conforme apontado, através de um critério difuso, subjetivo, de satisfação dos
atores envolvidos. Critérios ex-post, exógenos ao processo, são então adotados de modo a
proceder ao que denominamos de avaliação ritualística, uma vez que ele é mais um
processo de legitimação, não raro manipulador e demagógico, do que uma avaliação
propriamente dita.
No caso do modelo racional, ocorre o oposto. Uma vez que indicadores adequados
foram definidos, e que critérios ex-ante, endógenos ao processo foram explicitamente
adotados, a verificação de consecução das metas, resultados e impactos esperados se dá
de modo transparente e inequívoco. Ao contrário do caso anterior, em que o parâmetro de
avaliação é o grau de satisfação das elites que dominam o processo de elaboração da
política desde a sua formulação, a avaliação pode ser realizada através da comparação
entre metas e resultados, conduzindo a mudanças significativas no próximo “ciclo da
elaboração de política”.
192
6.10.4. Uma tipologia das organizações
É freqüente que a análise de uma política tenha que incluir a análise da
organização(ões) com ela envolvida(s). Isto ocorre não apenas porque as organizações
são unidades de análise mais suscetíveis de serem analisadas de maneira produtiva,
transcendendo as idiossincrasias e subjetividades deste ou daquele ator interveniente.
Como já ressaltado, elas são elementos centrais no processo de elaboração; são o lócus
onde ocorre o processo decisório e o principal agente responsável pela implementação das
políticas.
Como ressalta Elmore (1978): "Uma vez que, virtualmente, todas as políticas públicas
são executadas por grandes organizações públicas, somente através do entendimento de
como funcionam tais organizações é que se pode compreender como as políticas são
lapidadas em seu processo de implementação".
Embora não exista um procedimento padrão para proceder a sua análise, mesmo
porque a vertente da administração durante muito tempo considerou pouco relevante a
pergunta de “por que as organizações não funcionam como deveriam”, é possível
encontrar algumas pistas nas contribuições relativamente mais recentes à teoria das
organizações.
Uma importante contribuição neste sentido é a realizada por Elmore (1978),
apresentada sobre os modelos de organizações e o processo de elaboração de políticas. A
partir dela é possível caracterizar ─ a priori e tentativamente ─ as instituições que se
pretende analisar. De fato, uma boa providência para iniciar a análise de uma organização,
quando não se conta ainda com elementos suficientes para realizar um trabalho mais
focado, é tentar classificá-la num dos quatro modelos ou “casos ideais” em relação aos
quais o caso concreto que se está analisando pode ser considerado como um desvio.
O Quadro 6.10.4.1 apresentado a seguir, provocativamente denominado “Grade para
Identificação de Organizações”, fornece uma visão sintética da contribuição de Elmore
(1978). Trata-se de uma “matriz de dupla entrada” com dezesseis células construída a
partir da tipologia apresentada na seção acima indicada. Em conjunto com ela, o quadro
proporciona pistas de pesquisa que permitirão iniciar o trabalho de uma forma metódica,
através do uso das categorias do estudo das organizações. Seu objetivo é reforçar a
recomendação de que as categorias que sugere sejam usadas para iniciar um processo de
análise de uma organização qualquer.
193
QUADRO 6.10.4.1: “GRADE PARA IDENTIFICAÇÃO” DE ORGANIZAÇÕES
6.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociação
O debate em torno das “bondades” do planejamento tradicional vis-à-vis a negociação
é recorrente na literatura sobre o Planejamento e a Análise de Política. Como
freqüentemente costuma ocorrer, este debate situa-se muitas vezes sobre bases falsas,
imputando cada contendor ao outras posições que não correspondem à realidade. A tática
de “construir um espantalho para derrubá-lo mais facilmente” faz com que às vezes fique
difícil ao analista desvelar a realidade em meio à neblina ideológica que cerca debates
deste tipo.
O quadro abaixo procura ajudar o analista de políticas quando situado no extremo do
“fazedor de políticas” do espectro da elaboração da política mais do que naquele a que se
tem referido mais propriamente como da análise da política. Em outras palavras, ele é um
guia metodológico que dialoga com alguns dos capítulos deste documento (e não com as
demais seções deste capítulo) nas quais o analista se encontra tipicamente inserido numa
I Implementação como um sistema de gerenciamento
II Implementação como
um processo burocrático
III Implementação
como desenvolvimento organizacional
IV Implementação
como um processo de
conflito e barganha
Princípio Central -maximizadoras de valores -racionalidade: metas
-discricionariedade dos funcionários estabelecendo rotinas
-satisfação psico-social como objetivo -autonomia, participação e compromisso
-instituição como arena de conflito por poder e recursos
Distribuição de Poder
-controle hierárquico -top down
-fragmentado entre subunidades especializadas
-disperso: minimizar controle hierárquico e maximizar controle individual
-poder instável, dependente da capacidade de alavancar recursos e não da hierarquia
Formulação (decisão) de políticas organizacionais
-encontrar o ótimo teórico e mantê-lo
-controlar a discricionariedade para alterar incrementalmente as rotinas
-qualidade = F (sinergia entre grupos de trabalho efetivos) -consenso baseado em confiança e relacionamento interpessoal
-negociação permanente, não por metas mas para preservar mecanismo de alocação de recursos
Processo de implementação
-adequação do comportamento a valores e metas
-identificação dos pólos de poder para coibi-los e possibilitar a mudança
-acomodação entre formuladores (metas) e implementadores (autonomia)
-êxito: preservação da negociação
194
estrutura de elaboração de políticas (ou de planejamento) no interior do aparelho de
Estado.
O Quadro 6.10.5.1 sistematiza as diferenças mais notáveis que apresenta um
processo de elaboração de política quando conduzido de acordo com o espartilho extremo
do
Planejamento Tradicional ou segundo o figurino ─ cuja aparência fashionable é
entretanto, às vezes ilusória e demagógica ─ da Negociação.
QUADRO 6.10.5.1: ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Elaboração de Políticas Públicas
PlanejamentoTradicional
CONCEPÇÃO
ELITISTA
Modelo
Explicativo
Causal
FORMULAÇÃOPROCESSO
DECISÓRIO
IMPLEMENTAÇÃO
CO
NT
INU
UM
POLICY:
valores
objetivos
meios
CONCEPÇÃO
PLURALISTA
Ajuste mútuo
entre partidários
Marco
Institucional
Normativo
INCREMENTALISMO
TOP DOWN
POLICY:
bom é o
possível
Poder
assimétrico
RACIONALISMO
autoritarismo ou participação?
tecnocracia ou transparência?
Agenda permeável
Conflitos abertos
democracia ou manipulação?
mudança ou status quo?
Agenda controlada
2a e 3a faces
do poder
Negociação
Poder
distribuído
Plano
FONTE: elaborado pelo autor.
Muitos dos conceitos e relações que nele aparecem são os utilizados no quadro
anterior e foram apresentados no decorrer do capítulo. Por esta razão, e adotando um
procedimento semelhante ao do item anterior, exploram-se os contrastes existentes entre
as situações (concepções e modelos) extremas normalmente assimiladas ao Planejamento
Tradicional e à Negociação.
O quadro pode então ser entendido como um conjunto de critérios auxiliares para a
decisão acerca de que cursos de ação deve tomar ─ Planejamento Tradicional ou
Negociação ─ na presença de situações extremas tendo como pressuposto o
compromisso inerente à postura normativa já referida, da melhoria do processo de
elaboração de política.
Assim, se o analista opera enquanto “fazedor de políticas” numa área de política
pública em que o ambiente político é semelhante ao tipificado à esquerda, em que o poder
195
é assimétrico ou se encontra concentrado, e a presença de mecanismos de manipulação
de interesses (segunda e terceira faces do poder) facultam um efetivo controle da agenda
de decisão, sua escolha metodológica deverá estar pautada:
- No que diz respeito à visão do Estado, pela concepção elitista e não pela pluralista;
- No que tange ao modelo do processo de decisão (neste caso normativo e não
descritivo), no racional e não no incremental;
- No que respeita ao auxílio ao processo de decisão, o analista deve procurar
construir um modelo explicativo causal da realidade observada que permita aos
tomadores de decisão uma visão adequada das conseqüências de suas preferências
e ações e não simplesmente aplicar o modelo normativo ou institucional já
consagrado e que tende quase que inexoravelmente à reprodução do status quo;
- Finalmente, e ainda no que concerne ao auxílio ao processo de decisão, o analista
deve esforçar-se para que seja estabelecido um compromisso explícito entre os
atores. Isto é, que seja concebido um plano o mais racionalmente detalhado possível
(em que não somente metas e resultados sejam definidos, mas que sejam
explicitados os valores e interesses dos atores intervenientes) e não confiar
simplesmente que o “ajuste mútuo de partidários” leve a uma solução que assegure a
melhoria das políticas.
Por oposição, se o ambiente político com o qual se defronta o analista enquanto
“fazedor de políticas” é semelhante ao tipificado à direita, sua opção metodológica deverá
ser a oposta em cada um dos planos de escolha acima indicados.
O estilo e atuação contracorrente, que aqui se recomenda ao analista “fazedor de
política”, parece ser o mais coerente com o ideal burocrático weberiano e com uma
proposição ideológica fundada em valores democráticos. Segundo ela, cabe aos
servidores públicos privilegiar a transparência, a participação, a desconcentração do poder,
a igualdade de direitos e oportunidades a todos os cidadãos em detrimento do
autoritarismo, do comportamento tecnocrático, da manutenção do status quo, e da
manipulação de interesses.
Finalmente cabe ressaltar que este estilo parece ser, ainda mais do que em outras
regiões, um objetivo a ser perseguido por aqueles que, na América Latina, percebem a
extrema concentração de poder econômico e político que entrava o nosso
desenvolvimento.
196
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É urgente a necessidade de capacitar o gestor público para levar a cabo as tarefas
colocadas pela atual conformação das relações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser
construído. Fazê-lo através de um Curso de Especialização como este parece ser
essencial para fazer com que essas relações sejam capazes de promover o país mais
justo, igualitário e ambientalmente sustentável que todos desejamos.
Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relações Estado-Sociedade,
desde que respeitando as regras democráticas, é um direito legítimo de governos eleitos
com o compromisso de levar a cabo suas propostas. Assumir explicitamente essa intenção
não diferencia o atual governo de outros que ocuparam anteriormente o aparelho de
Estado. O que sim o faz é o fato de que ela esteja sendo buscada através de um
significativo esforço por aumentar quantitativa e qualitativamente a capacidade do corpo de
funcionários públicos para implementar as suas propostas.
Um Curso de Gestão Pública como o que aqui se discute parece ser uma condição
necessária, inclusive, para assegurar que as mudanças sejam realizadas de forma
competente, criteriosa, sem comprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máxima
aderência aos consensos que alcançou a sociedade brasileira de respeito à participação
cidadã, democrática e republicana de todos os seus integrantes.
197
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